Tufões, furacões, medicanes e outros fenómenos meteorológicos

Antigamente, os nossos ancestrais saíam das suas cavernas, ou não, em função do tempo. Faziam-no para caçar ou recoletar os produtos necessários à sua subsistência. É provável que tentassem inferir as condições meteorológicas durante as quais se dedicariam às suas tarefas, recorrendo à observação das nuvens, do vento e de outros parâmetros meteorológicos. Observando e prevendo o comportamento da atmosfera, estavam a praticar, sem terem consciência disso, o que está na base de uma das ciências mais antigas, a Meteorologia.

Apesar da sua antiguidade, ainda somos surpreendidos pelo facto de, esporadicamente, surgirem termos meteorológicos novos. É com certa frequência que os media se referem a “rios atmosféricos” para designarem extensas zonas da atmosfera em forma de corredor, caracterizadas por grande concentração de vapor de água e que frequentemente dão origem a fortes precipitações, por vezes com graves consequências.

Outro termo, “meteotsunamis” (ou tsunamis meteorológicos), que aparece mais raramente, refere-se a perturbações da superfície do mar causadas pela variação brusca da pressão atmosférica, associadas ao movimento rápido de frentes frias e linhas de borrasca (formações de cumulonimbus dispostos em linha) muito ativas. Os meteotsunamis são caracterizados por ondulação de grande comprimento de onda, a qual, ao atingir as zonas costeiras, provoca efeitos semelhantes aos dos tsunamis, embora geralmente com menor intensidade.

A expressão “maré de tempestade” (storm surge, em inglês) já entrou no léxico habitual, mas o seu significado ainda não é compreendido por muitas populações das regiões do litoral, o que tem causado milhares de vítimas. A pressão atmosférica muito baixa, associada a ciclones extratropicais e tropicais muito intensos, faz com que o nível do mar se sobre-eleve, e a água superficial seja arrastada pelo vento, invadindo as zonas costeiras baixas. Quando a pressão diminui 1 hectopascal (ou milibar) o nível do mar sofre uma elevação de aproximadamente 1cm, o que implica que, quando um ciclone com a pressão muito baixa no seu centro se desloca, é acompanhado por esta sobre-elevação, o que faz com que a agitação marítima atinja a costa por vezes com um nível superior a um metro em relação ao normal.

Foi o que aconteceu na passagem do furacão Katrina na região de Nova Orleães, em agosto de 2005, o que causou cerca de 1800 mortos. Analogamente, em novembro de 2013, o tufão Haiyan provocou cerca de 6000 mortos nas Filipinas, em grande parte devido à maré de tempestade associada. Também o tufão Hato, em agosto de 2017, foi caracterizado por uma maré de tempestade que provocou forte inundação em algumas zonas baixas de Macau. Neste caso, o facto de a passagem do tufão ter coincidido com a maré astronómica alta agravou a situação, na medida em que houve uma sobreposição de três fatores: a maré de tempestade, a preia-mar e o vento forte.

Há algumas semanas reapareceu, nos meios de comunicação social, o termo “medicane”, usado para designar fenómenos meteorológicos relativamente raros, que ocorrem no Mediterrâneo, e que consistem em depressões híbridas, com características simultaneamente de depressões extratropicais e de ciclones tropicais.

O mais recente destes fenómenos formou-se a partir de uma perturbação do campo da pressão sobre o Mar Egeu, em 4 de setembro de 2023, que se deslocou para sul da Grécia, provocando precipitação intensa e inundações neste país, causando mais de uma dezena de vítimas mortais. A tempestade, que foi denominada Daniel pelo serviço meteorológico grego, atravessou o Mediterrâneo e, no dia 10, atingiu o Nordeste da Líbia, causando precipitação extraordinariamente intensa. A estação meteorológica de Al-Bayda, relativamente próxima da cidade de Derna, registou 414,1 mm entre as 08:00 horas do dia 10 e as 08:00 horas de 11 de setembro. Como referência pode-se mencionar que esta precipitação, que ocorreu em apenas 24 horas, correspondeu a cerca de 75% da precipitação anual média em Lisboa e cerca de 22% do que chove anualmente, em média, em Macau.

4 Out 2023

Depois de tocar o fundo

Depois de três anos de pandemia, Hong Kong e Macau têm defrontado vários problemas no processo de recuperação económica. Se os Governos das duas cidades não procurarem soluções pragmáticas, e se preocuparem apenas com “contar bonitas histórias de Hong Kong” e “bonitas histórias de Macau”, os problemas só irão agravar-se.

No passado dia 26, o Hang Seng Index de Hong Kong fechou em 17,466.90 pontos, atingindo a cotação mais baixa desde 28 de Novembro de 2022. Conseguir segurar os 17.500 pontos será um factor-chave que afectará a subida ou a queda do mercado de acções da cidade num futuro próximo.

Enquanto Hong Kong afirma que está num período de transacção do caos para a ordem, e da estabilidade para a prosperidade, existe uma nova de vaga de emigração de residentes e algumas escolas foram fechadas ou mudaram de direcção devido ao número insuficiente de estudantes.

Perante esta situação, Anthony Cheung Bing-leung, o antigo Secretário dos Transportes e da Habitação de Hong Kong, viu-se obrigado a publicar um artigo no Ming Pao (um jornal de Hong Kong de língua chinesa) declarando que, “A actual imagem de Hong Kong é confusa e ambígua.

Devido à turbulência política e às reviravoltas dos últimos anos, bem como a implementação da Lei da República Popular da China sobre a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong, alguns estrangeiros duvidaram que Hong Kong continuasse a ser a cidade e o mercado que era, e perguntam-se se não seria a sua crescente sujeição ao controlo político a causa de perda de diversidade e inclusão. Hong Kong não carece de atenção internacional. Mas nos últimos anos, Hong Kong é vista como um local complicado que alberga negatividade, o que está a alterar a sua imagem internacional. Embora o Governo de Hong Kong entoe diariamente canções de louvor à cidade, tem também de procurar entender a percepção que dela têm do exterior”.

Quanto a Macau, que não tem atraído muita atenção internacional, a da RAEM foi implementada em 2009, que efectivamente assegurou a estabilidade e manteve um estado de harmonia na região, assegurando simultaneamente a liberdade a diversidade e a inclusão desfrutadas em Macau.

Em 2021, embora não se tenham verificado nesta cidade incidentes sociais semelhantes aos de Hong Kong, o Governo da RAEM decidiu aperfeiçoar o seu regime eleitoral, Numa acto sem precedentes, desclassificou candidatos de vários grupos que concorriam às eleições para a Assembleia Legislativa. As drásticas mudanças no cenário político de Macau criaram situações que não podem ser ultrapassadas com a mera aplicação de paliativos. O desempenho e as capacidades de supervisão do Governo da RAEM enfraqueceram ao mesmo tempo que a cidade sofreu os efeitos de três anos de pandemia. Se não fossem as reservas acumuladas ao loora.

O Governo da RAEM pensa que tudo está a melhorar e a acompanhar o ritmo de desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, mas também deve ter em conta a mão cheia de incidentes sociais infelizes que aconteceram nos últimos anos. De acordo com as estatísticas oficiais, houve 80 casos de suicídio em Macau em 2022. No primeiro trimestre de 2023, foram reportados 23 suicídios e no segundo, 24, o que é digno de atenção. O slogan “quatro níveis de prevenção concertada e quatro abordagens interligadas”, para lidar com o problema da saúde mental, que o Governo da RAEM sempre enfatiza não pode ter apenas um papel limitado. Afinal de contas, a prática é o único caminho para testar a verdade.

Não nego a importância do serviço comunitário, mas deve ter-se em linha de conta as condições económicas e sociais para que possa ser eficaz. Uma cidade sem esperança pode facilmente dar origem a sentimentos negativos entre os seus residentes. Por um lado, o Governo da RAEM dá grande importância à recuperação económica, mas por outro lado, controla rigorosamente a atribuição de subsídios a organizações sem fins lucrativos. Considerando as preocupantes estatísticas de suicídio acima mencionadas, deverá o Governo alocar mais fundos destinados especificamente a instituições de bem-estar social?

O Instituto de Acção Social fez todos os possíveis para incentivar os residentes a cuidarem da sua saúde mental e da dos seus familiares e amigos. Em caso de necessidade, podem ligar para a Linha aberta para Aconselhamento Psicológico da Cáritas de Macau ou para a Linha de Aconselhamento do Instituto de Acção Social para falarem sobre as suas preocupações e procurarem ajuda. No entanto, se existirem vários factores sociais desfavoráveis, pode ser difícil melhorar o bem-estar emocional das pessoas afectadas.

A Bíblia diz-nos que quando Moisés conduziu o povo de Israel na sua fuga do Egipto até às margens do Mar Vermelho, o exército egípcio os perseguiu. Em desespero, os israelitas acusaram Moisés, dizendo “Trouxeste-nos para o deserto para morrermos, porque não havia sepulturas no Egipto?” Moisés acabou por conduzir o seu povo através do Mar Vermelho em direcção à Terra Prometida – a terra do leite e do mel, fazendo assim desaparecer os seus receios. Os maiores temores surgem quando não há esperança. Só dando esperanças às pessoas elas podem ver o dia de amanhã. Por isso pergunto: onde está o Moisés dos nossos dias?

29 Set 2023

Cooperação China-Portugal na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota produz resultados abrangentes

Por Zhao Bentang, Embaixador da China em Portugal

O presidente Xi Jinping propôs a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota em 2013, a qual foi acolhida positivamente pela comunidade internacional. Ao longo de 10 anos, a China e os demais países envolvidos coordenaram políticas, alinharam planos de desenvolvimento, implementaram projetos de conectividade, promoveram a facilitação do comércio e do investimento, e construíram uma importante plataforma de cooperação internacional.

A iniciativa chinesa tornou-se um caminho rumo ao desenvolvimento, uma via de oportunidades e uma rota de prosperidade.

Em dezembro de 2018, durante a visita de Estado do Presidente Xi Jinping a Portugal, a China e Portugal assinaram um memorando de entendimento sobre a cooperação na construção da iniciativa Cinturão e Rota. Em abril de 2019, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, visitou a China e participou no segundo Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional. Os líderes dos dois países realizaram visitas recíprocas em menos de meio ano, elevando a parceria estratégica abrangente China-Portugal a novos patamares.

Actualmente, a cooperação na construção da iniciativa chinesa entre a China e Portugal encontra-se em um novo ponto de partida. Ambas as partes estão comprometidas em avançar, aproveitar oportunidades, respeitar mutuamente os princípios da igualdade e continuar a melhorar a cooperação prática, enriquecendo ainda mais o conteúdo da parceria estratégica abrangente bilateral.

A cooperação China-Portugal na construção da iniciativa recorre a vantagens naturais. Portugal é uma nação antiga de navegação, o ponto de partida europeu na antiga Rota da Seda Marítima e um importante hub que conecta a Rota da Seda Terrestre e a Rota da Seda Marítima. É, por isso, um parceiro natural. Portugal é um dos membros fundadores do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, foi um dos primeiros países da Europa Ocidental a assinar um acordo de cooperação na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota com a China, o primeiro país da União Europeia a estabelecer uma “parceria azul” oficial com a China e o primeiro país da zona do euro a emitir títulos denominados em renminbi.

A China é o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia, enquanto que, por seu turno, Portugal é um dos principais destinos do investimento chinês na Europa. As excelentes condições geográficas e a sólida disponibilidade para a cooperação estabeleceram uma base para a cooperação entre a China e Portugal.

Nos últimos anos, o comércio bilateral entre a China e Portugal cresceu rapidamente, ultrapassando US$ 6 mil milhões em 2018 e atingindo mais de US$ 9 mil milhões em 2022, alcançando um novo recorde histórico. Isso é ainda mais notável, considerando os desafios da pandemia e a lentidão da recuperação econômica global. Os investimentos chineses em Portugal abrangem diversas áreas, tendo aumentando de € 9 mil milhões em 2018 para € 11,2 mil milhões em 2022. Os produtos portugueses exportados para a China têm assistido a um aumento tanto em variedade quanto em quantidade, com produtos como carne de porco preto, vinho e cerveja ganhando popularidade entre os consumidores chineses.

Mais de 40 universidades chinesas oferecem cursos de língua portuguesa, enquanto Portugal tem cinco institutos Confúcio e diversas escolas públicas e privadas oferecendo cursos de chinês. Esses resultados de cooperação beneficiam diretamente as populações de ambos países, promovendo também a troca cultural e a compreensão mútua.

Tanto a China quanto Portugal enfrentam desafios econômicos, sociais e de desenvolvimento. A China está disponível para trabalhar em conjunto com Portugal no sentido de continuar a alinhar a iniciativa Cinturão e Rota com a estratégia de desenvolvimento de Portugal, promover uma cooperação sólida nos campos da sustentabilidade, digitalização, inovação e economia do mar.

A China valoriza o papel de Portugal na União Europeia e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e está disponível para expandir ainda mais a cooperação de mercado trilateral ou multilateral para beneficiar mais países e povos.

“Há centenas de anos, porcelanas azuis e brancas da China navegaram pelo oceano até Portugal, fundindo-se com as técnicas locais de produção de cerâmica, criando o encantador ‘azul de Portugal'”, escreveu o Presidente Xi Jinping em um artigo assinado em nome do povo chinês, nas vésperas de sua visita de Estado a Portugal, em 2018, destacando a amizade duradoura e profunda entre os dois países.

Acreditamos que, no futuro, a cooperação China-Portugal na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota continuará a impulsionar o desenvolvimento contínuo da parceria estratégica abrangente China-Portugal, em benefício dos povos de ambos os países.

26 Set 2023

Mercado nocturno II

A semana passada, falámos dos mercados nocturnos e da sua importância para a revitalização da economia, na medida em que podem ser direccionados tanto para os habitantes locais como para os turistas. Além disso, as actividades a que se dedicam são sobretudo nocturnas. A venda de bebidas alcoólicas é disso um exemplo, porque é principalmente feita à noite.

As actividades dos mercados nocturnos, devem ser feitas de acordo com certos temas para maximizar as suas potencialidades. No calendário lunar chinês, a 15 de Agosto (no calendário ocidental, é uma data móvel do mês de Setembro) celebra-se o “Festival do Meio do Outono. A Lua cheia é o símbolo de uma família feliz e as pessoas costuma vir para a rua celebrar. Nesta altura do ano, a Lua cheia é a maior e a mais brilhante. Existirá alguma instituição disposta a emprestar um telescópio para que todos possam observar o céu nestes mercados e puderem ver a verdadeira face da Lua? Esta actividade é interessante e cientificamente significativa. As crianças ficariam felizes.

