David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesIndulto paterno (I) No passado dia 2 de Dezembro, 50 dias antes de deixar o cargo, o Presidente dos EUA Joe Biden concedeu um indulto total e incondicional ao seu filho Hunter Biden, acusado de obtenção ilegal de armas, evasão fiscal e de outros crimes, indulto que abrange ainda todas as possíveis violações das leis dos EUA cometidas no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2014 e 1 de Dezembro de 2024. Uma vez que este indulto é “abrangente e incondicional”, não pode ser revogado, mesmo depois da investidura de Donal Trump como Presidente dos Estados Unidos. Hunter Biden foi acusado de obtenção ilegal de armas por ter feito uma declaração falsa no formulário de verificação de antecedentes no acto da compra de um revólver em 2018. Hunter foi indiciado por três destes crimes, que no seu conjunto acumulam uma pena máxima de 25 anos de prisão. Hunter Biden recebeu também nove acusações no domínio da evasão fiscal por não ter pago 1,4 milhões de dólares em impostos nos últimos 10 anos. O delegado do Ministério Público assinalou que o acusado tinha gasto o dinheiro em drogas, com acompanhantes e namoradas e que tinha uma vida luxuosa. Hunter Biden confessou-se culpado de todas as acusações no passado mês de Setembro. A pena máxima para crimes de evasão fiscal é de 17 anos. Em declarações, Joe Biden afirmou que não iria interferir nas decisões dos tribunais, mas acreditava que o filho tinha sido tratado de forma selectiva e injusta. Biden estava também convicto que estas múltiplas acusações resultavam dos ataques de diversos opositores políticos e acrescentou que qualquer pessoa de bom senso só pode chegar a uma conclusão depois de analisar este caso: Hunter tornou-se um alvo por ser seu filho. Este tipo de procedimento está errado. Em 1787, quando os Estados Unidos estavam a redigir a constituição federal, adoptaram as disposições da lei britânica que estabelecia o perdão real e introduziram o perdão presidencial na Constituição americana. A Constituição dá ao Presidente o poder de indultar criminosos. O perdão concedido pelo Presidente não pode ser alterado e o Congresso e os tribunais não o podem reverter. O indulto presidencial não tem de ser explicado nem justificado. De um modo geral, o Presidente atribui o indulto por razões de natureza política. O Artigo 2.º da Constituição dos EUA dá ao Presidente o poder de indultar quem tenha violado leis federais. O Presidente pode indultar pessoas condenadas em tribunais federais, mas não pessoas condenadas em tribunais estatais ou por violação de impedimentos legais. A amnistia engloba o “perdão” e a “comutação de pena”. Depois de perdoado, o criminoso já não terá de enfrentar consequências legais; ou seja, nunca será condenado nem irá para a prisão. A comutação é uma redução da pena, como, por exemplo, alterar uma condenação de 30 anos para 3, ou mesmo para retirar a condenação na totalidade. Durante o primeiro mandato, o Presidente Trump usou o seu poder de indulto 237 vezes. Perdoou Charles Kushner, pai do seu genro Jared Kushner, acusado de evasão fiscal e anunciou recentemente que Kushner será nomeado embaixador dos Estados Unidos em França. Durante os seus dois mandatos, o Presidente Obama usou o poder de indulto 1.927 vezes e perdoou um total de 330 pessoas. O Presidente Bill Clinton também perdoou em 2001 o seu meio-irmão Roger Clinton que tinha sio acusado de posse de drogas. No passado dia 12 de Dezembro, a comunicação social americana divulgou que Biden iria perdoar 39 prisioneiros acusados de crimes não violentos, nos quais se incluem uma mulher que chefiou uma equipa de resposta a emergências durante desastres naturais, o Diácono de uma Igreja, conselheiro de toxicodependentes e de jovens, um estudante de biociência molecular e um veterano condecorado. Além disso, Biden vai reduzir as penas de 1.500 prisioneiros. Estes 1.500 detidos estiveram em prisão domiciliária durante a pandemia. Biden afirmou numa declaração: “A América foi construída com a promessa de múltiplas possibilidades e segundas oportunidades. Como Presidente, sinto-me profundamente honrado por poder ser clemente para aqueles que demonstraram remorsos e querem ser reabilitados, dando-lhes a oportunidade de voltarem a participar na vida do dia a dia e de contribuírem para as suas comunidades, e por tomar medidas para eliminar as disparidades quantitativas para os delinquentes não violentos, particularmente para quem foi condenado por crimes relacionados com droga.” As amnistias concedidas por Biden desencadearam grande controvérsia e críticas dentro e fora dos Estados Unidos. Estas críticas vieram não só dos seus opositores políticos, mas também da população em geral e do sector jurídico. Na próxima semana, iremos analisá-las. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.
André Namora Ai Portugal Vozes2025 melhor Hoje termina este 2024. Os portugueses só desejam que 2025 seja muito melhor. O ano que agora finda não deixa muitas saudades. Em muitos aspectos. Tivemos um Portugal cheio de episódios que em nada valorizaram a qualidade de vida das populações. Alguns episódios até degradantes como aquela história da cunha do Presidente da República para que umas gémeas brasileiras passassem à frente de outras crianças portuguesas para serem alvo de uma cirurgia que custou mais de quatro milhões de euros e que até provocou uma Comissão de Inquérito Parlamentar, onde se assistiu às maiores mentiras, desculpas de mau pagador, bodes expiatórios e surpresas nas hostes políticas. Um pouco de tudo aconteceu neste cantinho à beira-mar plantado. Não podemos esquecer antes de mais que passámos a ter um novo governo de direita que em nove meses só tem feito propaganda eleitoral, sempre com o receio que venham aí eleições antecipadas. Caiu um governo de maioria absoluta por causa de um parágrafo num comunicado do Ministério Público que anunciava que o primeiro-ministro António Costa estaria sob investigação. E o que fez o Presidente da República? Simplesmente aceitou a demissão de um chefe do Executivo que não foi acusado de nada e que até hoje nada se sabe sobre que crime terá cometido. De concreto foi a ida de António Costa para um cargo de grande prestígio como o de presidente do Conselho Europeu. Um governo formado pelo PSD, que obteve o mesmo número de deputados que o Partido Socialista, e por um partido do táxi, como é o CDS. Este governo tem tido uma grande preocupação e, nesse sentido, tem levado a cabo um trabalho incessante: substituir todos os presidentes de institutos, directores de instituições importantes, como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o Serviço Nacional de Saúde, que tinham sido contratados pelo anterior governo. Não interessa se as personalidades são competentes ou não, o importante é arranjar “tachos” para os amigos da mesma cor política. Dirão os leitores que todos os governos fizeram o mesmo, mas nunca como neste 2024 sob a batuta de Luís Montenegro. Simples exemplo: António Costa não substituiu Pedro Santana Lopes na gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Eleições antecipadas que nos trouxeram uma surpresa negativa: a eleição de 50 deputados para o parlamento nacional de um partido neofascista. A fuga de Vale de Judeus deixou Portugal vergonhosamente nas bocas do mundo, tendo fugido cinco criminosos dos mais perigosos a nível nacional e internacional. Uma fuga que ainda faz correr muita água por baixo da ponte porque não se compreende como é que um presídio daquela importância nem tina em funções um director. Não se compreende como é que todos os reclusos tinham telemóveis, como é que um dos fugitivos foi pacatamente ao ginásio da cadeia buscar uma escada e transportou-a até ao muro da fuga. Não se compreende ainda por que razão acabaram com as torres de vigia no estabelecimento prisional e muito menos há compreensão para o facto de apenas estar um vigilante a controlar todas as câmeras de vídeo. O certo é que a imagem da segurança em Portugal ficou na rua da amargura. Não podemos deixar de referir os incêndios de Setembro onde, mais uma vez, tudo esteve descontrolado, com vidas em perigo e dezenas de casas de famílias completamente ardidas. Afinal, para que servem os milhões de euros gastos na protecção civil? Feio, muito feio e triste, foi o facto de os “senhores” técnicos do INEM terem entrado em greve e o que aconteceu? 11 mortos por falta de socorro. Um caso revoltante que deixou os portugueses preocupados com o futuro do INEM. Lamentavelmente chegou-se já a falar em privatizar o instituto, o que seria um erro político de palmatória. Não podemos deixar passar em claro nesta resenha do que tivemos em Portugal durante o ano de 2024, o lamentável acontecimento em alguns bairros de Lisboa após um agente da polícia ter disparado a matar contra um morador negro. A partir desse momento foi o caos: caixotes de lixo e dezenas de pneus incendiados, paragens de autocarros destruídas, dezenas de carros incendiados e para cúmulo do descontrolo policial até assistimos que uns energúmenos atirassem um coquetel Molotov para o condutor de um autocarro da Carris que o levou quase à morte, tal a gravidade dos ferimentos por queimaduras. O inacreditável passou-se neste ano em que se comemorou os 50 anos do 25 de Abril. Uma data histórica em que nos foi devolvida a liberdade. Assistiu-se a uma acção policial completamente descabida no Martim Moniz, em Lisboa, onde foram encostados à parede dezenas de cidadão imigrantes, ao bom estilo nazi, e no final encontraram uns gramas de haxixe e um canivete… afinal, para quê anunciar que vivemos num país democrático que cumpre a Carta dos Direitos Humanos? Muitos, muitos episódios haveria por descrever, mas o mais importante é que o povo velho e jovem continua sem uma casa para habitar, continuam os estudantes que terminam o seu curso a emigrar, continuam as reformas miseráveis cujo aumento anual de algumas determinado pelo Governo é de apenas sete euros…, continua a corrupção a alto nível e nos mais diversos quadrantes da política e da vida empresarial, continua a caça à multa dos automobilistas, uma forma de o Governo arrecadar mais uns milhões de euros extra, sendo ao fim e ao cabo mais um vector de impostos indirectos, continuamos a ter um combustível caro, os preços nos supermercados a aumentar todas as semanas e, no fim, Luís Montenegro, na sua primeira mensagem de Natal como primeiro-ministro só soube querer convencer os portugueses que estamos a caminho do paraíso. Portugueses, não! Inacreditavelmente Montenegro na sua mensagem nem uma palavra dedicada aos milhões de portugueses que vivem no estrangeiro. Ignóbil. Bem, não vos entristeço mais e apenas dizer-vos que antes de partir até às Beiras para passar com familiares a mudança de um ano velho para ano novo, quero desejar a todos os amigos leitores deste grande jornal um ano de 2025 com muita saúde, prosperidade e felicidade. Em chinês diríamos Kung Hei Fat Choi…
Hoje Macau Vozes25 anos de transferência de Macau – A grande diferença Por João Severino, jornalista e antigo director do Macau Hoje Em 1982 conversava com o pintor macaense Herculano Estorninho, no Hotel Sintra, em Macau. O tema era pertinente e quase inimaginável. Eu perguntei ao artista se tinha alguma ideia sobre o futuro de Macau quando ambos tínhamos conhecimento de rumores de que um dia a China recuperaria a soberania de Hong Kong, Taiwan e Macau. Estorninho respondeu-me que a lei natural da política chinesa seria direcionada para que um dia recuperasse os três territórios. Estávamos a anos-luz de saber o que e quando poderia acontecer o tal “futuro”. O pintor salientou-me que eu era um jornalista muito atento aos valores políticos, sociais e culturais de Macau e que estava muito embrenhado em todas as especificidades de Macau. Agradeci e voltámos ao tema várias vezes. Certo dia, da década de 1980, um amigo que era íntimo do general António Ramalho Eanes, enviou-me um email dizendo que me preparasse para o “futuro” porque tinham-se iniciado negociações diplomáticas entre Portugal e a China com o intuito de prepararem um acordo para que Macau regressasse à soberania chinesa. De início, senti alguma perturbação psicológica, mas fiquei em silêncio. Não traí a minha função de jornalista porque o meu interlocutor pediu-me o maio segredo sobre o assunto. Mais tarde, a notícia foi pública e o Presidente da República Aníbal Cavaco Silva estava em Pequim ao lado de Deng Xiaoping, a fim de se cumprimentarem devido ao acordo firmado entre os dois países para que o território chinês de administração portuguesa passasse a ser governado sobre a soberania chinesa. Infelizmente, já não tinha Herculano Estorninho para conversar sobre a política macaense, portuguesa e chinesa. Tinha vários amigos macaenses, incluindo Carlos d’Assumpção, que me salientaram o natural desgosto de terem de aceitar que afinal a história não era história. Que afinal, a China não reconhecia que tinha doado Macau a Portugal, como esses macaenses tinham aprendido no banco da escola. A partir daí, assisti a tudo. Ao Grupo de Ligação; à Lei Básica; às visitas últimas dos Presidentes Soares e Sampaio; às obras apressadas; aos convites a imensas personalidades portuguesas para visitar Macau, a maioria dos convites com segunda intenção; à transferência de milhões de patacas para a Fundação Casa de Macau, para a Agência Lusa, para a Expo’98; para os jornais Expresso, Diário de Notícias e outras publicações, quando alguma imprensa de Macau em língua portuguesa vivia no fio da navalha; à tentativa do Presidente Sampaio demitir o governador Rocha Vieira para nomear o seu colega de escritório Magalhães e Silva; ao embarque de dezenas de contentores dos governantes; à transferência dos arquivos e dos quadros com a imagem dos governadores para Portugal à revelia das autoridades chinesas; à construção de um aeroporto cujos custos foram inflacionados a triplicar; ao saneamento e discriminação de jornalistas que não seguiam as directrizes do governador; à injustiça de um tribunal onde certos juízes e procuradores corruptos nem serviam para motoristas de táxi e ao baixar da Bandeira portuguesa e ao hastear da Bandeira da China na noite de 19 de Dezembro de 1999. Conheci cinco governadores e todos eles foram unânimes em me transmitir que Portugal pouca atenção dava a Macau e às suas gentes. Os governantes de Portugal visitavam Macau apenas com a preocupação de passarem pela San Ma Lou e “adquirirem” umas jóias, muito valiosas, para oferecerem às esposas. Carlos d’Assumpção, presidia à Assembleia Legislativa e desabafou comigo que os governadores de Macau faziam e ganhavam o que queriam e que Portugal nunca dignificou os macaenses. Foram 22 anos a assistir ao impensável, terminando por assistir à página mais negra da história de Macau: o governador Rocha Vieira, sem que a quase totalidade dos seus secretários-adjuntos tivessem conhecimento, resolveu transferir para Portugal uma quantia astronómica pela calada da noite (um dia conto-vos a estória do cheque) e esse pecúlio viria a criar a triste Fundação Jorge Álvares, o que poderá ter custado a Rocha Vieira a sua eleição de Presidente da República, cargo com o qual sempre sonhou. Pois, essa Fundação Jorge Álvares que apenas tem servido para certas pessoas que passaram por Macau, teve a desfaçatez de na passagem dos 25 anos da transferência do exercício da soberania de Macau de Portugal para a China de apoiar a edição de uma espécie de livro com alguns testemunhos de oportunistas que só souberam sacar dinheiro do povo de Macau, com a agravante de essa “obra” ter sido coordenada pela pior presidente da administração da TDM e que foi demitida pela tutela da empresa. Igualmente a Fundação Jorge Álvares quis dar a entender que estava a comemorar as bodas de prata da transferência da soberania de Macau de Portugal para a China e organizou uma sessão de discursos no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM). De forma ignóbil. Começou por convidar por email. Depois, assumiu – rebaixando a dignidade da directora do CCCM – o protocolo da sessão de discursos colocando vergonhosamente dois antigos secretários-adjuntos do último Governo de Macau e a esposa de outro secretário-adjunto já falecido na quarta ou quinta fila e o português com mais anos de deputado na Assembleia Legislativa no fundo da plateia. Esta mesma Fundação Jorge Álvares, segundo fontes credíveis, pretende retirar o CCCM da esfera governamental e assumir a sua administração. De todo a rejeitar. Um dia chegará que a Fundação Jorge Álvares não terá mais dinheiro e lá se vai o Centro Científico e Cultural de Macau. Vergonhosamente Portugal não comemorou a data importante dos 25 anos da transferência de Macau. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa enviou uma mensagem de um minuto para a sessão dos discursos. O primeiro-ministro, os seus ministros e secretários de Estado primaram pela ausência. Uma cerimónia que devia ter sido preparada com um ano de antecedência, com a coordenação da Fundação da Casa de Macau e onde a dignidade das relações sino-portuguesas fosse realçada de forma vibrante e amistosa, tal como ficará registado nos anais da História. Passaram 25 anos e a diferença de atitude de Portugal e da China é enorme. Esteve à vista de todos: Portugal abandonou os portugueses que vivem em Macau e nem sequer resolve um problema relacionado com a contratação de professores para a Escola Portuguesa de Macau. A China permitiu o grande desenvolvimento de Macau, permitiu a continuação de órgãos de comunicação social em língua portuguesa, permitiu que residentes de Macau adquirissem casa em Zhuhai e em outras cidades continuando a ser residentes de Macau e tudo tem feito para promover a Região Especial. Apenas um exemplo de grande significado político: enquanto que em Portugal se realizou a tristeza que vos descrevi, a China leva o seu Presidente Xi Jinping a Macau precisamente para comemorar a transferência do exercício de soberania de Macau de Portugal para a China, demonstrando que Macau nunca será esquecido pela mãe-pátria. Passaram 25 anos e a quase totalidade de todos nós já não assistiremos aos 50 anos. O importante é que vivamos com o nosso amor por Macau e sempre com a verdade acima de tudo em defesa de Macau e da sua população.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA geogastronomia “I can say with 100% honesty that Portuguese food is one of the best in the world. If you add the quality of the wine everywhere and the absolutely amazing sweets and pastries, I would argue that a trip to Portugal has few rivals where the food experience is concerned.” Christian Dechery Geograstronomia é uma exploração do lugar através da comida. A geograstronomia é um campo interdisciplinar que examina a relação entre a geografia e a gastronomia. Embora o termo geograstronomia seja relativamente novo e pouco utilizado, as origens da relação entre a alimentação e a geografia remontam às civilizações antigas. Ao longo da história, as sociedades criaram as suas identidades através dos alimentos que produzem e consomem. As regiões desenvolveram tradições culinárias únicas com base nos recursos locais, nas condições climatéricas e nas influências culturais. As práticas agrícolas da antiga Mesopotâmia, as dietas mediterrânicas e as cozinhas asiáticas reflectem a forma como a geografia afecta directamente a gastronomia. O conceito de “terroir” na produção de vinho capta esta ideia de forma sucinta. O “terroir” refere-se aos factores ambientais que influenciam as características do vinho, incluindo o tipo de solo, o clima e as castas locais. Este princípio reconhece que os alimentos não são apenas produtos agrícolas, mas também um produto do seu ambiente. Ao longo do tempo, os padrões de produção alimentar continuaram a reflectir distinções geográficas. Com a evolução dos transportes e da tecnologia, estas distinções começaram a esbater-se, levando à globalização dos alimentos. A geograstronomia oferece informações valiosas sobre a identidade cultural e a sustentabilidade económica. A alimentação desempenha um papel integral na formação das identidades culturais, servindo de meio para tradições e práticas que são transmitidas através das gerações. Por exemplo, as heranças culinárias dos povos indígenas na América do Norte ilustram a forma como a paisagem informa a soberania alimentar e as práticas culturais. A sua dependência de ingredientes locais não só sustenta as suas dietas, como também as liga às suas narrativas históricas. Além disso, a geograstronomia tem-se tornado cada vez mais relevante nas discussões sobre a sustentabilidade económica. Os sistemas alimentares são essenciais para a resiliência das comunidades, e a compreensão do contexto geográfico da produção alimentar contribui para fazer escolhas acertadas que apoiem as economias locais. O movimento “da quinta para a mesa” ganhou força, salientando a importância de consumir alimentos de origem local. Esta abordagem não só reduz as pegadas de carbono associadas ao transporte de alimentos, como também reforça as ligações entre os consumidores e os produtores de alimentos. Muitas pessoas tiveram um impacto significativo no domínio da geograstronomia, moldando a nossa compreensão das ligações entre a geografia e a alimentação. A chef Alice Waters é uma figura proeminente associada ao movimento “da quinta para a mesa”. A filosofia de Waters enfatiza a utilização de ingredientes locais e sazonais, mostrando os sabores da Califórnia. O seu restaurante, “Chez Panisse”, tornou-se um ponto de referência para quem procura alimentos de alta qualidade e de origem local e inspirou uma geração de chefes a explorar práticas culinárias regionais. Outra figura significativa é Michael Pollan, um autor e activista alimentar conhecido pelas suas obras como “The Omnivore’s Dilemma”. Pollan liga os pontos entre a produção alimentar, a sustentabilidade ambiental e a saúde. Defende uma compreensão mais profunda das origens dos nossos alimentos e da sua ligação à terra. A perspectiva de Pollan tem incentivado debates em torno da agricultura ética e do consumo responsável. No domínio da geografia, a Dra. Doreen Massey oferece uma visão das relações e ligações espaciais que também se aplicam à geograstronomia. O seu trabalho sublinha a importância de compreender como os lugares interagem e se influenciam mutuamente. Ao considerar os contextos socioeconómicos da produção alimentar, os investigadores e os profissionais podem abordar melhor, questões como a insegurança alimentar e o acesso a produtos frescos. As perspectivas contemporâneas sobre a geograstronomia destacam a importância do conhecimento local e das práticas tradicionais na produção de alimentos. Nos últimos anos, tem-se registado uma crescente valorização dos sistemas alimentares indígenas. Estes sistemas dão frequentemente ênfase à biodiversidade e à sustentabilidade dos ecossistemas. O renascimento das culturas de herança e das técnicas tradicionais de conservação ilustra uma mudança no sentido de valorizar os conhecimentos desenvolvidos ao longo dos séculos. A geograstronomia também se cruza com a ciência da alimentação e da nutrição, realçando a importância das dietas regionais. Por exemplo, a dieta mediterrânica é reconhecida não só pelos seus benefícios para a saúde, mas também pela forma como reflecte a geografia e a cultura da região mediterrânica. Esta dieta é rica em frutas, legumes, cereais integrais e gorduras saudáveis, realçando as práticas agrícolas locais e promovendo um sentido de comunidade. A minha passagem como Assessor Jurídico do Turismo de Macau onde preparei diversos diplomas legais que foram desde a reestruturação da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) até ao diploma que aprovou o regulamento do novo regime da actividade hoteleira e similar, entre outros diplomas legais, bem como a criação da estrutura legal da Escola Superior de Turismo no âmbito da Comissão Instaladora da Escola Superior de Turismo (CIEST) da qual resultou a criação do Instituto de Formação Turística (IFT), e que actualmente é Universidade de Turismo de Macau seu sucedâneo até às negociações preliminares e participação como co-gerente da Sociedade Bela Vista, Lda por parte do governo conjuntamente com a gerência da parte da STDM liderada pelo querido e saudoso Dr. Stanley Ho, que detinha a gestão do Hotel Bela Vista (actualmente residência do Cônsul-Geral de Portudal em Macau), bem como a passagem como perito na área do Turismo no Grupo de Ligação com vista à manutenção de Macau na Organização Mundial de Turismo e na área criminal com a manutenção de Macau na Interpol fizeram que nunca me desligasse do amor pelo estudo do turismo e do seu direito onde diversos escritos temos produzido e em preparação desculpando a ousadia de um Manual do Direito de Turismo. Nesta série de escritos que serve de interregno aos temas que abordamos iremos escrever sobre a “A geogastronomia e a Ásia”, “A geogastronomia e Macau como Cidade Criativa em Gastronomia da Unesco”, “A geogastronomia e o papel da gastronomia portuguesa em Macau”, “A geogastronomia e o património culinário de Macau”, “A geogastronomia e turismo gastronómico”, “A geogastronomia e o futuro da cozinha tradicional portuguesa em Macau” entre outros temas. O novo governo empossado a 20 de Dezembro de 2024 através do Chefe do Executivo pugna pela diversificação económica que irá ser tarefa difícil dado que 85 por cento das receitas governamentais provêem do jogo. O compromissos e as pressões nas concessionárias para investir e desenvolver as áreas não ligadas ao jogo, como a cultura, desporto e outras passa também por reavaliar a geogastronomia de Macau e cautelosamente estudar e desenvolver os temas acima referenciados com vista a captar mais turistas e oferecer uma gastronomia de qualidade que justifique a atribuição da UNESCO e tal passará muito pelos hotéis, pelos chefes de renome residentes em Macau e ementas que apresentem. Alguns hotéis como o Hotel Lisboeta, começaram a 16 de Dezembro a criação de “três iguarias” portuguesas em que se associou o altamente renomado, conceituado e condecorado com a Medalha de Mérito pela Região Administrativa de Macau (RAEM) em 2013, Chef António Neves Coelho e a sua equipe de Chefes, como o “Croissant de leitão”, o “Queijo de cabra gratinado” e o “Arroz de marisco molhado à moda do Chef Coelho”, entre outras iguarias que pode ser apreciado até 28 de Fevereiro de 2025 no “Angela`s Café and Lounge. O Vice-presidente da área de Alimentação e Bebidas do Lisboeta, Terence Chu afirmou que “a gastronomia Portuguesa é a mais representativa de Macau…”. Macau merece e exige como Cidade Criativa em Gastronomia da Unesco e a gastronomia Portuguesa que na simbiose com a gastronomia Chinesa criaram a gastronomia Macaense que esta iniciativa seja contínua e que o “Angela`s Café and Lounge” se torne um dos restaurantes Portugueses por excelência em Macau e inaugure um ciclo de gastronomia Portuguesa a 1 de Março de 2025, tipo “Roteiro de Sabores” e ofereça mensalmente a melhor gastronomia das diversas e ricas regiões de Portugal. Cumprida a introdução, desejamos um Feliz e Próspero Ano de 2025 a todos os leitores do Hoje Macau.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesAs grandes verdades são sempre simples Para assinalar o 25.º aniversário do regresso de Macau à soberania chinesa, a Estação de Televisão chinesa (CCTV) produziu um programa de opinião intitulado “Cara a Cara”, sendo uma das emissões preenchida com uma entrevista a Sam Hou Fai, o recentemente eleito Chefe do Executivo de Macau, cujo tema era “Sam Hou Fai: As Grandes Verdades são Sempre Simples”. O realizador deste episódio sumarizou no título o conteúdo da entrevista, o que foi uma boa ideia. A frase “Grandes Verdades são Sempre Simples” traduz completamente a filosofia taoista da China, e de alguma forma expressa o mesmo que outras máximas como “o mais belo som é inaudível”, “a melhor forma é a fluida”. Dito de outra maneira, “grandeza em simplicidade” significa que ao entender os princípios e regras fundamentais, e retirando a complexidade das manifestações externas, pudemos compreender a mais pura e simples das verdades. O Presidente Xi Jinping proferiu um discurso na sede das Nações Unidas em Genebra, em Janeiro de 2017, onde afirmou que “As grandes verdades só podem ser compreendidas através das acções e são elas que detêm a chave para a construção de uma comunidade global com um futuro partilhado”. Durante o período de campanha eleitoral, Sam Hou Fai apresentou o seu programa político, consubstanciado na frase “Macau alicerçado no Estado de Direito, dinâmico, cultural e feliz”, um empreendimento que não é fácil de pôr em prática. Depois de Sam Hou Fai e a sua equipa tomarem posse, vão enfrentar desafios mais complexos e difíceis do que aqueles com que o anterior Executivo teve de lidar durante os três anos de pandemia. Depois deste período, as feridas ocultas da sociedade de Macau começaram a vir à superfície, juntamente com as mudanças no cenário económico nacional e internacional e ainda com o impacto potencial das relações Sino-americanas em 2025. Qualquer flutuação geopolítica na Ásia irá criar uma “tempestade num copo de água” em Macau. A primeira página da edição de 15 de Dezembro do periódico “Catholic Weekly” (Kung Kao Po) trazia a manchete “Cardeal Stephen Chow: Cicatrizar Hong Kong e a Igreja através do Concílio”. Assisti recentemente a um Réquiem cantado durante uma missa em Hong Kong e senti como é urgente a cicatrização da Igreja e o mesmo é verdade para Hong Kong, à medida que se esforça para fazer a transição da estabilidade para a prosperidade. Embora a situação de Macau não seja tão desafiante como a de Hong Kong, ainda assim deve evitar a opressão, a exclusão e a confrontação social. Os nomes dos cinco secretários e dos 11 membros do Conselho Executivo do VI Governo da RAEM foram progressivamente anunciados. Depois de tomarem posse, iremos avaliar, com o tempo e através das suas acções, se serão capazes de ajudar Sam Hou Fai a levar a cabo os seus quatro principais projectos, mencionados na campanha eleitoral. “As grandes verdades só podem ser compreendidas através das acções”, deve servir como o princípio orientador para o cumprimento do dever de quem integra o Governo. Há uma série de televisão muito popular na China intitulada “Em Nome do Povo”, que fala sobre a luta do país para levar à justiça os oficiais corruptos. Durante um destes episódios, a fala de um procurador assistente causou em mim grande impacto. O actor que desempenha o papel de um membro de longa data do Partido Comunista declarou que o “Os membros do Partido Comunista carregam sacos de pólvora”, o que significa que estão dispostos a sacrificar-se pelo povo. No enredo da história, alguns ditos membros do partido eram fortemente criticados por trazerem “carteiras”. 25 anos após o regresso à soberania chinesa, com o apoio do Governo Central, Macau registou melhorias significativas na assistência social, na segurança pública e na economia. No entanto, não devemos “esquecer a dor depois da ferida cicatrizar” e ignorar as lições deixadas por ex-membros do Governo como Ao Man Long, Ho Chio Meng, Jaime Roberto Carion e Li Canfeng, que caíram em desgraça durante o desenvolvimento progressista de Macau.
