David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCinco pilares do sistema de pensões No contexto do aumento significativo da esperança de vida a nível global, o Banco Mundial publicou um relatório, que revela os cinco pilares económicos que apoiam os reformados: (1) Sistema Público de Pensões; (2) Sistema Privado de Pensões; (3) Poupança Reforma; (4) Apoio Social e, finalmente, (5) Apoio Familiar. Estes cinco pilares estão interligados e, juntos, criam uma rede de segurança financeira na terceira idade. O sistema público de pensões é geralmente parte integrante do sistema de segurança social. Sendo a garantia mais básica dada pelo governo ao povo, a sua importância é evidente. Em Macau, este sistema tem duas vertentes, a Pensão para Idosos e o Subsídio para Idosos. Actualmente, a Pensão para Idosos é de 3.840 patacas mensais, paga em 13 prestações anuais. O Subsídio para Residentes Idosos monta a 9.000 patacas anuais. O Sistema Privado de Pensões é alimentado pelos pagamentos mensais dos empregados e das respectivas entidades patronais que, assim, contribuem para este fundo. À luz de estudos sobre a matéria realizados em Macau, deverá ser implementado o Fundo de Previdência Central Obrigatório até 2026 para fortalecer a segurança dos planos de pensões privados através de retenções obrigatórias. É recomendado que os trabalhadores contribuam mensalmente com 5 por cento do seu salário e a entidade patronal com outro tanto. Ou seja, os trabalhadores acumularão em cada mês 10 por cento dos seus salários no Fundo de Previdência Central Obrigatório, valor que reverterá a seu favor na altura da reforma. Devido à lentidão da recuperação económica depois da pandemia, ainda não se sabe se esta medida será implementada até 2026. Independentemente da altura em que será implementado o Fundo de Previdência Central Obrigatório, actualmente, e sempre que haja um excedente orçamental, o Governo de Macau deposita nas contas do Fundo de Previdência Central Não Obrigatório de cada residente elegível, a quantia anual de 7.000 patacas. O total destes depósitos irá beneficiar os residentes na idade da reforma. As Poupanças Reforma são uma iniciativa pessoal que também integram o plano de pensões e exigem bons hábitos de gestão financeira durante o período de vida activa. Quem as faz, vem a usufruir do valor acumulado futuramente, na idade da reforma. As modalidades mais comuns são os seguros de poupança e os seguros de pensões adquiridos antes da reforma. O Apoio Social dado pelo Governo aos reformados não é geralmente de ordem monetária. Em Macau, proporciona-se-lhes um ambiente acolhedor através da construção das Residências do Governo para Idosos, da disponibilização de serviços de saúde gratuitos e da atribuição de subsídios de transporte. Sendo parte do modelo de apoio tradicional à terceira idade, o Apoio Familiar é garantido pelas famílias dos reformados. A pensão de alimentos, os cuidados diários e o conforto espiritual garantidos pelos filhos são a manifestação concreta da assistência familiar. Esta assistência não se traduz meramente em apoio material, mas também em apoio emocional, espiritual e companhia. Observando estes cinco pilares, compreendemos que a segurança na reforma advém da sociedade, do próprio e da família. Independentemente da forma de protecção que é dada pela sociedade, para que seja garantida é fundamental que os cidadãos paguem impostos. Se o Governo não tiver receitas e excedente fiscal suficientes a segurança dada aos reformados não será garantida pois os fundos não são ilimitados. Além disso, com os avanços constantes da medicina, a esperança de vida humana aumenta de dia para dia e o envelhecimento da população é já um problema global. O Sistema Público de Pensões está grandemente dependente da situação financeira do Governo. O Apoio Familiar depende da situação financeira de cada família e não pode ser generalizado. Verifica-se que o que as pessoas podem controlar são as suas poupanças. Quanto maiores forem, mais certos ficam de que terão qualidade de vida durante a reforma. Que valor deve ser poupado antes da reforma? Varia de pessoa para pessoa, não existe uma resposta que sirva a todos A Hong Kong and Shanghai Banking Corporation publicou recentemente um relatório onde afirma que, por regra, uma pessoa da classe média precisa de ter um património de 20 milhões de Hong Kong dólares para ter uma vida ideal durante a reforma. Este património inclui casa própria paga, poupança reforma, um montante extra para despesas médicas inesperadas, e um rendimento médio mensal de 27.000 dólares de Hong Kong. Algumas pessoas preferem usar as casas para aluguer. O que deve fazer se não tiver um património tão vasto, quando chega à idade da reforma? Debateremos esta questão na próxima semana. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesOrçamento de ping-pong Há meses que não se fala em outra coisa que não seja sobre o Orçamento de Estado para 2025. Um Orçamento definido pelo governo da AD sob a batuta do primeiro-ministro Luís Montenegro. Um Orçamento de Estado que tem merecido as críticas do Chega, da IL, do PS, do PCP, do Livre, do Bloco de Esquerda e até do PAN. Ou seja, toda a oposição ao Governo entende que este Orçamento de Estado não favorece a vida dos portugueses. Trata-se de um documento que tem sido alvo das maiores discórdias, especialmente nas áreas da saúde, educação, economia e habitação. O primeiro-ministro começou por afirmar que estava aberto a negociações com os partidos da oposição no sentido de se viabilizar a aprovação das pretensões direitistas da AD. E as negociações começaram e as mais mediáticas foram, sem dúvida, as que decorreram entre Montenegro e o líder dos socialistas, Pedro Nuno Santos. Proposta para lá, proposta para cá, contra- proposta para lá, contra-proposta para cá e assim sucessivamente. Um autêntico jogo de ping-pong sem resultado final porque as raquetas têm-se partido… Até ao dia de hoje não existe entendimento. O Governo cedeu um pouco às propostas dos socialistas, mas o insuficiente para haver um acordo. Os socialistas entendem que existem decisões orçamentais, tal como a descida do IRC para as empresas, que não têm qualquer lógica que possa melhorar a situação das empresas e dos trabalhadores. No entanto, entre os socialistas há uma divisão de opinião. Alguns nomes sonantes do Partido Socialista, incluindo o próprio presidente Carlos César, entendem que o partido deve viabilizar o Orçamento para que o país não entre em crise política e não se vá para eleições legislativas antecipadas. E o núcleo duro de Pedro Nuno Santos entende que o partido deve votar contra o Orçamento. Em breve a Comissão Política socialista definirá uma decisão final em simultaneidade com a decisão do grupo parlamentar. Vários políticos afectos ao Governo têm afirmado que estamos perante um bom Orçamento que baixa impostos e aumenta a qualidade de vida dos portugueses. A oposição responde que a baixa de impostos está bem à vista, quando o Orçamento insere uma subida na taxa de carbono dos combustíveis e consequentemente o aumento do preço dos combustíveis. Isto, quando o preço do barril de petróleo tem vindo paulatinamente a baixar. Outra incongruência, anunciada na conferência de imprensa do ministro das Finanças para explicar as particularidades do Orçamento, prende-se com o facto de o governante ter anunciado que os pensionistas iriam ser aumentados. Qual aumento? O que se lê no Orçamento neste aspecto é desolador para todos os pensionistas. O aumento governamental não ultrapassa os 3 por cento, sendo assim vejam que um reformado com uma pensão de 300 euros irá ser aumentado em 9 euros. Nove euros que dão para comer, uma vez, uma tosta mista e um galão… Por seu turno, temos assistido a outro ping-pong muito mais desolador, o que tem acontecido entre o Governo e o Chega. Montenegro salientou que André Ventura é um “catavento” e que nada quer com o Chega. Os radicais de direita mudam de opinião quase de dia para dia. Não têm credibilidade nem confiança de ninguém, excepto daqueles fascistas que agora se disfarçam de democratas. O Chega já chegou a dizer que pretende um novo Orçamento e assim aprovaria o documento na votação parlamentar. Depois afirmou que votaria contra o Orçamento. No dia seguinte apareceu André Ventura a dizer que enviou uma carta ao primeiro-ministro a mostrar a disponibilidade do Chega em aprovar o Orçamento, caso o documento na discussão da especialidade no parlamento introduzisse as pretensões do partido radical de extrema direita. E o pior foi surpreendente. André Ventura veio a público divulgar encontros secretos com o primeiro-ministro e sublinhando que Montenegro é um “mentiroso” porque lhe propôs um acordo com o Chega. Montenegro desmentiu de imediato Ventura. Ao referirmos a conferência de imprensa do ministro das Finanças há que realçar que ficou bem patente que o primeiro-ministro e os seus ministros evitam de todo o modo as perguntas incómodas dos jornalistas. O ministro das Finanças decidiu surpreendentemente pela negativa que apenas 10 órgãos de comunicação social podiam efectuar perguntas e cada jornalista somente duas perguntas. A polémica entre os profissionais da rádio, televisão e imprensa instalou-se. No entanto, mais uma vez os jornalistas mostraram uma falta de coragem incrível. No tempo de Raul Rego, Ruella Ramos, Assis Pacheco, Cáceres Monteiro e Baptista-Bastos a conferência de imprensa terminava ali e ninguém faria perguntas. Bons tempos do jornalismo com dignidade. De salientar, que nenhuma estação de rádio conseguiu confrontar o ministro com qualquer pergunta. O Orçamento aguarda agora a decisão global dos deputados da Assembleia da República. Estamos na expectativa de saber se o Orçamento de Estado será aprovado ou chumbado. No caso de ser inviabilizado, Luís Montenegro já afirmou que não governará em duodécimos. Então, restará a solução de Montenegro se demitir e o Presidente da República marcar eleições legislativas antecipadas. Sobre eleições antecipadas muitos políticos têm mentido descaradamente ao afirmarem que os portugueses não desejam ir para eleições. Algo de mais errado depois de ter sido divulgada uma sondagem nesse vector que deu 52 por cento dos portugueses a desejar eleições antecipadas, caso o Orçamento seja inviabilizado. Por fim, dizer-vos que, infelizmente, o ping-pong vai continuar e que as divergências entre o Governo e a oposição será um circo triste de assistir, porquanto ninguém parece interessado na estabilidade do país e que o Governo se compenetre que o país não é só o TGV, o novo aeroporto de Lisboa e a privatização da TAP e da RTP.
Carlos Morais José VozesA ver vamos que frutos dão estes ramos O Mestre disse: “Estudar para aplicar na altura certa aquilo que se aprendeu – não será isto uma fonte de prazer? Ter amigos que chegam de partes distantes – não será isto uma fonte de alegria? Analectos I.1 Foi um recentíssimo Chefe do Executivo (indigitado) que ontem respondeu a perguntas de jornalistas, momentos depois de ter sido eleito pela Comissão. Havia alguma expectativa para ver como se comportaria, na medida em que não se trata de alguém com conhecida experiência política. Pelo contrário, Sam Hou Fai distinguiu-se no papel de presidente do Tribunal de Última Instância, cujo desempenho implica distanciamento dos meandros político-sociais e ainda mais dos económicos. Além disso, mostrou sempre ser uma pessoa reservada, portanto com eventuais dificuldades na comunicação política. Mas não foi bem assim. Uma das notas positivas que imediatamente se deve registar é que, nas suas respostas, Sam Hou Fai não se limitou a repetir “palavras de ordem”, vulgo slogans, algo que ultimamente nos faz desligar o receptor. Pelo contrário, tendo passado rapidamente pelo “um país, dois sistemas” e toda a parafernália de conceitos adjacentes, pareceu improvisar as respostas, demonstrando que encontrou alguns axiomas para as suas exposições, nomeadamente um eixo político que consiste na necessidade de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos de Macau. A economia, sim; mas também o entendimento de que a economia são as pessoas e não os números astronómicos dos casinos. A ver vamos que frutos dão estes ramos. Mas o aspecto para mim mais saliente da conferência de imprensa foi o facto de Sam Hou Fai não ter apresentado soluções, mas intenções. Para decidir sobre o que fazer, disse, temos primeiro de estudar as situações (carentes, dizemos nós). Estas são a Habitação, a Saúde, o Trânsito, a Educação, a Ecologia, o Turismo, a Diversificação Económica, o Entretenimento, a Cultura… ufff! Ele há muito para estudar. Bem podem começar a tirar os calhamaços das prateleiras, espalhá-los em larga mesa, limpar com afinco os óculos, para garantir que nada os embaciou e ala ao trabalho que se faz tarde. Rapidamente se descobrirá que, afinal, isto anda tudo misturado. Mas estudar não só é bonito como é fundamental. É um esteio do ser, uma âncora do respeito, uma chama na escura noite da ignorância. Contudo, não chega. Poderia dizer que de centenas de estudos está Macau cheio, tantos quanto o inferno de boas intenções. E parece que o resultado tem sido mais ou menos idêntico: tanto os estudos em Macau como as boas intenções no inferno de pouco têm servido. E isto porque: ou os nossos governantes se têm esquecido de aplicar os estudos encomendados ou esses estudos não estudaram o suficiente ou entendeu-se que era melhor ter mais estudos para ter uma visão tão abrangente dos problemas que deixamos de os ver. Já a meu ver, esqueceram-se de um importante ditame de Confúcio, a saber: “Estudar para aplicar na altura certa aquilo que se aprendeu – não será isto uma fonte de prazer?” Aqui o Mestre sublinha que ter conhecimento não basta, é preciso aplicá-lo. E mais: que quando isso é bem feito, na altura certa, transforma-se numa fonte de prazer. Ora bem. Está visto. Um governo mais hedonista é o que precisamos. Oiça bem, senhor Chefe do Executivo indigitado, e aprenda com o Mestre. Governemos, mas com saber, eficácia e alegria. Não com avareza, soberba ou tristeza. E por falar em Mestre Confúcio não nos escapou a frase seguinte, que reza: “Ter amigos que chegam de partes distantes – não será isto uma fonte de alegria?” Pode ser, se soubermos fazer as coisas, acrescentamos, ao dar uma interpretação muito própria à sentença. Mas não apenas uma fonte de alegria, neste caso, mas uma fonte de comércio, diplomacia, entendimento e amizade. Sam Hou Fai encontra-se muito bem posicionado para dar um grande impulso ao desígnio de Macau enquanto ponte para os países lusófonos e, se realmente assistirmos nos próximos anos a uma real intensificação de relações, isso deixar-nos-ia, como diz o Mestre, cheios de alegria. Nesse sentido, é bom que o novo Chefe do Executivo conte com a comunidade lusófona residente para implementar esse desiderato, não desperdiçando as óbvias condições e características excelentes da nossa comunidade para participar e levar a bom porto os desafios que este projecto nacional encerra. Ainda segundo Confúcio, um bom governante depende e muito de quem escolhe para consigo governar. Daí que exista alguma expectativa de conhecer as escolhas de Sam Hou Fai para o seu governo. Esse será o próximo passo no qual o Chefe do Executivo, de algum modo, dirá ao que vem, como e com quem. Só então começaremos a descortinar como se irá posicionar nos próximos quatro anos, que nos parecem decisivos para entender no que irão dar as metamorfoses de Macau no futuro. A ver vamos que frutos dão estes ramos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA guerra pós-moderna (I) “Nobody reaches through here, least of all with a message from one who is dead” Franz Kafka O Ocidente sem estratégia acredita mais em histórias do que em factos. Enquanto os inimigos elaboram planos para o derrubar. Histórias infundadas entre a América, a Ucrânia e a Terra Santa. O método Petraeus em que não é possível imaginar qualquer iniciativa que envolva o uso da força sem uma estratégia política precisa de um guia para o diálogo. Para acabar com os conflitos, é preciso redescobrir a realidade. Se, de pistola ao templo, nos pedissem para indicar a primeira grande derrota da Grande Guerra (a possível ou impossível que teria contornos de III Guerra Mundial) era de responder sem hesitar que seria o “Princípio da Realidade”. Não a realidade tout court. Mas a nossa forma de a abordar. Não deixámos simplesmente de “compreender o mundo”. Privámo-nos das ferramentas necessárias para o fazer. E não é de hoje. Como muitas vezes acontece, o que parece extraordinário e totalmente imprevisível revela-se a um olhar mais atento implicado e anunciado pelo passado. Tempo decisivo, para o qual o rouxinol de Minerva olha ao cair da noite na tentativa de iluminar o presente. Regressemos à Terra. O princípio da realidade ditaria que se considerasse a Grande Guerra como uma potencial guerra de sucessão americana. Hoje, ela é travada na Ucrânia, na Terra Santa e no Mar Vermelho. O coup de théâtre seria a abertura de uma frente americana, caso a “Doença da América” se transformasse