A iguaria por excelência do “Festival do Meio do Outono” é o “bolo lunar”. Se existir uma banca que venda bolos lunares à unidade, em vez de serem vendidos em caixas, todos se sentirão encorajados a comprar alguns e ainda algumas bebidas não alcoólicas. Podiam comprar, comer e beber imediatamente, o que seria simultaneamente festivo e significativo. Enquanto comiam bolos lunares, podiam observar o céu, à procura de astronautas. A seguir, também podiam ir ver o espectáculo de fogo de artificio do Dia Nacional. Não ia ser maravilhoso?

Os turistas da China continental que vêm sozinhos deixam as suas casas por um breve período de tempo para virem assistir ao Festival do Meio do Outono em Macau. Durante gerações, leram o poema de Du Fu “A Lua é Mais Brilhante na Nossa Terra Natal”. Ao olharem a Lua, sentem as saudades que o poeta tinha da sua terra e as suas preocupações com a família, e vão ter uma relação mais harmoniosa com as suas próprias famílias depois de regressarem a casa.

Os turistas da China continental que vêm a Macau com familiares e amigos ignoram os bolos lunares e procuram artigos e especialidades locais nos mercados nocturnos – egg rolls, rebuçados de amendoim, carne seca, etc. Nas suas terras, podem comer bolos lunares todos os dias. Em Macau, comem-se bolos de amêndoa, tartes portuguesas, bolos de ananás, etc. para celebrar o Festival do Meio do Outono. A gastronomia celebrativa deste Festival varia consoante o local.

Os turistas estrangeiros têm também uma oportunidade para aprender mais sobre a cultura chinesa, para entenderem a origem do Festival do Meio do Outono e compreenderem o impacto significativo da tradição dos bolos lunares na História da China. Se os turistas gostarem destes doces, podem comprar algumas unidades ou mesmo algumas caixas. Estes turistas vão ficar muito felizes quando voltarem às suas casas, porque levam consigo egg rolls, bolos de ananás e carnes secas confeccionados em Macau. Mas só os turistas que visitam Macau em Setembro podem provar bolos lunares que aqui só são feitos uma vez por ano.

Um mercado nocturno que reúna cultura, temas, actividades, entretenimento e gastronomia é do interesse dos habitantes locais e dos turistas. Com participantes de todo o mundo cria-se um ambiente feliz e harmonioso e pode incentivar-se o consumo e a estimulação da economia.

Mas existem ressalvas para qualquer actividade e os mercados notcurnos não são excepção. Para que estes mercados possam ser bem-sucedidos, a continuidade é um elemento indispensável. Durante a primeira realização, o organizador deve estar já a planear na próxima. Quando as pessoas souberem a data e a programação da seguinte, vão poder planear com antecedência a sua vinda. Os mercados nocturnos promovem actividades económicas à noite e o ruído é inevitável. Os locais onde se realizam devem ficar um pouco afastados das zonas residenciais. Devem situar-se em locais acessíveis, embora evitando incómodo para a vizinhança, e devem ficar sujeitos a controlo de tráfego. Os produtos vendidos nos mercados nocturnos também devem obedecer à regulamentação específica em vigor. Por exemplo, os alimentos devem ter prazo de validade. As leis de Macau devem ser respeitadas e os menores não poderão comprar bebidas alcoólicas. Como estamos no Outono, o tempo deve estar um pouco mais fresco e as gripes podem voltar a aparecer. Se houver muita gente nos mercados nocturnos, deve ser implementado o controlo de multidões para evitar ajuntamentos excessivos. Este controlo deve ter em conta a questão sanitária, mas também será indispensável para a manutenção da ordem social.

Se estivermos dispostos a promover os mercados nocturnos e algumas empresas quiserem introduzir inovações, poderemos estimular a economia e atrair turistas? Só depois de experimentar, poderemos saber a resposta a esta pergunta. Mas é certo que para estimular a economia, atrair turistas e beneficiar a sociedade de Macau, os mercados nocturnos são uma das muitas opções que vale a pena considerar.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politéncico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

26 Set 2023

O surrealismo do PSD

No momento em que escrevemos este texto as sondagens indicam que nas eleições da Madeira, o PSD poderá vencer por maioria absoluta. Numa ilha onde o caciquismo político reina desde o 25 de Abril e onde existem mais bairros de pobres que hotéis de luxo, vivendo a região autónoma, à base do turismo. É com essa política de caciquismo que o PSD tem saído vencedor e onde Alberto João Jardim fez o que lhe apeteceu mas sempre pedindo de mão beijada milhões de euros aos governos da República. Uma República que assiste à maior crise no interior do PSD.

Os sociais-democratas, com as suas diferentes facções, não descansaram enquanto não mandaram embora um homem sério e activo como Rui Rio e que escolheram para líder Luís Montenegro que tem chefiado o partido há 18 meses sem apresentar uma alternativa para um dia poder vir a ser primeiro-ministro. É nas hostes do PSD que temos ouvido dizer que com Luís Montenegro o partido não vai lá e é assim que a toda a hora sonham com o “D. Sebastião” de nome Passos Coelho para voltar a chefiar os destinos do partido. Como é que Passos Coelho pode ser o “desejado” se o povo ainda não esqueceu a sua governação onde tudo foi mau e em prejuízo dos mais desprotegidos?

No PSD assiste-se ao surrealism total onde cada um quer tudo, e nada acertado apresenta. Até apareceu um Poiares Maduro a propor que fosse retirado o subsídio de Natal aos reformados. Isto, até é ofensivo quando temos portugueses a receber reformas de 150, 200 e 300 euros.

A bancada parlamentar do PSD em confronto com o Governo nos vários debates apenas tem sabido manifestar contradição com as propostas governamentais, mas alternativas viáveis nunca se ouviram. Com um líder parlamentar fraquíssimo, o que se assiste é a António Costa, como primeiro-ministro, sair do Parlamento todo satisfeito pelas posições que toma com frontalidade e lógica, dentro dos parâmetros em que é possível financeiramente governar, apesar das críticas da oposição que o dinheirão que veio da Europa em forma de PRR não ser aplicado no desenvolvimento estrutural do país.

O que acontece no PSD é que assiste ao Iniciativa Liberal e ao Chega a cativarem cada vez mais adeptos, os quais vêm da área do PSD. Segundo as últimas sondagens, que valem o que valem, o Chega e o IL podem vir a ter juntos maior percentagem eleitoral que o PSD e, isso, seria um descalabro para quem se arvora em afirmar ser o maior partido da oposição.

O PSD bem tenta puxar todos os “senadores” para a ribalta da propaganda, tais como Marques Mendes que anda a ser levado ao colo pelo Presidente Marcelo a fim de o candidatar a seu successor, Durão Barroso o tal primeiro-ministro que abandonou os portugueses para ocupar cargos de remuneração choruda na Europa, Pedro Santana Lopes que à frente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa saiu com uma fama desastrosa devido à péssima gestão e o surrealismo do outro mundo chamado Aníbal Cavaco Silva. Este último, teve o desplante e a pouca vergonha de lançar um livro onde tenta ensinar como se deve ser primeiro-ministro. Bem, é melhor rirmos do que chorarmos, quando nos lembramos que Cavaco Silva foi dos piores primeiros ministros que Portugal teve.

Em entrevista encomendada a um semanário, Cavaco Silva não deixou de sublinhar, como piadas ao actual primeiro-ministro, que se existe um ministro sem bom senso deve ser demitido. Mas, o que será isso do bom senso à frente de um Ministério? Depois, acrescentou que se um ministro for mal educado igualmente tem de ser demitido. Será que Cavaco Silva entrou já na fase da senilidade e não se lembra de quantos ministros teve nos governos que chefiou que foram uns mal educados, arrogantes e incompetentes? O seu livro é um chorrilho de disparates a querer ensinar tudo aquilo que não praticou e é por essa razão que os cidadãos que normalmente votavam no PSD estão virados para o IL, Chega e alguns mais realistas pensam em votar no PS.

A política portuguesa está inacreditavelmente perturbadora porque se o PCP está a perder votos por apoiar a Rússia no conflito com a Ucrânia, no Bloco de Esquerda Mariana Mortágua não está a fazer melhor do que foi a coordenação de Catarina Martins. Infelizmente, o populismo e a demagogia do Chega com os gritos patéticos de André Ventura que, na realidade, manda cá para fora umas verdades que o povo gosta de ouvir, está efectivamente a aumentar a sua base de apoio e, imaginem só, que num bairro social da margem sul do Tejo, toda a gente afirma que votará no Chega por ser o único partido que defende os pobres. Não, não dá para entender como em 50 anos da chamada democracia o espectro político mudou tanto, particularmente com o surrealismo gerado no PSD que não consegue levar um balde de água ao seu moinho.

25 Set 2023

Sensate Focus de Masters e Jonhson

Quando nos anos 50 chegaram à conclusão de que a ciência sabia mais sobre parir bebés do que fazê-los, um ginecologista norte-americano, William Masters, com o auxílio da sua assistente de investigação, Virginia Johnson, decidiram desbravar terrenos nunca explorados. A experiência do sexo e do clímax não estavam analisadas, quantificadas ou teorizadas e eles trataram de resolver a questão.

Numa fase em que o sexo não saía das quatro paredes do quarto, estes investigadores propuseram a vários voluntários que trouxessem o sexo para o laboratório. Centenas de mulheres e homens foram convidados a atingir o clímax sob o olhar atento dos cientistas, monitorizado por máquinas que descreviam experiências fisiológicas. Alguns deles masturbaram-se, outros envolveram-se com voluntários anónimos à frente dos cientistas. Com a acumulação dos dados foi possível desenhar padrões de reconhecimento que facilitavam a compreensão generalizada da experiência sexual – desenvolveram o modelo de resposta sexual “normal” com 4 fases. Claro, que a amostra utilizada mostrou limitações. Numa tentativa de randomização, os investigadores vieram-se somente com homens e mulheres brancos, de classe média, com uma única coisa em comum: motivados para participar neste estudo altamente controverso. Insólito foi também quando os investigadores começaram a participar no estudo como sujeitos, envolvendo-se com o propósito de gerar mais dados e insight.

A sua investigação resultou em imensos artigos e dois livros que se revelaram populares. Apesar de terem sido criticados ao longo do tempo, eles desenvolveram uma forma de terapia sexual que era mais simples e rápida do que a terapia psicanalítica da altura. A terapia que desenvolveram chamava-se “sensate focus”. Os seus pressupostos entendiam que o sexo é uma condição natural que não pode ser forçada. Apesar do foco excessivo na fisiologia do sexo destes investigadores, uma perspectiva que ignorava quase por completo fatores psicológicos e sociais na resposta sexual, os exercícios sugeridos não deixam de ser relevantes até aos dias de hoje. Isto porque a investigação tem-se aproximado de novo ao foco nas sensações, e na sua importância para uma sexualidade plena e satisfatória. Os exercícios tentam desconstruir o excessivo foco na relação pénis-vagina na relação heterossexual, e tentam promover a comunicação. Com criatividade estes exercícios podem ser adaptados a todas as orientações e constelações amorosas com o intuito de promover a presença e consciência.

O método tem 5 partes. O primeiro o passo envolve o toque não genital, de modo que as pessoas envolvidas possam, à vez, explorar formas de toque e focarem-se nelas. Um oferece o toque, e o outro recebe, e depois trocam de posições. A ideia é que se dispam da expectativa sexual e desfrutem. No segundo passo, ainda à vez, os genitais já são estimulados e outras zonas erógenas, sempre ignorar a expectativa do sexo. Por exemplo, se o pénis estiver erecto, não fazer nada em relação a isso. No terceiro passo, sugere-se que se utilize óleos, ou lubrificantes, de preferência com base de água, se se utilizarem produtos de látex e borracha, para estimular outro tipo de experiências sensoriais. A ideia é que se continue ainda a dança onde primeiro recebe um e depois o outro. Sem receios, e sem pressão para compensar. No quarto passo, a estimulação sensorial já é mútua e no quinto passo, a exploração permanece sensual, em vez de sexual, isto é, incentiva-se o toque dos genitais, com interesse e curiosidade, ao roçar ou acarinhar, antes de explorar a penetração.

Esta forma terapêutica foi desenvolvida para tratar disfunções sexuais, e.g., disfunção eréctil ou vaginismo. Contudo, a complexidade destas condições não permite que esta técnica seja uma salvação certeira. Mas tem várias vantagens ao seu favor – explora a sensualidade e a presença para contrapor pressão, expectativa ou o nervosismo – e pode ser utilizada e apropriada por qualquer um que queira abrir espaços de consciência na sua vida sexual.

O trabalho destes investigadores foi romanceado na série televisiva Masters ofSex, que apesar de interessante, não explora em profundidade o legado teórico dos investigadores, nem as suas controvérsias. Ainda assim, contextualiza a dificuldade cultural em discutir estas questões que agora já são mais do domínio comum, e tratadas com mais leveza e importância.

20 Set 2023

O mercado da noite I

Recentemente, alguns órgãos de comunicação de Macau salientaram que se poderia promover o mercado da noite na cidade para estimular a economia e atrair turistas.

O mercado nocturno não é novidade em Hong Kong e em Macau. A área de bares de Macau Dynasty é uma zona típica do mercado da noite.

O mercado da noite tem uma longa história. Surgiu nos anos 80 em Hong Kong. Nessa altura, estava situado em Tai Da Tei, Sheung Wan. Actualmente, Temple Street é uma zona cheia de vida com restaurantes, bares, barraquinhas de adivinhos, actuações de diversos artistas e lojas. Lan Kwai Fong é uma famosa zona de bares e de lazer.

Macau poderá estimular a economia e atrair turistas promovendo o mercado da noite? Na verdade, estimular a economia e atrair turistas são duas questões diferentes. Estimular a economia significa fazer crescer a economia local. A economia local assenta no consumo e no entretenimento. Em circunstâncias normais, a procura de bens de consumo é estável e não flutua significativamente num curto período de tempo. Se queremos melhorar a economia, temos de começar pelos aspectos culturais e de entretenimento locais.

Para trazer turistas, é natural que nos tenhamos de focar nas atracções turísticas. O que é que os turistas procuram? Quando chegam a Macau, querem saborear a culinária local e conhecer a cultura da cidade. Procuram infalivelmente souvenirs para poderem recordar futuramente os bons tempos que aqui passaram. Se necessário, passam em Macau algumas noites.

Recentemente, em Bruxelas abriu o centro “Beer World” que tem como objectivo atrair turistas e os amantes de cerveja. A perfumada e suave cerveja belga é adorada pelos locais e os turistas também a podem apreciar. Vemos muitas vezes que os bares fazem descontos das 17.00 às 19.00, período que é conhecido como happy hour, para que as pessoas possam descontrair depois do trabalho. Além disso, os bares estão normalmente abertos até às 4.00 da madrugada. Podemos constatar que as pessoas bebem principalmente à noite, o que vai ao encontro dos horários dos estabelecimentos nocturnos.

