Carlos Morais José A outra face Manchete VozesOs benefícios do tufão [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] modo como os homens interpretam os fenómenos naturais nem sempre lhes faz justiça. Pelo contrário, porque a nossa tendência é ler tudo à nossa medida, parece que os tufões, por exemplo, são desenhados para nos afligir. Não são. Como disse um astrónomo, o universo não é bom nem é mau: é indiferente. E os tufões não são excepção. Não nascem no mar quente com o propósito de destruir o que construímos junto à costa, provocar desabamentos de terras em colinas onde foram construídas casas, nem derrubar postes eléctricos. Simplesmente se formam e vêem por aí fora, fazendo girar, rodopiar, saltitar a atmosfera, de uma forma muito bela de se ver de cima, instalado no conforto de um satélite. As construções costeiras, as casas e os postes acontecem estar no seu caminho. Para as plantas é, na maior parte dos casos, uma festa. As mais velhas sucumbem para dar lugar às mais novas e, muito importante, dá-se um espargir de sementes capaz de atingir mares nunca dantes navegados. Graças aos tufões milhões de sementes são espalhadas até inimagináveis distâncias, permitindo a uma determinada espécie vegetal migrar para territórios insuspeitos. Por outro lado, as árvores importadas não resistem à força contínua das rajadas, enquanto as locais dão mostra de resiliência e de uma milenar sabedoria vegetal. No fim, feitas as contas, o tufão afastou ramos mortos, derrubou árvores doentes ou inapropriadas, criou espaço para as plantas novas e deu a essas espécies a possibilidade de se espalharem como bárbaros por esse continente fora. Onde é que aqui se encontra algo de negativo? Já para a humana gente, é diferente. É diferente mas não muito diferente. Seria fastidioso para mim e para o leitor lançar aqui mão de estatísticas, cálculos de probabilidades, algoritmos e outras ferramentas deste e do outro mundo, para apresentar uma análise profunda do papel dos tufões no planeta e uma avaliação da sua “bondade”. Assim, ao invés de uma ponto de vista global, em que se tornaria necessário comparar milhares de dados, avaliar centenas de tabelas e espreitar em dezenas de locais, optámos pela análise de um caso, no caso vertente o caso da passagem do tufão Hato por Macau, em 2017. Antes de mais, precisamos de esclarecer um ponto geral. Se os humanos gostam de viver junto à costa (coisa que fazem há dezenas de milhares de anos), é provável que tenham dado pela aparição regular de tufões. Bem sabemos que o homo sapiens sapiens é um pouco distraído e limitado, mas é de crer que algum iluminado é capaz de ter um dia dito aos outros: “É pá, todos os anos, mais ou menos nesta altura, levanta-se cá um vento…” Provavelmente, terá sido julgado como intelectual e iluminado pelo fogo brando de uma fogueira. Ou talvez não. Certo é que acontecem e têm acontecido, com regularidade suíça, ao longo dos séculos e tal não levou os homens a abandonarem a costa e irem lá mais para o interior. É o vais… Partindo deste princípio constatável e verificável, seria de esperar que no decorrer das gerações fosse sendo acumulado um saber qualquer sobre o modo como lidar com o tufão. E assim aconteceu, embora às vezes não pareça. E agora repare-se: a presença do tufão obrigou o bicho humano a inventar protecções que nenhuma outra força na Natureza implicaria. Ao criar uma situação radical, totalmente fora dos parâmetros quotidianos, o tufão instilou nos humanos a necessidade de invenção e criação muito além do esperado. Ou assim devia ter acontecido. O caso do Hato fala por si. Quando passou a fronteira para se esvair no continente, deixou atrás de si uma cidade sem água e sem luz, com lixo pelos joelhos, 12 mortos, incontáveis árvores derrubadas, e a necessidade de recorrer aos santos do Exército de Salvação, perdão, de Libertação. Talvez os homens andassem distraídos ou esta geração tivesse esquecido, ofuscada pelas luzes excessivas dos casinos, os ensinamentos das gerações anteriores. Acontece. E não há como um tufão para nos fazer lembrar, para nos remeter a um securizante cantinho. Veja-se o estado da cidade este ano, após a passagem do Mangkhut, também ele um supertufão: uma normalidade quase estarrecedora, tudo a funcionar, à parte as cheias do costume que, aliás, visto que não se conseguem dominar, havia que aproveitar de forma turística, implementando passeios de gôndolas e gaivotas pelas ruelas do Porto Interior e pensar mesmo na hipótese de um Mercado Flutuante. Se não podes as podes vencer (às águas), junta-te a elas. Com os devidos subsídios e apoios. Cá está. O Hato foi uma excelente lição, talvez a única lição de excelência, ao nível da sociedade de excelência que nos foi prometida. É que um tufão é uma verdadeira revolução: limpa a paisagem, dá um ar novo à coisa, faz cair uns e subir outros, para depois ficar tudo na mesma. Exactamente como nas revoluções. Neste caso, a passagem do tufão Hato por Macau em 2017 foi algo de muito proveitoso para os seres humanos pois graças a ele tiveram uma oportunidade para relembrar o que os avós não tiveram ensejo de lhes ensinar e proteger a cidade decentemente para resistir ao embate dos tufões. Sendo mais ou menos claro que não se pensa deslocar a cidade para o continente, por enquanto. Mas, claramente, a grande vantagem do tufão é que torna o ar mais respirável. Ainda que seja por uma breve partícula de tempo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesRiso do sexo [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] comédia é um veículo informativo. Já em português se diz que ‘a brincar, a brincar é que se dizem as verdades’ e não deixa de ser aqueles dizeres populares que não são ridículos de todo. Há teses académicas que provam que os temas difíceis são acompanhados de gargalhadas. Alguém se lembra da risota que era, dentro da sala de aula, quando se falava do aparelho reprodutor? Não vou falar de qualquer tipo de riso, mas do riso profissional, e nem é da comédia na sua generalidade, mas gostaria de vos falar da Hannah Gadsby e do seu último espectáculo de stand-up comedy. Para quem está familiarizado com os recantos da internet com facilidade encontrará a gravação desta performance, que se chama Nanette. Neste exercício de comédia a única voz que se ouve é a de Hannah, uma mulher lésbica que não está muito preocupada em mostrar-se particularmente feminina. Esta é uma mulher que já sofreu na pele a homofobia generalizada e internalizada nas nossas sociedades contemporâneas e, através destas experiências de violência e de incompreensão dos outros à sua volta, faz comédia. Porque a brincar a brincar é que se confessam a pior das verdades sobre nós e os outros. Não quero destruir a experiência de quem tenciona ouvi-la de viva voz neste espectáculo – que se ainda não o disse, recomendo vivamente! -, mas ela vai mais longe do que gozar com ela própria e com a sua experiência, ela põe em causa a experiência da comédia: dos artistas às suas audiências. Se o riso serve para libertar a nossa tensão e dificuldades, será que o faz de forma saudável? Será que uma mulher lésbica que conta as suas experiências (muitas delas traumáticas) num tom jocoso, revela que estão resolvidas? E a audiência, continuará a perceber a gravidade do preconceito diário de quem não se conforma com uma ‘dita’ norma? Por isso este espectáculo não é só um desabafo de como as sociedades falham continuamente na tentativa de igualdade ou liberdade de expressão de género e de sexo. A comédia urge em ser repensada, na forma como os artistas e as suas audiências dão sentido às suas vidas sexuais, e à, infelizmente, violência que muitas destas gentes estão sujeitas. Qual é, afinal, o papel do riso? Uma forma fácil de lidarmos com o nosso desconforto? Uma forma de entretenimento? Sem dúvida que é uma arte, mas como em tudo o que nós, seres sociais, tocamos, será que é crítica e politicamente suficiente? Este é um espectáculo de comédia, uma reflexão e uma zanga com o mundo. Todas as palavras proferidas são feitas com a maior honestidade, e isso é raro de se ver. Honestidade, humanidade, e uma pinta de humildade! É por isso que este é um espetáculo estrondoso, porque é engraçado, intelectualmente bem construído, e brutalmente honesto. E não sei se isto tudo foi deliberado para ser um sucesso ou não, mas a verdade é que a conclusão da tão bem construída verborreia da Hannah, é de parar de fazer comédia. Partilho com ela a preocupação do que fazemos com as palavras, e o que fazemos com o nosso gozo ou o riso. Não que ela tenha uma conclusão brilhante de como será a melhor forma de falar acerca dos homens que a violaram, ou da homofobia que lhe valeu bofetadas com negras e dores por todo o corpo. Mas ela, com toda a sua honestidade, sabe que gozar com isso não está a fazer-lhe bem, e também sabe que não é sua intenção, gerar um ciclo de ódio que junte as massas. O ódio (e dor) que sente são resultado da experiência pessoal nesta infeliz sociedade. O que é claro para ela é que quer ressoar a quem lhes faz sentido, e a quem não faz também, mas não quer ser um veículo para um movimento de ódio partilhado. Porque o ódio não precisa de mais ódio para ser resolvido, precisa de gargalhadas, claro. Mas no mundo complicado em que vivemos, nem sabemos o que uma ‘boa’ e inofensiva gargalhada poderá ser. A Hannah Gadsby, uma especialista do riso, deixou de o saber.
João Luz VozesMangostão [dropcap style≠‘circle’]I[/dropcap] magine a inversão da história do menino que gritava “lobo!”. Melhor ainda, a redenção depois da passada negligência. Durante anos, esta cidade refastelou-se em preguiça e habituou-se a não passar cartão aos alertas de tufões. O desleixo chegou ao ponto das próprias autoridades menosprezarem a força dos elementos e as suas consequências. O relaxamento revelou-se assassino na sequência do fulminante Hato. Era evidente que tudo tinha de mudar. O Governo tinha de limpar a imagem de amadorismo e ineptidão na resposta à tempestade do ano passado, depois da trapalhada dos alertas, da triste figura de ver bombeiros a cortar árvores com pequenas serras de marceneiro e da acumulação de lixo nas ruas chegar ao ponto de necessitar de intervenção militar. Da tragédia nasceram múltiplos organismos para responder a tufões, comprou-se equipamento e passou-se a olhar para o poder da natureza com outros olhos. Também a população, que antes zombava dos sinais 8, já não se apanha tão facilmente desprevenida. Até que eu me formo, algures nos arredores de Guam, imponente em tamanho e ferocidade de ventos. Das águas tépidas faço-me monstro e agiganto-me em superlativas ameaças. Ainda estava a milhares de quilómetros de distância e já o meu percurso era estudado com apreensão. Maduro como o fruto, vermelho de ira por fora, pálido por dentro e amargo para os minúsculos e insignificantes infelizes que apanhei no caminho. Apesar do impressionante volume, da raiva a tudo o que é sólido e inteiro apaziguei-me com o desaceleramento das rajadas. Quando cheguei, tinha toda gente à minha espera, todos sabiam que o lobo cirandava pelas colinas que rodeiam a aldeia. Rendido à hospitalidade de Macau arrastei a minha cauda por cá durante horas e horas, até me fartar e partir para outra paragem. No meu caminho deixei um tímido rasto de destruição, comparado com o que fez o meu antecessor. Espero que não esqueçam a lição, que não se retorne à complacência. Porque, como eu, haverá muitos daqui para a frente. A tepidez das águas alimenta fenómenos atmosféricos da minha estirpe e não se vislumbra um cenário futuro de oceanos mais frios. Mas sejamos honestos. Imaginem que passava no estreito no Estreito de Luzon, entre as Filipinas e Taiwan, sem esbanjar intensidade em terra firme e que continuava a galgar oceano. Imaginem que em vez de passar a 60 quilómetros de distância aterrava em cheio em Macau. Imaginem o meu aniquilador auge. Rajadas máximas de mais de 350 quilómetros por hora e ventos sustentados superiores às rajadas mais velozes do Hato, durante sete ou oito horas. Será que estariam a distribuir palmadinhas nas costas? Mais tarde ou mais cedo, o lótus terá de se confrontar com uma tempestade como eu, sem ferocidade diminuída ou trajectórias benevolentes. Em primeiro lugar, Macau terá de se reinventar em termos de prioridades imobiliárias. Compreendo que a vida de quem vive por cá seja um factor menor face aos milhões que se arrecadam no super inflacionado mercado de imobiliário. É incompreensível como não se instalem janelas de vidros duplos e caixilharias com caixas-de-ar num dos territórios mais ricos do mundo que insiste em pintar tudo em tons de dourado. Todos sabem que nas colinas circundantes ferozes lobos de vento aguçam os dentes. Quanto tempo mais é necessário para equipar a cidade com uma rede de tratamento de esgotos condigna com o presente século? Quantos anos, quantos procedimentos labirínticos de burocracia serão necessários ultrapassar até se construírem barreiras para evitar cheias nas zonas baixas da cidade? O que é preciso para se chegar a um entendimento com quem fica a montante do rio de forma a tentar controlar caudais em tempos de aflição? Quantas décadas? Quantos discursos vazios de cooperações nas áreas disto e daquilo os cidadãos terão de ouvir, enquanto o essencial é tratado como acessório. Até quando se vai queimar carvão à maluca, sem respeito pelas consequências ambientais? Desta vez, todos se portaram bem e fui recebido com o devido respeito que merecia. Mas uma coisa é certa: mais se seguirão.
