Tânia dos Santos Sexanálise VozesJogar “Badminton” em Hong Kong O badminton tornou-se um nome de código para sexo entre os jovens em Hong Kong. Aprendi isto num evento de comédia em Hong Kong, um Comedy Game Show Panel (se quiserem saber mais podem procurar por Hong Kong as F*ck) que, em inglês, satirizam as notícias da semana aos sábados à noite. A associação entre sexo e badminton tem origem numa iniciativa governamental. Tudo começou com um manual sobre adolescentes e relações íntimas lançado para auxílio dos professores nas aulas de educação sexual com os jovens do secundário. O objetivo do manual é claro: prevenir sexo pré-marital a todo o custo. Lá se explanam as consequências do sexo pré-marital como uma gravidez indesejada, as consequências legais quando se trata de menores de 16 anos, e até o desconforto emocional que pode surgir da experiência. Se os jovens sentirem a vontade de ter sexo, o manual sugere que eles procurem alternativas, como jogar badminton. Todo o aconselhamento escolar é feito no sentido de identificar os estímulos e circunstâncias que levam à excitação e aconselhar os jovens a evitá-las ao máximo. Em sala de aula, o professor e alunos discutem possíveis cenários para melhor compreender o percurso que vai do estímulo ao comportamento. Por exemplo, analisam o impacto de estímulos ambientais, visuais e sensoriais de quando ela optou por vestir uma blusa com os ombros à mostra, quando estavam sozinhos em casa, que levou a uma excitação indesejada. De seguida, debatem-se as estratégias para lidar com essas situações: 1) evitar (por exemplo, sair de onde se está) ou 2) criar atividades alternativas que consumam energia de modo a criar uma distração, como irem jogar badminton. O manual está repleto de “pérolas” que tanto servem de material para comédia como como são extremamente explícitas e utilitárias. A cereja no topo do bolo é a minuta de contrato que é sugerida como atividade para que os jovens definam, por escrito, com os seus parceiros, as condições para a sua intimidade, e as estratégias que irão utilizar para que não tenham fantasias e comportamentos “inapropriados” antes do casamento. O contrato pede assinatura de uma testemunha para verificar o compromisso de ambas as partes. A formalidade e o decoro são, claramente, elementos fundamentais no processo. Em reposta, os jovens, os grandes contribuidores para a contra-cultura, começaram a usar emojis de badminton para falar sobre sexo. É um clássico exemplo de resignificação que nos indica como estes conteúdos estão a ser reinterpretados e disseminados por uma audiência mais complexa, com outras opiniões e experiências. Um manual para jovens para a abstinência não é o pior dos problemas. Ao folheá-lo, percebe-se que aborda questões importantes, como os limites que os jovens podem querer traçar no seu próprio caminho da intimidade. No entanto, várias secções são motivo de desconforto. A constante responsabilização das raparigas pela excitação masculina, sugerindo que não devem vestir-se de forma “provocatória”, ou a repressão sistemática da masturbação, impede a discussão de outros temas fundamentais que os jovens precisam de abordar. Além disso, não se encontram no manual conteúdos sobre contraceção, prazer ou consentimento explicados de forma aprofundada, nem qualquer tentativa de desafiar o discurso heteronormativo predominante na abordagem à sexualidade e à intimidade. Os jovens em Hong Kong aprendem essencialmente a dizer “não”, mas não recebem ferramentas ou espaço para compreender as formas saudáveis de vivenciarem a sua sexualidade e as transformações do seu corpo, não só neste período crítico, como ao longo da sua vida. O “sim” não é uma ode à libertinagem sexual. O “sim” pressupõe um leque de nuances que envolve informação, reflexão e espaços seguros de discussão, algo que muitos jovens não têm oportunidade de explorar — nem em Hong Kong, nem, atrevo-me a dizer, noutras partes do mundo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO Consentimento Entusiástico Nos últimos anos, o debate sobre consentimento sexual tem sido intenso. Depois de todos os escândalos de assédio sexual, o consentimento é agora encarado de forma bem mais complexa. Uma abordagem mais contemporânea, já discutida na cultura popular e televisiva, é a do consentimento entusiástico. Este conceito visa complexificar o que se entende por consentimento. Baseia-se no seguinte: o sexo e todas as interações íntimas devem ser baseadas numa resposta clara e entusiástica de vontade, em vez de simplesmente não haver resistência. O consentimento entusiástico exige uma atenção cuidada à interação sexual, à forma como os corpos se sentem, e ao nível de disponibilidade e vontade durante a interação. Isto não significa que todas as interações íntimas se resumam a ambas as partes estarem igualmente interessadas e comprometidas com a experiência íntima, sem qualquer dúvida, pressão ou hesitação. O que importa é que ambas as partes estejam sintonizadas com possíveis mudanças, e que questionem a pessoa com quem estão: “isto sabe bem?”, “como te sentes?”. O consentimento, o simples, é preconizado pelo sim. Mas o sim pode ser mecânico ou resultar de pressões sociais ou emocionais. Pretender que o consentimento seja entusiástico para melhor aferir se uma relação sexual foi abusiva ou não, é apenas reforçar que o sim precisa de contextos, predisposições emocionais e comunicação para que se refira a uma intenção genuína. Este é um modelo para garantir que as relações íntimas sejam seguras, respeitosas e prazerosas para todas as partes envolvidas. Acima de tudo, serve para assegurar o respeito pela autonomia pessoal, permitindo uma comunicação clara e inequívoca sobre o que se quer e o que se sente confortável em fazer. As preocupações de que o sexo deixe de ser espontâneo e divertido são infundadas. Querer estar presente e atento à forma como se envolvem reforça relações de confiança e maior intimidade. O sexo não “acontece” simplesmente; ele é o resultado de uma negociação, que é verbal e física. Poderá ter existido a fantasia de que, em relações heterossexuais, as mulheres precisariam de alguma “persuasão” para se envolverem no sexo. E isso criava uma situação delicada: os homens achavam que este era um passo necessário, e as mulheres sentiam-se pressionadas, ficando o consentimento perdido algures no meio desta confusão. No mundo da libertação sexual, este é um cenário cada vez menos plausível, diria o meu otimismo. Não só porque as representações de género são cada vez mais complexas e matizadas, como também porque a natureza das relações e a forma como se encara o sexo têm mudado. Idealmente, o sexo é cada vez mais entendido como a oportunidade de sentir prazer entre duas pessoas, e terá de existir uma disponibilidade física e emocional para isso. Há quem, contudo, tenha criticado o facto de o consentimento entusiástico ainda depender de “pistas” sobre como as pessoas se sentem e se encontram disponíveis. E, de facto, a avaliação destas “pistas” pode não ser suficiente. Para pessoas que se identifiquem como assexuais, bem como para a comunidade BDSM, a questão do consentimento já há muito é trabalhada: o uso da palavra para explicitar limites é o melhor recurso para evitar mal-entendidos. Esta questão do consentimento entusiástico é particularmente importante junto dos jovens que estão na exploração da sua sexualidade. O conceito representa uma forma necessária de encarar as relações íntimas. Ao colocar a comunicação, o respeito e o entusiasmo no centro da experiência sexual, todos beneficiam. Não é apenas uma nova regra ou exigência, mas sim uma oportunidade de construir espaços de segurança para a exploração, baseados na igualdade e no respeito mútuo. Para jovens e para todas as idades.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA gueixa e a erotização da mulher asiática O fetiche pelas mulheres asiáticas tem raízes profundas na história e continua a manifestar-se na sociedade moderna através de estereótipos culturais, representações mediáticas e dinâmicas de poder. Muitas vezes, as mulheres asiáticas são retratadas como submissas, exóticas ou sexualizadas, sendo vistas através de uma lente distorcida moldada por fantasias ocidentais. A cultura pop, através de filmes, literatura e, mais tarde, a internet, reforçou essas representações erróneas, perpetuando a visão da mulher asiática como uma figura “dócil” e “obediente”. Um dos símbolos centrais dessa erotização é a figura da gueixa — um ícone cultural no Japão que tem sido mal interpretado. Durante a dita “expansão” colonial, as mulheres asiáticas foram colocadas em estereótipos de submissão, quietude e hiper-sexualidade. Recentemente, nas plataformas de encontros online nota-se o agravamento deste problema. Estudos mostram como as mulheres asiáticas são interpeladas com comentários racialmente carregados e vindos de fetiches, como “Sempre quis estar com uma asiática”. Há quem chame a esta tendência o yellow fever. Das muitas causas para a criação do estereótipo da mulher asiática como submissa e sexualizada, trago a figura da gueixa. As gueixas, cujas origens remontam ao século XVII, são artistas e anfitriãs treinadas em diversas formas de arte tradicional japonesa. São conhecidas pelo seu domínio da música, dança, cerimónia do chá e a capacidade de manter conversas sofisticadas, muitas vezes em jantares ou eventos importantes. Ser gueixa é sinónimo de disciplina e respeito pela preservação de tradições culturais seculares. Para se tornar uma gueixa, uma mulher passa por anos de treino nas artes performativas, aprendendo a vestir elaborados quimonos, aplicar a icónica maquilhagem branca e dominar a interação social. Em vez de reconhecerem as gueixas como figuras culturais, a imaginação ocidental transformou-as em símbolos de disponibilidade sexual e submissão. A gueixa não é, e nunca foi, uma trabalhadora do sexo, como muitas vezes se assume. Esta redução das gueixas a meros objetos de desejo sexual alimentou o crescente estereótipo das mulheres asiáticas como exóticas e submissas. Não quer dizer que as suas práticas performativas não sejam dotas de sensualidade, mas estão carregadas de tradição e respeito também. Alguns exemplos de incompreensão: um pub irlandês perto da base americana de Okinawa decorou a sua entrada com duas meninas japonesas de kimono, a descobrir as suas pernas e decote. Filmes como Memórias de uma Gueixa apresentam uma versão ocidentalizada e sexualizada do papel das gueixas. Até a Kim Kardashian quis dar o nome de “Kimono” à sua marca de roupa interior, que provocou consternação no Japão. O kimono é uma peça de roupa sofisticada que as Gueixas usam em para eventos sociais – não é uma peça de roupa interior. Não é por acaso que os turistas estão agora proibidos de visitar o bairro de Gueixas em Kyoto. Talvez seja um salto astronómico, mas estes retratos sociais mal compreendidos contribuem para o universo colectivo do fetiche racial. E a par da representação popular da Gueixa poderia numerar muitas outras, como a representação da mulher vietnamita durante a guerra do Vietname, e a representação de inocência das mulheres à frente de grupos de K-Pop e J-Pop. Combater o estereótipo da mulher asiática submissa exige uma reflexão crítica sobre como a cultura e a história asiática têm sido apropriadas e deturpadas em outras partes do mundo; de como as histórias que contamos sobre a história precisam de ser reanalisadas com sensibilidade e respeito. Implica, acima de tudo, rejeitar as narrativas que reduzem as mulheres a objetos de fantasia e reafirmar a sua complexidade.