Depois de combinar estes factores, percebemos que para os estabelecimentos nocturnos serem lucrativos têm de funcionar um pouco como os bares, de forma a atraírem locais e turistas e ajudarem ao crescimento da economia. A noite é sem dúvida a altura ideal para as pessoas procurarem diversão. Podem beber, ver fogo de artificio e observar fenómenos no céu nocturno.

Mas os elementos que referimos anteriormente não são suficientes. Sem pensamento inovador, os comerciantes não podem lançar produtos novos e vão ter dificuldade em reter a clientela. Nos bares, as pessoas consomem principalmente bebidas alcoólicas, a venda de bebidas não alcoólicas é bastante inferior. No entanto, alguns bares estão a promover visitas guiadas para apresentarem cocktails não alcoólicos e assim atraírem clientes menos tradicionais. Este método é semelhante `ao do Restaurante de “hot pot” que mencionámos nesta coluna há algumas semanas. No mundo dos negócios, os empresários precisam de correr riscos e de tentar várias abordagens. Correr riscos e experimentar novos métodos leva os empresários a desenvolverem de forma continuada os seus produtos. Se a pesquisa e o desenvolvimento forem bem-sucedidos, podem vir a lucrar. Se a pesquisa e o desenvolvimento falharem, podem ir à falência. Por isso, se a aposta em bebidas não alcoólicas nos bares tiver sucesso, passarão a ser também um dos produtos mais vendidos. Se estes empresários vingarem, os bares farão mais dinheiro e o mercado nocturno e a economia vão continuar a recuperar.

Na próxima semana, vamos continuar a nossa análise do mercado nocturno. Vamos focar-nos na importância deste sector para atrair turistas e fazer crescer o consumo local.

19 Set 2023

O aborto da saúde

Os serviços de Saúde em Portugal vão de mal a pior. Os portugueses sofrem a sério com a falta de apoio ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) há muitos anos. Penso mesmo, que durante os 50 anos desta etapa democrática que não existiu nenhum governo que se preocupasse a sério com a saúde dos portugueses. Tivemos o grande António Arnaut que fundou o SNS e que em boa hora evitou que já tivessem morrido milhares de portugueses sem assistência hospitalar. Nos tempos de hoje a Saúde está quase um caos. Os médicos fazem greve protestando contra as faltas de condições de trabalho e devido ao salário insuficiente, apesar de termos de salientar que uma grande maioria deles trabalha de manhã no SNS, à tarde no seu consultório ou num hospital privado e desloca-se de Porsche ou Mercedes. Os enfermeiros aguentam há anos por um aumentozinho no salário minimamente digno e como nada acontece emigram, especialmente para Inglaterra onde lhes proporcionam tudo e um salário chorudo. Há hospitais que até parecem não ter gestores e quanto a compras de materiais nem é bom referir porque a corrupção impera de norte a sul. Os pacientes são como o mexilhão, são os que se lixam. Bem, vocês não acreditam: às três horas da madrugada já há pessoas de todas as idades, em fila, à porta de um qualquer Centro de Saúde, para conseguirem uma senha para consulta. Consulta? Há dias tive a necessidade de limpar os ouvidos porque já não ouvia praticamente nada. Fui ao Centro de Saúde da minha área de residência e fui atendido por uma médica atenciosa e já com alguns anos de experiência. Ela viu através de um aparelho próprio, o que se passava e confirmou que necessitava urgentemente de uma lavagem aos ouvidos. E acrescentou: “Caro senhor, eu posso marcar uma consulta para um otorrinolaringologista no hospital, mas a consulta irá demorar aí uns três ou quatro meses. O melhor, se puder, é ir a um otorrinolaringologista privado porque o senhor está muito mal de audição”. E assim tive de fazer, optar por um privado gastando uma quantia que bem me custou.

Em certos hospitais os doentes chegam de ambulância, ficam nos corredores nas macas das ambulâncias, o hospital não tem macas suficientes e as ambulâncias ficam horas e horas a aguardar que libertem as suas macas. E durante essas horas quantos pacientes teriam tido necessidade dessas ambulâncias que ficam engarrafam nos hospitais? A este propósito de macas nos corredores, recordo-vos que há dias o país ficou chocado com um doente com 92 anos de idade que esteve seis horas na maca no corredor de um hospital e veio a falecer por falta de atendimento.

O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, é médico, está atento e conhece os problemas da saúde, mas dá a ideia de andar de mãos atadas. O seu colega das Finanças deve ter-lhe dito que não poderá contar com o dinheiro necessário. Mesmo assim, já aumentou o salário dos médicos substancialmente e de outro pessoal paramédico. O principal de tudo é necessariamente a miséria de salários que aqueles milhares de profissionais de saúde recebem e a falta de hospitais. O novo hospital de Lisboa está prometido há anos e nunca avança.

Na semana passada tivemos um caso muito grave e que não podemos deixar de vos apresentar quase como um crime de lesa pátria. Eu sei que há portugueses que são contra a interrupção voluntária da gravidez e outros a favor. O certo, é que a lei portuguesa permite que as mulheres façam o aborto e nos centros hospitalares do país. Ora, aconteceu o inimaginável. E gravíssimo. Veio a público que vários casos em que o acesso das mulheres à realização de uma interrupção voluntária da gravidez (IVG) estava a ser dificultado em vários hospitais do SNS. O acesso ao aborto não está à mesma distância para todas as mulheres em Portugal e, em 15 anos, estagnou. Um em cada três hospitais públicos não tem consulta de IVG, ou seja, 13 em cada 45 hospitais do SNS, que não a disponibilizam. O Bloco de Esquerda vai pedir uma auditoria aos hospitais para apurar as causas e os responsáveis nos casos das mulheres que se viram impedidas de levar a cabo interrupções voluntárias da gravidez. O partido quer também que a linha SNS24 passe a acompanhar as mulheres em todo o circuito, para a realização do aborto. Outros partidos políticos já se manifestaram pela presença do ministro da Saúde na Assembleia da República. No entanto, Manuel Pizarro já admitiu a existência de “casos pontuais”. Seja como for, existem hospitais que praticamente se negam a assistir um aborto e, assim, os seus responsáveis deviam ser condenados no foro judicial. Com factos destes, de uma coisa não temos dúvidas, um grande aborto é a Saúde.

18 Set 2023

Só no rescaldo a verdade é revelada

As chuvas torrenciais que ocorrem “uma vez em 500 anos” puseram a nu uma série de problemas antigos. Para simplificar, usemos a famosa citação de Warren Buffett, o magnata de negócios americano “afinal de contas, só quando as águas recuam é que percebemos quem foi nadar nu.”

Num Verão há muitos anos, viajei até ao sul de Taiwan com a minha família e ficámos num hotel na parte antiga da cidade de Hengchun. Nesse Verão, a cidade foi atingida por dois tufões pouco depois da nossa chegada. Todas as pessoas que estavam hospedadas no hotel partiram, menos eu e a minha família que assistimos sozinhos a uma forte tempestade nocturna. No dia seguinte, a tempestade tinha passado. Para não perdermos o voo de regresso a Macau, que partia do Aeroporto Internacional Kaohsiung, apanhámos um táxi que o hotel providenciou e partimos em direcção a Kaohsiung sob uma forte chuvada. O movimento rápido dos limpa pára-brisas fez com que o motorista se sentisse sonolento, pelo que teve de esfregar as narinas com uma pomada estimulante para se manter acordado.

O pior de tudo era o estado da estrada, cheia de buracos, danificada e coberta de detritos. A única coisa que o motorista podia fazer era desabafar comigo, que estava sentado ao seu lado, e olhar com atenção para a estrada à sua frente, “Isto não teria acontecido nas estradas construídas pelos antigos Governos municipais” dizia-me. “Hoje em dia, com este novo Governo, a qualidade das obras rodoviárias deixa muito a desejar o que resultou da alternância dos partidos no poder”. Dirigido a mim, um estrangeiro, o comentário do motorista não devia ter qualquer intenção política. Embora eu não pudesse confirmar a veracidade dos seus comentários, pude verificar o péssimo estado das estradas. A “construção defeituosa” é resultado de negligência ou deriva da corrupção?

Hong Kong foi recentemente atingido pelo Tufão Saola e afectado pelas chuvas torrenciais do Tufão Haikui, que trouxe consigo a tal chuvada que só acontece “uma vez em 500 anos”, provocando enormes inundações e deslizamentos de terra. O deslizamento que ocorreu na Península Redhill, uma zona de habitações de luxo, situada no sul do distrito da Ilha de Hong Kong, trouxe a lume o problema da construção não licenciada e da demolição de parte dos muros de contenção das águas dessas casas. Nunca ninguém prestou atenção às obras não licenciadas que se fizeram nestas casas que valem dezenas de milhões de dólares de Hong Kong.A Península Redhillnão é uma zona privada imune à lei. Agora, que as águas da chuva recuaram, o que está mal deve ser corrigido com acções imediatas.

No domingo, 3 de Setembro, apanhei o autocarro 26 da Península de Macau para regressar à Taipa. A Ponte de Sai Van, que geralmente não tem engarrafamentos nos fins de semana, estava cheia de carros. Veio a perceber-se que estavam trabalhadores a tapar os buracos do pavimento da ponte e, portanto, das duas faixas, apenas uma estava a funcionar. A decisão da Direcção dos Serviços de Obras Públicas de reparar os buracos das três pontes Macau implicou uma acção rápida. Afinal de contas, os buracos na estrada provocam percalços aos carros e representam um perigo sério para os motociclistas e podem provocar acidentes fatais.

Falando da qualidade das estradas de Macau; este ano, no início de Janeiro, o pavimento da via do terminal de autocarros no primeiro piso da cave do Centro Modal de Transportes da Barra ficou danificado em menos de 2 ou 3 meses depois da abertura ao público do Centro. Subsequentemente, a Direcção dos Serviços de Obras Públicas verificou que a estrutura da via não se encontrava danificada e, de acordo com a avaliação preliminar, estimou-se que o problema se devia à falta de resistência do revestimento do pavimento e à sua insuficiente capacidade de adesão, pelo que a quebra e as fendas verificadas no pavimento eram resultantes do peso dos autocarros e da força de atrito. Depois do Instituto para os Assuntos Municipais ter passado a pavimentar as vias de acesso com asfalto de alta viscosidade, as condições da via do terminal de autocarros melhoraram significativamente. Toda a gente sabe que mais vale prevenir do que remediar, mas o remédio só veio depois do recuo das águas.

Foi por um puro golpe de sorte que Macau escapou ao impacto do Tufão Saola e às chuvadas do Tufão Haikui. O aparecimento dos buracos nas pontes mostra que ainda há espaço para melhorar o sistema de supervisão dos trabalhos rodoviários do Governo da RAEM. O Chefe do Executivo de Macau já deu instruções para fazer face às várias obras nas estradas, que vão ser feitas num curto período de tempo. Considero que os requisitos e normas aplicáveis aos trabalhos de pavimentação de estradas devem ser reforçados bem com a sua supervisão, para melhorar a qualidade destas intervenções.

Quando a maré sobe, não podemos simplesmente vestir os calções de banho e ir para a praia como se nada tivesse acontecido.

17 Set 2023

Manobras publicitárias

A semana passada falámos sobre café. Curiosamente, esta semana também vamos falar. Recentemente, apareceu um anúncio ao McDonald’s muito polémico. Chamou a atenção de toda a cidade depois de ter sido publicado no Facebook, nas aplicações para telemóveis e nos jornais. O anúncio tinha apenas uma frase – “McDonald’s Coffee will Retire” (O café do MacDonald’s vai de férias). O refresco de café, o café premium e o café premium em grão vão estar temporariamente indisponíveis a partir da 18.00h do dia 4 de Setembro. Os internautas comentaram de imediato o anúncio e fizeram afirmações como “O pequeno-almoço custa mais de 40 dólares de Hong Kong (HKD) e não inclui café”, “Sem café, o McDonald’s deixa de ter graça”, “Uma cadeia de restaurantes de fast food não tem café, porquê?”, “Não há café? Não tomamos mais o pequeno-almoço no McDonald’s”, “É indispensável começar o dia com um café”.

Inesperadamente, o McDonald’s deixou de vender café, o que, na verdade, fez com que os internautas pesquisassem o fornecedor de café do McDonald’s de Hong Kong e verificassem o valor das suas acções. Aparentemente o anúncio do McDonald’s’ promoveu indirectamente o fornecedor.

O cancelamento da venda de café fez com que os internautas se lembrassem de alguns pratos da ementa do McDonald’s que também foram cancelados, como a Chicken Heart Star Soup e a Alphabet Soup, que faziam parte do menu desde 1989. Estas sopas eram servidas em copos térmicos, sendo por isso refeições muito quentes, óptimas para o Inverno! Desde 1975 que o McDonald’s servia batidos de morango e de baunilha. Embora o batido de baunilha tenha acabado em 2009, voltou a ser servido por algum tempo em 2019. Um internauta afirmou, “As sopas e os batidos transportam muitas pessoas para a sua infância. Afinal de contas o McDonald’s está connosco há muitos anos e faz parte do crescimento de todos nós”; quem disse isto tem toda a razão.

Claro que alguns internautas especularam sobre o verdadeiro motivo do anúncio. Talvez o McDonald’s queira lançar uma nova gama com preços mais altos do que a actual, etc.

Algumas horas mais tarde, a verdade veio ao de cima. O McDonald’s anunciou que o seu novo café vai ser o McCafé. Doze horas depois de interromper a venda de café, o McDonald’s comprou novas máquinas, substituiu o café em grão e começou a dar formação aos funcionários para aprenderem a servir o novo café.

O anúncio do McDonald’s atraiu as atenções. Primeiro anunciam a interrupção da venda de café e poucas horas depois anunciam que vão vender um novo café. Numa era em que toda a informação circula rapidamente, bastam algumas horas para levantar questões e especulações e despertar memórias entre os internautas. A frase “McDonald’s Coffee will retire” é muito instigadora. Porque é que o McDonald’s iria promover um produto que vai ser retirado? Este anúncio é muito diferente dos que o McDonald’s costumava fazer, como “The General Burger is Back” (O General Burger está de volta). Comparando os dois é fácil perceber a mensagem que o McDonald’s tenta passar sobre os novos produtos.

A função mais importante da publicidade é promover novos produtos e atrair a atenção dos clientes. O último anúncio do McDonald’s não tem som, nem actores e foi, portanto, de baixo custo. Inclui apenas uma frase, muito simples, directa, fácil de entender e que pode facilmente provocar polémica, e por isso é muito eficaz. Depois deste anúncio, deve haver muito poucas pessoas que não saibam que o novo café do McDonald’s é o McCafé.

