David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesReformar o sistema de júri Recentemente, o secretário da Justiça de Hong Kong, Ting-kwok Lam, declarou que o sistema de júri pode ser revisto, mas o Governo não vai tomar a iniciativa de conduzir o debate. O júri é um elemento importante do sistema jurídico que tem por base o direito consuetudinário. Segundo a Lei Básica de Hong Kong, a região pode continuar a reger-se por este modelo e conservar o sistema de julgamentos com presença de júri. Este princípio está consagrado no Artigo 86 da Lei Básica. As qualificações para prestar serviço como jurado são relativamente vagas, na medida em que, no seu todo, precisam de reflectir os pontos de vista da sociedade. Desde que alguém tenha entre 21 e 65 anos, esteja na plena posse das suas faculdades, tenha completado o ensino secundário e seja proficiente em chinês e inglês, tem condições para ser seleccionado como jurado. Claro que existem excepções, como os juízes, os advogados, os membros do Conselho Executivo e do Conselho Legislativo, pessoas célebres, etc. O propósito destas restrições é evitar integrar no júri pessoas que possam ter algum tipo de ascendente sobre os outros jurados, garantindo, assim, a equidade do julgamento legal e evitando distorções de juízos. Servir como jurado é um dever cívico que tem de ser cumprido por aqueles que foram seleccionados. Os empregadores dos jurados também têm de colaborar e dispensá-los do serviço enquanto o julgamento durar. Os jurados podem receber um pagamento diário do tribunal. Em Hong Kong, os crimes mais graves são julgados com a presença de um júri no Tribunal da Primeira Instância ou no Supremo Tribunal. O júri é composto por 7 a 9 residentes da cidade. Habitualmente, os julgamentos cíveis não requerem a presença de um júri, mas há excepções, como nos casos de difamação. O júri tem apenas um dever, decidir se o réu é ou não culpado. Outros procedimentos legais, como decidir se a arma do crime pode ser apresentada como prova, qual a sentença a aplicar ao réu se for condenado etc., são todos decididos pelo juiz. A grande vantagem de usar um júri é a equidade. O réu pode facilmente subornar um juiz, mas não é fácil subornar sete jurados. Além disso, os jurados são seleccionados no seio da população, e reflectem a percepção da sociedade sobre o caso. Não têm conhecimentos legais, mas devem decidir com base nas provas apresentadas. Sempre houve debates sobre este assunto na sociedade de Hong Kong. Os júris têm, na prática, muitos problemas, tais como: No caso de corrupção do antigo Secretário-Geral do Governo de Hong Kong, Rafael Hui, um jurado pediu licença por doença e o tribunal concedeu-lha. O julgamento ficou suspenso até ao regresso do jurado. Nesse mesmo caso, foram precisas 45 horas para chegar a um veredicto, fazendo com que este fosse um dos julgamentos que se arrastou por mais tempo em Hong Kong. No caso de corrupção do ex-Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang, um jurado foi afastado por ter apertado a mão e falado com uma celebridade que tinha ido ao tribunal prestar declarações. Foi considerado tendencioso porque a celebridade era um apoiante de Donald Tsang. No mesmo caso, um dos jurados, que trabalhava para o Departamento de Saúde do Governo de Hong Kong, teve de trabalhar aos sábados, a pedido dos seus superiores, e não esteve presente nesses dias no tribunal. Além disso, no caso de Donald Tsang, o júri tinha problemas no domínio da língua. Na medida em que o julgamento decorria em inglês, o juiz dispensou um jurado porque ele não conseguia pronunciar a palavra “almighty” (“todo poderoso”). Outro jurado não conseguia pronunciar correctamente as palavras “affirm” (“afirmar”) e “verdict” (“veredicto”) quando prestou o julgamento em inglês. Foi também excluído do júri e substituído por outra pessoa. No passado mês de Agosto, o Tribunal de Primeira Instância julgou um caso de violação ocorrido em Outubro de 2021. O júri, constituído por seis mulheres e um homem, chegou a um veredicto de 4-3 depois de deliberar durante sete horas. Uma vez que o veredicto não atingiu a proporção de 5 para 2, 6 para 1 ou 7 para 0, foi impossível decidir da culpabilidade do réu. O juiz teve de dispensar o júri e adiar o julgamento. Reformar este sistema, implica extinguir os júris ou modificar o presente sistema. De acordo com o Artigo 86 da Lei Básica de Hong Kong, os júris devem permanecer. Se os júris forem abolidos, significa que a Lei Básica deve ser alterada. Como o Governo de Hong Kong não tem poder para alterar a Lei Básica por si só, terá de obter o consentimento do Congresso Nacional do Povo. É um processo legal longo e complicado. Talvez o Governo de Hong Kong possa regular várias questões relacionadas com as regras do funcionamento dos júris através de legislação. Contudo, como o sistema de júri envolve a totalidade do sistema jurídico, o Governo de Hong Kong, os réus, os empregadores, os empregados, os jurados e outras partes, é difícil pesar os prós e os contras para cada uma delas. Por conseguinte, não é fácil melhorar o sistema de júri. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesFalta de segurança Falta de segurança é na Cochinchina. Não faço ideia se existe a Cochinchina, mas trata-se de uma expressão popular quando discordamos de algo. Na semana passada assistimos ao recrudescer de mais uma investida racista de André Ventura e do seu partido neofascista. Gritou com todos os pulmões na Assembleia da República “Encostem-nos à parede!!!”, no decorrer de um debate sobre a falta de segurança em Portugal. O nosso país, segundo os dados oficiais nacionais e internacionais é dos mais seguros do mundo. Para o nosso país têm vindo viver norte-americanos, ingleses, franceses, italianos, espanhóis, belgas, holandeses, chineses, indianos, cabo-verdianos, são-tomenses, angolanos, guineenses, brasileiros, argentinos, russos, ucranianos, nepaleses, paquistaneses e outros cidadãos estrangeiros. Nenhum deles alguma vez se queixou de falta de segurança em Portugal. Antes pelo contrário, todos indicam que a razão maior da escolha do nosso país se deve à boa segurança existente. André Ventura, deputado e líder do Chega passou dos limites na falta de bom senso e de política democrática, no debate na Assembleia da República sobre segurança. Vociferou contra todos os cidadãos mostrando que não pretende que vivam em Portugal: ciganos e imigrantes. Todo o parlamento foi unânime em reprovar a sua atitude racista e xenófoba, porque a sua expressão “Encostem-nos à parede” foi interpretada como matem-nos a todos, ao bom estilo hitleriano. Ventura entende que a criminalidade está a aumentar de ano para ano e que os criminosos já deviam estar há muito nas prisões. Mostrou-se defensor de mais acções idênticas à lamentável que aconteceu na Rua do Benformoso, em Lisboa, em que a polícia encostou à parede, com as mãos levantadas, todos os cidadãos que fossem a passar, quer estrangeiros ou portugueses. Uma acção policial que foi contestada pela maioria dos partidos políticos e que levou cerca de 600 personalidades a apresentar uma queixa junto do Provedor de Justiça. Ventura não olha a meios para atingir os fins e no debate parlamentar demonstrou bem o seu ódio pelos imigrantes e ciganos que trabalham em Portugal. Bastava a André Ventura solicitar ao director do Hospital de Santa Maria uma visita geral ao estabelecimento hospital para constatar quem lá trabalha: um imenso número de africanos e estrangeiros de diferentes nacionalidades, incluindo médicos ucranianos. Bastava a Ventura frequentar a maioria dos restaurantes do Algarve ao Minho para confirmar que quem serve à mesa são imigrantes. Mas nada disto Ventura prefere. A sua preferência é a demagogia e o populismo antidemocrático apelando, tal como Trump, à expulsão dos imigrantes “ilegais”. Ilegais não, são cidadãos que aguardam que a sua documentação fique regularizada e que já descontam para a Segurança Social. Quando Ventura salientou que o crime aumenta anualmente, o deputado socialista José Luís Carneiro respondeu-lhe à letra. Carneiro lembrou que “Portugal tem sido um dos países mais pacíficos do mundo” e adiantou para demonstrar que esse estatuto se mantém, que “em 2003 houve mais 45 mil participações criminais do que em 2023”, finalizando por sublinhar “Não percebo como há quem diga que Portugal é inseguro”. Está à vista de todos os portugueses que Portugal é um país seguro. As pessoas saem à noite e nada lhes acontece, em qualquer cidade. Obviamente que não se pode deixar de referir que não existam gangues, mafias e crime organizado como em qualquer país do mundo. Todas as semanas assistimos a uma vingança violenta na guerra de certos bairros; a uma morte por motivos passionais; ao assalto de uma residência, por vezes deixando feridos; ao