Carlos Morais José A outra face VozesRAEM 25 anos | Portugueses e malteses, às vezes Um quarto de século escorreu desde a transferência de soberania de Macau para a China. E, antes e durante estes cinco lustros, também alguma tinta escorreu na lusa língua e em lusas páginas sobre o destino desta cidade, traçando previsões e apresentando opiniões cuja acuidade, no mínimo, deixou muito a desejar e fazem até surgir um sorriso complacente 25 anos depois. Os portugueses seriam corridos. Os jornais em língua portuguesa desapareceriam, bem como o uso da própria língua. Macau perderia a sua relativa importância enquanto cidade-casino. A cidade tornar-se-ia em apenas mais uma cidade chinesa, como qualquer outra (como se cada cidade chinesa não tivesse a sua identidade própria), engolida por Zhuhai. Uma mão-de-ferro esmagaria as liberdades dos cidadãos. Mas o coro das velhas (da Praia Grande) falhou redondamente nas suas previsões. É que, 25 anos depois, contra numerosas expectativas, a comunidade portuguesa aqui permanece e prospera. Isto é, no mínimo, estranho para muitos. E essa estranheza cresceu sobretudo nos que, tendo aqui vivido, nunca realmente se interessaram por conhecer esta cidade, a sua cultura e o povo que nela habita. A ignorância é, como se sabe, a raiz da maior parte do mal. A capacidade de não ver, de não querer compreender, de apressadamente julgar com base em valores exportados, e com isso adquirir um sentimento de superioridade, marcou decisivamente a postura de alguns portugueses e poderia ter colocado em risco a nossa presença não fosse a China ser o que é: na sua grandeza, ouvir alguns espirros e não os confundir com uma doença. Ainda agora, observando o modo como Macau é referido nos media de Portugal que resolveram fazer uma espécie de balanço destes 25 anos, é espantoso como alguns dos momentos mais importantes para a nossa comunidade são, pura e simplesmente, ignorados. Refiro-me, por exemplo, à criação do Fórum Macau e na designação da RAEM como ponte entre a China e os países lusófonos em 2003. Este acontecimento, por si só, justificou a presença ilimitada no tempo da nossa comunidade e atribuiu-nos um papel relevante. Por outro lado, algumas das características portuguesas de Macau (gastronomia, danças, músicas, etc.) foram realçadas por motivos identitários e turísticos, no sentido de marcar a diferença “europeia e latina” de Macau e criar pólos de atracção. É por isso que temos assistido ao aparecimento de cada vez mais restaurantes portugueses, por exemplo, e de produtos lusitanos nos escaparates de lojas e mercados, que hoje existem em número muito superior ao que existia no tempo em que Portugal administrava este território. E só não haverá mais porque os nossos empresários são algo monos quando apreciam a possibilidade de expandir as fronteiras dos seus negócios. No entanto, em Macau é difícil lembrar um produto português que não exista: do Queijo da Serra ao bacalhau, passando pelo azeite, o vinho, o porco preto, a ginjinha e, claro, o pastel de nata (este produzido localmente), entre muitos outros. Aliás, é reconhecido que apresentam, em geral, mais qualidade que os produtos símiles que são vendidos em Portugal, acrescentando que o seu preço pouco cresce com a viagem já que aqui não lhe são aplicados impostos. Por outro lado, o Fórum Macau e os programas de cooperação têm trazido para Macau numerosos estudantes de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé, Timor e Brasil, o que modificou a paisagem humana da cidade e a sua própria cultura. Além de estudantes, é de registar a presença de professores lusófonos nas diversas universidades e escolas de Macau. E isto não é coisa pouca, porque a chegada destas gentes fortifica a presença da nossa comunidade, cria mais espaços de convívio, expande os horizontes dos seus protagonistas, solidificando e melhorando uma relação de cinco séculos entre a China e a lusofonia. Apesar do governo português ter tomado recentemente atitudes incompreensivelmente agressivas em relação à China, como a proibição total da Huawei no 5G (terá valido a amizade americana e o lugar europeu a António Costa?) e nisso incorrer em perdas de mais de cem milhões de euros, entre outros disparates anunciados, os chineses continuam a manifestar uma enorme paciência para com o nosso país e, por extensão, com a presença da comunidade portuguesa em Macau. A nossa amizade secular devia ser acarinhada, respeitada, impulsionada por novos actores, mas só parcialmente assistimos a isso quando é realizado por gente comum, na medida em que os responsáveis políticos parecem colocar interesses pessoais e partidários acima dos interesses do país e do seu povo. Esquecem também o modo extraordinário como Macau acolheu cerca de dois mil portugueses que aqui desembarcaram à procura de melhor vida, quando o país mergulhou na crise económica de 2011. Pela RAEM, nestes 25 anos, o tecido social mudou radicalmente e para muito melhor, na medida em que o nível de vida da maior parte da população subiu em flecha. Este ponto tão importante, que também nunca é referido nas reportagens lusas, foi fundamental para a manutenção da harmonia social, mesmo quando se tentou criar dissensão e sentimentos de rejeição ao poder central chinês (lá iremos). Mas a verdade é que a população de Macau atingiu um grau de riqueza e satisfação incomparável com o tempo da administração portuguesa. Os jovens vêem abrir-se incontáveis oportunidades de futuro, pelo que têm contado com o apoio sólido (também financeiro) dos sucessivos governos. Foram criadas várias universidades, incluindo a Universidade de São José, filiada da portuguesa Universidade Católica, que contou com generosos subsídios governamentais para a sua instalação. Se não desapareceu totalmente, a corrupção foi combatida e hoje vivemos um ambiente muito diferente dos “loucos anos 90”, quando a impunidade reinava e tudo parecia permitido e em cima das mesas. Muitos dos que nessa altura vieram do “país da cunha”, por Macau reproduziram e exacerbaram os seus comportamentos. Quando o último governador civil de Macau foi acusado de corrupção em 1990, chegámos ao ponto extremo e estúpido de colocar militares no governo, talvez por se considerar ser o único modo de lidar com o assunto. Foi pior a emenda que o soneto. Entretanto, neste período de 25 anos da RAEM se a corrupção não foi extirpada, foi pelo menos combatida: foram presos e severamente punidos (28 e 18 anos, respectivamente) um Secretário das Obras Públicas e um Procurador, o que criou um ambiente de dissuasão e diminuiu o grau de corrupção existente. Também em termos securitários, a presença das tríades na cidade e em redor dos casinos recuou consideravelmente, tornando-se invisível, ao contrário do que acontecia dantes. Quando cheguei em 1990, avisaram-me que a vida humana aqui era barata, que não me devia sentar de costas para a porta nos restaurantes ou nos bares, para ter cuidado com os elementos das tríades que dominavam uma noite onde a prostituição era rex, etc… Talvez exagerassem… Mas hoje Macau é uma das cidades mais seguras do mundo. Também isso mudou. Em termos políticos, é preciso primeiro esclarecer um aspecto que muitos gostam de varrer para debaixo do tapete e que esclarece o que se entende por “um país, dois sistemas”. O que ficou acordado é que Macau manteria, em termos económicos, o mesmo regime “capitalista” durante 50 anos, e em termos políticos também o mesmo, com base na Lei Básica, a mini-Constituição da RAEM, na qual está consagrada a liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, etc. Então que regime político existia em Macau antes da transferência de soberania e que deveria manter-se pelo menos por mais 50 anos? Uma democracia liberal? Representantes eleitos pelo povo em maioria na Assembleia Legislativa? Havia eleições para escolher o governo? Havia liberdade económica, mas coexistiria esta com a liberdade política? Claro que não. Existia um regime colonial em que os membros do governo eram todos portugueses e designados pelo Presidente da República Portuguesa, completamente à revelia da população de Macau, que não era tida nem achada. Existia liberdade de expressão? Sim, porque a Constituição portuguesa de 1975 a garantia, mas quem a exercesse contra o governo ou qualquer dos seus elementos era na prática ferozmente perseguido e a sua vida tornava-se muito difícil para não dizer insuportável. Ocorreram numerosos despedimentos na comunicação social pública, isto é, na TDM, por motivos assumidamente políticos. Outros, simplesmente, por não caírem no goto dos detentores do poder, como acontece em sociedades pequenas, dirigidas por mentalidades diminutas. Curiosamente, foi esta semana lançado um livro sobre os 25 anos de Macau, coordenado pela então presidente da TDM, a mesma que despediu uma série de jornalistas incómodos e manifestou grande intolerância enquanto sentada esteve na cadeira do poder, funcionando como um apparatchik de um regime totalitário, na defesa cerrada e cega dos desmandos da administração lusitana, mostrando que, de facto, é difícil ultrapassar tiques herdados de 48 anos de fascismo. Se o governo chinês, em Pequim, quisesse reproduzir o regime político tal qual existia antes de 1999, teria enviado um Chefe do Executivo e Secretários directamente de Pequim. Contudo, a opção foi “Macau governado pelas suas gentes”, pela primeira vez na História. Imaginem como se terão sentido as pessoas locais que, pela primeira vez, tiveram nas mãos as rédeas da sua cidade. E isto nunca é sublinhado nas reportagens dos media portugueses, vá-se lá saber porquê… Contudo, em termos políticos, teremos que considerar duas fases nestes 25 anos. Durante a primeira, assistiu-se a uma maior representatividade popular nos órgãos de soberania, nomeadamente na Assembleia Legislativa, tendo aumentado o número de deputados eleitos directamente, incluindo elementos extremamente críticos, não apenas do governo local, mas também do Governo Central e das políticas nacionais chinesas. O Chefe do Executivo passou a ser eleito por uma comissão de 400 notáveis locais, com o óbvio assentimento de Pequim. Os membros do governo foram sempre pessoas de Macau, com laços fortíssimos na sociedade, ao contrário do que sucedia anteriormente. O crescimento do Jogo, com o fim do monopólio da STDM, enriqueceu definitivamente a cidade para além dos mais ousados sonhos e criou milhares de postos de trabalho bem remunerados, aumentando assim o nível de vida da população. A segunda fase é desencadeada pela agitação político-social que ocorreu em Hong Kong. Ali, na cidade fundada pelos ingleses, graças à vergonhosa Guerra do Ópio, as potências ocidentais, nomeadamente os EUA e a Inglaterra (cujos consulados albergavam mais de mil pessoas cada!), procuraram por todos os meios criar uma situação em que era entendido que o “segundo sistema” serviria para atacar o “primeiro”, ou seja, o país e o seu regime político. Hong Kong seria, para estas mentes neo-colonialistas e imperialistas, um ponta de lança, em pleno território chinês, para atacar a China. Estudantes manipulados, burgueses assanhados, manifestações bem orquestradas, bem financiadas e dotadas de todos os gadgets possíveis e imaginários, foram permitidas e toleradas meses a fio, um período de tempo insuportável para qualquer país (em Wall Street, os manifestantes pacíficos, ao contrário de Hong Kong, foram removidos após 28 dias!), até que a cidade se encontrou totalmente paralisada e dividida. Nas ruas, sugeria-se a independência e a intervenção de Donald Trump, até de tropas estrangeiras. Outros pugnavam, com bandeiras, pelo regresso dos colonizadores ingleses. Chegou-se ao ponto de dezenas de elementos estranhos ocuparem uma universidade e dela quererem fazer um castelo inexpugnável às autoridades. Enfim, tudo foi feito para provocar uma reacção violenta de Pequim, do género mandar entrar o exército para acabar de vez e com sangue com a balbúrdia. Contudo, os governantes chineses foram mais espertos que isso. Ao invés do exército, enviaram uma lei: a Lei da Segurança Nacional e a partir daí muito mudou em Hong Kong e por extensão em Macau. Para a China, era claro que não podia admitir que o “segundo sistema” fosse aproveitado para atacar o “primeiro”, e como tal passou a ser considerado traição à Pátria pugnar pela independência de qualquer das duas regiões especiais. Assim, os “independentistas”, os que pediam a intervenção de tropa estrangeira, foram presos, julgados e condenados. Com a Lei da Segurança Nacional, a balbúrdia acabou e Hong Kong regressou à normalidade, não sem ter sofrido importantes golpes no seu prestígio enquanto centro financeiro da Ásia, devido a anos de paralisia e insegurança, motivados pelos protestos. Uma importante mudança política também ocorreu quando se definiu “Hong Kong governado por patriotas”. Tal decisão excluiu imediatamente da vida política uma série de actores cujo desempenho passava basicamente por servir os interesses estrangeiros em Hong Kong, nomeadamente para atacar o governo do país. Infelizmente, na enxurrada terão ido outros cujos objectivos não eram esses, mas que se viram misturados no bolo, talvez por se terem, inocentemente ou não, prestado a um lamentável papel. E, também infelizmente, esta política estendeu-se a Macau, embora por aqui nunca tenha ocorrido nada de semelhante. Tal facto limitou a eleição para a Assembleia Legislativa de vozes incómodas, não porque, na maior parte dos casos, defendessem interesses estrangeiros ou atacassem o Governo Central, mas porque se referiam às políticas dos governos locais, que nem sempre corresponderam às aspirações populares. Ou seja, por causa do que se passou em Hong Kong, Macau levou por tabela, embora nunca na RAEM tenham acontecido desmandos como os da ex-colónia britânica. Assim, agora também a RAEM é “governada por patriotas” e, por causa da Lei de Segurança Nacional, está fora de questão assumir quaisquer veleidades separatistas. Aliás, Macau, ao contrário de Hong Kong, havia aprovado uma lei de segurança nacional em 2009, cumprindo assim o artigo 23º da Lei Básica. Curiosamente, ninguém foi até hoje acusado em Macau de ter violado essa lei de 2009, nem a lei que a substituiu. Ou seja, nunca foram detectados pelas autoridades em Macau crimes de traição, sedição, etc., contra o estado chinês, que tenham chegado a tribunal. E, no entanto, um caso concreto motivou muito barulho e uma série de reacções em cadeia, nomeadamente na área da comunicação social, com repercussões sobretudo na comunidade portuguesa: a mudança editorial na TDM. Convém, desde já, lembrar que a TDM pertence ao governo de Macau, que paga na totalidade as suas despesas. A TDM nunca deu qualquer lucro, sendo pelo contrário um sorvedouro de muitas dezenas de milhões anuais. Os seus jornalistas são, de longe, os mais bem pagos de Macau e desfrutam de regalias inexistentes para os seus colegas de profissão que trabalham na privada. Ora durante os protestos de Hong Kong, sobretudo na sua fase final, os telejornais da TDM estavam, claramente e sem pudor, do lado manifestantes, ignorando completamente as posições governamentais locais ou do país. Obnubilados e delambidos pela defesa da “liberdade”, repórteres enviados para Hong Kong cobriam unicamente um dos lados da questão, nunca se preocupando em ouvir a outra parte, fosse ela o governo ou a parte da população que não estava com os manifestantes. Depois, durante meia-hora, surgia sempre o mesmo comentador: um advogado português, cujo principal cliente era uma empresa de Taiwan com ligações ao exército, desbundava acusações feéricas, afirmando que em Hong Kong estávamos perante “a maior violação dos direitos humanos desde a II Guerra Mundial” (!). Isto entre numerosas tiradas contra o governo chinês, reproduzindo a mais banal e rasca propaganda anti-China, ao nível de uma qualquer Fox News, entrecortadas por expressões de ódio e esgares alucinados. Nisto se transformou, durante um ano ou mais, a informação que era debitada diariamente pelo telejornal da TDM, uma estação de televisão pública. Nas redes sociais, as mesmas criaturas insultavam ad hominem quem não seguia a sua cartilha, quem não rezava pelas contas do mesmo rosário. Eu nunca tinha ouvido falar de um órgão de comunicação estatal que ataca, em primeiro lugar e sem peias, o mesmo estado que o sustenta, na prática defendendo a subversão e a queda do regime. Durante a administração portuguesa, por exemplo, em muito menor grau, tal não foi tolerado, como já vimos. Mas é claro que isto não podia durar para sempre e o Conselho de Administração da TDM viu-se obrigado a intervir, estabelecendo uma nova política editorial. Ora isto foi mal recebido por alguns jornalistas portugueses da TDM (10, entre rádio e televisão, num total de 34) que, sem terem sido despedidos, recusaram aceitar as novas regras e abandonaram pelo seu pé a empresa, tendo na maior parte dos casos regressado a Portugal onde, com uma ou duas excepções, parece que se dedicam a fazer suplementos sobre empresas ou trabalham em OCS neo-liberais ou de extrema-direita, exercendo certamente assim, a seu ver, uma total liberdade jornalística e a sua sinofobia. Fizeram bem, pois não haviam reparado que estavam na China e trabalhavam para uma empresa estatal. Acontece… Quanto à comunicação social privada em língua portuguesa, nada de relevante se passou. Os donos dos jornais em língua portuguesa são jornalistas e não empresários, por isso estão dependentes unicamente das suas próprias linhas editoriais e nunca houve queixas de intervenção ou ameaças por parte do governo local. Enfim, pela pena pesada de alguns destes ressabiados, surgiu em Portugal uma maledicência constante contra os jornalistas que ficaram em Macau, o que se traduziu em reportagens ignóbeis, recheadas de segundos sentidos e mentiras óbvias sobre os seus colegas de profissão e o estado dos órgãos de comunicação social (OCS) em Macau. Algo muito raro no mundo do jornalismo e que só OCS sem dignidade, nem sentido de classe profissional, são capazes de publicar. Foi o caso do Expresso, por exemplo, que escancarou as pernas a esta ignomínia. Não faço ideia se este OCS terá sido bafejado com parte da verba que os EUA destinam à propaganda anti-China, talvez através da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), uma das máscaras da CIA em Portugal, mas ainda que seja esse o caso, nada justifica ataques soezes a colegas de profissão. Por Macau, os jornais em língua portuguesa, ao invés de desparecerem, não só continuam a existir, como surgiu, entretanto, um novo semanário bilingue. As suas linhas editoriais são distintas e, amiúde, críticas das acções do governo local, denunciando falta de transparência, carências e/ou arbitrariedades. Ouvi também numa reportagem recente da TVI que sobrevivemos à conta de subsídios do governo. De facto, é certo que a ignorância é atrevida e a mentira não custa bolçar, tem é perna curta, cujo passo apenas encontra eco na maledicência frustrada de café. Basta consultar o Diário do Governo para ficar com a noção de que o subsídio anual atribuído pelo governo aos OCS paga pouco mais que um mês de despesas e não é a sua existência que nos permite a sobrevivência. Este subsídio foi criado pela administração portuguesa, baseada no facto que o mercado é muito pequeno e tal dificulta obviamente a sobrevivência dos OCS. Chamavam-lhe o “subsídio do papel”, pois acreditava-se que pagaria a impressão dos jornais. Tinha direito a ele quem publicasse, pelo menos, durante cinco anos. De 2001 a 2006, o Hoje Macau não recebeu quaisquer subsídios governamentais e isso não impediu a nossa existência. Após 1999, a administração chinesa manteve-o e é isto. Mas isto parece que causa raiva a muita gente, inveja noutras, o que explica o fedor exalado dessas mentes pouco limpas. Basicamente, os jornais são sustentados, com grande esforço da nossa parte e rigor orçamental, pela publicidade e por edições especiais sobre diversos temas, consoante o OCS em questão. De uma vez por todas, perceberam? Ou será preciso fazer um desenho, a três dimensões e cores garridas, para perceberem melhor? A verdade é que a comunidade portuguesa é altamente apoiada e protegida em Macau. A nível de associativismo, a Casa de Portugal existe e funciona porque recebe um subsídio anual do governo de alguns milhões de patacas, o que lhe tem permitido desenvolver numerosas actividades educativas, artísticas e lúdicas, dispondo de excelentes instalações, em vários pontos da cidade, e de um restaurante. Isto além de fornecer empregos a muita gente. E, sendo a principal, não é a única associação de portugueses que desfruta de apoios governamentais. Entendamo-nos: nos últimos anos de administração portuguesa a palavra de ordem era “levar” e não “deixar”. Os nossos governantes estiveram preocupados em sacar o que puderam (o número de contentores foi astronómico) e não em deixar bases concretas para a permanência da comunidade portuguesa em Macau. Diziam-me: “isto agora é para os chineses”, não entendendo o que significava uma presença de cinco séculos e a existência da comunidade macaense, com raízes seculares nesta terra e que, naturalmente, não desejava abandonar. A propósito, uma última palavra: é graças à comunidade macaense que os portugueses puderam permanecer em Macau durante tanto tempo. Foi sempre essa comunidade que soube encontrar os equilíbrios necessários entre dois povos culturalmente tão diferentes, de modo a diminuir potenciais conflitos e servindo de intermediária na comunicação. Este foi um trabalho de séculos que hoje nos colocaria numa situação de vantagem em relação aos outros países europeus nas relações com a China, assim soubessem os nossos governantes respeitar e aproveitar a situação que a História nos outorgou. Portugal tem uma dívida enorme para com esta comunidade. São contas ainda por saldar.