Anteriormente, falámos sobre os residentes de Macau que se dirigem para o Norte para fazer compras e sobre as lojas da cidade que perdem clientes. Se uma loja quiser conservar a clientela, tem de introduzir novos produtos. O comércio tem de ter novos produtos e serviços para atrair os clientes e levá-los a consumir. Quando as lojas de Macau disponibilizarem novos produtos e serviços, devem também anunciá-los de forma simples, directa e de baixo custo e usar essa publicidade como uma ferramenta promocional que chegue a todos os habitantes da cidade. Só assim podem atrair clientes que venham a fazer as suas compras em Macau. A publicidade ao novo café do McDonald’s é um exemplo acabado do que foi dito, os novos produtos e serviços devem ser divulgados através de anúncios engenhosos para serem bem-sucedidos.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

11 Set 2023

O Conselho do mundo

O Conselho de Estado é o órgão de consulta do Presidente da República. Já se realizaram em 50 anos de democracia dezenas de reuniões com os mais diferentes conselheiros. Na semana passada decorreu mais uma reunião do Conselho de Estado. Tratou-se da segunda parte de uma outra que tinha sido convocada em Julho e que terminou apressadamente porque o primeiro-ministro tinha de apanhar o avião para ir ver o futebol na Nova Zelândia, como se isso fosse um problema importante do país.

Desta vez, realizou-se a segunda parte da reunião de Julho, mas vale a pena lembrar que em Julho o Conselho de Estado tinha sido convocado devido aos graves problemas na TAP, e desta vez o Presidente da República teria de continuar a ouvir os conselheiros sobre a TAP, especialmente quando certamente já tinham conhecimento de mais um possível rombo na carteira dos portugueses. Acontece que a ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, deu oficialmente entrada com um processo em tribunal contra a TAP pedindo 5,9 milhões de euros de indemnização. Pouca coisa, que os erros dos governantes e a absurda demissão da antiga presidente executiva da empresa aérea devia ter levado os conselheiros a manifestar ao Presidente da República que Portugal não pode continuar a ser governado com o esbanjamento do nosso dinheiro em indemnizações constantes por dá cá aquela palha.

Inacreditavelmente a comunicação social resumiu a reunião numa análise da situação do país e da situação internacional. Totalmente errado. As nossas fontes informativas são credíveis e disseram-nos ao longo dos tempos que nas reuniões do Conselho de Estado sempre existiram perguntas do Presidente da República, debate entre conselheiros, críticas aos Governos e ao Parlamento e intervenções duras dos primeiros-ministros. Incluindo recentemente, o actual primeiro-ministro António Costa, respondeu a alguns conselheiros críticos da sua governação.

No Conselho de Estado temos as mais diversas personalidades dos mais diferentes quadrantes políticos, nomeadamente Manuel Alegre, Carlos César, Santos Silva, Lídia Jorge (PS); Cavaco Silva, Marques Mendes, Leonor Beleza (PSD) e independentes como António Ramalho Eanes. Neste particular, o povo não entende lá muito bem porque Marcelo Rebelo de Sousa não convidou ninguém do PCP e do BE, mas enfim é o que temos. Quanto a esta última reunião do Conselho de Estado muito se teria passado e com um ambiente tenso e uma coincidência. Comecemos pela coincidência: pela primeira vez sentaram-se lado a lado Lídia Jorge e Cavaco Silva, ambos de Boliqueime, Algarve, com residências perto um do outro e que nem se podem ver. Não sei mesmo se dirigem alguma palavra um ao outro.

Quanto à reunião propriamente dita, Miguel Cadilhe é um crítico acérrimo da governação e tece duras críticas a António Costa pela forma de governar há oito anos sem o país avançar em áreas como a Economia, Saúde e Educação. Marques Mendes é outro dos críticos que indica os erros ou as lacunas do Governo. Carlos César defende a sua dama Açores, por vezes, mesmo contra as posições da maioria absoluta do seu partido. O general Ramalho Eanes já chamou à atenção para o grave problema que se passa nas Forças Armadas, onde cada vez há menos jovens que queiram ingressar nas fileiras militares por as condições não serem apelativas.

Cavaco Silva, sem razão alguma, critica o Governo quando ele próprio fez muito pior. Manuel Alegre é bem conhecido de todos nós e sabemos que nunca na vida ficou calado, antes pelo contrário. O Presidente da República ouve e tira as suas conclusões e quando no exterior se encontra com os jornalistas diz algo sem nexo e salienta que nunca se pronuncia sobre o que se passa nas reuniões do Conselho de Estado.

Bem, desta vez, podia, já que foi confrontado por um jornalista, se na reunião falaram da TAP e da “bomba” dos 5,9 milhões que o Estado (todos nós) terá de pagar à senhora francesa que dirigiu a TAP e que não brinca em serviço. Mas, o mais surpreendente haveria de estar para vir. Qual não foi o espanto do Presidente Marcelo e de os conselheiros quando António Costa não contestou qualquer crítica e nem respondeu a uma sequer pergunta. Simplesmente mudo, durante toda a reunião.

Obviamente que a oposição veio logo aproveitar-se da situação e afirmar que António Costa anda “amuado”. Isto, porque o país vive momentos de crise institucional. Já não bastou a pandemia e a guerra na Ucrânia e agora ainda temos um Presidente da República que andou anos a apaparicar tudo a António Costa e que a caminho do fim do mandato, só porque António Costa não demitiu o ministro João Galamba, passa o tempo a dificultar e a vetar as decisões governamentais. É natural que António Costa se sinta “amuado”, mas disfarça bem. Diz que nada se passa com o Chefe de Estado, que está tudo no melhor dos mundos e continua a andar pelo país já em campanha eleitoral para as eleições europeias do próximo ano. Para nós, resumimos tudo isto a um termo: país adiado.

11 Set 2023

Clímax

[ponto ou grau máximo, estado final da evolução de uma formação vegetal ou de uma outra comunidade biológica em determinado meio. Momento de maior intensidade na acção que vai acelerar o desfecho. Gradação crescente. Origem etimológica do latim; Escala.]

Por tudo isto, e passe a grande esfera da sazonalidade dos órgãos reprodutores, nós estamos metidos num enorme Clímax! Atingimos o ponto «G» o não retorno naquilo que diz respeito às alterações climáticas, onde, e por insistentes exercícios do descaso, fomos firmando com imensa soberba e alienação o estertor dos nossos dias, mas haverá sempre um momento em que olhamos a globalidade e não nos deixamos circundar por “fogos” brandos e olhamos o momento da Terra: e há de facto um alarme gigantesco que percorre a nossa humanidade enquanto todo. Tentar auscultar a grande transformação pode ser tarefa inútil diante de muitos que da vida têm escassos anos para viver com a verdade quimérica que foi ter vivido ainda no melhor dos mundos. O que se passa, ultrapassa, trespassa, qualquer “fogo-fátuo” da cada vez mais inútil acção política, capacidade humana, e poderemos afirmar que estamos perto de mais uma etapa de aniquilação.

Mas, como fazermos? É claro que todas as forças se conjugaram em termos de evolução para que nos fosse permitido firmar a nossa soberania crescente em meio hostil, e sem dúvida que fomos essa espécie vencedora, combativa e intrépida que evoluiu com características quase milagrosas. Tivemos a Terra, tivemos os recursos e transformámo-los, tivemos tudo o que procurávamos por tentativas constantes da vontade, e isso é maravilhoso. Fomos verdadeiros Filhos de Deus, e só agora compreendemos que para que haja de nós memória há que inventar rápido o Filho do Homem. O nosso tempo esgota-se e a noção de humano fenece. Não tenhamos dúvida que este estertor nos há-de mais além levar à desaparição por baixo do sol e não creio que seja num futuro longínquo. Estamos no transbordo de um cataclismo.

O que nos resta fazer é ainda uma grande jornada de incentivo e ajuste pois sabemos que as guerras nos deram grandes planos de como vislumbrar o futuro, e uns com os outros, cingimos as técnicas da reconstrução e adiantámo-nos face ao adversário (e vice-versa) como se a nossa humanidade fosse um inteligente jogo de xadrez, mas o que estamos a viver é outra coisa que ainda não chegou aos códigos desfeitos dos jogadores. Nós estamos sem excepção, todos ameaçados. A Terra nunca nos contou o seu segredo, e nós guardamos poucos em nossas lides existenciais, e o mais trágico é que não sabemos nada dessa origem, e assim, no grande vácuo que nos separa, fomos construindo realidades paralelas que nada servirão neste arrebatamento.

«Valeu a pena a travessia»? Valeu sim! José Mário Branco. Quero dizer que sim, que estou com ele, que foi assim (poderíamos, no entanto, neste caso ter impedido muita coisa) pois nada existe que apague agora desta retina que escreve estas simples linhas, a velocidade a que se foge por uma estrada ao lado de outra onde parece já não haver ter retorno. E fugimos para onde? Muitas dúvidas nos assolam neste tempo transfigurado. É preciso naves e neves, e saber como sair daqui, deixando a quem, em substituição de nós, consiga testemunhar um gigantesco erro universal, que nos mundos vindouros pode ser tido por grande maravilha. A Terra não nos segredou o seu segredo, mas todos a questionámos. Todos, todos, todos.

8 Set 2023

Lula versus Lula

Realizou-se em Belém, no Brasil, em agosto do corrente ano, a quarta cimeira da Organização do Tratado de Cooperação Amazónica (OTCA), em que participaram os Chefes de Estado dos oito países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) em cujos territórios se localiza cerca de 99% da maior floresta tropical. Esta organização foi criada em 1995, mas realizaram-se apenas três cimeiras (1989, 1992 e 2009), antes desta, o que parece denotar pouco interesse pelo papel que deveria desempenhar, ou seja, contribuir para a preservação da Amazónia.

Como resultado desta cimeira foi redigido um documento com 113 pontos, dos quais sobressaem o compromisso de lançar a Aliança Amazónica de Combate à Desflorestação, a criação de mecanismos financeiros para o apoio do desenvolvimento sustentável da floresta e da cooperação no combate aos atentados ambientais de que é frequentemente vítima. Entre estes atentados, além da desflorestação, contam-se a mineração clandestina e a consequente poluição dos cursos de água, o que tem graves consequências para as populações indígenas e biodiversidade.

Partindo do princípio de que a preservação da Amazónia é imprescindível para a sustentabilidade do nosso planeta, também consta da Declaração a necessidade de exortar os países desenvolvidos a cumprirem os compromissos de disponibilizar e mobilizar recursos, incluindo cem mil milhões de dólares americanos por ano para financiamento dos países em desenvolvimento na sua luta contra as alterações climáticas.

Outro dos pontos da Declaração refere-se à criação do Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazónia, que terá como finalidade “promover a troca de conhecimentos e o debate aprofundado sobre estudos, metodologias, monitorização e alternativas para reduzir a desflorestação, impulsionar o desenvolvimento sustentável e evitar que o desequilíbrio ambiental na Amazónia se aproxime de um ponto de não retorno”.

Sem dúvida que a eleição de Lula foi uma vitória para os que zelam pela natureza, mas, passados alguns meses, o amor à Amazónia parece ter deixado de ser tão exacerbado, ou então as pressões são de tal maneira fortes que o Presidente do Brasil parece estar a perder o vigor com que defendia as energias limpas. Apesar de concordar com os que defendem a preservação da floresta amazónica, Lula da Silva deixa transparecer um certo desconforto quando defende o estudo para uma possível exploração petrolífera perto da costa do Estado de Amapá, não muito longe do estuário do rio Amazonas.

Seguindo o mau exemplo da Guiana, que tem faturado largos milhões de dólares com a exploração petrolífera ao largo da sua costa atlântica, a inclinação de Lula em permitir esta exploração tem levantado protestos da população de Marajó, ilha no estuário do rio Amazonas. Os derrames e fugas de petróleo que ocorrem com alguma frequência em explorações deste tipo podem degradar o ambiente aquático, prejudicando a biodiversidade e as comunidades pesqueiras. Poderão também afetar os mangais, ecossistemas sensíveis, imprescindíveis para o equilíbrio ambiental nas zonas de transição entre a costa e o mar nas regiões tropicais e subtropicais.

Entretanto, enquanto no Brasil ainda se discute se esta exploração vai avante, num referendo levado a cabo no Equador, em 20 de agosto último, cerca de 60% dos eleitores disseram sim à interrupção da exploração petrolífera no parque nacional de Yauni, na Amazónia, região caracterizada por ser uma das mais ricas em biodiversidade. Esta decisão veio na sequência da contestação de grande parte da sociedade civil equatoriana, nomeadamente das comunidades indígenas.

Marcio Astrini, diretor do “Observatório do Clima” (organização da sociedade civil que tem como objetivo principal zelar pelas questões relacionadas com o clima e o ambiente no Brasil) manifestou a sua opinião declarando «Esperamos que o governo brasileiro siga o exemplo do Equador e… deixe o petróleo do estuário do Amazonas no subsolo».

Durante a cimeira, também Gustavo Petro, presidente da Colômbia, criticou a falta de firmeza de Lula da Silva no que se refere à exploração petrolífera na Amazónia. Segundo Petro, esta exploração poderá contribuir para que a floresta deixe de ser um sumidouro de CO2 para se tornar num emissor deste gás de efeito de estufa.

Ainda segundo o Presidente da Colômbia, deveria criar-se um tribunal ambiental cujo objetivo seria julgar os crimes contra a Amazónia, que tem sido vítima não só de desflorestação, mineração ilegal e violência contra os povos indígenas, mas também de redes de tráfico de droga.

A cimeira de Belém não teria sido possível caso Bolsonaro tivesse ganho as eleições, na medida em que o ex-presidente é um negacionista convicto das alterações climáticas, tendo mesmo recusado a realização da COP28 no Brasil, o que constituiu um grave atentado ao prestígio internacional do país, atendendo ao compromisso assumido pelo Governo anterior. Durante o seu mandato (2019-2022) acentuaram-se as ações de enfraquecimento da legislação que protegia a sustentabilidade da Amazónia, o que foi uma das causas da desflorestação recorde. Em comparação com o mesmo período antecedente (2015-2018), a desflorestação aumentou quase 150%, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazónia (Imazon), aproximadamente 35.193 quilómetros quadrados, ou seja, quase um terço da área de Portugal.

Na sequência das críticas, Lula da Silva afirmou que o Estado brasileiro tem de tomar uma decisão, mas que não pode deixar de pesquisar. Claro que a Petrogas, contrariamente ao parecer do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), é favorável a esta exploração, argumentando que seria uma maneira financiar a transição energética sustentável, o que é manifestamente um contrassenso.