Paul Chan Wai Chi Manchete Um Grito no DesertoUm ano depois [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]ntes de mais nada, quero agradecer a todos os funcionários públicos que estiveram na frente das operações a cumprir o seu dever durante a passagem do tufão, bem como a todo o outro pessoal e voluntários que trabalharam árduamente para limpar a cidade após a passagem da tempestade. Sem a sua dedicação, nenhum plano por mais perfeito que fosse teria resultado. O Governo da RAEM retirou ensinamentos da catastrófica destruição provocada o ano passado pelo tufão “Hato” e, desta vez, estava preparado para lidar com a destruição e as inundações causadas pelo“Mangkhut”. Por exemplo, o Chefe do Executivo assumiu a coordenação da toda a situação, a colaboração entre os diversos departamentos foi reforçada, ao passo que as forças de segurança e a protecção civil se aplicaram na organização das tarefas e na mobilização de todas as unidades. Até mesmo a Província de Guangdong forneceu a Macau uma série de equipamentos de emergência. A situação foi bem avaliada e as medidas tomadas, antes e depois da tempestade, foram bem planeadas e, como tal, o resultado foi satisfatório e digno de louvor. O desempenho do Governo da RAEM nesta situação mereceu os elogios de toda a comunidade. Mas, no entanto, existem ainda muitos aspectos que merecem análise e que podem ser melhorados. Um ano após a desastrosa passagem do “Hato”, os problemas causados pelas inundações nas zonas ribeirinhas de Macau continuam por resolver. As comportas contra inundações ainda não são completamente eficazes, e as zonas onde foram instaladas ainda alagam. Os moradores afectados pelas inundações continuaram a sofrer cortes no abastecimento de água corrente e de electricidade. Os comerciantes das áreas inundadas, que são afectados por este problema pelo menos uma vez por ano, vêem os seus equipamentos destruídos regularmente e os negócios são sistematicamente prejudicados. Nas áreas alagadas, pudemos ver os funcionários das lojas a trabalhar árduamente para a secar o chão e limpá-lo dos detritos acumulados. Embora estes lojistas tenham tomado providências antes da passagem do tufão, nem todos os seus bens puderam ser salvos, devido à impossibilidade de serem removidos ou desmontados. Uma pequena livraria situada na Travessa dos Mercadores perdeu um terço do seu stock de livros aquando da passagem do “Hato”. Este ano, um quinto dos que restaram foi destruído pelo “Mangkhut”. Enquanto o problema das cheias no Porto Interior não forem resolvidos, quem é que vai ter vontade de abrir um negócio na zona ? Durante o “Mangkhut”, a CEM tomou a iniciativa de suspender as suas subestações, para evitar os acidentes decorrentes das inundações. Por isso, mesmo os comerciantes que possuiam bombas para extracção das águas das cheias, não as conseguiram pôr a funcionar por falta de electricidade. Os moradores das zonas baixas viram-se também confontados com a falta de água corrente e de electricidade. Não é um pouco irónico que esta situação ocorra em Macau, uma cidade com um PIB no top 10 da Ásia? De acordo com as vítimas das cheias, mesmo que a comporta contra inundações consiga impedir as águas do mar de inundarem as ruas, não consegue impedir as águas dos esgotos de subirem e alagarem os apartamentos. Para solucionar este problema terá de ser feita uma total impermeablilização da rede de esgotos. Nos anos 60, embora não houvesse subida da água do mar no Distrito de San Kio, as cheias eram inevitáveis sempre que chovia intensamente. Sempre que havia inundações, as crianças da zona tinham uma diversão: apanhar os peixes que se espalhavam pelas ruas, vindos das lojas que vendiam aquários. Os adultos, por sua vez, estavam ocupados a tentar fixar as tampas dos esgotos de forma a impedir que se transformassem em “géiseres” mal-cheirosos. Nesse tempo, quando os moradores iam buscar água aos poços, situados geralmente entre duas casas, não se surpreendiam quando no balde também vinham de brinde alguns peixinhos. Todos estes acontecimentos eram encarados como “coisas normais” até o Governo português ter levado a cabo um projecto de drenagem em larga escala, que acabou com o divertimento das crianças e com o infortúnio dos adultos. Há quase 20 anos que Macau regressou à soberania chinesa. Durante este espaço de tempo surgiram novos edifícios nas zonas baixas do Porto Interior. Os trabalhos de desassoreamento nas duas margens vão continuando, a capacidade urbana está a atingir o ponto de saturação e a cidade sofre com o envelhecimento da rede de esgotos. O Governo da RAEM promoveu o desenvolvimento económico, mas negligenciou a qualidade de vida das pessoas. Após tantos anos, o reordenamento do Porto Interior não saiu ainda da fase de planeamento. Passou um ano sobre a destruição provocada pelo “Hato” e os recentes danos provocados pelo “Mangkhut” demonstraram que as medidas paliativas tomadas pelo Governo não são assim tão eficazes. A prevenção das inundações deverá ser uma prioridade do Executivo. Se a Holanda o consegue fazer perfeitamente, Macau também terá de consegui-lo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAté já, Amor [dropcap style≠‘circle’]S[/dropcap] obre as discussões amorosas e os desencontros emocionais sabe-se demasiado e sabe-se pouco ao mesmo tempo. Como se fosse um mistério que, por mais que seja escrutinado publicamente, só mesmo o escrutínio íntimo e pessoal poderá contribuir para qualquer coisa à confusão da relação que tentamos manter. Isto porque desenvolver um projecto comum entre duas ou mais pessoas não é tarefa fácil. Os momentos de verdadeiro encontro são muito especiais. Mas como todos nós sabemos, a magia é um instante e não um estado perpétuo de ilusão. Quando descobrimos o amor descobrimo-nos a nós também, por mais estranho que pareça. Como se os nossos apetites em conjunto com os do(s) outro(s) aflorasse os nossos medos e anseios – e tudo isto é normal, tudo isto é perfeitamente normal. Não fosse o amor e a paixão os temas mais discutidos pela humanidade, nas artes ou, simplesmente, no dia-a-dia, se quisermos ser mais mundanos. Contudo, felizmente ou infelizmente, há alturas em que o amor simplesmente não está lá. Perde-se no meio de uma discussão, vai dar uma volta e vemo-nos sem perceber exactamente o que é que isso faz da nossa relação, ou de nós próprios. Vemos o amor a ir a algum lado e não sabemos se é um ‘até já’ ou um ‘adeus’ definitivo. É uma dúvida legítima, especialmente para os mais inexperientes nas curvas e altitudes do amor. Porque como alguns de vós saberão, o amor é uma maratona sem fim, sem meta de chegada, uma corrida de prazer e de resistência – de persistência. Iludimo-nos a julgar o amor, constantemente. Não é incomum encontrar amigas e amigos à espera do amor perfeito, aquele que acontece por pura magia. Sem esforço, sem nada. Mas digamos que esta é uma maratona com obstáculos, com as nossas dificuldades emocionais, intelectuais, sexuais ou culturais, com momentos de desencontro que exigem capacidades de comunicação e compreensão extraordinárias. Quais serão as habilidades incríveis que fazem com que um relacionamento perdure no tempo. Há quem recorra a terapia de casal como um recurso importante – e é. Mas em que condições? Dizem os especialistas – e isto já circulou na imprensa portuguesa pela terapeuta de casal Rute Agulhas – que quando se procura um terapeuta de casal talvez já seja tarde demais. Vou-me dar a liberdade de coagitar possíveis razões: por exemplo, a possível total incompreensão do que a terapia de casal possa ser ou o estigma que pode acartar ir a um terapeuta. Isto tudo combinado com a falsa expectativa que os casais (ou outras constelações familiares) estão em perfeita homeostasia e protegidos por qualquer alteração na sua dinâmica, faz com que possa não haver um meio termo saudável em que haja espaço para mudança e aprendizagem ao longo do tempo. É como se os problemas e as suas resoluções, fossem necessariamente vistos como patologizantes ou, ainda pior, a derradeira prova de que o amor eterno não existe. Os casais recorrem à terapia de casal quando já é tarde demais porque apesar de isto lhes oferecer ferramentas que podem melhorar as formas de comunicação, o amor pode já lá não estar. O amor é resiliente mas delicado ao mesmo tempo, nas palavras de uma amiga, ‘não se está simplesmente num relacionamento, escolhe-se estar num relacionamento’. Pode soar a pouco romântico, mas o amor é assim mesmo, um estado ao qual se trabalha delicadamente. Não é como se a terapeuta fosse capaz de injectar doses de amor para um salvamento urgente. O amor é uma escolha mais ou menos deliberada. Quando o sentimos a perder-se o que fazemos? Corremos atrás dele ou deixamos a nossa inactividade afectar a nossa possibilidade de amar, e do outro, amar-nos de volta?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO IRS chega à China [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap] o dia 31 de Agosto, o Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo (CPCNP) aprovou a resolução de passar a taxar os cidadãos em função dos seus rendimentos. A medida entrará em vigor a 1 de Janeiro de 2019 . O pagamento desta taxa, o IRS em Portugal, é a forma de os cidadãos contribuirem para manter os serviços e infra-estruturas que o Governo coloca ao seu dispôr. Pagar os impostos é um dever de todos. Como o nome indica, imposto sobre rendimentos de pessoas singulares, esta taxa aplica-se a todos os rendimentos, quer sejam salários, contas bancárias, acções, lucros empresariais, rendas etc. Em alguns países, este imposto subdivide-se em dois, o que incide nos rendimentos laborais e o que incide nos redimentos não laborais. A percentagem que se aplica no segundo caso é superior à que se aplica no primeiro. Foram criadas várias emendas à lei sobre este tópico. As mais relevantes serão menciondas a seguir: Qualquer pessoa que permaneça na China, não menos do que 183 dias por ano, fica sujeito ao pagamento de IRS. Nestes casos, este imposto irá incidir nos rendimentos gerados dentro e fora do País. As pessoas sujeitas ao pagamento de IRS passam a ser obrigadas a entregar uma declaração de rendimentos entre Março e Junho de cada ano. As declarações entregues reportam-se sempre aos rendimentos do ano anterior. O IRS tem uma taxação progressiva. Isto significa que o imposto é cobrado a uma percentagem inferior nos rendimentos mais baixos, percentagem que vai aumentando à medida que o rendimento aumenta. As percentagens estão divididas em escalões, de 3%, 10%, 20%, 30%, 35% and 45% etc. Este sistema é justo para os contribuintes, na medida em que, quem ganha menos paga menos e, consequentemente, quem ganha mais paga mais. O sistema de taxamento progressivo tem uma função essencial na sociedade – a redistribuição da riqueza por todos. O objectivo é tornar a sociedade mais justa e pacífica. As pensões de alimentos são um dos principais itens a ser deduzidos no IRS, mas, para além desta, existem muitos outras despesas que podem ser deduzidas. Por exemplo, despesas de educação dos filhos, despesas de educação ou especialização do próprio, despesas de saúde, amortização da casa, renda, encargos com dependentes idosos, etc. Antes destas novas regras, os estrangeiros, incluindo as pessoas vindas de Taiwan, Hong Kong e Macau, só passavam a pagar impostos ao fim de cinco anos de estadia. Era por este motivo que muitas delas saíam da China após quatro anos e meio de permanência, voltando depois passado algum tempo. Devido a estas alterações, podemos depreender que muitos dos que trabalham no país, sobretudo os que estão instalados na área da Grande Baía, vão ser afectados. A instauração do IRS pode fazer com que menos pessoas tenham vontade de vir trabalhar para a China. Tam Yiu Chung, membro do CPCNP de Hong Kong, declarou que, as pessoas de Hong Kong que trabalham na China, mas que possam provar que a sua residência oficial é em Hong Kong, podem vir a ter isenção do imposto. Também os jovens que trabalham e se instalaram na China já há alguns anos, sem residência oficial em Hong Kong, passarão a pagar IRS. Esta situação será cada vez mais comum porque, devido aos preços inflacionados da habitação em Hong Kong, são obrigados a comprar casa na China, pelo que automaticamente passarão a ficar sujeitos ao pagamento de IRS. À semelhança destes jovens, também os reformados que se mudaram para a China serão taxados, desde que tenham rendimentos; por exemplo: recebam rendas ou pensões da China, de Hong Kong ou de Macau. Mais uma vez esta situação será frequente, porque muita gente faz poupanças e investimentos a pensar na reforma. Todas as pessoas querem ter alguns rendimentos na altura da reforma. Pois quem os tiver, terá de pagar IRS. Como sabemos, em Macau temos o fundo da segurança social. Se satisfizermos todos os requisitos, o Governo contribui com 3.450 patacas por mês para este fundo. Um dos nossos reformados que receba esta quantia e esteja a viver na China, vai provavelmente pensar duas vezes sobre a sua permanência. No entanto a regulamentação para a implementação deste novo imposto ainda não entrou em vigor. Esperemos que até lá todos os problemas se resolvam.
Leocardo VozesEmprestador Neither a borrower, nor a lender be; For loan oft loses both itself and friend. Shakespeare, “Hamlet” [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e quiseres perder um amigo, empresta-lhe dinheiro”. Este é um bordão que se torna muitas vezes verdade, infelizmente. O dinheiro custa-nos a ganhar, temos as nossas contas para pagar, e não nos passa pela cabeça passar para as mãos de alguém o produto do nosso esforço. É aos bancos e outras instituições de crédito que cabe a função de emprestar dinheiro, e vá-se lá saber porquê, não emprestam sem que devedor lhes dê garantias. Que gajos tão chatos, com os cofres a abarrotar de nota e ainda assim são unhas-de-fome. Se a quantia pretendida é elevada e o crédito está mal parado, pode-se recorrer à família, ou a um amigo próximo com que se tenha uma relação de plena confiança. Mesmo assim é preciso explicar a razão do empréstimo – ninguém empresta dinheiro apenas “porque sim”, ou porque não lhe faz diferença. Custa negar um favor a um familiar ou alguém íntimo que se encontre em dificuldades, mesmo que exista uma hipótese de ele nunca nos poder pagar. Nesses casos dizemos-lhe “paga quando puderes”, sempre com ênfase no “paga”. Se ele realmente tiver essa possibilidade, pagará o mais rapidamente possível. Só que há pessoas a quem nunca devemos emprestar dinheiro, para o nosso bem e para o bem deles, como são os casos dos jogadores compulsivos e os toxicodependentes. Mas e quando emprestamos dinheiro a alguém que não nos é muito próximo, mas consegue “levar-nos no bico”? Que tipo de pessoas são estas? Vamos usar uma quantia razoável, uma soma de dinheiro que não sendo uma fortuna, chega para pesar no orçamento. Imaginemos que emprestamos 5000 patacas, e passamos à condição de credor. O que podemos esperar do nosso devedor? O Cumpridor: Pede-nos o dinheiro emprestado, promete devolver num determinado prazo de tempo, que depois cumpre, ou até se antecipa, e ainda nos paga um jantar. Este é o tipo de pessoa a quem vale a pena emprestar dinheiro, e até contribui para que se desenvolva com ele laços de amizade. Quem não gosta de ter um amigo honesto? Fosse toda a gente como ele, e os bancos iam ter prejuízo. O Procrastinador: Este pede-nos as 5000 patacas emprestadas e negoceia um plano de pagamento: 1000 patacas cada mês, em cinco meses. Paga a primeira e a segunda prestação, mas chega a terceira e diz-nos “epá olha este mês não dá, peço desculpa, para o próximo mês pago-te 2000”. Com jeitinho, acaba por pagar ao fim de um ano – isto é, se pagar na totalidade. O Esquecido: Pede o dinheiro, diz que devolve no fim do mês. Chegando ao fim do mês, não paga, não dá qualquer satisfação e fala connosco como se não se passasse nada. Se formos pacientes, esperamos mais um mês, caso contrário, alguns dias, e recordamo-lo da dívida. Bate com a mão na testa e diz “epá! Já me tinha esquecido vê lá tu! Pago-te amanhã sem falta”. Claro, o rapaz tem mais em que pensar. Da próxima vez que pedir emprestado, fazemos ao contrário: dizemos que “emprestamos amanhã”, e depois…esquecemo-nos! O Distraído: Este é um dos maiores caras-de-pau. Primeiro vem muito encarecidamente pedir-nos o dinheiro porque teve “um grande problema”. Conta-nos o problema cabisbaixo, com o coração nas mãos, humilhado por ter chegado àquele ponto. Sentimos pena e emprestamos-lhe o dinheiro, e dizemos-lhe que pode pagar quando quiser. Passado algum tempo devolve uma parte, promete devolver o resto “em breve”, mas entretanto muda de telemóvel, janta em hotéis de luxo com a namorada, compra roupa cara e artigos de luxo e sai todos os fins-de-semana à noite. Isto antes ou em vez de nos pagar o que deve. Faz tudo debaixo das nossas barbas, e ainda tem a lata de nos contar as suas proezas noctívagas. Da próxima vez que vier a choramingar para o nosso lado, convém termos um violino à mão, para dar um efeito mais dramático à angústia do coitadinho. O Descarado: Este é como o distraído, mas enquanto o anterior é parvinho e faz sem querer, este tem a mania que é esperto e faz por maldade. Pede-nos as 5000 patacas emprestadas porque a renda está atrasada, pediu uma extensão ao senhorio, mas este recusou e ameaça despejá-lo. Diz-nos isto com os olhos lavados em lágrimas, e torna-se quase impossível dizer que não. Passados dois dias, ficamos a saber que foi para a Tailândia de férias uma semana, e cai-nos o queixo ao chão. Quando regressa pedimos-lhe satisfações, e atira-nos com um “epá a ida à Tailândia é uma coisa, a renda é outra; não vamos misturar”. Se lhe chamamos a atenção para o descaramento, irrita-se e diz “epá se soubesse não te tinha pedido nada, fogo!”. De facto, e se eu soubesse não lhe tinha emprestado, mas agora já é tarde. A Virgem Ofendida: Este combina alguns dos anteriores, e ainda remata com um “twist”. Pede-nos encarecidamente, agradece e promete pagar “o mais rapidamente possível”. Depois procrastina, esquece-se, anda distraído, e o tempo vai passando, Lembramo-lo uma vez, duas, e diz-nos sempre que “está bem”, diz que não se esqueceu e “depois paga”. À terceira vez que lhe recordamos da dívida, numa fase em que já estamos para além de arrependidos de ter confiado nele, exalta-se e começa aos berros “O quê? Já sei meu! Fogo! Epá já te pago, o que é, faz-te muita falta? Bolas, se eu soubesse não te pedia nada, caraças”. Idem, meu caloteiro amigo, idem. Por vezes tem o desplante de acrescentar “Isto tudo ‘só’ por causa de 5000 patacas?”. Estas 5000 patacas que agora para ele são ‘só’ 5000 patacas, eram na altura do empréstimo a diferença entre a vida e a morte. Em muitos casos vai contar a toda a gente que passamos o tempo todo atrás dele, que o andamos a perseguir, e aconselha aos outros que “tenham cuidado” connosco. Ficamos os maus da fita, e só faltava dizer que somos nós que estamos em dívida com ele. Depois de nos pagar – se eventualmente pagar – convém espetar-lhe com um selo no focinho. Se ele perguntar porque fizemos isso, podemos responder: “são os juros de mora…”. O Investidor: Lembram-se do cumpridor? O primeiro da lista, aquele gajo porreiro que paga e ainda agradece ou compensa-nos pela confiança que depositámos nele, e que até dá gosto emprestar-lhe dinheiro. Ora este investidor é a corrupção do cumpridor, o seu gémeo malvado. Pede-nos 5000, paga prontamente e ainda nos leva a jantar. Passado algum tempo, pede 10 mil “para tratar de um caso urgente”, devolve-nos no dia seguinte, e diz maravilhas de nós a meio mundo. A seguir pede 20 mil, ou em alguns casos pode chegar aos 50 mil ou mais, dependendo de quão embalados estamos no seu canto da sereia, e depois não paga. Alega insolvência e pede muita desculpa, se for preciso chora à nossa frente, ou simplesmente desaparece. Um conto do vigário raro, mas não inédito. O Passarinho: Emprestamos o dinheiro, e ele voa – diz-se então que foi “emprestadado”. Mais cuidado da próxima vez, companheiro.