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO Museu dos Corações Partidos Em Zagreb, na Croácia, tive a oportunidade de visitar o “Museum of Broken Relationships”. A ideia é extraordinariamente simples: trata-se de uma exposição de vários objetos que estiveram de algum modo relacionados com o fim de relacionamentos. O nome sugere relacionamentos românticos, e de facto, a maioria das peças refere-se a eles. Mas não são os únicos retratados. A ideia para este museu surgiu durante o processo de separação do seu criador. No momento da habitual divisão de bens, ele rapidamente percebeu como os objetos carregam memórias e apegos, e foi essa constatação que o inspirou. Foi assim que convidou várias pessoas a submeterem os seus objetos e histórias de separação, reunindo-os todos numa exposição. Quem entra no museu sem muito contexto sobre o que se passa ali, depara-se com uma sala cheia de objetos mundanos — alguns mais interessantes, outros mais bizarros. Só com as narrativas dos seus doadores é que estes objetos ganham uma forma emocional. É esse contexto que transforma o espaço num repositório de dores. Chorei e ri-me. Também senti angústia. Quanto mais simples e curtas eram as histórias, mais profundamente se cravavam no coração. Aquele espaço tornou-se uma porta de entrada para as dores dos outros, reverberando nos seus visitantes. O simbolismo construído em torno de cada objeto concretizava-se na experiência do visitante, porque existia, real e simbolicamente, em todas as dimensões. Em alguns casos, percebi que doar o objeto do seu relacionamento poderia ser um ato catártico, um desfecho. Como se dissessem ao mundo: “Já não preciso de me agarrar à memória desta pessoa, aqui vos ofereço o nosso fim.” Algo que que muitos visitantes provavelmente quiseram fazer no passado. Alguns destes objetos eram do corpo, como as rastas que ele deixou para trás, ou o enxerto de pele que ele teve de fazer após um grave acidente. Ou as botas de mota da Maria, que, apesar de terem tido várias donas ao longo dos anos, à medida que as relações mudavam, nunca deixaram de ser as botas dela. Outros objetos também eram mais criativos. Um marido, antes de se separar da sua mulher, pediu-lhe que lhe fizesse uma camisola em tricot. A indecisão era tanta que, a cada semana, mudava de ideias quanto à cor, ao modelo ou ao tipo de ponto. Quando se separaram, a camisola ainda não estava feita. Mas, como forma de resolução, a mulher terminou a camisola incorporando todos os pontos de indecisão. Com as amigas, criaram uma camisola irregular, monstruosa, feia, indecisa. Agora está em exposição em Zagreb, como um ato de despedida. Também estava em exibição uma cassete, uma gravação caseira com a voz de um homem a falar japonês. O pai, que morreu pouco depois do filho nascer, deixou-lhe algumas gravações para que ele pudesse ouvir a sua voz. No entanto, a mãe agarrou-se de tal forma a esse vínculo que nunca as pôs a tocar, com medo de perder aquele momento outra vez. O filho quis fazer as pazes com essa história. Doou a cassete para que os visitantes pudessem ouvir a voz do homem que outrora existiu e que, de certa forma, ainda existe nos corações de quem sente a sua falta. Dei por mim a recordar as minhas próprias histórias de despedida e os seus objetos. Alguns foram fáceis de abandonar, outros andaram comigo durante anos. É normal que os nossos afetos encontrem refúgio na materialidade do mundo. A sensação de abandono, a dor, o sofrimento ou a solidão encontram conforto nos objetos mais insignificantes, porque eles fizeram parte da história, vibraram com a energia do passado. Todas as emoções que tendemos a sentir sozinhos, que estão no cerne da sensação de perda e abandono, o museu mostra-nos que são, na verdade, emoções partilhadas. Ninguém está sozinho com o seu coração partido.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAs ideias absurdas de Kim Ki-duck e as diferenças de género no suicídio O vereador de Seul, Kim Ki-duck, atraiu atenção mediática ao opinar sobre a taxa de suicídio entre os homens da cidade. Com um aumento acentuado, de 430 em 2018 para 1035 em 2023 (um aumento de 10 por cento no total), culpou prontamente a sociedade “dominada por mulheres”. Num relatório publicado no site do Concelho Metropolitano de Seul, o vereador sugere que a causa da diferença de género no suicídio é a competição das mulheres por bons empregos e a dificuldade acrescida dos homens em encontrar uma parceira para casar. Foi com grande alegria que vi o público sul-coreano e a imprensa internacional condenarem as ideias do vereador. Muitos apontaram para o óbvio: a Coreia do Sul não é um paraíso de igualdade de género laboral. Certamente que levanta a questão de como as mulheres podem estar a competir pelos postos de trabalho que Kim Ki-duck sugere. Ainda assim, em todos estes relatos ficou por explicar o porquê da diferença de género no suicídio, um assunto demasiado sério para ser ignorado. Será necessário olhar atentamente para a cultura local e realizar estudos mais aprofundados em Seul para entender as dinâmicas em jogo. Mas se é para atirar generalizações irreflectidas, ao menos que se fale de generalizações já bastante reflectidas e estudadas. Embora não possam explicar especificamente as dinâmicas de género em Seul, oferecem uma visão mais complexa sobre o suicídio e sua prevalência. Salvo algumas excepções geográficas, esta é uma tendência global: os homens morrem mais por suicídio do que as mulheres, embora as mulheres sejam mais frequentemente diagnosticadas com depressão e tenham mais ideação suicida. Há uma diferença essencialmente nos métodos de suicídio escolhidos. Enquanto os homens optam por estratégias mais assertivas (e.g., atirar-se de uma ponte, usar uma arma de fogo), as mulheres utilizam outros métodos (e.g., overdose de comprimidos), que, se tratadas a tempo, podem ser revertidas e cuidadas a longo prazo. A incidência de depressão nas mulheres sugere também que lhes é prestada ajuda de forma mais atempada. As representações e expectativas de género afectam a forma como os homens e as mulheres procuram ajuda. A masculinidade hegemónica tende a ditar que os homens não podem vulnerabilizar-se, o que contribui para maior isolamento social. Isto dificulta diagnósticos de saúde mental prévios, ou um acompanhamento mais aproximado em alturas de crise. Também ainda prevalece a crença de que os homens têm de garantir o sustento da casa, que, em situações de desemprego e precariedade laboral e social, pode suscitar os piores cenários. As mulheres, por outro lado, têm socialmente validado o contacto com as emoções, sendo mais propensas a falar sobre o que é difícil, partilhando com os outros as suas dores e desconfortos, diminuindo assim o isolamento. A causa para a disparidade de género do suicídio terá muito que ver com as representações rígidas de género que não permitem viver as dificuldades de forma acompanhada. É importante também lembrar que, ao olhar para populações específicas, há grupos mais vulneráveis ao suicídio, exactamente por estarem em situações de precariedade mais extremas. Dentro do grupo das pessoas trans, nos EUA, 40 por cento já tentaram o suicídio. Este é o resultado das várias camadas de discriminação e exclusão social que enfrentam. É preciso preocuparmo-nos com valores absolutos, mas também é preciso analisar a propensão de forma relativa e comparada. Existem especificidades estruturais e culturais que fazem com que outras incidências se manifestem, que merecem todo o nosso cuidado e preocupação. O suicídio é um assunto sério. É uma das principais causas de morte a nível mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde. Macau, inclusive, tem registado um aumento no número de suicídios. No ano passado, Macau ultrapassou a média global ao registar 13 mortes por 100.000 habitantes, de acordo com fontes noticiosas locais. E porque não deveremos falar de assuntos extramente dolorosos e difíceis sem oferecer possibilidade de ajuda e resolução, aqui ficam contactos úteis para quem tem ideação suicida ou conhece alguém que tenha. Podem contactar a Caritas Hope for Life Hotline (2852 5777) para atendimento em português e inglês das 14h às 23h de domingo a terça-feira e das 9h às 18h de quinta-feira a sábado. Está fechado às quartas-feiras e em feriados nacionais. Para atendimento em Chinês (2852 5222) o atendimento é permanente (24/7).
Tânia dos Santos Sexanálise VozesNo sexo, do que precisas? Comunicar sobre o sexo é uma tarefa difícil. O sexo está embrenhado em tantos tabus e medos que falar sobre ele pode erguer paredes, ao invés de as destruir. Isto porque o sexo aproxima-se do ser mais íntimo, aquele que está em contacto com os medos mais primários. Considerem o sexo como uma dança, um movimento de corpos que nos aproxima dos conteúdos mais prazerosos, mas também mais difíceis das nossas vivências, intimidades e vínculos. Quando se tocam nesses lugares cavernosos do prazer, pode surgir a necessidade de conversar sobre eles, principalmente quando o movimento dos corpos deixa de ser síncrono. A necessidade de comunicação surge quando esses conteúdos tão enterrados no nosso ser encontram essas águas lamacentas do outro. Por vezes, entra-se nesse espaço de bloqueio e medo, que paralisa e atiça a paralisia e a confusão no outro. No sexo, esse desencontro pode tornar-se muito evidente. A ligação dos corpos traz essas vivências inconscientes que as palavras mal conseguem expressar de forma eloquente, mas revelam-se nessa falta de união e entendimento. Nestas situações de desencontro, estimula-se a comunicação para criar pontes de diálogo. Na terapia de casal, por exemplo, tenta-se reinventar formas de comunicar que não sejam atiçadoras das situações de vulnerabilidade de cada um. O objectivo é a escuta activa. Na relação humana (que pode ser amorosa ou não), o momento de escuta pode ser entendido como a forma como se conseguem encarar os medos ou as dificuldades do outro sem infectar a nossa experiência de medo e dificuldade. No sexo, por exemplo, é comum que a necessidade de um membro da parceria atice alguma insegurança no outro. O uso de brinquedos sexuais durante o sexo, ou a utilização de lubrificantes para facilitação do toque e quiçá penetração, são por vezes encarados com medo de substituição. Estas acções também podem ser interpretadas como um sinal de falhanço, como se o uso de auxiliadores no sexo fosse um sinal de que não somos suficientes. Essas manifestações na outra pessoa são depois interpretadas com base nas nossas histórias pessoais, e se forem mal recebidas, aí o conflito instala-se. Quando isso acontece, uma conversa pode ser necessária para mitigar essas sensações de pavor. E como é que se comunica sobre isso? Algo que me tenho interrogado ultimamente é sobre o vocabulário do “querer” e do “precisar” neste processo de escuta activa. Muitas vezes na discussão sobre o sexo, incentiva-se que as pessoas desenvolvam o vocabulário do querer. Querem-se pessoas sexualmente emancipadas para que possam expressar o que querem na cama. O “querer” é um verbo que se refere a desejos pessoais e subjectivos. Quando se discute a necessidade de articular os desejos no sexo, esta pode ser uma linguagem individualista e desconectada, sem tornar evidente que os nossos desejos têm a ver com o outro e com aquele encontro em específico. Remeter para a linguagem da “necessidade” ou do “precisar” já remete para vontades que, para além de serem mais imediatas em contexto, também são mais básicas e fundamentais. O necessitar ou o precisar já se refere a esse lugar um pouco mais complicado de sensação de falta, mas abrem espaços para ouvir o outro. Se no momento do sexo interpelarem o outro com “o que precisas” ao invés de “o que queres”, talvez facilite a chegar a esses sítios de vulnerabilidade que o sexo vive tanto. Estes verbos também revelam de uma forma mais cuidada a qualidade relacional das vontades, como se tornasse evidente que o que carecemos está em constante diálogo com o ambiente à nossa volta, e com as pessoas que o compõem. No sexo talvez seja preciso um cardápio de estímulos visuais, toque, carinho, até um pouco de kink para colorir a preferência baunilha de muita gente. Questionarmo-nos sobre o que precisamos também é uma linguagem mais sensível à descoberta pessoal. Em vez de procurar os desejos como “quereres”, como se fossem provisórios e efémeros, questionar-se: o que precisamos no