Há como que uma luta entre dois Lulas, um, defensor das energias renováveis, outro, permissível à exploração petrolífera que poderá afetar o estuário do rio Amazonas. É certo que a exploração seria em pleno Atlântico, já fora da Amazónia, mas suficientemente perto para que eventuais fugas de crude possam afetar o estuário do rio, com as consequências daí resultantes para a biodiversidade. Por outro lado, a implementação de novos projetos de exploração de combustíveis fósseis é contrária ao compromisso assumido pelo Brasil aquando da ratificação do Acordo de Paris em 2016, comprometendo-se a reduzir as emissões de gases de efeito de estufa em 37% até 2025, tendo como referência as emissões de 2005, e em 43% até 2030.

Se o bom senso predominar, o Brasil desistirá da exploração, tanto mais que é autossuficiente em petróleo. Entretanto, Lula da Silva vai assobiando para o lado…

*Meteorologista

7 Set 2023

O gelo certo

A semana passada foi publicada uma notícia na China continental sobre o uso excessivo de gelo nos refrescos de café, de que resulta a perda de concentração e de sabor da bebida.

Este caso não tem muito que saber. Em alguns estabelecimentos da China continental, dois terços dos copos que contêm os refrescos estão cheios de gelo e o outro terço é preenchido pela bebida propriamente dita. Independentemente da porção, concentração, ou sabor dos refrescos, os clientes sentem-se enganados. A avaliação sobre estas bebidas é a seguinte: “têm mais cubos de gelo do que café, e não mais café do que gelo.”

Quando um cliente compra um refresco de café na loja, pode pedir que sejam colocados o número de cubos de gelo do seu agrado. No entanto, se encomendar a bebida através da plataforma online, não é possível especificar o pedido. Isto acontece porque as plataformas não têm opção para indicar o número de cubos de gelo pretendidos.

Esta questão dos cubos de gelo não é nova. Em 2016, um consumidor dos Estados Unidos processou a famosa cadeia de cafés Starbucks e pediu uma indemnização. A Starbucks anuncia que os seus refrescos têm cerca de 7dl da bebida, no entanto, o gelo ocupa parte do conteúdo, pelo que a quantidade da bebida em si é menor. Estamos perante um caso de “misrepresentation” (“deturpação”). “Misrepresentation” é um termo jurídico do direito americano, que significa, neste caso, que a publicidade à bebida não está de acordo com os factos. No anúncio é dito que a bebida tem 7 dl e na verdade não tem. Existe deturpação na venda de produtos, se houver discrepância entre o que é anunciado e o que na realidade é vendido. A criação do termo legal “misrepresentation” tem como objectivo proteger os interesses dos consumidores.

Do ponto de vista do consumidor, a reclamação parece razoável. Mas do ponto de vista dos lojistas, o caso muda de figura. Como é que se pode servir uma bebida gelada se não tiver gelo? Em segundo lugar, temos de nos perguntar qual é o padrão que estabelece a quantidade de cubos de gelo que um refresco deve ter? Suponhamos que estabelecemos um padrão segundo o qual 3 dl de gelo é demasiado e 1,5 dl é pouco. Então, devem os consumidores pedir aos lojistas que meçam a quantidade de gelo que vão juntar às bebidas? Esta exigência iria criar um aumento da carga laboral da loja, uma diminuição da eficiência e um aumento do tempo de espera para ser atendido. Além disso, assumindo que a loja aceitava esta imposição, deveremos reflectir sobre o processo de vendas online. Uma bebida que vai ser entregue, pode levar 15 minutos a chegar ao seu destino, se, antes de sair da loja, lhe for adicionado apenas 1,5 dl de gelo, o mais certo é estar todo derretido quando chega ao cliente. A bebida gelada transforma-se numa bebida tépida. Se os consumidores reclamarem por este motivo, como é que as lojas podem lidar com a situação? Nos negócios, tem de se lidar com muitas questões.

A lei que define a “misrepresentation” e a exigência que os comerciantes anunciem os seus produtos de forma a reflectir a realidade, pretendem defender os direitos dos consumidores. Mas podemos pensar sobre o assunto, um copo de refresco de café custa menos de 50 patacas. Se um consumidor processar uma loja porque a bebida tem gelo a mais ou gelo a menos, que indemnização deve receber? Apenas 50 patacas? Os processos implicam muito tempo e dinheiro. Que sentido é que faz processar alguém para se receber 50 patacas de indemnização?

Evitar conflitos é a melhor forma de lidar com este tipo de problemas. Se o software da plataforma de encomendas online não tem a opção para escolher o número de cubos de gelo pretendido, deve passar a ter. As lojas também devem indicar nos menus que o cliente pode pedir a sua bebida com mais ou menos gelo. Desde que o cliente tenha escolha, o problema está resolvido à partida. Se os clientes continuarem insatisfeitos com a questão da quantidade de gelo, pedem à loja que lhes substitua a bebida por outra mais a seu gosto. Se a loja recusar a substituição do produto, o cliente pode considerar não voltar a comprar naquela loja produtos semelhantes. Estas medidas são mais eficazes e práticas do que pedir uma indemnização e levantar um processo.

No tempo quente, um refresco pode trazer alegria e prazer aos consumidores, não insatisfação e processos jurídicos. Esperamos que todos esqueçam os sentimentos negativos e desfrutem em conjunto dos refrescos de café.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
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6 Set 2023

Ser toda a gente e toda a parte

Os falantes de cantonense gostam de brincar com os sons das palavras e, por isso, como 2 (yi) é homófono de “fácil”, 22 será “fácil- fácil”, ou seja, um número positivo, benevolente, prenunciador de boa fortuna. Ora para o Hoje Macau, que neste dia 5 de Setembro de 2023 completa 22 anos, o actual estado do sítio não pode ser considerado “fácil”. Porque não o é.

Connosco estão milhares de cidadãos de Macau cujas vidas foram profundamente alteradas pela pandemia. Pessoas cuja sobrevivência não depende dos turistas, não têm a sua sobrevivência ligada ao Jogo, mas que transformam esta cidade em algo mais que um gigantesco casino. São as pessoas reais, com problemas reais e vidas realmente prejudicadas e cuja retoma parece nunca mais chegar.

É certo que o Jogo retomou os seus lucros e os respectivos impostos ajudam o Governo a encher os cofres, esvaziados em parte pela incompetência demonstrada nos investimentos. Como também é certo que isso não abrange grande parte da população. São inúmeras as vozes que exigem ao Governo mais criatividade de modo a resolver os problemas deixados por três anos de inércia. Mas parece que Ho Iat Seng, tal como o seu antecessor, tem dificuldade em ouvir os lamentos da população. Ou, então, não encontra meios de responder de forma satisfatória.

De algum modo, este Executivo está a desapontar a população que tanto acreditou nele e, sobretudo, na existência de uma real proximidade. Só que quando as dificuldades apertam vemos o Governo preocupado com o futuro quando todos gostariam que se preocupasse com o presente, porque esse é que é o real, a vida de todos os dias, na qual temos cada vez mais dificuldades de manter a qualidade prometida.

Não, não nos esquecermos da promessa de Edmond Ho de uma “sociedade de excelência”, reafirmada por Chui Sai On. Quando todos os dias vemos que as pessoas, ali do outro lado das Portas do Cerco, dão por crescimento da sua qualidade de vida, como podemos encarar facilmente a regressão de Macau? A pandemia não servirá de desculpa para tudo. Encaremos o futuro com respeito mútuo, benevolência e sabedoria.

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Neste mundo que se quer e que vai ser multipolar, o Hoje Macau tenta cumprir o seu papel. Isto é, dar a conhecer em língua portuguesa esta extraordinária civilização que aqui nos acolhe e cujo papel no planeta não pára de crescer.

Como sabem os nossos leitores, temos publicado diariamente, na nossa secção “Via do Meio”, numerosos artigos sobre cultura chinesa que, trimestralmente, são refundidos numa revista. Chegamos este mês ao nosso terceiro número, que em breve estará disponível.

Só que, entretanto, Macau transborda para Portugal e o primeiro número da “Via do Meio” vai, ainda este Setembro, ser publicada em lusas terras. Cumprimos assim o nosso desiderato de não fazer de Macau um ponto abúlico, mas sim um centro de divulgação da língua portuguesa no Oriente, um lugar de tradução de chinês para português, uma cidade onde existe, a par com um Fórum económico, uma produção cultural que aproxima a China dos países onde se fala a língua portuguesa.

Pretendemos assim desempenhar o papel indicado por Agostinho da Silva que, em palavras transmitidas por Luís Sá Cunha, terá afirmado que é tempo de os portugueses empreenderem o caminho inverso ao que percorreram nos Descobrimentos, ou seja, ao invés de trazer a cultura Ocidental para o Oriente, levar a cultura Oriental para o Ocidente, isto é, unir o que se encontra separado. Porque esse foi sempre e deve continuar a ser o nosso papel, o nosso sonho, o nosso desejo íntimo, fundado na Batalha de Ourique, desenvolvido por António Vieira, refundido por Pessoa e recuperado por quem sonhou Abril: ser toda a gente e toda a parte.

5 Set 2023

A loucura de um beijo

Quem prefere sintonizar os canais de televisão de notícias do país, do mundo e do desporto ficou na semana passada absolutamente atordoado com a decisão editorial nos referidos canais. O país vive momentos de grande dificuldade, os cidadãos que optaram por comprar casa estão desesperados com o aumento das taxas de juros e o consequente aumento da prestação mensal, em alguns casos, já subiu para o dobro.

As famílias que optaram pelo arrendamento andam desesperadas com o possível aumento de sete por cento nas rendas no próximo ano devido à subida da inflação, caso o Governo não venha a travar esse aumento. Nos hospitais prevalece o caos, os médicos entram em greve e as cirurgias e as consultas ficam para as calendas atingindo milhares de portugueses. No corredor de um hospital, um idoso com 96 anos esteve seis horas à espera de atendimento e veio a morrer. Uma jovem de 23 anos, grávida, teve alta do hospital depois de ter manifestado que não se sentia bem.

Assim que saiu da unidade hospitalar veio a falecer. Os agricultores continuam a não receber as ajudas que já foram prometidas há dois anos. O Presidente da República vai continuar a viajar para o estrangeiro. Passam-se no seio da administração pública os factos mais mirabolantes, como o do Joe Berardo, que só de uma vez levantou 350 milhões de euros, sem garantias, da Caixa Geral de Depósitos e depois foi comprar acções no Banco Millennium e anda à boa vida num luxo inacreditável e a anunciar que vai abrir mais museus quando os crimes cometidos foram tantos que há muito devia estar na prisão, como ficou provado nas páginas da revista Sábado.

E com tanta matéria para noticiar, as nossas televisões não tiveram mais nada para divulgar diária e consecutivamente, se não um beijo que o presidente da Federação de Futebol espanhola, Luis Rubiales, deu na boca de uma jogadora da selecção nacional feminina que tinha acabado de se sagrar campeã mundial. Mas, as sessões nos canais televisivos foram seguidas, repletas dos mais variados comentadores, com defensoras dos direitos das mulheres, com a suspensão de Rubiales pela FIFA. Um absurdo total. Uma total loucura.

Mesmo no desporto, a semana foi fértil em transferências de jogadores, o Benfica estava a comprar e a vender jogadores, o Sporting e o FC Porto a mesma coisa e as televisões apresentavam um minuto sobre esse assunto. Ora vejamos: primeiramente quero dizer-vos que um amigo que reside em Madrid, informou-me que há muito que se falava de uma relação íntima entre Rubiales e aquela jogadora.

Depois, se repararem bem, na imagem que publicamos, a jogadora abraçou apertadamente o presidente da Federação de Futebol espanhola e no momento do beijo na boca ainda está a abraçá-lo. Tudo o resto são tretas, oportunismos de associações pseudo defensoras dos direitos das mulheres. Se o presidente Rubiales tivesse entrado no balneário das jogadoras quando elas estiveram completamente nuas a tomar o duche, bem, isso era um crime grave, era um abuso sem perdão, era motivo de noticiários constantes.

Agora um beijo na boca de um homem a uma mulher que, pelos vistos, conheciam-se muito bem, é uma vergonha jornalística o que se passou nos canais televisivos. E ainda mais, como hoje em dia está na moda, se tivesse sido um beijo entre dois homens ou entre duas mulheres nada aconteceria. Se pretendem ser verdadeiramente fundamentalistas, então a FIFA que decida rapidamente que as equipas de futebol femininas terão de ser treinadas por uma mulher, terão de criar uma Federação de Futebol Feminino presidida por uma mulher, os massagistas terão de ser todas mulheres tal como já acontece com as árbitras. De resto, colocar um presidente de uma Federação de Futebol importante como é a espanhola, como um criminoso, como um escroque, um bandido que teve o desplante de beijar na boca uma jogadora, eivado daquela emoção natural de ser campeão mundial, é de bradar aos céus.

O jornalismo português está a passar por uma fase degradante. Não temos um jornal onde se possa ler algo de independente. Agora até veio a lume uma escandaleira que deixou todos os jornalistas sérios de cara à banda. O Governo quer decidir o pagamento acrescido de 40 por cento do salário dos jornalistas. Isto, é comprar os jornalistas, é acabar totalmente com a liberdade de um jornalista, é condicionar a crítica ou a investigação a actos governamentais. Oferecer mais 40 por cento do salário que tenha o jornalista em Portugal? É inacreditável e vergonhoso se isso vier a acontecer. Por que razão o Governo não decide apoiar as empresas proprietárias de órgãos de comunicação social e estas, sim, aumentarem os salários dos jornalistas? Seria mais decente e os jornalistas possivelmente deixariam de se preocupar com um beijo na boca de um homem a uma mulher…

4 Set 2023

Quando um grão de trigo morre

A Bíblia diz que se um grão de trigo cai na terra não morre, fica só; mas se morre, produz muitos frutos.

Recentemente, recebi três mensagens. A primeira vinha de uma empresa que costumava anunciar os seus serviços no jornal “Observatório de Macau”, perguntando se o jornal tinha retomado a sua actividade, depois de um ano de suspensão. O “Observatório de Macau” é um semanário dirigido pela Associação de Leigos Católicos de Macau. Eu (sendo o director voluntário do Observatório de Macau) fui informado pela Associação de Leigos Católicos de Macau em Janeiro de 2022, que se estava a planear interromper a actividade do jornal depois da Páscoa.

Como o “Observatório de Macau” já tinha recebido as cotas anuais dos seus muitos subscritores para esse ano, enquanto director voluntário, pedi que se continuasse a publicá-lo ao longo do ano antes da suspensão. Mesmo sem contratar funcionários a tempo inteiro para nos candidatarmos ao subsídio do Gabinete de Comunicação Social, acreditava que conseguiríamos manter o jornal a funcionar através de donativos, tal como tínhamos feito quando começámos e ainda não havia apoios do Governo. O “Observatório de Macau” foi publicado até Junho de 2022, e terminei nessa altura a minha colaboração voluntária de mais de 27 anos com este jornal. Já passou um ano sobre este acontecimento e os frutos ainda não surgiram.