roubo de automóveis e a tiros em plena via pública. Mas, onde é que factos deste tipo não existem? Basta referir o que se tem passado nos Estados Unidos da América. Nunca em Portugal tivemos um caso em que um atirador matasse dezenas de estudantes numa universidade. Afinal, o que quer André Ventura? Popularidade à base da mentira e da demagogia a fim de caçar votos, já que as sondagens que encomenda traduzem que o seu partido está a descer nas intenções de voto. Quer acima de tudo aparecer nas televisões diariamente por dá cá aquela palha. Quer dar a entender que está a lutar contra a corrupção quando devia olhar para o interior do seu próprio partido. Sabemos que a situação na Europa, e Portugal não é excepção, está a ser influenciada por forças fascistas que financiam partidos neofascistas, como acontece com os muitos milhões de dólares que Elon Musk oferece aos partidos de extrema direita. No debate parlamentar sobre segurança, Mariana Mortágua, líder do Bloco de Esquerda, colocou o dedo na ferida do Chega e afirmou que “A criminalidade violenta não está a crescer e é inferior à registada há dez anos. Todos os dados recusam uma relação entre imigração e criminalidade e ainda assim o Governo acha que pode instrumentalizar a polícia em megaoperações-fetiche para combater uma suposta relação entre imigrantes e criminalidade.” Ora aqui está o busílis de toda esta discussão. Enquanto a esquerda política indica que não existe culpabilidade por parte dos imigrantes na criminalidade registada, a direita apenas pretende arrasar com os imigrantes e culpá-los de toda a violência registada em Portugal. No entanto, a pior e vergonhosa atitude de André Ventura é a perseguição deplorável à raça cigana, quando quer desconhecer que já temos no nosso país um vasto número de ciganos na advocacia, na engenharia, na enfermagem, na mecânica, na hotelaria e no comércio de porta aberta. Portugal tem de mudar. É certo. Mas a mudança tem de ser democrática e em defesa essencialmente da liberdade, devendo existir uma luta constante contra o regresso do fascismo.
Hoje Macau VozesUma iluminação dada a Macau Por Chan Hin Chi Foi realizado no passado dia 9 do corrente mês em Pequim um seminário, presidido pelo Director do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau junto do Conselho de Estado da República Popular da China, Xia Baolong, para estudar profundamente o espírito do discurso proferido pelo Presidente da RPC, Xi Jinping, durante a sua visita a Região Administrativa Especial de Macau em homenagem da celebração do 25º aniversário da RAEM. Estiveram também presentes os chefes de Executivo, os Secretários e as individualidades sociais importantes da RAEM e da RAEHK por via online. O Director Xia partilhou com todos os convidados algumas compreensões suas sobre o importante discurso do Presidente Chinês, que incluem o seguinte essencial: Com o retrospectiva do passado de Macau, verifica-se enorme mudança em Macau graças ao brilhante sucesso na concretização de “Um país, dois sistemas”, o que evidencia, como prova, ao mundo, a vitalidade da política “um País, dois sistemas”; O discurso importante do Presidente Xi foi proferido com base da visão cronologicamente abrangente, com menção expressiva dos valores contidos na política “um País, dois sistemas” – paz, inclusividade, abertura e partilha respectivamente, destacando-se significamente os sentidos histórico e mundial da referida política; No discurso importante do Presidente Xi procede-se a uma penetração histórica, encadeando-se o passado, a actualidade e o futuro, revelando-se profundamente as regras de pôr em prática a política “Um país, dois sistemas” e criando-se uma visão inovadora sobre a política “um país, dois sistemas” para a nova era; O discurso importante do mesmo presidente, com a sua visita a Hengqin, deu orientações sobre o desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada de Hengqin, as quais têm enorme significado orientador e enriquecerá, com certeza, duma maneira constante, a prática inovadora no âmbito de prossecução da política “um país, dois sistemas”; O mesmo discurso reporta-se expressamente às missões importantes na prática da política “Um país, dois sistemas” da nova era, em que se deseja, sinceramente, o bom aproveitamento pelo Governo da RAEM das oportunidades para proceder, dum modo determinante, à reforma e para agir com o sentido de alta responsabilidade, por isso, o discurso serve signficativamente de orientações práticas para abrir uma nova página no domínio do desenvolvimento com alta qualidade das actividades sobre a política “um país, dois sistemas”. Lidos os referidos 5 pontos que o Director Xia Baolong referiu em relação ao discurso importante do Presidente Xi Jinping, pode-se concluir o seguinte: A política “um país, dois sistemas” revesta-se da sua singularidade política por se tratar duma política completamente inovadora no universo internacional, em particular para República Popular da China, país que se caracteriza por Estado Soberano, não sendo, de modo algum, nações unidas ou comunidades de nações, nem confederação. Na concepção dogmática, aplica-se, em regra, num Estado soberano um só sistema político, ao invés, a RPC adopta “um país, dois sistemas” em relação às suas duas partes territoriais – Hong Kong e Macau, ao abrigo do artº 31º da sua Constituição, do qual deriva a Lei Básica da RAEHK e a da RAEM. De facto, encontram-se dentro de todo o território da RPC, pelo menos, três sistemas políticos, respectivamente o do interior da China, o da RAEHK e o da RAEM. Foi aberta assim, sem precedentes, uma excepção a nível mundial! Nunca se registou na história mundial o caso deste género antes! É assim aberto novo horizonte por Deng Xiaoping. Tendo passado, antes do retorno à pátria, por uma decadência económica e situação de segurança do território altamente preocupante, Macau tem-se transformado, ao longo dos 25 anos depois do retorno à pátria, uma região que desempenha o papel de plataforma importante para a cooperação económica e comercial entre a China e os países da língua portuguesa, que marcou desde a criação do Fórum de Macau, o valor total de negócio feito entre a China e os PLP em 220 biliões de dólares americanos, sendo cerca de 20 vezes do valor registado no início da criação do Forum. Segundo o Balanço das Acções do Governo Realizadas no Ano Financeiro de 2024 publicado no Portal do Governo da RAEM em 19 de Novembro de 2024, “a economia de Macau encontra-se numa fase de recuperação firme, tendo sido registados números positivos e seguros em relação aos principais indicadores económicos, alguns deles superiores aos registados em 2019. Até ao fim do terceiro trimestre de 2024, o PIB local situou-se, estimativamente, em 300,97 mil milhões de patacas, registando um crescimento substancial de 11.5% em comparação com o mesmo período do ano anterior… A reserva financeira manteve-se em estado consistente e seguro, apesar de, durante a pandemia, ter sido utilizado um total de 160 mil milhões de patacas para fazer face ao défice financeiro registado durante quatro anos, dos quais, 130 mil milhões de patacas foram destinadas à adopção de medidas para dinamizar a economia e apoiar a população. Em Setembro de 2024, a reserva financeira de Macau cifrou-se, em termos de estimativa preliminar, em cerca de 617 mil milhões de patacas, representando um aumento de 43,5 mil milhões de patacas em relação ao período homólogo de 2019.” Além disso, superado os impactos do Covid 19, a RAEM conseguiu um PIB sete vezes o nível antes do retorno, e um PIB per capita entre os mais altos do mundo. Tudo isso revela objectivamente enorme resiliência da RAEM perante as dificuldades sociais graças à política “um país, dois sistemas”, tendo-se aguentado com sucesso e conseguido recuperação apesar de ter sido atacado pela pandemia entre 2020 e 2022. O facto reflecte que “um país, dois sistemas” é uma boa política que pode seguir a tendência dos tempos e responder às mudanças, preservando os pontos fortes e procurando os outros para beneficiar a região. Por tal, os residentes da RAEM e RAEHK devem ter autoconfiança em boa governação destas regiões por patriotas e por quem respeite a soberania da RPC e a política “um país, dois sistemas”. Em face ao que foi conseguido, a população da RAEM deve ter também autoconfiança na sua capacidade de gerir a sua sociedade. Para evitar a estagnação de desenvolvimento, o melhor desenvolvimento da RAEM pressupõe o seu posicionamento estratégico e a definição da meta necessariamente a alcançar. O posicionamento envolverá a definição da direcção pela qual a RAEM se caminhará para desenvolver. Com reflexão sobre o passado de Macau, sabe-se que a economia da RAEM desenvolvia muito nos primeiros anos depois da transferência do poder política, mas verifica-se