David Chan VozesCrimes, escapadelas e computadores (II) [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]semana passada analisámos um caso ocorrido numa escola básica. Quatro professoras divulgaram as perguntas de um teste para admissão de alunos e foram acusadas de “aceder a computadores com intenção criminosa ou desonesta” ao abrigo da alínea 161(1)(c) do Código Penal de Hong Kong. Esta alínea cobre este género de delitos e ainda as infracções por recolha e divulgação de imagens intímas. Relacionado com a esta última infracção, destacamos um caso que deu muito que falar. Atlex Chow Lik-sing, um motorista de taxi de 50 anos, alegou inocência após ter sido acusado de fotografar uma passageira que amamentava o seu bebé, e de ter colocado as imagens no Facebook, em Dezembro de 2016. A juiza Ada Yim Shun-yee recusou-se a adiar o julgamento e quis saber porque é que os advogados de acusação, que estavam sempre a pedir adiamentos, tinha optado pela acusação de uso de computador com intenção criminosa ou desonesta, e não tinham escolhido outra mais apropriada. Basicamente, a alínea 161(1)(c) é um saco onde cabe quase tudo. Se for usado um computador em qualquer fase da preparação de um crime, pode recorrer-se à alínea 161(1)(c) para adicionar mais uma acusação de fraude ou até de corrupção. Após o smart phone ter sido equiparado a um “computador”, a alínea 161(1)(c) pode ser amplamente aplicada. É válida para casos de fuga de informação de testes escolares, como para o registo de imagens de mulheres a amamentar ou ainda para divulgação de imagens intímas. Sem este enquadramento legal, seria difícil acusar os responsáveis. No entanto, o caso das professoras revelou uma interpretação diferente da alínea 161(1)(c), e por isso é provável que agora, nestas situações, a acusação tenha algum cuidado até se ficar a saber a decisão do Tribunal de Recurso. Para que a legalidade prevaleça, em certos casos devem aplicar-se outras leis para “substituir” a alínea 161 (1) (c). A divulgação de imagens intímas pode constituir um problema. Considera-se captação de imagens intímas, quando são feitas fotografias ou videos, num certo ângulo e de forma sub-reptícia, de forma a revelar a anatomia feminina por baixo dos vestidos. Aos olhos da lei de Hong Kong ainda não é considerado crime sexual. Desta forma, o réu só pode ser acusado de ociosidade ou de crime contra a honra. É por este motivo que a decisão do juiz de absolver as professoras que divulgaram as perguntas dos testes resultou num desastre legal. Vejamos agora, porque é que o Tribunal de Primeira Instância recusou condená-las. Durante a audiência, o juiz Pang colocou uma questão fundamental: seriam apropriadas as acusações que lhes eram imputadas? Por outras palavras, os actos que praticaram ao “aceder a computadores” poderiam ser considerados infracções ao abrigo da alínea 161(1)(c) do Código Penal? Esta pergunta causou surpresa a ambas as partes, porque nunca tinha sido feita numa sala de audiências. Pang adiantou ainda que “obter acesso a um computador” com intenções criminosas ou desonestas, não é o mesmo que “usar um computador” com esses intuitos. Se a infracção era baseada no uso do computador, tinha um largo espectro e seria incompatível com o precedente “caso Li Man Wai”. Este caso demonstrou que a lei não castiga por igual todas as formas de acesso a computadores, só proibe a extracção e o uso, não autorizado e desonesto, de informação. Mas este caso ainda não está encerrado pois aguarda a decisão final do Supremo Tribunal de Hong Kong. No entanto, a julgar pelas palavras do juiz, podemos verificar a importância da interpretação legal. As palavras “acesso” e “uso” são semelhantes, mas acabam por ter significados diferentes. O juiz tem o dever de assegurar que o seu uso é correcto. Em casos do foro do direito penal é crucial, sobretudo para o réu, que a lei seja interpretada à letra. E a interpretação de um juiz pode vir a ser usada por outros no futuro. É por este motivo que devemos encarar a lei com toda a seriedade. Se todos compreenderem a importância do cumprimento da lei, o estado de direito será alcançado. Talvez esteja na altura de o Governo de Hong Kong fazer algumas emendas às leis. O registo de imagens íntimas é disso exemplo. Se o Supremo Tribunal aceitar a argumentação do juiz Pang, as mulheres de Hong Kong vão precisar de uma lei de protecção. Para concluir, divulgar as perguntas dos testes com antecedência é obviamente uma conduta imprópria e condenável. Nenhum professor o deverá fazer, sem qualquer sombra de dúvida.
Paul Chan Wai Chi VozesSegurança nacional [dropcap style=’circle’]L[/dropcap]embram-se do KGB, a agência de segurança soviética? Nessa época o “Comité de Segurança do Estado”, o KGB, foi reconhecido como o corpo de segurança mais eficaz do mundo inteiro, e a mais poderosa organização de segurança do país. Para os soviéticos representava um instrumento de terror. Mas apesar de todo o seu poder, não impediu a dissolução da URSS. O fiasco do “Comité de Segurança do Estado” na salvaguarda da segurança nacional, tem um toque de humor negro. Mas, na verdade, a manutenção dos regimes e a segurança nacional constroem-se com base na igualdade entre os homens e não através da força e da imposição da lei. A Região Administrativa Especial de Macau promulgou a “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado” em 2009. Mas, nesta última década, não houve uma única situação que tenha posto a segurança nacional em risco. Em Macau, o risco de ataques terroristas é dos mais baixos do mundo, A cidade é considerada bastante segura a nível internacional, ao ponto de Kim Jong Nam, o malogrado meio-irmão do líder norte-coreano, aqui ter vivido tranquilamente, antes de ter sido assassinado na Malásia. Características sociais únicas e aspectos geopolíticos muitos particulares contribuem sem dúvida para a segurança da cidade. Recentemente, a Secretaria para a Segurança de Macau declarou que está em estudo a criação de uma comissão dedicada ao anti-terorismo e à garantia da defesa da segurança de estado. O “Boletim Oficial da RAEM” publicou o Regulamento Administrativo n.º 22/2018 sobre a criação da Comissão de Defesa da Segurança do Estado da RAEM, presidida pelo Chefe do Executivo e que integra, na qualidade de vogais, os secretários para a Administração e Justiça e para a Segurança, este último igualmente como vice-presidente. Para além disso, futuramente serão implementadas uma série de medidas e mais legislação para a salvaguarda da segurança nacional. Nessa altura, Macau será um pilar da segurança nacional. Será que as suas gentes se vão orgulhar dessa condição? Se lermos a História da China, vemos que a Dinastia Qin recorreu às mais elaboradas medidas para salvaguardar a segurança nacional. Para além de proclamar muitas leis desumanas, recorreu ainda “à queima de livros e ao sepultamento de intelectuais” para destruir obras subversivas e eliminar os pensadores confucianos que defendiam outros ideais. Para impeder o caos, mandaram demolir as estruturas defensivas das cidades e confiscaram as armas de uma ponta à outra do País. Passaram as ser aplicadas as “Punições colectivas”, que, para além do transgressor, se aplicavam a todos aqueles que, tendo tido conhecimento da falta, não a reportassem. Como todas estas medidas em vigor, não deveria ter havido qualquer problema com a segurança nacional. No entanto, a Dinastia Qin teve a duração mais curta de toda a História da China. Nestas férias, fui até à Turquia e visitei a famosa Constantinópola, a Istambul dos nossos dias. Foi a capital do Império Romano do Oriente e do Império Otomano, dois grandes Impérios europeus que acabaram por sucumbir. Durante a minha estadia, a moeda turca, a Lira, caiu abruptamente, passando de 1 USD = 5 liras a 1 USD = 7 liras. Não percebo turco por isso não consegui acompanhar as notícias, mas apercebi-me que se passava qualquer coisa, porque o controle de segurança ao longo das estradas foi reforçado. No Aeroporto, nem todas as pessoas que faziam parte do meu grupo conseguiram embarcar. Mas, no geral, pude aperceber-me que os turcos são pessoas simples e afáveis. Mas com esta viragem negativa na economia, pergunto-me por quanto tempo mais poderá o País permanecer seguro, sob um regime de braço de ferro. “Hoje é sobre Macau, amanhã será sobre Hong Kong”, é um slogan muito usado pelo democratas de Hong Kong. Em Macau, o campo pró-regime é poderoso e a estrutura social da cidade é estável. Além disso, existe ordem social. No entanto, a rede de segurança nacional começou a ser gradualmente organizada após a promulgação do Artigo 23 da Lei Básica. Esta realidade de Macau irá ter um impacto positivo ou negativo em Hong Kong, que ainda não fez entrar em vigor o Artigo 23 da Lei Básica? Já que a RAEM é tão eficaz na implementação de medidas para reforçar a segurança nacional, irão estas acções resultar numa boa ajuda a Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, a Chefe do Executivo de Hong Kong? A segurança nacional é da responsabilidade de todos, mas não deve focar-se na implementação de leis.
Leocardo VozesNotas de Setembro I [dropcap style=’circle’]R[/dropcap]egressei recentemente de férias de Portugal, onde já não ia há 8 anos, pasme-se. E novidades? Bem, tudo mais ou menos na mesma, e talvez por ter ido no Verão, as coisas estavam calmas, e as cidades praticamente desertas, mesmo Lisboa. Foi uma mudança interessante, em relação à azáfama que temos aqui no território e nas outras cidades da região. Portugal continua a ser um país acessível em termos de preços; muito mais barato que o resto da Europa. Continua, no entanto, a falar-se da crise. Normal, num país onde grande parte da população activa vive com seis mil patacas mensais, ou pouco mais do que isso. Parece mesmo assim não ter muito importância; as marisqueiras estão sempre cheias, os festivais de Verão são concorridos, toda gente tem carro, e enquanto lá estive foram quase 60 mil alminhas encher o Estádio da Luz para assistir à partida entre o Benfica e o Fenerbahce, a contar para a 2a. pré-eliminatória de qualificação da Champions League, com os bilhetes a custar na ordem das 500 ou mil patacas. Vai-se vivendo, em Portugal. II De regresso a Macau, e depois de um tímido tufão que no final de contas não chegou a sacudir o território, a actualidade ficou marcada pelas declarações polémicas de uma responsável dos Serviços de Educação, a propósito da homossexualidade. A educadora (?) em questão estabeleceu um desastroso paralelo entre esta orientação sexual e a doença mental, sugerindo que “as crianças que pensam (?!) que são homossexuais devem ser encaminhadas para um psicólogo”. Depois de uma ou mais tentativas (frustradas, diga-se em abono da verdade) de se justificar, e de um estranho “diz-que-não-disse”, o mal já estava feito. Foram declarações graves e infelizes, de facto, mas que me deixaram a pensar que aqui na terra da harmonia, o conceito de “normalidade” ainda tem algum peso. A doença mental é tabu, e existem muitos casos não diagnosticados – é o tal medo da “perda de face”, um aspecto sobretudo cultural. Era bom que quem precisa de ajuda a fosse procurar. Independentemente de ocupar um cargo público de relevo, ou não. III Finalmente, e ainda em Macau, abriu um restaurante da cadeia de “fast-food” filipina Jollibee (passo a publicidade), depois de meses de espera (hesitação?). Eu, pessoalmente gosto, e faço sempre questão de lá ir quando visito as Filipinas, e agora é tudo uma questão de se gostar ou não de “junk food”. Mas o que eu gostaria mesmo de destacar é o atendimento, que é, numa palavra, soberbo. As meninas da caixa atendem com uma simpatia tremenda, sorriso de orelha a orelha, e dirigem-se aos clientes quase a cantar! Se não houver mais nada, pelo menos os outros estabelecimentos do território tinham muito a aprender com o Jollibee, nesse particular. Nota cem.