A segunda mensagem vinha de um colunista de outro semanário a comunicar-me que ia fazer uma pausa na sua escrita. Sou seu amigo e sei que esta decisão se deve a motivos estritamente pessoais, sobretudo a um grande cansaço. Dado o seu grande patriotismo e amor por Macau, teve de lidar com várias pressões invisíveis como colunista e eu compreendo a sua posição. Possivelmente ter feito uma pausa foi a escolha mais acertada nesta fase e, no futuro, podem vir a germinar mais sementes.

A terceira mensagem dizia respeito ao falecimento de Ng Sio Ngai, directora do jornal online “All About Macau”. Conheci Ng Sio Ngai depois do incidente de Tiananmen, em 1989. Ela e outra jornalista de apelido Tam abordaram-me para uma entrevista. Como membro de um grupo de cristãos preocupados com a Lei Básica, aceitei dar a entrevista e essa foi a minha primeira experiência com a imprensa. Passaram muitos anos desde essa altura, Tam mudou de carreira, ao passo que Ng Sio Ngai permaneceu firmemente na linha da frente do jornalismo. Ng acompanhou a elaboração e a promulgação da Lei Básica de Macau e testemunhou o regresso da cidade à soberania chinesa. A sua paixão de décadas pelo jornalismo acompanhou verdadeiramente o crescimento e a transformação de Macau.

Para ter mais espaço de expressão, Ng fundou o “All About Macau”, ao mesmo tempo que continuava a trabalhar diariamente num jornal local, lutando incansavelmente pela liberdade de imprensa e pela liberdade de expressão em Macau. Nos últimos anos, os desafios colocados ao sector da informação em Macau aumentaram, com a substituição da imprensa escrita pelos jornais online. Neste ambiente mais instável, a presença de jornalistas idealistas e pró-activos como Ng Sio Ngai é essencial. Infelizmente, a energia humana é limitada e, tal como o trigo, chega a hora do seu definhamento. Mas acredito que o desejo de Ng Sio Ngai seria que este grão de trigo viesse a ar muitos frutos no futuro.

Morreu um grão de trigo. A capacidade de vir a dar muitos frutos depende de várias condições, mas sem os “grãos”, ou sementes, a humanidade pode perecer. Depois de me dedicar muitos anos a um trabalho voluntário na área das publicações, só tenho uma convicção, “Ai de mim se eu não pregar o Evangelho”, porque espalhar a palavra de Deus é o dever de todo o cristão. Se não quisermos ver Macau vir a tornar-se uma cidade morta e um deserto cultural, temos de criar um ambiente favorável para que os “grãos de trigo” mortos tenham a possibilidade de vir a dar origem a muitos outros “grãos”.

31 Ago 2023

Trabalhar depois da reforma

A semana passada, os jornais de Hong Kong assinalaram que alguns deputados do Conselho Legislativo defendem que o Fundo de Previdência Obrigatório (MPF sigla em inglês) deve ser abolido devido ao fracasso do esquema de investimento. Nas primeiras três semanas deste mês, as perdas no investimento do MPF atingiram os 5,31 por cento. O Fundo de Previdência Obrigatório começou a operar a 1 de Dezembro de 2000. Desde então, existiram apenas 13 ocorrências de perdas que excederam os 5 por cento. Esta perda eliminou 80 por cento do rendimento do investimento nos primeiros sete meses de 2023.

As perdas no investimento no MFP afectam o rendimento dos reformados. E porque é que este problema é tão grave? De acordo com os dados publicados pelo Hong Kong Census and Statistics Department (Departamento de Estatística e Censo de Hong Kong), em 2022, Hong Kong tinha 7,29 milhões de habitantes, sendo que 1,52 milhões ultrapassaram os 65 anos, o que significa que 20.9 por cento, ou 1/5, da população é idosa. O Census and Statistics Department prevê que em 2037, os idosos representem 30 por cento do total da população de Hong Kong.

No ano financeiro de 2022-23, a despesa estimada do Governo de Hong Kong com serviços de apoio aos idosos é de cerca de 15 mil milhões de dólares de Hong Kong (HKD), um aumento de cerca de 74 por cento em relação aos cerca de 8,6 mil milhões do ano financeiro de 2018-19. Embora os serviços de apoio aos idosos impliquem vários tipos de despesas, a pensão de velhice dada pelo Governo local às pessoas com mais de 70 anos, é de apenas 1,475 HKD mensais. Obviamente, esta quantia não é suficiente para cobrir as despesas de sobrevivência.

De acordo com os regulamentos das Nações Unidas sobre esta matéria, quando a percentagem de idosos se situa entre os 14 por cento e os 20 por cento do total da população, estamos perante uma “sociedade envelhecida”; mais de 20 por cento significa uma “sociedade super-envelhecida”. O envelhecimento da população implica que o ónus dos cuidados dos idosos, que recai sobre os filhos, vai aumentar. Em 2019, em Hong Kong, 3,3 pessoas no activo tinham a seu cargo 1 idoso. Prevê-se que em 2031, este rácio seja de 2 pessoas no activo por cada idoso. Em 2037, apenas 1,7 pessoas no activo vão ter a ser cargo 1 idoso, e em 2069, a relação será de 1,4 para 1.

Segundo um inquérito realizado este ano em Hong Kong, sobre as despesas que os filhos têm com o apoio a pais idosos, 43 por cento dos inquiridos dá 3.000 e 6,000 HKD por mês aos pais para que eles possam sobreviver, 24 por cento dá entre 6.000 e 10.000 HKD; 15 por cento dá 10.000. O inquérito também mostra o índice de satisfação dos pais com o apoio que recebem dos filhos. De um total de 10 pontos, a média do nível de satisfação dos pais foi de 6,9, o que reflecte que no geral estão satisfeitos com o apoio financeiro que recebem dos filhos.

A partir daqui, sabemos que a pensão de velhice paga pelo Governo, mais as mensalidades do MPF, juntamente com o apoio prestado pelos filhos, não garantem protecção suficiente aos idosos. Então, o que devem os idosos de Hong Kong fazer depois da reforma?

Singapura anunciou recentemente um “Programa de Encorajamento ao Emprego de Pessoas de Meia-Idade”, com um orçamento de mais de 40 mil milhões de HKD. O objectivo é encorajar as pessoas que têm entre 50 e 60 anos a continuar a trabalhar depois da reforma. Embora as notícias não especifiquem em detalhe os conteúdos do programa, o seu objectivo é louvável. Como a população idosa de Hong Kong continua a aumentar, os apoios sociais também terão de aumentar. A taxa de natalidade em Hong Kong é baixa, com tendência a diminuir, o número de filhos por casal é cada vez menor, e as despesas que cada pessoa terá para poder sustentar os pais na velhice vão aumentar. Este problema não é apenas do Governo de Hong Kong, mas também um problema dos idosos e dos seus filhos.

Macau vai passar a ser uma sociedade envelhecida em 2026, quando a população com mais de 65 anos atingir os 14 por cento. O Governo de Macau paga Pensões de Velhice e o Subsídio para Idosos, que no total excedem largamente o valor pago em Hong Kong, mas com o aumento da população idosa, esta despesa vai também aumentar. Macau espera implementar o “Regime de Previdência Central Obrigatório” em 2026, quando o Fundo criado para o efeito tiver poupanças suficientes. Embora existam diferenças entre as taxas de natalidade de Macau e de Hong Kong, em Macau esta taxa também está a diminuir, e o encargo financeiro dos filhos que apoiam os pais aumentou.

Talvez possamos considerar o programa de Singapura ” Encorajamento ao Emprego de Pessoas de Meia-Idade ” para solucionar os problemas financeiros dos idosos, estimulando a manutenção do trabalho depois da reforma. Embora não exista qualquer disposição na Lei das Relações de Trabalho que estipule a idade da reforma aos 65 anos, este conceito está profundamente enraizado na mente das pessoas.

Talvez se possa considerar uma alteração da lei para que os empregadores venham a negociar com os empregados quando eles atingem os 65 anos: se os últimos assim o desejarem, reformam-se, se não, poderá haver uma extensão do contrato de trabalho possivelmente em regime part-time. Até certo ponto, isto iria reduzir os encargos económicos do Governo e os idosos poderiam fazer as suas próprias escolhas. Além disso, o encargo financeiro que recai sobre os filhos não seria tão pesado. Esta medida beneficiaria a sociedade, os idosos e os seus filhos. Este modelo poderá aplicar-se a Hong Kong em moldes basicamente semelhantes.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

30 Ago 2023

BRICS: ideias absurdas?

A reunião do BRICS na África do Sul foi alvo de grande atenção internacional. Quatro dos actuais membros do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul– pertencem à antiga rota que partia de Lisboa até ao Extremo Oriente.

Nos séculos XVI e XVII, os navios que saíam de Portugal para a Ásia, iam muitas vezes primeiro até à costa do Brasil, e só depois atravessavam o sul do Atlântico, em direcção à África do Sul. Daí continuavam até à Índia e da Índia navegavam até Macau. Voilà, para colocar a questão em termos idealísticos: a velha Carreira da Índia e a Carreira de Macau “prefiguraram” a liga BRICS ou, com ela, tiveram alguns pontos em comum.

Por isso, se as cidades portuárias puderem de per se candidatar-se a um estatuto especial no seio da aliança BRICS, Macau estará certamente qualificado para se tornar um membro especial deste sistema, como observador, colaborador com experiências culturais históricas multifacetadas e portador de uma vasta experiência no sector financeiro.

O passado de Macau leva-nos até Portugal e à Europa. A UE tinha e continua a ter bastante abertura de espírito, mas ainda pode ir mais longe. Em teoria, vários países da UE, como a Alemanha, também podem candidatar-se a integrar o BRICS.

E porque não? Seria isso um absurdo? Sem dúvida que seria uma provocação. No entanto, pode não ser totalmente despropositado. Pensemos nessa opção. As actividades coloniais alemãs, no período que precedeu a I Guerra Mundial, foram de curta duração, Berlim já pagou muito pelas suas dívidas. Mas também, à semelhança de muitos membros da UE, tem tentado encontrar um equilíbrio entre os extremos políticos.

Países mais pequenos como a Áustria também seguem essa linha; caminham cuidadosamente no “trilho intermédio”, uma espécie de zhongyong zhi dao 中庸之道. Sem dúvida que, por vezes, a UE parece ter as mãos atadas, a maior parte dos países que a integram são membros da NATO / OTAN e podem ser um obstáculo à ideia da candidatura de qualquer um dos seus parceiros ao BRICS. No entanto, qualquer estado é livre de aderir a ligas e organizações diferentes, bem como de as abandonar. Assim sendo, integrar o BRICS, enquanto membro da UE (e da NATO / OTAN) deve ser possível…

É evidente que os “Vikings” Protestantes e os “Normandos” têm pontos de vista diferentes sobre o assunto. No entanto, eles próprios têm muitas contas para ajustar. Não há melhorias à vista. Londres abandonou a UE e subordinou-se aos Estados Unidos. Quer Londres quer Washington têm muitas dívidas morais e de outros géneros, mas não têm vontade de as saldar e não querem corrigir os seus actos.

Para eles, a velha fórmula “O Ocidente e o resto do mundo” continua a ser válida. Por isso mesmo, desvalorizam a importância do BRICS, mas temem esta estrutura imensa. Além disso, começaram já a tomar “medidas preventivas”, por exemplo, através da criação da aliança militar AUKUS. Para eles, a gestão dos órgãos de comunicação social e da opinião pública é muito importante porque procuram incansavelmente impor o seu pensamento e preocupações aos outros.

Como é evidente, o “Ocidente” não existe. A ideia de valores partilhados entre os belicosos anglófonos e a UE faz pouco sentido. Muitos europeus são diferentes: identificam-se com o universo mediterrânico, interessam-se pela “Rota da Seda”, e desejam cooperar com o “Sul”. Por conseguinte, o conceito de “Ocidente” – enquanto entidade que deve resistir teimosamente ao BRICS – não é mais do que uma ferramenta retórica instrumentalizada pelos anglófonos; é usada para unir artificialmente todos os que supostamente seguem Washington. No entanto, a realidade não é assim. De forma alguma.

No que diz respeito a Portugal, Lisboa deseja estar de boas relações com a China. A Itália já é outro caso. É certo que algumas notícias causam uma certa preocupação, mas, no actual estado de coisas, as relações entre Pequim e Roma são aceitáveis. Sim, frequentemente os políticos da UE encontram-se divididos entre opiniões diferentes.

Provavelmente o mundo não teria de ser assim se eles se conseguissem libertar da influência anglófona. Podemos perguntar o que aconteceria, se Bruxelas não fosse ofuscada pelos seus próprios órgãos de comunicação, nem pela estranha propaganda sistematicamente distribuída pelos “espartilhos de pensamento” de Washington e de Londres, fundações, imprensa académica, serviços secretos e outros canais?

Há quem diga que os estados que integram o BRICS sonham com uma nova moeda. Tudo bem, o BRICS crescerá; já foi decidida a aceitação de novos membros e a ideia de introduzir uma moeda comum é uma visão interessante para o futuro. É claro que ninguém sabe se esta ideia se chegará a materializar. Mas, na verdade, talvez um dia as coisas avancem, rapidamente e com muito entusiasmo. Poderemos chegar a uma fórmula aceitável de co-existência lucrativa entre duas moedas “supra-nacionais”, o novo “dinheiro” dos BRICS, seja qual for o seu nome e o seu conceito financeiro, e o Euro europeu.

O Euro não é a moeda do “Ocidente”, não é um apêndice do dólar americano, não é algo controlado pelos anglófonos. É uma “entidade” com vida própria. Acima de tudo, é um símbolo da união entre diferentes nações e etnias, um símbolo que vai ajudar os europeus a construir pontes entre si, para ultrapassarem as dissidências. – Não dizemos sempre que a cooperação é uma coisa boa? De facto, construir organizações supra-nacionais, quer sejam políticas, económicas ou outras, é algo de formidável, desde que essas organizações defendam causas justas e que se prestem a ajudar a reduzir as tensões desnecessárias entre regiões rivais e, como é óbvio, desde que não se transformem em instrumentos de exploração dos mais fracos.

Quem promove a competição argumenta de outra forma; afirma que a competição é justa, que tem sempre de haver vencedores e vencidos. Os macacos mais inteligentes e mais fortes ganham sempre. Estes pontos de vista, que são claramente ensinados por economistas do mundo inteiro, são parcialmente incompatíveis com o conceito de direitos humanos. Só servem os macacos musculosos. Os princípios económicos, a maximização dos lucros, a competição “de faca apontada ao peito” do “American Style” – tudo isso em conjunto, leva os anglófonos a roubar as bananas e a dominar os outros.

