BRICS: ideias absurdas?

A reunião do BRICS na África do Sul foi alvo de grande atenção internacional. Quatro dos actuais membros do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul– pertencem à antiga rota que partia de Lisboa até ao Extremo Oriente.

Nos séculos XVI e XVII, os navios que saíam de Portugal para a Ásia, iam muitas vezes primeiro até à costa do Brasil, e só depois atravessavam o sul do Atlântico, em direcção à África do Sul. Daí continuavam até à Índia e da Índia navegavam até Macau. Voilà, para colocar a questão em termos idealísticos: a velha Carreira da Índia e a Carreira de Macau “prefiguraram” a liga BRICS ou, com ela, tiveram alguns pontos em comum.

Por isso, se as cidades portuárias puderem de per se candidatar-se a um estatuto especial no seio da aliança BRICS, Macau estará certamente qualificado para se tornar um membro especial deste sistema, como observador, colaborador com experiências culturais históricas multifacetadas e portador de uma vasta experiência no sector financeiro.

O passado de Macau leva-nos até Portugal e à Europa. A UE tinha e continua a ter bastante abertura de espírito, mas ainda pode ir mais longe. Em teoria, vários países da UE, como a Alemanha, também podem candidatar-se a integrar o BRICS.

E porque não? Seria isso um absurdo? Sem dúvida que seria uma provocação. No entanto, pode não ser totalmente despropositado. Pensemos nessa opção. As actividades coloniais alemãs, no período que precedeu a I Guerra Mundial, foram de curta duração, Berlim já pagou muito pelas suas dívidas. Mas também, à semelhança de muitos membros da UE, tem tentado encontrar um equilíbrio entre os extremos políticos.

Países mais pequenos como a Áustria também seguem essa linha; caminham cuidadosamente no “trilho intermédio”, uma espécie de zhongyong zhi dao 中庸之道. Sem dúvida que, por vezes, a UE parece ter as mãos atadas, a maior parte dos países que a integram são membros da NATO / OTAN e podem ser um obstáculo à ideia da candidatura de qualquer um dos seus parceiros ao BRICS. No entanto, qualquer estado é livre de aderir a ligas e organizações diferentes, bem como de as abandonar. Assim sendo, integrar o BRICS, enquanto membro da UE (e da NATO / OTAN) deve ser possível…

É evidente que os “Vikings” Protestantes e os “Normandos” têm pontos de vista diferentes sobre o assunto. No entanto, eles próprios têm muitas contas para ajustar. Não há melhorias à vista. Londres abandonou a UE e subordinou-se aos Estados Unidos. Quer Londres quer Washington têm muitas dívidas morais e de outros géneros, mas não têm vontade de as saldar e não querem corrigir os seus actos.

Para eles, a velha fórmula “O Ocidente e o resto do mundo” continua a ser válida. Por isso mesmo, desvalorizam a importância do BRICS, mas temem esta estrutura imensa. Além disso, começaram já a tomar “medidas preventivas”, por exemplo, através da criação da aliança militar AUKUS. Para eles, a gestão dos órgãos de comunicação social e da opinião pública é muito importante porque procuram incansavelmente impor o seu pensamento e preocupações aos outros.

Como é evidente, o “Ocidente” não existe. A ideia de valores partilhados entre os belicosos anglófonos e a UE faz pouco sentido. Muitos europeus são diferentes: identificam-se com o universo mediterrânico, interessam-se pela “Rota da Seda”, e desejam cooperar com o “Sul”. Por conseguinte, o conceito de “Ocidente” – enquanto entidade que deve resistir teimosamente ao BRICS – não é mais do que uma ferramenta retórica instrumentalizada pelos anglófonos; é usada para unir artificialmente todos os que supostamente seguem Washington. No entanto, a realidade não é assim. De forma alguma.

No que diz respeito a Portugal, Lisboa deseja estar de boas relações com a China. A Itália já é outro caso. É certo que algumas notícias causam uma certa preocupação, mas, no actual estado de coisas, as relações entre Pequim e Roma são aceitáveis. Sim, frequentemente os políticos da UE encontram-se divididos entre opiniões diferentes.