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos (IV) “How much evil we must do in order to do good.” Reinhold Niebuhr Sem a dolorosa possibilidade de ver a vida como caos, a nossa ordem civilizada tornar-se-ia estéril, egocêntrica, solipsista e nós próprios tornar-nos-íamos arrogantes na “hybris” do nosso poder intelectual. Para além das influências mútuas entre o mundo académico e a liderança, o escrutínio histórico mostra o que está realmente em jogo. Na América, o pensamento, e não apenas o do Estado, é cada vez mais rígido e unilateral. Na Guerra Fria, isto não era um grande problema, pois o inimigo, único e absoluto, disciplinava o espírito; a educação dos estadistas era mais humanista e polvilhada de alta literatura; a experiência pessoal, de guerra ou de catástrofes familiares, completava a educação. Hoje, estes três factores estão ausentes. Os inimigos são demasiados e não são tão assustadores, por isso não disciplinam (ainda); a história e os clássicos são cada vez mais retirados do currículo; as escolas de serviço diplomático encerram os estudos da área e a aprendizagem de muitas línguas; a geração mais jovem é a mais protegida de sempre. Como é que um americano pode aprender a tragédia, a transitoriedade da ordem, os compromissos do poder, a comparação de pontos de vista? Como é que este ambiente pode evitar a formação de cruzados prontos para o choque de civilizações? Ou o seu oposto, cidadãos submissos, incapazes de compreender o que está em jogo? Vejamos dois exemplos, sintomas de outros tantos problemas de fundo. Em primeiro lugar, o ensino universitário incita ao moralismo utópico. O longo casamento entre o mundo académico e o império está a divorciar-se. Os “think tanks” de Washington substituíram as universidades no fornecimento de ideias e pessoal para a burocracia, com o efeito de aumentar o conformismo. Os mandarins da política externa acusam os académicos de instruírem os jovens com ideias impraticáveis e prejudiciais, tais como a redução do papel da América no mundo, sem um conhecimento prático de como o fazer. O problema é mais vasto e diz respeito à relação com o poder. Os estudantes americanos perderam toda a familiaridade com a razão de Estado. Isto pode ser visto num ensaio recente de Hal Brands na Foreign Affairs. Até que ponto temos de fazer o mal para fazer o bem?, pergunta-se o autor, citando o teólogo Reinhold Niebuhr. Para dizer o óbvio de que a era do conflito que se abriu entre a América e os seus rivais torna-se inevitavelmente uma era de amoralidade, porque a única maneira de proteger um mundo apto para a liberdade é cortejar parceiros impuros e cometer actos imorais. Não há razão para nos sentirmos demasiado embaraçados por recorrermos ao jogo sujo se não tivermos autoconfiança suficiente para defender os nossos interesses, não teremos sequer a força para fazer grandes coisas. Segue-se um catálogo bastante óbvio de um “ethos” capaz de resistir aos compromissos necessários; a moral é uma bússola, não um colete-de-forças; não caímos em utopias e falsas alternativas; o bem não surge de repente, nem o mal é cometido para sempre; os ganhos marginais contam; os males causados devem ser proporcionais ao objectivo; defender os nossos valores é mais do que intimidar os tiranos. O baixo nível das recomendações, obra de um professor universitário íntimo dos “apparatchiks”, sugere que o público-alvo é a geração mais jovem, desiludida com o desempenho dos Estados Unidos no mundo. Tão esmagados pela culpa que não estão preparados para as funções mais básicas do poder. A operação pedagógica de Brands não é inteiramente nova. Diz respeito ao eterno e íntimo conflito americano com a razão de Estado. Com a ideia, crucial na cultura americana, pelo menos a partir de Wilson, de que o Estado não pode reivindicar uma moralidade própria. Cada geração chamada a combater, desde os conflitos mundiais à Guerra Fria e à Grande Guerra actual, tem de renegociar o pacto com a sua própria alma. No entanto, dizer que o Estado deve fazer o mal em busca do bem não é renegociar um pacto. É a base que falta. É o efeito de uma deslegitimação sistemática às mãos da cultura dominante na América, em particular das teorias agora conhecidas como “wokistas”, que desde os anos de 1960 identificaram todas as formas de poder constituído como a fonte da discriminação que deve ser corrigida, uma prioridade máxima para tornar a sociedade americana finalmente justa e moral. As instituições deram-lhe o seu próprio cunho, deslegitimadas pelas derrotas no estrangeiro e pela falta de consideração pelo sofrimento da classe média. Mas tal como o poder não deve ser idolatrado, também não deve ser demonizado. Corre-se o risco de paralisia. O segundo exemplo da dificuldade americana em cultivar a sensibilidade trágica diz respeito à cultura popular. Com a literatura inteiramente centrada no indivíduo, mesmo quando encena o colapso social, restaria o cinema. Recentemente, foram lançados nos Estados Unidos dois filmes que imaginam um futuro colapso da ordem. O filme “Leave the World Behind”, produzido pela empresa de Barack e Michelle Obama, conta a perplexidade de duas famílias quando os Estados Unidos são atingidos por um ataque cibernético devastador de potências estrangeiras, completado por uma insurreição interna. O filme “Guerra Civil”, um grande sucesso de audiências, segue uma equipa de reportagem que tenta chegar a Washington no meio de uma guerra entre pelo menos quatro exércitos, desencadeada pela rebelião contra um presidente que procura um terceiro mandato. Nenhum deles investiga enquanto a catástrofe se abate sobre a América. A remoção é total em “Guerra Civil”. Ao mesmo tempo que mostra cenas terríveis, não assusta, tudo é leve, superficial. Renuncia voluntariamente à reflexão sobre as causas da guerra, que se deduz ser justa por ser dirigida contra um usurpador. No entanto, as razões dos combatentes estão ausentes. Proibido sentir empatia, proibido compreender. Nas palavras do protagonista, um fotojornalista desiludido diz que não perguntamos. Registamos para que outros perguntem. Mais explícito ainda é o realizador, Alex Garland que afirma que quando as coisas se tornam extremas, as razões pelas quais se tornaram extremas deixam de ser relevantes. É a ponta da faca que permanece relevante. “Guerra Civil” é estéril, emblemático de uma América onde não se pode relacionar os argumentos de um e de outro porque se chocaria com toda a gente. Diz-se que Ronald Reagan foi inspirado a negociar tratados de limitação de armas com a União Soviética por “The Day After”, uma adaptação televisiva do relatório sobre os “Efeitos da Guerra Nuclear” encomendado pelo Senado no final da década de 1970. O filme “The Day After” era uma obra de ficção. Essa obra de ficção baseou-se nos conhecimentos científicos e estratégicos disponíveis para imaginar a realidade e convidar à acção. Actualmente, o cinema americano cai no niilismo. Não sugere o comportamento para evitar a anarquia. Apenas diz que a América está condenada. O resultado é tetanizante. Não é tragédia, é apocalipse. Mas a tragédia é um aviso, o apocalipse é uma profecia. Levada pela embriaguez da sua missão, desorientada por teorias que queriam justificar-se, a América violou repetidamente, nas últimas décadas, as antigas lições de bom senso contidas nos clássicos. Contravenção máxima, a de fazer guerras sem fim, sem fim porque sem objectivo. Em vez de inculcar nos cidadãos um medo absoluto da guerra, de modo a convencê-los da sua indispensabilidade quando necessário, abusou dela ao ponto de os convencer do contrário, ou seja, de os tornar relutantes em defender o império e a ordem. Não é de admirar que a pedagogia imperial já não funcione, que o moralismo paralise as gerações mais jovens, que a raiva interna não possa ser descarregada para o exterior. A perda de sensibilidade trágica, tanto na população como na classe dirigente, é um factor poderoso na atrofia mais geral do pensamento estratégico nos Estados Unidos. No actual momento de confusão, uma contradição emerge do conhecimento dos clássicos. Os Estados Unidos devem defender a ordem a todo o custo porque é melhor do que a anarquia, mas a imposição da ordem, objecto de contenda com os seus rivais, pode contribuir para a própria anarquia. Poderão os Estados Unidos mudar de atitude com a mesma classe dirigente? Poderão mudar a classe dirigente sem desencadear um terramoto mundial? A margem de manobra para dividir estas questões é cada vez mais estreita. O desafio é encontrar o equilíbrio certo entre redescobrir o medo colectivo e moderar as ambições de cada um. O conceito de tragédia pode ser utilizado para apoiar teses opostas, mas entrar nestes dilemas sem a sua sabedoria pode ser fatal.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos – III O implacável Paul Nitze, decano dos “apparatchiks” diria que quase tudo o que tem sido escrito e ensinado sob a bandeira da ciência política na América desde a II Guerra Mundial tem sido contrário à experiência e ao senso comum. Também tem sido de pouco valor, se não mesmo contraproducente, como guia concreto para a política. Ainda mais abrasivo é o historiador Bruce Kuklick que diria que os intelectuais serviram para legitimar as políticas, não para as impulsionar. A função básica, embora não a única, das ideias estratégicas era fornecer aos políticos ficções que dessem sentido à opinião pública. A crítica do filósofo britânico Mark Bevir era de que a história da ciência política é menos uma história de estudiosos que testam e melhoram teorias referindo-se a dados e mais uma história de apropriação e transformação de ideias, muitas vezes obscurecendo ou obliterando significados anteriores, para servir novos objectivos em diferentes contextos políticos. A questão é que não foram as ciências sociais que informaram o poder, foi o poder que seleccionou as teorias que justificavam o que ele achava que tinha de fazer. Vemos isto em acção quando os Estados Unidos, no final da Guerra Fria, se convencem de que é tempo de alargar o sistema internacional criado em 1945 a todo o mundo, de globalizar. Uma ambição partilhada por duas administrações, a de Clinton e a de Bush filho. Mesmo com as suas inegáveis e radicais diferenças, partilharam a ideia de que o poder tecnológico, económico, cultural e militar permitiria à América estender a sua influência centrada na democratização, na interdependência comercial e no primado do direito. A ser alargada pela persuasão ou imposta pela força. As teorias nascidas na esfera económica ou social ganham assim popularidade, estendida aos assuntos internacionais devido ao súbito desaparecimento do elemento conflitual, devido à ausência de antagonistas ao modelo liberal-democrático. É o caso da escolha racional, da maximização do interesse (económico) ou do funcionalismo institucional. Difundem-se determinismos políticos como a teoria da paz democrática, segundo a qual o tipo de regime determina uma política externa plácida e centrada na procura do bem-estar económico. Com origem na década de 1980, com o influente artigo de Michael Doyle em Kant, foi defendida pelos governos Reagan e Clinton, acabando por ser incluída em documentos oficiais como a Estratégia de Segurança Nacional de 1994, defendendo que todos os interesses estratégicos americanos, desde a promoção da prosperidade a nível interno até ao controlo das ameaças globais antes de atingirem o território americano, baseiam-se no alargamento da comunidade das democracias e dos mercados livres entre as nações. A falta de utilidade destas teorias reside, em grande medida, na atribuição de uma racionalidade abstracta e absoluta aos sujeitos históricos. Muitas vezes, entende-se a racionalidade económica, embora as escolhas geopolíticas quase nunca sejam feitas com base num cálculo material de custo-benefício. Ou então é entendida como uma racionalidade ocidental, ignorando o peso das diferentes culturas nas decisões relativas a factores intangíveis como o custo e a honra nacional. Ou então, os factores irracionais, emocionais, sentimentais, difíceis de medir e, no entanto, ponderáveis, são completamente eliminados. Aqueles que secam tudo à pura racionalidade nunca leram as “Memórias do subsolo”, de Fiodor Dostoievski, um hino ao livre arbítrio da auto-destruição. Qualquer disciplina corre o risco de uma racionalização excessiva. Mesmo a geopolítica, se cair no erro de atribuir um carácter determinista as observações deveriam ser casuísticas e dinâmicas, ou seja, sujeitas ao inevitável desgaste do tempo. Em suma, as ciências sociais sofrem de uma falta de consideração pelos pontos de vista dos outros. É um outro ponto de contacto com a ideia de que a América tem de si própria e da sua missão universal. De que serve o vosso ponto de vista se eu sou o melhor a que podem aspirar? Paralelamente, se eu tiver a teoria certa e os dados que seleccionei a provarem, ela funcionará independentemente da sua vontade. Vejamos novamente Kaplan, quando cita o ilustre classicista Charles Segal de que a tragédia existe como uma forma de arte para que não esqueçamos as dimensões da vida que existem para além das estruturas da civilização.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMediação em Hong Kong Lam Ting-kwok, Secretário da Justiça de Hong Kong, tinha anunciado a criação do “Hong Kong International Legal Talent Training Institute” a 8 de Novembro do corrente ano e ainda a revisão abrangente das qualificações profissionais e dos procedimentos disciplinares do sistema de mediação de Hong Kong, até ao final de 2024. Além disso, esperava que viessem a ser introduzidas clausulas de mediação nos contratos celebrados pelo Governo de Hong Kong durante o primeiro trimestre de 2025, encorajando assim as empresas privadas a recorrer à mediação para solucionar litígios. Hong Kong irá criar simultaneamente o “Tribunal Internacional de Mediação”, uma “Organização Internacional Inter-governamental” especializada em lidar com litígios internacionais através da mediação e que estará sediada em Hong Kong. Os quadros que vão estar ao serviço neste tribunal vão receber formação e entrarão em funções em 2025. Todas estas medidas ajudarão Hong Kong a tornar-se a “Cidade da Mediação”. A promoção da mediação pelo Governo de Hong Kong não aconteceu de um dia para o outro. Já em 2012, Hong Kong tinha promulgado a “Portaria de Mediação”, e na secção 4 estipulava-se que a mediação é um procedimento no qual um ou mais mediadores certificados e imparciais identificam os motivos do conflito procurando vias de entendimento, formulando soluções e fortalecendo a comunicação entre as partes em litígio e obtendo finalmente um acordo total ou parcial. Outro acto legislativo que promove em larga escala a mediação é a “Portaria de Desculpas”, promulgada em Hong Kong em 2017. Esta Portaria incentiva as partes desavindas a desculparem-se, impede que os conflitos se agravem e ajuda a resolver as disputas amigavelmente. A secção 7 prevê que, na maioria dos processos cíveis, um pedido de desculpas não é uma admissão de culpa ou de responsabilidade legal. Quando o tribunal analisa um caso de disputas, não considera que quem apresenta este pedido se ache culpado. A secção 8 estipula que a apresentação de um pedido de desculpas não deve por norma ser considerada como prova contra a parte que o efectuou. Em termos de cooperação regional, o Governo de Hong Kong e o Ministério do Comércio da China continental assinaram, a 28 de Junho de 2017, um “Acordo de Investimento” ao abrigo da “Acordo de Parceria Económica Para o Estreitamento entre o Interior da China e Hong Kong”. O mecanismo de mediação de litígios em matéria de investimento entre a China continental e Hong Kong ficou assim clarificado. Tanto o Governo de Hong Kong como o Ministério do Comércio da China continental designaram instituições de mediação e mediadores responsáveis para a resolução de litígios relacionados com investimentos e, a 14 de Dezembro de 2018, a lista dessas instituições e mediadores foi anunciada. A partir de então, na segunda reunião conjunta dos departamentos jurídicos da Área da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau, realizada em 2020, foi adoptado por todos eles um plano de trabalho para a criação de uma plataforma de mediação nesta zona e foram formulados critérios de qualificação unificados, revisão de certificados e os padrões de mediação para que a Área da Grande Baía promovesse o estabelecimento de listas de mediadores locais qualificados em cada uma das três regiões. Na terceira reunião conjunta, realizada a 10 de Dezembro de 2021, foram adoptadas as “Normas de Avaliação da Autonomia de Mediadores da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau” bem como o “Melhor Código de Conduta Profissional para Mediadores da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, que entraram em vigor a 30 de Março de 2022. Segundo as “Normas de Avaliação da Qualificação dos Mediadores da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, os departamentos jurídicos de Guangdong, Hong Kong e Macau devem formular regulamentos locais de avaliação de qualificações baseados nas condições concretas de cada região e todas elas devem avaliar e aprovar os seus próprios mediadores e formar uma equipa aprovada pelas três. A lista de mediadores deve ser apresentada à Comissão de Trabalho para a Mediação da Área da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau para aprovação. A lista aprovada de mediadores da Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau será finalmente formada. Todas estas medidas demonstram que o Governo de Hong Kong não está a poupar esforços para promover a mediação. O Governo de Hong Kong tomou em consideração todos os detalhes, em termos de instalações, de políticas adoptadas, de sistemas, da legislação, da formação de quadros, quer ao nível internacional quer ao nível do interior da China. As perspectivas do desenvolvimento do sistema de mediação em Hong Kong são radiantes. Mas para as partes em litígio qual é a mais valia de um mediador? O facto de os mediadores receberem uma formação credenciada é sem dúvida uma condição que inspira confiança às partes em litígio. Mas ainda mais importante é a vontade de ambas as partes se sentarem à mesa e aceitarem a mediação porque acreditam que o mediador pode ajudar a resolver o litígio entre elas, por conseguinte, ganhar a confiança de ambas as partes é um factor chave para a aceitação da mediação. Para a mediação ser bem-sucedida, o Governo de Hong Kong deve esforçar-se para aperfeiçoar os sistemas que a suportam e os mediadores devem dar o seu melhor para esmerar as suas capacidades mediadoras de forma a conquistarem a confiança das partes em litígio. Desta forma, o sistema de mediação de Hong Kong será definitivamente capaz de alcançar um nível mais elevado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesFartaram-se! Fartaram-se! Os bombeiros sapadores fartaram-se de ser desprezados durante 22 anos. Mulheres e homens profissionais municipalizados em todo o país puseram e põem em risco a vida no incêndio do Chiado, nos vários incêndios em prédios degradados, em florestas abandonadas, em fábricas de indústria perigosa. Receberam o aplauso e a presença das autoridades nos funerais. Nada mais. Depressa essas mesmas autoridades nunca se preocuparam com o salário miserável ou com o subsídio de risco não existente para os bombeiros sapadores. Estas mulheres e homens são considerados pelo povo como “heróis”, como “soldados da paz”. Defendem todos quantos portugueses se encontram em situação grave de perigo de vida. Muitos têm dado a vida a combater os mais diversos incidentes. Os bombeiros sapadores reivindicam acertos salariais para compensar o aumento da inflação, conforme foi atribuído às demais carreiras da Função Pública. Exigem ainda a regulamentação da carreira, onde sejam contemplados os suplementos de risco, penosidade e insalubridade, bem como a disponibilidade permanente, em percentagem e à parte do vencimento base. Há dias, o acontecimento nacional foi a marcha de centenas de bombeiros sapadores a caminho da sede do Governo, porque realizava-se ali uma reunião entre o secretário de Estado da tutela e os sindicatos representativos dos sapadores. A marcha e a manifestação em redor da sede do Governo, no Campo Pequeno em Lisboa, não foi violenta e não passou da normalidade que se tem assistido com manifestações anteriores de outras profissões. Podemos discordar que os sapadores bombeiros não deviam tem lançado petardos e tochas. No entanto, não foi razão para ditatorialmente o Governo cancelar de imediato a reunião com os sindicalistas alegando falta de segurança. Só para rir. Falta de segurança num edifício rodeado de polícia de choque? Os governantes em reunião nem sequer ouviram o ruído e as palavras de ordem lançadas pelos manifestantes, porque o edifício onde funciona agora o Governo, antiga sede da Caixa Geral de Depósitos, tem todo ele vidros duplos. Os governantes, incluindo o primeiro-ministro apenas tomaram conhecimento do que estava a acontecer através dos canais de televisão. Mais absurdo, foi Luís Montenegro ter afirmado que não haveriam mais reuniões com os representantes dos bombeiros sapadores devido ao ambiente de coacção junto da sede do Governo. Caricata atitude governamental que só dá razão aos sapadores quando afirmam que são desprezados há 22 anos. Se os médicos e enfermeiros fazem greves, imaginemos uma greve indefinida por parte dos bombeiros sapadores. Como dizia um dos cartazes dos manifestantes: “Está a arder? Chamem os políticos!”