O BRICS procura a equidade. Embora os seus membros sejam muito diferentes uns dos outros, partilham uma visão comum e essa visão pode estar muito mais próxima da esfera das expectativas humanas do que aquilo que pensamos. Não será esta uma boa razão para alguns países da UE considerarem uma candidatura ao grupo BRICS?

Será que estou a levar as coisas longe demais? – O velho princípio mediante o qual devemos respeitar todas as nações, todas as etnias, ou seja, “todos debaixo do mesmo céu” (tianxia 天下), é uma opção aceitável. Um sonho versátil, uma aspiração maravilhosa. Pode aplicar-se a indivíduos, grupos e estados. É uma questão do passado e uma questão actual. O que o BRICS pretende é apenas isto; respeito mútuo e a tolerância. O BRICS defende a não interferência nos assuntos internos de cada um. No que diz respeito à alegada competição entre a Índia e a China, enormemente inflacionada no chamado “Ocidente” – existem razões para suspeitar que muita da propaganda é intencionalmente distribuída pelo anglófonos, que continuam a espalhar esta narrativa ao longo do mundo “livre”, mas não é algo que possa destruir o grupo BRICS.

Anteriormente mencionámos o pequeno Macau. Macau parece ter incorporado, em miniatura, algumas das ideias inerentemente presentes no sonho BRICS. Por outras palavras, Macau é como uma mini-versão de um conjunto complexo, ou uma multi-facetada composição, mas que não deixa de ser harmoniosa. Talvez tenha sido sempre assim ao longo da sua História. Vamos supor que sim. Por isso, não seria também maravilhoso se agora, num período tão perigoso em termos de política mundial, dois ou três países da UE, encorajados pelos exemplos da História, decidissem abrir as suas portas de par e par?

28 Ago 2023

Promessas do “rei” dos pobres

Nunca entendi a razão de um Presidente da República viajar tanto para o estrangeiro. É um cargo sem decisão governamental, mas vai a todo o lado mais assemelhando-se a um primeiro-ministro. Marcelo Rebelo de Sousa viajou para a Polónia, sede da estratégia da guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Ninguém ficou a saber o que é que Portugal ganhou com a sua ida à Polónia. De seguida viajou 10 horas de comboio para a Ucrânia.

Logo à chegada, prometeu este mundo e o outro. Que Portugal apoiaria sempre económica e militarmente a Ucrânia. Isto é o absurdo total. Prometer apoio económico e militar? Isso é para os países ricos onde o capitalismo tem o maior interesse que as suas fábricas de armamento estejam sempre a facturar. E Marcelo acrescentou o absurdo, que Portugal pode ajudar a Ucrânia na investigação dos crimes de guerra, quando esse assunto já há muito que está entregue ao Tribunal Penal Internacional. Com a agravante de as investigações judiciais no seu país levam anos por decidir algo. Sobre o que disse o presidente Marcelo sobre a Crimeia, apesar de ler muito, não leu que a Crimeia é território russo desde a guerra entre a Rússia e a Turquia (1877-1878).

O Presidente português prometeu este mundo e o outro, sem pensar no que tem em casa. Como é possível prometer ajuda económica se na economia portuguesa vivem-se momentos trágicos, com o povo cada vez mais pobre, sem poder comprar ou arrendar uma casa; que os agricultores não cessam de pedir ajuda e em consequência os preços dos produtos alimentares aumentam todas as semanas; que os jovens emigram às centenas por falta de trabalho; que temos reformados a receber 200 e 300 euros mensais; que os hospitais não têm médicos e enfermeiros; que o povo vai às três horas da madrugada para uma fila junto dos centros de saúde para conseguir uma senha de consulta médica; que doentes morrem em macas nos corredores dos hospitais depois de esperarem mais de seis horas por atendimento; que os sem-abrigo aumentam todos os meses pelas ruas das cidades do país, só na avenida de Roma, em Lisboa, dormem no chão todas as noites seis sem-abrigo; que os bombeiros queixam-se por falta de meios no combate aos fogos; que os novos oficiais de justiça vão vencer uns míseros 800 euros mensalmente; que mais de 20 por cento dos portugueses não puderam fazer férias e que a economia paralela que foge ao fisco prejudica o país em milhões de euros.

No campo militar, o tal que o Presidente Marcelo também prometeu ajuda à Ucrânia, o senhor esqueceu-se que as Forças Armadas vivem um tempo de desânimo devido à falta de jovens que queiram ingressar nas fileiras militares; que o Exército tem material obsoleto, que a Força Aérea pensa vender alguns aviões F-16 por não haver financiamento necessário para o seu sustento e pela redução constante do número de pilotos; que a Marinha tem fragatas nos estaleiros a aguardar financiamento para restauração.

Apoio militar à Ucrânia? Mas que tipo de apoio? A Ucrânia está a receber apoio militar e económico dos mais variados países, começando pelos Estados Unidos da América. E será este Portugal pequeno e pobre que vai ajudar a manter uma guerra? Por que não falou o Presidente Marcelo em paz. A paz é que tem de ser negociada o mais depressa possível. As famílias ucranianas e russas já ficaram sem milhares de filhos mortos em combate. Os ataques de uma guerra injusta matam crianças acabadas de nascer e não é a paz o mais importante que se tema de debater em todos os quadrantes políticos, especialmente quando fala um Presidente de um país que só tem dificuldades de sobrevivência?

Temos de ser sérios e independentes, porque somos infimamente pequenos e pobres. Nem sequer se constroem bairros sociais, lares, creches com dignidade e vamos prometer à Ucrânia que terá todo o apoio de Portugal? É difícil compreender este tipo de política, ao fim e ao cabo, totalmente oficial, porque o Presidente Marcelo levou consigo o ministro dos Negócios Estrangeiros, dando obviamente o aval a tudo o que de absurdo foi pronunciado pelo chefe do Estado português.

A Rússia invadiu a Ucrânia e a resposta foi imediata por parte dos países da NATO. Para quê? Para eternizar a guerra até ao infinito? Deixemo-nos de fanfarronices, mas apelem e tudo façam para que a paz seja uma realidade. Já chega de se ganhar milhões de dólares americanos e de euros no fabrico de armamento para enviar para a Ucrânia. Só faltou que o Presidente Marcelo tivesse dito que Portugal oferecia os seus F-16 que nunca ninguém compreendeu porque adquirimos tal tipo de aviões. Salazar foi um dos maiores fascistas do mundo político e manteve-se neutro durante a guerra e nós orgulhamo-nos de pertencer à NATO sem ter um fósforo para acender um cigarro…

28 Ago 2023

Deus ex machina

2 – Rezar a deus em tempos de GPT

Não tinha chegado à ideia de Deus, ou da IA, na crónica anterior. Nem vou chegar. Espreito, talvez, emboscada por debaixo de uma intuição, esse cruzamento de caminhos virtuais no ponto inexacto da encruzilhada em que imaginei que uma coisa e outra se encontravam. A essa ideia de Deus, quero dizer, cruzada com a ideia de Natureza. E do que é natural imaginar. E a IA, a derradeira utopia. Imaginada, passará a imaginar por nós.

Penso na expressão de Francisco d’Holanda: “Do tirar polo natural”, centrar a aprendizagem do ver o mundo, na experiência directa do olhar e do sujeito contemplado – é assim que caracteriza “o natural” – e não no que já foi visto, registado e processado por algo ou alguém. Tão actual se pensarmos que hoje cada vez mais se substitui essa experiência directa pela busca virtual. E depois questiono sobre o grau de naturalidade da inteligência, do pensamento e de qualquer outro produto do cérebro. As alucinações, sonhos, e as outras, criadas ou corrigidas com medicamentos ou drogas.

E Deus, criado à medida dos humanos. Que, de acordo com Zizec, retirou Cristo do convívio (natural?) com os mortais (como aquele feiticeiro mau, de uma história de encantar, retirou o mar durante a noite, enrolando-o como a um tapete). Por ineficácia. Demasiado humano para os humanos, sem o que os transcende e não identificam num igual. Etéreo, mantém a expectativa da salvação.

Há por aqui uma humanidade exausta a trabalhar para se tornar inútil no que a distingue. Na necessidade de uma ideia de Deus, inventa-a e depois uma inteligência à sua semelhança, mas maior, megalomania de poder e domínio do saber, mas que pela rapidez – que não vai ser possível acompanhar – por lhe ser possível criar novas ideias e por poder tomar decisões, gerará seguramente uma independência relativamente aos humanos, sobrenatural. Como um novo deus, criado, com infinitas possibilidades de manipular, intervir e castrar. Seduzir e substituir.

Rezar. Baixinho ou inaudivelmente, na obscuridade magica de uma capela, ou por dentro da cabeça. Preces dirigidas ao alto, nas nossas melhores palavras. Sem reparar, nas aflições, se as concordâncias estão impecáveis, a ortografia. Mas reza-se, hoje, em redes virtuais, colocando ao mesmo nível conhecidos e desconhecidos e Deus. Um atalho novo. Mas nunca encontramos “essa” página. Por escrito, sobram visíveis as imperfeições do humano quando se expressa. Como será apetecível, embarcar sem retorno nesta modernidade tecnológica e mandar produzir preces, por medida. Como as cartas escritas por encomenda, daquelas de antigamente, quando se escreviam cartas e cartas de amor. E alguém generoso ou por dinheiro as alindava, para as enviar quem não as sabia escrever. Ditadas, explicadas no sentido ou confiadas cegamente à imaginação de quem escrevia. Um pequeno escriba de bairro, uma vizinha, uma neta miúda. Também o fiz, há muito tempo para alguém que não tinha aprendido a escrever e a ler. Ela ditava e eu estendia um pouco o assunto. Era a voz dela, corrigida na sintaxe, mas nunca no sentido.

Já não se usam cartas. Aqueles textos longos, suados e esperados, descritivos. E não é porque, tendo meios mais imediatos, não vá a alma esmorecer na espera. É porque se diz menos, muito menos, ou nada.

A pensar que, assim como se pode recorrer ao chatGPT para uma prece, um artigo de opinião ou um poema, também podemos recorrer às virtualidades chatbot para perguntar e obter respostas. Deus já disse o que tinha a dizer por interpostas pessoas que estão nas bases de dados e assim dispõe a IA de tudo o que é necessário para nos colocar em diálogo com ele. Com a sua voz, que nunca mais ninguém ouviu.

Mas se é a mente que nos substitui o voo das asas que nem temos e precisa de alimento e ginástica, com o filtro sensível que opera sínteses a partir de memórias – mas não em gigabytes – que atrofia, nos espera, para além da preguiça da memória que progressivamente cultivamos menos, apoiados em mecanismos de busca, ou em aplicações de orientação espacial que nos indicam o caminho passo a passo sem ver no todo um mapa. Esquecendo o encantamento de saber o mapa de uma cidade conhecida ou desconhecida. Não porque não esteja lá, mas porque nos passou a interessar somente a pedra mais imediata do caminho. É curioso, no fundo são escolhas que fazemos. Seguir às cegas. E não quem ainda nos explique um caminho. Dizem-nos: liga o gps. Como se tornará progressivamente inútil, a mente, se uma aplicação de IA produz discursos articulados, detalhados e criativos, ou imagens, se pode substituir, com qualidade, as lacunas de saber e saber fazer, de um utilizador. Que opte por usá-la como ferramenta, mas imperceptivelmente se faz substituir por ela. Quanto de desonestidade está ao alcance da vontade de sermos ou não sermos honestos.

Deixar de memorizar caminhos, números, nomes, datas, factos e acontecimentos. Poderia ter sido bom, se pensássemos que o espaço ocupado por essas informações, ficando disponível, nos libertaria para outras operações formais, outras realizações, mas não parece que tenhamos aplicado essa disponibilidade extra de forma significativa. E quando também já não precisamos de articular uma opinião, uma resposta e isso é válido para namoros, testes e teses, e a tentação é enorme, á agilidade do cérebro e à sua originalidade individual, está reservado ser mais pobre.

Neste hipotecar da dinâmica psíquica a uma aplicação artificial a que se chama inteligência, num tempo que cada vez mais nos divide de nós próprios, na ilusão de que podemos escolher, imagino, cada vez mais, um nicho defensivo. Para reagir à alienação. Para que servirá esta réstia de humanidade no futuro, quando tiver preguiça de pensar por si, de falar por si e perder o que tem de distinto, numa miríade de aplicações. A estas só lhes faltará viver por nós. Mas vai parecer que não.

Humanidade diletante a inventar tiros no pé, com tantos problemas de fundo a solucionar. Quando cada novo avanço, científico ou tecnológico, tem em si possibilidades de ser mal utilizado e prejudicial, talvez se verifique ou o princípio de Peter ou a lei de Murphy. Ou ambos. Fico indecisa. A lembrar o velho do Restelo. Mas, na verdade, sou como o arqueiro de Khalil Gibran: “assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável.”. Somente, sem esperança nem alegria, acabo por preferir o arco, porque a flecha é a que fere o pé.

Ou, como disse Herberto Helder no seu “: Lugar último”:

“Contra mim, contra minha divagação.

Penso: a flecha ama a onça.

A morte ama o que morre. “

Ama?

Maria e Maria Madalena foram ungir o corpo com os óleos da intimidade. Foram. Mas sobre a pedra, nada. Do corpo, só pedra em vez de coração. Depois disso, roldanas cénicas a descer os deuses que os deuses deixam, como penas deixadas para trás.

Ou, simplesmente fazer download.

25 Ago 2023

Esclarecimento pastoral e agradecimento à Comunidade de Língua Portuguesa

Por P. Daniel Antonio de Carvalho Ribeiro, scj

Aproveitando a proximidade da festa da Natividade da Virgem Santa Maria, padroeira da paróquia da Sé Catedral, e o questionamento de alguns fiéis sobre o momento actual da comunidade Católica de língua portuguesa, gostaria, na qualidade de Vigário Paroquial da Sé Catedral, de dar o meu testemunho sobre a caminhada pastoral da nossa comunidade e agradecer ao Bispo Dom Stephen Lee pelo apoio que nos tem dado nos últimos anos.

Consciente da importância histórica da comunidade de língua portuguesa local, a Diocese de Macau tem procurado dar resposta às nossas necessidades, tendo em conta o número dos fiéis e de sacerdotes na Diocese.

Neste momento contamos com pelo menos 10 missas semanais em língua portuguesa: seis na Sé Catedral, uma ou duas missas semanais na igreja de São Domingos (todos os dias 13 e 25 de cada mês e missas antecipadas), uma na igreja de Nossa Senhora do Carmo, na igreja de São Lázaro e ainda na igreja de Santo António.