David Chan VozesCrimes, escapadelas e telemóveis (I) [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]lguma vez poderíamos imaginar que a professora que fotografou as perguntas de um questionário e as enviou do telemóvel através do “Whatsapp” não seria condenada em Tribunal? Pois acreditem que aconteceu e o caso está a chocar Hong Kong. No dia 10 de Agosto, o Tribunal de Primeira Instância de Hong Kong recusou-se a anular a decisão do Tribunal de Magistrados, que tinha deliberado que as quatro professoras que usaram os telemóveis e os portáteis para divulgarem as perguntas de um questionário de selecção, não são culpadas de “aceder a computadores com intenção desonesta ou criminosa”. Este caso conta-se em poucas palavras. Envolveu quatro rés, todas professoras do ensino básico. Três delas ensinavam na mesma escola. A quarta leccionava noutra escola, mas tinha sido colega de uma das outras. A ocorrência deu-se em 2014. Como o número de vagas para a admissão de novos alunos no ano lectivo 2014 – 2015, na referida escola, era limitado, os candidatos tinham de ser seleccionados através de uma entrevista. As entrevistas tiveram lugar no dia 14 de Junho. Na véspera, o professor responsável pelas admissões dirigiu uma reunião preparatória. Na reunião, foi entregue a cada professor uma pasta de plástico contendo um conjunto de perguntas e de esquemas. As pastas foram devolvidas no final da reunião. As três rés que trabalhavam nesta escola estavam presentes na reunião. Durante a reunião, uma delas fotografou com o telemóvel os conteúdos com as perguntas e enviou-os através do Whatsapp à colega que trabalhava na outra escola. A segunda ré fotografou também este material e enviou as fotos à terceira, que estava atrasada para a reunião. Esta, depois de receber as imagens, utilizou o computador da sala de professores e introduziu num ficheiro Word as perguntas que, de seguida, reenviou por email às outras duas, nesse mesmo dia. A quarta ré, que trabalhava fora desta escola, recebeu as perguntas no ficheiro Word por email. Em seguida fotografou o ficheiro com o telemóvel e enviou-o às amigas. Foram todas acusadas de terem acedido a computadores com intenções criminosas ou desonestas, com o objectivo de obter lucros para si ou para terceiros. Este crime está inscrito na secção 161 (c) da Lei Criminal. Os Magistrados não aceitaram a confidencialidades das perguntas das entrevistas, porque: A primeira tirou as fotos antes de começar a reunião de preparação das entrevistas. A sua conduta não pode ser tratada como “desonesta”. A segunda colocou os formulários na mesa e fotografou-os à vista de todos. À semelhança da primeira, a sua conduta não pode ser tratada como “desonesta”. A terceira usou o computador da escola para introduzir o formulário num ficheiro Word. Pode tê-lo feito para proveito ilícito de terceiros, mas não para seu proveito pessoal. Contudo, usar o computador da escola não é ilegal. A quarta quis ajudar a amiga e não conhecia o ficheiro com a cópia dos formulários. Baseados nestes dados, é fácil de imaginar que o recurso para o Tribunal de Primeira Instância fosse dificilmente defensável. A acusação sublinhou o carácter confidencial dos questionários. O senso comum diz-nos que este material não deve ser sujeito a fugas, nem chegar ao conhecimento dos candidatos antes do momento próprio. E isto é verdade, independentemente de ter sido feito, ou não, um aviso sobre a confidencialidade dos materiais, antes da reunião preparatória. Antes de discutirmos a decisão do Tribunal, é preciso lembrar que nos últimos anos, vários naturais de Hong Kong foram acusados ao abrigo da secção 161(1)(c), por um vasto leque de condutas ilegais. O caso mais conhecido foi a acusação contra Weslie Siao Chi-yung feita pela ICAC, Agência Anti-Corrupção de Hong Kong, a propósito da fuga de informação incluída nos questionários de exame do Ensino Secundário. Kris Lau Koon-wah, outro professor, foi igualmente acusado pelos mesmos motivos. Tirar fotografias pornográficas constitui também crime ao abrigo da secção 161(1)(c). O agente Chu Ho, um polícia de Hong Kong, admitiu ter tirado fotografias pornográficas em 311 diferentes ocasiões, incluindo várias de uma colega, no interior da esquadra de Yau Ma Tei. Os investigadores encontraram 1.628 fotos e 290 vídeos de várias mulheres no smartphone de Chu Ho, em 2016. A sentença de Chu deverá ser ouvida no próximo dia 13 de Dezembro, após o Vice-Magistrado Lau Suk-han ter concedido à acusação um tempo suplementar para fundamentar o processo. Continua na próxima semana
Tiago Bonucci Pereira VozesCADFund [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Fundo de Desenvolvimento China-África (CADFund) foi lançado em junho de 2007 como um instrumento do governo Chinês para a implementação prática dos seus planos e objectivos para o continente Africano. O CADFund foi estabelecido como parte de oito medidas anunciadas pelo então presidente chinês Hu Jintao, no Fórum Cooperação China-África (FOCAC) de 2006. Embora opere de acordo com princípios de mercado, o Fundo é uma ferramenta económica e diplomática do governo Chinês para incentivar os investimentos de empresas chinesas nos países africanos. O CADFund é uma subsidiária do China Development Bank (CDB). A missão do CADFund é facilitar a cooperação China-África e melhorar a capacitação das economias africanas por meio de investimentos directos e serviços de consultoria. Gao Jian, ex-vice-governador do CDB e director do fundo, afirmou na altura da sua criação que o CADFund destina-se a incentivar projectos conjuntos entre firmas chinesas estatais ou privadas, e empresas africanas (ou de outras nacionalidades) e que não visa a obtenção de lucros elevados, mas apenas não incorrer em perdas. O Fundo recebeu um total de 5 mil milhões de dólares, com um montante inicial de mil milhões de dólares pago em 2007, e outra injecção de capital de dois mil milhões de dólares anunciada durante uma conferência de empresários Chineses e Africanos em Julho de 2012. A capitalização de 5 mil milhões de dólares foi alcançada em 2015 e uma capitalização adicional de 5 mil milhões de dólares será alcançada este ano, provávelmente até ao FOCAC 2018, a ser realizado em Setembro deste ano em Pequim. Este aumento de capital foi anunciado pelo presidente chinês Xi Jingping em Dezembro de 2015 durante o encontro FOCAC de Joanesburgo, e foi justificado como uma medida para garantir a implementação bem sucedida dos 10 principais planos de cooperação China-África anunciados na mesma ocasião, e que promovem a cooperação em sectores bem definidos, como a indústria, agricultura, construção de infraestruturas, ambiente e comércio, entre outros. O CADFund é orientado para o lucro, não se tratando, de forma alguma, de ajuda externa. Os principais critérios de financiamento do CADFund baseiam-se numa avaliação do retorno do investimento: projectos qualificados para avaliação devem demonstrar perspectivas promissoras, com um potencial de crescimento rápido e estável, e a capacidade de gerar lucros. O período de participação do CADFund varia entre oito e quinze anos por investimento, findo os quais os investimentos devem ser lucrativos e, portanto, autossustentados. O CADFund é uma subsidiária do CDB, “stockholder” este que é o primeiro na linha de comando. O fundo é, no entanto, também uma ferramenta política e como tal reporta anualmente a um Conselho de Supervisão onde estão representados diferentes ministérios do governo Chinês. O Conselho de Administração é composto por membros do CDB e do CADFund. Actualmente, o fundo possui escritórios de representação em cinco países africanos: África do Sul, Etiópia, Zâmbia, Gana e Quénia. Esses escritórios servem como prestadores de serviços de consultoria para empresas Chinesas que desejam operar em países Africanos. De acordo com o organigrama publicado pelo CADFund, existem três departamentos de investimento: [i] Agricultura, Imobiliário e Indústria; [ii] Investimentos na Indústria de Mineração; [iii] Infraestruturas e Energia. Este esquema resulta de uma reestruturação levada a cabo em Abril de 2012, tendo os departamentos passado assim a ter uma base sectorial em vez de geográfica. A principal forma de participação do CADFund em projectos é através de investimentos de capital. Uma outra é funcionando como uma espécie de “fundo de fundos”, alocando uma parte do seu capital para outros fundos que investem em África. Será o caso do Fundo de Cooperação China-Países de Língua Portuguesa (CPDFund), fundo este que conta com a participação do CDB, Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Macau, e CADFund, que é também responsável pela gestão do fundo. O CADFund investiu desde a sua criação em 88 projetos em 36 países africanos, num valor total de mais de 4 mil milhões de dólares. No entanto, os maiores financiadores para investimento Chinês em África são, de longe, o China Eximbank e o CDB. Estes dois bancos representam 84% do total de empréstimos a governos e empresas estatais Africanos durante o período entre 2000 e 2014. A iniciativa “Faixa e Rota” (BRI) terá possivelmente consequências para o direccionamento de investimentos destes financiadores. Uma recente directiva do China Eximbank exige a prioratização de investimentos relacionados com o BRI. No contexto Africano, o BRI, e apesar da vontade expressa em extender a iniciativa ao resto do continente, tem estado centrado na vizinhança do Corno de África. Do exposto pode-se aferir que actualmente o investimento Chinês em África é feito fundamentalmente com base em princípios de mercado, visando o lucro. Qualquer projecto de investimento tem de oferecer garantias de sustentabilidade. A estratégia está centrada não em obter lucros elevados no imediato, mas na promoção da internacionalização de empresas chinesas.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTribunal Financeiro de Xangai [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]website chinês “Xinhua” publicou no passado dia 21, uma notícia sobre a criação do Tribunal Financeiro de Xangai (TFX), em Pudong, um Distrito de Xangai. Este Tribunal é o primeiro do género no país. O TFX teve o seu historial. Em Novembro de 2008, O Tribunal Financeiro de Primeira Instância foi criado e sediado na Nova Área de Pudong. Desde então, o Supremo Tribunal de Xangai, o Tribunal de Recurso e alguns Tribunais de Primeira Instância foram sucessivamente criando secções financeiras para julgar casos desta natureza. A 27 de Abril deste ano, o Comité Permanente do 13º Congresso Nacional do Povo decidiu criar o TFX. A 13 de Julho, o Comité Judicial do Supremo Tribunal do Povo estabeleceu as “Provisões do Supremo Tribunal do Povo para a Jurisdição do Tribunal Financeiro de Xangai”. Estas medidas foram implementadas a 10 de Agosto. O primeiro artigo das Provisões afirma claramente que a jurisdição do TFX incide sobre as áreas financeira, civil e comercial e os casos que lhe são apresentados derivam do Tribunal de Recurso, sob a jurisdição de Xangai. O Artigo 2 estipula que, quer o queixoso, quer o réu, deverão pertencer a instituições financeiras governamentais. Os cidadãos comuns não podem ser julgados neste Tribunal. Esses casos terão de ser julgados noutras Instâncias, em consonância com o sistema judicial chinês. O significado da criação deste Tribunal talvez possa ser explicado pelas palavras proferidas por Zhou Qiang, Presidente do Supremo Tribunal do Povo, durante o segundo encontro do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo, a 25 de Abril deste ano. Zhou Qiang salientou que a criação do TFX tem três significados importantes: Primeiro, ajuda ao crescimento da influência internacional da justiça financeira chinesa. Segundo, favorece a supervisão sobre os mercados financeiros do país e ajuda a manter a segurança financeira. Terceiro, facilita o desenvolvimento e construção do Centro Financeiro de Xangai e, a partir de 2020, pode fornecer poderosas garantias e serviços judiciais a este Centro e também incrementar o estatuto internacional do RMB. A partir do material até agora publicado, podemos constatar que todos têm uma opinião positiva sobre a criação deste Tribunal, o que é sem dúvida muito encorajador. Até ao momento, foram destacados para o Tribunal Financeiro de Xangai 28 juizes. Cerca de 26 possuem Mestrados ou Doutoramentos. Alguns deles possuem experiência no julgamento de casos nesta área. Juizes experientes e com elevadas qualificações académicas irão certamente fazer deste projecto um sucesso. Hong Kong também tem um centro financeiro internacional. Em Junho de 2012, a cidade inaugurou oficialmente o Centro para a Resolução de Conflitos Financeiros de Hong Kong (HKFDR). O Centro irá prestar assistência às instituições financeiras e aos seus clientes individuais em caso de conflito e desempenhará, numa fase inicial, o papel de mediador e numa fase posterir o papel de árbitro. O queixoso pode candidatar-se para receber ajuda do Centro. Se for aceite, o Centro vai servir inicialmente de mediador. Se a mediação falhar, o queixoso pode solicitar os serviços de arbitragem. No entanto, o Centro só aceita queixas que envolvam verbas até 500.000 HKD e o conflito terá de ter ocorrido no ano anterior. Já antes da criação destes Centros, eram julgados casos de natureza financeira. Mas, nessa altura, os processos eram caros e morosos. O processo de mediação e de aribitragem pode fazer poupar muito tempo e muito dinheiro. É um método não judicial destinado a resolver conflitos. Em conclusão, podemos verificar que o TFX e o Centro de Resolução de Conflitos Financeiros em Hong Kong têm naturezas distintas. O TFX destina-se prioritariamente a ouvir casos relacionados com instituições financeiras oficiais, ao passo que o Centro lida com conflitos entre cidadãos comuns e instituições financeiras privadas e pretende evitar que estes cheguem a Tribunal. Em Junho de 2012, a cidade inaugurou oficialmente o Centro para a Resolução de Conflitos Financeiros de Hong Kong (HKFDR). No entanto, o Centro só aceita queixas que envolvam verbas até 500.000 HKD e o conflito terá de ter ocorrido no ano anterior.
João Luz VozesOsmose [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]os últimos suspiros do absolutismo, a ciência política encontrou uma fórmula de governar que não fosse tão cruel para os governados. Novos princípios iluminados apontaram independência entre os diversos poderes que regem um povo como algo fundamental para a sustentabilidade do Estado. Mesmo com diferentes fórmulas, umas mais assentes no Parlamento, outras mais centradas em torno da figura do Presidente, ou colocando o Executivo no topo da hierarquia decisória, chegou-se à conclusão que o poder absoluto corrompe absolutamente e que era tempo de arrepiar caminho dessa via. A separação de poderes, que ainda não tinha em consideração o peso que o capital tem neste xadrez, veio dar autonomia e uma missão efectiva ao poder legislativo, judicial e executivo. Se por um lado elimina o capricho do absolutismo e coloca o poder na posição de responsabilidade perante s seus actos, favorece a competência. É neste ténue equilíbrio que funcionam as democracias, apesar das relações de força e conflitos sempre latentes entre os poderes. Porém, quando o equilíbrio é afectado, passam a vigorar as leis da atracção do velho código da osmose política. Por esta altura, os “checks and balances” entram em erosão acelerada. É o que se passa em Macau. A confluência de poderes é evidente, salta à vista de todos e afecta a forma como a cidade é gerida. Tirando, talvez, uma frágil capa de independência a nível judicial. Se os casos não tiverem natureza política a disputa saudável de conflitos por intermédio da lei funciona, a Justiça é ministrada com rigor. Em todos os outros domínios, a osmose é o prato do dia. A Assembleia Legislativa é o Governo. Tirando algumas vozes dissonantes no grupo de deputados que não escreve uma única lei, a toada geral é de incondicional subserviência ao Executivo e um ideal patriótico que roça o tribalismo nacionalista que costuma prender pessoas pelo delito do pensamento contrário à norma. A Assembleia não legisla, nem fiscaliza. O que se passa no hemiciclo é irrelevante para a vida dos residentes, ninguém presta atenção, porque ninguém espera nada daquele manietado poder. Os comissariados, nomeados pelo Executivo, também não fiscalizam os seus patrões, quem lhes deu o trabalho. Quando é publicado um relatório, para apaziguar a impaciência dos residentes, o documento vem acompanhado por uma resposta prática da tutela visada para as falhas apontadas. Aceita-se com humildade, é prometida atenção para as situações e resolução até que o tópico se esgote. Nestas circunstância, lá terá de cair alguém, nunca um secretário ou o próprio chefe. A falta de responsabilização ao mais alto nível permite todas as derrapagens orçamentais que vemos. Permite, com total impunidade, que empresas de capital público se multipliquem em companhias offshore tornando irrecuperáveis empréstimos concedidos pelo supostamente ingénuo Executivo. Se formos relacionar a osmose entre interesses privados e representantes políticos, a promiscuidade é ainda mais clara. Este ambiente é ideal para a propagação não só da corrupção mas também da incompetência. Por exemplo, um governante que aperta o Estado Coercivo numa sociedade pacificada tornando ilegal os boatos e no dia seguinte refere de passagem que existem no território forças hostis que usam Macau como trampolim para atacar a China. Lançar para o domínio público esta paranóica tese sem concretizar, sem especificar que forças são estas e o que as autoridades estão a fazer. Se isto não é a disseminação de um boato, então não sei o que será. Este clima de irresponsabilidade torna o terreno fértil para surgirem declarações medievais de responsáveis pela educação. Podem dizer o que bem entenderem, porque no dia seguinte desdizem, sem qualquer embaraço, as enormidades que revelam a total ausência de contacto com a realidade e o presente. A osmose de poderes permite que um deputado, em pleno hemiciclo, faça promessas ao Governo enquanto responsável pela construção de uma importante infra-estrutura pública. O mesmo deputado que irá, naturalmente, defender com unhas e dentes qualquer “ataque” que pressinta contra o empregador. Esta é a cola que sustenta esta cidade, as irresistíveis forças gregárias que mantém os poderes bem juntinhos, aconchegados entre si, multiplicando facadas nas costas e saque os generosos cofres públicos.