numa doença autoimune. Concretizando assim as previsões do filme (distópico?) “Guerra Civil”, de Alex Garland estreado nos cinemas americanos a 12 de Abril. Se o princípio da realidade se confirmar, a Grande Guerra obrigaria os Estados Unidos e o que resta do Ocidente a pensar estrategicamente, isto é, a enfrentar uma tal conjuntura para compreender como se reorganizar. Tratar-se-ia de repensar o seu lugar no mundo, agora que para usar a expressão de um livro profético aparecido em 2008 “os sonhos acabaram”. Mas o princípio da realidade não se aplica. E assim a estratégia torna-se impossível. Prefere-se, na teoria e na prática, as simplificações políticas maniqueístas (democracias vs. autocracias) ou as especulações sobre a loucura dos líderes inimigos. E isto no melhor dos casos. Na pior das hipóteses, a existência da Grande Guerra é mesmo negada ou suprimida. É o caso da Europa, que gosta de se considerar em paz, armando os ucranianos, fornecendo aos americanos bases para operações contra os russos e combatendo os Hutis no Mar Vermelho, embora com um sucesso moderado. Recusando-nos a olhar para a “verdade dos factos” diria o nosso Maquiavel que tendemos a perder-nos nas “cláusulas-ampola” da retórica. O resultado é que a Grande Guerra não tem fim. Nem masculino nem feminino. Uma vez que não compreendemos os objectivos dos nossos inimigos que preferimos rotular de loucos e violentos somos incapazes de criar os nossos próprios objectivos. Por isso, não podemos imaginar um fim para a guerra, porque não sabemos onde estamos e o que queremos. E enquanto os chineses, os russos e os iranianos raciocinam sobre a forma de derrubar o “Ocidente colectivo”, este último prefere eliminar este simples facto do seu raciocínio. Na esperança de que as suas palavras ditas ou pensadas sejam mais poderosas do que as coisas. Mas quem matou o princípio da realidade e, consequentemente, a nossa capacidade de processamento estratégico? Já temos um suspeito. Passemos ao seu interrogatório. Comecemos pela acusação. O princípio da realidade foi assassinado pelo advento do “storytelling” e do conceito de “narração”. A progressiva perda de sentido histórico nas sociedades ocidentais é acompanhada por uma superabundância de histórias anti-históricas, de narrativas destinadas apenas a condicionar e orientar a praxis do homo economicus ou a satisfazer a “curiosidade” no sentido heideggeriano do que resta da chamada classe média reflexiva. Segundo o crítico literário americano Jonathan Gottschall, vivemos actualmente num “historioverse”, ou seja, num mundo em que já não existe qualquer análise da realidade. Em vez disso, cada um escolhe a narrativa que prefere, independentemente da sua aderência aos factos. A “historilândia” é, paradoxalmente, “um mundo com mais certezas em que, independentemente da história absurda em que se acredita, pode-se apoiar essa história com muita informação que se assemelha a provas reais”. Corroborando essa tese está o maior crítico literário vivo, Peter Brooks, emérito de Literatura Comparada em Yale. Num livro recente, icasticamente intitulado “Seduced by Stories”, ele atribui a importância do contemporâneo à “historicização da realidade”. Esta importância revela uma contradição, enraizada no homo occidentalis desde o seu nascimento de que o “universo não corresponde às nossas histórias sobre o mesmo, embora estas sejam tudo o que temos”. Em suma, movemo-nos em narrativas. Não temos outras possibilidades. Mas estas não são a realidade. O risco de nos extraviarmos e de confundirmos o mapa com o território é, por isso, elevado submergidos em histórias, como parece que estamos, podemos mesmo deixar de ser capazes de reconhecer a diferença entre o que aconteceu e o relato do que aconteceu, dando às realidades que inventamos a primazia sobre a verdadeira realidade. Sorte para o escritor, drama para quem trafica na geopolítica. O processo de historicização, de facto, tem um impacto directo no pensamento estratégico. E fá-lo de três formas diferentes. Assim, talvez, matando o princípio da realidade. Afinal de contas, três pistas fazem uma prova. Primeira pista, a nossa época caracteriza-se por uma narrativa individualista. A “historilândia” é habitada por indivíduos sejam eles políticos, influenciadores ou cidadãos comuns que fazem da marca pessoal a sua imagem de marca. Todos têm de contar a melhor história possível sobre si próprios com o objectivo de serem apreciados, estimados ou, pelo menos, conhecidos. Não importa o que se faz, porque hoje em dia os factos concretos não são de todo conhecíveis enquanto não os transformarmos numa narrativa. A realidade só surge quando encapsulada em uma narrativa coerente, apaixonada e, acima de tudo, singular. Possivelmente única e irrepetível. Essa abordagem existencial também coloniza a dinâmica política e geopolítica. Os chamados “líderes” são transformados em personagens de um romance. Ao contar e construir as suas histórias, estrategicamente tentam retratar-se como dotados de certas peculiaridades caracterológicas, bem como sujeitos absolutos dos assuntos humanos. Há o populista raivoso, o moderado, o agressivo e o competente. Pouco importa se todos fazem as mesmas coisas. São as palavras que os distinguem. O problema, no entanto, é que essa comunicação com base na personalidade gera a imagem de um mundo semelhante a um cenário de filme. Assim como a trama dos filmes é desvendada pelas acções dos indivíduos que invariavelmente derivam do carácter e das histórias dos personagens, da mesma forma, em questões geopolíticas, acredita-se que é possível a) deduzir as acções das colectividades a partir de uma análise parapsicológica e caracterológica (quase lombrosiana) das almas dos líderes e b) dividir o mundo em bons e maus justamente com base nessa análise. Em consequência, aqueles que são maus com base na história que me contaram terão um comportamento ruim. Mas como posso saber quem é ruim? Fácil, ver como se comporta. E por que faz isso? Obviamente, porque é ruim. Para ser rigoroso, isso seria uma petição de princípio. Mas no mundo da “historilândia”, a coerência narrativa é mais importante do que a lógica pois os factos são moldados pelas nossas expectativas de significado e coerência narrativa. Traçar estratégias a partir dessa premissa é simplesmente um absurdo. Se tudo é derivado das histórias dos que estão no comando, então que se enfrentem! Até porque, em uma boa história, os meninos sempre vencem no final. Então, por que fazer esse esforço? É uma pena que, nesse romance que é a geopolítica, todos acreditem que são os meninos. E com isso passamos para a segunda pista. Na “historilândia”, aplica-se a lei de Schmitt. Amigo/inimigo é a regra de platina. Uma história que se preze deve ter um protagonista e um antagonista. E não pode haver diálogo entre os dois. O demónio e a água benta. O historiador não deve unir as histórias dos inimigos. Pelo contrário, cada lado deve criar a sua própria. E o que divide os diferentes “historioversos” é uma cortina de diamante, tanto por ser mais dura do que a cortina de ferro quanto por permitir que os protagonistas contemplem a sua pureza e beleza, em um autodesfrute hegeliano. A repetição do idêntico gera um senso de identidade e uma falta de curiosidade em relação ao que é diferente. O resultado, de acordo com Gottschall é de que hoje estamos todos dentro das nossas próprias pequenas histórias e, em vez de nos tornar mais semelhantes, as histórias nos transformam em versões extremas de nós mesmos. Elas permitem-nos viver em mundos narrativos que reforçam os nossos preconceitos em vez de desafiá-los. O resultado final é que tudo o que é consumido nas nossas histórias faz com que eu seja mais eu e outro mais outro. Em um contexto como esse, não há estratégia porque não há amor pelo inimigo. Um imperativo categórico da geopolítica, resumido por George Friedman é de que “você deve tornar-se o seu inimigo. Deve ver da forma que ele vê, ter medo do que ele tem medo, desejar o que ele deseja. Somente assim poderá entender o que ele fará e como fará”. Pense no amor de Kissinger pela China ou no amor de Kennan pela Rússia. O que tornou essas figuras tão importantes e eficazes na história da geopolítica foi sua paixão pelo inimigo da época. Isso é muito para a “historilândia”. Amor pelo inimigo. E pela realidade. Terceira e última pista. O que são essas histórias senão propaganda e retórica? É claro que a propaganda é parte integrante da estratégia. Ela serve para fazer com que a população a digira e a mobilize. E a retórica é a sua valiosa aliada. O problema é quando, na ausência de estratégia, a retórica e a propaganda tomam o seu lugar. Ou quando elas se tornam tão poderosas que se transformam em estratégia. O exemplo escolar é a ideia do fim da história, patenteada mas não inventada por Francis Fukuyama. Após o colapso da União Soviética, os americanos realmente pensaram que poderiam tornar universal e eterno um momento particular e contingente, ou seja, o unipolar. Depois descobriram, para seu desânimo, que o mundo não queria ser americano e que decretar o fim da história não era suficiente para realmente detê-lo. Em suma, os Estados Unidos acreditaram no seu próprio poder e na sua capacidade de se tornar um país de mercado. Em resumo, os Estados Unidos acreditaram na sua própria propaganda. Graças à ideologia do fim da história, “inimigos e aliados seriam dissuadidos de concentrar grandes forças em regiões estrategicamente importantes”. Diante do extraordinário poder americano, um círculo vicioso teria sido gerado de que a supremacia mundial dos Estados Unidos estava destinada a durar para sempre. Foi uma pena que esse silogismo não fosse o mesmo usado pelos Estados Unidos. É uma pena que esse silogismo tivesse que convencer os inimigos, não os americanos! Eles deveriam ter-se mantido atentos e desenvolvido uma sensibilidade trágica necessária para enfrentar os desafios que se apresentam a qualquer império que queira durar para sempre. Isso não aconteceu porque, acreditando ser superiores ao mundo e transcender a realidade, os Estados Unidos decidiram ignorar ambos, o mundo e a realidade. A propaganda, a narrativa das narrativas, substituiu a estratégia. E também porque, convenhamos, o fim da história foi uma história muito boa. Por que arruiná-lo com a verdade? Poderíamos continuar, mas é bom parar. De facto, encontramos as três pistas necessárias para condenar o conceito de contar histórias pelo assassinato do princípio da realidade. Mas, pelo menos na Europa, ninguém é culpado até que se prove a sua inocência. Portanto, deve-se conceder à narrativa um último grau de julgamento. Será difícil absolvê-la, mas, talvez, possa apresentar algumas circunstâncias atenuantes. Afinal de contas, quando introduzimos a metáfora do julgamento, também começamos a contar uma história. E que história seria essa sem uma reviravolta? Se a narrativa tivesse um bom advogado, ele levantar-se-ia e declamaria: “Excelências, estão esquecendo-se de uma questão fundamental. Antes de condenar o meu cliente por assassinato do princípio da realidade e raciocínio estratégico, deveriam ter em mente que, afinal de contas, a estratégia também é uma narrativa”. É verdade. Toda estratégia deve ser narrada. E deve basear-se em um passado às vezes mítico e não necessariamente real. A estratégia não é exclusivamente prescritiva. Não se trata de uma receita ou de uma lista de tarefas. É, antes de mais, uma história, certamente orientada para o futuro, enraizada no passado a partir das necessidades do presente. Uma estratégia sem história (tanto no sentido de conto como de história) está condenada ao fracasso, se não for contada, não encontra consenso entre a população; se for estranha à memória colectiva, é sentida como estrangeira. A estratégia é, portanto, uma grande narrativa. Precisamente no sentido de Jean-François Lyotard é uma meta-narrativa que dá legitimidade aos factos, ordenando-os com vista à realização de um objectivo final. A estratégia tem um fim precisamente. É uma narração dirigida a um objectivo que, partindo de um estado de coisas, procura produzir um outro, considerado melhor. Mas aqui está o problema decisivo. Como afirma Lyotard, na nossa época “a grande narrativa perdeu a credibilidade”. Por razões endógenas e exógenas. Concentremo-nos nas últimas. O declínio das grandes narrativas, mesmo das estratégicas pode, de facto, ser considerado “um efeito da descolagem das técnicas e das tecnologias que colocou a ênfase nos meios e não nos fins”. Este facto é evidente no caso americano. O “factor superpotência”, que já se tinha desenvolvido no rescaldo da II Guerra Mundial, ascendeu a primum mobile da (não) estratégia americana após a vitória na Guerra Fria.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO negócio da aparência e a aparência do negócio (III) – Um alerta para Macau Nas duas últimas semanas, analisámos o modelo de negócio do Physical Fitness & Beauty Centre (PFBC), uma cadeia de ginásios e institutos de beleza de Hong Kong. Este método passa pela cobrança de assinaturas em que o cliente “paga primeiro e acede aos serviços depois”, ou seja, a modalidade de pré-pagamento. Esta semana, vamos virar a nossa atenção para Macau e analisar as implicações deste caso na cidade e as possíveis contramedidas para prevenir os inconvenientes dos pagamentos antecipados. O pré-pagamento é acordado entre as empresas e os clientes. A forma mais eficaz de evitar os problemas que daí decorrem é ir directamente à raiz do problema. Se as empresas não exigirem pagamentos antecipados, não existe naturalmente qualquer questão. Mas isto não se aplica necessariamente a todas as situações. Por exemplo, os estudantes pagam propinas semestrais nas universidades privadas. Esta situação não será facilmente alterada. Portanto, embora as empresas devam reduzir as modalidades de pré-pagamento, podem não o conseguir na totalidade devido à natureza do seu sector de negócio. Macau pode retirar ensinamentos da experiência de Hong Kong e criar mecanismos semelhantes de auto-regulação do negócio. Como mencionámos a semana passada, o negócio da estética em Hong Kong tem um sistema de “rede de segurança do consumidor” garantido pela Hong Kong Beauty Industry Federation (Federação de Estética de Hong Kong), que permite que os clientes de um salão de beleza que fechou continuem a desfrutar dos serviços noutro salão. A maioria das notícias sobre casos que envolvem pré-pagamentos estão relacionadas com os sectores dos ginásios e da estética. Se em Macau estes sectores criarem um sistema de “rede de segurança do consumidor” semelhante ao de Hong Kong, os consumidores locais vão sentir-se mais à vontade quando adquirem os seus serviços. Claro que a empresa que assume a conclusão dos serviços que já foram pagos à que encerrou, vai ter algumas despesas adicionais. Estas despesas vão ser suportadas por quem conclui o serviço? Como é que devem ser geridas? A empresa que se propõe concluir o serviço deve equacionar estas questões antes de tomar uma decisão. A criação de um fundo é também uma boa forma de solucionar os problemas. Este conceito não é estranho à sociedade de Macau. Como mencionámos a semana passada, o sector de negócio pode considerar a criação de um ‘Fundo de Compensação Turística’ semelhante ao de Hong Kong. Quando uma empresa prestadora de serviços abre falência, o fundo garante as indemnizações. Para o conseguir, é indispensável legislação adequada. Por outras palavras, no caso de falência, pode haver situações em que os credores são defraudados e outras em que não são. No primeiro caso, deve haver legislação adequada para punir os infractores, regular os detalhes da indemnização paga pelo fundo e a responsabilidade do operador pela indemnização, etc. Se os credores não tiverem sido defraudados, basta considerar os detalhes da indemnização paga pelo fundo e a responsabilidade do operador, etc. O Governo de Macau pode considerar a formulação de leis e regulamentos adequados à regulação das questões de pré-pagamento. Além da situação comum de pré-pagamento em alguns sectores, a regulamentação será reforçada para as empresas que abusam do pagamento antecipado. Como já foi mencionado, a legislação pertinente tem de lidar com os casos em que os credores são defraudados e com os casos em que não são. Também é possível considerar a obrigação de a empresa ter de cumprir certas condições e normas ao cobrar pagamentos antecipados. Por exemplo, o período coberto pelo pagamento antecipado não pode exceder o período do contrato de arrendamento da empresa. etc. Tudo isso mostra quanto tempo a pesquisa levou. Agora será um bom momento para começar a estudar as leis que regulam o pré-pagamento. Os consumidores também devem reduzir os pagamentos antecipados. Embora este tipo de pagamento esteja associado a grandes descontos, devem ser avaliadas com antecedência as capacidades financeiras. Só depois de a empresa ir à falência e não ter sido reembolsado é que o cliente costuma pensar se devia ter feito o pré-pagamento. Os clientes devem reduzir os pagamentos antecipados e também devem prestar