Na Sé Catedral, com a graça de Deus, celebramos missas diárias em português, de segunda a sexta, às 18h00, missa antecipada, aos sábados, às 17h30 (na igreja de São Domingos) e missa dominical às 11h00. Em poucas palavras, os horários e a quantidade das missas em português mostram, por si só, a importância da nossa comunidade, no seio da comunidade católica local.

O Bispo Dom Stephen Lee tem feito questão de presidir, apenas em português, às celebrações mais importantes do ano, como a Sexta-feira da Paixão, Domingo de Páscoa, Natal e Pentecostes, sendo que as outras celebrações importantes do ano são realizadas em cantonês e português.

Temos desenvolvido várias pastorais e, no meio da pandemia que abalou Macau, merece destaque a pastoral da comunicação que tem sido de grande valor para os nossos enfermos, familiares e amigos que não podem vir à igreja e desejam acompanhar as nossas celebrações.

Para além das missas em português aos domingos, o canal da Diocese transmite várias outras celebrações ao longo do ano litúrgico e ainda momentos de formação e adoração eucarística mensais. Posso afirmar que sempre fomos atendidos em todas as celebrações que pedimos para serem transmitidas online. Aliás, não me recordo de algo que tenha sido pedido e não nos foi atendido.

Além do serviço exemplar dos padres Luís Sequeira e Andrzej Blazkiewicz (André), merece destaque a designação e trabalho do padre Eduardo Emílio Agüero, scj, na igreja de Nossa Senhora do Carmo, pelo apoio e serviço prestado à comunidade portuguesa. Nas últimas décadas, possivelmente, esta é a primeira vez que temos dois padres designados oficialmente como vigários paroquiais para a comunidade católica de língua portuguesa.

Em resposta ao apelo de Dom Stephen Lee, temos também procurado manter um papel mais activo junto dos jovens de forma a manter viva a comunidade de língua portuguesa, no futuro. Na catequese, por exemplo, contando apenas com a Paróquia da Sé Catedral, existem 11 turmas de catequese, com cerca de 20 catequistas, 80 catequisandos, dos quais 18 foram crismados este ano. Contando com a paróquia de Nossa Senhora do Carmo, temos mais de 150 pessoas envolvidas na catequese.

Para além do Colégio Diocesano de São José, a Diocese disponibilizou ainda um centro pastoral localizado na Rua Formosa, que tem sido frequentado com muita assiduidade pelos jovens da comunidade portuguesa e apoiou a participação de 30 pessoas, na sua maioria jovens, na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) deste ano, um número nunca antes visto de jovens portugueses de Macau a representarem a cidade numa JMJ.

Depois do fim da pandemia, estamos também a reavivar os projectos pastorais e contamos colocar em prática, ainda este ano, muitas outras iniciativas, nomeadamente a nível da pastoral dos jovens, social e das famílias, actividades que vão ser desenvolvidas por ocasião do Ano Diocesano das vocações, que procura fomentar a cultural vocacional junto da comunidade e das famílias. Contudo, para servirmos melhor, precisamos de mais voluntários envolvidos nas actividades da Paróquia.

A exemplo de outras dioceses espalhadas pelo mundo, Macau também participou activamente no período local de preparação para o Sínodo convocado pelo Papa Francisco, onde se recolheram com todo o cuidado e respeito as críticas e sugestões da comunidade e da sociedade em geral, onde todos, que desejaram, inclusive pessoas não católicas, tiveram oportunidade de se expressar, por um período superior a um mês.

Como Vigário paroquial da Sé Catedral, responsável pela comunidade Católica de língua portuguesa, tenho a agradecer todo o apoio prestado pela comunidade que tem participado activamente em todas as iniciativas que temos desenvolvido, bem assim o apoio e incentivo do Sr. Bispo Stephen Lee e da Diocese local em todos os projectos que temos apresentado, contando com a incansável ajuda de dois dos cinco seminaristas diocesanos. Justiça seja feita, o número de dois diáconos e dois seminaristas servindo a comunidade portuguesa é algo que não se vê há décadas em Macau.

A Diocese de Macau tem-se mostrado sempre aberta para acolher novas congregações religiosas e movimentos. Exemplo disso foi a acolhida do movimento Neocatecumenato que estabeleceu em Macau um seminário internacional para o continente asiático (Redeptoris Mater) de formação dos seus próprios candidatos ao sacerdócio, que, depois de ordenados, poderão ser enviados para outros países na Ásia.

A Diocese local tem apoiado o referido seminário cedendo uma das suas propriedades, por um simbólico valor mensal. De acordo com a prática interna da Diocese, e de modo a ser coerente com as outras congregações e movimentos presentes em Macau, as reformas internas do referido seminário serão da responsabilidade do movimento Neocatecumenato. Contudo, a Diocese permitiu ao referido movimento promover junto da comunidade, através das paróquias locais, campanhas de arrecadação para custear as reformas necessárias.

Como sinal do recíproco apoio e bom relacionamento entre a Diocese e o movimento Neocatecumenato, dois Diáconos do movimento serão ordenados sacerdotes em Macau, no próximo mês de Outubro e, com a graça de Deus, serão uma mais valia para a comunidade portuguesa.

Como sacerdote expresso a minha gratidão e alegria em ver a comunidade, sob a orientação de Dom Stephen Lee, a unir esforços para servirmos os nossos fiéis em unidade com a igreja local. Naturalmente, existem muitas coisas para serem melhoradas. Para isso, contamos com a ajuda e comprometimento de todos.

25 Ago 2023

Rumo ao norte

Desde o passado dia 1 de Janeiro, Macau implementou a medida “Rumo ao Norte para Viaturas de Macau” (RNVM). Os veículos registados em Macau puderam viajar para Guangdong, através da Via Rápida do Porto de Zhuhai para a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, depois da aprovação da proposta. Durante as férias de Verão, quando uma família visita os familiares no Interior da China, ou nos fins de semana, quando os amigos se encontram para passear, podem ir directamente para os seus destinos, o que é muito conveniente. É bastante apropriado empregar a frase “deixem-me ir comer tudo o que me apetece e divertir-me o mais possível” para descrever estas viagens rumo à China continental.

Os números mostram que mais de 40.000 pessoas abriram contas nos websites destinados a este fim e que mais de 17.000 veículos foram registados. Calcula-se por alto que um carro pode transportar cinco pessoas e, como 2.000 carros fazem esta viagem por dia, transportam um total de 10,000 pessoas. Cada mês tem 30 dias, por isso cerca de 300.000 pessoas de Macau entram mensalmente na Área da Grande Baía.

Hong Kong também implementou a política ” Rumo ao Norte para Viaturas de Hong Kong” (RNVHK). Macau tem 2.000 quotas diárias para NTMV, podendo os condutores submeter as candidaturas até à véspera do dia da viagem. Estes condutores não pagam as 150 patacas das portagens, quando passam a Via Rápida do Porto de Zhuhai para a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. A primeira fase do RNVHK foi lançada no passado dia 1 de Julho. Aqui só existem 300 quotas durante a semana, que são suspensas aos fins de semana e feriados. Em Hong Kong, as candidaturas dos condutores têm de ser apresentadas com quinze dias de antecedência, o que vai de certa maneira contra o espírito “viaja quando estiveres feliz”. Além disso, os veículos de Hong Kong têm de pagar portagem para entrarem na China continental.

Estas medidas vão ajudar a integração de várias províncias e cidades da Área da Grande Baía, criando um fluxo de pessoas, logística, capital e informação. Em Hong Kong, também vai fazer aumentar o número de veículos que usam a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau.

Depois da implementação da política Rumo ao Norte, saíram várias notícias na comunicação social sobre a queda nas vendas de gasolina, o menor afluxo de carros para reparação nas oficinas, e também sobre a quebra no negócio de lojas de Macau de vários sectores. O motivo é simples. Os preços dos produtos no Interior da China são mais baixos do que em Macau. O aumento do consumo na China continental vai naturalmente fazer reduzir o consumo em Macau. Se o comércio da cidade não tomar medidas para reter os clientes, as vendas vão continuar a cair.

As medidas mais eficazes têm de se focar, certamente, no aumento das receitas e na redução das despesas. Reduzir despesas significa reduzir custos. Dado que os diferentes sectores têm situações diversas, assim como divergem os métodos operacionais de cada loja, cada uma delas deve pensar na melhor forma de atingir este objectivo. O aumento das receitas significa o aumento da fonte de rendimento. Em termos simples, trata-se de melhorar a qualidade dos produtos existentes e de colocar novos produtos à venda, para ter uma oferta única e para que se possa reter a antiga clientela e atrair uma nova. O ‘Hotpot’é um exemplo do que foi dito.

“Hotpot” em chinês diz-se 火鍋. Pode conter uma sopa ou um ensopado. É uma refeição confeccionada à mesa numa panela colocada sobre uma fonte de calor que mantem a fervura do caldo. É acompanhada à parte por uma variedade de alimentos e ingredientes chineses. Tradicionalmente, esta refeição é servida em restaurantes. Na China continental existe um restaurante de hotpot muito famoso. No início, serviam só no local. Depois de ficarem conhecidos, passaram a pôr os ingredientes e os utensílios necessários numa caixa, e inventaram o “hotpot para fora”, que permite adquirir esta refeição em supermercados. Com este serviço os clientes podem desfrutar do hotpot em qualquer lugar. Para aumentar a distribuição, o hotpot deste restaurante também é vendido em bancas de rua. O que é mais incrível é que o restaurante também tem funcionários que lavam o cabelo dos clientes para retirar o forte cheiro a óleo das frituras. A ‘caixa de Hotpot’, que permite que as pessoas desfrutem desta refeição em qualquer lugar é o exemplo acabado de um novo produto. O serviço de “lavagem de cabelo” faz com que os clientes voltem ao restaurante. Isto representa um aperfeiçoamento de produtos antigos. O Hotpot é confeccionado e aperfeiçoado pelo restaurante e faz com que os clientes voltem uma e outra vez.

Para integrar as províncias e as cidades da Área da Grande Baía, as pessoas têm de circular entre elas e a deslocação de veículos de Macau e de Hong Kong para Norte é inevitável. Para reter os antigos clientes e atrair outros novos, as lojas têm de fornecer serviços distintivos; de outra forma terão dificuldade em sobreviver. A inovação é o desafio que esta era traz ao comércio local. As lojas devem confiar na sua própria criatividade e esforçarem-se para encontrar o seu próprio caminho.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

21 Ago 2023

As negociatas dos radares

Na semana passada lembrei-me das faixas da esquerda de certas autoestradas da Alemanha e de algumas estradas da Austrália onde não existe limite de velocidade. E lembrei-me por quê? Porque este país é um país de modas nas negociatas. Sim, nas negociatas e não nos benefícios para o povo. Há uns anos foi a moda das barragens, depois foram as energias renováveis onde as eólicas deram lugar a negociatas de cair para o lado.

Chegou a haver um presidente de câmara que ao saber quanto é que um outro autarca tinha recebido para licenciar a instalação dos aerogeradores nas montanhas da sua jurisdição, pediu para ele uma comissão em dobro… depois vieram as negociatas dos projectos para o TGV, para o novo aeroporto de Lisboa, para a terceira ponte sobre o rio Tejo entre Lisboa e a margem sul, as vendas da EDP. Efacec, Portugal Telecom e a negociata inenarrável da TAP.

De seguida, assistimos à negociata dos helicópteros Kamov para combate aos incêndios, os quais estão abandonados por falta de peças. E a negociata da compra de dois submarinos de tecnologia mais avançada? Neste caso o escândalo ainda é tão significativo que os interlocutores alemães do negócio estão presos por terem sido condenados por corrupção. No nosso país não aconteceu nada. Aliás, aconteceu. A comunicação social deu o ar de ter recebido uma “ordem” para não falar no assunto. Negociatas não têm fim. A última a que assistimos atordoadamente foram as centenas de milhões de euros em ajustes directos nas obras para a Jornada Mundial da Juventude.

Mas, voltemos à estrada e à velocidade. Porque em Portugal cada vez mais se vendem “bombas” que podem atingir os 320 quilómetros por hora. Se autorizam a venda de carros de alta cilindrada só por absurdo é que podemos deixar de dizer que se trata de mais um cambalacho. Carros topo de gama para andarem no máximo a 120 quilómetros por hora, a velocidade máxima permitida numa autoestrada. A 120 dá a sensação de um carro dos fabricados nos dias de hoje completamente parado.

Não se admite que ainda não tenha sido autorizada a velocidade máxima para 140, apenas na faixa da esquerda. Pois agora, temos mais uma negociata, não um benefício para o povo, não, temos uma invenção que vai custar ao erário público milhões de euros. Descobriram que um novo rendimento, mais conhecido pela caça à multa, é a compra para todo o país de radares que controlam a velocidade média. O que é isso? Ora bem, se o amigo leitor vier até Portugal, fica a saber que passará a ter radares no norte, centro e sul que controlam a velocidade da sua viatura desde que passa numa câmara até outra câmara instalada muitos quilómetros depois. É o máximo de “chico-espertos” que devem ter dito ao primeiro-ministro: “Senhor Doutor, temos mais uma maneira de ganhar milhões por ano. Temos uma mina de ouro, assim mais ou menos parecida com mais um imposto”…

Que tristeza, ver num país onde a preocupação não é ajudar os pobres, os reformados que recebem uma miséria menor que 300 euros, os sem-abrigo, construir bairros sociais com dignidade onde hajam escola, creche, centro de saúde, parque infantil e pequeno jardim e não os mamarrachos de cimento que têm oferecido aos pobres onde nem sequer existe um café para tomar uma bebida ou comer uma sandes. Não, o importante, o mais importante do país são os novos radares que irão dar muito dinheiro para os cofres das Finanças. Nada de pensar nos professores, nos médicos, nos enfermeiros, nos oficiais de justiça, nos maquinistas da CP ou do Metropolitano, não, o importante são os radares controladores de velocidade entre um ponto e outro da sua viagem.

O próprio presidente do Automóvel Clube de Portugal, Carlos Barbosa, afirmou que estes radares controladores “só servem para virem encher os cofres do Estado”. Esta afirmação é de uma importância vital e que mostra bem como as negociatas são efectuadas sem consultar quem sabe da matéria. Carlos Barbosa adiantou que “a sinalização dos radares está mal colocada, alguns sinais nem se veem e que nos outros países têm uma dimensão muito maior que em Portugal e estão colocados dos dois lados da estrada”. Quem tomou esta decisão dos radares controladores devia ter vergonha da decisão que tomou porque num país onde se pagam impostos em exagero, esta medida só vem reduzir o rendimento das famílias portuguesas numa demonstração cabal de que não estão preocupados com o bem do povo, antes pelo contrário, em apenas prejudicar as suas vidas.

20 Ago 2023