sexo? Essas necessidades podem revelar partes contraditórias e confusas da experiência humana porque vão a lugares de vulnerabilidade. Mas diria que é o caminho para explorar de forma mais inteira os desejos. Esse lugar onde é possível pedir ajuda e deixar o outro entrar através da pele. Quando na vossa vida sexual encontrarem esse momento de confusão e de desencontro, vão à procura do vosso “necessitar” e o do outro. Pode ser que precisem de um dia de relaxamento total para conseguirem estar em contacto com o sexo. Pode ser que precisem de explorar outras formas de estar, de assumir papéis e performá-los. O diálogo sincero e a exploração conjunta das vossas necessidades e desejos podem transformar o sexo numa experiência mais profunda e gratificante. Ao invés de verem o sexo como uma mera acção física, encarem-no como uma oportunidade para fortalecer a conexão emocional e descobrir novas dimensões da relação. É essa abertura para comunicar e explorar que poderá transformar o sexo numa viagem contínua de descoberta e prazer mútuo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA dança e o sexo No meu interesse sobre Dança Movimento Terapia (DMT) tenho-me intrigado sobre a sua aplicabilidade nas questões do sexo. Uma questão que terá surgido a poucas pessoas, dado o número escasso de artigos científicos que se debruçam sobre uma questão que me parece relevante: será que a Dança Movimento Terapia pode ser uma terapia sexual? A DMT é uma forma de psicoterapia expressiva, tal como existe arte-terapia, musicoterapia ou psicodrama. Esta é uma de muitas técnicas que tenta trabalhar o sofrimento humano, nas suas muitas vertentes, mas fá-lo através da dança e do movimento. Sem recorrer à palavra, ou com um recurso mínimo, a DMT tenta aceder e trabalhar a experiência humana através do corpo. Pode parecer esotérico, mas as emoções alojam-se no veículo humano através de dores, posturas, posições e movimentos, como se o corpo se formatasse às suas experiências. Ele é mais honesto com a sua história e com as suas necessidades do que a própria consciência. Em DMT exploram-se, por isso, propostas de movimento que trazem consciência a essas narrativas de vida e de como se espelham no movimento. É um processo psicoterapêutico que oferece a oportunidade de, sem filtros nem repressões, explorar o repertório de movimentos mais natural a cada um. O que apetece ao teu corpo? Mexer os braços freneticamente, balouçar as ancas, experimentar jogo de pés com ritmo? O importante é deixar o corpo expressar-se. O sexo também é outra atividade onde o corpo, emoção e a mente se encontram, às vezes de formas mais harmoniosas que outras. E quando esse encontro não existe, as terapias verbais são úteis (e.g. psicoterapia é a forma mais eficaz de tratar disfunção erétil), mas as terapias expressivas através do movimento conseguem melhor articular um encontro entre a mente, a emoção e o corpo que tanto complica a experiência do sexo. Encarando o corpo como o espaço onde a experiência se aloja e se revive, o movimento torna-se o caminho natural para um processo de transformação. A vivência do sexo tem muitas zonas não consciencializadas, envoltas em vergonha ou repressão social. O movimento consegue ultrapassar bloqueios e formas de resistência que podem não estar presentes no domínio verbal, e assim processar medos, ansiedades e dificuldades que envolvem o sexo. A DMT, por isso, consegue trabalhar as questões mais traumáticas da experiência, mas há benefícios mais físicos também, como trazer maior consciência corporal. A dança e movimento propostos conseguem trazer mais atenção às sensações do corpo e aos seus movimentos. De acordo com alguns estudos publicados, essa consciência corporal faz aumentar a possibilidade de sentir prazer e de atingir um orgasmo. As ações aparentemente simples de trazer consciência para o nosso movimento em dança, ajuda a afinar essa capacidade de estar disponível para o corpo no aqui e agora. Um estado fundamental para um sexo mais prazeroso, para que os introjeções da mente não se atropelem na experiência do sexo. A dança está embrenhada nas questões de sexualidade, como veículo de sensualidade e da sedução. Aliás, social e evolutivamente falando, a dança é uma forma de cortejar. No momento de escolha do parceiro para a coito, os pássaros e os escorpiões dançam. E se nunca viram um pássaro a dançar para atrair a fêmea, corram para a vossa plataforma de vídeos favorita para presenciar essa beleza da natureza. O romantismo e sensualidade dos bailes nas cortes há dois séculos atrás, ou das discotecas atualmente, honram o legado dos nossos possíveis antepassados mais primitivos. A dança pode permitir autenticidade e essa, por sua vez, possibilita a conexão romântica. E esse despertar dos sentidos e da sensualidade pode ser mediada por uma terapia que tenha o corpo em primeiro plano. A dança há muito que é considerada um processo de cura em comunidade. Mas só recentemente é que tem existido mais atenção académica para esta forma de saber alojada no senso comum. A dança em contexto terapêutico (e quiçá ritualístico) pode melhorar o bem-estar, a qualidade de vida, o humor, a auto-estima, imagem, percepção corporal e a relação com os outros. Apesar de ser um processo terapêutico com eficácia comprovada em vários domínios, há poucos profissionais e pouco reconhecimento institucional que a torna numa terapia de difícil acesso. A DMT oferece uma abordagem holística e inovadora que merece mais reconhecimento e aplicação. Para quem deseja explorar novos caminhos para uma vida sexual mais saudável e satisfatória, a dança e o movimento podem ser a chave para desbloquear novas dimensões de prazer e conexão. Dancem (e mexam-se) para perceber como o movimento pode contribuir para uma vida sexual mais feliz.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesArrancar os pêlos Como é que se começou a arrancar os pêlos? Foi esta questão que a Rebecca Herzig se debruçou no seu livro Plucked: A History of Hair Removal. A autora, com rigor académico, explora história dos pêlos e as suas práticas ao longo do tempo, principalmente em contexto norte-americano. O fascínio pelos pêlos começou mais ou menos assim: os europeus chegaram às Américas e deparam-se com comunidades nativas com poucos pêlos. Nessa altura fizeram questão de realçar a sua superioridade através dos seus pêlos faciais. Um suposto sinal de racionalidade e capacidade intelectual. Assim se estabeleceram indicadores para hierarquias sociais, justificações para a colonização e controlo. Contudo, depois dos americanos nativos estarem devidamente controlados e separados nas reservas, outra assumpção de pêlos surgiu, em consonância com a teoria da evolução do Darwin. Ele, por sinal, era obcecado pelo tema. Dedicou alguns capítulos do seu trabalho a conjecturar como é que nos separamos dos nossos parentes primatas a esse nível. Talvez porque haveria uma escolha preferencial pela pele macia dos menos peludos? Talvez porque haveria facilidade de aguentar temperaturas altas, possibilitado a caça em horas quentes do dia? As massas rapidamente abraçaram a ideia de que a falta de pêlos seria um sinal de distanciamento primata. Quem esteve particularmente vulnerável a esta retórica foram as mulheres. As mulheres têm o poder de parir e amamentar. São funções que as aproximam do seu legado animal, um legado do qual o ser humano muito tenta se afastar. Os pêlos são por isso um lembrete dessa ligação evolutiva. Daí a importância de limpá-los, minimizá-los ao máximo. Durante o movimento sufragista os pêlos foram altamente escrutinados. Os pêlos, os responsáveis pelas tendências emancipatórias, eram tidos como demasiado masculinos, animalescos e pouco higiénicos. Muitos objectos e técnicas para acabar com pêlos supérfluos foram desenvolvidos desde a segunda metade do séc. XIX. Muitos cremes depilatórios foram comercializados contendo substâncias tóxicas. Há quem tenha morrido com produtos que só as desenvencilhavam da penugem por três semanas. Claro que desde cedo que se tentou descobrir formas mais definitivas de remover pêlos, como a electrose ou raio-x, que não tiveram a devida supervisão e cuidado científico. Os efeitos secundários prejudicaram muitas mulheres na altura, no início do século XX. Apesar de uma das conclusões do livro ser que os padrões sociais estão sempre em mutação, e que o status quo é frágil e precário, os pêlos continuam a ser alvo de muito desdém actualmente. A tecnologia, contudo, já é muito mais avançada. Quem tiver meninas na família terá assistido, certamente, como se torna numa questão importante do seu desenvolvimento e entrada na adolescência. Apesar de um tópico menos contencioso, não deixa de ser um rito de passagem: a primeira vez que arrancam os pêlos. Eu nunca me esquecerei da minha primeira vez. Tinha uma tia que era esteticista e ela já tinha tornado muito claro que as minhas pernas teriam de ser depiladas o quanto antes. Eu anuí, quem quer ser a pré-adolescente peluda? A dor, o cheio da cera, as lições tricológicas de como não aumentar ainda mais a densidade de pêlos da minha situação já precária ficaram gravadas na minha memória. O que vale é que teria como resolver este meu estado decrépito: visitá-la de três em três semanas, passar por dores indiscritíveis e gastar dinheiro. Sem pêlos, tudo ficaria bem. Várias antes de mim passaram pelo mesmo. Há mais de 150 anos que os pêlos supérfluos continuam a ser arrancados de muitas maneiras, e continuam a ser objecto de controlo. Já para não falar dos pêlos púbicos e das suas muitas possíveis apresentações. A verdade é que agora, nas tentativas de desmantelar binarismos de género, os pêlos têm sido altamente implicados. Em pleno século XIX, já é um acto político decidir não arrancar os pêlos. Ostentá-los é uma forma de contrariar a representação do pêlo que vive fora do couro cabeludo. Ainda que muitas pessoas continuem, e continuarão, a ser plucked.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo: o segredo para a longevidade dos Abcázios? A Abcázia é um território com uma história de disputa ainda hoje. Após a queda da União Soviética, o território que fica entre o mar negro e as montanhas do Cáucaso, acolhe uma minoria étnica que tem sido alvo de alguma tensão territorial e política. Já foi considerada parcialmente independente, mas vive entre a dependência económica da Rússia e a soberania governativa da Georgia. Trago-vos, contudo, uma outra visão da Abcázia. Uma que foi popularizada especialmente nos anos 70 pelos EUA. Várias reportagens na época incidiram sobre um facto surpreendente: a quantidade de centenários na sua população. Muitos foram visitar aquele que parecia ser o lugar onde estaria o segredo da longevidade. O New York Times escreveu um texto extensíssimo em 1971 sobre os mistérios destes homens e mulheres que pareciam querer fintar a morte. Os depoimentos destes centenários são maravilhosos. Quando questionados sobre a sua longevidade, os Abcázios diziam que era por causa do seu trabalho, dos seus hábitos alimentares e por causa da sua vida sexual. A vida sexual mantinha-se ativa muito para além dos 80 anos de idade. O trabalho dos Abcázios era exigente, com o ar fresco da montanha a abrir-lhe os pulmões. Eles pareciam ter energia e capacidade atlética muito mais vigorosas que muitos citadinos amantes de ginásio. O trabalho era duro, a inclinação montanhosa visível. A alimentação, pasmem-se, era rica em vegetais, cereais integrais e alimentos fermentados, como iogurte e vegetais em pickles. A carne não era consumida diariamente, e peixe não era consumido de todo. O sexo, apesar de se reger por tradições patriarcais, como a recusa completa da mulher que não é virgem na noite do casamento, era vivido entre quatro paredes de forma bastante livre e prazerosa. Na descrição dos etnógrafos que lá estiveram e interagiram havia uma total ausência de culpa. Algo impensável pelos observadores americanos da época. Também havia uma característica importante desta sociedade que, apesar