. Um incêndio na baixa de Lisboa ou na Ribeira do Porto, com os sapadores em greve não será uma tragédia? O Governo não entende que esta classe profissional arrisca a vida durante 24 horas de serviço pelo bem da população? Uns miseráveis aumentos de vencimento e de subsídio de risco irá afectar o Orçamento do Estado quando se enviam centenas de milhões de euros para a guerra na Ucrânia? Uma coisa é certa. Mesmo com petardos e tochas para melhor chamar a atenção, o povo português está ao lado dos sapadores bombeiros por se tratar de uma luta justa. E não venha cá o partido populista Chega tentar aproveitar-se desta luta para caçar votos, como já o tinha feito com os polícias. O Chega apenas está desesperado politicamente após ter colocado tarjas propagandísticas nas janelas da Assembleia da República, património nacional e não património do Chega. Por estas e outras, os radicais de direita apresentam nas últimas sondagens um resultado que lhes provoca esse desespero de apenas anunciarem baboseiras contra a democracia. Os últimos resultados de um inquérito nacional apresentam o Chega com apenas 12 por cento das intenções de voto dos portugueses. É importante que o Governo faça marcha-atrás e regresse à mesa das negociações com os representantes dos bombeiros sapadores, mas não para mais uma conversa da treta. Tem de ser uma reunião que resolva as reivindicações desta classe profissional que trabalha no socorro da população portuguesa. Infelizmente, passado mais de uma semana e os governantes continuam a afirmar que as negociações reiniciam-se quando não existir pressão ao redor da sede do Governo por parte dos bombeiros sapadores. Demagogia política. Os bombeiros têm estado pacificamente a aguardar uma solução para a sua situação. Após um desprezo de 22 anos, será que a ineficácia governamental irá continuar? Esperemos que não. P.S. – Lamentavelmente não está prevista em Portugal qualquer cerimónia oficial ou oficiosa ou mesmo um jantar comemorativo das bodas de prata da transferência de Macau de Portugal para a China.
Amélia Vieira VozesO sonho de Calderón Calderón de la Barca é já por si um nome que nos remete para uma área de fábula – uma barca, um caldeirão – receptáculos de travessias e alquímicas transformações, assim se nomeia este nomeado que adjetivamos sempre com prodigalidade, talento, vida longa, saber e carisma, que o tornaria o mais ilustre escritor barroco e o elevou a uma referência mítica da sua Idade de Ouro, deixar de o ver é como ficar cego, deixar de o cumprimentar um descuido civilizacional de desleixo e descaso, temos o dever de reanimar, de os reanimar dessa imortalidade eterna, sim, onde um nome não seja somente a pedra de um sepulcro ou uma circular nas ruas das cidades. Com ele e com Lope de Vega nos iremos então encontrar neste breve encontro, que a vastidão de que deram provas é inibidora de grandes descrições, e devia até existir um Teatro só para vogais quando fosse necessário mencioná-los; La Barca seguiu Vega, transformou, desbastou, colocou o centro que estava na periferia e nasceram então as maças de ouro das Hespérides, que no meio de muita folhagem perdem-se os tesouros. Estamos no século XVII, onde nasce logo no seu início em 1600, e percorre-o durante os reinados dos nossos Filipes, estamos no coração do barroco e a sua contribuição foi o emblema do género literário que fez galgar Espanha para a mais alta esfera cultural do mundo, que sem ele a Península Ibério seria um retalho abstrato de grandes poetas, sim, mas faltando-lhe o selo da mundialização. Devido à sua formação teológica, e outras, mas sobretudo esta, a retórica foi-lhe um domínio persistente, incutindo nas suas obras esta capacidade que abrilhantou diálogos, impôs caminhos, e intelectualizou a escrita para um patamar rigoroso, imperioso e requintado, era um providencialista e talvez um pessimista dado que a ausência divina seria para ele a permanência desta nossa vida, seguindo-a sempre, compreende que jamais desvendaria o seu significado final. É com ele que a cenografia alcança um lugar até então desconhecido numa unicidade de todas as artes em confronto, ele vai escavar, desbravar, e levar ao rubro barroco a alternativa que se encontra em todas as coisas. E foi em seu nome que alguém se lembrou fazer já em pleno século XX uma celebração à Espanha de Calderón como uma supremacia latina face à ” barbárie germânica”. A dramaturgia é uma vastidão. Um trabalho que nos interroga, afinal, o que andamos nós a fazer, ou que pessoas eram estas, porque, porquê e como. E voltemos ao iniciado «A vida é sonho» a peça teatral que viu o seu dia em 1635 e nos fala ainda sobre o abuso do poder, a desesperança, e de nossos maiores medos, que longe de ser a morte é o provarmos que existimos. O medo aciona em nós o mais primitivo instinto, daí a muralha global dos « fake news» posta a esparramar no plasma virtual a alavanca motriz dos avanços dos radicalismos. Estamos presos como Segismundo. Mas a grande alvorada sempre vem, não há noite para sempre, e por vezes conseguimos entrincheirarmo-nos nos atributos daqueles guias mágicos que não cessam de chamar nestes tempos bárbaros a nossa atenção. A equidade é tão grande que nos remete ao mito da caverna, mas mais tarde ou mais cedo descobrimos quem somos e que não vale a pena o frenesim da alienação. O servo do pai é um agente extraterrestre obrigando a desorbitar o apego atávico dos clãs e das tribos, compostos ainda nesta estranha Idade da Pedra. Acordados dos sonhos, os sonhos são ainda a impressão digital que nos informa que vencemos etapas gigantescas e a vida é o que avança sempre no momento, que o cálculo enquista e a dor amarfanha, só quando é grande ela se liberta do arrastar de sombras do habitat antigo, se transmuta e transforma. Saturnino rei da Polónia neste memorial de horrores, chegou o teu fim, que pais são castigos. Todos sonham o que são No entanto ninguém entende Eu sonho que estou aqui De correntes carregado E sonhei e noutro estado Mais lisonjeiro me vi Que é a vida? Um frenesi Que é a vida? Uma ilusão Uma sombra, uma ficção; O maior bem é tristonho, Porque toda a vida é sonho, E os sonhos, sonhos são. LA BARCA
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAs conquistas extraordinárias de Tony Leung (II) A semana passada, partilhámos a história da carreira ascendente de Tony Leung chiu-wai (梁朝偉), estrela do cinema e da televisão de Hong Kong. Em 2023, ganhou o “Leão de Ouro de Carreira” (終身成就金獅獎) na 80.ª edição do Festival de Cinema de Veneza (威尼斯影展). Foi o terceiro chinês a ganhar o prémio e o primeiro actor desta nacionalidade a obter semelhante honra. O ano de 2024 foi para a Tony Leung a cereja em cima do bolo. Para além de conquistar pela sexta vez o “Prémio de Melhor Actor do Cinema de Hong Kong” (香港電影金像獎最佳男主角), também recebeu um doutoramento honoris causa em Humanidades atribuído pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong e ainda um outro em representação entregue pela Academia de Artes Performativas de Hong Kong. Os louros atribuídos actualmente a Tony Leung são consequência do seu trabalho árduo, pois sempre lutou para progredir e nunca desistiu. Pudemos ouvi-lo falar destes princípios no discurso que proferiu no pódio da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. Em relação à sua profissão, Tony Leung tem a seguinte perspectiva: “Vou contar-vos o pequeno segredo que me permitiu tornar-me um bom actor. Primeiro, em cada projecto que iniciamos, devemos pensar em nós próprios como principiantes. Desta forma mantemos a frescura. Nunca fico inteiramente satisfeito com os meus desempenhos, estou sempre determinado a melhorar da próxima vez. Devemos sempre dar o nosso melhor e não irmos atrás da fama, do dinheiro ou de qualquer outra coisa. Acima de tudo, é preciso amar o que fazemos, termos paixão.” Para mantermos sempre a frescura do nosso trabalho, temos constantemente de explorar e lutar para nos aperfeiçoarmos; só melhorando podemos progredir. Impormos a nós próprios ser melhores da próxima vez é a chave para o contínuo aperfeiçoamento das nossas capacidades e a qualidade essencial de um profissional. O que os profissionais mostram aos clientes é a sua competência. Se forem incompetentes, como é que podem fornecer serviços de alta qualidade? O psicólogo Maslow fala-nos da teoria da motivação, que divide as necessidades humanas em cinco níveis. O primeiro são as necessidades fisiológicas, o nível mais básico, que significa que as pessoas precisam de comida, água, etc. O segundo nível é a segurança. Os seres humanos precisam de uma casa, de saúde, de trabalho, etc. No terceiro nível encontram-se o amor e a pertença. Nesta categoria encontram-se o amor e o aconchego da família, o sentimento de pertença no trabalho, etc. o quarto nível tem a ver com a estima, que engloba o reconhecimento do nosso trabalho pelos colegas, as conquistas pessoais, a auto-confiança, etc. O quinto e mais elevado nível é a realização pessoal, que implica a concretização do nosso potencial, o auto-conhecimento, a procura do crescimento pessoal e a experiência da elevação. Dito de outra forma, a este nível, a pessoa não precisa de se preocupar com as opiniões alheias e pode perseguir os seus objectivos por sua conta e risco. Tony Leung propôs-se fazer o seu melhor, trabalhar com afinco, não pelo dinheiro ou pela reputação, mas continuar a lutar no seu caminho profissional e manter a paixão pelo seu trabalho, para conservar a chama acesa e nunca desistir. É um exemplo acabado da procura de si próprio. Isto significa que Tony Leung conquistou a maioria dos elementos do primeiro ao quinto nível. Assim sendo, já não tem preocupações e pode trabalhar arduamente para perseguir o seu sonho. Em 2024, Tony Leung recebeu dois doutoramentos honoris causa. Já é raro alguém conseguir uma destas distinções quanto mais duas. Isto representou sem dúvida uma enorme honra para ele. Rejubilemos por Tony Leung. Enquanto observadores, partilhamos da sua felicidade. Devemos aprender com a sua atitude profissional a progredir nos nossos respectivos campos de actividade. Também devemos compreender que ao aprender com Tony Leung a ficarmos livres de preocupações e a lutar para perseguir os nossos sonhos, teremos de adquirir o maior número possível de elementos dos cinco níveis da teoria da motivação de Maslow. Se não tivermos esses elementos, podemos fazer o que queremos fazer sem preocupações de dinheiro ou de reputação? Como existe um artista da indústria do entretenimento de Hong Kong que ganhou um “Leão de Ouro de Carreira” (終身成就金獅獎) no Festival de Cinema de Veneza (威尼斯影展), esta indústria floresceu naturalmente na cidade e os hongkongers estão orgulhosos de possuírem um actor famoso de topo – Tony Leung. E quanto à sociedade chinesa? Creio que deve pensar “na indústria do entretenimento onde existem actores chineses, está o Tony Leung.” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Tânia dos Santos Sexanálise VozesEnsinar Amor nas Universidades Chinesas? Enquanto a China enfrenta uma queda acentuada nas taxas de natalidade e a redução da sua população pela primeira vez em décadas, uma proposta inusitada ganhou destaque pelo mundo inteiro estes dias: aulas de amor nas universidades. O objetivo destas aulas seria incentivar os jovens a desenvolverem relações românticas que, no futuro, pudessem resultar na formação de famílias. As aulas incluiriam temas como expressar emoções, manter relações saudáveis e lidar com separações, numa tentativa de normalizar a ideia de namoro. Através de análise de casos, discussão em grupo sobre como manter relações íntimas e comunicação entre os sexos, o curso seria uma forma de reverter uma tendência que China Population News revelou: 57% dos universitários não querem apaixonar-se. E isso, em conjunto com uma população em declínio, é preocupante para o sistema. Não está claro se as universidades chinesas irão realmente implementar esta proposta, concebida com o intuito de ajudar os jovens a equilibrarem a vida académica com a pessoal. A ideia que bate pontos pela sua criatividade, não deixou, contudo, de escapar à controvérsia. Nas redes sociais chinesas, os utilizadores questionaram se os cursos iriam incluir “créditos extra para casamentos bem-sucedidos” ou trabalhos de casa que implicassem saídas românticas. Num panorama sociocultural bem mais complexo, umas aulas sobre o amor não parece ser a resposta mais eficaz ou adequada para garantir que os jovens se casem e tenham filhos. Eu seria a favor de se falar de amor e sexo nas universidades, mas não nestes moldes. Esta proposta nasceu da combinação de dados de inquérito com uma preocupação governamental sobre o envelhecimento da população, e não necessariamente de uma verdadeira compreensão sobre as dificuldades emocionais que os jovens enfrentam. Eles podem sentir-se desconfortáveis em relação às dinâmicas das relações íntimas, faltando-lhes, muitas vezes, o vocabulário emocional para dar conta e agir sobre estas coisas do amor e da intimidade. Estas “aulas”, ou espaços de diálogo, só farão sentido se o objetivo não for forçar ninguém a namorar, mas sim criar um ambiente mais favorável para que os jovens se sintam confortáveis em explorar relacionamentos de forma consciente. Na China, os jovens são desencorajados a pensar no amor e nos namoricos logo em tenra idade. Só assim conseguem fazer face às exigências escolares e do temido Gaokao, o exame de entrada para a universidade. Assim que chegam à universidade são apressados a arranjarem companheiros e resolverem-se em matrimónio. Se não é por uma questão cultural, agora também se molda em pressão governamental, para que o sistema económico se mantenha próspero. Contudo, após a universidade, os jovens enfrentam insegurança económica, desemprego, aumento do custo de vida, e preocupações que colocam a carreira acima das tradições familiares. Para muitas mulheres chinesas estas tensões são ainda mais evidentes, pois são frequentemente confrontadas com escolhas entre a vida profissional e as expectativas tradicionais de casamento e maternidade. Iniciativas que “ensinem o amor” correm o risco de serem vistas como superficiais, incapazes de resolver os problemas estruturais que levam os jovens a adiar ou evitar formar famílias. O sucesso ou fracasso destas iniciativas dependerá mais da capacidade de enfrentar barreiras estruturais do que da criatividade das soluções propostas. Afinal, por mais interessante que seja a ideia de “ensinar amor”, ela não resolverá uma crise que tem raízes profundas na economia, na sociedade e na cultura.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesA inovação começa em cada um de nós Sam Hou Fai, o sexto Chefe do Executivo de Macau, apresentou a sua equipa à imprensa e cada um dos membros do Governo proferiu um discurso. A julgar pela atitude e pelo conteúdo da dissertação de cada um deles, torna-se evidente que Sam Hou Fai irá arcar com a pesada responsabilidade pelo desenvolvimento da RAE de Macau. Sob o slogan “integração no desenvolvimento nacional”, é necessário encontrar maneira de enfrentar a concorrência homóloga na Área da Grande Baía e é também crucial entender os potenciais impactos do conflito comercial sino-americano no modo de vida dos residentes de Macau. Não é tão simples como contar uma história bonita sobre a cidade. Há pouco tempo, deparei-me com um artigo num jornal de Hong Kong que espelhava a situação actual. No artigo, mencionava-se como exemplo um debate financeiro que teve lugar durante a Dinastia Han, na China, e que mostrava que os reformistas defendiam o combate aos monopólios e a abertura dos mercados para proporcionar às pessoas oportunidades de melhorar as suas vidas e para resgatar o país de dificuldades financeiras. No entanto, os governantes colocaram três questões para refutar estas recomendações: 1) Como é que o país pode fazer face à suas enormes despesas sem as receitas provenientes dos impostos? 2) Como é que o país pode estar preparado para a guerra ou para desastres naturais sem reservas financeiras suficientes para lidar com essas calamidades? 3) Se o Governo central não tiver total controlo dos recursos económicos, como é que pode manter o total controlo da sociedade? O autor do artigo considera estas três questões absurdas, salientando que se pede sempre ao povo que se sacrifique pelo país, enquanto as verdadeiras despesas, o número de governantes e os seus salários permanecem intocáveis. O Secretário das Finanças de Hong Kong anunciou que o deficit orçamental do ano fiscal de 2024/25 tinha aumentado significativamente em relação aos 48 mil milhões de dólares de Hong Kong previstos e que se espera que venha a atingir os 100 mil milhões. E o que reserva o futuro para Macau? Quando tomou posse, o objectivo de Ho Iat Seng, o ainda Chefe do Executivo, era a racionalização da estrutura do funcionalismo público com a redução do quadro. No entanto, depois de vários anos, a situação não melhorou. Só no passado mês de Abril, quando os funcionários de três instituições do ensino superior de Macau deixaram de ser enquadrados no âmbito do controlo do número total de trabalhadores dos serviços públicos, o número total de funcionários públicos em Macau passou para cerca de 35.000, embora este número seja proporcionalmente muito elevado quando comparado com a Coreia do Sul, o Japão, Taiwan e Hong Kong. Foi publicado outro artigo num jornal de Hong Kong, mas desta vez escrito por um comentador cultural de Macau, que recorria a alguns números para ilustrar certas anormalidades desta cidade. Todos os anos, a distribuição de dinheiro pelos cidadãos de Macau através do Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico tem o objectivo de satisfazer toda a gente, e uma vez que Macau tem o PIB mais elevado da Ásia, o nível de vida dos cidadãos de Macau deverá ser elevado. No entanto, em 2023, a taxa de suicídio em Macau foi de 13 casos em cada 100.000 pessoas, significativamente mais alta que a taxa média global de 9 casos em cada 100.000 habitantes, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. A taxa de suicídio em Macau está a aproximar-se dos números registados em alguns países africanos mais pobres. E em 2024, quantos suicídios ocorreram em Macau? Excluindo casos em que os corpos não foram encontrados, o Governo de Macau reportou 44 suicídios de pessoas de todos os estratos sociais, incluindo jovens, na primeira metade do ano. Será que os residentes de Macau se sentem verdadeiramente e felizes e realizados? Como é que está a sua saúde física e mental? O número de casos de suicídio pode reflectir estas questões. Discursos vazios não só prejudicam o país como desencaminham Macau. Para construir uma sociedade estável, saudável e sustentável deve procurar-se a inovação e ela deve começar dentro de cada um de nós.