posteriormente bastante vulnerabilidade das actividades do sector de jogo, por exemplo tendo-se muitos jovens dedicado às actividades estreitamente relacionadas com o jogo por causa das remunerações consideráveis, tendo-se encontrado muitos mãos de obra jovens com pouca vontade de aperfeiçoar os seus conhecimento profissionais e académicos, tendo-se notado a prosperidade só aparente na sociedade de Macau e a subida de consumo em geral por haver mais indivíduos dotados dos mais recursos financeiros vindo dos empregos ligados ao jogo, tais como bate-ficha, croupiers…este fenómeno de prosperidade veio finalmente desaparecer por vários factores sociais, sobretudo devido à crise económica internacional e à pandemia do Covid-19, e actualmente, embora passada a pandemia, Macau nunca mais deverá depender economicamente do sector de jogo e tem que se debruçar pela diversificação económica, uma vez que esta é a única saída para crescimento a longo prazo, através da qual, Macau não só poderá desenvolver por si próprio, também poderá tomar “boleia” do desenvolvimento económico do país através da sua integração à Área de Grande Baía e à Ilha de Hengqin. Os maiores entraves de Macau são a falta de terreno para desenvolvimento e a falta de talentos de alta qualidade. O primeiro poderá ser resolvido com facilidade conforme a publicação pelas Autoridades Centrais da política de definir a Ilha de Henqin para apoiar o desenvolvimento da RAEM, enquanto o segundo irá ser atenuado gradualmente pela adopção das medidas de introdução de talentos qualificados para Macau. Mas o que cabe aos residentes de Macau necessariamente fazer é mudarem os seus pensamentos. Como se sabe, os residentes de Macau são normalmente mais conservadores e prudentes, por tal, se se pretender estimular mais residentes de Macau a deslocar-se a Hengqin para se divertir, estudar, trabalhar ou residir, é aconselhável a tomada de mais medidas eficazes pelas Autoridades da RAEM e de Hengqin, nomeadamente destacar os funcionários públicos jovens para lá trabalhar, criar-lhes condiçoes favoráveis para alojar, comer, fazer exercícos físicos em Hengqin de modo a fazer com que estejam habituados a passar a vida quotidiana em Hengqin, organizar mais visitas de estudantes à zona de cooperação aprofundada de Hengqin para poderem familiazar-se com as facilidades desta zona…tudo isto visa aumentar a presença e a frequência dos jovens locais da RAEM em Hengqin e assim fazer a zona de Hengqin mais movimentada, mais desenvolvida e mais prospera. O mundo será para sempre desenvolvido pelos jovens, e só os jovens são os que podem trazer à Zona de Hengqin um cenário inovador e trazer outros residentes a vir a Hengqin! Quanto aos valores contidos na política “um País, dois sistemas” – paz, inclusividade, abertura e partilha, entende-se que são também os valores com os quais as Autoridades Centrais da RPC ganham crédito (ou seja, confiança) entre os países da língua portuguesa, entre os países do Médio Oriente e entre os países africanos, bem como entre os países latinos. Apregoando a palavra de ordem “criação duma Comunidade com Futuro Compartilhado para a Humanidade”, a RPC actua sempre para estabelecer o relacionamento com os outros países numa forma de paz, inclusividade, abertura e partilha. No mesmo sentido, a política “um pais, dois sistemas” engloba o grande significado dos referidos valores, quer dizer, sob a protecção da Constituição da RPC, mantém-se em vigor o capitalismo na RAEM, de modo a maximizar as vantagens desta ideologia enquanto se mantém o socialismo no interior da China. Como se menciona atrás, a política “um país, dois sistemas” resulta satisfatoriamente até à presente data por se ter levado a efeito em paz, inclusividade, abertura e partilha, especialmente ao se fazer transferência do poder político, tudo foi resolvido por negociação diplomática no ar amigável. A “paz” valoriza a convivência em harmonia e em paz, resolvendo conflitos ou divergências por negociação; a “inclusividade” significa a generosidade com a qual se dá respeito à diversidade e diferenças de regimes; a “abertura” traduz-se numa altitude acolhedora para o mundo, sendo Macau sempre aberto ao mundo para que se procure o desenvolvimento em conjunto; a “partilha” refere-se ao gozo de frutos e sucessos obtidos de cooperação e trabalhos em conjunto. Tendo em consideração os referidos valores, a comunicação e a ligação eficiente tanto no interior como com o exterior, constituem as vantagens da política “um país, dois sistemas” que a RAEM e a RAEHK podem trazer e consolidar em prol dos interesses do Estado e das regiões. Neste contexto, merece frisar a comunicação e ligação da RAEM necessariamente com os países da língua portuguesa no domínio internacional, porque a “ponte de Macau” não é apenas aquela que se vê fisicamente entre a península de Macau e a Ilha da Taipa, também é a outra que não se vê mas existe para a comunicar, negociar e fortificar relacionamentos com os países da língua portuguesa e demais países. Não se pode deixar de acrescentar-se um algo do meu entendimento sobre as seguintes duas expressões relevantes: 1. A “segurança de alto nível”, expressão que deve ser substanciada pelos esforços a fazer pelas Autoridades da RAEM para prosseguir a fortificação da segurança territorial e da segurança do Estado de modo a minimizar a a eventualidade de qualquer acto prejudicial à segurança. Assim sendo, como se mencionaram tanto o Chefe de Executivo como o Secretário para a Segurança, é imprescindível proceder ao reforço institucional, sobretudo por produção ou revisão de actos normativos em causa, bem como efectuar campanhas, formações e estudos académicos relacionados com a segurança no sentido de sensibilizar toda a população da RAEM. Quanto às actividades de sensibilização, vale a pena de prestar-se atenção à qualidade e aos pensamentos dos docentes envolvidos, na maneira em que estes docentes influenciarão profundamente os jovens na sua visão política. E é de notar que esses docentes não são apenas os da área jurídica, mas também das demais áreas, por exemplo, nas áreas de ciências de sociologia, media e política. 2. O “desenvolvimento com alta qualidade”. Expressão esta que conotativamente significa que não basta o desenvolvimento normal a lutar pela RAEM e se deve avançar mais para a frente com o propósito de fazer desenvolvimento em diversas vertentes mas em boa qualidade. Só assim é que o tal desenvolvimento se direccionará em conformidade com as políticas nacionalmente traçadas. Além do entendimento supracitado, em sede das actividades de sensibilização sobre as mensagens dadas pelo Director Xia Baolong no que se concerne aos Discursos Importantes do Presidente Xi Jinping, opina-se aqui que a nível dos destinatários, tais actividades devam ser efectuadas também de modo mais abrangente, ampliando o leque dos destinatários aos trabalhadores das empresas de capital público, por forma a criar um entendimento conforme ou interpretação conforme sobre as referidas mensagens importantes. Como conclusão, é dada, do seminário, uma iluminação que norteará claramente a governação das Autoridades da RAEM em todos os aspectos. As palavras do Director Xia Baolong ajudam as pessoas a compreender melhor os discursos importantes do Presidente Xi Jinping durante a sua última visita a Macau, bem como a levar a cabo as tarefas do desenvolvimento em todos os sectores da RAEM na nova era.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto Vozes“Cartão dourado” mais cintilante Em 2024, Macau teve desempenhos excepcionais a vários níveis. Por exemplo, o número de turistas que visitaram a cidade, entre Janeiro e Novembro, atingiu os 31,88 milhões, um aumento de 26.2 por cento em comparação com o mesmo período de 2023. Na sequência da implementação, a partir de 1 de Janeiro de 2025, das políticas de “uma entrada por semana” (residentes de Zhuhai de visita a Macau) e “visto para várias entradas” (residentes da Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin de visita a Macau) acredito que o sector comercial de Macau vai ficar ainda mais vibrante e mais próspero. Sob a alçada da Mãe Pátria, o “cartão de visita dourado” de Macau parece brilhar mais intensamente. Mas, na realidade, a seguir ao fim dos benefícios electrónicos oferecidos através do “Grande prémio para o consumo em Macau”, houve pedidos de todos os sectores da sociedade para a reintrodução do “Plano de Benefícios do Consumo por Meio Electrónico”. O número de lojas que têm vindo a fechar por toda a cidade não diminuiu apesar do aumento do turismo e os casos de suicídio são frequentes. Sob o “cartão de visita dourado” escondem-se problemas com que o novo Chefe do Executivo de Macau, Sam Ho Fai, terá de lidar, sendo as eleições para a Assembleia Legislativa o mais importante. No