de tudo, não eram apologistas de demonstração pública de afeto. Havia uma integração visível das pessoas mais velhas na sociedade. Não eram postas de lado nem ostracizadas. Muitos casavam-se aos 80 chegando a viver a sua paternidade nessa altura. Para além do respeito que a sociedade lhes nutria, as pessoas não eram “velhas”, eram pessoas que “viviam muito”. E todos tinham como contribuir para o bem comum da comunidade. Os mais velhos talvez trabalhassem menos, mas continuavam a trabalhar, nem que fosse a limpar ervas daninhas. Para eles, o descanso só fazia sentido para o corpo quando havia trabalho. Da mesma forma que só se trabalhava quando havia descanso. Parece-me que eles conseguiam encontrar um equilíbrio bem mais interessante do que as sociedades de cansaço de hoje. Uma equipa de médicos da União Soviética registou a baixa prevalência das doenças clássicas destes que vivem muito, como a osteoporose, artrite, cancro ou demências. Claro que as máquinas propagandistas da época tiveram todo o intuito de promover a mitologia da longevidade. Ora para estimular o consumo de iogurte nos EUA, ora para comprovar a estamina soviética, ao fazer querer que um Abcázio terá chegado aos 165 anos. Fizeram-no uma espécie de herói nacional, com direito a selo comemorativo. Contudo, ainda permanecem dúvidas se alguns destes jovens chegaram para além dos 120. Quis saber como estão os Abcázios atualmente e já pouco se fala deles. A minha descrição no pretérito perfeito tinha uma razão de ser. Não encontro informação se continuam a ganhar na percentagem de centenários, nem informação relativa aos seus estilos de vida, organização social e vidas sexuais. Será que ainda mantêm os hábitos? Já passaram por conflitos armados e outras vicissitudes sociais e políticas, seria relevante perceber se as pessoas que vivem muito se mantém distantes ou simplesmente imunes ao estilo de vida moderno. De tudo do que aprendi dos Abcázios, foi o reconhecimento do sexo na longevidade que mais me surpreendeu. Apesar de cientificamente a longevidade ser uma experiência multifatorial, os Abcázios lá tinham as suas teorias vividas. E para eles havia um reconhecimento e integração do prazer na vida em casal e em sociedade. Podiam ter vidas humildes e de grande trabalho tal como a vida rural vos sugere, mantendo os corpos fortes e tonificados, mas também se experienciava prazer e também se descansava. E se esse equilíbrio não é a melhor fórmula para uma vida longa e bem-vivida, não sei o que será.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSobre a relação entre a voz e o sexo Uma das características do sexo são as suas vocalizações. As vocalizações, apesar da variabilidade em tonalidade e expressão, têm algumas características em comum e são facilmente reconhecidas em qualquer contexto cultural. A respiração ofegante, os gemidos, a intensidade e espontaneidade durante o orgasmo são algumas constantes. A investigação nos humanos, apesar de escassa, parece verificar duas tendências que também presentes nos primatas: as vocalizações parecem cumprir uma função comunicativa e as mulheres/espécies fêmea são as que mais vocalizam durante o coito. As fêmeas ao fazer estes ruídos, podem estar a promover a ligação, aumentado a sincronicidade entre os corpos. Os gemidos podem servir também uma função fisiológica, isto é, as vocalizações durante o sexo podem contribuir para aumentar a pressão nos pulmões e estabilizar o toda a área abdominal e ajudar a performance atlética do sexo. Estima-se que o sexo gasta à volta de 100 kcal (o equivalente a uma banana). Os vocalizos podem ser feitos de forma consciente para ajudar aumentar a excitação do parceiro, mas um estudo recente, que analisou milhares de vocalizações de pessoas a masturbarem-se ou a terem sexo, chegou à conclusão de que as vocalizações são uma expressão genuína de prazer. A base de dados para o estudo foi criada com auxílio de uma plataforma online onde as pessoas colocam as suas gravações áudio dos seus encontros sexuais e dos seus orgasmos. O intuito da plataforma é mostrar a diversidade na expressão vocal. É de livre acesso para quem queira fazer investigação pessoal sobre o tema ou simplesmente contribuir com a vossa forma especial de ter prazer (orgasmsoundlibrary.com). Curioso também é que mesmo quando o sexo é a solo, as vocalizações não deixam de ser expressivas. Nas pessoas com útero os gemidos correlacionam-se com as contrações musculares. Para os que têm um pénis, os gemidos correlacionam-se com os esguichos da ejaculação. Claro que os saberes alternativos também refletiram sobre estas questões e foram mais longe ao propor, principalmente nas mulheres, uma ligação directa entre a laringe e a pélvis. Quando falo em saberes alternativos, quero dizer que não são cientificamente comprovados, mas são experiencialmente vividos. Este modelo conceptual alternativo entende que os músculos da zona pélvica são afectados pelos músculos da laringe. Isto poderá acontecer dada a sua proximidade na sua forma muscular diafragmática. Recomendo a espreitarem as criações visuais que comparam as duas zonas, e as suas semelhanças. Também há quem compreenda a ligação das duas regiões através do nervo vago, o maior nervo do corpo que percorre a garganta até a pélvis. Também não será por acaso que em inglês a zona uterina é designada por cervix que tem a sua origem no latim de pescoço, a cervical em português. As implicações da ligação entre a voz e o sexo podem ser então de outro teor. Por exemplo, li o depoimento de uma doula (uma figura que ampara o processo do parto) que começou a ficar mais atenta às vocalizações das parturientes. Reparou que as vocalizações mais contidas se relacionam com uma zona pélvica mais tensa. Os exercícios de respiração, ou uma forma livre de vocalizar, pode tornar a pélvis mais relaxada. Também no sexo esta ligação poderia ser pensada: os vocalizos são também uma forma de relaxar e possibilitar a irrigação sanguínea para a zona sexual. O moral da história é que os gemidos e vocalizações são parte importante do sexo, não são acessórios ou facilmente descartáveis. Fazem parte do pacote de um funcionamento íntegro. Claro que nem sempre há condições para a expressão plena. A voz atravessa paredes e janelas. Também se adverte que há vocalizações genuínas e outras menos. A voz faz sentido quando é sentida na sua plenitude e não como um mecanismo de influência, como acontece em filmes pornográficos. Se perceberem a voz como mais um domínio de exploração e descoberta na cama, verão que poderá abrir outras formas de experimentar o sexo e a ligação com o corpo e com quem vos acompanha.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesOs direitos dos úteros: a endometriose, o aborto e a vida No mundo de produção e consumo, o bem-estar humano é de extrema importância para a boa continuação do sistema. A endometriose é daqueles problemas que se atravessam na visão de pessoas como máquinas, que devem estar prontas para contribuir para o enriquecimento comum. O aborto também é um direito que garante mais produtividade e crescimento económico, dir-vos-á o império do meio. E porque argumentos destes funcionam para dar um pouco de espaço no direito aos úteros existirem, o governo francês tem dado máxima importância à endometriose e à sua investigação. Recentemente, também, consagrou o aborto na sua constituição. Ainda assim, o caminho para a paridade de género ainda é longo em qualquer ponto do planeta. O passado 8 de Março relembra-nos disso: “Queremos direitos, não queremos flores”. O caminho tanto parece infindável como circular. Esses direitos que parecem pouco estabilizados nas suas conquistas, são susceptíveis aos tremores políticos que se fazem sentir. Os úteros só estão protegidos enquanto se continuarem a reunir esforços para proteger a sua existência plena de direitos e oportunidades. Caminhos que reforçam a investigação em endometriose porque consideram o bem-estar um valor fundamental para se consagrar os direitos humanos, e não os direitos de produção capitalista. Passos ainda maiores são os que contemplam o direito ao aborto como um direito à escolha com dignidade. O útero é a incubadora da vida humana, mas recebe pouca atenção humanista. Essa que integra a experiência dos que carregam os úteros nas suas vísceras. O fanatismo religioso que tem ditado as regras do aborto nos Estados Unidos chegou a um ponto assustadoramente caricato. Os embriões, na sua personalidade jurídica, são crianças por nascer. Os embriões sem casa, os que se encontram congelados para tratamentos de fertilização in vitro lá continuarão, à espera de que milagrosamente se transformem em crianças. Nenhum médico se arriscará a fazer o procedimento de implementação porque a perda do embrião pode ser punível por lei. Esse embrião não tem casa fisiológica, porque o útero, e quem o carrega, é completamente invisibilizado. Uma objectificação aflitiva que faz lembrar a “História de uma Serva” de Margaret Atwood. Os direitos dos úteros são tão importantes quanto precisam de ser integradores da vida que os rodeia. No meio do genocídio que tem acontecido na faixa da Gaza há dificuldade em menstruar, parir e garantir a vida dos filhos com dignidade. A vida de quem carrega úteros, seja uma mulher, um homem trans ou uma pessoa não binária, tem de ser honrada. O útero pode não definir uma mulher na sua panóplia de existências sociais, mas não é esse objecto exterior, sem história e vontades que querem fazer acreditar. O útero é o princípio da vida só dentro de uma outra vida que o carrega.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDia de Não-Namorados O Dia dos Namorados pode ser um dia difícil. Seria bom se fosse opcional, mas desde cedo, como na escola primária, vemos uma tentativa de institucionalizá-lo. Quando estava na 2.ª classe, a professora criou uma caixa de correio para celebrar o Dia dos Namorados, onde se podiam deixar cartas anónimas para as paixões secretas. Crianças de 7 anos têm uma compreensão muito madura do amor romântico, certo? No âmago do meu ser, eu sabia que não ia receber uma carta. E assim foi, era a mal-amada, e todos na turma deram conta disso. Se o Dia dos Namorados é difícil, é porque o tornaram assim. Tornou-se o triunfo da existência de um parceiro romântico, ou a desilusão da sua ausência. Entretanto, tomei conhecimento de um conjunto de estratégias e actividades para tornar o Dia dos Namorados mais alternativo. Aqui, explanarei algumas opções que encontrei. Vou excluir desde já o mais óbvio: tempo para cuidar de si próprio. No Dia dos Namorados, parece-me a estratégia mais eficaz para não mergulhar no frenesim. De repente, somos invadidos por menus de jantar para namorados, promoções, vendas temáticas e, claro, redes sociais empenhadas em tornar o dia miserável. Evitar. Para quem não quer ser lembrado de que o dia existe, pode ser possível bloquear notificações relacionadas com o dia. Este ano, uma empresa de comércio questionou-me se gostaria de ser contactada sobre o tema. Uma interpelação simpática, senti que era uma tentativa de dar controlo ao consumidor sobre a avalanche de conteúdos amorosos. Com um pouco mais de pesquisa, percebi que existem outras formas mais sofisticadas de bloquear conteúdos nas redes sociais. É só perguntar ao motor de busca favorito, descarregar as aplicações recomendadas e aplicar filtros para não receber informação sobre “namorados”, “amor” ou “São Valentim”. Contrariar. Na tentativa de dar espaço aos que não se revêem no dia, há quem celebre a antítese do Dia de São Valentim, que já tem rituais e imagética associada. Falo-vos de festas temáticas com roupa e até comida decorada com o tema do amor não correspondido. São os corações partidos a jorrar sangue, uma paleta de cores mais sombrias, em vez do habitual vermelho e cor-de-rosa. Acusações de que o cupido é estúpido ou que o amor não existe. Chutam uma piñata em forma de coração até a estilhaçarem toda. Os mais sérios vão optar por tornar o dia uma consciencialização para os