atenção às práticas comerciais das empresas. Devemos continuar a permitir a celebração de contratos de serviços que terminam em 2050? Ou deverá ser aditada uma cláusula de período de reflexão ao contrato para garantir que, num prazo razoável, como um mês, o consumidor tenha o direito de rescindi-lo sem apresentar qualquer motivo nem seja obrigado a pagar uma indemnização? O incidente do PFBC funcionou como um importante alerta para Macau. A sociedade de Macau deve retirar ensinamentos desta situação, reforçar a supervisão e a prevenção das questões relacionadas com pagamentos antecipados, e tentar criar um ambiente de consumo mais seguro e mais fiável. Ao mesmo tempo, as empresas devem também fortalecer a sua consciencialização e auto-disciplina, padronizar as práticas comerciais e evitar pedir aos clientes pré-pagamentos em excesso. Os consumidores devem ainda ser cautelosos e evitar a compra por impulso de serviços a longo prazo. Só com uma boa gestão empresarial se pode garantir um serviço a longo prazo, satisfazer os clientes e criar uma situação vantajosa para ambas as partes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal Vozes200 Esta é a crónica número 200. Quase quatro anos na vossa companhia, graças ao estimado director Calos Morais José ter lido o meu blog e ter gostado do que escrevia. A partir do honroso convite para colaborar neste fabuloso diário, onde colaboram nomes sonantes da política, economia, arquitectura, cultura, sexologia, meteorologia, automobilismo e, essencialmente, sobre a temática cultural chinesa – caso único nos jornais de língua portuguesa no mundo – de uma forma verdadeiramente jornalística e literária. Ao fim de 200 crónicas exclusivas e semanais tenho de ser sincero e dizer-vos que não foi fácil arranjar um paradigma que levasse com simplicidade na escrita ao entendimento de todos os leitores que em Macau entendam bem, ou menos bem, a nossa língua. Não foi fácil procurar dar-vos uma visão do que todas as semanas foi acontecendo neste país tão maltratado politicamente. Abordámos a maior diversidade de temas, desde a política, à corrupção e até sobre um Presidente da República e uma Assembleia da República que nem sempre souberam cumprir a sua missão de estarem ao lado do povo pobre. Por mais de uma vez, abordámos temas sensíveis e demos em primeira mão alguma informação. O caso das gémeas brasileiras que foram alvo de uma “cunha” do filho do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, deu e ainda dará muito que falar. Não se podem gastar quatro milhões de euros apenas porque o filho do Presidente pede ao pai e o pai “ordena” a um secretário de Estado da Saúde. Com a agravante de a lista de espera de crianças portuguesas com a mesma doença ser enorme. Com realismo e verdade, tal como mandam as regras cumpridas nos jornais sérios como o HOJE MACAU levámos até vós muitos dos problemas que afectam os portugueses, as suas dificuldades de vivência, as suas reformas miseráveis que nenhum governo é capaz de lhes dar dignidade e colocá-las num patamar mínimo, por exemplo, ao nível do salário mínimo nacional. São os reformados com o pecúlio mais baixo da Europa e isto revolta-nos e envergonha-nos. Continuaremos a defender, tal como temos feitos, sempre os mais desprotegidos. Nunca perguntei ao estimado director se já lhe perguntaram quem eu era. Certamente que alguém já o fez porque nestas 200 crónicas não pude agradar a todos. É óbvio que não tomo partidarismos, mas defendo valores e causas como os direitos humanos. Nunca se pode agradar a gregos e troianos, uma velha máxima sempre actual. No entanto, sou obrigado a tirar uma conclusão: se os leitores amigos não gostassem do que tenho informado sobre o nosso país, há muito que o estimado director já teria acabado com a minha colaboração. Sinto-me honrado e orgulhoso de pertencer a esta vasta equipa de jornalistas, gráficos e colaboradores que diariamente desenvolvem um produto jornalístico de grande qualidade e interesse. O “Ai, Portugal, Portugal” apresenta sempre algo que é badalado semanalmente pelas melhores ou piores razões. Creiam que não é fácil escolher um tema e desenvolvê-lo sobre o que se passa em Portugal, porquanto tivemos semanas em que os problemas vindos à discussão pública eram mais que muitos. Contudo, tentámos que os amigos leitores se mantivessem minimamente informados do que se passava com os governantes, deputados, criminosos, corruptos, condecorados, pescadores, agricultores, bombeiros, pilotos de carro e de aviões, polícias, militares, advogados, juízes, motoristas, artistas, enfim, uma vasta gama de profissões que em muitos casos receberam o aplauso do povo e em outros o repúdio e a condenação popular. Desculpem lá, mas agora que ia começar a escrever a crónica sobre a aprovação ou não do Orçamento de Estado, onde o PSD e o PS parecem que lhes custa muito chegar a acordo com proposta para lá, contra- proposta para cá, mais contra-proposta para lá e com Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos a ver quem é que consegue mais votos para umas eventuais futuras eleições legislativas antecipadas, é que reparei que já escrevi demais sobre esta memorável crónica por ser orgulhosamente a número 200. Obrigado a todos.
Olavo Rasquinho VozesA cimeira do futuro, multilateralismo e alterações climáticas (Continuação) A Cimeira do Futuro debruçou-se também sobre a necessidade de acelerar as ações para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030, conforme preconizado na Agenda 20301, nomeadamente no que se refere à intensificação das políticas de investimento para erradicar a pobreza e a fome. Foi também acordado o estabelecimento de um financiamento sustentável para colmatar o défice financeiro dos ODS, incluindo investimentos do setor privado. Fazem também parte do Pacto para o Futuro, como anexos, dois outros acordos: o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras. O Pacto para o Futuro visa essencialmente melhorar a cooperação global e aumentar a adaptação aos desafios atuais e futuros. O anexo Pacto Digital Global incide sobre a promoção da inovação inclusiva e a cooperação para reduzir as lacunas digitais. A Declaração sobre as Gerações Futuras enfatiza a necessidade de se promoverem políticas tendo em vista a salvaguarda dos interesses das novas gerações. No seu discurso de abertura, entre outras chamadas de atenção, O SG frisou que o “Conselho de Segurança está desatualizado e a sua autoridade em erosão” (The United Nations Security Council is outdated, and its authority is eroding). Ainda segundo as suas palavras, as nossas ferramentas e instituições multilaterais são incapazes de responder eficazmente aos atuais desafios políticos, económicos, ambientais e tecnológicos, na medida em que as novas tecnologias, incluindo a IA, estão a ser desenvolvidas num vazio moral e jurídico, sem governança ou barreiras de proteção. A Cimeira do Futuro destacou a necessidade de promover a cooperação entre Estados, Organizações não Governamentais e a sociedade civil em geral, com vista a aprofundar sinergias nas áreas social, económica, financeira e climática. Uma das recomendações do Pacto consiste na necessidade de manter o aumento da temperatura média global abaixo de 1,5°C, em relação aos níveis pré-industriais, conforme o Acordo de Paris. Houve também o compromisso para a transição energética, o que implica a intensificação do uso das energias renováveis em detrimento dos combustíveis fósseis, tendo em vista emissões líquidas neutras até 2050. Enfim, esperemos que se concretizem as aspirações do Secretário-Geral das Nações Unidas, expressas nas suas palavras: “O Pacto para o Futuro, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras abrem caminhos para novas possibilidades e oportunidades” (The Pact for the Future, the Global Digital Pact and the Declaration on Future Generations open pathways to new possibilities and opportunities). Espera-se, entretanto, que os compromissos assumidos nesta cimeira clarifiquem qual o melhor processo de atribuição de compensações financeiras, ou de outra natureza, no sentido de que as nações mais vulneráveis possam beneficiar da ajuda para o combate das consequências das alterações climáticas, assunto que será decerto tratado na próxima cimeira da ONU sobre o clima (COP29), que se realizará em Baku, Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro de 2024. *Meteorologista * A Agenda 2030 consiste num plano adotado por todos os Estados Membros das Nações Unidas em setembro de 2015, o qual visa promover o desenvolvimento sustentável à escala global até 2030. É composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas que abrangem várias áreas, nomeadamente económicas, sociais e ambientais. Entre os objetivos, sobressaem os relacionados com a erradicação da pobreza, combate à desigualdade e injustiça, e o combate às alterações climáticas.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesNegócio da aparência e a aparência do negócio (II) – Contramedidas A semana passada, falámos sobre o encerramento do Physical Fitness & Beauty Centre (PFBC) em Hong Kong, que nos relembrou a importância de as empresas se inovarem constantemente para se manterem competitivas num mercado imprevisível. Esta semana, vamos analisar de que forma a sociedade de Hong Kong respondeu a este incidente. Não é a primeira vez nesta cidade que os clientes não conseguem reaver os pagamentos antecipados que fizeram a empresas que posteriormente encerraram. Podemos considerar a reacção da sociedade de Hong Kong a partir de quatro perspectivas: da empresa, do sector, do Governo e da lei. Claro que a solução ideal seria o PFBC ter continuado a funcionar. Nesse caso, os contratos de arrendamento das lojas e os contratos com os clientes continuariam activos e ninguém teria sido prejudicado. Teria havido um final feliz. Para que isto tivesse sido possível, teria sido necessário que novos investidores tivessem injectado dinheiro no PFBC, ou que recursos adicionais tivessem sido providenciados através de aquisições e fusões. Fosse qual fosse o modelo, desde que o PFBC continuasse a funcionar, o problema teria naturalmente desaparecido. Vale a pena mencionar que já foi noticiado que o PFBC de Wan Chai se mantém aberto, mas com outro nome. Não podemos concluir que a utilização de outro nome implique necessariamente que a filial foi adquirida por outra empresa, porque o proprietário inicial pode continuar a operar alterando o nome da marca. Se uma nova empresa adquirir o negócio compra também as suas dívidas da empresa fundadora o que é problemático. No entanto, a comunicação social não forneceu detalhes a este respeito, por isso não temos informação suficiente para análise. Ao nível do sector, o “Beauty Consumption Safety Net System” (Sistema de Rede de Segurança no Consumo de Serviços de Beleza) lançado pela Hong Kong Beauty Industry Federation (Federação da Indústria de Beleza de Hong Kong) demonstra o poder do sector para se proteger. Este sistema permite que os salões de beleza assumam a responsabilidade de finalizar tratamentos que tinham sido interrompidos devido ao encerramento de outros salões e assim fornecerem aos clientes os serviços em falta. O mecanismo de auto-resgate do sector é sem dúvida um bom método, que não só protege os direitos e os interesses dos consumidores, como também encaminha novos clientes para os salões que assumem a responsabilidade de completar os serviços, obtendo-se uma situação em que todos saem a ganhar. Claro que a conclusão destes tratamentos implica despesas. Estas despesas são suportadas pelo salão de beleza? Como é que são geridas? A comunicação social não avançou mais detalhes por isso não podemos comentar. Para além dos mecanismos de auto-resgate tomados pelas empresas envolvidas e pelo sector de actividade, as agências do Governo de Hong Kong intervieram no caso do encerramento do PFBC e Hong Kong também tem leis aplicáveis para a protecção dos direitos e interesses dos consumidores. Enquanto agência governamental, o Hong Kong Consumer Council (Conselho dos Consumidores de Hong Kong) é validado pela Hong Kong Consumer Council Ordinance (Portaria do Conselho de Consumidores de Hong Kong). Depois de receber as queixas dos consumidores, o Consumer Council pode pronunciar-se publicamente sobre os produtos e serviços da empresa, melhorando assim a transparência do mercado e apelando às empresas para que padronizem os seus modelos operativos. Depois de os consumidores apresentarem queixa no Consumer Council, a imprensa recebe o comunicado. Os casos são divulgados, o que não só informa o público, como também incentiva os lesados mal informados a agirem de imediato e a moverem acções de compensação. Do ponto de vista jurídico, a secção 13I(1) da Portaria de Descrições Comerciais de Hong Kong estipula claramente que qualquer empresa que aceite indevidamente pagamentos de clientes para prestação de serviços está a incorrer numa ilegalidade. Indevidamente inclui muitos cenários, um dos quais é a empresa não ter intenção de prestar os referidos serviços aos clientes. Para as empresas mal-intencionadas, esta disposição legal é como uma faca encostada à cabeça. Outra disposição importante, surge na secção 275 da Companies (Winding Up and Miscellaneous Provisions) Ordinance (Portaria Empresarial (Dissoluções e Disposições Diversas), Capítulo 32. Em resumo, se uma empresa opera com a intenção de defraudar os credores, os seus proprietários estão sujeitos a responsabilidade pessoal ilimitada. Estas disposição obriga os responsáveis da empresa a compensar as vítimas. Além disso, a secção 168L ainda estipula que os tribunais de Hong Kong têm o poder de emitir uma ordem proibindo o gerente de um negócio fraudulento de voltar a exercer um cargo semelhante num período máximo de 15 anos. Para os consumidores um sistema externo de protecção é importante, mas o melhoramento da protecção própria e a consciencialização também são indispensáveis. Antes de pagarem mensalidades antecipadas, não só devem considerar cuidadosamente se podem suportar os riscos correspondentes, mas também avaliar as condições operacionais da empresa e a sua possibilidade de falência, por exemplo se a empresa tem ou não fortes probabilidades de continuar a funcionar durante o período coberto pelas mensalidades antecipadas. Um dos factores a considerar é o aluguer. Se as lojas forem arrendadas e não propriedade da empresa, os clientes podem pedir para verem se o período do contrato de arrendamento é igual ou superior ao período abrangido pelo seu pré-pagamento. Claro que mesmo que esta condição se verifique, não é prova de que a empresa tenha capacidade financeira para continuar a funcionar até ao final do período coberto pelas prestações pagas com antecedência. Mas o mais importante, é que as empresas podem recusar-se a mostrar o contrato de arrendamento aos clientes alegando quebra de confidencialidade. Em conclusão, a sociedade de Hong Kong apresentou medidas adequadas em resposta ao incidente do PFBC. Foi criado um sistema de proteção relativamente completo através de vários métodos como o auto-resgate das empresas, a assistência mútua do sector, a supervisão governamental e as sanções legais. Na próxima semana, analisaremos as implicações do caso do PFBC em Macau, bem como os ensinamentos que Macau pode retirar desta experiência a fim de incrementar a protecção dos direitos dos consumidores. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Jorge Rodrigues Simão VozesO futuro da memória (II) “A people without the knowledge of their past history, origin and culture is like a tree without roots. Our greatest glory is not in never falling, but in rising every time we fall.” Marcus Garvey (Continuação) Quando nos aproximamos do passado, temos de ser capazes de contextualizar, descontextualizar e ressubstancializar como disse Knut Wolfgang Nörr. Isto significa que devemos abordar o nosso objecto de estudo situando-o no contexto em que se desenvolveram determinadas instituições e regras, tendo sempre em conta que isso é feito com as nossas próprias categorias, que influenciam inevitavelmente a forma como nos relacionamos e reconstruímos o passado. A Europa ainda que tendo um passado racista e patriarcal como o dos Estados Unidos, tem um problema menos generalizado com as minorias e com a importância de clarificar o passado com um enfoque constante na inclusão. Mas também aqui existe uma forte discriminação e não é de excluir que, no futuro, por exemplo, as associações que defendem os direitos das pessoas homossexuais ou transexuais exijam reformas dos programas de estudo se tiverem como objecto institutos ou regras (ou temas) que possam ser atribuídos a homens heterossexuais educados numa cultura de discriminação. O mesmo se pode dizer dos imigrantes. Uma actividade de investigação que, de certa forma, se aproxima da abordagem em questão tem sido levada a cabo, por exemplo, por mulheres historiadoras que sem qualquer intenção de reescrever o passado relêem, no entanto, certos fenómenos da Antiguidade, da Idade Média e da Idade Moderna, destacando a importância das figuras femininas nos mesmos (refere-se aqui à actividade meritória que as sociedades europeias de historiadores estão a levar a cabo neste domínio). É possível estudar a história independentemente da filologia Não podemos estudá-la de uma forma inovadora sem a filologia, mas podemos ensiná-la bem. É de recordar o livro de Moses Finley, publicado há mais de quarenta anos, intitulado “The World of Odysseus”. Nesse texto, Finley que era um americano que fugiu dos Estados Unidos em tempos de caça às bruxas relata claramente alguns aspectos centrais da herança grega e do que a Grécia deu ao mundo. É simples, mas consegue captar os pontos essenciais. Por isso, é possível ensinar história sem filosofia ou filologia, mas não se pode prescindir delas quando se faz investigação. No entanto, se, como se está a fazer, se suprimirem as especialidades a torto e a direito, cortam-se as bases do conhecimento e, a partir da universidade, a crise alastra a todo o sistema. No entanto, há algumas questões a colocar. Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que o apagamento da história não é algo que tenha começado hoje. Pensemos, por exemplo, em “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith. Nesse texto, Smith nunca se refere à colossal mudança nas relações de poder económico entre as Índias e a Grã-Bretanha, tornada possível pelas acções político-militares dos britânicos. Pelo contrário, ao tentar enterrar o mercantilismo, o filósofo escocês esconde como, de facto, o poder económico da Inglaterra derivou precisamente de séculos de práticas mercantilistas e colonialistas, tentando fazer passar a imagem de um comércio pacífico e doce. Este é um exemplo perfeito da supressão da história. No entanto, se olharmos para a cultura canónica, verificamos que, a par deste apagamento, há também uma tentativa de endurecer a história. Um branco filho da escravatura ficará para sempre marcado, tal como os negros, quando no passado eram considerados ontologicamente inferiores. A cultura do cancelamento, portanto, reproduz exactamente os mecanismos de divisão entre os seres humanos que o liberalismo tinha tentado atenuar. O problema é que estamos a perder o “melhor” uso da história. Pensemos em como se tentou reconstruir o passado com base em fontes e documentos. Claro que foi uma voz fraca, substituída por uma retórica nacionalista que surgiu muito antes do fascismo e que escondeu toda uma parte da história. Nos Palácios da Justiça, para dar um exemplo, não há uma única estátua de um jurista médio. São todos romanos na maioria dos países da familía romano-germânica de direitos, apesar de terem existido grandes juristas na Idade Média. Este é o preço que pagamos sempre que a história é utilizada por algum motivo. Temos de estar conscientes deste facto. Mas deitar fora o bebé com a água do banho não é a solução. O risco é que cada um faça a sua própria narrativa, como já teorizavam os pós-modernistas franceses nos anos de 1980. Mas isso, como diria Georg Lukács, é a destruição da razão. Têm-se a impressão de que vivemos actualmente num mundo povoado por “pessoas que compram”, ou seja, por pessoas que parecem ser atraídas pela catástrofe. A questão, então, é saber como não a atingir. A tarefa, deste ponto de vista, deveria ser a de promover uma consciência crítica. Se o risco é a irrupção da anti-história, então não se trata apenas de promover conhecimentos alternativos ou diferentes. Não se trata de opor ao tecnicismo economicista um pensamento igual e oposto, mas de estimular a reflexão crítica. Deste ponto de vista, os clássicos são uma mina sem fim. E não apenas os da filosofia. Também a literatura é um “vademecum” para compreender o mundo. Para compreender o pensamento político ocidental indo às suas raízes, por exemplo, seria necessário ler a “Teogonia” de Hesíodo. Educar para o pensamento crítico significa, portanto, antes de mais, estimular o interesse pela redescoberta e pelo cultivo das raízes. Quem trabalha nas escolas e nas universidades deve fazer isso antes de mais nada. Para isso, as universidades e os académicos têm de ser compreensíveis. Há uma coisa que deve ser recuperada da cultura anglo-saxónica que é a capacidade de fazer uma divulgação elevada e excelente. Temos de ser capazes de entusiasmar as pessoas com temas complexos, sem cair no banal. Não devemos fazer como a Igreja, que continuou a falar latim mesmo quando o latim já não era compreendido por ninguém. O problema da popularização é fundamental. Aqueles que estudam a actualidade e a antiguidade a um nível elevado devem colocar o problema de tornar os seus conhecimentos acessíveis também aos leigos. Os historiadores do direito grego e romano, que publicam obras de grande divulgação há mais de quarenta anos, fazem um grande esforço neste domínio e garantem o acesso à cultura clássica (ainda que de forma simplificada) mesmo a pessoas que dela estão afastadas (engenheiros, médicos, mas também membros da classe média). Alguns estão a trabalhar (ainda que não seja a sua área de estudo principal) sobre algumas figuras femininas da Antiguidade, pois ao aprofundar o papel de mulheres que as fontes descrevem como particularmente activas do ponto de vista económico ou cultural (pessoas que viveram entre o século I a.C., especialmente no período ciceroniano, e o século I d.C.), tentam fazê-lo numa linguagem simples, não enigmática ou excessivamente hipotética, e em alguns casos apresentando os textos em tradução (talvez referindo as citações latinas ou gregas numa nota de rodapé). Isto é feito para tornar acessíveis, em primeiro lugar, aos seus alunos e, depois, esperemos, a um público mais vasto, temas complexos, mas que também nos preocupam intensamente no presente. É necessário, que os historiadores coloquem este problema. E encontrar novas formas de o enfrentar. O presente é o reino do particular e não permite qualquer generalização. É apenas a nossa memória individual que nos permite generalizar, oferecendo-nos assim a possibilidade de nos projectarmos no futuro. Só assim podemos aprender regras que não são prescritivas, mas que se assemelham mais a padrões interprescritivos. Ora, se isto é verdade a nível individual, também pode ser verdade a nível colectivo. Os clássicos são exactamente o que sabemos do nosso passado, da nossa memória. E por isso o estudo dos clássicos deve ser direccionado para o futuro. Eles devem ser a chave que nos permite generalizar e orientarmo-nos para o futuro. Referimos que os textos antigos deveriam ser “vademecum” para a nossa compreensão do mundo. Do nosso ponto de vista, devem ser, antes de mais, sementes a partir das quais essa compreensão pode crescer. O problema é que, tal como, de um ponto de vista sociológico, a classe média está a desaparecer, também, a nível intelectual, o leitor médio está a desaparecer, preso entre o ignorante e o especialista. É por isso que é difícil fazer uma boa divulgação. Para recuperar o atraso, é preciso ir o mais longe possível nas escolas. É aí que a semente deve ser plantada. Depois é demasiado tarde.
André Namora Ai Portugal VozesA parvoíce das presidenciais tão longe Gouveia e Melo é o preferido dos portugueses Portugal ainda não sabe se terá orçamento de Estado para 2005. Ninguém sabe se entramos numa crise política que nos leve, infelizmente, a novas eleições legislativas antecipadas. Ainda temos eleições autárquicas para o próximo ano e as eleições presidenciais serão somente em 2026. Neste sentido, não se entende a “loucura” de se andar constantemente a falar em nomes de candidatos a Presidente da República, incluindo sondagens contínuas. Ainda nem sabemos o que irá acontecer ao mundo com a escalada de violência no Médio Oriente, na Ucrânia-Rússia e quem será o novo presidente(a) nos Estados Unidos da América, uma eleição importantíssima para o futuro de todos nós. Permitam-me o aparte, mas se a vitória cair para as hostes de Trump, não temos dúvidas de que o fascismo regressará a muitos países e que durante quatro anos não serão respeitados os direitos humanos nos Estados Unidos. As televisões, jornais e empresas de sondagens não cessam de falar em quem poderá ser o novo Presidente da República. Será porque estão fartos de Marcelo Rebelo de Sousa? O que se passa chega a ser caricato. Por exemplo, Marques Mendes é comentador na SIC e não cessa de dar a entender que não será candidato, quando se observa plenamente que o ex-líder do PSD quer é ser candidato a Presidente da República. Depois, vêm outros comentadores falar em Passos Coelho, um político de triste memória para todos os portugueses, especialmente para os pensionistas e reformados. Igualmente falam em André Ventura, o “hitlerzinho” português que até queria um referendo para expulsar os imigrantes de Portugal. O mais falado é, sem dúvida, Gouveia e Melo, o almirante que o ex-primeiro-ministro António Costa chamou para salvar milhares de portugueses durante a pandemia da Covid 19. E este facto foi importantíssimo para que os portugueses nunca mais tivessem esquecido Gouveia e Melo, apesar de parecer-nos que o povo anda com um pouco de nostalgia de Ramalho Eanes e consequentemente a preferir um militar no Palácio de Belém. Obviamente que neste estado de espírito para a escolha de um Chefe de Estado, o almirante Gouveia e Melo pedirá em Dezembro para passar à reserva. Nem aceitará um convite para Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Obviamente, segundo as nossas fontes, que Gouveia e Melo será um dos candidatos a Presidente da República. Obviamente que Gouveia e Melo já iniciou a preparação da sua máquina de “guerra” para quando chegar o tempo de campanha eleitoral. Obviamente que Gouveia e Melo tem apoios no Chega, no PSD, no CDS, no PS e até Francisco Louçã não irá esquecer que o seu pai era o comandante do navio de guerra que no dia 25 de Abril de 1974 se negou, em frente ao Terreiro do Paço, a disparar contra as tropas de Salgueiro Maia. Obviamente que o povo gosta de Gouveia e Melo e este militar poderá ter a maior vantagem no resultado final. A surpresa maior está na propaganda balofa que o Presidente Marcelo anda a fazer contra o almirante Gouveia e Melo, ao ponto de lhe chamar populista, quando nunca vimos um português mais populista que Rebelo de Sousa. Tudo, para que o seu “querido” Marques Mendes fosse eleito Presidente. Nas últimas sondagens vindas a público, o país confirmou que não está virado para Marques Mendes, Passos Coelho, André Ventura ou mesmo para o socialista Mário Centeno, um político sem dignidade de Estado que passou directamente de ministro das Finanças para o maior “tacho” como governador do Banco de Portugal. Neste particular, o Partido Socialista sairá derrotado das eleições presidenciais caso não consiga convencer António Guterres a candidatar-se. E naturalmente, que não podemos esquecer que o PCP e o Bloco de Esquerda apresentarão os seus candidatos próprios. Quanto à última sondagem divulgada, apresentou o almirante Gouveia e Melo como o preferido dos eleitores a longa distância do segundo. A sondagem deu como resultado, 21 por cento das intenções de voto para Gouveia e Melo, 14,7 para Passos Coelho, 10,6 para Marques Mendes, 8,8 para André Ventura, 8,3 para Mário Centeno, 7,9 para Ana Gomes e 5,0 para Augusto Santos Silva. Tudo isto, acreditem, tem um pouco o sabor a absurdo. Quando as eleições presidenciais apenas terão lugar em 2026 confesso não entender a preocupação dos políticos e analistas políticos, vulgo comentadores de televisão, em andarem preocupados com os eventuais candidatos à Presidência de Portugal. Com a agravante de eventualmente acontecer até 2026 algumas surpresas. Quem não nos diz que o Partido Socialista consegue quase o impossível de trazer à baila António Costa, este sim um candidato ganhador. Os políticos deviam preocupar-se com o presente, com o Orçamento de Estado para 2025 quando se adivinha uma ruptura completa entre o Governo e os socialistas. Montenegro já afirmou que não abdica do IRS Jovem e da baixa do IRC, dois pontos onde os socialistas estão completamente em desacordo. Montenegro já afirmou que não governará em duodécimos. Sendo assim, teremos uma crise política e, para mal de todo o povo, eleições legislativas antecipadas. Um cenário altamente gravoso para a economia do país e para a redução do investimento estrangeiro num quadro de instabilidade. Obviamente que não somos parvos e que já vimos há muito tempo que Montenegro pretende imitar em tudo Cavaco Silva e que, neste sentido, pretende eleições antecipadas, convencido que obterá uma maioria absoluta roubando grande parte do eleitorado do Chega, partido que está em decadência. Ao fim e ao cabo, Portugal apenas tem de mostrar ao mundo que o descontentamento popular irá ser resolvido com bom senso e união de esforços. Caso contrário, iremos sem dúvida para o abismo.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto Vozes386 O que representa o número 386? Representa os 386 membros, dos 400 da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo (CECE), que subscreveram a candidatura de Sam Hou Fai para sexto Chefe do Executivo da RAEM, uma percentagem de 96.5 por cento do total. Este número também sugere que Sam Hou Fai, enquanto candidato único, tem uma alta probabilidade de obter pelo menos 386 votos na eleição do Chefe do Executivo, agendada para 13 de Outubro, vencendo em última análise por uma larga margem, o que reflecte o apoio público ao candidato. No entanto, quando se compara o número (386) de membros da CECE que manifestaram por escrito o seu apoio a Sam Hou Fai com o número de eleitores da RAEM (325561), recenseados no final de 2023, o primeiro número representa apenas 0.119 por cento do último. Se escolhêssemos ao acaso 100 eleitores inscritos em Macau para participar num programa de televisão onde jogassem com elementos de regiões vizinhas, e lhes perguntassem os nomes dos 400 membros da CECE, acredito que as suas respostas seriam bastante interessantes. Mas se perguntarmos a 100 eleitores recenseados se sabem quem é Sam Hou Fai, aposto que a percentagem de respostas certas seria mais elevada, na medida em que ele foi Presidente do Tribunal de Última Instância. Sam Hou Fai exerceu funções judiciais durante cerca de 25 anos, durante os quais presidiu ao julgamento de Ao Man Long e de Ho Chio Meng, ambos altos funcionários do Governo de Macau, envolvidos em casos de corrupção. Além disso, também foi juiz-adjunto no caso de recurso contra a inabilitação dos candidatos que concorreram às eleições de 2021 para a Assembleia Legislativa. A actuação de Sam Hou Fai é amplamente conhecida no meio judicial. Um amigo meu compartilhou recentemente comigo uma reportagem sobre Sam Hou Fai, que é na verdade uma montagem de todas as aparições televisivas do candidato, recheada de detalhes preciosos, nos quais se incluem os dois factores que, durante a sua formação universitária feita em Portugal, o transformaram; o vinho tinto e a língua portuguesa (e a cultura portuguesa). Em relação ao vinho tinto português, penso que todos os apreciadores de Macau concordarão que a relação qualidade preço do vinho português é muito superior à dos vinhos provenientes de outros países do Velho Mundo. Vinho tinto português é popular em Macau, e a cultura portuguesa também, em particular o espírito do Estado de direito exercido em Portugal após 1974, que é digno de apreciação e alguma inveja por parte do povo de Macau. Zhang Xin (張鑫), um académico formado pelo Departamento de Direito da Universidade de Pequim, publicou um artigo na “Colecção de Ensaios sobre a Constituição da República Popular da China” (中華人民共和國憲法論文集), que dizia: “os conceitos de direito e sistema jurídico levaram o direito e o sistema jurídico da China Continental a terem várias diferenças distintas do direito ocidental e do Estado de direito, que se reflectem principalmente na natureza de classe, na natureza política, na flexibilidade e na confidencialidade”. O Oriente e o Ocidente, o Interior da China e Macau, têm cada um deles os seus próprios antecedentes e características em termos de direito e Estado de direito. Tendo em conta os anos de formação e prática profissional de Sam Hou Fai, a sua compreensão destes aspectos há-de ser profunda. Sam Hou Fai visitou recentemente várias associações locais e recebeu muitas sugestões durante estas visitas. Espero que estas sugestões não se tenham limitado aos interesses das referidas associações, mas que também tenham reflectido a opinião pública em geral. O falecido Ye Shengtao, um conhecido escritor e pedagogo da China continental, escreveu uma história de fadas intitulada “Uma estátua de pedra de um herói antigo”, que conta a história de um pedaço de pedra esculpida que fazia parte da estátua de um herói, mas esta estátua acabou por se desmantelar porque as diferentes pedras que formavam o pedestal fugiram, ilustrando o que acontece quando as chefias se desviam das massas. Os 386 apoiantes, do universo de 400 membros do CECE, são vitais para o processo eleitoral do Chefe do Executivo, mas o que é mais relevante é a sua representatividade e a sua preocupação com o bem-estar dos cidadãos de Macau.