Sufrágio Directo das eleições para a Assembleia Legislativa em 2021, o número de cidadãos com direito a voto aumentou em cerca de 20.000, mas a taxa de afluência às urnas caiu em quase 15 pontos percentuais, em comparação a 2017. Se a diminuição da taxa de afluência às urnas pode ser atribuída ao impacto da pandemia, como explicar que os votos nulos tenham duplicado e os votos em branco tenham quadruplicado? Em última análise, este fenómeno pode estar associado à desqualificação de 21 candidatos que pretendiam concorrer às eleições para a Assembleia Legislativa nesse ano. Na sequência da desqualificação de alguns candidatos, as eleições para a Assembleia Legislativa de 2021 podem ser descritas como as eleições onde participaram “patriotas”. Ao longo dos últimos anos, os residentes de Macau têm acompanhado o desempenho da Assembleia Legislativa. A revisão da “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau”, aprovada em 2024, aplicou na prática o princípio “Macau governado pelos patriotas”. Por outro lado, a tarefa de verificação do “patriotismo” dos candidatos foi entregue à “Comissão de Defesa da Segurança do Estado da Região Administrativa Especial de Macau”. Os candidatos que não são aceites depois de escrutinados não podem apresentar reclamação ou interpor recurso contencioso, ao passo que os que foram desqualificados em 2021 ainda tiveram a oportunidade de descobrir os motivos da desclassificação e de recorrer. Embora tenha havido razões para rever a “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau”, os efeitos dessa revisão foram contraproducentes e devem ser analisados e rectificados. A “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau” revista estipula que os indivíduos que tenham sido desqualificados para as eleições à Assembleia Legislativa estão impedidos de se recandidatar nos próximos cinco anos. Por outras palavras, perdem a oportunidade de concorrer a duas eleições consecutivas para este parlamento. Num lugar como Macau, com uma ecologia política desequilibrada, encontrar candidatos que possam concorrer às eleições para a Assembleia Legislativa e que tenham hipótese de ganhar é uma tarefa bastante desafiante. A Associação de Novo Macau, liderada pelo ex-deputado Ng Kuok Cheong, precisou de se esforçar durante 17 anos para conseguir que três dos seus membros fossem eleitos deputados da Assembleia. Para além da prosperidade económica, a democracia e o estado de direito são igualmente importantes para o sucesso de qualquer local. Uma das funções da Assembleia Legislativa é apoiar o Executivo da RAEM a alcançar uma governação efectiva. No Sufrágio Directo das eleições para a Assembleia Legislativa em 2025, onde se espera que venham a existir mais 10.000 eleitores, para inverter a tendência anterior de diminuição da afluência às urnas será necessário um esforço por parte das pessoas envolvidas no processo. Por exemplo, através de um reforço de divulgação das actividades eleitorais, incluindo a forma como as autoridades incentivam mais “patriotas” a candidatar-se e a participarem na governação. Para fazer com que o “cartão de visita dourado” fique mais cintilante é de crucial importância encontrar os agentes certos que lhe puxem o brilho.
Olavo Rasquinho VozesA borboleta de Edward Lorenz Há algumas dezenas de anos a previsão meteorológica era feita apenas para um ou dois dias. Os meteorologistas traçavam manualmente as cartas meteorológicas de superfície, de seis em seis horas, e de altitude a vários níveis, de 12 em 12 horas, baseados em observações efetuadas nas estações meteorológicas nas chamadas horas sinóticas. Estas cartas abrangiam áreas muito vastas que se estendiam por regiões continentais e oceânicas. Recorrendo às últimas cartas e a sequências de cartas anteriores, os meteorologistas deduziam a evolução espácio-temporal dos sistemas de pressão e das frentes, traçando cartas de prognóstico. Tudo isto era feito manualmente, não sendo possível, nessa altura, proceder a cálculos baseados nas equações que regulam o comportamento da atmosfera. Claro que os meteorologistas, baseados em conhecimentos físico-matemáticos e na experiência, associavam os centros de ação (anticiclones e depressões), as massas de ar e as frentes a determinadas características de tempo. As equações que traduzem o comportamento da atmosfera já eram bem conhecidas nessa altura, mas a lentidão dos computadores e o fraco poder de cálculo não permitiam ainda produzir cartas de prognóstico com base nas quais se poderiam extrair, em tempo útil, as previsões em linguagem clara. De nada serviria uma previsão que só estivesse pronta depois do período de validade. Claro que isto se fez durante algum tempo, para testar os primeiros modelos de previsão matemática1 do tempo que então ainda eram bastante rudimentares. As primeiras tentativas de previsão numérica do tempo, levadas a cabo por Lewis Fry Richardson2 (1881-1953), foram completamente falhadas. Richardson chegou mesmo a ser ridicularizado pelo facto das suas previsões só estarem prontas bastante tempo depois do período de validade. Os cálculos eram então feitos à mão por colaboradores seus, para regiões restritas. Com o advento dos computadores, nos anos quarenta, as suas experiências começaram a fazer algum sentido, mas ainda longe de resultados satisfatórios. Só em 1950 foi alcançada a primeira previsão matemática do tempo relativamente bem-sucedida, com recurso a um computador eletrónico. A experiência foi levada a cabo com base no trabalho de Richardson. Assim, em 8 de março de 1950, usando o computador “Electronic Numerical Integrator and Computer” (ENIAC), a equipa composta, entre outros, pelo matemático John von Neumann e pelos meteorologistas Jule Charney e Ragnar Fjørtoft, terminou com êxito uma previsão para um dia, mas que demorou cerca de 24 horas a estar disponível. A previsão numérica do tempo progrediu grandemente na década de sessenta, devido ao advento dos satélites meteorológicos e aos modelos de previsão do tempo cada vez mais aperfeiçoados. Computadores com maior poder de cálculo permitiram a resolução rápida das equações complexas que regulam o comportamento da atmosfera, tendo como resultado previsões com maior fiabilidade e para períodos mais longos. Em 1975 foi criado, na Europa, o Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (“European Centre for Medium-Range Weather Forecasts” – ECMWF). Nos Estados Unidos da América, o “Global Forecast System” (GFS) começou a operar na década de 1980. O ECMWF fazia inicialmente previsões para 5 dias, mais tarde para 7 a 10 dias e, desde 1992, para 15 dias. No que se refere ao GFS, o período de validade era inicialmente de 5 a 7 dias, aumentando para 10 dias e, no final da década de 1990, passou para 16 dias. Entre os numerosos produtos destes centros contam-se cartas meteorológicas de 6 em 6 horas, além de produtos para áreas específicas, como navegação aérea e marítima, agricultura, índices de incêndios florestais e de qualidade do ar, etc. Todo este progresso foi devido ao aumento do poder de cálculo dos computadores e a assimilação de dados mais eficiente, obtidos com recurso a estações meteorológicas terrestres e oceânicas, balões meteorológicos, satélites, aviões, navios e boias oceânicas. Há um certo consenso, por parte dos meteorologistas operacionais, que as previsões do ECMWF são mais fiáveis. Estão, no entanto, apenas disponíveis para os países membros. Os Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau, por exemplo, quando a RAEM estava sob administração portuguesa, recebia produtos do ECMWF, o que deixou de acontecer a partir da transição para a administração chinesa. Os americanos disponibilizam as suas previsões sem essas restrições. Poder-se-á perguntar “por que não se fazem previsões para períodos mais longos?”