Paul Chan Wai Chi VozesPolíticos inimputáveis [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ez agora um ano que o tufão “Hato” passou por Macau, deixando um pouco por todo o lado um rasto de destruição. Fong Soi Kun, antigo director da Direccão dos Servicos Meteorológicos e Geofisicos, avançou já com um recurso contencioso à decisão da pena de demissão decidida pelo Chefe do Executivo, ainda em fase de apreciação. Mas seja qual for o resultado do recurso, sabemos que muito dificilmente os funcionários do Governo são responsabilizados pelas suas decisões políticas. Com base na lição aprendida com os incidentes provocados pelo “Hato”, criou-se o projecto da Lei de Bases da Protecção Civil, numa tentativa de intensificar o planeamento geral e de mobilizar a participação social. Neste contexto, o “crime de falso alarme social” foi adicionado à Lei de Bases da Protecção Civil e estabeleceu-se a obrigação de participação dos diversos sectores sociais na protecção civil. Qualquer desrespeito, desobediência ou provocação podem ser considerados “crimes de desobediência simples” ou “crimes de desobediência qualificada”, dependendo da gravidade da situação. Em vez responsabilizar apenas as autoridades relevantes pelas suas decisões políticas, a Lei de Bases da Protecção Civil atribui também essa responsabilidade aos membros da sociedade que actuam a nível voluntário. Parece-vos que os conteúdos do projecto da Lei de Bases da Protecção Civil faça algum sentido? Quando o Governo fez o empréstimo de 212 milhões de patacas à “Viva Macau”, os funcionários responsáveis afirmaram, na altura, que a empresa tinha avalistas suficientes. Mas, segundo o relatório da investigação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), viemos a perceber que os chamados avalistas não passavam de umas promissórias bancárias que não puderam ser resgatadas. Tanto quanto se sabe, será muito difícil reaver o valor do empréstimo. Mas quem são os funcionários do Governo responsáveis pela concessão deste empréstimo malparado? O Edifício “Sin Fong Garden” está em risco de cair porque o construtor fez cortes nas estruturas provocando fendas e inclinação dos pilares. Até ao momento, apenas se tem falado da possibilidade de reconstrução, mas não se responsabilizou ninguém do departamento de inspecção. E porque é que estas coisas acontecem? O caso dos apartamentos inacabados do Pearl Horizon esteve na ordem do dia, mas o construtor continuou a vender antecipadamente as casas que ainda não estavam prontas e sem poder dar quaisquer garantias de quando viriam a estar. Várias centenas de pessoas compraram antecipadamente estes apartamentos. Neste caso, não houve um único funcionário do Governo responsabilizado. Em vez disso, a responsabilidade foi passada de mão em mão através da revisão da Lei de Terras, que pretende viabilizar concessões arbitrárias de terrenos. A atitude do Governo e a qualidade da sua administração estão a afastar-se do conceito de serviço público, já para não falar da sua ausência de responsabilização. O caso da permuta do terreno da Fábrica de Panchões Iec Long e o projecto de construção no Alto de Coloane envolveram recursos preciosos de Macau, ao nível dos terrenos, e uma teia de interesses. Mesmo depois dos pormenores destes casos terem sido revelados e das investigações conduzidas pelo CCAC terem sido efectuadas, nem um único funcionário do Governo foi responsabilizado e punido pela lei! Os funcionários superiores estão imunes! É mais fácil para o Governo falar sobre responsabilização do que aplicá-la internamente. A Assembleia Legislativa de Macau está encarregue de supervisionar os actos administrativos do Governo da RAEM, para além da sua função legislativa. No entanto, a maioria dos seus deputados, 33 deles, são escolhidos por eleições indirectas, numa percentagem de 36.3%, enquanto outros 21.2% são indigitados pelo Chefe do Executivo e apenas 42.4% são escolhidos directamente pelos eleitores. A julgar por estas percentagens, fica bem claro onde assenta o poder. É um milagre como é que, mesmo assim, a Assembleia ainda consegue legislar mas, neste contexto, é-lhe muito difícil supervisionar o Governo e responsabilizá-lo pelas suas acções. A ex-deputada de longa data Kwan Tsui Hang, entregou a sua última interpelação escrita à Assembleia Legislativa poucos dias antes do termo do seu mandato, que expirou em Outubro do ano passado. No documento, interpelava o Governo da RAEM sobre o desenvolvimento do sistema politico de Macau e a reforma do sistema de eleição pela via indirecta. Kwan Tsui Hang defendia uma reforma do sistema de eleição pela via indirecta, para que todos os sócios das associações de cada sector tenham direito ao voto. Será que a sua sugestão pretendia tornar o sistema de eleição pela via indirecta mais democrático? A 24 de Outubro, na resposta à interpelação de Kwan, o director dos Serviços de Administração e Função Pública, como é habitual, não apresentou réplicas substanciais ao que tinha sido inquirido. Para vir a melhorar o sistema eleitoral de forma gradual, é necessário escutar um vasto leque de opiniões e depois encontrar um consenso. Enquanto deputada do campo pró-governamental, Kwan Tsui Hang conseguiu chamar a atenção da Assembleia Legislativa para as questões do desenvolvimento do sistema politico, antes do final do seu mandato. Embora esta chamada de atenção tenha vindo um pouco tarde, não deixa de ser louvável. Se não houver reformas do sistema politico de Macau, não haverá responsabilização das acções administrativas. Se um Governo não tiver de responder pelas suas acções, apenas uma minoria viverá em estabilidade. Quando as contradições sociais acumuladas irromperem, as consequências serão muito sérias. Qualquer politico deve estar informado sobre este matéria. Os problemas não se podem solucionar com distribuição de dinheiro, só se podem resolver quando se assumem as responsabilidades.
Andreia Sofia Silva VozesDe que tem medo Raymond Tam? [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ublicamos hoje uma edição especial para recordar a passagem do tufão Hato por Macau, um ciclone tropical que mudou a vida a muita gente e que fez soar o alarme das autoridades quanto à necessidade de mudar os mecanismos de resposta. Para esta edição decidimos escrever sobre as memórias dos dias seguintes à tempestade que matou dez pessoas e que deixou tantas outras sem casa e sem negócio. Decidimos pedir reacções sobre o que foi feito durante este ano e se realmente mudou alguma coisa. Foi neste contexto que decidimos pedir uma entrevista a Raymond Tam, director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG), escolhido depois da polémica com o processo disciplinar instaurado a Fong Soi Kun. Serve esta crónica para lhe explicar, caro leitor, porque é que não temos Raymond Tam em discurso directo a descrever o que tem feito nos SMG, em acumulação de funções com o cargo de director na Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental. O primeiro pedido de entrevista foi feito aos SMG no passado dia 7. Como resposta, uma assessora pediu-me, como é habitual, as perguntas que iria fazer. Nós, jornalistas, não temos por hábito proceder desta forma, mas em Macau é quase obrigatório cumprir este pedido se queremos ter notícias ou declarações. Quase tudo tem de estar previamente preparado e estudado, como se o erro fosse um crime. Estas foram as perguntas que enderecei a Raymond Tam: – Como foi o processo de adaptação ao trabalho nos SMG? Quais os principais desafios que enfrentou? – Sentiu que a equipa estava desmoralizada ou afectada pelo processo de mudanças após a saída de Fong Soi Kun e da ocorrência dos episódios no tufão Hato? – Quais as principais mudanças que ocorreram no trabalho no dia-a-dia, a nível técnico, em prol da melhoria do processo de levantamento dos sinais de tempestade? – As autoridades anunciaram que, entre 2022 e 2028, será criada uma plataforma de comando para operações de segurança e resposta a emergências na cidade. Que papel terão os SMG nesta nova entidade? – Considera que, um ano depois da ocorrência do tufão Hato, a população confia mais no trabalho dos SMG? – Macau está hoje mais preparada para receber um tufão semelhante ao Hato ou considera que há ainda muito a fazer a nível da resposta a catástrofes, sobretudo dentro dos SMG? – São necessários mais recursos humanos nos SMG? Deparam-se com alguma dificuldade a este nível, um ano depois da tempestade? – Como tem conjugado o trabalho de director dos SMG em acumulação com o cargo de director da DSPA? – Quando foi nomeado para este cargo falou-se da sua alegada falta de experiência na área da meteorologia. Que comentário faz, meses depois de ter sido nomeado director dos SMG? Passados uns dias, recebo uma resposta dos SMG, onde me foi dito que o pedido de entrevista teria de ser feito novamente ao Gabinete de Comunicação Social (GCS), o que fiz. Do GCS disseram-me que não coordenam pedidos de entrevista feitos a directores de serviços, pois trabalham de perto com o gabinete do Chefe do Executivo, pelo que teria de fazer novamente o pedido aos SMG. Voltei a reencaminhar o email. Sem reacção por parte dos SMG, foi-me garantido que iria receber “um esboço” com respostas às minhas perguntas (tradução: um comunicado) em chinês, mas que não sabia quando teria a versão em português. Pedi para me enviarem logo a versão em chinês pois faria todo o sentido publicar as respostas hoje e não daqui a uma semana, mesmo implicando trabalho extra. A esta hora, caro leitor, continuo à espera da resposta de Raymond Tam. Deixo aqui bem claro que, em seis anos de profissão em Macau, nunca um pedido de entrevista feito por mim a membros do Governo foi tratado pelo GCS, mas sim pelos assessores de imprensa dos respectivos serviços. Perante esta situação, ocorre-me perguntar: de que tem medo, senhor Raymond Tam? Que perguntas desta lista o incomodam mais? Porque não negou simplesmente a entrevista, em vez de adiar eternamente este assunto, para que não pudesse conversar consigo? Não é a primeira vez que Raymond Tam escapa aos jornalistas. Recordo-me de uma outra tentativa de entrevista que este jornal lhe fez, ainda era apenas director da DSPA. Respondeu por escrito: menos mal. Outros pedidos de entrevista foram pura e simplesmente rejeitados. Não tenha medo: não queremos ataques, queremos explicações. Não nós, mas a população para quem escrevemos. São as pessoas que precisam de saber o que se passa desde que esta tempestade matou dez residentes. As cheias continuam a acontecer no Porto Interior, a poluição aumenta no território a olhos vistos, o lixo continua a não ser reciclado. A população precisa de respostas.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesImprudências e suas consequências [dropcap style=’circle’]U[/dropcap]ma rapariga do Estado de Washington, EUA, empurrou uma amiga da ponte para o rio e foi acusada de imprudência. Nestes casos, a pena máxima é de um ano de prisão. A queixosa, Hogelsson, é uma jovem de dezasseis anos. As duas jovens tinham ido passear num parque no Estado de Washington. Hogelsson pretendia saltar para o rio de uma ponte com 18 metros de altura, mas no momento do salto hesitou. A outra rapariga, que estava atrás dela, empurrou-a, embora Hogelsson tivessse declarado que não estava preparada para o salto. O peito da jovem embateu no rio, provocando-lhe a fractura de seis costelas e um pneumotórax. Sofreu lesões sérias a nível interno. A outra jovem, Taylor Smith, de 18 anos, foi acusada de imprudência. Mas Hoglesson considerou a sentença insuficiente e afirmou: “Não estou satisfeita com a acusação. Não acho que fosse imprudência. Não me parece suficiente.” Por seu lado, Taylor declara que não teve intenção de magoar Hoglesson. Afirma que a amiga a chamou para a empurrar. Taylor pediu desculpa a Hoglesson, mas não serviu de nada e Hoglesson impediu que a fosse visitar ao Hospital. A ponte onde o incidente ocorreu é uma atracção local. Na zona existem vários avisos de proibição da prática do mergulho, mas muita gente ignora-os. O direito penal dos EUA é diferente do de Macau. Para o Tribunal condenar o réu, o procurador tem obrigação de provar quer o actus reus quer o mens rea, ou seja o “acto criminoso” e a “intenção criminosa”. O acto de empurrar a jovem para o rio é um “acto criminoso”, um actus reus. Mas uma pessoa não pode ser considerada culpada apenas pelas suas acções; a acusação também tem de provar a intenção criminosa. Intenção, premeditação, imprudência e negligência criminosa são quatro molduras possíveis nesta alínea. Aqui, vamos apenas focar-nos na imprudência. No direito americano, imprudência é definida como “o acto de agir sem intenção de lesar mas, consciente do possível perigo, decidir avançar e correr o risco”. Ou, dito de outra forma, “um estado de espírito em que a pessoa não se preocupa com as consequências das suas acções.” Nos Tribunais americanos, bem como nos ingleses, o réu é considerado culpado de imprudência se possuir um conhecimento razoável, (ou capacidade para compreender), das circunstâncias que podem provocar o acidente e mesmo assim não se deter. Pelo que foi dito, podemos compreender claramente porque é que esta jovem foi acusada de imprudência. É provável que no momento em que empurrou a amiga para o rio, pensasse que o risco era tão pequeno que o podia ignorar, mas o resultado final demonstrou o contrário. É natural os jovens envolverem-se em brincadeiras. Quando estão entusiasmados, comportam-se de forma irreflectida. Não têm intenção de se magoar uns aos outros. Mas, por vezes, estes jogos acabam em tragédia. Pelo que se percebeu pelas notícias, as raparigas estavam envolvidas num brincadeira. Mas, de qualquer forma, o acidente aconteceu e a queixosa ficou muito ferida. O Tribunal terá de proceder ao julgamento do caso e, se a ré for considerada culpada, terá de ser castigada. Este caso não é penal, mas sim cível. Uma das questões fulcrais é o pagamento das despesas de saúde que a queixosa exige que seja imputado à ré. O Tribunal pode ainda condená-la ao pagamento de “Danos Punitivos”, ou seja para além dos custos envolvidos, neste caso as despesas de saúde, acrescenta-se uma coima punitiva. Por aqui se depreende que esta jovem vai enfrentar uma situação complicada. “Imprudência” não representa um comportamento criminoso, mas pode implicar responsabilidade criminal. Este caso é um alerta para os jovens. Durante as férias existe muito tempo livre. Andar em liberdade aumenta a possibilidade de ocorrerem acidentes. Esperemos que este caso possa servir de exemplo e impeder comportamentos impensados. Brincadeiras perigosas não são nunca boas brincadeiras.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBDSM [dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]DSM é a sigla oficial para a prática de bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo – sim, o acrónimo inclui todos estes princípios. Esta forma de expressão sexual está incluída na lista de parafilías da DSM, o manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais. O que (erradamente) pressupõe que quem pratica BDSM é doente mental. Durante muito tempo a psicanálise tentou explicar as motivações que levam as pessoas a procurar prazer na dor e tudo apontaria para as experiências traumáticas nos indivíduos, na infância ou na adolescência. Mas têm existido algumas tentativas para desconstruir esta perspectiva patológica. A investigação tem mostrado que os praticantes da BDSM até nem são assim tão diferentes do resto da população (apesar de mais investigação ser necessária), em miúdos, o que é que isso quer dizer? Que na realização de testes psicométricos da personalidade, estes praticantes encontram-se na média populacional. Então, se a BDSM não está tão fortemente associada com a psicopatologia e com as explicações da psicanálise, porque é que as pessoas sujeitam-se a ser dominantes ou submissas no jogo da dor e prazer? De acordo com a autora Pamela Connolly, ainda estão por explorar diferenças na fisiologia individual, i.e., de como as endorfinas conectam a dor e o prazer, e a sociologia que pode estar por detrás da psicologia do fenómeno, de como as normas culturais e as sanções sociais podem influenciar a procura de universos e personagens alternativas. Os interessados em BDSM ou os já praticantes que não se apoquentem, porque sentir prazer com beliscões nos mamilos não é sinal de um estado emocional e psíquico terrível per se. Há quem sugira que, na verdade, esta recriação é saudável e funciona como um mecanismo de coping para as nossas frustrações e dificuldades nos jogos de poder a que estamos frequentemente sujeitos, as do nosso dia-a-dia. Não encontrei estatísticas para uma possível percentagem de praticantes, mas diria que não são poucos, todos com uma grande variabilidade de desejos e experiências. Não será surpreendente, contudo, que um sair do armário da BDSM seja difícil (e o consequente registo em algum tipo de estatística). Os estudos apontam para uma falta de sensibilidade por parte dos elementos da sociedade em geral, e dos médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde em particular, acerca destas práticas de dominação e submissão – e esta falta de sensibilidade contribuem para um loop marado de desentendimento, estigma e preconceito. Na cultura popular até que começam a existir referências ao tema, mas isso parece desconstruir pouco. Estive a ler a opinião de praticantes BDSM face ao grande filme que inseriu no imaginário colectivo sexual uma miúda virgem que se inicia no mundo do sexo e das amarras numa masmorra com um tipo jeitoso – sim, o fifty shades of grey – e eles não estavam contentes. Isto tem que ver com a recriação do processo de sedução no filme, que ficou muito longe da complexidade da experiência em si (mas desde quando o cinema popular retrata a complexidade da vida, anyway?). Estas representações do sexo, e do BDSM em particular afectam as nossas realidades sociais. O problema é que é fácil assumir que só alguém muito maluquinho é que iria bater, e pior ainda, deixar que o batessem em contexto sexual. Daí ser um tópico polémico, sensível e problemático. Mas desenganem-se se julgam que se trata de uma prática de simples violência. O consentimento é um conceito chave para uma BDSM feliz porque só dá uma tareia marota e só leva com a tareia marota quem assim o quiser. Ninguém está ali sem ser de livre vontade, e se não estiverem, já é estupro e não uma prática sexual kinky. De bem verdade que quanto mais realista a prática parecer, melhor, mas dentro de certos limites. Não é por acaso que se decide uma palavra de segurança que costuma ser tão aleatória como ‘elefante cor-de-rosa’, porque coisas como ‘pára’, ‘estás a magoar-me’ são supostamente parte do role-play. O potencial da prática está a olhos vistos, seja para o desenvolvimento psico-emocional ou sexual, ou até para desenvolvimento económico e profissional: uma fetichista profissional criou uma empresa que junta BDSM com outras terapias alternativas como o Reiki. Terapias alternativas com um kinky twist, como ela lhe chama. A melhor forma para desbloquear as energias e tensões localizadas com carinho, e uma palmadinha?