Provavelmente o mundo não teria de ser assim se eles se conseguissem libertar da influência anglófona. Podemos perguntar o que aconteceria, se Bruxelas não fosse ofuscada pelos seus próprios órgãos de comunicação, nem pela estranha propaganda sistematicamente distribuída pelos “espartilhos de pensamento” de Washington e de Londres, fundações, imprensa académica, serviços secretos e outros canais?

Há quem diga que os estados que integram o BRICS sonham com uma nova moeda. Tudo bem, o BRICS crescerá; já foi decidida a aceitação de novos membros e a ideia de introduzir uma moeda comum é uma visão interessante para o futuro. É claro que ninguém sabe se esta ideia se chegará a materializar. Mas, na verdade, talvez um dia as coisas avancem, rapidamente e com muito entusiasmo. Poderemos chegar a uma fórmula aceitável de co-existência lucrativa entre duas moedas “supra-nacionais”, o novo “dinheiro” dos BRICS, seja qual for o seu nome e o seu conceito financeiro, e o Euro europeu.

O Euro não é a moeda do “Ocidente”, não é um apêndice do dólar americano, não é algo controlado pelos anglófonos. É uma “entidade” com vida própria. Acima de tudo, é um símbolo da união entre diferentes nações e etnias, um símbolo que vai ajudar os europeus a construir pontes entre si, para ultrapassarem as dissidências. – Não dizemos sempre que a cooperação é uma coisa boa? De facto, construir organizações supra-nacionais, quer sejam políticas, económicas ou outras, é algo de formidável, desde que essas organizações defendam causas justas e que se prestem a ajudar a reduzir as tensões desnecessárias entre regiões rivais e, como é óbvio, desde que não se transformem em instrumentos de exploração dos mais fracos.

Quem promove a competição argumenta de outra forma; afirma que a competição é justa, que tem sempre de haver vencedores e vencidos. Os macacos mais inteligentes e mais fortes ganham sempre. Estes pontos de vista, que são claramente ensinados por economistas do mundo inteiro, são parcialmente incompatíveis com o conceito de direitos humanos. Só servem os macacos musculosos. Os princípios económicos, a maximização dos lucros, a competição “de faca apontada ao peito” do “American Style” – tudo isso em conjunto, leva os anglófonos a roubar as bananas e a dominar os outros.

O BRICS procura a equidade. Embora os seus membros sejam muito diferentes uns dos outros, partilham uma visão comum e essa visão pode estar muito mais próxima da esfera das expectativas humanas do que aquilo que pensamos. Não será esta uma boa razão para alguns países da UE considerarem uma candidatura ao grupo BRICS?

Será que estou a levar as coisas longe demais? – O velho princípio mediante o qual devemos respeitar todas as nações, todas as etnias, ou seja, “todos debaixo do mesmo céu” (tianxia 天下), é uma opção aceitável. Um sonho versátil, uma aspiração maravilhosa. Pode aplicar-se a indivíduos, grupos e estados. É uma questão do passado e uma questão actual. O que o BRICS pretende é apenas isto; respeito mútuo e a tolerância. O BRICS defende a não interferência nos assuntos internos de cada um. No que diz respeito à alegada competição entre a Índia e a China, enormemente inflacionada no chamado “Ocidente” – existem razões para suspeitar que muita da propaganda é intencionalmente distribuída pelo anglófonos, que continuam a espalhar esta narrativa ao longo do mundo “livre”, mas não é algo que possa destruir o grupo BRICS.

Anteriormente mencionámos o pequeno Macau. Macau parece ter incorporado, em miniatura, algumas das ideias inerentemente presentes no sonho BRICS. Por outras palavras, Macau é como uma mini-versão de um conjunto complexo, ou uma multi-facetada composição, mas que não deixa de ser harmoniosa. Talvez tenha sido sempre assim ao longo da sua História. Vamos supor que sim. Por isso, não seria também maravilhoso se agora, num período tão perigoso em termos de política mundial, dois ou três países da UE, encorajados pelos exemplos da História, decidissem abrir as suas portas de par e par?

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