Hoje Macau Perspectivas VozesO futuro da memória (II) “A people without the knowledge of their past history, origin and culture is like a tree without roots. Our greatest glory is not in never falling, but in rising every time we fall.” Marcus Garvey A Europa tem, portanto, um grave problema de memória, mas nunca deve esquecer o quanto os seus problemas estão enraizados na história, o quanto sempre teve de enfrentar tanto inimigos internos (Ugo Foscolo, na sua “Lettera apologética”, via no conluio interessado dos intelectuais com o estrangeiro o perigo supremo) como inimigos externos (nunca ninguém quis que uma península colocada no centro do Mediterrâneo tivesse demasiada autonomia geopolítica, por exemplo). O paradoxo é que a Europa, que é tida em consideração no estrangeiro precisamente devido à profundidade do seu património histórico, tem enormes dificuldades em se reconciliar com o seu próprio passado. A nossa atitude é esquizofrénica. Instituímos um grande número de dias comemorativos, o que, em abstracto, é muito bonito, mas, na prática, coloca o problema de que cada um desses dias recorda alguma coisa, mas desvia a memória de outra e escusado será dizer que nenhuma escolha comemorativa é politicamente inocente e corre o risco de dar origem a divisões e controvérsias. A questão é que na Europa se faz pouco esforço para compreender o passado. O problema insistimos, é a enorme dificuldade de contextualizar o passado, a mesma dificuldade que está também subjacente à chamada “cultura woke”, cujo objectivo é tentar promover formas de igualdade, mas sem perceber a dimensão progressista e histórica da igualdade. O que a “cultura woke” e a “cultura cancell” promovem é, de facto, uma espécie de igualização neutralizadora, que elimina o contexto histórico e apela a práticas consideradas francamente absurdas, como (entre muitas outras) a demolição, por racismo (não importa se real ou imaginário), das estátuas erguidas em honra de Abraham Lincoln. A consequência é a criação de um sentimento de culpa no coração do Ocidente, a ser alimentado não só em regimes ou Estados, mas até em indivíduos. Um verdadeiro suicídio do Ocidente, que convida à pergunta se é realmente razoável odiarmo-nos tanto uns aos outros? O discurso sobre o tema das culturas de anulação, que também está a emergir na Europa como uma tendência que não é passageira, é objecto de diferentes leituras. Poder-se-á definir a primeira visão como “catastrofista” e autores como Stefan Rebenich ou Edith Hall defendem que ela conduzirá a uma destruição sem remédio da história, com o objectivo de elidir uma certa visão do nosso passado, suprimindo-a ou reescrevendo-a. A segunda, por outro lado, com Giusto Traina entre outros, tende a redimensionar o fenómeno, contextualizando-o, o que seria uma moda (o woke) puramente americana, com influência limitada na Europa. Além disso, acredita-se que dado o classicismo próprio da nossa história e memória nunca poderia afirmar-se na Europa. Há ainda uma terceira via, uma opinião que defendemos que segundo a qual é preciso manter um elevado limiar de atenção. O fenómeno está a estabelecer-se na Europa mais lentamente por várias razões, mas a nossa sensibilidade às tendências do exterior coloca-nos certamente em risco. A nossa sociedade, embora marcada por tensões de vária ordem, não é caracterizada por um passado recente e um presente de conflitos à excepção das duas guerras mundiais, discriminações e marginalizações. Se, os nossos antepassados tivessem escravos negros a trabalhar nas suas plantações e os seus descendentes vivessem nos países europeus, as suas estátuas também estariam em risco. Como afirmaram estudiosos do departamento de Estudos Clássicos em Princeton, uma universidade muito atenta às minorias, nos Estados Unidos, um primeiro problema diz respeito ao papel da cultura clássica na justificação do domínio da “cultura ocidental” (europeia e americana) no resto do mundo (basta pensar na utilização de Aristóteles ou Cícero para justificar o fenómeno da escravatura). Outra ordem de problemas é a necessidade do estudo das línguas antigas para quem se quer inscrever nos cursos clássicos e como nem o latim nem o grego são ensinados nas escolas secundárias, se quer atrair estudantes, é preciso apresentar os textos em tradução e ter em conta as sensibilidades daqueles que, enquanto minoria (não brancos, mulheres), se sentem discriminados na possibilidade de aceder ao conhecimento das matérias clássicas, dado que os requisitos de entrada nos cursos foram decididos, regra geral, por homens brancos. Normalmente, aqueles que entram na universidade sem terem frequentado escolas de elite talvez com uma bolsa de estudo têm de ser de alguma forma aproximados dos clássicos. Apresentar esta disciplina de uma forma próxima da sensibilidade destes estudantes e de uma forma simplificada (por exemplo, com traduções dos textos em inglês), poderia induzir um maior número de estudantes a inscreverem-se nos cursos de Estudos Clássicos. Esta tendência não é nova e regra geral, os americanos traduzem as fontes e raramente citam directamente o original grego ou latino. Deste ponto de vista, portanto, os professores americanos do ensino superior tendem a redimensionar as tendências extremistas do politicamente correcto ou, pelo menos, o papel e as responsabilidades da universidade a este respeito. Na verdade, a situação é bastante preocupante, porque desencadeia um círculo vicioso, pois para aceder ao estudo da Antiguidade, ou mais genericamente ao estudo da História, é preciso simplificações (textos antigos traduzidos, resumos cada vez mais sucintos das matérias em exame). Mas a simplificação reduz a possibilidade de contextualização e de compreensão, o que implica que os futuros professores estarão cada vez mais distantes do seu objecto de estudo e progressivamente incapazes de transmitir aos seus alunos a complexidade e o fascínio dos temas históricos e da antiguidade. Daí a progressiva despreocupação em os pôr de lado. Se, pelo menos na Europa, estivermos mais atentos às nossas raízes, o risco de simplificação (considerando também a complexidade da aprendizagem do latim, do grego e da aquisição de um sentido da história) está longe de ser remoto. (continua)
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA gueixa e a erotização da mulher asiática O fetiche pelas mulheres asiáticas tem raízes profundas na história e continua a manifestar-se na sociedade moderna através de estereótipos culturais, representações mediáticas e dinâmicas de poder. Muitas vezes, as mulheres asiáticas são retratadas como submissas, exóticas ou sexualizadas, sendo vistas através de uma lente distorcida moldada por fantasias ocidentais. A cultura pop, através de filmes, literatura e, mais tarde, a internet, reforçou essas representações erróneas, perpetuando a visão da mulher asiática como uma figura “dócil” e “obediente”. Um dos símbolos centrais dessa erotização é a figura da gueixa — um ícone cultural no Japão que tem sido mal interpretado. Durante a dita “expansão” colonial, as mulheres asiáticas foram colocadas em estereótipos de submissão, quietude e hiper-sexualidade. Recentemente, nas plataformas de encontros online nota-se o agravamento deste problema. Estudos mostram como as mulheres asiáticas são interpeladas com comentários racialmente carregados e vindos de fetiches, como “Sempre quis estar com uma asiática”. Há quem chame a esta tendência o yellow fever. Das muitas causas para a criação do estereótipo da mulher asiática como submissa e sexualizada, trago a figura da gueixa. As gueixas, cujas origens remontam ao século XVII, são artistas e anfitriãs treinadas em diversas formas de arte tradicional japonesa. São conhecidas pelo seu domínio da música, dança, cerimónia do chá e a capacidade de manter conversas sofisticadas, muitas vezes em jantares ou eventos importantes. Ser gueixa é sinónimo de disciplina e respeito pela preservação de tradições culturais seculares. Para se tornar uma gueixa, uma mulher passa por anos de treino nas artes performativas, aprendendo a vestir elaborados quimonos, aplicar a icónica maquilhagem branca e dominar a interação social. Em vez de reconhecerem as gueixas como figuras culturais, a imaginação ocidental transformou-as em símbolos de disponibilidade sexual e submissão. A gueixa não é, e nunca foi, uma trabalhadora do sexo, como muitas vezes se assume. Esta redução das gueixas a meros objetos de desejo sexual alimentou o crescente estereótipo das mulheres asiáticas como exóticas e submissas. Não quer dizer que as suas práticas performativas não sejam dotas de sensualidade, mas estão carregadas de tradição e respeito também. Alguns exemplos de incompreensão: um pub irlandês perto da base americana de Okinawa decorou a sua entrada com duas meninas japonesas de kimono, a descobrir as suas pernas e decote. Filmes como Memórias de uma Gueixa apresentam uma versão ocidentalizada e sexualizada do papel das gueixas. Até a Kim Kardashian quis dar o nome de “Kimono” à sua marca de roupa interior, que provocou consternação no Japão. O kimono é uma peça de roupa sofisticada que as Gueixas usam em para eventos sociais – não é uma peça de roupa interior. Não é por acaso que os turistas estão agora proibidos de visitar o bairro de Gueixas em Kyoto. Talvez seja um salto astronómico, mas estes retratos sociais mal compreendidos contribuem para o universo colectivo do fetiche racial. E a par da representação popular da Gueixa poderia numerar muitas outras, como a representação da mulher vietnamita durante a guerra do Vietname, e a representação de inocência das mulheres à frente de grupos de K-Pop e J-Pop. Combater o estereótipo da mulher asiática submissa exige uma reflexão crítica sobre como a cultura e a história asiática têm sido apropriadas e deturpadas em outras partes do mundo; de como as histórias que contamos sobre a história precisam de ser reanalisadas com sensibilidade e respeito. Implica, acima de tudo, rejeitar as narrativas que reduzem as mulheres a objetos de fantasia e reafirmar a sua complexidade.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesNegócio da aparência ou a aparência do negócio (I) O encerramento do Hong Kong Physical Fitness & Beauty Center (PFBC) desencadeou uma verdadeira tempestade em Hong Kong. Sendo uma empresa que controlava uma enorme cadeia de ginásios e institutos de beleza, e que chegou a ser propriedade do conhecido artista Aaron Kwok, a notícia do seu fim é triste. O PFBC não só tinha muitas filiais em Hong Kong, como também tinha expandido o negócio para a China continental e Macau. A filial de Macau, sediada no Centro comercial LandMark, já tinha fechado anteriormente. Informação que circula online refere que alguns clientes ainda não foram reembolsados das mensalidades que já pagas. As notícias apontam como principal motivo do encerramento do PFBC o atraso no pagamento dos alugueres das filiais. Mas antes de fechar, o PFBC continuou a vender assinaturas. Este método de cobrança antecipada afectou muitos clientes. Uma estimativa por alto aponta para um prejuízo de cerca de 130 milhões de dólares de Hong Kong. Notícias online indicam que algumas pessoas compraram assinaturas que expiravam em 2036 e em 2040. Outros clientes compraram assinaturas para as classes 1,914 fitness, que eram válidas até 2050, um prazo que excede o da Lei Básica de Hong Kong, que será revista a 30 de Junho de 2047. Por aqui se vê que os clientes tinham confiança no PFBC quando adquiriram as assinaturas. Os proprietários das lojas das filiais e os clientes continuam a queixar-se e, em resposta, o Governo de Hong Kong criou prontamente uma equipa inter-departamental que reúne os esforços da Alfândegas, da Polícia, do Conselho dos Consumidores, do Gabinete de Economia e de outros departamentos. O encerramento do PFBC voltou a levantar a questão do “pré-pagamento”, ou seja, o modelo de cobrança “paga hoje, desfruta dos serviços amanhã”. Quem gere negócios espera estabilizar o fluxo de caixa e a fidelização dos clientes através do “pré-pagamento”, para ter boas perspectivas comerciais. Por outro lado, os clientes são atraídos pelos descontos e não se importam de pagar com antecedência. Aparentemente, ambas as partes obtêm o que precisam. Do ponto de vista do cliente, se pagar com antecedência tem mais descontos e, desde que possua capacidade financeira, pode desfrutar por muito tempo de um serviço que lhe agrada. Por isso, porque não? Os clientes da nova geração valorizam o seu espaço e detestam ser incomodados por outras pessoas. No entanto, o PFBC adoptou o modelo comercial tradicional, o qual permite que durante um ou dois meses as pessoas acedam aos seus serviços de forma gratuita e depois convence-os a comprar assinaturas. Quanto mais alargado for o período da assinatura, maiores serão os descontos. Mas este modelo de vendas contraria as expectativas dos clientes, e esta pode ter sido uma das razões pelas quais o PFBC não foi capaz de atrair muitos clientes jovens. Em contrapartida, em 2018, existia uma grande cadeia de ginásios em Hong Kong. Os gerentes compreenderam que muitas pessoas tinham horários alargados e chegavam a fazer horas extraordinárias, o que impossibilitava frequentar o ginásio nos horários normais, por isso passaram a ter os espaços abertos 24 h por dia e substituíram o pré-pagamento por mensalidades fixas. Este modelo de negócio vai ao encontro das necessidades dos utilizadores e por isso floresce. Esta cadeia de ginásios estabeleceu-se com sucesso na China continental, em Hong Kong, Macau, Taiwan e Singapura. A ausência de inovação e a incapacidade de quebrar os modelos de negócio tradicionais podem ter sido outras razões que levaram o PFBC a ser confrontado com dificuldades. As empresas devem compreender a situação actual e escolher o modelo de negócio mais apropriado para se afirmarem no mercado. Lembremo-nos que o McDonald’s começou como uma cadeia de restaurantes à beira da auto-estrada. Os tempos mudaram, e actualmente o McDonald’s tornou-se uma cadeia global de fast-food. Os pequenos restaurantes à beira da estrada tornaram-se coisa do passado. Podemos constatar que o método de gestão evoluiu com os tempos o que permitiu à empresa tornar-se mais competitiva e conquistar o mercado. Há ainda a considerar a forma de vendas da empresa. As assinaturas expiravam em 2036, 2040 e em 2050, ou seja, tinham uma duração de 20 ou 30 anos. Isto faz-nos pensar como é que os clientes assinavam contratos tão prolongados? Será que teve a ver com técnicas de venda a que devemos prestar atenção? Tudo isto são assuntos que a sociedade de Hong Kong deve considerar. Na próxima semana analisaremos como a população de Hong Kong reagiu e lidou com o incidente do PFBC. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesTragédia nacional – Os fogos são um negócio Durante quase uma semana o centro e norte de Portugal esteve a arder. Os fogos mataram sete pessoas, quatro bombeiros e três civis, e fizeram mais de 150 feridos, alguns em estado grave e que foram alvo de intervenções cirúrgicas. O país ficou de luto e os prejuízos atingem milhões de euros. Milhares de animais morreram vítimas das chamas. Mais de mil ignições e cerca de 120 mil hectares de área ardida, na sua maioria eucaliptos. A tragédia nacional é o resultado indubitável da ganância por negócios muito lucrativos e da acção criminosa de incendiários bem pagos. Os fogos foram, sem dúvida, resultantes de quem está mais interessado em vender madeira, em deixar terrenos livres para a construção civil, em quem ganha muito dinheiro na compra de material de todo o género para os bombeiros e em quem enriquece com o aluguer dos aviões que combatem os fogos. O professor José Luís Zêzere, geógrafo físico da Universidade de Lisboa, foi peremptório ao afirmar que nem os bombeiros nem os Canadair conseguiriam apagar os fogos porque a gestão e organização dos terrenos não existe e nada foi feito desde 2017 após a tragédia de Pedrógão. Os bombeiros limitavam-se a proteger as casas existentes no meio do mato e mesmo assim não conseguiram evitar que dezenas de imóveis, armazéns e standes de automóveis ardessem por completo. Os bombeiros são verdadeiros heróis num cenário dantesco como o que se verificou. Na sua maioria são voluntários sem grande preparação para fogos de grande dimensão e a prova foi o triste acontecimento de três soldados da paz, duas mulheres e um homem, terem entrado onde nunca deviam, e ao serem cercados pelas chamas morreram carbonizados. De uma vez por todas, o Governo tem de decidir que a maioria dos bombeiros tem de pertencer a corporações profissionalizadas e, para isso, há que investir muito dinheiro e inserir essa despesa no Orçamento do Estado, o que não se verifica. Os distritos mais atingidos pelos fogos foram os de Aveiro, Porto, Vila Real e Viseu. Centenas de aldeias viveram dias de pânico e sofrimento. As populações estiveram seis dias sem dormir e mal alimentadas. Muita gente ficou sem casa e sem nada dos seus bens, como um aviário que ardeu por completo com 20 mil pintos no seu interior. Em Albergaria-a-Velha, as chamas atingiram toda a urbe e muitas casas arderam e só por “milagre” não morreram dezenas de habitantes. Águeda, Castro de Aire, Arouca, Mangualde, Valongo, Oliveira de Azeméis, Sever do Vouga e tantas outras localidades foram atingidas durante dias e noites por fogos absolutamente impossíveis de debelar. Em muitas destas terras os bombeiros nem conseguiam chegar, as estradas estavam encerradas devido ao fumo espesso e os aviões não conseguiam descarregar água devido às condições gravíssimas de visibilidade. Até que veio a chuva e alegrou as populações que viram as chamas diminuírem. Quanto a nós, a Protecção Civil esteve mal e as críticas choveram de todo o lado, incluindo dos autarcas. Chegámos ao ponto de no dia em que morreram os três bombeiros abraçados, a presidente da Câmara Municipal de Arouca tentou falar com a ministra da Administração Interna, devido à falta de meios no combate ao fogo urbano, e a governante tinha o telefone desligado… Em contacto com um nosso amigo em Albergaria-a-Velha, este disse-nos: “É pá, isto é o verdadeiro inferno, já não conseguimos respirar, há fogo por todo o lado, o vento é fortíssimo e os bombeiros são uma dezena, temos receio que desta vez morremos todos”. Estas palavras sofridas demonstram bem a generalidade do que passaram milhares de portugueses. Um outro popular com quem falámos afirmou não ter dúvidas que as ignições em certos lugares durante a noite foram de mãos criminosas e bem pagas. O mesmo popular salientou-nos que há quatro anos registou-se um fogo em determinado local de Águeda e hoje está lá construído um grande bairro habitacional cujo empreiteiro faz gáudio da riqueza adquirida com essa construção. Sempre que o país arde, ó da guarda, que é preciso mais bombeiros, autotanques, helicópteros e aviões. Se o objectivo é evitar a destruição patrimonial natural e por extensão as casas, as indústrias e as vidas, então, não tenhamos ilusões que o verdadeiro combate é a prevenção. É urgente apostar na gestão dos espaços agroflorestais, diversificando espécies e acabar com a monocultura do eucalipto e do pinheiro-bravo. Sem o fundamental referido, os fogos não vão acabar e anualmente haverá grandes negócios dos quais resultará enorme pecúlio para criminosos e gananciosos. P.S.: 1 – A ministra da Administração Interna não existe. 2 – Um agradecimento especial às três centenas de militares espanhóis especializados no combate a incêndios que se deslocaram para o teatro de operações português
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO Museu dos Corações Partidos Em Zagreb, na Croácia, tive a oportunidade de visitar o “Museum of Broken Relationships”. A ideia é extraordinariamente simples: trata-se de uma exposição de vários objetos que estiveram de algum modo relacionados com o fim de relacionamentos. O nome sugere relacionamentos românticos, e de facto, a maioria das peças refere-se a eles. Mas não são os únicos retratados. A ideia para este museu surgiu durante o processo de separação do seu criador. No momento da habitual divisão de bens, ele rapidamente percebeu como os objetos carregam memórias e apegos, e foi essa constatação que o inspirou. Foi assim que convidou várias pessoas a submeterem os seus objetos e histórias de separação, reunindo-os todos numa exposição. Quem entra no museu sem muito contexto sobre o que se passa ali, depara-se com uma sala cheia de objetos mundanos — alguns mais interessantes, outros mais bizarros. Só com as narrativas dos seus doadores é que estes objetos ganham uma forma emocional. É esse contexto que transforma o espaço num repositório de dores. Chorei e ri-me. Também senti angústia. Quanto mais simples e curtas eram as histórias, mais profundamente se cravavam no coração. Aquele espaço tornou-se uma porta de entrada para as dores dos outros, reverberando nos seus visitantes. O simbolismo construído em torno de cada objeto concretizava-se na experiência do visitante, porque existia, real e simbolicamente, em todas as dimensões. Em alguns casos, percebi que doar o objeto do seu relacionamento poderia ser um ato catártico, um desfecho. Como se dissessem ao mundo: “Já não preciso de me agarrar à memória desta pessoa, aqui vos ofereço o nosso fim.” Algo que que muitos visitantes provavelmente quiseram fazer no passado. Alguns destes objetos eram do corpo, como as rastas que ele deixou para trás, ou o enxerto de pele que ele teve de fazer após um grave acidente. Ou as botas de mota da Maria, que, apesar de terem tido várias donas ao longo dos anos, à medida que as relações mudavam, nunca deixaram de ser as botas dela. Outros objetos também eram mais criativos. Um marido, antes de se separar da sua mulher, pediu-lhe que lhe fizesse uma camisola em tricot. A indecisão era tanta que, a cada semana, mudava de ideias quanto à cor, ao modelo ou ao tipo de ponto. Quando se separaram, a camisola ainda não estava feita. Mas, como forma de resolução, a mulher terminou a camisola incorporando todos os pontos de indecisão. Com as amigas, criaram uma camisola irregular, monstruosa, feia, indecisa. Agora está em exposição em Zagreb, como um ato de despedida. Também estava em exibição uma cassete, uma gravação caseira com a voz de um homem a falar japonês. O pai, que morreu pouco depois do filho nascer, deixou-lhe algumas gravações para que ele pudesse ouvir a sua voz. No entanto, a mãe agarrou-se de tal forma a esse vínculo que nunca as pôs a tocar, com medo de perder aquele momento outra vez. O filho quis fazer as pazes com essa história. Doou a cassete para que os visitantes pudessem ouvir a voz do homem que outrora existiu e que, de certa forma, ainda existe nos corações de quem sente a sua falta. Dei por mim a recordar as minhas próprias histórias de despedida e os seus objetos. Alguns foram fáceis de abandonar, outros andaram comigo durante anos. É normal que os nossos afetos encontrem refúgio na materialidade do mundo. A sensação de abandono, a dor, o sofrimento ou a solidão encontram conforto nos objetos mais insignificantes, porque eles fizeram parte da história, vibraram com a energia do passado. Todas as emoções que tendemos a sentir sozinhos, que estão no cerne da sensação de perda e abandono, o museu mostra-nos que são, na verdade, emoções partilhadas. Ninguém está sozinho com o seu coração partido.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRegresso ao trabalho (II) A semana passada, falámos sobre a passagem por Macau do tufão Yagi, que levou ao hasteamento do sinal n.º 8, e sobre o facto de o sinal ter sido levantado às 14.00h do dia seguinte. Após o levantamento do sinal n.º8, a maioria dos residentes da cidade teve de voltar ao trabalho num período de apenas uma hora e meia. Os noticiários assinalaram que o regresso precipitado ao trabalho num curto intervalo de tempo provocou longas filas nas paragens de autocarros. Além disso, pessoas que habitualmente se deslocam em motociclos optaram por usar o carro, devido à chuva intensa que nessa altura ainda caía, o que resultou em enormes congestionamentos do trânsito. Vale a pena reflectir sobre a altura em que as pessoas devem regressar ao trabalho quando o sinal n.º8 de tufão é levantado às 14.00h. Os trabalhadores do sector privado têm de respeitar as disposições do contrato laboral que regulam o regresso ao trabalho após o levantamento do sinal nº8de tufão. Se o contrato de trabalho não incluir disposições relativas a esta matéria, os empregadores e os empregados podem guiar-se pelas “Directrizes Laborais durante Tufões e Emergências Públicas” publicadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais. De acordo com estas directrizes, os empregados devem voltar ao trabalho no espaço de uma hora e meia após ter sido levantado o sinal nº8de tufão. As directrizes em si não têm qualquer problema. Não há dúvida que respeitam as normas da legislação laboral. É natural que as pessoas regressem ao trabalho depois de ter sido levantado o sinal nº8de tufão. Se compararmos o que acontece quando este sinal é levantado às 10.00 e as 14.00 h, seja qual for a situação, haverá sempre congestionamentos de trânsito. No entanto, no primeiro caso as pessoas poderão ainda trabalhar até seis horas, enquanto no segundo trabalharão apenas duas horas. Baseados neste critério, em qual das situações se pode garantir mais horas de trabalho e mais produtividade e eficácia? A resposta é óbvia. Se o empregador optar por disposições mais flexíveis, e não obrigar os funcionários a regressar ao trabalho num curto espaço de tempo após ter sido levantado o sinal nº8de tufão, irá sentir que fica a perder? Ou irão os empregados pensar que o patrão é generoso? Os pontos de vista e os sentimentos das pessoas são diferentes. As respostas a estas perguntas também variam. A este respeito, podemos retirar ensinamentos das providências laborais tomadas durante a pandemia. Nesse período, devido à necessidade de reduzir o contacto entre as pessoas, muitas empresas optaram pelo trabalho a partir de casa. Antes de o Yagi atingir Macau, a Direcção dos Serviços Meteorológicos tinha emitido um boletim informativo rigoroso, onde claramente se previa a possibilidade de vir a ser hasteado o sinal nº 8 de tufão. Se futuramente se vier a registar uma situação semelhante, poderão os empregadores permitir que os funcionários venham a trabalhar a partir de casa, depois de o sinal nº 8 de tufão ter sido levantado? Desta forma, não só o congestionamento de trânsito seria reduzido, mas também seriam asseguradas dentro do possível a eficácia e produtividade do trabalho; seria também uma manifestação concreta da responsabilidade social das empresas. Claro que este método não pode ser aplicado a todos os sectores e a todas as empresas, especialmente àquelas cujos serviços implicam contacto presencial, como instituições públicas e empresas de restauração. Por conseguinte, cada sector deve considerar a adopção de procedimentos baseados na sua própria especificidade para evitar a implementação de medidas uniformizadas. Em resumo, os trabalhadores devem compreender que é adequado os patrões pedirem que regressem ao trabalho num período de uma hora e meia após ter sido levantado o sinal nº 8 de tufão. Se o empregador estiver disposto a permitir que os seus funcionários trabalhem a partir de casa nessa circunstância, está a dar um sinal concreto de empatia com os trabalhadores e a optar por uma via de cumprimento da sua responsabilidade social. A situação difere conforme o sector de actividade e a natureza de cada serviço prestado também é diversa. Existe a possibilidade de o tele-trabalho não ser viável. Só quando os patrões e os empregados chegam a um entendimento existe oportunidade para implementar o trabalho a partir de casa ou qualquer outra disposição mais humanitária que regule o regresso ao trabalho depois do levantamento do sinal nº 8 de tufão. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesChacota global Portugal está a viver dias de perplexidade e de receio há mais de uma semana. Cinco dos mais perigosos reclusos a nível nacional e internacional fugiram em cinco minutos da cadeia de alta segurança de Vale de Judeus, em Alcoentre. Em primeiro lugar, a fuga está a deteriorar a imagem de segurança em Portugal e a provocar a chacota em toda a comunicação internacional, nomeadamente em Espanha e na Argentina. Isto, porque um dos reclusos em fuga é argentino, esteve preso já várias vezes noutros países e cometeu os mais horríveis crimes em Portugal e tinha sido condenado a 25 anos de prisão. São reclusos que mataram, assaltaram, raptaram e pediram resgates milionários e violaram várias jovens. Em segundo lugar, a chacota inclui todo o método da fuga, bem preparado, organizado com tempo e com a cumplicidade de elementos do exterior. E do interior? Obviamente que a população não tem dúvidas que teve de existir o conluio de alguns guardas prisionais. Um dos guardas tinha como função olhar para os monitores de 200 câmaras de vídeo vigilância e nada viu quando minutos antes da fuga um dos reclusos dirigiu-se ao ginásio da prisão e levou um gancho que serviu para os fugitivos saltarem o primeiro muro de três metros. E ninguém viu o recluso deslocar-se ao ginásio que, por sinal, é pouco frequentado. Nada foi visto quando os cúmplices colocaram escadas no segundo muro com seis metros de altura. Não será por acaso que a Polícia Judiciária tem vindo a interrogar guardas prisionais. Inacreditavelmente, a fuga dos cinco reclusos apenas foi detectada passada uma hora. Apenas foi dado o alarme à GNR passadas duas horas. Acrescente-se, que o recluso mais perigoso estava detido na prisão de alta segurança de Monsanto e sem se compreender a razão foi transferido para o presídio de Vale de Judeus. Esta prisão pode ser tudo menos de alta segurança. Dois exemplos caricatos: foram desmanteladas as torres de vigia, o que na altura foi criticado pelos guardas prisionais. Foram instaladas câmaras de vigilância que se provou não servirem para nada. Segundo as nossas fontes, a operação de fuga envolveu muito dinheiro e os reclusos tinham na retaguarda o crime organizado com milhões de euros à disposição para o que fosse necessário, no sentido de a fuga ter êxito total. Os reclusos em fuga tinham na prisão telemóveis e internet. Como é que entraram os