. O determinismo, sendo uma teoria filosófica que sustenta que todos os acontecimentos são causados por eventos anteriores, pode-se aplicar às previsões meteorológicas, na medida em que, uma vez conhecidos os parâmetros que caracterizam o tempo num determinado momento (ou seja, as condições iniciais do estado da atmosfera), a evolução das condições meteorológicas poder-se-ia prever sem quaisquer barreiras. Acontece, porém, que a atmosfera é um sistema caótico, o que implica que, se os valores observados estiverem imbuídos de alguma imprecisão, os erros se repercutem, aumentando em função do tempo (“tempo” aqui refere-se a tempo cronológico). Também as pequenas perturbações na atmosfera, parecendo insignificantes, podem contribuir para grandes alterações no seu comportamento futuro. Daí o meteorologista Edward Lorenz (1917 – 2008) se ter referido a que uma pequena perturbação na atmosfera, como a causada pelo bater das asas de uma borboleta, poder, potencialmente, influenciar o tempo num lugar distante, algum tempo depois. Lorenz introduziu o conceito “efeito borboleta” na apresentação “Predictability: does the flap of a butterfly’s wings in Brasil set off a tornado in Texas?”, realizada em Washington D.C., em 1972. Trata-se de uma metáfora para enfatizar que pequenas alterações nos parâmetros meteorológicos (e.g., temperatura ou pressão atmosférica), podem influenciar eventos futuros num sistema caótico como a atmosfera. Nesta palestra, Edward Lorenz destacou a realidade de que a fiabilidade das previsões tem limites devido ao sistema complexo que é a atmosfera e ao seu caracter caótico. Pequenas alterações nas condições meteorológicas iniciais nos modelos de previsão como, por exemplo, o arredondar dos valores da temperatura, podem induzir alterações nos resultados da previsão. Para tornar as previsões mais fiáveis, os grandes centros mundiais de previsão do tempo recorrem também, além das previsões determinísticas, às previsões “ensemble” (previsões de conjunto), fazendo correr o mesmo modelo de previsão numérica várias vezes, mas com as condições inicias ligeiramente alteradas. O conjunto de resultados permite concluir, em termos probabilísticos, qual o tempo mais provável que ocorrerá num determinado local e num determinado período. Há, portanto, a necessidade de combinar modelos determinísticos com modelos probabilísticos, a fim de que se possa lidar com a incerteza inerente ao sistema atmosférico. As previsões tipo “ensemble” são de grande utilidade para gerir a incerteza sobre a evolução de certas situações meteorológicas. Os resultados destas previsões, que abrangem todo o globo, são disponibilizados aos centros nacionais de previsão do tempo a fim de que os meteorologistas locais as adaptem para as respetivas regiões. Com o avanço da ciência e da tecnologia, poder-se-á perguntar qual o papel que a Inteligência Artificial (IA) terá para melhorar a previsão do tempo. Será que contribuirá significativamente para obstar as dificuldades inerentes ao caos que caracteriza a atmosfera? Entretanto já decorrem estudos sobre a aplicação da IA na tentativa de aumentar o período de validade e a fiabilidade das previsões determinísticas e do tipo “ensemble”. Combinando IA com modelos de previsão do tempo já em uso, e com os avanços no que se convencionou chamar “machine learning”4, espera-se que, num futuro não muito longínquo, se possam detetar de maneira mais eficiente sinais precoces de eventos meteorológicos extremos como, entre outros, ondas de calor, furacões, tufões e tornados. No entanto, a atmosfera nunca deixará de ser um sistema caótico… Meteorologista Referências: Previsão matemática do tempo – também designada por “previsão numérica do tempo”. Lewis Fry Richardson (1881-1950) – Matemático, físico e meteorologista inglês que se salientou por ter sido um dos pioneiros na aplicação da matemática à previsão do tempo. Richardson foi também conhecido como pacifista. Segundo o seu neto, Thomas Körner, Professor de matemática na Universidade de Cambridge, o facto do seu avô ter sido ativista contra a guerra, fez com que destruísse estudos seus que pudessem ser utilizados para maior eficiência de armas químicas, usadas na primeira guerra mundial. Edward Lorenz: Matemático e meteorologista americano.Foi um dos fundadores da moderna teoria do caos, que consiste num ramo da matemática que estuda o comportamento de sistemas dinâmicos altamente sensíveis às condições iniciais. O conceito de “efeito borboleta” tem sido aplicado a muitas situações fora do contexto da meteorologia para ilustrar que uma pequena alteração num determinado comportamento, pode, eventualmente, ser a causa de consequências maiores. “Machine learning” (Aprendizagem automática) – trata-se de um subsistema da IA cujos algoritmos, em vez de seguirem instruções predefinidas, utilizam dados para identificar padrões, construir modelos e melhorar o seu desempenho ao longo do tempo. “Machine learning” (Aprendizagem automática) – trata-se de um subsistema da IA cujos algoritmos, em vez de seguirem instruções predefinidas, utilizam dados para identificar padrões, construir modelos e melhorar o seu desempenho ao longo do tempo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesGeogastronomia e a Ásia “All I ask is that it’s respectful. All I ask is that they pay tribute and understand it and [the food is] an homage to where it came from.” Chef David Chang A relação entre a geografia e a alimentação é reconhecida há séculos. Embora várias culturas tenham desenvolvido práticas culinárias exclusivas das suas regiões, o estudo sistemático destas interacções começou a cristalizar-se no final do século XX. Estudiosos pioneiros, como Claude Lévi-Strauss, lançaram as bases para a compreensão da comida como um símbolo cultural influenciado por factores geográficos e ambientais. Na Ásia, esta relação é particularmente acentuada devido à diversidade de climas, topografias e populações do continente. O contexto histórico da Ásia em termos de comércio e migração influenciou profundamente a sua paisagem culinária. A Rota da Seda, por exemplo, facilitou não só a troca de bens, mas também a partilha de conhecimentos culinários. Especiarias, ervas aromáticas e técnicas culinárias atravessaram grandes distâncias, remodelando as cozinhas regionais. O início da geogastronomia realça a importância destas rotas comerciais históricas e a sua influência duradoura na gastronomia contemporânea e na cultura alimentar local. A geogastronomia revela até que ponto a geografia tem impacto nas práticas culinárias na Ásia. Factores como o clima, os tipos de solo e a disponibilidade de água afectam directamente a agricultura e a produção alimentar. Por exemplo, o arroz, um alimento básico em muitas dietas asiáticas, prospera em condições climáticas específicas e é cultivado extensivamente em regiões como o Sudeste Asiático e a China. O cultivo do arroz liga não só as práticas agrícolas, mas também as identidades culturais e as cozinhas de toda a Ásia. Além disso, a diversidade geográfica da Ásia conduz a uma grande variedade de tradições culinárias. Desde os pratos ricos e condimentados da Índia até aos sabores delicados da cozinha japonesa, a geografia de cada região influencia a sua gastronomia. A disponibilidade de ingredientes autóctones, como as malaguetas no Sudeste Asiático, o marisco nas regiões costeiras e os vários cereais no interior, molda tanto os sabores como as técnicas de confecção exclusivas dessas culturas. Várias personalidades contribuíram substancialmente para a compreensão e o desenvolvimento da geogastronomia na Ásia. Uma dessas figuras é o historiador e investigador alimentar Michael Pollan. O seu trabalho enfatiza a importância dos ingredientes locais e a relação entre ecologia e alimentação. A defesa de Pollan de práticas agrícolas sustentáveis influenciou muitos chefes asiáticos e especialistas em culinária, encorajando o renascimento de métodos de cozinha tradicionais que respeitam tanto o ambiente como o património culinário. Além disso, chefes como David Chang e Nobu Matsuhisa desempenharam um papel crucial na popularização da cozinha asiática a nível mundial. Os seus conceitos de restauração sublinham a importância da aquisição de ingredientes locais e do respeito pelos métodos tradicionais. As suas contribuições ajudam a colmatar o fosso entre a geografia e a gastronomia, mostrando como as práticas baseadas no local inspiram escolhas alimentares inovadoras. A exploração da geogastronomia na Ásia suscita frequentemente diversas perspectivas. Os antropólogos culinários defendem que é essencial compreender o contexto sociocultural da alimentação. O vegetarianismo na Índia, por exemplo, está enraizado nas crenças religiosas e na geografia local, reflectindo uma perspectiva mais ampla do papel da alimentação na sociedade. Para além do mero sustento, a comida serve de veículo à identidade cultural e às relações comunitárias. Por outro lado, alguns críticos argumentam que a globalização ameaça a autenticidade das cozinhas tradicionais. A proliferação de cadeias de “fast food” nas zonas urbanas muda as práticas alimentares e altera as culturas alimentares locais. Esta dualidade suscita debates sobre a autenticidade, a acessibilidade e o futuro das práticas culinárias na Ásia. Ambas as perspectivas são válidas, realçando a relação em constante evolução entre a geografia e a gastronomia. Uma análise contemporânea da geogastronomia na Ásia revela a forma como as práticas culinárias locais se adaptam aos tempos de mudança. Por exemplo, durante a pandemia da COVID-19, muitos chefes de cozinha e cozinheiros domésticos voltaram-se para as receitas e métodos tradicionais, reforçando os laços culturais enquanto enfrentavam a escassez de alimentos. A sua criatividade e resiliência levaram a um renovado apreço pelos ingredientes e práticas locais, ilustrando o poder duradouro da geogastronomia em tempos de crise. (continua)