Jorge Rodrigues Simão VozesPoluição atmosférica e saúde “Advances in the science of epidemiology suggest that even air that would until recently have been considered ‘clean’ may contain pollutants that are hazardous to people’s health. Moreover, in many low and middle income countries, economic growth is still associated with declining air quality.” Air Pollution and Health in Rapidly Developing Countries McGranahan and Frank Murray [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]poluição do ar causa um décimo do total de mortes no mundo e é a principal crise de saúde que enfrentamos. Lançada pela “Organização Mundial de Saúde (OMS)” e pela “Iniciativa da “Coalizão Clima e Ar Limpos (Climate and Clean Air Coalition – CCAC )” criada em 2012, a campanha global “Respirar a Vida” visa aumentar a conscientização pública sobre o impacto da poluição do ar na nossa saúde e no planeta, e criar uma rede de cidadãos, líderes urbanos nacionais e profissionais de saúde para impulsionar a mudança nas nossas comunidades. A CCAC é um programa liderado pelos governos do Canadá, Japão, México e Estados Unidos, conjuntamente, com o “Grupo de Grandes Cidades para Liderança do Clima (C40 designação abreviada na língua inglesa)”, a “International Solid Waste Association (ISWA)”, o “Programa para o Ambiente (UNEP na sigla em língua inglesa) e o Banco Mundial. A campanha destaca medidas políticas e práticas que podem ser aplicadas pelas cidades como melhoria nos sistemas de habitação, transportes, resíduos e energia ou aquelas que podem ser tomadas por indivíduos, em uma comunidade ou individualmente, como por exemplo, parar de queimar resíduos, promover espaços verdes e facilitar viagens a pé ou de bicicleta para melhorar a qualidade do ar. A melhoria dos padrões aplicados aos veículos, dando prioridade ao transporte público limpo e activo, ou usando fogões e combustíveis mais eficientes para cozinhar, iluminar e aquecer são algumas das medidas que podem salvar vidas e contribuir para salvar o planeta. Estima-se que a aplicação de uma série de medidas para reduzir poluentes poderia diminuir o número anual de mortes causadas pela poluição do ar. Todos os anos, cerca de três milhões de mortes estão ligadas à exposição à poluição atmosférica e a poluição do ar interior pode ser igualmente mortal. É de prever que, em 2018, mais de sete milhões de mortes que representam 11,5 por cento da mortalidade mundial total estão relacionadas com a poluição do ar ou de interiores. Os níveis de poluição do ar urbano, por outro lado, tendem a ser maiores em muitas cidades de baixo e médio rendimento e nos bairros degradados e pobres das cidades de alto rendimento, o que significa que a redução de poluentes pode ser particularmente benéfica para a saúde de grupos de baixo rendimento, bem como para crianças, idosos e mulheres. A poluição do ar é um assassino invisível que pode estar à espreita, por exemplo, no caminho de retorno a casa e até mesmo nas nossas casas. É de considerar que 92 por cento das pessoas que vivem nas cidades não respiram ar puro. A resolução da situação da poluição do ar global passa por haver mecanismos para melhorar a qualidade de ar. A poluição do ar, enquanto invisível, pode ser mortal. É a causa de 25 por cento de mortes por doença cardíaca; 34 por cento de mortes por derrames cerebrais e 36 por cento de mortes por cancro do pulmão. A poluição do ar representa um risco ambiental significativo para a saúde. Ao reduzir os níveis de poluição do ar, os países podem reduzir a carga de morbidade causada por derrames, cancro do pulmão e doenças pulmonares agudas e crónicas, incluindo a asma. Quanto mais baixos forem os níveis de poluição do ar, melhor será a saúde cardiovascular e respiratória da população, tanto a longo, como a curto prazo. As Directrizes da OMS sobre “Qualidade do Ar” oferecem uma avaliação dos efeitos da poluição do ar sobre a saúde, bem como os níveis de poluição que são prejudiciais à saúde. É importante recordar que em 2016, 91 por cento da população vivia em locais onde as Directrizes da OMS sobre qualidade do ar não eram respeitadas e de acordo com as estimativas do mesmo ano, a poluição do ar nas cidades e áreas rurais em todo o mundo causou mais de quatro milhões de mortes prematuras a cada ano, sendo que 91 por cento dessas mortes prematuras ocorrem em países de baixo e médio rendimento, e as maiores taxas de morbidade estão nas regiões do Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental. As políticas e investimentos para apoiar os meios de transporte menos poluentes, habitação com eficiência energética, geração de electricidade e melhor gestão de resíduos industriais e urbanos reduziriam importantes fontes de poluição do ar nas cidades. Além da poluição do ar, a fumaça interna representa um sério risco para a saúde de cerca de três mil milhões de pessoas que cozinham e aquecem as suas casas com biomassa e carvão. A poluição do ar representa um risco ambiental significativo para a saúde, seja em países desenvolvidos ou em países em desenvolvimento. É de prever que a poluição ambiental do ar, tanto nas cidades como nas áreas rurais, causa milhões de mortes prematuras em todo o mundo por ano e esta mortalidade é devida à exposição a pequenas partículas de 2,5 microns ou menos de diâmetro (PM2,5), que causam doenças cardiovasculares, respiratórias e cancro. As pessoas que vivem em países de baixo e médio rendimento suportam de forma desproporcional o ónus da poluição do ar externo. As últimas avaliações do ónus da doença reflectem o papel muito importante do desempenhado pela poluição do ar em doenças cardiovasculares e mortes. Há cada vez mais evidências para mostrar as ligações entre a poluição do ar ambiente e o risco de doenças cardiovasculares, incluindo estudos em áreas altamente poluídas. A OMS estima que, em 2016, aproximadamente 58 por cento das mortes prematuras relacionadas à poluição do ar foram devidas a doença isquémica do coração e acidente vascular cerebral, enquanto 18 por cento das mortes foram devidas a doença pulmonar obstrutiva crónica e infecções respiratórias agudas, e 6 por cento das mortes foram devidas a cancro do pulmão. É facto que algumas mortes podem ser atribuídas a mais de um factor de risco ao mesmo tempo, como por exemplo, tanto ao uso do tabaco como da poluição do ar ambiente, podendo causar cancro do pulmão e algumas das mortes por esta doença, poderiam ter sido evitadas melhorando a qualidade do ar ambiente ou reduzindo o consumo de tabaco. A avaliação realizada em 2013 pelo “Centro Internacional de Investigação do Cancro da OMS”, concluiu que a poluição do ar livre é carcinogénica para os seres humanos e que partículas do ar contaminado estão intimamente relacionadas à incidência crescente de cancro e também foi observada, uma relação entre a poluição do ar e o aumento do cancro do trato urinário e bexiga. É importante abordar todos os factores de risco de doenças não transmissíveis, incluindo a poluição do ar, pois é essencial para proteger a saúde pública. A maioria das fontes de poluição do ar exterior está fora do controlo das pessoas e exigem medidas por parte das cidades, bem como dos órgãos reguladores nacionais e internacionais em sectores como o transporte, gestão de resíduos, energia, construção e agricultura. É de atender que existem inúmeros exemplos de políticas bem-sucedidas relacionadas com os sectores de transportes, planeamento urbano, produção de electricidade e indústria, que permitem reduzir a poluição do ar. O uso de tecnologias limpas na indústria, permite reduzir as emissões de chaminés industriais, bem como outras medidas que passam pela melhoria na gestão de resíduos urbanos e agrícolas, incluindo a recuperação de gás metano em aterros sanitários como alternativa à incineração para ser usado como biogás; na energia, garantir o acesso a soluções energéticas domésticas limpas e acessíveis para cozinhar, aquecer e iluminar; nos transportes, pela adopção de métodos limpos de produção de electricidade; dar prioridade ao transporte rápido urbano, percursos pedestres e de bicicleta nas cidades, e ao transporte de longa distância de carga e passageiros por via-férrea. O uso de veículos pesados a diesel mais limpos e veículos e combustíveis de baixa emissão, especialmente combustíveis com baixo teor de enxofre seria altamente benéfico, assim como o planeamento urbano pela melhoria da eficiência energética dos edifícios e concentração das cidades para alcançar maior eficiência; na produção de electricidade pelo aumento do uso de combustíveis de baixa emissão e fontes renováveis de energia sem combustão como a solar, eólica ou hidroeléctrica; na produção conjunta de calor e electricidade e produção distribuída de energia, como por exemplo, a produção de electricidade através de pequenas redes e painéis solares. A gestão de resíduos urbanos e agrícolas implica estratégias de redução, separação, reciclagem e reutilização ou reprocessamento de resíduos, bem como a melhoria da gestão de resíduos biológicos como a digestão anaeróbia para a produção de biogás, através de métodos viáveis e alternativas económicas substituindo métodos de incineração de resíduos sólidos. Quando a incineração é inevitável, será crucial usar tecnologias de combustão e controlo de emissão rigorosas. Além da poluição do ar, a fumaça interna representa um sério risco para a saúde de cerca de milhares de milhões de pessoas e cerca de cinco milhões de mortes prematuras em 2017 foram atribuídas à poluição do ar em residências e quase todas ocorreram em países de baixo e médio rendimento. As Directrizes da OMS sobre “Qualidade do Ar”, publicadas em 2005, fornecem orientações gerais sobre limites para os principais poluentes atmosféricos que acarretam riscos para a saúde. As Directrizes indicam que, ao reduzir a poluição por matéria particulada (PM 10) de 70 para 20 microgramas por metro cúbico (μg/m), é possível reduzir em 15 por cento o número de mortes relacionadas com a poluição do ar. As Directrizes são aplicadas em todo o mundo e baseiam-se na avaliação, realizada por especialistas, das evidências científicas actuais sobre (PM), ozono (O3) dióxido de azoto (NO2) e dióxido de enxofre (SO2), em todas as regiões da OMS. As Directrizes da OMS para “Qualidade do Ar” estão actualmente em revisão e devem ser publicadas até 2020. A OMS assiste os Estados Membros no intercâmbio de informações sobre abordagens bem-sucedidas para métodos de avaliação da exposição e monitoramento das consequências para a saúde praticadas pela poluição. A OMS lidera o Grupo de Trabalho Conjunto sobre os “Aspectos Sanitários da Poluição Atmosférica” no âmbito da “Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância”, que visa avaliar os efeitos na saúde de tal poluição e fornecer documentação de apoio. O “Programa Pan-Europeu Transportes, Saúde e Ambiente”, co-patrocinado pela OMS, desenvolveu um modelo de cooperação regional e multissectorial entre os Estados-Membros, a fim de mitigar a poluição atmosférica e as consequências para a saúde relacionadas com o sector dos transportes, sendo fundamental desenvolver instrumentos para avaliar os benefícios para a saúde derivados dessas medidas de mitigação. A educação ambiental é uma das ferramentas fundamentais para ajuda à preservação das componentes do ambiente natural e de prevenção dos componentes ambientais humanos nos quais a poluição se insere. A educação ambiental é um processo que permite que os indivíduos explorem as questões ambientais, e se envolvam na solução de problemas e tomem medidas para melhorar o meio ambiente. Como resultado, os indivíduos desenvolvem uma compreensão mais profunda das questões ambientais e têm as habilidades para tomar decisões informadas e responsáveis. Os componentes da educação ambiental são a conscientização e sensibilidade ao meio ambiente e desafios ambientais; o conhecimento e compreensão do meio ambiente e desafios ambientais; as atitudes de preocupação com o meio ambiente e motivação para melhorar ou manter a qualidade ambiental, as habilidades para identificar e ajudar a resolverem os desafios ambientais e a participação em actividades que levem à resolução de desafios ambientais. A educação ambiental não defende um ponto de vista ou um curso de acção específico. Em vez disso, a educação ambiental ensina as pessoas a pesar os vários lados de um problema através do pensamento crítico e aprimora as suas próprias habilidades de resolução de problemas e de tomada de decisões. A educação ambiental é mais do que informações sobre o meio ambiente, pois aumenta a conscientização pública e o conhecimento das questões ambientais; fornece factos ou opiniões sobre questões ambientais, ensina os indivíduos a pensar criticamente e aumenta as habilidades de resolução de problemas e tomada de decisão dos indivíduos. Jorge Rodrigues Simão Destaque As pessoas que vivem em países de baixo e médio rendimento suportam de forma desproporcional o ónus da poluição do ar externo.