solteiros e espalhar outro tipo de amor para quem precisa. Enraivecer. Não há nada como apaziguar um coração partido com acções de puro desdém. Um abrigo animal em Ohio, nos EUA, em troca de um donativo, oferece a possibilidade de escrever o nome do ex-namorado ou ex-namorada numa caixa de areia onde os gatos para adopção irão urinar e defecar à vontade. O abrigo prometeu fazer um vídeo público de todas as contribuições e dos momentos de alívio dos animais, e irá publicá-lo no Dia dos Namorados. O zoológico de San Antonio, no Texas, também preparou uma actividade de angariação de fundos ainda mais, digamos, assertiva desta raiva. Dependendo da quantia, o zoológico pode dar o nome do/a ex- a uma barata ou a um rato, que será devidamente consumido por um dos residentes do zoológico. Por 150 dólares, eles filmam a presa a ser devorada e depois enviam a filmagem ao ex- a quem a acção é dedicada. Alegadamente, todos os donativos servirão para ajudar os espaços a continuar o seu trabalho na protecção da biodiversidade e bem-estar animal. Estas acções tentam oferecer novas formas de dar significado ao dia, mas não deixam de perpetuar a capitalização do amor romântico (ou a sua zanga com ele). Não quero desvalorizar o simbolismo do dia nem o desconforto que ele gera. Talvez me caiba sugerir uma reflexão sobre como estão associadas a ele memórias e emoções que materializam um ponto muito sensível da existência humana: a prova de que somos aceites ou rejeitados. E essa dicotomia precisa de ser desconstruída com muito carinho. A celebração do amor é sempre bem-vinda, mas talvez seja necessário expandi-la para o amor que nutrem por vocês próprios, pela família, amigos, amantes, amigos coloridos e até aqueles que ficaram para trás. Talvez perceber que a presença de um parceiro romântico na vida não é sinal de triunfo, nem a sua ausência um sinal de falhanço. O amor que traz uma carta no Dia dos Namorados não é o indicador de sucesso nem a condição prévia para a aceitação pessoal.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesOnde o legado de Gao Yaojie não chegou Em 2013 dei aulas numa universidade privada na China. Os alunos esforçavam-se para serem rebeldes. Queriam dar a entender que sabiam do mundo, que já tinham tido experiências. Fumavam nos intervalos ainda que não fosse permitido. Falavam sobre sexo e amor. Um aluno, sem medos, dizia-me que gostava de homens. Senti que ele quis chocar, com a sua frontalidade, mas a descrição chinesa não era a minha norma. A mim nada me chocava particularmente. Fui a quinta professora naquele ano lectivo, aguentei-me um semestre inteiro. A turma era muito desinteressada naquilo que se devia trabalhar, e, para quem ensina, a sensação era de exaustão constante. As aulas eram de conversação em inglês, por isso tentei falar sobre esses temas que eles tanto queriam falar. Tentei puxá-los com migalhas para o que estava a acontecer naquela sala de aula. Se eles queriam falar sobre sexo, então falámos sobre saúde sexual também. Pensei que se no ocidente a educação sexual tem falta de educação para o prazer, imaginei que a educação sexual na China estivesse, simplesmente, em falta. Quando mencionei o VIH, deparei-me com total desinteresse e desinformação. Diziam que sabiam o que era, que era um problema das crianças nas zonas rurais. E eu, fiquei estupefacta. Talvez a única vez que me chocaram. Primeiro, porque não sabia do flagelo da SIDA nas zonas rurais, especialmente em Henan. Segundo, porque assisti a uma estratégia retórica que justificava o distanciamento. Ao reduzir o vírus da SIDA a uma população que lhes era distante, conseguiam distanciar-se o suficiente do problema para julgá-lo fora do seu alcance. Foi aí que lhes perguntei: quais são as formas de transmissão do vírus da SIDA? Ninguém soube responder. Quando a 10 de Dezembro de 2023 morreu Gao Yaojie, lembrei-me deste episódio. O legado de Gao Yaojie é imenso, e diria, até, maravilhoso. A sua resiliência é quase heróica. Desde a resistir à opressão da revolução cultural, que a impediu de exercer ginecologia durante 7 anos, altura em que a obrigaram a limpar casas de banho no Hospital, até à tentativa de suicídio, falhada, que a orientou para a total devoção aos outros com menos recursos e possibilidades. Ela tentou denunciar uma crise que em muito poderia ter sido prevenida. Cerca de um milhão de pessoas contraiu o vírus da SIDA na província de Henan, nas zonas rurais, por má prática e gestão na recolha de sangue. Uma crise de saúde pública e social alastrou-se a partir dos meados dos anos 90. Crianças órfãs com o vírus foram deixadas ao abandono, o estigma obrigando-as ao distanciamento. Gao Yaojie ter-se-á revoltado. Era ignorada, mas resistia. Não deixava de fazer o seu trabalho ao tentar aliviar o sofrimento a que assistia. Inclusive, comprava do seu próprio bolso medicação que aliviasse os sintomas destas pessoas. Também imprimia panfletos informativos sobre o vírus e sobre a sua transmissão. Nas grandes cidades o vírus da SIDA era um pouco mais conhecido. A sua transmissão sexual provavelmente mais claramente discutida, principalmente no âmbito do comércio do sexo. Nas zonas rurais a morte parecia ter-se alastrado sem ninguém perceber bem porquê. Até que foi Gao Yaojie, já reformada, que desvendou o mistério, e muito tentou responsabilizar os culpados, ainda que implicasse um escândalo governamental. Em vez de abafar tudo o que estava a acontecer, quis prevenir mais contágio. Tentou informar que para além do risco de doar sangue nestas unidades móveis sem cuidados de higiene alguns, que as relações sexuais, bem como a transferência de fluidos no parto e na amamentação também ajudavam na propagação do vírus. Morreu exilada, mas reconhecida por muitos na China, e fora dela. Talvez o seu legado não tenha chegado tão longe quanto gostássemos. A prova é esta história, anedótica, dos miúdos rebeldes que sabiam muito sobre sexo, mas não tanto sobre os seus riscos. Apesar do vírus já não ser a sentença de morte que foi no passado, o risco de contágio ainda existe. Recomenda-se que pessoas com uma actividade sexual activa tomem as devidas precauções e que se testem com alguma regularidade para o vírus da SIDA e outras infeções sexualmente transmissíveis: o legado de Gao Yaojie que ainda importa manter vivo.
Hoje Macau Sexanálise VozesOs gaydares e a sua (in)utilidade científica A literatura em psicologia tem vindo a estudar um fenómeno que há muito entrou na cultura popular: os “gaydares”. Um suposto radar que informa se alguém é homossexual ou heterossexual. Há pessoas que dizem tê-lo mais afinado do que outras. Supostamente, os “gaydares” funcionam de forma heurística, ou seja, basta analisar a cara ou ouvir a voz de uma pessoa para saber se é gay ou lésbica. Os estudos em psicologia parecem mostrar que a probabilidade de acertar numa caracterização correcta é maior que o acaso, mas ainda assim, com uma margem de erro grande. Também a inteligência artificial, com base nesses estudos, parece conseguir distinguir as caras gays e lésbicas com alguma exatidão. Rapidamente as fontes de informação mediática vieram com títulos sensacionalistas sobre o assunto, o que levou vários investigadores a interrogarem-se sobre as implicações desta investigação. Normalmente, olhando para estes estudos, salta-se para a conclusão precipitada de que existem indicadores faciais e vocais que ditam quem é homossexual e quem não é. Mas na verdade, estes estudos somente mostram que a categorização com base em estereótipos pode funcionar. O procedimento é simples: mostram-se fotografias ou clips áudios de pessoas a falar e pedem ao participante que classifique se a pessoa é heterossexual ou homossexual. Estes indicadores que estão a ser apanhados pelo “radar” têm mais que ver com indicadores de não-conformidade de género, do que orientação sexual. Por exemplo, quando alguém se depara um homem com trejeitos mais afeminados, irá assumir que é homossexual. Contudo, a orientação sexual é vivida de forma bem mais complexa. Há evidência de que identificação pessoal nem sempre se alinha com o comportamento sexual. Como é que se assume, por isso, que a orientação sexual é, de facto, algo facilmente perceptível a olho nu? Nos estudos para a existência de um suposto “bidar”, i.e., um radar para identificar as pessoas bissexuais, verificou-se que a sensibilidade do radar, nestes casos, já é bastante débil. Principalmente em relação a homens bissexuais. Este corpo de literatura só está a confirmar que existem processos de reificação de estereótipos sexuais, e essa reificação tem os seus riscos e consequências. Estudar os “gaydares” como um fenómeno psicológico é uma forma de legitimar o uso de estereótipos como fonte de informação fidedigna, quando não o são. Os estereótipos são só uma forma simples de categorizar, um processo cognitivo automático. Não são um processo sofisticado de compreensão do mundo vivo. São alimentados por viéses cognitivos que precisam de ser continuamente escrutinados. Num estudo em que informaram um grupo de pessoas que o “gaydar é real” e a outra em que “o gaydar é estereotipar”, repararam que no primeiro grupo se usou com legitimidade o termo “gaydar” para normalizar os estereótipos que estavam continuamente a ser perpetuados. Outros estudos também mostraram que o uso de “gaydares” podem ter associação a formas de discriminação, preconceito e violência para com as pessoas que se identificam como LGBTQIA+. Os “gaydares” devem continuar a ser objecto de investigação científica, mas precisam de ser contextualizados. O que falta nos estudos sobre esta temática, e na forma como se discutem estas questões no dia-a-dia, é uma reflexão aprofundada e complexa em que se conceptualiza orientação sexual, conformidade de género, identidade e comportamento. Ao mesmo tempo, é preciso produzir conteúdos, científicos e não-científicos com a consciência de que eles têm efeitos no mundo. Refletir sobre o que se estuda, e porquê, precisa de ser nutrido por uma consciência social e humana para uma ciência mais impactante e relevante para o dia-a-dia das pessoas.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPara onde vão as dick pics que ninguém recebe? O envio de dick pics, “fotografias de pénis”, são agora um comportamento clássico, e infeliz, da comunicação digital contemporânea. Todas as mulheres heterossexuais que conheço, em aplicações de engate, já foram premiadas com uma fotografia de um pénis não solicitado. A fotografia explicita é provavelmente recebida mais com desdém e repugnação do que contentamento ou satisfação. “Era mesmo isto que eu queria” jamais terá sido dito por alguém que recebeu uma fotografia-surpresa. A imagem cai do céu cibernético que certamente aloja as muitas fotografias de pénis que se urgem, independentemente de o mundo estar preparado para as receber. Como a chuva, que não pede para cair. Mas a chuva não tem o poder de escolha que se espera ao ser humano. Esse tem o dever de agir de acordo com o contexto em que está inserido. O envio destas fotografias de pénis é tão comum que as aplicações de engate desenvolveram estratégias de gestão da etiqueta de comunicação digital para as contrariar. Considerado uma forma de assédio digital, as aplicações conseguem filtrar as imagens para que o recipiente possa escolher ver o pénis que foi enviado, se assim o entender. Curioso é como a pessoa que recebe a fotografia fica mais embaraçada, do que a pessoa que se expôs a tirá-la. Acredito que estas fotos se equivalem aos exibicionistas de outrora que, diz-nos o estereótipo, andam de gabardine bege, sem nada por baixo, a mostrarem-se aos transeuntes que passeiam no parque. A tecnologia possibilitou formas bem mais simples para conseguir o mesmo efeito. Em qualquer um dos casos, não é claro os motivos para o exibicionismo. Num contexto de exibicionismo puro, o que torna a prática excitante é esta forma forçosa de se mostrar, e a reacção atrapalhada de quem assiste. Estudos focados no envio das dick pics, contudo, não