telemóveis? Foram vendidos aos reclusos por guardas prisionais à semelhança de outras prisões? Foram levados pelas visitas que igualmente transportam para os reclusos muita quantidade de drogas? Um guarda prisional reformado afirmou na televisão que é o mais usual nas prisões portuguesas que entrem para as mãos dos reclusos, telemóveis, facas e droga de toda a espécie e que esse facto movimenta muito dinheiro. As mulheres dos reclusos têm contas bancárias através das quais transferem muito dinheiro para o pagamento de todo esse material que entra ilegalmente nas prisões. Outro exemplo caricato: em Vale de Judeus foi decidido electrificar as redes que circundam a prisão. A electrificação da rede metálica terminou porque quando se ligava a energia para a rede metálica, as luzes no interior da prisão apagavam-se… mais caricato, na falta de organização por parte da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, é o facto de Vale de Judeus não ter director há quatro meses. Naturalmente que o director-geral e o subdirector dos Serviços Prisionais demitiram-se após esta fuga escandalosa. A Polícia Judiciária procura uma agulha no palheiro e não acreditamos que seja fácil recapturar estes cinco criminosos altamente perigosos. Neste momento, certamente que os que tinham barba já a cortaram e os que não tinham barba já a deixaram crescer e devem estar completamente disfarçados e possivelmente já muito longe e com algum avião privado às suas ordens. Pela parte do Estado a culpa é imensa. Tem desinvestido na melhoria das condições gerais das prisões. Em 2017, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, apresentou um relatório duríssimo indicando que a prisão de Vale de Judeus, e outras, tinham de ser encerradas e que o investimento nos serviços prisionais devia ser enorme para bem da segurança nacional. Ninguém ligou absolutamente nada ao seu relatório e nada foi feito do que a ex-ministra propôs. A actual ministra da Justiça, filha do advogado e comentador de televisão José Miguel Júdice, é uma simples jurista sem qualquer experiência política e, para revoltar os portugueses, demorou quatro dias a dirigir-se publicamente sobre a fuga gravíssima e quando o fez anunciou apenas o que todos já sabíamos, tendo referido o absurdo quando anunciou que uma auditoria à fuga deve terminar no fim do ano. Uma ministra que se tivesse o mínimo de dignidade tinha logo pedido a demissão do cargo, já que permitiu que Vale de Judeus tenha estado quatro meses sem director. Ninguém consegue explicar como é que cinco reclusos, por “coincidência” os mais perigosos e os que chefiavam a mafia interna da prisão, se podem evadir em pouco mais de cinco minutos, saltando dois muros, cortando uma rede e entrando em carros estacionados junto ao buraco na rede e ninguém dos responsáveis da segurança viu um recluso sequer a correr e a subir escadas… Os guardas prisionais que ainda recentemente reivindicaram mais dinheiro foram exímios em salientar que nada tinham a ver com a responsabilidade da fuga. Então, quem é que tem a responsabilidade da segurança da prisão? Valha-nos que a Polícia Judiciária já está a ouvir guardas prisionais de Vale de Judeus que chefiavam o restante corpo de guardas e o funcionário encarregado de monitorizar as imagens oriundas das câmaras de vigilância e a interroga-los como foi possível, isto, aquilo e aqueloutro. Por seu lado, o primeiro-ministro não arranjou nenhum bote e colete de salva-vidas… para se deslocar de imediato à prisão Vale de Judeus e aperceber-se do que tinha acontecido mostrando aos portugueses que está sempre em cima dos acontecimentos, tal como Luís Montenegro tem feito constantemente, particularmente o ridículo passeio de bote quando caiu o helicóptero no rio Douro. Sobre a verdade dos factos, é que a imprensa de vários países tem criticado o que sucedeu naquela prisão e colocado Portugal em chacota global.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesA importância da sinceridade A 10 de Setembro, Sam Hou Fai, que anunciou a sua candidatura à eleição para Chefe do Executivo da RAEM, apresentou o Boletim de Propositura do Candidato à Eleição para o Cargo de Chefe do Executivo, assinado por 383 dos 400 membros da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo (CECE), à Comissão de Assuntos Eleitorais do Chefe do Executivo. Por outras palavras, a escolha do sexto Chefe do Executivo é mais uma vez um evento a solo e o sufrágio marcado para 13 de Outubro uma mera formalidade, uma vez que a eleição de Sam Hou Fai estará garantida por uma larga margem de votos. O desempenho de Macau na implementação do princípio “Um País, Dois Sistemas” com características chinesas é verdadeiramente irrepreensível. Depois de Sam Hou Fai ter dado a conferência de imprensa para anunciar a sua candidatura, tenho seguido de perto as notícias sobre o assunto publicadas nos jornais chineses. De facto, Sam Hou Fai e a equipa que integra a sua campanha têm trabalhado diligentemente para recrutarem novos membros de diferentes sectores para a CECE e assim conquistarem o seu apoio e garantirem as nomeações, tendo o resultado dos seus esforços sido bem-sucedido. No entanto, reparei em algumas questões nas notícias acima referidas. Na conferência de imprensa de lançamento da candidatura, Sam Hou Fai apresentou-se como alguém que vive em Macau há perto de 40 anos, com a família representada por três gerações (a sua, a dos filhos e a dos netos) e para todos Macau é o seu lar. No entanto, o ênfase excessivo que deu às “profundas raízes familiares em Macau” parece desnecessário. Depois alegou ter mantido um perfil relativamente discreto nas suas actividades externas, mas percorreu as ruas e ruelas de Macau, para defender a independência judicial. Disse ainda que o facto de ter estudado em Portugal lhe permitiu aprender a dominar o português e ainda a saber apreciar o vinho tinto. Por ter servido como Presidente do Tribunal de Última Instância durante muitos anos, conhece cada detalhe do funcionamento administrativo. Sam Hou Fai tem certamente qualidades excepcionais para ter sido Presidente do Tribunal de Última Instância com apenas 37 anos, imediatamente a seguir ao regresso de Macau à soberania chinesa. No entanto, os representantes de algumas associações que visitou recentemente parecem tê-lo elogiado em demasia. Por exemplo, alguns relatos descrevem-no como alguém que “sempre esteve empenhado em escutar e responder às questões do povo, com uma formulação de políticas que têm sempre em conta as necessidades de todos os estratos sociais, e uma abordagem de governação tão abrangente e meticulosa que é digna de louvor” outros mencionaram ainda “desde o regresso de Macau à soberania chinesa, Sam Hou Fai tem ocupado o cargo de Presidente do Tribunal de Última Instância, acumulando uma vasta experiência nas áreas políticas e sócio-económicas e conhece de perto o modo de vida da população. Uma vez eleito, é esperado que aborde detalhadamente as contradições e os problemas de longa data, e profundamente enraizados, do desenvolvimento sócio-económico de Macau’”. Embora o reconhecimento dessas associações seja justificado, não deve ser divorciado da realidade, e isto lembra-me realmente uma outra história. Durante o Período dos Estados Combatentes na China antiga, viveu no Estado de Qi um oficial de alta patente chamado Zou que se distinguia pela sua aparência. Certo dia, Zou vestiu o traje da corte, olhou-se ao espelho e perguntou à mulher, “Qual de nós é mais bem parecido, eu ou o Sr. Xu, (o homem mais célebre do Estado de Qi pela sua beleza)?” A resposta da mulher foi a seguinte, “Como é que o sr. Xu se pode comparar contigo!” Então Zou colocou a mesma questão às concubinas e aos convidados e todos responderam que ele era o mais belo. Mais tarde, quando Zou conheceu o sr. Xu, percebeu que não era tão bonito como o outro. De seguida, Zou reflectiu cuidadosamente sobre as razões que levaram as pessoas do seu círculo a darem-lhe aquelas respostas e concluiu que a mulher tinha sido motivada pelo amor, as concubinas pelo medo e os hóspedes pelo interesse. Então Zou partilhou esta revelação com o governante do Estado de Qi. Enquanto lia os relatórios sobre as actividades de campanha de Sam Hou Fai, reparei que raramente se encontra uma análise objectiva da sua candidatura nos jornais chineses, calma como o centro de um tufão. O final da história que estava a contar é o seguinte, depois de o governante do Estado de Qi escutar as palavras de Zou, ordenou imediatamente que a população dissesse o que pensava, e alguém que conseguisse fazer críticas razoáveis sobre a sua governação seria recompensado. Daqui resultou o Estado de Qi ter gradualmente prosperado e espero que o mesmo venha a acontecer em Macau.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO futuro da memória (I) “Politics is the mortar between the bricks of history.” Elsdon Ward (Continuação) O mesmo aconteceu com a China. Se os chineses não tivessem dominado a tentativa de sublevação dos estudantes de Tiananmen em 1989, também Pequim teria iniciado um processo de democratização que teria tido consequências desastrosas e incalculáveis. E o quanto foram erradas as respostas do Banco Mundial às crises das economias asiáticas no final do século, baseadas em regras abstractas e liberalistas elaboradas na mesa de desenho, foi reconhecido por muitos dos responsáveis por esses erros, a começar pelo testemunho honesto de uma grande figura como Joseph Stiglitz, nos anos em que recebeu o Prémio Nobel da Economia. Mas os americanos continuam a não compreender estes problemas. E os europeus, a quem caberia um sentido profundo da história, não só não têm força para corrigir os americanos, como estão a introjectar a utopia americana, rendendo-se a uma cultura sem história. Portanto, é perigoso. Um neurocientista diria que é uma premissa obrigatória, pois as neurociências estudam sobretudo a memória individual, enquanto na geopolítica partimos da memória colectiva. Estabelecer as ligações entre as memórias individuais e sociais é extremamente complexo. No entanto, pode-se certamente afirmar que, na relação entre memória individual e colectiva, entram em jogo questões de poder. E assim como há uma memória consolidada no indivíduo, há também uma memória consolidada na sociedade. O problema, porém, é que estamos habituados a pensar na memória como algo estático e orientado para o passado. Não é o caso. Antes de mais, a memória não é uma coisa. É um processo dinâmico. Sempre que nos lembramos, damos forma a uma nova memória. De um ponto de vista neuronal, podemos agora ver que, quando uma nova memória é gerada, passa primeiro por uma fase latente de consolidação, durante a qual não temos consciência de que temos um “vestígio” no nosso cérebro. Mas quando reactivamos esse vestígio ao recordar a memória, é criado um novo estímulo que dá origem a uma nova memória. Que depois se reconsolida. Em segundo lugar, a memória não se dirige ao passado. Se olharmos para ela de um ponto de vista evolucionista, apercebemo-nos de que o processo neural não evoluiu para nos fazer memorizar versos da “Divina Comédia”, mas porque nos permite actualizar as nossas teorias pessoais sobre o mundo, que servem para prever o curso dos acontecimentos e orientar o nosso comportamento. Neste sentido, o nosso cérebro é uma espécie de máquina do tempo que nos permite imaginar o futuro. Isto é feito através da combinação da informação de que dispomos e tudo depende da forma como combinamos essa informação. É este processo que nos permite imaginar e antecipar o futuro. E é neste sentido que o nosso cérebro é um cérebro prospectivo. Claro que lembrar tem a sua simetria no esquecimento. Não faria sentido lembrarmo-nos de tudo. Pelo contrário, lembrar-se de tudo como o paciente que não conseguia esquecer, estudado pelo psicólogo russo Alexander Luria e como o escritor argentino Jorge Luis Borges nos ensinou em “Funes ou a memória”, ou que a memória é uma patologia, não nos permite generalizar, sintetizar e, portanto, conhecer. E de re-conhecer. O esquecimento é, pois, fisiológico, é uma condição da recordação. A questão é como esquecemos. O que temos de esquecer é o que não é relevante para nós no momento em que precisamos de nos lembrar de outra coisa. Por conseguinte, podemos esquecer ou porque não podemos “escrever” um traço no nosso cérebro, ou porque o apagamos e esta palavra não é acidental ou porque se torna inacessível. Um traço que se torna inacessível é um traço removido, mas a remoção não significa o simples apagamento de uma escrita. Pelo contrário, a remoção consiste em blindar e esconder um traço. Para dar um exemplo, é evidente que nenhum de nós se lembra do que viveu nos primeiros anos da sua vida. No entanto, como a psicanálise sugeriu, e a neurociência hoje confirma, há traços mnésicos infantis, mesmo muito fortes, que permanecem escritos. Aqui, o estudo da amnésia infantil está a mostrar-nos como esses traços podem emergir da remoção. E da mesma forma que um traço pode e por vezes deve, como nos casos de stress pós-traumático ser eliminado. Podemos estudar estes mecanismos neurobiológicos, mas se os transpusermos para o plano social, verificamos que têm implicações decisivas. De facto, a nível político, uma coisa é não transcrever um vestígio, outra coisa é apagá-lo e outra ainda é não poder aceder-lhe. A questão central parece ser a da relação entre história e anti-história. A história é utilizada quando há interesse em estimular o consenso dos cidadãos (esse interesse não existe necessariamente apenas nos regimes democráticos) e é, portanto, intrinsecamente política. A anti-história, pelo contrário, serve para se relacionar com o consumidor e o homo economicus e é, por isso, intrinsecamente anti-política. Carl Schmitt já se tinha apercebido disso nos anos de 1930 e, mais ainda, nos anos de 1950. Em todo o caso, há sempre um sujeito social, mais ou menos poderoso, que tem interesse em promover uma narrativa histórica ou uma narrativa anti-histórica. E esta não é uma questão científica ou moral, mas uma questão de luta pelo poder. Quanto mais se entra na dimensão da história, mais político se torna o confronto, mas hoje é mais fácil fazer anti-história, que é favorecida não só pelo impulso da tecnicização imposta pela economia, mas também pelo da tecnicização imposta pelo progresso científico (pensemos no desenvolvimento da inteligência artificial ou da manipulação genética). É precisamente neste terreno que se oscila o jogo da memória. Graças às neurociências, sabemos hoje que é dinâmico, mas convém notar que Aristóteles, fazendo eco de Platão, já distinguia entre mneme e anamnesis. E, precisamente por ser dinâmica, a memória está intimamente ligada à liberdade. Qualquer ataque à memória e qualquer avanço da anti-história deve, portanto, ser considerado um ataque insidioso à nossa liberdade. Para a Europa, em particular, este é um risco mortal, porque, devido a dinâmicas culturais e sociopolíticas bem conhecidas, esta é fundada na história e fez história de uma forma muito especial. Apesar disso, tal como o resto do Ocidente, estamos a correr para uma anti-historização aparentemente irreversível.