Olavo Rasquinho VozesCOP29 – Outra vez a raposa no galinheiro Realizou-se em Baku, capital do Azerbaijão1, entre 11 e 22 de novembro, a 29.ª conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP29). Estiveram representados cerca de 196 países, conjuntamente com cientistas, líderes empresariais, representantes de povos indígenas, membros da sociedade civil, etc., perfazendo um total de aproximadamente 30.000 pessoas Numa altura em que as emissões dos gases de efeito de estufa (GEE) continuam a aumentar e em que paira a ameaça de que os Estados Unidos da América, o segundo maior emissor e responsável por 12% a 15% do total das emissões à escala global, se poderão retirar pela segunda vez do Acordo de Paris, estiveram ausentes muitos dos líderes das maiores potências mundiais. Tal como os Emirados Árabes Unidos, onde se realizou a COP28, o Azerbaijão é provavelmente um dos países menos interessados em que se cumpram os compromissos anteriormente assumidos sobre as alterações climáticas, nomeadamente o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris. Segundo o Banco Mundial, os combustíveis fósseis perfazem entre 80 e 90% das exportações do Azerbaijão, e constituem uma parte substancial das receitas do país, apesar dos esforços do governo para diversificar a economia. Talvez por razões financeiras, uma vez que o país anfitrião cobre parte das despesas inerentes à realização das COP, as Nações Unidas insistem em realizar estas cimeiras em países que, além de serem produtores de petróleo, são também conhecidos por desrespeitarem os direitos humanos. Segundo a Amnistia Internacional, o governo do Azerbaijão restringe frequentemente as liberdades fundamentais e não é rara a detenção arbitrária de jornalistas, ativistas e defensores dos direitos humanos. Há também relatos sobre o recurso a tortura a presos políticos. Entre os participantes contava-se um número elevadíssimo, mais de 1700, de representantes de lóbis relacionados com a exploração de combustíveis fósseis, o que levantou objeções por parte de algumas delegações. Durante a conferência decorreram manifestações de ativistas contra a ineficácia, segundo o seu ponto de vista, da luta contra as alterações climáticas. Numerosos participantes manifestaram, durante os trabalhos, frustração pela falta de avanços significativos na luta contra as alterações climáticas, nomeadamente no que se refere à redução dos combustíveis fósseis e aos compromissos financeiros para a compensação dos países mais afetados. Algumas delegações chegaram mesmo a abandonar temporariamente a conferência como protesto contra o montante inicialmente proposto para o Fundo de Perdas e Danos. Foi o caso das delegações dos países da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Alliance of Small Island States) e dos Países Menos Desenvolvidos (Least Developed Countries). Talvez por influência destes protestos foram tomadas decisões no sentido de aumentar significativamente o estabelecido na COP27. A meta anterior de US$100 mil milhões passou para US$300 mil milhões anuais até 2035. Foram também garantidos esforços no sentido de aumentar o financiamento para US$1,3 biliões de dólares por ano até 2035. Pretende-se, com este fundo, que os países mais desenvolvidos compensem os mais vulneráveis pelas perdas e danos causados pelas alterações climáticas. Espera-se que na COP30, a realizar no Brasil em novembro de 2025, o Fundo de Perdas e Danos continue a ser discutido de modo que se estabeleçam metas mais concretas e progressivas e não se limite a custear perdas e danos, mas também se aplique à adaptação às alterações climáticas e à sua mitigação nos países mais vulneráveis. Apesar de a conferência ter tido um certo êxito, o facto de se ter realizado num país fortemente dependente da exploração de combustíveis fósseis fez com que alguns observadores recorressem à metáfora da “raposa no galinheiro”, tal como acontecera na COP28, nos Emirados Árabes Unidos. * Meteorologista Nota: O Azerbaijão está situado entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, numa região agitada no que se refere conflitos, em parte devido à existência de extensas jazidas de petróleo. Entre esses conflitos sobressai o problema do Nagorno Karabakh, que constituía uma região autónoma que fazia parte da República Socialista Soviética do Azerbaijão, apesar da maioria da população ser etnicamente arménia. Com a implosão da URSS, as tensões entre azeris e arménios aumentaram, o que deu origem a confrontos que por vezes se reacendem. A Federação Russa não apoia claramente nenhum dos países envolvidos no conflito, enquanto o Ocidente manifesta mais simpatia pela posição da Arménia, em termos diplomáticos e humanitários, mas mantém laços económicos com o Azerbaijão devido ao papel importante que este país desempenha na área da exploração petrolífera.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos (II) “American power is not what it used to be, and cannot coerce the way it used to … and that power is not coming back.” Robert D. Kaplan A cultura americana tem dificuldade em reconhecer esta verdade devido à falta de um elemento crucial da tragédia que é a capacidade de apresentar os argumentos de ambos os lados como justificados e necessários. Além disso, a tragédia ensina que a justiça só existe se nos opusermos à unilateralidade dos nossos argumentos. Esta é uma forma de notar que a justiça não é justificada. É uma maneira tão boa como qualquer outra de detectar o cansaço americano para se tornar curioso, para legitimar o ponto de vista do outro integrando-o no seu próprio raciocínio. Não para nos rendermos ao inimigo; para o compreendermos, para o derrotarmos melhor. Citando a classicista Edith Hamilton, Kaplan defende que “a tragédia é a beleza das verdades intoleráveis”. E o que é mais intolerável do que as razões do inimigo durante uma guerra? Segundo o autor, a sensibilidade trágica não é fatalismo, relativismo, cinismo ou quietismo. É discernimento. O que é senão um hino ao raciocínio geopolítico e ao seu método de dar igual peso, na análise de um conflito, aos argumentos de todos os actores? O problema, segundo Kaplan, reside na formação académica da classe dirigente. Conclui explicitamente que os clássicos da literatura são guias mais rigorosos e mais úteis do que qualquer metodologia das ciências sociais para aqueles que não tiveram uma experiência pessoal de guerra e de morte. Critica as ciências sociais e a gestão pela mesma razão, pois ambas têm a presunção de poder e dever de melhorar o mundo. A primeira acredita que teorias bem pensadas não só reflectem a realidade como podem aperfeiçoá-la através da aplicação da política correcta. A segunda concebe a missão da América como a redenção do planeta e, por conseguinte, todas as questões de política externa são solucionáveis. O entrelaçamento de poder entre estas ideias é muito mais profundo do que se possa pensar. Para o apreciar, mergulhemos na história. Politologia é império. O poder americano sempre utilizou abundantemente as ciências sociais para legitimar a sua expansão. As ciências sociais, como é sabido, surgiram no final do século XIX como uma ramificação do positivismo e do progressismo e a ideia é encontrar as leis através das quais a política e a história funcionam, a fim de melhorar constantemente a sociedade e orientá-la para um futuro melhor. Na América, porém, está ligada a outra corrente. No final do século XIX, os Estados Unidos estão em rápida ascensão. Após a Guerra Civil, transformam-se rapidamente numa potência manufactureira. Completaram a conquista do Oeste. Começam a adquirir possessões ultramarinas. Neste contexto, a crença de que a América está destinada a redimir o mundo é galopante. A política deve ser o instrumento de elevação das massas, no país e no estrangeiro. Para tornar o “Velho Mundo” mais parecido com o “Novo Mundo”. Estabelecer uma ordem internacional baseada no direito. A guerra será substituída pela arbitragem. A ameaça pela persuasão. A rivalidade pela razão. Tudo sob o olhar benigno da América. Estas ideias ganham força quando os Estados Unidos se tornam um império. Uma figura é emblemática; Elihu Root. Advogado nova-iorquino, Secretário da Guerra e Secretário de Estado entre 1899 e 1909, é um fervoroso apoiante da anexação das Filipinas e pertence ao grupo de elite dos estadistas que, com Theodore Roosevelt e Alfred Mahan, afirmam os Estados Unidos como uma grande potência mundial. Com uma particularidade em relação aos seus colegas o de acreditar firmemente que a América deve conduzir o mundo para uma nova forma de relações internacionais baseada no direito, na paz e no comércio. Concebe o direito internacional como um instrumento para erradicar a guerra e o egoísmo, para construir bons hábitos a serem alargados entre os Estados. Um esforço a que se dedicou sem descanso, com 24 casos de conflitos entre Estados terminados por tratados de arbitragem, que lhe valeram o Prémio Nobel da Paz em 1912. Longe de ser um pacifista, apoiou a mobilização geral para entrar na I Guerra Mundial. Embora com algumas reservas, apoiou o projecto falhado de Wilson para a Liga das Nações. Root é Wilson antes e durante Wilson. Há quem lhe chame, incorrectamente, o pai do imperialismo progressista. É certo que, como fundador e director do Council on Foreign Relations, de 1918 até à sua morte em 1937, e como primeiro presidente do Carnegie Endowment for International Peace, dois dos principais grupos de reflexão do país, moldou profundamente a ideia da classe dominante sobre o papel superior e moral da América no mundo. Isto mede-se no projecto, não muito distante, de criação de um governo mundial e de uma nação global, lançado noventa anos mais tarde por outro demiurgo; Strobe Talbott, antigo secretário de Estado de Clinton, director de longa data da Brookings Institution, mentor de Antony Blinken e Jake Sullivan. Estas ideias fluem para as ciências sociais, informam-nas. Permanecem protegidas dentro dos muros das academias, mesmo perante derrotas flagrantes, como a eclosão de guerras mundiais. E, depois da II Guerra Mundial, entram firmemente no governo, quando Washington saqueia as universidades em busca de teorias e de pessoal para gerir a ordem internacional do pós-guerra. É o caso de Henry Kissinger e Zbigniew Brzezinski, que ascenderam às burocracias graças às suas carreiras universitárias. No entanto, não foram as ciências sociais que determinaram o comportamento do poder. Os próprios Kissinger e Brzezinski tiveram êxito precisamente porque se afastaram daquilo que pregavam na Ivy League. (continua)
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAs extraordinárias conquistas de Tony Leung (I) Para o actor de Hong Kong Tony Leung chiu-wai (梁朝偉), 2024 foi um ano de marcante. Em Abril, ganhou o Prémio de Melhor Actor do Cinema de Hong Kong” (香港電影金像獎最佳男主角) pela sexta vez com o filme “Goldfinger” (金手指), com argumento e realização de Chong Man-keung (莊文強). Em Novembro, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong distingui-o com um doutoramento honorário em humanidades. Em Dezembro, a Academia de Hong Kong de Artes performativas também lhe vai atribuir igual distinção, desta vez em Representação. Desde os Prémios Cinematográficos de Hong Kong (香港電影金像獎最佳男主角) que recebeu no início do ano até ter envergado por duas vezes a toga de Doutor Honoris Causa no final do ano, a frase “ganhar prémios ao longo do ano” não podia ser mais apropriada mais descrever a vivência de Tony Leung em 2024. O percurso de Tony Leung não foi fácil. A mãe criou-o sozinha. Deixou a escola aos 15 anos e foi trabalhar como vendedor de jornais e de artigos eléctricos. Em 1981, ingressou num curso de representação ministrado pela Hong Kong Television Broadcasts. Depois de se formar em 1982, passou a trabalhar como actor na cadeia de televisão TVB. Em 1984, Tony Leung desempenhou o papel de “Wai Siu-bao”(韋小寶) na série televisiva “The Deer and the Cauldron” (鹿鼎記) e conheceu um sucesso imediato, tornando-se um actor famoso em Hong Kong. Desde então, Tony Leung passou a ter quer no cinema quer na televisão papéis cada vez mais importantes. Este ano, coincidindo com o 100.º aniversário do mestre de artes marciais Jin Yong (金庸), a TVB voltou a transmitir “The Deer and the Cauldron” (鹿鼎記), uma forma de lembrar o público de que o caminho glorioso de Tony Leung tem sido imparável. Até este momento, Tony Leung protagonizou 100 séries televisivas e filmes. Os sucessos da carreira do actor atingiram um novo pico em 2023. Na 80ª edição do Festival de Veneza Film (威尼斯影展), ganhou o “Leão de Ouro pelas Conquistas ao Longo da Carreira” (終身成就金獅獎). Foi o terceiro artista chinês a ganhar esta distinção. E, finalmente em 2024, Tony Leung recebeu a cereja em cima do bolo, dois doutoramentos honorários. As conquistas de Tony Leung são fruto de trabalho árduo, da luta para progredir e de uma grande tenacidade. Ouvimo-lo falar destes princípios no discurso que proferiu no pódio da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. “Represento há 42 anos e tornei-me naquilo que sou hoje em dia com um pouco de método, ambição, disciplina, trabalho árduo e, certamente, alguma sorte. Tudo isto fez com que que fosse melhorando cada vez que a câmara entrava em acção.” Todos deveríamos trabalhar com afinco. Nem sempre o esforço é sinónimo de sucesso, mas a consequência de não nos aplicarmos será inevitavelmente o fracasso. Tony Leung compreendeu isto muito bem, por isso afirmou que primeiro vem o trabalho e só depois vem a sorte, podemos ter resultados extraordinários com trabalhos comuns. Claro que a sorte não é igual para todos, e não sabemos quem vai ser mais ou menos bafejado por ela. Mas podemos ter a certeza de que sem esforço, mesmo que tenhamos sorte, não poderemos desfrutar de nada de especial. Na próxima semana, falaremos da perspectiva de Tony Leung sobre o seu profissionalismo. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesLeilão de candidatos presidenciais A política é sem dúvida o refúgio de quem deseja ser poder, de quem pretende seguir uma carreira rentável, de quem aproveita o oportunismo e a ganância por dinheiro, de quem sobrevive com a corrupção, de quem afirma servir o povo sem sequer se preocupar com as suas dificuldades, de quem sonha em ser governante nacional, regional, deputado, eurodeputado e Presidente da República. É sobre este cargo que durante a semana passada não se falou em outra coisa nos canais televisivos e alguns jornais. De que modo? Falando de putativos candidatos ao cargo de Chefe do Estado. Isto, quando teremos eleições presidenciais em Portugal só em 2026. A data é longínqua, mas os políticos com a enorme antecipação resolveram já iniciar toda a sua influência magistral nas mentes dos possíveis eleitores sobre o melhor candidato a suceder a Marcelo Rebelo de Sousa. Mais uma vez, assistimos a uma luta política, mais psicológica que prática, na tentativa de influenciar uma decisão futura do eleitorado. Vejamos o inacreditável posicionamento das mais variadas fontes de informação sobre a matéria. Até ao momento, o cenário é quase caótico quanto aos nomes de possíveis candidatos ao cargo de Presidente da República. Para a praça pública já foram “atirados” os mais diversos nomes de personalidades conhecidas do eleitorado. António Guterres, Luís Marques Mendes, Rui Rio, Leonor Beleza, Pedro Passos Coelho, Rui Moreira, Pedro Santana Lopes, Carlos Moedas, Paulo Portas, José Pedro Aguiar-Branco, José Manuel Durão Barroso, António José Seguro, Mário Centeno, Carlos César, Augusto Santos Silva, Ana Gomes, António Filipe, António Vitorino, Marisa Martins, Henrique Gouveia e Melo e até André Ventura. Afinal, o que leva a política a enveredar pelo lançamento de tantos nomes como candidatos a ocupantes do Palácio de Belém, se em análise profunda, se pode concluir que alguns dos nomes lançados não passam de políticos que se limitaram a desprezar o povo? Recordamos, por exemplo, o nome de Pedro Passos Coelho, que foi primeiro-ministro e que retirou benefícios aos pensionistas, que terminou com o subsídio de férias e de Natal e que levou a cabo uma política que desgostou a maioria dos portugueses. O que é que este senhor podia fazer no cargo de Presidente da República? Quanto a nós, nada. Ou simplesmente apoiar incondicionalmente um governo do Partido Social Democrata. O que seria eleger Marques Mendes, um porta-voz de Cavaco Silva e de Luís Montenegro, que se tem limitado a exercer comentários na televisão mais díspares e disparatados com um único vector político, o da cor de quem ocupa actualmente o poder executivo. Para que serviria um Presidente chamado Mário Centeno, se teve a pouca vergonha de passar directamente de ministro das Finanças para o maior “tacho” que existe no nosso país, que é o cargo de Governador do Banco de Portugal. Para quê lançar o nome de Carlos César, se no Partido Socialista existe uma facção quase maioritária preconceituosa relativamente a quem não é “doutor”. E nesse particular, justiça seja feita a Carlos César que sempre teve a humildade de esclarecer toda a gente que não é “doutor”. A que propósito Pedro Santana Lopes já admitiu que poderia vir a posicionar-se para eleições presidenciais? Se Pedro Santana Lopes foi o pior primeiro-ministro da história governamental em democracia e a sua passagem pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa está repleta de interrogações de índole obscura? Surpreendente é a nova vontade de Marcelo Rebelo de Sousa em indirectamente ter lançado o apoio a Carlos Moedas, depois de ter concedido apoio esporádico a Marques Mendes para andar na berlinda das presidenciais. Carlos Moedas? Um engenheiro que na Câmara Municipal de Lisboa apenas tem degradado a cidade em vários aspectos e que nem sequer ainda apresentou – publica e juntamente com outros intervenientes, ditos investidores – as contas globais gastas no Encontro Internacional da Juventude, com a presença do Papa Francisco. Como é que alguém tem a ideia descabida de propor certos nomes para chefiarem a Nação e as Forças Armadas, num tempo muito especial, em que ainda é uma incógnita se a guerra na Ucrânia se estende à Europa. Amigos leitores, o que apetece escrever é que se realize um leilão… é verdade, juntavam-se todos estes nomes numa taça de prata e leiloavam-se os candidatos e quem desse mais dinheiro pela escolha de um nome entre os nomes avançados, teria direito a anunciar o novo Presidente da República, mas, o dinheiro recolhido teria de ser entregue a uma instituição de caridade. Obviamente que os leitores dirão que isto não passa de algo absurdo. Obviamente. Contudo, com a caricata atitude de certos fazedores da opinião pública em lançar para o ar os mais variados nomes de possíveis candidatos a Presidente da República, só nos resta fazer humor… Rir com tudo isto, para não chorarmos pelo ponto degradado a que chegou a política portuguesa.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos (I) (continuação) No entanto, é com as presidências Obama e Trump, em substancial continuidade apesar de inegáveis diferenças, que um novo momento na arte da governação americana ganha forma. O erro colossal da “Guerra ao Terror” abre uma contestação popular mais ampla da política externa, um cepticismo claro não sobre os fins do projecto americano de construção de uma ordem mas sobre os custos, riscos e frustrações tradicionalmente associados a ele. Os americanos rejeitam certos pilares do papel global do seu país como o aumento das despesas de guerra (financiadas pela dívida), acordos de comércio livre, promoção da democracia e dos direitos humanos, protecção dos aliados, defesa pela força de certas normas internacionais. Por isso, elegem governantes animados por uma visão do mundo ingénua, perigosa e a-histórica. Brands e Edel gostariam que os americanos aceitassem o seu papel e aplicassem constantemente o poder necessário para manter a ordem. O argumento é muito elitista, mas aponta para um problema real que são as capacidades narrativas da América atrofiaram. Os governantes perderam a capacidade de explicar como o modo de vida americano mudaria sem o império ou se os rivais prevalecessem. Falta a capacidade descritiva. Durante a Guerra Fria, a maioria da população tinha a noção racional de que o contra-modelo soviético era inaceitável. Hoje em dia, em parte devido à desconfiança popular em relação às instituições e aos círculos mediáticos que são incapazes de mudar de opinião, os contornos das ameaças e dos riscos para o americano médio não estão bem definidos. O que é dito de que se a China ganhar, diminui a prosperidade americana; se a Rússia ganhar, não se fica pela Ucrânia; a América é uma nação indispensável para a estabilidade mundial. O como é escasso, o domínio da imaginação realista. Domínio da tragédia. Para sair da amnésia, Brands e Edel sugerem que se redescubram alguns princípios e convenhamos que a natureza humana não mudou e que o mundo não quer ser como nós; é impossível criar uma ordem verdadeiramente pacífica, mas não devemos deixar de tentar; não podemos concordar com os rivais porque não podemos saciar um revanchista (corolário implícito são os jogos da Conferência de Munique de 1938); para evitar a catástrofe, é necessário agir preventivamente para desviar os acontecimentos da sua trajectória (deixemos de ser reactivos, respondamos com força aos testes de credibilidade dos rivais, até agora todos falhados). Apelam (último imperativo) ao sentido da proporção e da medida para não caírem na hybris, esgotarem-se e retirarem-se do mundo. No entanto, na prática, as afirmações mais prudentes e necessárias do poder americano não parecem ser muito diferentes da abordagem predominante da liderança dos Estados Unidoa nas últimas décadas. É aqui que entra Robert Kaplan. Na sua opinião, a tragédia é um tipo particular de catástrofe; a anarquia, o maior e mais fundamental medo dos gregos. Também ele concebe a tragédia como um meio de informar o público sobre os perigos do esquecimento de certos princípios básicos. A tónica é, no entanto, colocada no sentido da medida. Definido como modéstia, humildade, pessimismo construtivo, consciência dos limites, previsão ansiosa, extrema parcimónia no uso da força, contemplação do irracional. Embora exortando os intelectuais e a população a compreenderem os constrangimentos dos detentores do poder e a razão de Estado, o seu principal público-alvo é a “nomenklatura” de Washington e Nova Iorque. A crítica durante os últimos trinta anos, ignorou o elemento dionisíaco dos assuntos humanos e mundiais, baseando-se em suposições alegres. Por exemplo, o fim da Guerra Fria conduziria a uma expansão imparável da democracia e dos mercados livres; quanto mais negociarmos com a China, mais rica e mais liberal se tornará; a terapia económica de choque tornará a sociedade russa democrática e capitalista; a geopolítica desapareceu da história, substituída pela geoeconomia, enquanto o que aconteceu foi a fusão entre as duas numa mistura ainda mais perigosa e explosiva para tornar a guerra melhor. A acusação mais forte de que a classe dirigente não tem um medo visceral da anarquia, nunca teve de negociar o trânsito num posto de controlo durante uma guerra civil e, por isso, subestimou demasiadas vezes uma lição de que os picos de regime são menos perigosos e aterradores do que nenhum regime. Saddam e Kadhafi acenam com a cabeça nos seus túmulos. Kaplan também se centra no conceito de defesa da ordem, mas como um apelo à modéstia para não alimentar ainda mais a desordem. Insta a liderança americana a ser mais subtil e humilde no seu pensamento, menos maximalista e prepotente. Nas palavras de Joseph Conrad em “Under Western Eyes” as comunidades humanas oscilam entre governos autocráticos ferozes e imbecis e a resposta não menos imbecil dos ideais utópicos. O pecado crucial das últimas décadas é ter espalhado o caos em nome de objectivos ambiciosos e inatingíveis. Agora os Estados Unidos já não se podem dar a esse luxo. Nesta nova era, o nível e a qualidade do erro de cálculo que gerou o Iraque e o Afeganistão conduziriam o mundo à catástrofe. O mesmo pensamento que deu origem a guerras intermináveis, se não for moderado, corre o risco de levar a América a uma guerra total. A referência implícita é à facilidade com que os Estados Unidos ainda concebem a mudança de regime como uma solução para as rivalidades. Não é um objectivo concretamente perseguido no desafio com a Rússia e a China, apesar de mais do que alguns o exigirem abertamente. Mas se o foco da retórica americana continuar a ser a inaceitabilidade destes regimes, em vez de apostas mais negociáveis e específicas, corre-se o risco de convencer o adversário de que a sua sobrevivência e identidade estão em jogo. Acima de tudo, diminui a possibilidade de negociar uma coexistência, mesmo que temporária, para ganhar tempo para reconstruir os factores de poder que permitem a competição. Os americanos, admite Kaplan, são alheios à ideia de que as tiranias não governam no vácuo, mas têm pelo menos algum apoio popular porque se legitimam como uma alternativa à desordem.
Carlos Coutinho VozesAguentai-vos! TODA a gente sabe que, se as taxas alfandegárias de Trump prevalecerem, a economia europeia, já de si estagnada por causa das despesas com a guerra da Crimeia e com a perda do petróleo e do gás russos a baixo preço, vai ser ainda mais duramente atingida. O risco de uma crise levar ao fracasso e à desagregação do bando dos 27 existe e até o chanceler alemão Scholz já o percebeu. Assim como o próximo xerife-mor ianque que, para já, escolheu sabiamente para liderar o Departamento da Energia um grande empresário do petróleo, para a Saúde um ativista antivacinas e para a Educação um gorila que, além do mais, é empresário de wrestling, aquela tão norte-americana luta em ringue com cordas e árbitro. Como escreve o colunista do britânico “The Guardian”, Simon Tisdal, afinal, a União Europeia não passa de um guloso sem escrúpulos “discutindo tostões sobre quem fica com os assentos acolchoados da Comissão, como se isso fosse decisivo num mundo caótico e predador” e até Macron considera que “a Europa é uma frágil ovelha rodeada de lobos”. É notório que Trump, o “lobo” menos que rasca e mais que apalhaçado da “América Primeiro”, representa uma certa rutura na alcateia da política externa norte-americana desde o pós-guerra, para a qual a Europa não está preparada- As escolhas da sua próxima administração provocam calafrios e são a prova provada da sua intenção de aplicar os planos que anunciou durante a campanha eleitoral, desde aplicar à Ucrânia uma “solução para o fim da guerra” até ao agravamento radical de uma guerra comercial com a Europa. “Os bárbaros estão à porta”, avisa o mesmo Tisdal que escreve com sotaque hebraico. * DEPOIS de um périplo quase à sorrelfa, por todas as capitais da União Europeia, durante outubro e novembro, António Costa que acaba de ser rotulado por Ursula von Leyen como indivíduo pertencente a uma minoria étnica, vai assumir formalmente o cargo de presidente do Conselho Europeu, um cargo de penacho que sempre foi entreque a rafeiritos cautelosos sem propensão para fazer ondas. Sai das mãos do belga Charles Michel, um careca muito alto e extrovertido, mas ultra obediente a quem de facto manda na coisa. Além de provar as ideias que têm condimentado o apresigo da União, Costa tem tido como objetivo imediato escabichar as prioridades de cada chefe de Estado e de Governo, no bando dos 27, e começar a explanar também as prioridades do seu mandato de dois anos e meio. À cabeça dessa lista está religiosamente a manutenção do apoio incondicional à Ucrânia, nem que tenha de lhe enviar um saco de fisgas e outro de mocas de Rio Maior, assim como o alargamento da EU com foguetório de potência global. Há duas semanas o Charles belga disse ter a certeza de que o seu sucessor vai ser um indefectível “guardião de unidade” entre os Estados membros, sobretudo quando a EU enfrenta grandes desafios económicos e geopolíticos. A presidência a dar na sexta-feira ao filho de Maria Antónia Pala, que é meio irmão de Ricardo Costa, coincide, assim, com a presidência da loira e donairosa maltesa Roberta Metsola no Parlamento Europeu e com a liderança de outra loira ainda mais loira, a tal von Leyen na liderança da Comissão Europeia. Mas a última palavra pertencerá sempre a Donald Trump, nem que seja através de um megafone instalado no cadeirão mais apropriado da NATO. “Quem tem fome não tem escolha. O seu espírito não vem de onde ele gostaria, mas da fome”, assim falava, não Zaratustra, mas o grande escritor suíço que também era arquiteto, Max Frisch, e nos deixou obras primas como “Biedermann e os Incendiários” e “Andorra”. * Mariano José Pereira da Fonseca, filósofo, escritor e primeiro Marquês de Maricá, viveu entre 18 de maio de 1848, no Rio de Janeiro, deixando escrito: “A vitória de uma fação política é ordinariamente o princípio da sua decadência pelos abusos que a acompanham.” Talvez isto baste para que percebamos as razões por que o território mundial em guerra aumentou dois terços nos últimos três anos, ou seja, passou de 2,8% da superfície do planeta em 2021 para os 4,6 em 2024. Claro que foi em tempos imemoriais, mas, perante isto, Gonçalo M. Tavares apenas conseguiu dizer: “Catar pulgas seria, então, um ato físico que permitiria que os primatas se aproximassem uns dos outros, em tom amigável, e assim começassem a comunicar.” Mas não foi o que aconteceu e até a Albânia tem há onze anos um primeiro-ministro de tez acobreada, bigode farto e calvície absoluta que se chama Edi Rama e deixou os EUA transformarem o seu pequeno país balcânico na maior base militar na Europa que agora têm na têm na Europa. Edi é também chefe do PS albanês e quere agora entrar para a NATO e seguidamente para a União Europeia, onde os neofascistas já fazem parte de vários governos, como acontece na vizinha Itália, na Bélgica, Holanda, na Suécia, na Noruega e na Finlândia. Pensando em tudo isto, dei-me a recordar um Walt Whitman ainda condoído pela morte, assassinado, de Abraham Lincoln, entrando por uma elegia que começa com os versos: “A última vez que os lilases floriram no jardim junto da porta E, à noite, o grande astro se inclinou a ocidente no céu, Lamentei e hei-de lamentar o regresso eterno da primavera. Regresso eterno da primavera, trazes-me sempre esta mesma trindade, O perpétuo florescer do lilás, o astro que se inclina a ocidente E o pensamento daquele que amo.” Fernando Pessoa, atingido profundamente pelo célebre poema do autor das “Flores de Erva”, gritou para a outra banda do Atlântico: “De aqui, de Portugal, todas as épocas no meu cérebro, Saúdo-te, Walt, saúdo-te meu irmão em Universo, Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos, Concubina fogosa do universo disperso, Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões, Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações, Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo, Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes, E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus.” Claro que Pessoa não era uma pessoa qualquer e até conseguia lavrar horóscopos e haver tido um tempo em que também fazia anos, mas eu não ignoro serem muitas as almas aguerridas que apoiam incondicionalmente os norte-americanos, mesmo que tal nos ponha a todos muito perto de uma III Guerra Mundial. Grande azar, sermos nós a escrever as derradeiras palavras da história dos primatas, ou seja, a catar pulgas a alguém. Aguentai-vos!