mostram com certeza a evidência desta tendência. Ora já se demonstrou que pessoas que enviam fotografias dos seus genitais têm níveis altos de narcisismo, ora também já se mostrou que são pessoas com auto-estima baixa. Num estudo qualitativo com jovens adultos heterossexuais, estes explicaram que enviam as fotos para se mostrarem, mas também para elogiar a recipiente. Em alguns casos o envio traz a esperança de receber imagens explicitas de volta. Neste mesmo estudo as jovens raparigas mostraram que achavam esta estratégia muito ineficaz: mostrando de forma clara e dolorosa o desencontro de expectativas de género e das suas relações. A educação sexual parece que ainda está muito distante destes jovens. Contudo, a concomitância de fotografias de pénis e sua não solicitação pode fechar a importância de discutir que (1) não há nada de errado em tirar uma fotografia ao pénis e (2) o seu envio não é problemático quando é consensual. Nas coisas humanas, e em especial as coisas do sexo, o contexto deve importar bem mais para o nosso comportamento do que reacções fisiológicas do corpo. Da mesma forma que um adolescente se recordará de como até uma brisa durante uma aula de educação física incita uma erecção, também saberá que o contexto não deverá permitir que se masturbe à frente de todos. Se, numa aplicação de engate, um homem fica com uma erecção porque viu uma fotografia de uma miúda gira, pode fotografá-la, mas não precisa de partilhá-la. O acto de fotografar pode ser uma estratégia de auto-conhecimento, e até de auto-cuidado, quando é feito para seu individual prazer e excitação. Depois, se se conhecer alguém com o mesmo entusiasmo pela troca de imagens explicitas, é uma forma tão boa de criar intimidade e ligação como qualquer outra. Há quem se mostre preocupado com a excessiva demonização das dick pics e as consequências negativas para a representação do falo. Mas é preciso desconstruir que o problema não é do pénis, nem de este servir de modelo fotográfico. As dick pics que ninguém recebe de surpresa são bem mais importantes para a descoberta e gestão do desejo de cada um. Podem ficar nas nuvens digitais sem pressa de vir ao mundo, como uma técnica de auto-prazer e admiração dos corpos. As dick pics que ninguém recebe criam o espólio fálico que pode ser tão importante como prazeroso para as pessoas em processos de auto-conhecimento, essenciais para uma sexualidade plena.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesUm soutien com mamilos e o colapso climático Há uns dias foi lançado no mercado um soutien com mamilos incorporados, protuberantes. Não me apetece dizer a marca porque não quero facilitar a publicidade do produto. Também não quero dizer o nome da pessoa que o criou e que o publicita. Mas posso dar pistas. Participou num reality show com a sua família e tem quatro filhos com o apelido de um ponto cardeal. Usou o famoso vestido de Marilyn Monroe numa Met Gala. Tem sido acusada de revitalizar o culto da magreza quando até era famosa pelas curvas. A sua criação é uma provocação a vários níveis e uma bênção em poucos. Comecemos pela maior vantagem de um soutien com mamilos: para as pessoas que não os têm. Sobreviventes do cancro da mama têm vindo a agradecer a existência do produto. Colmata o que a reconstrução mamária não consegue que é um mamilo endurecido. Este soutien, para algumas pessoas, pode ajudar na auto-imagem e auto-estima. Mas agora é preciso apontar as múltiplas formas que um soutien com mamilos também pode ser problemático, até porque ele não foi criado tendo em conta este nicho de mercado. Não podemos dar-lhes tantos louros. Apresentado como uma forma de “libertar o mamilo”, a existência deste soutien parece-me um esforço pseudo-alinhado. Libertar o mamilo, leia-se, é o grito pela libertação dos soutiens e não pretende uma conquista alargada do objecto que mais controla mamas. Quer-se a libertação dos apetrechos que enformam as mamas para mais cheias, mais redondas, ou mais empertigadas quando elas, humildemente, não o são. Libertar o mamilo enquanto ele se esconde e é substituído por um enchimento de soutien é mais uma forma de opressão. Nada contra a quem for usá-lo, mas é preciso uma incitação de revolta contra o esforço colectivo de impor uma forma aceitável de mamilos, continuando a prender os outros. Mas a criação do soutien nem é o pior desta história. O pior foi o tiro certeiro da controvérsia nas redes sociais. O soutien com mamilos quis equiparar-se a um problema demasiado delicado e urgente. A criadora do soutien anuncia que com as calotes polares a derreterem cada vez mais que “cada um oferece as soluções que as suas habilidades lhes permitem”. Portanto, o soutien vem resolver um problema: num mundo cada vez mais quente, os mamilos afrouxam-se e dilatam-se. Num esforço de prevenir isso, este soutien é criado para os mamilos permanecem duros, enquanto as calotes polares derretem. Um anúncio com imensa piada, mas ao mesmo tempo, sem piada alguma. A criadora de um soutien inútil face a um colapso climático diz que não teme ser cancelada. Ela inteligentemente pôs o dedo numa ferida que muita gente tem aberta. A percepção da total inadequação e incapacidade humana de lidar com um planeta em colapso, e ainda faz pouco disso. Produz um soutien que teria passado despercebido como mais uma coisa que existe para colmatar uma necessidade que é fabricada pela cultura popular. Mas ao invés, envolve-o numa narrativa onde põe a cru a hipocrisia da beleza e do culto do corpo, mas fá-lo alinhado com um investimento científico que não partilha dos mesmos valores e preocupações. Caso houvesse qualquer dúvida, produtos destes não fazem nada pelo colapso climático, muito pelo contrário. A criação de necessidades supérfluas que gastam recursos e produzem emissões na sua produção e transporte são, na verdade, a raiz de todo o problema que se vive. Contudo, há uma perspicácia que não pode ser ignorada. A irritação de fígado é o combustível que os algoritmos precisam, para a publicidade gratuita que lhe garante. Ainda que seja uma sátira, não deixa de ser um discurso que poderá ressoar nas pessoas, dependendo do seu sistema de valores. Num mundo de desinformação atroz, uma miúda de 12 anos pode bem levar a sério a influencer que cria soutiens para parecer que tem sempre frio, enquanto as temperaturas do planeta aquecem. E o colapso climático fica para trás, permanece no pano de fundo que vai revelando um apocalipse iminente, nos silêncios daqueles que ainda não têm vontade de discutir o que nos espera de forma séria, informada e crítica
Tânia dos Santos Sexanálise VozesOs sapos fingem-se de mortos para não terem sexo Recentemente, vários jornais fizeram notícia de um estudo inédito em comportamento animal. Especificamente, do sapo comum europeu. Parece que o envolvimento sexual dos sapos não é pacífico. O macho prende-se à fêmea de tal forma forçosa que, em alguns casos, leva à sua morte. São sapos insistentes do seu desejo e instinto, querem copular à força, muito menos com o devido consentimento. A investigação mostrou, contudo, que os sapos fêmea não são passíveis à coerção do sapo macho. Os sapos fêmea simulam a sua morte para se escapulirem da sua insistência. No mundo dos sapos onde o consentimento, pelo menos, não é verbal, o sapo comum europeu desenvolveu estratégias para evitar o coito e as suas forças de coerção Este exemplo do mundo animal ressoa em algumas experiências da sexualidade humana, onde até se pode comunicar de forma verbal e inequívoca. Em muitas situações é mais fácil fingir a morte do que dizer “não”. Em casos de violação o “não”, e a resistência física, pode espicaçar ainda mais a coerção. No livro “Amanhã o sexo voltará a ser bom” da autora Elizabeth Angel, explana-se de como o “não” enraivece agressores, quiçá humilham-nos, e a instrumentalização, ou a desumanização, do corpo da mulher prevalece. Também adianta que a total inação, apesar de ser protetora para evitar o escalamento da agressão, pode ser usada em tribunal contra a vítima: “Não mostrou suficientemente que não queria”. Esta é a lógica que assume a ausência de um “não” como a presença do consentimento; um acompanhamento “óbvio” das teorias sobre a sexualidade e erotismo, onde se assume a dança dos corpos, sem reflectir que, por vezes, eles podem não saber como o outro quer dançar. Começou, então, a defender-se a presença do “sim”, para evitar assumpções demasiado esticadas. Só dizendo “sim”, em todas as suas fases, é que o consentimento assenta. Elizabeth Angel, contudo, reflete também sobre a complexidade do “sim”. Para uma mulher afirmar que quer sexo, que quer ter prazer, ou que ousa a experimentar ou arriscar, abre um precedente onde o “não” já não é ouvido da mesma forma. Analisando a argumentação dos casos em tribunal de violação, frequentemente utilizam dados como o número de parceiros, outras experiências sexuais, e até o tipo de roupa interior, para responsabilizar a mulher pela violência sexual que exerceram sobre ela. A autora fala sobre como esta teoria de consentimento simplificada – onde basta dizer “sim” – encosta-se à “cultura da confiança”. Uma cultura que invisibiliza as dinâmicas relacionais, a bagagem emocional dos proponentes ou o contexto social em que vivemos. E que, pelas palavras da autora, ignora também o “facto de que as mulheres são frequentemente punidas por assumirem posições sexualmente assertivas que são instigadas a incorporar”. Depois do movimento #metoo que assolou as sociedades ocidentais de forma mais intensa, era preciso procurar fórmulas para prevenir estes abusos. Todo um conjunto de temas foram abordados, conversas interessantes e necessárias correram a imprensa e a literatura. Há quem tenha desenvolvido aplicações onde se assina um contrato de consentimento para o sexo. Claro que a solução é precária: o consentimento pode mudar ao longo de todo o encontro e, acima do tudo, o consentimento não é um processo desprovido de contexto. Aplicações como estas continuam a não resolver os desequilíbrios de poder, hiatos no conhecimento, níveis distintos de à-vontade ou até suprimir níveis de auto-conhecimento que são essenciais para uma relação saudável com o sexo. O consentimento está intimamente ligado à vontade e ao desejo individual e do outro. Este inclui-se num espectro de experiências, e não está limitado à divisão categórica entre querer ou não querer sexo. O consentimento também precisa de ser teorizado em relação ao sexo que se quer e de como tê-lo. Desde o bom sexo, ao mau, ao violento, o consentimento é o acordo que as pessoas vão negociando (ou a ausência dele) e que resulta em cada uma destas configurações. A informar estes processos estão padrões comportamentais, crenças, cânones culturais e religiosos que precisam de ser revisitados. No universo dos sapos aprendemos que nem tudo tem de ser como é. Nem por impulso, instinto ou desejo. Fingir de mortas, ainda que possivelmente uma resposta ao medo, ou uma resposta deliberada para o evitamento, não deixa de ser uma estratégia para contestar o que se julgava inevitável.