Carlos Morais José Manchete VozesAté que enfim Ho Iat Seng, actual Chefe do Executivo, está doente e não será candidato. Surge então Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância, como o principal candidato ao cargo de Chefe do Executivo de Macau e, muito provavelmente, será eleito. Dada a rapidez aparente com que o processo se desenrolou, um observador menos informado sobre Macau (muitos vivem nesta cidade) poder-se-ia tratar de “mais do mesmo”, de Sam Hou Fai ser apenas um “substituto” de última hora, um recurso face a uma situação de emergência, pois muitos pensavam que Ho Iat Seng cumpriria o segundo mandato. Não é a minha opinião. Na verdade, penso que se trata da maior viragem política em Macau desde a transferência de soberania em 1999. Senão vejamos. Sendo pessoas muito diferentes, em termos de cultura e crescimento político, o que tinham em comum Edmund Ho, Chui Sai On e Ho Iat Seng? Três coisas fundamentais: os três pertenciam a famílias poderosas de Macau; os três eram empresários; os três eram herdeiros de alguém com grande importância nesta sociedade, ou seja, nasceram em berço de ouro, cresceram protegidos e sempre dispondo de uma situação financeira, no mínimo, espectacular. Não estou a exagerar. Mas isso também não importaria se a acção destes Chefes do Executivo não tivesse, em grande parte, sido manietada exactamente por isso. Cada um dos factores desempenhou um papel específico e criou também problemas específicos com os quais eles tiveram sempre de se debater. Nunca foram eles mesmos, mas sempre sombras condicionadas pela sua origem e actual situação na sociedade de Macau. Enquanto descendentes de quem eram, sempre se questionou o seu verdadeiro valor, havendo quem atribuísse a nomeação às suas origens e ao “patriotismo” dos seus antepassados, como se houvesse uma dívida a pagar a estas famílias pelo seu comportamento durante os anos de administração portuguesa. Enquanto poderosos empresários, a sua prévia acção estendia-se a imensos negócios desta cidade, da Saúde à Educação, da banca à indústria, e muito mais. Logo, muitos os acusaram de terem favorecido uns e preterido outros, de terem feito pelo crescimento das suas próprias fortunas, de se verem obrigados a pagar favores contraídos durante as suas anteriores vidas profissionais. Enquanto herdeiros de fortunas colossais, muitos diziam de não terem sido eles a criar essas mesmas fortunas e houve mesmo quem tenha afirmado que as suas acções não conseguiam corresponder ao magnífico trabalho dos seus antepassados, que não disponham da mesma categoria ou cultura. Em traços muito largos, estas eram as características comuns aos anteriores Chefes do Executivo. Estes, nem de perto nem de longe, tinham personalidades semelhantes ou sequer parecidas. Contudo, é inegável que as três características expostas os fragilizavam, sobretudo aos olhos atentos de Pequim, quando as coisas não corriam como deviam correr. E, na verdade, não se pode dizer que algum deles tenha cumprido os respectivos mandatos de forma exemplar. Bem sei que existe alguma dureza nas minhas palavras, mas as possibilidades financeiras que esta terra oferece teriam permitido uma melhor governação se os três não estivessem limitados pelas características descritas. Notou-se, sobretudo depois de Edmond Ho, a inexistência de uma visão, de uma política social coerente, de encontrar outra maneira de manter a harmonia social, além de despejar dinheiro para a sociedade, através dos famosos cheques anuais e outras benesses que se esgotam em si mesmas e não desenvolvem a cidade. Daí que continuemos há décadas a enfrentar os mesmos problemas, entre os quais, a diversificação económica e a Saúde, por exemplo. Já o caso de Sam Hou Fai é radicalmente diferente. Trata-se de um juiz, nascido na China continental, formado em Coimbra, falante de português, sem laços familiares de relevo em Macau. Não é herdeiro de ninguém, nem que se saiba deve favores a empresários locais, de Hong Kong ou do outro lado das Portas do Cerco. Parte, portanto, sem outras peias que não seja a obrigação de desempenhar um bom mandato, tendo como objectivos principais a qualidade de vida do povo e a projecção de uma imagem digna de Macau na cena internacional. Sam Hou Fai pode igualmente desempenhar um papel muito mais importante na relação com os países lusófonos, algo de crucial, que os seus antecessores, à excepção de Edmond Ho, claramente falharam. Sendo um desígnio para Macau do Governo Central, tem sido um pesadelo para os governos que ou não queriam ou não sabiam como desenvolver as ditas relações. Lembramo-nos da passagem de Li Keqiang por Macau e do seu documento em 19 (!) pontos que referenciavam o que o governo local não tinha sido capaz de fazer. Certamente que tal não acontecia por falta de meios, mas por falta de vontade, de visão e… de verdadeiro patriotismo, quando não de real capacidade. Vindo da presidência do Tribunal de Última Instância, que ocupa há vários anos, Sam Hou Fai surge impoluto em relação aos negócios e faz pensar que entramos numa nova era, em que a administração de Macau ganhará seriedade e eficácia, tendo sobretudo em conta o interesse geral do povo e do país, e não de clãs específicos. Se assim será ou não, só o futuro o dirá. Mas o facto é que Sam Hou Fai se apresenta em condições muito diversas dos seus antecessores, tendo a oportunidade de governar Macau de outros pontos de vista, que refiram em primeiro lugar os interesses do povo e imponham nesta sociedade uma ética sadia e contemporânea. Se assim será ou não, Sam Hou Fai o confirmará, sendo certo que não lhe faltará, como não faltou aos seus antecessores, o apoio incondicional do Governo Central, cuja paciência para um certo tipo de administração parece ter acabado. Até que enfim…
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRegresso ao trabalho (I) Depois de ter sido assolado durante vários dias pelos diversos avisos da passagem do tufão “Yagi”, Macau viu finalmente hasteado, na sexta-feira dia 6, o sinal nº 8 de tufão. Embora tenha passado rapidamente sobre Macau e o sinal tenha sido oficialmente levantado em menos de 24 horas, o impacto que teve no funcionamento da cidade não pode ser ignorado. Macau levantou oficialmente o sinal nº8 de tufão às 14.00 h de 6 de Setembro. De acordo com as disposições legais das autoridades competentes, os departamentos governamentais deviam retomar o serviço às 15.30 h. Os funcionários de empresas ou instituições privadas devem decidir o momento do seu regresso ao trabalho com base no estipulado nos contratos de trabalho, que incluem disposições sobre o regresso ao trabalho após ser levantado o sinal nº8 de tufão. Se o contrato de trabalho não incluir disposições sobre esta matéria, os empregadores e os empregados podem guiar-se pelas “Directrizes Laborais durante Tufões e Emergências Públicas” publicadas pela Direcção dos Serviços para Assuntos Laborais. De acordo com as directrizes, os funcionários devem regressar ao trabalho uma hora e meia após ser levantado o sinal nº8 de tufão. No entanto, independentemente das directrizes serem ou não seguidas, sempre que uma empresa decide que os seus funcionários têm de regressar ao trabalho na parte da tarde, o problema dos transportes faz-se sentir. Depois de ter sido levantado o sinal nº8 de tufão, continuou a chover intensamente. Muitos residentes que costumam deslocar-se de mota passaram a usar o carro, o que aumentou o trânsito na cidade. Os noticiários assinalaram que muitas pessoas estavam a regressar ao trabalho praticamente ao mesmo tempo pelo que se formaram longas filas nas paragens dos autocarros e o trânsito aumentou drasticamente. Nesta situação, muitos terão chegado atrasados ao trabalho. Assumindo que um funcionário só conseguiu chegar ao local de trabalho às 16.30, a sua produtividade nesse dia foi muitíssimo reduzida. Mesmo que tivesse conseguido chegar às 15.30, só tinha conseguido trabalhar duas horas. Não sabemos que contributo é que um funcionário pode dar à empresa ao trabalhar uma ou duas horas, mas sabemos com toda a certeza que os patrões pagam salários aos seus empregados para garantir que eles asseguram um determinado horário de trabalho a bem da empresa. Portanto, desde que as disposições legais, as cláusulas contratuais de trabalho e as directrizes laborais sejam respeitadas, os funcionários devem voltar ao trabalho quando o sinal nº8 de tufão é levantado. No entanto, os engarrafamentos de trânsito estiveram à vista de toda a gente. Na parte da tarde, em apenas quatro horas, Macau teve dois picos de congestionamento, o que implicou que as pessoas só tenham conseguido trabalhar durante duas horas. Estamos em Setembro e, como cidade costeira, Macau receberá constantes alertas de tufão. O facto de o “Yagi” ter deixado a cidade às 14.00h é uma oportunidade para reflectirmos sobre a existência de disposições de regresso ao trabalho depois da passagem de um tufão. Podemos comparar o levantamento do sinal nº8 de tufão às 10.00 e às 14.00h. Seja qual for a situação, irá sempre ocorrer congestionamento do trânsito, mas no primeiro caso as pessoas ainda podem trabalhar até seis horas, enquanto no segundo só poderão trabalhar duas. Em qual das situações é que se pode trabalhar mais? Em qual das duas pode o funcionário realizar um trabalho mais eficaz e eficiente para a empresa? A resposta é óbvia. De facto, não existe nada de errado nas directrizes. Não há dúvida que respeitam as normas ditadas pelas leis laborais. Se o empregador apresentar requisitos mais rigorosos do que aqueles que estão previstos, por exemplo, a exigência de os funcionários regressarem ao trabalho uma hora após o levantamento do sinal nº8 de tufão, está claramente a encurtar o intervalo horário mencionado nas directrizes laborais. Se pelo contrário, o empregador decidir dar aos funcionários mais tempo para regressarem depois do sinal nº8 de tufão ter sido levantado, para que possam ficar com a tarde livre, estamos perante um requisito mais flexível que, obviamente, cumpre as especificações pertinentes das directrizes laborais. Continua na próxima semana Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesA verdade vem sempre ao de cima A TAP é o maior cancro que temos no somatório empresarial a nível nacional. A TAP tem obrigado os portugueses a pagar o inimaginável, especialmente a alta corrupção dos seus gestores e afins políticos. A verdade vem sempre ao de cima. Quem é que imaginava que ao fim de quase uma década viéssemos a saber que a TAP foi privatizada por Passos Coelho, como primeiro-ministro, coadjuvado por o actual ministro Pinto Luz e por Maria Luís Albuquerque, ex-ministra de Passos Coelho e agora nomeada para comissária europeia? Uma privatização apressada, estonteante, com o governo de Passos Coelho a 15 dias de fechar a porta e agora sabemos de um escândalo a roçar o criminoso. Então, não é que o Instituto Geral das Finanças (IGF) veio a público com um relatório que nos deixa perplexos. A auditoria do IGF às contas da TAP revela que a compra da TAP ao Estado em 2015 pelo consórcio liderado por David Neeleman foi feita através de um processo no qual a própria companhia aérea deu a garantia ao empréstimo que permitiu a transação de 200 milhões de euros da Airbus para Neeleman e deste para a TAP na troca de a TAP adquirir 53 aviões à Airbus. Mas, vocês leram bem? O Neeleman disse ao Estado, (quando este já tinha encomendado 10 aviões à Airbus), que ele ao adquirir a percentagem maioritária na TAP acordou com a Airbus comprar 53 e não 10 aviões, por sinal, 53 aeronaves acima do preço de mercado. Neeleman foi à Airbus e disse para lhe entregarem 200 milhões de euros que ele na TAP comprava 53 aviões e com esses 200 milhões de euros da Airbus foi comprar a sua parte na TAP. Isto, acontece em todo o mundo ou só neste pobre país onde certos tubarões continuam a fazer o que querem até o povo ter a coragem de ir para a rua dizer: “Basta!”? O IGF pede agora que o seu relatório seja enviado para o Ministério Público. A auditoria aponta em seis conclusões, várias críticas aos gestores da TAP, entre as quais figuram a decisão de participar na manutenção no Brasil, sem partilhar riscos, ou os contratos de serviços a empresas do tal Neeleman em 2016. A IGF conclui que a Atlantic Gateway, empresa de Neeleman e de Humberto Pedrosa, patrão do Grupo Barraqueiro Transportes rodoviários, adquiriu 61 por cento do capital da TAP, comprometendo-se a proceder à sua capitalização através de prestações suplementares de capital, das quais 226,75 milhões de dólares foram efectuadas através da sócia DGN com fundos obtidos do tal cambalacho entre Neeleman e a Airbus, com base no denominado Framework Agreement, celebrado entre as empresas Atantic Gateway, a DGN e Airbus, em Junho de 2015. Aquele montante de capitalização da TAP pela Atantic Gateway de Neeleman, segundo o IGF, “coincide com o valor da penalização assumida pela TAP em caso de incumprimento dos acordos de aquisição das 53 aeronaves (A320 e A330), o que evidencia uma possível relação de causalidade entre a aquisição das aeronaves e a capitalização da TAP e os contratos celebrados entre a TAP e a Airbus”. Estão a perceber o cambalacho? Se o Neeleman não fizesse entrar na TAP o dinheiro acordado e se não se realizasse o negócio da compra de 53 aviões quem pagaria era o Zé Povinho. A auditoria ainda indica que esta estratégia do comprador era do conhecimento da Parpública e do Governo de Passos Coelho, com Maria Luís Albuquerque em ministra das Finanças e Miguel Pinto Luz como secretário de Estado com a tutela sectorial da TAP e hoje como ministro das Infraestruturas de Luís Montenegro e Maria Luís Albuquerque nomeada para comissária europeia… E o mais escandaloso é que a auditoria do IGF indica também que a TAP, SGPS celebrou com a Atlantic Gateway um contrato de, imaginem, “prestação de serviços de planeamento, estratégia e apoio à reestruturação da dívida financeira, que teve como finalidade o pagamento de remunerações e prémios, no período de 2016 a 2020, a membros do Conselho de Administração da TAP, SGPS, no montante de 4,3 milhões de euros”, nomeadamente Neeleman, Humberto Pedrosa e David Pedrosa. A auditoria também deixa recados ao Governo de António Costa, por não ter tido acesso à informação sobre a compra do Estado, em 2020, de uma participação na TAP. “A DGTF pagou 55 M€ [milhões de euros] à Atlantic Gateway, pela aquisição de 22,5% das participações sociais da TAP, SGPS, sem demonstração dos cálculos inerentes a essa aquisição”, refere o IGF. O IGF propõe, por fim, ao ministro das Finanças o envio do relatório “após homologação, ao Ministério Público”. Ora, se o IGF pretende que o relatório siga para o Ministério Público é porque existem indícios claros de crime no processo em referência. A TAP é mesmo um cancro enorme e agora o governo actual já pretende privatizar novamente a empresa aérea com o ministro Pinto Luz, o mesmo de 2015, à frente das negociações e com Maria Luís Albuquerque a controlar as negociatas em Bruxelas. O meu vizinho chama a isto: “vilanagem, porque a verdade vem sempre ao de cima.”
Olavo Rasquinho VozesA física quântica e a previsão do tempo (continuação) Prever o tempo consiste em determinar os estados futuros da atmosfera a partir do conhecimento do tempo num determinado momento, designado estado inicial, e das condições de fronteira, que consistem na ação (forçamento) que os outros componentes do sistema climático (litosfera, hidrosfera, criosfera e biosfera) exercem sobre a atmosfera. A previsão do tempo é feita atualmente com recurso a modelos numéricos, os quais correm em computadores digitais. A primeira experiência bem-sucedida ocorreu em 1950, com recurso ao primeiro computador deste tipo construído nos Estados Unidos da América, designado por ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer), em que o sistema operacional funcionava com base em cartões perfurados manualmente por operadores do exército. Antes de 1950 a previsão do tempo fazia-se essencialmente recorrendo ao método preconizado por Bjerknes1. Segundo este método, a previsão assentava em duas etapas: diagnóstico e prognóstico. Na primeira traçavam-se manualmente, em cartas de superfície, linhas de igual pressão atmosférica (isóbaras) e, nas cartas isobáricas de altitude (em geral cartas dos níveis 700, 850, 500, 300 e 200 hectopascais – hPa), linhas de igual altitude (isoípsas). Tanto as isóbaras como as isoípsas permitem detetar os vários sistemas meteorológicos (depressões, anticiclones, vales, cristas, sistemas frontais, correntes de jato, etc.). Com o advento dos satélites meteorológicos, na década de 1960, o diagnóstico passou a ser enriquecido, o que beneficiou grandemente as previsões. Na segunda etapa (prognóstico) projetava-se o estado inicial para algumas horas depois, com base na sequência de cartas das horas sinóticas principais anteriores (00:00, 06:00, 12:00, 18:00, 24:00, etc.). Atendendo a que a estes sistemas meteorológicos correspondem a determinados tipos de tempo, e entrando também em consideração com as características das massas de ar, os meteorologistas previam as condições meteorológicas predominantes nas 24 e, quando muito, 48 horas seguintes. Com o aumento progressivo do poder de cálculo dos computadores, o trabalho manual de análise e previsão foi sendo progressivamente substituído pelo traçado automático de cartas de análise e de prognóstico. O trabalho dos meteorologistas operacionais deixou de ser caracterizado por uma certa subjetividade, para ser dedicado mais à interpretação das cartas obtidas com recurso a modelos numéricos. Atualmente, a previsão do tempo é efetuada com recurso a modelos numéricos que simulam o comportamento da atmosfera. Para esse efeito, recorre-se a modelos meteorológicos em que se considera a superfície da Terra coberta por uma grelha formada por uma rede de pontos equidistantes, tanto horizontal como verticalmente. Esta grelha permite dividir a atmosfera em células, às quais correspondem blocos tridimensionais que se estendem por várias camadas da atmosfera (em geral 10 camadas). A cada quadrado da malha passa a corresponder, verticalmente, 10 blocos que se sobrepõem até à estratosfera, ou mesmo até à mesosfera, conforme o modelo. Na década de 1990 essas células tinham cerca de 500 km de lado, mas com o aumento do poder de cálculo dos computadores as dimensões foram diminuindo progressivamente. O tempo em cada um dos pontos da grelha, num determinado momento, designa-se por estado inicial. Com base neste estado, que é conhecido, e nas chamadas condições de fronteira, o modelo matemático calcula os estados futuros da atmosfera. As variáveis que definem o estado do tempo (pressão, temperatura, humidade, vento, etc.), num determinado momento, estão relacionadas entre si pelas designadas equações primitivas, que são expressões matemáticas que traduzem as leis fundamentais da física aplicadas à meteorologia. Parte-se do princípio de que a evolução do estado do tempo é determinística, ou seja, conhecido um estado inicial e as condições de fronteira, e resolvendo as equações primitivas, consegue-se prever os estados futuros. Em princípio, quanto menores forem as células, maior é a precisão dos modelos e maior terá de ser o poder de cálculo dos computadores para produzirem previsões em tempo útil. É neste aspeto que reside a importância dos computadores quânticos. Note-se que os primeiros cálculos com o computador ENIAC, devido ao seu fraco poder de cálculo, não tinham na realidade utilidade prática, atendendo a que o tempo que levavam a resolver as equações era superior ao período de validade da própria previsão. No entanto, foi um passo importante para o progresso da previsão matemática do tempo. A qualidade da previsão depende não só dos modelos numéricos que servem de base às previsões, mas também da interpretação dos meteorologistas. Modelos diferentes podem dar origem a previsões diferentes para o mesmo local ou região. Para confirmar esta disparidade das previsões basta procurarmos na Internet qual o tempo previsto para o mesmo período e local, elaboradas por instituições diferentes. Constata-se que as previsões, apesar de serem baseadas nos mesmos dados resultantes da observação, não jogam, por vezes, umas com as outras. De acordo com especialistas na área da computação quântica, os computadores quânticos, devido à sua elevada capacidade de cálculo e de processamento de grandes quantidades de dados, poderão contribuir para aumentar significativamente o grau de fiabilidade dos modelos meteorológicos e climáticos, contribuindo para respostas mais efetivas sobre as alterações climáticas. Meteorologista – Vilhelm Bjerknes (1862-1951) – físico e meteorologista norueguês. Um dos fundadores da Previsão do Tempo como ciência