Amélia Vieira VozesMerlim e a bruma Há reis na Terra que foram Magos distantes de nós por milénios de areias que os cobriram de encanto e simpatia, e há ainda um Prestes João no fundo dos desertos, mais mítico que terreno, que ainda nos interpela no seu jorrante reino do sol, um reino copta a quem os nossos antigos navegadores prestavam culto, mas um Mago todo envolto em brumas é para nós um outro roteiro. Nós habituámo-nos à cultura do deserto, às suas lendas e peles escuras, e quando nos acenam com a magia das culturas do frio ficamos temerários. Pois bem, essa nossa desconfiança não passa de uma disfuncionalidade de latitudes, que tudo se interliga numa mesma noção para que renasçamos dos códigos fechados da estreita razão, das guerras, e dos ciclos dos tempo demarcados. Quase dia de Reis – os Magos- mas um outro ressurge imponente e fecundo, Merlim, que não era rei, mas tudo nele era a consciência de um outro. Aqui, estamos em pleno Ciclo Arturiano com toda a beleza das brumas de Camelot, estamos no século XII entre os Cavaleiros da Távola Redonda, um reino celta povoado de «Aves Brancas» no lindíssimo poema de Yeats, num tempo gaélico, feérico e brumoso, e toda esta saga nos impressiona como se alguma coisa tivesse que ser complementada a esse mundo sem sombra de onde um Cristo saiu, e dar-lhe então a medida vegetal de uma natureza mais além; estamos literalmente nas nuvens “e não na nuvem” e aqui se reflecte o dom insofismável da beleza da ideia, mesmo que as divinas criaturas nasçam de formas estranhas com paternidades opostas, que neste acrescentar de factos poderemos estar bem mais perto da essência enigmática do cristianismo. Já Fernando Pessoa nos tinha dado «A Hora do Diabo» nele, uma senhora subia a rua do Carmo quando foi visitada por estranha personagem que lhe dissera que nada tinha a temer pois que era um cavalheiro. Talvez que Pessoa imbuído desta natureza saxónica tivesse ele mesmo experimentado a delícia de um Merlim na sua qualidade de pai de ninguém, ou aligeirado um certo amor que sempre sentira pela criminologia, esse outro não menos grande distintivo poético. Nós temos pela voz de José Régio uma grande abundância de fluxo a este nível, mas creio que não lhe demos a devida atenção, e agora muito menos, já que interpretar é substância que tarda ou mesmo se evola para níveis tão distantes que quase desaparece, que num dos seus poemas magistrais «o Cântico Negro» encontramos de facto uma impressionante memória remota desta consciência que viria a esculpir um reino tão feérico quanto improvável que ainda nos habita, a nós, que quase passámos incólumes entre ventres e seivas, dando a tudo papéis suplementares para as mães (a quem depreciativamente Pessoa denominou de malas) mas onde nada deles sobejaria se tivéssemos de reescrever toda a história. Mas eles quem? Um Cristo e um Merlim. Um nasceu de uma Virgem e de Deus, outro de uma Virgem e de Satã, e Merlim foi Mago, Jesus um Cristo, e ambos estão ao comando de multidões. Estamos no reino dos Druidas que quase nos parece uma representação de Saturno, velhos, emblemáticos e extremamente sábios, um legado lendário de anciãos que se oporia por princípio a uma jovial «salvação» exercida por jovens utópicos e sonhadores, que Merlim sempre foi velho e Cristo um jovem homem. Chegados aqui teremos então uma população mundial, mas sobretudo ocidental, envelhecida e escanhoada numa labiríntica adopção do Mago. Artur quase desaparece, Geneviève pode ser cúmplice erotizante de um outro ardil, e a fada Morgana um alter-ego que subitamente se cale. Lancelot, esse, já não salva ninguém: estamos na presença de um taumaturgo que guardou os segredos por onde o grande herdeiro do Norte deverá agora passar. De acordo com a profecia, Merlim era o filho bastardo da princesa Real Dyfed, o pai é tido como um anjo que visitara a princesa real, mas todos desconfiavam que era um espírito mau. “Quando ele nasceu, as mulheres tiveram medo dele, pois era um menino grande e muito cabeludo. Nunca elas tinham ajudado a vir ao mundo uma criança como aquela. Entregaram-no à mãe, que fez o sinal-da-cruz ao ver o seu rebento. Meu filho, você me assusta. A nós também, disseram as mulheres”. Mas sempre será melhor um filho que nos assuste e nos faça fugir para todos os Egiptos do que um irresponsável que apenas venha de modo menor ocupar a cidade.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesIndulto paterno (II) A semana passada, analisámos o indulto que Biden concedeu ao filho. Esta semana, aprofundaremos o tema. A decisão de Biden desencadeou discussões e críticas dentro e fora do Estados Unidos. Estas críticas vieram não só dos seus opositores políticos, mas também da população e do sector jurídico. Em primeiro lugar, Biden salientou nas suas declarações que tinha tomado esta decisão na dupla qualidade de pai e de Presidente. Quando um pai vê o filho ser tratado injustamente e o apoia está a dar um testemunho vivo de amor paterno. Enquanto as pessoas tiverem filhos, existirá amor paternal. Não são só os Presidentes que amam os filhos. Assistimos frequentemente a situações em que os pais se sacrificam para salvar a sua prole. No passado dia 29 de Maio, o jornal britânico “Daily Mail” publicou uma notícia sobre a deflagração de um incêndio às 2.30 h da madrugada de 14 de Abril, numa casa situada na Warrington Road em Wigan, na Área Metropolitana de Manchester. Barry Mason, um pai de 45 anos, ignorou os avisos de familiares e amigos e lançou-se às chamas para salvar o seu filho Ethan de 4 anos. Infelizmente, acabaram por morrer os dois no incêndio. A família enterrou os dois no mesmo caixão para que ficassem abraçados para a eternidade. A 25 de Janeiro de 2023, o órgão de comunicação social 01 de Hong Kong anunciou que Shao Zhijun, natural de Taiwan, China, e aluno da Faculdade de Direito, para salvar o filho que sofria de leucemia, dedicou-se ao estudo de medicina e descobriu um novo tratamento para a sua doença. Não só lhe salvou a vida, como o seu trabalho acabou por ser publicado em revistas académicas de investigação. Shao Zhijun disse no Facebook: “O caso do transplante de medula óssea do meu filho foi publicado e eu sou o terceiro autor. É possível resolver o problema do cancro através da investigação genética. Os resultados dos últimos exames são bons. O meu maior desejo é que ele cresça saudável.” Um pai morreu para salvar o filho e os dois foram enterrados no mesmo caixão. Para salvar o filho, um outro pai trabalhou dia e noite para se informar sobre matérias que desconhecia e foi bem-sucedido. Estes casos ilustram a grandiosidade do amor paterno. Desde que compreendamos este sentimento, compreenderemos o indulto que Biden concedeu ao filho. Biden tem 82 anos e espera que o filho venha a ter uma vida estável depois da sua morte. Não é isto que qualquer pai deseja? O que é que tem de errado? Por um lado, quando um pai indulta o filho, é na verdade fácil pensar-se que a situação é injusta. Algumas pessoas pensam que desta forma se está a colocar o interesse familiar acima do interesse nacional, prejudicando a credibilidade presidencial. Esta preocupação não é infundada. Independentemente da explicação que Biden der, é difícil de ser aceite por todos. Por outro lado, alguns americanos estão preocupados que esta decisão possa vir a estabelecer um mau precedente, ou seja, o Presidente vir a usar o poder de indulto para proteger os familiares de consequências legais. Como já foi mencionado, Clinton indultou o seu meio-irmão Roger Clinton da acusação de posse de droga. No seu primeiro mandato, Trump indultou Charles Kushner, pai do seu genro Jared Kushner, das acusações de evasão fiscal. Agora, Biden concedeu o perdão ao filho pela posse ilegal de arma e evasão fiscal. Estes exemplos podem suscitar preocupações públicas sobre favoritismo presidencial. Além das preocupações do público sobre favoritismo presidencial, existe ainda a questão de abuso do poder de indulto. Como Biden perdoou criminosos a 10 de Dezembro, alguns meios de comunicação dos EUA assinalaram que, se Trump realmente perdoar os envolvidos nos ataques ao Congresso, então Biden deveria perdoar aqueles que investigaram a tentativa de Trump de anular os resultados das eleições presidenciais de 2020? Se isto vier a acontecer, o poder de indulto torna-se uma ferramenta que o Presidente usa para proteger os seus subordinados. Desta forma, a amnistia continuará a servir para reabilitar quem deseja enveredar pelo bom caminho? Continua a dar a estas pessoas a oportunidade de se integrarem e contribuírem para a comunidade? O poder da amnistia pode ainda ajudar infractores não violentos a regressar à normalidade? A intenção original do poder de indulto