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO poder do erótico O erótico abraça o prazer, essa capacidade fisiológica que tanto minimizamos. Não sabemos dar espaço ao prazer nas nossas vidas. Muitas autoras negras norte-americanas têm vindo a alertar para esta incapacidade que precisa de se transformar em empoderamento. Desde os anos 70, Audre Lorde, e nos últimos anos, adrienee maree brown, defendem uma ideia muito simples. As ideias mais simples são as mais revolucionárias: o erótico é poder. Quem pratica o erótico pratica pleasure activism. Não se trata de um ativismo pelo orgasmo, apesar de esse ainda ser muito relevante. O erótico como arma política implica entender os obstáculos ao prazer, e reconstituir o acesso ao erótico e ao sensual, de forma genuinamente inteira. No prazer cabe a re-invenção. O erótico oferece o contacto com o centro de si, alinhar a sensação de cabeça aos pés com a terra que habitamos, unir-se com a capacidade infinita de se ser e gozar. Essa capacidade que nos dizem difícil, porque é devassa, pecaminosa ou inconcebível, é uma arma política quando praticada, de tão negada que é. O erótico é a forma utópica de viver o presente. A sensação do corpo que nos segue, mas que pode comandar, é descurada em prol de formas tortuosas. A culpa, a repreensão, ou o medo sobrepõem-se ao estar-com que se quer simples e descomplicado. O erótico não pode ser minimizado ao orgasmo, ou à pornografia. Audre Lorde, no seu ensaio sobre o poder do erótico, defende reclamar o erótico na forma inteira de sentir. Avança ainda que não deve ser confundida com a pornografia, porque esta, na verdade, revela-se o oposto do erótico. A pornografia tem um guião, um desenlace planeado. O erótico exige o deixar sentir, deixar-se ir. Descobrir, em contacto, a vontade de se concretizar em pleno. Tal como o orgasmo, este pode ser mecanizado e performado, ou pode ser genuíno, naturalizado, improvisado. Ter um orgasmo antes do trabalho, antes de uma tarefa aborrecida, antes de um trabalho criativo, é o que muitas ativistas pelo prazer defendem. Abrir as portas do erótico através do orgasmo é provavelmente o caminho mais rápido de entrar, mas não fica por aí. Como um mergulho pela riqueza da interioridade, o erótico e a sensualidade dão sentido e integram a complexidade humana. Na conceptualização de Audre Lorde, a função do erótico é interligar paradoxos e polaridades, os que dicotomizam espiritualidade da política, ou a arte da ciência. No erótico há um encontro que também se estende ao encontro com o outro, no desabrochar de sensações que se multiplicam. Assim se materializa a filosofia Ubuntu. Eu existo porque nós existimos. Limites que se desvanecem momentaneamente. E claro, uma outra função do erótico que a autora defende, é a capacidade de encontrar ainda mais alegria e mais paixão na forma de existência. Na forma como o corpo ressoa as coisas belas da vida. Admirar arte, ouvir música, dançar ou fazer amor. No erótico encontram-se outros ritmos de danças nunca dançadas. O poder do erótico está na capacidade reivindicativa de ir contra o que conhecemos e aprendemos, e procurar lá dentro os mais íntimos desejos e vontades.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSensate Focus de Masters e Jonhson Quando nos anos 50 chegaram à conclusão de que a ciência sabia mais sobre parir bebés do que fazê-los, um ginecologista norte-americano, William Masters, com o auxílio da sua assistente de investigação, Virginia Johnson, decidiram desbravar terrenos nunca explorados. A experiência do sexo e do clímax não estavam analisadas, quantificadas ou teorizadas e eles trataram de resolver a questão. Numa fase em que o sexo não saía das quatro paredes do quarto, estes investigadores propuseram a vários voluntários que trouxessem o sexo para o laboratório. Centenas de mulheres e homens foram convidados a atingir o clímax sob o olhar atento dos cientistas, monitorizado por máquinas que descreviam experiências fisiológicas. Alguns deles masturbaram-se, outros envolveram-se com voluntários anónimos à frente dos cientistas. Com a acumulação dos dados foi possível desenhar padrões de reconhecimento que facilitavam a compreensão generalizada da experiência sexual – desenvolveram o modelo de resposta sexual “normal” com 4 fases. Claro, que a amostra utilizada mostrou limitações. Numa tentativa de randomização, os investigadores vieram-se somente com homens e mulheres brancos, de classe média, com uma única coisa em comum: motivados para participar neste estudo altamente controverso. Insólito foi também quando os investigadores começaram a participar no estudo como sujeitos, envolvendo-se com o propósito de gerar mais dados e insight. A sua investigação resultou em imensos artigos e dois livros que se revelaram populares. Apesar de terem sido criticados ao longo do tempo, eles desenvolveram uma forma de terapia sexual que era mais simples e rápida do que a terapia psicanalítica da altura. A terapia que desenvolveram chamava-se “sensate focus”. Os seus pressupostos entendiam que o sexo é uma condição natural que não pode ser forçada. Apesar do foco excessivo na fisiologia do sexo destes investigadores, uma perspectiva que ignorava quase por completo fatores psicológicos e sociais na resposta sexual, os exercícios sugeridos não deixam de ser relevantes até aos dias de hoje. Isto porque a investigação tem-se aproximado de novo ao foco nas sensações, e na sua importância para uma sexualidade plena e satisfatória. Os exercícios tentam desconstruir o excessivo foco na relação pénis-vagina na relação heterossexual, e tentam promover a comunicação. Com criatividade estes exercícios podem ser adaptados a todas as orientações e constelações amorosas com o intuito de promover a presença e consciência. O método tem 5 partes. O primeiro o passo envolve o toque não genital, de modo que as pessoas envolvidas possam, à vez, explorar formas de toque e focarem-se nelas. Um oferece o toque, e o outro recebe, e depois trocam de posições. A ideia é que se dispam da expectativa sexual e desfrutem. No segundo passo, ainda à vez, os genitais já são estimulados e outras zonas erógenas, sempre ignorar a expectativa do sexo. Por exemplo, se o pénis estiver erecto, não fazer nada em relação a isso. No terceiro passo, sugere-se que se utilize óleos, ou lubrificantes, de preferência com base de água, se se utilizarem produtos de látex e borracha, para estimular outro tipo de experiências sensoriais. A ideia é que se continue ainda a dança onde primeiro recebe um e depois o outro. Sem receios, e sem pressão para compensar. No quarto passo, a estimulação sensorial já é mútua e no quinto passo, a exploração permanece sensual, em vez de sexual, isto é, incentiva-se o toque dos genitais, com interesse e curiosidade, ao roçar ou acarinhar, antes de explorar a penetração. Esta forma terapêutica foi desenvolvida para tratar disfunções sexuais, e.g., disfunção eréctil ou vaginismo. Contudo, a complexidade destas condições não permite que esta técnica seja uma salvação certeira. Mas tem várias vantagens ao seu favor – explora a sensualidade e a presença para contrapor pressão, expectativa ou o nervosismo – e pode ser utilizada e apropriada por qualquer um que queira abrir espaços de consciência na sua vida sexual. O trabalho destes investigadores foi romanceado na série televisiva Masters ofSex, que apesar de interessante, não explora em profundidade o legado teórico dos investigadores, nem as suas controvérsias. Ainda assim, contextualiza a dificuldade cultural em discutir estas questões que agora já são mais do domínio comum, e tratadas com mais leveza e importância.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAs mamas As mamas são complicadas. Desde veículo de alimentação a objecto de desejo, as mamas são partes do corpo criticadas em praça pública. Os humanos são os únicos primatas com mamas proeminentes desde a adolescência à morte. Um claro sinal evolutivo que as mamas servem para muito, até para debates sociais. Amplamente discutidas nas revistas cor-de-rosa, as mamas entrelaçam discursos de aceitação (“body positivity”) e de escrutínio social. Uma combinação que tenta normalizar as diferentes mamas e mamilos, mas que ainda estabelecem definições entre “boas” e “más” mamas. Aos olhos da mulher moderna uma forma de resolver esta categorização está no discurso neoliberal pós-feminista, onde o consumismo é o único mecanismo para a mudança e empoderamento. Neste caso, através de soutiens e mamoplastias. Soutiens são a solução proposta para as mamas “problemáticas”, que ninguém sabe bem o que são, nem como se parecem, pois as mamas dependem das modas. A ausência de soutien também está sujeita a um tipo de aceitabilidade ditada pelos senhores e senhoras da indústria. Uma tendência pelo look natural que nem todas podem ter acesso, muito menos as mamas descaídas. Já lá vai o tempo em que se queimavam soutiens como forma de empoderamento, agora, compram-nos. A mamoplastia, uma cirurgia de alteração mamária, eleva este “empoderamento” a outro patamar. Referem-se a elas como formas de elevar a auto-estima. Assim dizem as revistas cor-de-rosa e os apresentadores de programas populares. Esse jargão clínico que já se incorporou na linguagem do dia-a-dia. As mulheres protegem-se do escrutínio público e vivem mais felizes, sem complexos para mostrar as mamas (aos outros). À medida que o tempo passa, e que o corpo se altera, as mamoplastias de revisão são obrigatórias para que as mamas se ergam firmes e hirtas, desafiando o tempo e a gravidade. O pragmatismo para lidar com mamas só mostra que estamos longe da sua total libertação. Há quem peça censura no acto, tão singelo (e natural), de mamar. Essa exposição (desnecessária!) precisa de ser dissimulada e discreta, enquanto a Playboy continua a lucrar com o mamilo exposto. Ao mesmo tempo, envergonham-se as mulheres que escolhem não amamentar. “As mamas não nos pertencem”, já alguém dizia. As mamas vivem uma tensão milenar entre aceitação e escrutínio que deixam marcas profundas na forma como as mulheres vivem os seus corpos. Até estudos científicos contribuem para a sua objectificação. Insinuam que mamas assimétricas (que são todas) revelam uma pobre composição genética de quem as carrega. Esses estudos defendem que os homens que preferem mamas simétricas estão, na verdade, a optar por mulheres com uma carga genética mais favorável, garantido uma linhagem mais saudável. As mamas são indicadores sexuais que precisam de ser urgentemente descomplicados. São necessários mais projectos sociais, educativos e artísticos que revelem de forma honesta a pluralidade de mamas existentes; projectos que revelem também que por detrás das mamas estão seres humanos de imensa complexidade. Há mulheres que odeiam as suas mamas porque lhes ensinaram a odiá-las. No pragmatismo dos dias que correm, é preciso tornar evidente que as mamas são uma pequena parte da complexidade da existência.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesViagra: a erecção milagrosa? O viagra está agora em todo o lado. Com o fim da patente pela Pfizer em 2019, alternativas genéricas ao fármaco multiplicaram-se. Muitos jovens com pénis e com alguma forma de disfunção eréctil têm recorrido a esta forma fácil de resolução do problema. A experiência de não conseguir manter uma erecção pode ser vivida como profundamente problemática, já que vai contra a perspectiva da virilidade da juventude. A primeira preocupação é a de resolver o mecanismo, e não procurar perceber porque é que não está a funcionar. A medicação é essencialmente utilizada para evitar o desconforto social e relacional que um pénis não-erecto provoca no sexo performativo – que se julga penetrativo. A ausência de erecção também pode ser entendida como desinteresse pelo/a outro/a, que aumenta ainda mais a pressão da performance. A medicação, nestes casos, ajuda a perpetuar uma narrativa que há muito se tenta desmantelar: que o envolvimento no sexo é de responsabilidade individual, exigindo-se uma espécie de configuração sexual perfeita. O aumento da (hétero- e auto-) prescrição deste tipo de medicamentos revela que há um constante evitamento em abordar outros factores que influenciam a disfunção eréctil e esta construção do “sexo perfeito”. São estes factores relacionais, psicológicos e sociais. Ainda assim, a forma como os jovens entendem a sua (auto-)prescrição de viagra trouxe-me laivos de esperança. O mais interessante dos testemunhos de um estudo realizado, foi a descrição do dilema que enfrentam. O viagra traz o empoderamento milagroso, mas também traz a frustração da sua dependência. Como pequenos espaços de consciência, estes jovens compreendem a complexidade dos outros factores na disfunção eréctil. Sabem que talvez se o sexo fosse mais comunicativo, em vez de performativo, não sentissem tanta pressão para resolver o problema desta forma. A expressão de vulnerabilidade, no sexo, paradoxalmente, pode ser mal acolhida e compreendida. Não tem de ser sempre assim. Na forma como os corpos se envolvem, abrem-se espaços mais ou menos susceptíveis à partilha. A responsabilidade estende-se para outros espaços e configurações. A forma como as sociedades e os sistemas de saúde funcionam também têm responsabilidade em normalizar e ajudar a resolver a insegurança e o desconforto da disfunção eréctil. Isso implicaria a existência de serviços cada vez mais integrativos, onde se cuida da sexualidade e das preocupações que se tem sobre ela. Com dados promissores sobre o efeito da psicoterapia nestes casos, e com a evidência da influência da ansiedade ou depressão na libido e a sexualidade, faz sentido que se priorize a saúde mental e o bem-estar em todas as áreas da vida. É importante reconhecer a capacidade do viagra de salvar, de forma momentânea, tantas situações de desconforto. Mas é preciso mais ambição. Querer transformar representações de uma masculinidade rígida que inundam tantas instituições formais e informais da sociedade, bloqueando espaços discursivos e físicos para a vulnerabilidade, é o desafio de agora. O verdadeiro milagre seria uma mudança na forma de pensar e agir em relação à disfunção eréctil, e, para isso, não há nenhum comprimido capaz de o concretizar.