Tiago Bonucci Pereira VozesA Rota da Seda e África [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]primeiro aspecto a considerar no que diz respeito à iniciativa “Faixa e Rota” (BRI) é que não é definida como uma política, mas como uma iniciativa. Não é um plano detalhado, mas, em contraste, escrito em termos um tanto flexíveis e sujeito a várias interpretações. Uma definição rigorosa do BRI é um exercício fútil, embora os seus objectivos sejam claros. A iniciativa é global, e, portanto, interessa procurar interpretar as oportunidades que podem surgir da sua implementação. Importa olhar para as implicações do BRI a nível interno. Os termos vagos em que está definida a iniciativa BRI, juntamente com os incentivos oferecidos às diferentes províncias da República Popular da China (RPC), convida os governos provinciais a procurarem projectos potenciais que se enquadrem na BRI. É um incentivo para as províncias chinesas investirem na diversificação da economia, maximizando as suas vantagens naturais e fomentando o desenvolvimento tecnológico e industrial que, tendo em conta o 13º Plano Quinquenal da RPC, deve centrar-se na prossecução do desenvolvimento económico e social, na maximização da qualidade e na promoção de políticas ambientalmente sustentáveis. Isto deve ser visto à luz do funcionamento do sistema político Chinês, fortemente baseado na meritocracia. Os governos provinciais têm uma margem de manobra relativamente ampla no que concerne a definição de políticas, sendo certo, no entanto, que estas têm de estar enquadradas nos objectivos estabelecidos pelo governo central. Governadores provinciais, naturalmente, procuram promoção política, para a qual têm de mostrar resultados práticos. A esperada desaceleração nos últimos anos do crescimento económico Chinês surge durante um processo de transformação economica, industrial e social. A deslocação de indústria Chinesa que se encontra saturada a nível interno para o Sudeste Asiático e para África, e a mudança para um modelo de exportação de produtos de valor acrescentado, são acompanhados pela tentativa de resolver o desequilíbrio interno entre zonas costeiras e o interior Chinês, e o acelerar do processo de internacionalização do seu tecido empresarial. As “duas frentes” do BRI são a “Nova Faixa Económica da Rota da Seda” (componente terrestre do BRI) e a “Nova Rota da Seda Marítima” (componente marítima). A rota marítima será preponderante para as regiões costeiras, mais desenvolvidas, e lar de centros logísticos multimodais e centros financeiros, enquanto a “faixa” estimulará o desenvolvimento do hinterland Chinês, convidando a alocação do excesso de capacidade industrial da RPC, e consequente fluxo ao longo da “faixa e rota”. Na frente internacional, a iniciativa consolida o que tem sido a política externa da China desde há vários anos, estabelecendo laços económicos em todo o mundo sob um rótulo de respeito e benefícios mútuos. A iniciativa BRI convida a participação dos diferentes governos estrangeiros e empresas privadas chinesas e estrangeiras, sob a premissa de amplos benefícios para todos os envolvidos. A participação do sector privado é um aspecto de primordial importância para o sucesso da iniciativa, o que acaba por ser uma das razões pelas quais suscita tantas dúvidas. Assumidamente, o governo Chinês toma a dianteira no que concerne o financiamento de vários projectos em curso. Mas não se trata de uma política de longo prazo, mas sim uma forma de salvaguardar, numa fase inicial, as empresas Chinesas envolvidas contra os riscos associados a grandes projectos em países em vias de desenvolvimento e/ou instáveis quer ao nível de segurança, quer ao nível das suas instituições. A expansão económica é um objectivo, ao mesmo tempo fortalecendo laços políticos e económicos – na verdade, expandindo a influência chinesa – e acompanhada pela internacionalização do Renminbi, uma política apoiada pelo estabelecimento de organizações multilaterais e mecanismos de financiamento, tais como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (AIIB), o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Fundo da Rota da Seda. Os projectos de infraestruturas de transportes estão no centro da cooperação China-África, como ilustrado em Janeiro de 2015 com a assinatura de um memorando de entendimento entre a China e a União Africana para o estabelecimento de uma rede para conectar 54 países africanos através de projectos de infraestruturas de transportes. Tais projectos podem ser incluídos no BRI, estando especificamente relacionados com a sua componente marítima. Um exemplo é o caminho-de-ferro construido entre a cidade portuária de Mombasa e Nairobi no Quénia, que constitui a primeira fase do Standard Gauge Railway Project (SGR), cuja segunda fase está actualmente em curso e se extenderá para o Uganda, Rwanda, e República Democrática do Congo. Nairobi é o vértice Africano da Nova Rota da Seda Marítima, embora não seja uma cidade portuária, o que em si é indicativo de que a sua inclusão no BRI só faz sentido acompanhado pelo investimento em infraestruturas num continente com sérias debilidades num sector que é fundamental para avalancar o seu desenvolvimento económico. A China encara África como um mercado com enorme potencial. É desde 2009 o seu maior parceiro comercial e empresas Chinesas dos mais variados sectores têm-se instalado um pouco por todo o continente. A capacitação infraestrutural dos países Africanos é por isso encarada de forma estratégica pela RPC, com vista tanto à melhoria das condições ao nível logístico, como também para fomentar o desenvolvimento dos próprios países. Como mercado com grande potencial de crescimento, interessa à China que as projecções se venham a concretizar por forma a garantir o retorno do investimento já efectuado tanto pelo sector público como privado. A China, fruto de décadas de diplomacia e investimento contínuo, e livre de estigmas coloniais, tem já uma presença firme e priveligiada em África. O desenvolvimento do continente só irá premiar todo o esse esforço.
Paul Chan Wai Chi VozesLei de Terras, um campo de batalha [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o dia 28 de Junho de 2016, o deputado da quinta Assembleia Legislativa, Tong Io Cheng, apresentou um projecto de lei intitulado “Norma Interpretativa do Nº5 do Artigo 104º da Lei nº 10/2013” e o projecto de deliberação do Plenário para a adopção do processo de urgência relativamente ao referido projecto de lei, ao Presidente da Assembleia Legislativa. Após nove meses em estudo, a Mesa da Assembleia Legislativa redigiu, em 476 páginas, o “Parecer relativo à Verificação do Projecto de Lei apresentado pelo Deputado Tong Io Cheng”, pubicado a 28 de Março de 2017. O parecer foi desfavorável ao projecto de lei apresentado pelo deputado Tong Io Cheng e ao pedido de deliberação do Plenário para a adopção do processo de urgência relativamente ao referido projecto de lei. Este Parecer incluia o Parecer n.° 3/IV/2013 da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa e Extracção Parcial dos Plenários de 12 de Agosto de 2013 (apreciação e votação na especialidade da proposta de lei). Nessa altua Tong era deputado da quarta Assembleia Legislativa, e também participou na discussão. Entre 9 e 13 de Agosto de 2013, a quarta Assembleia Legislativa dedicou a sua última sessão plenária à apreciação e votação na especialidade da Lei do Planeamento Urbanístico, Lei de Terras e Lei de Salvaguarda do Património Cultural. Pode afirmar-se que a implementação destas três leis foi uma importante conquista, mérito do trabalho da quarta Assembleia Legislativa. Este resultado foi muito apreciado e elogiado pelo Governo Central. A implementação da emenda à Lei de Terras garante que os recursos constituidos pelos terrenos da Região Administrativa Especial de Macau possam ser usados de forma eficaz e sensata. No Parecer n.° 3/IV/2013, constam em detalhe os debates da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa relativos ao Artigo 48.º (renovação de concessões provisórias) da Lei de Terras, de onde se destaca, “No caso de o concessionário não conseguir concluir as obras de construção no prazo concedido e disso não tiver culpa, como é que a situação deve ser tratada? Será tratada através das disposições transitórias?”…“Segundo os esclarecimentos do proponente, este não vai legislar sobre casos concretos do passado, e embora o prazo de concessão por arrendamento seja fixado em 25 anos, o prazo de aproveitamento é normalmente de 2 a 6 anos. Tendo em conta o princípio de aproveitamento rigoroso dos terrenos, não devem surgir situações como a acima referida. Tendo ainda igualmente em conta este princípio, não é adequado estabelecer que há lugar à renovação no caso de atrasos no aproveitamento de terrenos, não se excluindo, no entanto, os casos concretos que correspondam a outras disposições previstas na proposta de lei e que possam ser tratados de forma excepcional”. O excerto demonstra que, de forma a reforçar a supervisão sobre o uso dos terrenos concessionados, o proponente sublinha que as concessões provisórias não serão renováveis e que esta matéria deve ser regulada de acordo com as disposições do estado de direito. A Lei de Terras foi votada na especialidade a 12 de Agosto de 2013 pela Assembleia Legislativa. Mas houve muitas vozes que se oposeram à aplicação da Lei de Terras, nomeadamente no que ao Artigo 48º (as concessões provisórias não devem ser renováveis) diz respeito. Com a deliberação do Tribual sobre o terreno do edifício Pearl Horizon e o projecto La Scala, a emenda à Lei de Terras tornou-se a base legal em todos os julgamentos. Actualmente, muitos destes terrenos estão a chegar ao fim do periodo de 25 anos de concessão, o que pode colocar os concessionários em sério risco de perdas financeiras. É por este motivo que hoje em dia se desencadeou uma vaga de protestos contra a emenda à Lei de Terras, iniciada com o ensaio “A Declaração de Voto Vencida”, escrito pelo juiz Vasco Fong. Neste ensaio, Fong fala sobre as suas reticências quanto à emenda à Lei de Terras e defende que deve ser revista. Subsequentemente, mutos estudiosos da lei e empresários do sector imobiliário também se expressaram a favor da revisão da lei, enquanto se levanta uma onda de criticas da opinião pública sobre esta matéria. Há quem defenda que estes recursos pertencem ao sector público e quem defenda que pertencem ao sector privado, consoante os seus próprios interesses. A emenda à Lei de Terras entrou em vigor há cinco anos, ao passo que o caso do terreno do edifício Pearl Horizon aconteceu há apenas três anos atrás. Os concessionários provisórios do terreno tiveram mais que tempo para construir e não deveriam concentrar os seus esforços na luta pela autorização de renovação. Quer no texto original, quer na sua emenda, a Lei de Terras determina que o prazo de concessão provisória tem um limite de 25 anos. Mas a Emenda cancelou a provisão que permitia que o Chefe do Executivo prescindisse da licitação pública e aprovasse directamente a concessão por arrendamento, mesmo que esta fosse dada ao concessionário original do terreno. Por aqui se vê que o Governo está determinado em manter o prazo de 25 anos da concessão de terrrenos. Mas porquê introduzir uma alteração à Lei de Terras? Esta pergunta encontra resposta exaustiva no Parecer n° 3/IV/2013, que se destina a asssegurar a manutenção da imparcialidade do Chefe do Executivo e também que o exercício das suas funções será benéfico ao desenvolvimento sustentado da comunidade. Pretende também garantir que o recurso limitado das terras possa ser usado de forma eficaz e razoável pela população. A Emenda à Lei de Terras é mais justa e equalitária do que a lei original. O problema dos terrenos é complicado, mas as decisões devem ser tomadas tendo em mente apenas o bem-estar de todos.
Tânia dos Santos SexanáliseMaria-Rapaz [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]nde é que está a masculinidade perfeita? Os mais insensíveis dirão que se encontra nos homens detentores de um pénis. Claro está que existem expectativas pelas quais todos nós trabalhamos árdua e diariamente. Esta perspectiva biológica de que a masculinidade pressupõe um pénis já leva tempo que tenta ser desconstruída. A minha tentativa de desconstrução fará uso da masculinidade sem pénis, mas com uma vagina. Afinal, onde podemos nós encaixar, no léxico e semântica sexual, a masculinidade feminina? Há toda uma literatura académica que se debruça acerca de um possível fenómeno de masculinidade feminina que é a ‘Maria-Rapaz’. Os especialistas mostram que é um estado que tem sido retratado como aceitável na infância e talvez parte da adolescência, e por isso é circunscrita no tempo. Contudo, com algumas limitações, porque a Maria-Rapaz é castigada quando começa a ter uma forma exagerada de identificação masculina, i.e, quando quiser mudar de nome e recusar toda e qualquer forma de identificação ‘típica’ feminina – como roupas, acessórios, maquilhagem. Na análise literária e cinematográfica das Marias-Rapazes, esta rebelião é tida como uma forma de evitamento da fase adulta, e não necessariamente uma rebelião de fase adulta feminina. A representação da Maria-Rapaz nos nossos objectos culturais reduz a masculinidade feminina a uma experiência de desapropriação pessoal e emocional, mas não a relacionada com um desejo de, sei lá, mudar de sexo, manter formas ambíguas de género, ou querer ser uma mulher masculinizada – e ser adulta dessa forma. Aliás, para juntar à fantasia colectiva que as Marias-Rapazes passam por ‘fases’ que têm que ser ultrapassadas – é que as narrativas da feminilidade vêm depois todas em força. Juro-vos que tenho reconhecido um padrão em que as grandes referências da figura feminina, e de como a feminilidade é apresentada, como as super-modelos e super actrizes de hoje em dia, foram todas, outrora, algures no tempo, Marias-Rapazes. Para melhor explorar este conceito difícil de masculinidade feminina (que é um conceito que está cheio de pré-concepções, mas facilita o nosso entendimento mais mundano do foco desta análise – pessoas de vagina e as suas masculinidades) não há nada como analisar o problema das casas de banho. As casas de banho públicas são a materialização de um binarismo extremo, estático, e sem espaço de manobra. E de acordo com relatos de gentes que querem e tentam pôr em causa a sua feminilidade, as casas de banho públicas são um teste a todos os envolvidos. Aos que não são de binarismos, aos limites e violências desses mesmos binarismos e aos medos e injustiças da nossa falta de reconhecimento do que é diferente. Contam-se histórias de pessoas de masculinidades femininas que entram nas casas de banho das raparigas e que são acusadas de terem entrado na casa de banho errada. Ou pior, verem a ser chamados seguranças que batem à porta dos cubículos para uma verificação da legitimidade daquela presença. É de uma violência atroz, não é? Ter que justificar uma simples entrada na casa de banho: porque quando os indicadores de que estamos à esperam falham em ser exibidos o que nos resta? Mostrar os genitais para garantir uma entrada pacífica? Um acto tão simples como ir fazer xixi parece ter um potencial complicador que muitos simplesmente evitam. Que mundo estranho vivemos nós que a simples ida à casa de banho, para concretizar uma necessidade fisiológica básica, pode ser tão pouco inclusiva? A masculinidade é um constructo com o potencial mutante e transformador para o qual todos nós contribuímos com as nossas ideias e comportamentos. Mudando as nossas ideias e comportamentos podemos mudar as violências das fronteiras (fronteiras de qualquer tipo, mas neste caso conceptuais). Não será novidade que o nosso bem-estar também depende da possibilidade de nos criarmos à luz do que queremos ser. E esta criação pode ser dita ‘normativa’ ou pode não sê-lo. Porque as Marias-Rapazes podem tornar-se em Marias-Homens também – e não deveria existir problema algum.