ainda se mantem? Por último, esta decisão levantou a interrogação sobre se Trump se pode indultar a si próprio quando tomar posse. Como sabemos, o Procurador Jack Smith arquivou os processos federais contra Trump, nos quais se incluíam alegada interferência nas eleições de 2020 e posse ilegal de documentos confidenciais, alegando que o Presidente não pode ser indiciado. O indulto é uma questão legal. A Constituição dos EUA estipula que o Presidente tem o poder de indultar pessoas que cometeram crimes federais, mas a questão é se esse poder se pode aplicar a si próprio. Os americanos só saberão a resposta a esta pergunta mais tarde. Como espectadores, esperamos que este caso não afecte o sistema jurídico dos Estados Unidos e também que sirva de referência para o resto do mundo. Seja como for, a decisão de Biden desencadeou uma ampla discussão e reflexão sobre o poder de indulto, sobre o abuso desse poder e ainda sobre se o Presidente se pode perdoar a si próprio. Este caso veio lembrar-nos mais uma vez que o poder de amnistiar é a última ferramenta de intervenção jurídica e o seu exercício deve ser efectuado de forma cautelosa para evitar controvérsias e mal-entendidos desnecessários. Devemos também compreender que a justiça e a autoridade da lei são os pilares da estabilidade social e do desenvolvimento. Qualquer tentativa de alterar estes princípios será amplamente questionada e criticada. Finalmente, neste caso, devemos considerar a preocupação de um pai idoso com o seu filho. Os laços entre os progenitores e as suas crias são os alicerces das famílias. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.
Hoje Macau Direito de Resposta VozesA minha passagem pela Escola Portuguesa de Macau Por Gonçalo Alvim Vivemos num tempo de informações instantâneas, de produção de notícias em ritmo acelerado e por vezes de impaciência em as propagar, mesmo antes de serem confirmadas. No meio deste frenesim, por vezes pessoas ou instituições são atingidas, e o contraditório, que acaba por só poder ser feito a posteriori, lança a dúvida, sedimenta a suspeita e fomenta a criação de cenários tantas vezes desconexos da realidade. Vem isto a propósito da Escola Portuguesa de Macau (EPM) e da contratação – e “despedimento” – de um professor de Físico-química (FQ) e Matemática. Não sei bem a relevância do assunto em si, mas a notícia deste jornal, e da TDM, dizem-me respeito, porque o visado sou eu, e obriga-me a dar explicações e reparos. O caso terá uma importância relativamente pequena, mesmo no panorama local, mas gostava de repor a verdade, pelo menos expondo-a como a vejo e a vivi. Em inícios de outubro deste ano, através de uma amiga, soube que os alunos do 9.º ano da EPM estavam sem professor de FQ no 9.º ano e, tendo eu tido esta disciplina – e Matemática – até ao 1.º ano da Faculdade, propus-me colmatar a falha. É verdade, na minha atividade profissional de Arquiteto Paisagista nem sempre abundam projetos, sobretudo em Macau, e na altura tinha a disponibilidade que entendi necessária. Por outro lado, ser professor é uma atividade que já considerava exercer e, apenas por uma falha de prazo, não me tinha inscrito na pós-graduação em Educação ministrada na USJ, e exigida pela DSEDJ para professores dos ensinos primário ao secundário. Seria uma experiência, porventura a curto-prazo, mas considerei-a importante para mim, se fosse aceite. Tendo recebido a minha disponibilidade e o meu CV, o Diretor da EPM chamou-me e tivemos uma reunião. Nela, para além da disciplina de FQ, propôs-me que eu desse também Matemática, uma vez que havia necessidades urgentes nessa disciplina, com professores sobrecarregados de aulas e turmas a colmatarem a falha. Esta lecionação que me foi proposta seria temporária, até chegarem os professores que estariam para vir, e estava naturalmente dependente da aceitação da argumentação a fazer pela escola à DSEDJ. Servia-me, e eu aceitei. Com o tempo, fui percebendo que o trabalho de Professor é muitíssimo exigente, agravando-se este facto em disciplinas com grau de dificuldade elevado e que requerem dos alunos uma boa preparação de base e um trabalho de casa regular. Desde logo, deparei-me com todo um manancial de informações a recolher e absorver, regulamentos a respeitar, procedimentos a seguir, sistemas a utilizar e, para além disso, todo o trabalho de preparação das aulas e de elaboração e correção de exames. Acresceu a isto a dificuldade de manter a atenção e a disciplina nas salas de aula, condição indispensável para o ensino e a aprendizagem. Somem-se os vários casos dos alunos designados “inclusivos” em cada turma, ou seja, a quem são diagnosticadas diferentes dificuldades cognitivas ou de socialização a atender e trabalhar, e pode-se ter uma perspetiva das dificuldades que senti. A todo este enquadramento, que tive de tentar adaptar-me para conseguir fazer um trabalho de acordo com as exigências, deve ainda acrescentar-se o conhecimento implícito que fui tendo de diretrizes subjacentes ao ensino nos dias de hoje, e que apontam às dificuldades em que incorre o professor quando dá negativas ou chumba alunos – seja porque o sistema aponta para o seu “sucesso”, seja porque a generalidade dos pais não gosta que os seus filhos as tenham, e revoltam-se, possivelmente depois das explicações dos filhos descontentes com a nota. Juntem a estas dificuldades um ambiente hostil em relação à Direção da EPM, que se vive atualmente, e têm todos os ingredientes com que se faz um fogo-de-artifício caseiro, espelhada depois pela comunicação social. Para quem comece a lecionar a meio de um período letivo, sem as reuniões de esclarecimento iniciais, sem experiência de escolas de Ensino Básico Geral, sem os apoios que seriam necessários a quem começa, não é propriamente fácil encontrar sustentação. Acresce o facto de Macau ser um meio pequeno, onde pequenos casos tomam proporções de destaque nos meios de comunicação social em português. Neste caso, pouco depois de eu ter começado a lecionar, saía na TDM a notícia de a EPM ter contratado um Arquiteto Paisagista “sem habilitações” para lecionar FQ e Matemática. Não foi explicado em que consistia essa falta de habilitações nem porque era relevante indicar que se tratava de um Arquiteto Paisagista. Mais recentemente saiu a “notícia” que o professor dessas disciplinas tinha sido “despedido”, embora desta vez não se referindo que se tratava do tal Arquiteto Paisagista que não tinha as habilitações necessárias. Não importou, não se esperou por confirmações ou desmentidos, saiu cá para fora. Era mais um professor despedido, faz parte do fogo-de-artifício. De uma forma geral, a minha experiência na EPM foi boa, a relação com a Direção foi cordata e gostei da relação que desenvolvi com alguns dos professores da escola. Conhecia já alguns dos pais dos alunos que tive e devo dizer que, dos que falaram comigo, sempre recebi todo o apoio e manifestações de agradecimento, que se justificavam face às necessidades de aulas que os filhos tinham. Mostraram qualidades que valorizo muito nos pais e, pelo meu lado, estou-lhes grato também. Quanto aos alunos, guardo boas recordações da generalidade e espero que não tenham desgostado de mim. É certo, as aulas nem sempre foram fáceis, a ordem e disciplina foi muitas vezes difícil de conseguir e houve discrepâncias de aprendizagem entre os alunos. No ensino deve haver um bom equilíbrio entre diferentes fatores, como bases sólidas de conhecimentos de anos anteriores, disciplina na sala de aula, experiência e conhecimentos do professor e atenção e empenho dos alunos. Os alunos que tive não foram mal-educados ou desrespeitosos, mas, na generalidade, distraiam-se facilmente, conversavam muito, trabalhavam pouco e nem sempre levavam a sério a aprendizagem e a sua importância. Como me disse um professor da EPM, os pais deviam dar aulas durante uma semana para perceberem a dificuldade dos professores. Os alunos de uma turma chegaram a dizer-me numa aula, de forma unânime, que vão às aulas porque os pais lhes exigem, o que revela, para além de um desinteresse geral em aprenderem, uma excessiva dependência da vontade e opinião dos pais. Note o leitor isto, que sublinho: o grande centro da vida de um aluno são os seus pais e o que estes lhes manifestam, e um professor, quer queira quer não, está altamente dependente disso. Há estratégias que devia ter adotado, como fichas intercalares para aferir e corrigir conhecimentos, ou trabalhos de casa regulares para garantir um esforço continuado, mas nem tudo consegui ou foi possível fazer, seja pelas limitações de tempo que tinha, seja pelos intermináveis testes, fichas e trabalhos a que os alunos eram sujeitos semanalmente, fruto do excesso de tempos de aulas e das inúmeras disciplinas do programa. Para os perceber melhor, cheguei a contar os tempos de aulas que têm semanalmente e concluí que é semelhante ao horário, por exemplo, de um funcionário público, tendo para além disso de fazer os trabalhos de casa e estudar tudo o que se lhes exige nas 12 ou 13 disciplinas que têm. É imenso para adolescentes, o programa devia ser revisto. Por outro lado, uma coisa ficou clara para mim: apesar das dificuldades, um aluno que se empenhe consegue obter bons resultados, independentemente das condições da escola ou dos professores que tenha. Mas, para que isto aconteça, tem de haver dos pais um apoio à escola e aos professores – não porque o mereçam sempre, mas para não criarem nos filhos as justificações que precisam para não se esforçarem mais do que querem. Tal como me dizia o meu instrutor na equitação, para eu não me justificar com o cavalo que me escolhiam, “a culpa nunca é do cavalo, é do cavaleiro!” Alguns pais não pensam da mesma forma, surgiram críticas e até houve queixas apresentadas na DSEDJ. Por mim, não estava totalmente satisfeito com o trabalho que tinha conseguido desenvolver, percebi que não tinha todo o apoio que precisava dos pais e, ainda, que seria difícil manter a dedicação a tempo inteiro – incluindo fins-de-semana, feriados e tudo mais – que me seria exigido no 2.