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesUm conto de sexo e cancro Há um cancro que é fácil de prevenir se as pessoas tiverem acesso a uma boa educação sexual e a um bom plano de vacinação. Este cancro é provocado por um vírus transmitido sexualmente, vírus do papiloma humano, conhecido pelo acrónimo inglês HPV. É um vírus tão comum que cerca de 90 por cento das pessoas terá tido contacto com ele durante a sua vida sexual. São 150 estirpes do vírus, muitos deles não perigosos, que o corpo descarta no espaço de dois anos. A infecção é considerada a constipação do sexo, uma inevitabilidade de quem tem sexo, independentemente do número de parceiros. Os preservativos ou oral dams até podem reduzir um pouco o risco de transmissão, mas não são muito eficazes. Basta o contacto de pele com pele. A infecção é normalmente assintomática, mas podem surgir verrugas genitais, ou condilomas genitais, um dos sintomas mais comuns de fácil tratamento. Contudo, existem duas estirpes do vírus que estão muito associadas ao desenvolvimento do cancro: o 16 e o 18. Embora associado ao cancro do colo do útero, este vírus pode ser também responsável pelo cancro da vulva, da vagina, do pénis, do ânus ou da garganta. Infelizmente, a vacina tem sido anunciada como a vacina do cancro do colo do útero, e por isso aconselhada a pessoas com um útero. Nas políticas ainda binárias, as meninas ainda jovens podem levar a vacina dentro do plano nacional de saúde de muitos países. Recentemente começaram a incluir a vacinação nos meninos. Esta (lenta) inclusão não tem sido muito eficaz na conscientização das tantas outras formas sexuais e cancros que podem surgir. Ao não vacinar homens, estamos a deixá-los mais vulneráveis. Isso incluiu homens que fazem sexo com homens e/ou com mulheres. Em 2013, numa entrevista ao The Guardian, Michael Douglas revelou que o seu cancro da garganta tinha sido provocado por cunnilingus. Para além da histeria inicial, foram poucos os que quiseram desdramatizar de forma informada. A verdade é que tem havido um crescimento de cancros da garganta provocados por HPV, mas também é verdade que são facilmente prevenidos com vacinação. A vacina é polémica, como devem calcular. A população em geral está resistente em tomá-la. Primeiro, porque protege as pessoas de uma infecção sexualmente transmitida e ninguém gosta de pensar que pode ser afectado por tal. O estigma das infeções sexualmente transmissíveis desabrocha do medo de uma suposta actividade sexual prolífica, que ninguém quer assumir. Segundo, a vacina protege de um cancro que ninguém sabe se vai desenvolver. E se é verdade que muita gente vai estar em contacto com o vírus sem nunca desenvolver cancro, como tantas as outras infecções na história, só através de uma vacinação em massa é possível erradicar completamente o risco. Na estória de sexo, infecção e cancro, uma vacina antes do início da vida sexual equivale a um acto heróico. E não só, a vacina é igualmente eficaz para quem já tenha iniciado a vida sexual e já tenha tido infecção por HPV. Para os adultos, infelizmente, é uma vacina dispendiosa se a tivermos de financiar. Mas se o vírus do HPV é praticamente inevitável, só com uma vacinação massiva o tornamos absolutamente inútil.
Tânia dos Santos SexanáliseOrgasmos não-genitais Um artigo científico de 2018 publicado no International Journal of Sexual Health analisou uma série de publicações online sobre orgasmos não-genitais que ocorrem em situações inesperadas. Foram analisados 919 comentários anónimos para identificar as circunstâncias não sexuais em que as pessoas experimentaram orgasmos que não exigiram estimulação directa dos genitais e que não ocorreram num contexto sexual habitual. Os exemplos mais comuns referiam-se a orgasmos durante exercícios físicos que envolvem as pernas ou a musculatura abdominal. Isso incluiu actividades como andar a cavalo ou de bicicleta. Algumas pessoas relataram ter orgasmos ao andar de bicicleta em pavimentos calcetados que produzia uma vibração prazerosa. Embora esses orgasmos sejam considerados não-genitais, uma vez que não há manipulação intencional dos genitais, parece evidente que eles surgem devido à sua fricção e estimulação. O mesmo ocorre com a subida aos postes, que alguns comentadores afirmaram ter sido uma fonte de prazer durante a infância ou juventude, embora só tenham compreendido a razão mais tarde. Outros mencionaram uma associação entre a vontade de urinar ou defecar e o orgasmo, especialmente quando essa vontade é suprimida. Novamente, mesmo que os genitais não sejam estimulados nesses casos, as conexões nervosas que envolvem toda a região pélvica parecem ser responsáveis. Algumas relataram ter orgasmos durante o parto, o que confirma essa associação. Existem também orgasmos mais inesperados, desafiando tudo o que sabemos sobre as vias neuronais do orgasmo. Algumas pessoas têm orgasmos com a estimulação de outras partes do corpo, sendo os mamilos uma das áreas mais comuns, inclusive durante a amamentação. Além disso, outras partes do corpo, como orelhas, ombros, pés, pescoço, cabeça, costas, tornozelos e boca, também podem levar algumas pessoas à loucura quando estimuladas. Li o relato de alguém que teve um orgasmo ao vibrar a ponta do nariz, áreas que não são especialmente erógenas. A associação entre orgasmo e dor ou desconforto também é sugerida. De facto, estudos com pessoas que sofreram lesões na coluna vertebral e perderam a capacidade de sentir dor mostram que também podem perder a capacidade de ter orgasmos. Há algo nessa ligação entre a dor e o prazer que também explica como algumas pessoas atingem o clímax ao fazer uma tatuagem. Além disso, o alívio após uma experiência dolorosa pode levar alguém a uma descarga prazerosa, como alguém descreveu após a extracção de um dente. Também foram relatados orgasmos em momentos de extrema ansiedade ou em estados meditativos. O nosso estado emocional pode contribuir para moldar este potencial. Estímulos visuais, como imagens, e alguns sons, como ouvir uma música especial, também foram relatados como desencadeadores do clímax. A experiência sensorial de comer também foi referida. Há quem tenha dito que o atum é a fórmula para o orgasmo, pois “há qualquer coisa na sua textura”. Cada pessoa conhecerá as comidas mais “orgásmicas” no seu repertório de experiências. Estes são exemplos relatados por pessoas comuns que sugerem muitos caminhos ainda a serem explorados no estudo do orgasmo. Ter uma visão sofisticada do orgasmo também contribui para uma compreensão mais refinada do prazer, que pode surgir nos momentos mais inconvenientes. Promove uma visão mais abrangente do sexo, que inclui todos os corpos e as muitas formas de desejo, para além do ato sexual em si. Saber que o orgasmo está associado a tantas dinâmicas diferentes também é um incentivo para o auto-conhecimento. Onde estão os nossos orgasmos? Até que ponto sabemos se nosso orgasmo está na ponta do nariz, atrás do joelho ou nos mamilos? Abrir espaço para criar oportunidades de descoberta é a lição a ser aprendida com a normalização de que o orgasmo pode estar em muitos lugares diferentes.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesMDMA na terapia de casal Leram bem. MDMA, como quem diz, a droga do amor, molly, ou ecstasy, a droga recreativa, pode ser uma poderosa aliada na terapia de casal. Não se trata de uma proposta sem fundamento de tendências new age, como os mais críticos e conservadores poderão julgar à primeira vista. É dentro das ciências psicológicas que se tem assistido ao renascimento dos psicadélicos. Um renovado interesse sobre o que alguns grupos de investigação já diziam há décadas, e que as comunidades indígenas já praticam há milhares de anos: as substâncias psicadélicas têm um grande potencial de transformação, e para os mais puristas da linguagem médica, um grande potencial para a cura. Neste renascimento, recupera-se a investigação realizada com psicadélicos, de onde fazem parte outras substâncias como o LSD, psilocibina ou ketamina. O que estes psicadélicos fazem é a dissolução do ser e a expansão da mente para que toque tudo o resto à nossa volta. Estas “trips” levam as pessoas para outros lugares mentais, lugares incomuns do cérebro. Como que um exercício de ginástica e flexibilidade cerebral, processam-se e recriam-se os padrões neuronais, resultando em novas formas de se estar. A ciência tem percebido o potencial transformador destas substâncias em stress pós-traumático e depressões resistentes. Na sociedade contemporânea que padece de doenças mentais e que força modelos (irrealistas) de se ser e estar, os psicadélicos – especialmente, se tomados em contextos terapêuticos – podem revolucionar a forma tradicional de experienciar. A investigação sugere, também, o potencial dessa revolução na terapia de casal. A droga do amor, que nos torna mais amorosos, ajudando na produção de hormonas de prazer e bem-estar, teoriza-se útil para os casais desencontrados. Digo teoriza-se por que não se tem testado o uso de MDMA nestes contextos por razões óbvias. Os poucos estudos que existem aplicaram MDMA em casos de stress pós-traumático que então mostrou resultados promissores na satisfação conjugal. Há quem foque a sua investigação no uso “naturalista” desta substância, ou seja, perceber as transformações nas pessoas que tomam MDMA de forma regular – muitas vezes em microdosing, ie., doses que não levam a viagens, mas ajudam a estarem mais ágeis mentalmente – e de como é que sentem que impacta a vida em casal ou a sua sexualidade. As vantagens reportadas são muitas. De acordo com os participantes ajuda a reduzir o stress e reduz também a ansiedade associada à performance sexual. Isto então ajuda no aumento do desejo, bem como a intensidade da exploração sensorial. Claro que o crepitar destas sensações ajuda na ligação emocional entre os envolvidos. O papel das substâncias psicadélicas nas relações amorosas e sexuais ainda é um terreno por desbravar, mas extremamente promissor. Se a investigação associada a doenças mentais mais graves ainda é insipiente, em relação a estas coisas do amor e do sexo ainda mais insipiente é. Não considerem, por isso, este um convite para tomar psicadélicos sem noção dos riscos, muito menos sem noção das condições necessárias para uma experiência terapêutica. Depois de muitos anos em que os psicadélicos foram demonizados, entramos agora numa fase promissora de desconstrução do seu significado. Um processo que será lento. Ainda assim, este palavreado tenta contribuir para esse processo. Urge olhar com nuance e complexidade a forma como os psicadélicos podem ser absorvidos pela sociedade – e refletir sobre os resultados maravilhosos, coloridos e psicadélicos que podem trazer.