João Luz VozesMilhões [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] quilo que separa o homem do servo. A abundância numérica dos vitoriosos, a aritmética que define quem manda nisto tudo, que separa o ouro do joio, porque cereal e mercadorias são relíquias de mercados ancestrais. Sou o denominador comum a todos os poderes, a escala decimal que torna tudo possível. Nada funciona com centavos, a unidade da miséria, a identidade cambial dos ratos que se banqueteiam com as migalhas que caem das nossas mesas. Nada alguma vez será erigido com centavos. Podem esquecer outro hospital, sistema de metro, rede de esgotos e tratamento de águas residuais digno do grau civilizacional que os países médios atingiram há muito tempo. Objectivos que não estão ao alcance dos centavos e que acabam por não ser prioridades absolutas dos milhões. Entretanto, os centavos dormem em quartos húmidos, íntimos com o bolor e as pestes, ocupados com trabalhos que lhes permitem ficar à tona no imenso lago de milhões que é Macau, a sonhar com opulência distante, a fantasiar com as meninas que distribuem publicidade dos casinos, à espera que um golpe de sorte os empurre para o paraíso dos milhões. No outro lado do espectro, os milhões descansam nos paraísos onde não há impostos, coisa de pobre. Paraísos onde tudo se torna impessoal, onde os milhões gozam de anonimato, impessoalidade, onde ficam à margem a multiplicarem-se numa miríade de empresas offshore, em labirintos de quotas sociais que se dissipam por labirintos de opacidade até não serem de ninguém. Milhões elusivos, fugidios, ocultos, imperceptíveis apesar de estarem à vista de todos. Milhões de auto-geração, que se multiplicam espontaneamente, milhões que crescem na sombra, enquanto os centavos minguam ao sol como peixe seco. Milhões que deixam o pendor para a barbárie acentuar-se, que tratam animais como evocações de tempos medievais. Milhões que não se atemorizam com a autoridade, com outros pequenos milhões de multa, mas que actuam quando sentem que a má publicidade chegue às flutuações bolsistas. Milhões que se juntam de forma natural, maniatados por quem sabe, seguindo aritméticas místicas que são a génese de impérios, que transformam homens em deuses. Os centavos, por sua vez, são pesados. São um fardo que verga as costas de quem os acumula em sacos e bolsos que se recheiam de fatiga. Metal pesaroso, que pouco vale, chocalhando miséria nos bairros mais modestos. Centavos e trocos que mais ninguém quer, que são lixo inútil para os que conseguem compor uma mesa diariamente sem esforço. Espalham-se centavos no chão e só o pobre os vê, só ele o detecta. Os milhões não são assim. Os milhões não têm peso, flutuam num vácuo existencial, dividem-se entre carteiras de acções, cartões vários, participações sociais, dividendos rachados, fracções de heranças, títulos de propriedade. Os milhões só quando estão em pânico se agregam num saco e mesmo assim não são tão pesados como um saco de trocos. Trocos são os sedimentos sólidos que restam das reacções económicas, o refugo, a escória da vida fatigante que se vai acumulando nos bolsos de quem gasta tudo o que amealha. Os milhões não veem a rua, não conhecem a luta diária de quem tem tecto incerto, os milhões não têm concepção das cruéis escolhas entre bens essenciais que os centavos têm de fazer. O quando se acumulam em biliões, os milhões olham para baixo para o patobravismo dos milhões inferiores, seus lacaios e assassinos. É por isso que os milhões olham para o mercado imobiliário como uma arena de arrendatários trapaceiros, animais sem escrúpulos. É por isso que os milhões olham para as inundações no Porto Interior como uma oportunidade de investir alguma caridade. É por isso que os milhões estarão para sempre em antagonismo com os centavos e numa relação que mestre e servo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA guerra das tarifas alfandegárias “The biggest single thing that has lifted people out of poverty is free trade.” George Osborne [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] escritor Mark Twain afirmou que a história não se repete, mas rima. As tarifas alfandegárias estão de volta, depois de um longo exílio, e estão a ser aplicadas em milhares de milhões de dólares de produtos comercializados, que vão desde o aço e alumínio até motociclos Harley-Davidson e fazem parte de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, e entre os Estados Unidos e a “União Europeia (UE) ”, ainda que na reunião realizada entre o presidente Donald Trump e presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a 25 de Julho de 2018, em Washington, conduziu a um entendimento em que a administração americana vai renegociar as taxas aduaneiras e barreiras ao comércio com a UE, podendo aliviar algumas tensões. As duas partes vão trabalhar em conjunto para estabelecer uma relação comercial livre de taxas alfandegárias, livre de barreiras e de subsídios para bens industriais. O acordo Estados Unidos-UE irá reforçar as trocas comerciais nos serviços, indústrias químicas, farmacêutica, de produtos médicos e agrícolas, destacando neste domínio a integração do comércio de soja, pois os Estados Unidos são os maiores produtores mundiais deste bem agrícola. Existe a esperança em uma solução para as pesadas taxas aduaneiras que os Estados Unidos passaram a aplicar ao aço e alumínio importados a partir da UE, bem como para as taxas que esta, em retaliação, passou a aplicar a diferentes bens americanos, desde os “jeans” ao uísque. A Alemanha recebeu com bom agrado os resultados da reunião pois a indústria automóvel receava a promessa do presidente Trump de passar a aplicar taxas de 25 por cento, sobre os carros importados. O acordo até ser implementado depois das negociações que se vão encetar, contempla a não imposição de taxas adicionais, que podem evitar uma guerra comercial e salvaguardar milhões de postos de trabalho, sendo excelente para a economia mundial. O outro ponto essencial da reunião é a concordância na reestruturação da “Organização Mundial de Comércio (OMC)”. As empresas americanas do sector automóvel, que registaram quedas fortes na sua cotação bolsista, não só têm vindo a queixar-se do impacto da subida das taxas sobre o alumínio e o aço que são matérias-primas importantes para a sua indústria, como também não concordam com taxas mais altas sobre as importações, dado terem muitas fábricas no Canadá e no México e também importam componentes da Europa para as suas fábricas nos Estados Unidos. As tarifas são impostas por um país que torna as importações mais caras. Os Estados Unidos promulgaram essa recente rodada de tarifas como uma resposta ao seu deficit comercial (quando um país compra mais do exterior do que vende). A ideia é tornar os produtos estrangeiros menos desejáveis e, assim, proteger a indústria doméstica. É de recordar que os maiores economistas da história teriam receio de impor impostos para enfrentar um desequilíbrio comercial. A melhor forma de reduzir o deficit comercial é exportar mais e não reduzir as importações tornando-as mais caras. O uso de tarifas para melhorar a posição comercial de um país, foi essencialmente o que a Grã-Bretanha rejeitou há mais de um século. O argumento foi derrotado devido ao trabalho de dois grandes economistas, Adam Smith, pai da economia, e David Ricardo, o pai do comércio internacional. Quando o Reino Unido revogou a “Leis dos Cereais (ou Corn Laws em Inglês)” foram as tarifas sobre a importação de cereais na Grã-Bretanha, em vigor entre 1815 e 1846 para proteger os preços britânicos dos grãos nacionais contra a concorrência de importações. Tal leis são frequentemente vistas como exemplos do mercantilismo britânico, porque foram projectadas para proteger os proprietários ingleses, promovendo a exportação e limitando a importação de grãos, quando os preços caíram abaixo do ponto de referência e foram finalmente abolidos devido à agitação militante da “Anti-Corn Law League”, criada em Manchester em 1839, que argumentava que as leis que constituíam um subsídio aumentavam os custos industriais. Após uma campanha prolongada, os opositores da tarifa finalmente obtiveram o que queriam em 1846, um triunfo significativo que era indicativo do novo poder político da classe média inglesa. Assim, a sua abolição marcou um avanço significativo em direcção ao livre comércio. A “Leis dos Cereais” aumentaram os lucros e o poder político associado dos latifundiários e era uma legislação proteccionista, que em 1846, marcou uma era de maior abertura para a Grã-Bretanha, então o operador dominante no mundo. Ao contrário de muitos economistas, Adam Smith teve a oportunidade de colocar as suas teorias em prática e como comissário de alfândega da Escócia, defendia a remoção de todas as barreiras comerciais, qualificadas apenas pela necessidade de arrecadar receitas, para o que considerava serem os propósitos apropriados de governar um país, como fornecer estradas. O economista Adam Smith apoiou a cobrança de impostos sobre as importações e exportações a um nível moderado, mas não tão alto que o contrabando seria uma actividade lucrativa e fiel às crenças de que sobre políticas governamentais que não distorcem o mercado, estabeleceu, que os deveres fossem iguais para diferentes produtores e importadores, de modo a que um grupo ou um país não teria uma vantagem sobre o outro, tendo por exemplo, observado a iniquidade de isentar o produto da fabricação e destilação privada (que era absorvida pelos ricos) do imposto especial de consumo, enquanto cobrava as gorjetas preferidas dos pobres. Assim, se as tarifas fossem necessárias, deveriam tratar todos os comerciantes e nações comerciais da mesma forma, de modo a não distorcer a “mão invisível” (a sua contribuição mais notável na sua obra “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”) do mercado, alocando o que os produtores deveriam fazer. Os economistas posteriores, desviaram-se de Adam Smith no desenvolvimento de novas linhas de pesquisa, mas mantiveram os seus juízos. Inspirado pela riqueza das nações, David Ricardo desenvolveu a teoria da vantagem comparativa, que mostra que as nações devem especializar-se e depois comercializar, o que levou a uma maior prosperidade. É de considerar, que no século XX, grandes economistas como Paul Samuelson, aumentaram ainda mais a nossa compreensão do comércio internacional, destacando que há aqueles que beneficiam mais e outros que beneficiam menos quando uma nação se especializa, mesmo que a economia ganhe em geral. Assim, o seu trabalho destaca o impacto distributivo do comércio e aponta formas de ajudar os perdedores da globalização. É de considerar que mesmo que a nossa compreensão das questões em torno do comércio tenha evoluído, os princípios centrais estabelecidos pelos grandes economistas de há dois séculos permanecem. As tarifas são uma medida proteccionista que é ineficiente, e também distorcida se impostos mais altos em algumas importações significam que se tornam menos competitivos em relação a outros. Os países usaram frequentemente o proteccionismo para fomentar indústrias domésticas, até que possam competir com empresas estabelecidas. Este foi o caso dos Estados Unidos no século XIX, quando competiram contra a Grã-Bretanha, e ainda é o caso da China em vários sectores. A China, em particular, não é tão aberta ao comércio como os Estados Unidos e a UE, que tem sido uma constante queixa das empresas ocidentais, e a China tem sido medida nas suas respostas a cada rodada de tarifas americanas. Os Estados Unidos estão a ameaçar impor tarifas sobre quase todas as exportações chinesas, a menos que a situação comercial Estados Unidos-China melhore. O presidente dos Estados Unidos, a 20 de Julho de 2018, afirmou que estaria disposto a impor tarifas sobre todos os quinhentos mil milhões de dólares de produtos importados da China, ameaçando intensificar um conflito sobre a política comercial que abalou os mercados financeiros. Os seus comentários preocuparam os investidores que já estavam a enfrentar o impacto do fortalecimento do dólar americano nos resultados corporativos, e os principais índices de acções na “Wall Street” caíram no mesmo dia. O dólar americano caiu contra as principais moedas sobre a ameaça do presidente Trump de impor mais tarifas de importação, e a repetição de reclamações sobre o aumento das taxas de juros e a força do dólar americano. O “índice do dólar (DXY na sigla em língua inglesa)”, é um índice que mede o valor do dólar em relação a um cabaz de seis principais moedas. É uma média geométrica ponderada do valor do dólar comparado ao euro, iene, libra, dólar canadiano, coroa sueca e franco suíço e estava prestes a registar a sua maior perda em um dia, no espaço de três semanas. O dólar contra o iene, estava a caminho da sua pior queda diária em dois meses. O DXY foi estabelecido em Março de 1973, logo após o desmantelamento dos acordos de Bretton Woods e inicialmente, o valor do índice do dólar era 100. O dólar, desde então, atingiu altas de pouco mais de 160 e um mínimo de cerca de 71, a 16 de Março de 2008. A composição do cabaz foi alterada apenas uma vez, porque várias moedas de países europeus foram substituídas pelo euro desde 1999. O DXY é actualizado sempre que os mercados estão abertos. A China não poderá facilmente retaliar de maneira semelhante, já que não importa quinhentos mil milhões de dólares de produtos dos Estados Unidos. A China poderia optar pela imposição de restrições de investimento, o que seria muito prejudicial, uma vez que distorceriam as cadeias de suprimentos e as decisões operacionais de empresas multinacionais, o que não seria facilmente revertido, ao contrário das tarifas, que podem ser cobradas um dia e removidas no dia seguinte. Existem alguns sinais de que o investimento foi afectado pelas tensões comerciais. A fabricante de circuitos integrados “Qualcomm”, americana, retirou a sua oferta de quarenta e quatro mil milhões de dólares pela “NXP Semiconductors”, holandesa, a 26 de Julho de 2018, por não conseguir a aprovação dos reguladores “antitrust” da China para a maior aquisição da indústria de circuitos integrados, tornando-se a vítima de maior visibilidade, desde o início da guerra entre as duas economias. O acordo de fusão expirou quase vinte e um meses após a “Qualcomm” se ter oferecido para comprar a fabricante holandesa de circuitos integrados. O silêncio da China sobre a aquisição levou a empresa americana a acreditar de que a aprovação não seria dada, dado o acordo ser eficaz no maior mercado consumidor do mundo. O acordo global de aquisição tinha sido aprovado pelas entidades reguladoras dos Estados Unidos e da UE. A distorção adicional do comércio, que ocorre em parte por meio de empresas que investem em cadeias de suprimento/distribuição e realizam fusões e aquisições através das fronteiras nacionais, seria algo que os grandes economistas se oporiam. Afinal, há consenso que o comércio internacional beneficia uma economia. A “Iniciativa sobre Mercados Globais (IGM na sigla em língua inglesa) é um centro de pesquisa, na Escola de Negócios Booth da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. A IGM apoia pesquisas originais sobre negócios internacionais, mercados financeiros e políticas públicas. A IGM é ainda famosa pelas pesquisas semanais que conduz no seu “Economics Experts Panel”, um painel composto por cinquenta e um economistas líderes nas universidades dos Estados Unidos. A IGM colocou duas questões acerca do livre comércio, sendo a primeira para saber se o comércio mais livre beneficia a eficiência produtiva e oferece aos consumidores melhores escolhas e, a longo prazo, se esses ganhos são muito maiores do que quaisquer efeitos sobre o emprego, tendo 56 por cento dos participantes concordado, 26 por cento, concordado plenamente e 5 por cento de duvidosos. A segunda pergunta era a de saber se os cidadãos dos Estados Unidos, em média, estiveram em melhor situação com o “Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA na sigla em língua inglesa)” do que teriam se as regras comerciais para os Estados Unidos, Canadá e México anteriores ao NAFTA tivessem permanecido, tendo 63 por cento dos participantes concordado, 22 por cento concordado plenamente e 5 por cento de duvidosos. O NAFTA foi assinado pelos líderes do Canadá, Estados Unidos e México a 7 de Outubro de 1992, mas apenas entrou em vigor a 1de Janeiro de 1994 depois de um agitado processo de confirmação por parte dos Estados Unidos, onde a xenofobia, etnocentrismo e o preconceito de certos sectores políticos ofereceram enormes obstáculos. O NAFTA criou uma zona de livre comércio na qual tarifas e outras barreiras ao comércio de bens e serviços e recursos financeiros serão gradualmente eliminadas em um período de quinze anos, mas era de prever que a maior parte das liberalizações ocorresse nos primeiros cinco anos. Os grandes economistas provavelmente diriam que há melhores maneiras de beneficiar a posição comercial de um país, como a abertura do mercado global para o comércio de serviços. Tal beneficiaria desproporcionalmente os Estados Unidos como o maior exportador de serviços em todo o mundo, competindo bem, mesmo com as barreiras comerciais em vigor. Se a China abrisse mais o seu sector de serviços, como já está a proceder com prudência, poderia aumentar as exportações dos Estados Unidos para a China e reduzir o deficit comercial, por exemplo. O Reino Unido, o segundo maior exportador, e outras economias avançadas, como a UE e o Japão, também verão uma melhoria na sua posição comercial, dado que a maior parte dessas economias avançadas compreende serviços. Mesmo considerando o facto de que os serviços nem sempre são negociados (por exemplo, restaurantes), a UE apontou vender mais serviços que reflictam melhor o que produz. A economia da UE é de 70 por cento de serviços, enquanto os mesmos representam apenas um quarto das exportações. O ideal seria vender mais, em vez de importar menos (e, portanto, consumir menos ou produzir com componentes mais caros), que é uma das lições a retirar dos maiores economistas da história e daí se defender a abertura de mercados em todo o mundo para que os países pudessem vender mais do que produzem, o que traria uma maior prosperidade. As suas percepções continuam a sustentar a economia actual. A política, no entanto, tem outra visão.