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesBurlas académicas Este mês, a comunicação social de Macau publicou uma notícia sobre burlas académicas. Depois de ter verificado os créditos académicos de 24 estudantes não residentes com a Autoridade de Exames e Avaliação de Hong Kong, uma universidade de Macau suspeitou que esses créditos não estavam de acordo com os resultados publicados pela referida Autoridade. Quatro dos estudantes admitiram que nunca tinham feito em Hong Kong o Exame para a obtenção de Diploma, nem o Exame para o Ingresso na Universidade, realizado na China continental. O incidente teve início no passado dia 23 de Agosto. Estes estudantes deslocaram-se em segredo a uma agência académica, perto da universidade. A agência deu-lhes diplomas e créditos falsos do ensino secundário, explicou-lhes os procedimentos de registo na universidade e ensinou-os a responder às perguntas dos funcionários. Depois de os estudantes terem completado o processo de admissão, a agência fez desaparecer os documentos comprometedores. Os estudantes acabaram por ingressar nos cursos universitários da sua escolha. Estas agências académicas são na verdade contratadas pelos pais dos alunos, que despendem muito dinheiro para os filhos realizarem os seus sonhos universitários. A Polícia Judiciária entregou os quatro jovens à Procuradoria de Macau. Os restantes 20 estudantes fugiram de Macau e regressaram ao Interior da China depois de terem sabido que a universidade os tinha denunciado à Polícia Judiciária. Este problema não ocorre só em Macau, as universidades de Hong Kong também estão a lidar com fraudes académicas. No passado mês de Maio, a Faculdade de Economia e Gestão da Universidade de Hong Kong encontrou cerca de 30 casos suspeitos de fraude de qualificações académicas, que envolviam 80 a 100 estudantes provenientes do interior da China. O incidente foi entregue à polícia de Hong Kong e pelo menos dois dos estudantes foram presos sob a acusação de falsificação de documentos e prestação de falsas declarações ao Departamento de Imigração de Hong Kong. Um destes estudantes alegou que se tinha formado numa universidade dos Estados Unidos frequentada por pessoas da classe média-alta. No entanto, como acreditava que não iria ser admitido na universidade de Hong Kong, recorreu aos serviços de uma agência académica que afirmava “garantir as admissões” e que o ajudou a apresentar os créditos académicos e a preencher o formulário de ingresso. Inesperadamente, a agência forneceu à universidade de Hong Kong documentos falsificados, aparentemente emitidos pela universidade de Nova Iorque, nos quais se incluíam o currículo académico, certificados de licenciatura, envelopes, selos, etc., para induzir a universidade de Hong Kong a aceitar a candidatura. As qualificações académicas e o histórico do aluno podem ser impressas em papel. Mas o conhecimento só pode ser inscrito no cérebro. Não sabemos quando iremos precisar desse conhecimento, mas quando isso acontecer, e se ele não existir, as consequências serão graves. Imaginemos que um médico está a tentar salvar um doente, será que lhe pode pedir um tempo para ler os manuais e ver o que tem de ser feito? Num julgamento, quando o advogado está a defender o réu, será que pode pedir ao juiz para ir a casa rever a legislação e os precedentes? Poderá o arquitecto pedir para voltar à universidade para perceber se uma construção está em risco e precisa de ser demolida imediatamente? A honestidade é um valor universal e é unanimemente reconhecida. Os candidatos que fazem batota para entrar na universidade estão a ser desonestos. É um comportamento que viola os valores universais e é moralmente inaceitável. Além disso, depois deste caso ter sido exposto, a universidade anulou as admissões e os candidatos terão ainda de enfrentar processos legais. Em Macau, considera-se que aqueles que têm este procedimento incorreram no crime de “falsificação de documentos”. O Artigo 244, parágrafo 1º, do Código Penal de Macau estipula que quem falsificar documentos para obter benefícios indevidos pode receber uma pena até 3 anos de prisão. Em Hong Kong, a secção 71 da Portaria de Crimes estipula que quem faça falsificações com a intenção de levar terceiros a acreditar na sua veracidade e com o objectivo de os levar a fazer ou impedir de fazer certos actos, comete um crime. Pode ser condenado até 14 anos de prisão. As qualificações académicas fraudulentas não só não produzem conhecimento, como conduzem à condenação moral e à prisão. Será que vale a pena? Os alunos poderão ter pouca experiência social e pensar que a batota pode resolver os problemas, mas os pais têm obrigação de os educar e de lhes incutir os valores correctos. Mas qual é que é o objectivo de gastar este dinheiro? Poderá o conhecimento académico ser comprado? Além de incutirem nos filhos a desonestidade, o que mais têm a ganhar? Pelo que foi dito nas notícias, percebemos que os jovens fugiram à pressa e que arriscam processos penais. Estes estudantes e os seus pais enganaram a universidade. Como é que as universidades podem ser prejudicadas com a submissão de falsas candidaturas? O engano pode não ser detectado a tempo. Se nunca for descoberto ou se for descoberto tarde demais, então os serviços que presta ao falsário terão sido um desperdício dos seus recursos. Se as universidades não puderem cultivar pessoas talentosas, como é que a população pode ser beneficiada? Porque é que se forjam os documentos para as candidaturas? Porque o candidato não tem qualificações académicas suficientes. Não é vergonhoso não ter qualificações que permitam a entrada na universidade. Desde que o aluno continue a trabalhar com afinco, a estudar com empenho, pode tentar no ano seguinte e acaba por ingressar. No dia em que o candidato entrar na universidade por direito próprio, conhecerá o verdadeiro sucesso. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesCorrida para a morte nas estradas Ainda bem que em Macau o trânsito é caótico e que apenas em Coloane se pode acelerar o carro um pouquinho. Em Portugal as estradas e autoestradas estão transformadas em cemitérios primários. Os acidentes rodoviários acontecem todos os dias. Meus amigos, pelas mais diversas razões. Comecemos pela aprendizagem. Nas escolas de condução não é prestado um ensinamento seguro para se poder pegar num volante de automóvel. Nas lições de condução não se ensina um futuro condutor a levar o carro até à velocidade máxima permitida e controlar o veículo em travagem a fundo em caso de necessidade, como se na estrada se atravessasse uma pessoa ou um animal. Não se ensina um condutor a aprender o mínimo, que é saber fazer um pião à base do travão de mão, em caso de um obstáculo que apareça na frente do condutor. Não se ensina a conduzir de noite e os futuros utilizadores das estradas não aprendem a usar os faróis mínimos, médios e máximos. Não se convencem os aprendizes de condução automóvel que é uma falta muito grave, com apreensão de carta, pisar um risco contínuo, quanto mais dois riscos contínuos como acontece em muitas das estradas portuguesas. Depois, temos as mafias organizadas que vendem cartas de condução automóvel a troco de bom dinheiro. Esses condutores passam a ser os verdadeiros criminosos da estrada. Não sabem o código, não sabem guiar e em muitos casos, o papá oferece-lhes carros de topo de gama e eles e elas carregam no acelerador até embaterem numa árvore ou num camião e as ambulâncias levá-los para as morgues dos hospitais. Não existe falta de segurança nas estradas, o que existe são homicidas e suicidas ao volante de “bombas” que atingem mais dos 200 km/hora. Os jovens que acabam de receber a carta de condução deviam exibir no seu carro uma placa com um “P”, de praticante, e durante dois anos deviam apenas poder andar a uma velocidade máxima de 90 km/h. O número de mortos e feridos graves nas estradas de Portugal é triste e assustador. Só para terem uma ideia, mais de 123 mil acidentes rodoviários ocorreram nas estradas portuguesas este ano, provocando 442 mortos e 2279 feridos graves, sem que posteriormente alguém informe dos 2279 feridos graves quantos vieram a falecer. Portugal, entre 32 países analisados, está entre os seis países com mais mortes nas estradas. O nosso país regista uma subida de 1,5 por cento no número de vítimas mortais em acidentes rodoviários em 2023, face ao ano anterior e ainda não há dados finais de 2024 comparando com 2023, mas um oficial da GNR transmitiu-nos que os acidentes mortais aumentaram de certeza. Uma outra razão grave para esta tragédia nas estradas é o vinho ou outra qualquer bebida alcoólica. Todos sabemos que Portugal é um grande produtor de vinhos e que o português gosta de em viagem parar num bom restaurante. E o que acontece? Poucos são os condutores conscienciosos que se inibem de beber vinho à refeição, e alguns em exagero, seguem para a estrada sob o efeito do álcool. E este efeito é tenebroso porque transmite ao condutor enganosamente que está cheio de forças e de reflexos para conduzir. É precisamente o contrário. Sob o efeito do álcool os reflexos diminuem e em alguns casos chegam a zero. Daí, muitos condutores bem bebidos, ultrapassarem numa lomba e morrerem; acelerarem demasiado numa curva e acabarem com a vida contra uma árvore; ultrapassarem um camião sem se darem conta de que o álcool diminuiu-lhes a visão e que outro camião, em sentido contrário, estava muito mais perto do que o condutor imaginou. Obviamente que o embate frontal leva à morte de toda a família que ia no interior do veículo. No entanto, existiria uma forma de diminuir o número de acidentes mortais nas nossas autoestradas. À semelhança do que acontece na Alemanha, quando uma autoestrada tem três faixas de rodagem devia ser decretado pelo Governo que a faixa da direita era para camiões, a faixa do meio somente para carros em velocidade limitada aos 120 km/h e a faixa da esquerda sem limite de velocidade. Mas, nenhum carro seria permitido rolar na faixa da esquerda a 120 km/h ou menos. Ser-lhe-ia de imediato retirada a carta de condução. Isto, porquê? Porque o mercado permite a venda de Ferrari, Lamborghini, Aston Martin, Bugatti, Porsche e tantos outros, carros que só estragam a sua mecânica ao rolarem a 120 km/h, que é o limite nas nossas autoestradas. O mais importante é que a Segurança Rodoviária mude completamente o sistema de ensinamento da condução automóvel nas chamadas “escolas”. Sem uma mudança radical, incluindo pôr os instruendos a aprenderem a conduzir em pisos molhados com bidons sequenciais que os obriguem a conduzir aos esses sem perder o controlo do carro. Parecem pormenores sem importância, mas que são vitais para que diminuam as mortes nas nossas estradas. Um oficial superior da GNR informou-nos que 70 por cento dos condutores em Portugal não deviam ter sido licenciados para conduzir. Um panorama de lamentar e sem solução à vista.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto Vozes19 de Novembro O dia 19 de Novembro teve um grande significado para Hong Kong, para Macau e para a China continental. A 20 de Março de 2018, o Partido Democrata de Hong Kong realizou o seu jantar anual, ao qual compareceu a então Chefe do Executivo da região, Carrie Lam, e vários membros do Governo. Carrie Lam sentou-se junto a Wu Chi-wai, Secretário Geral do Partido Democrata à época. Durante o jantar, o cantor Fred Li Wah-ming actuou e procedeu a uma angariação de fundos para o Partido Democrata e Carrie Lam contribui com 30.000 dólares de Hong Kong. Posteriormente, a Chefe do Executivo explicou que a sua equipa tinha colocado uma foto desse jantar nas redes sociais, com a legenda “grande reconciliação”. Um ano mais tarde, os protestos contra a revisão da Lei da Extradição irromperam em Hong Kong, transformando a “grande reconciliação” em “grande divisão”. Seguidamente, a “Lei da República Popular da China para a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong” (Lei de Segurança Nacional de Hong Kong) foi promulgada e Wu Chi-wai foi preso em Janeiro de 2021, ao abrigo da Lei de Segurança Nacional de Hong Kong, por envolvimento numa conspiração com fins subversivos. Do crime de subversão do poder do estado, foram acusados no total 47 indivíduos. Este caso ficou conhecido como o caso das “eleições primárias”. A 19 de Novembro de 2024, o processo foi concluído e Wu Chi-wai foi condenado a 4 anos e 5 meses de prisão. É provável que este caso afecte pelo menos 610.000 residentes de Hong Kong que votaram nas “eleições primárias”. Se o Governo de Hong Kong desejar levar a cabo uma transição da “estabilidade para a prosperidade” mais rápida, com mais e melhor alcance, deve considerar a realização da “grande reconciliação” porque, em última análise, “a cooperação beneficia ambas as partes, enquanto a confrontação não serve os interesses de nenhuma delas”. Em Macau, o Chefe do Executivo Ho Iat Seng participou na sessão plenária da Assembleia Legislativa a 19 de Novembro de 2024, onde apresentou o Balanço das Acções do Governo realizadas no Ano Financeiro de 2024 e o Programa Orçamental para o Ano Financeiro de 2025. Numa entrevista que se seguiu a esta apresentação, Ho Iat Seng declarou que após cinco anos de governação, dos quais três foram afectados pela pandemia, se sente cansado, um sentimento que é partilhado pelos cidadãos de Macau. Ho Iat Seng tirou algum tempo para recuperar a saúde e também é tempo de Macau regressar rapidamente à normalidade. Ao longo dos últimos cinco anos, Macau teve de lidar com o impacto na economia provocado pela pandemia de COVID-19, e ocorreram mudanças políticas significativas ao abrigo das directivas do Governo Central para exercer de forma eficaz o poder pleno da governação e a plena implementação do princípio fundamental de “Macau governado por patriotas”. Roma não se fez num dia e nós não dependemos de uma só pessoa. Depois de Ho Iat Seng ter ajudado os cidadãos de Macau a libertarem-se da pandemia, o caminho restante para a plena normalidade dependerá de Sam Hou Fai e da sua equipa. Mas na China continental ocorreu um evento mais preocupante a 19 de Novembro de 2024, quando comparado com Hong Kong e com Macau: a selecção nacional de futebol enfrentou o Japão, num jogo de qualificação para o Campeonato do Mundo de 2026. Devido a incidentes recentes de violência indiscriminada cometidos por certos indivíduos na China continental, o clima era de alguma forma tenso. Além disso, o Japão já havia derrotado a China por 7-0 em casa, tornando este jogo crucial para a equipa da casa. Outra derrota desastrosa da equipa chinesa levaria a uma situação semelhante à ocorrida a 19 de Maio de 1985, em Pequim, quando os adeptos se amotinaram depois da equipa ter perdido num jogo contra Hong Kong. Embora o Japão tenha vencido por 3-1 a 19 de Novembro, o desempenho da equipa chinesa, especialmente o espírito combativo dos jogadores mais jovens, satisfez os adeptos. Acredita-se que, após os jogos de qualificação, a Associação Chinesa de Futebol precise de passar por amplas reformas e inovação. 19 de Novembro foi apenas um dos dias de 2024 e não tem nada de muito especial. Mas o que aconteceu nesse dia ou em qualquer outro tem uma causa e um efeito. É necessário deliberar para lidar com a causa e o efeito, a fim de enfrentar as consequências.
Hoje Macau Confeitaria Contos e histórias PolíticaFinanças | Orçamento aprovado na Assembleia Legislativa Os deputados aprovaram ontem na generalidade o orçamento da RAEM para o próximo ano, que prevê receitas de jogo de 240 mil milhões de patacas, um crescimento de 11 por cento face a este ano. O Governo prevê também para 2025 um saldo positivo do orçamento ordinário integrado num valor superior a 7,7 mil milhões de patacas, com receitas de quase 121,09 mil milhões de patacas e despesas de 113,384 mil milhões de patacas. Durante o debate, os deputados Leong Sun Iok e Ella Lei, ligados aos Operários, mostraram-se preocupados com a falta de aumentos na Função Pública. Na perspectiva de Ella Lei, estes aumentos são importantes, porque tendem a reflectir-se não só no sector público, mas também ao nível das empresas privadas, que acompanha o exemplo do Governo. Leong Sun Iok alertou para o facto de os bairros comunitários não estarem a beneficiar da recuperação da economia, pelo facto dos turistas terem novos hábitos de consumo. Esta foi uma preocupação também partilhada por Lo Choi In, que vincou que as PME estão a atravessar muitas dificuldades e que o Governo tem de oferecer respostas para o problema. Por sua vez, Leong Hong Sai, dos Moradores, pediu mais dinheiro para os professores, por considerar que precisam de melhores salários e protecção depois da reforma.