º e 3.º trimestres. E, por isso, não assinei o contrato que me foi dado para assinar e falei com o coordenador das disciplinas que ministrava, explicando-lhe a minha indisponibilidade para continuar para além do 1.º trimestre. Foi solidário, compreendeu, falou com o Diretor e terá começado a tratar das substituições. Cerca de um mês depois dessa conversa, no dia da última reunião de turma que tive para lançamento de notas, consegui falar com o Diretor, que se mostrou solidário e me informou de algo que eu desconhecia: tinham recebido da DSEDJ o indeferimento da minha aceitação como professor por razões relacionadas com as habilitações que exigiam aos professores, a que juntaram algumas queixas de pais insatisfeitos e preocupados com o exame nacional de Matemática que os filhos irão ter no final do ano. Portanto, e quero frisar isto, a minha não-continuação como professor não teve a ver com nenhum despedimento da Direção, como foi referido erradamente neste jornal e na TDM. Partiu, de mim, antes de mais, e foi selada por um despacho da DSEDJ. Quanto a outros casos da EPM, não sei, não têm a ver com o meu. Rematando, da experiência que tive, percebi em primeira mão o trabalho difícil e exigente que os professores têm. Merecem todo o apoio possível, não só da escola, mas também dos pais, que devem orientar devidamente os seus filhos no respeito e empenho que devem ter. Mais do que a aprenderem, os jovens estão a crescer na escola, e o que lhes é dito pelos pais pode-lhes ser mais benéfico para a sua vida que os conhecimentos que adquiram. Merecem os professores ser devidamente recompensados, seja através da valorização da carreira, em ordenados, compensações ou de outra forma? Absolutamente! Uma escola de qualidade começa nos professores, e estes devem ser acolhidos e valorizados de forma a conseguirem dar o seu melhor e terem os resultados que procuram. Em jeito de oráculo, e para terminar, vejo no futuro das escolas uma de duas situações, a primeira bem mais provável do que a segunda: escolas que queiram valorizar-se a irem buscar os melhores professores, dando-lhes boas condições e apoio; ou então a Inteligência Artificial a substituir os professores que deixaram de haver, se conseguir o empenho dos alunos.
André Namora Ai Portugal VozesA esperança não morre Diz o povo que a esperança é a última coisa a morrer. A esperança dos portugueses neste novo ano de 2025 é a única particularidade que lhes resta. Esperança que o país mude em muitos aspectos da sua vida social, económica e política. Sempre que um novo ano tem início não há ninguém que não deseje aos seus familiares, amigos e conhecidos votos de melhores dias. É isso que se aguarda este ano, apesar de o panorama ser um pouco indecifrável. A política tem de ser concreta, essencialmente visando os muitos milhões de cidadãos que vivem ao nível da pobreza. A comunicação social tem informado que neste desiderato existem aproximadamente quatro milhões de portugueses pobres. É muitíssimo. É mais que um terço da população global. E os políticos parece que têm de mudar a graduação dos óculos. Dá a ideia que as habitações sociais, as casas para estudantes, as reformas dignas, os transportes públicos, os lares de idosos, as creches, os jardins infantis, as condições de trabalho de médicos, enfermeiros e bombeiros são factos concretos e problemáticos que podem ficar para as calendas. Não podem. Neste 2025 têm de pensar no nível de pobreza que referimos. Têm de ajustar o Orçamento do Estado para benefício de quem mais precisa. Têm de apoiar as médias e pequenas empresas para que o desemprego diminua e o rendimento aumente para que o país tenha maior riqueza. Preocupa-nos ao constatar que a decisão governamental está virada para um aeroporto em Alcochete que poderá custar aos portugueses dezenas de milhares de milhões de euros. Milhares de portugueses nunca irão ver esse aeroporto e muito menos utilizá-lo, pois, anunciam a sua inauguração para 2040. É preocupante que o Governo esteja preocupado essencialmente com um TGV entre Lisboa e Badajoz, com um TGV entre Lisboa e o Porto, com um TGV entre o Porto e Vigo. Preocupado no encerramento do Autódromo do Estoril a fim de ali construírem imóveis de luxo para os novos residentes norte-americanos e virado para obras megalómanas que em nada beneficiam o país real e todos aqueles que vivem no interior abandonados à sua sorte. O Governo tem gasto milhões de euros que envia para a guerra na Ucrânia, mas os bairros de lata pululam por todo o lado. Não se constrói um conjunto de edifícios que sirva com dignidade a reinserção dos jovens toxicodependentes, não se constrói creches para crianças cujos pais não podem pagar as existentes que nem têm mais vagas, não se constrói residências para estudantes universitários quando assistimos à exploração inaudita de se alugar um quarto sem casa de banho, em Lisboa, por 700 euros, não se resolve de uma vez por todas o problema das mulheres grávidas que continuam sem saber onde irão ter o parto com a agravante de agora serem obrigadas a telefonar para o serviço de saúde sempre que sintam qualquer sintoma, não se resolve o problema dos bombeiros sapadores desprezados há mais de 22 anos. A lista é enorme. O novo ano de 2025 não pode servir para os políticos apenas se preocuparem com as eleições autárquicas deste ano e com as presidenciais no início de 2026. Sobre as eleições presidenciais o mundo da política enlouqueceu como em crónica anterior já vos falei. As televisões passam o tempo a criar nomes de candidatos a Presidente da República. Mas, que interesse tem isso para o bem do povo? Nenhum. O povo quer é comer, quer preços mais baixos nos supermercados, quer comprar os combustíveis mais baratos, quer que os seus filhos não emigrem, quer reformas com o mínimo de dignidade. Sobre este último facto, aconteceu que um amigo que vive no Luxemburgo há 25 anos não acreditava que em Portugal houvessem reformas de 150 euros. É chocante e perturbador ouvirmos um compatriota que trabalha num país da Europa dizer-nos que Portugal é uma miséria. Em 2025 algo de muito substancial tem de mudar. Não podemos assistir a decisões como a escandalosa, mesmo a terminar 2024, que nos caiu nos escaparates, com o primeiro-ministro a nomear um secretário-geral do Governo que iria receber um salário de 16 mil euros por mês. A opinião pública revoltou-se nas redes sociais e alguns comentadores televisivos vieram a terreiro condenar tal decisão. Obviamente que se tratava de algo chocante para a maioria dos portugueses. Neste sentido, os deputados na Assembleia da República têm a obrigação de aprovar legislação em que o maior salário seja o do Presidente da República, seguido dos salários para o primeiro-ministro, ministros, secretários de Estado e deputados. A partir daqui mais nenhum funcionário do Estado poderá receber mais que as personalidades mencionadas. Tem de existir senso comum na gestão da cousa pública. Tem de haver exemplos que venham de cima e não deixar a maioria dos portugueses a sofrer sem qualidade de vida e a pensar que só se governa para os ricos. Na semana de Natal de 2024 tomámos conhecimento de um casal que ficou desempregado e a solução que teve foi a venda da sua casa e ir com dois filhos menores residir para casa dos pais. Não, assim o país não pode continuar. O povo português é trabalhador, é generoso, é solidário, mas tem de merecer dos seus governantes que numa passagem de um ano velho para um ano novo, os votos de feliz Ano Novo não passem de uma balela.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesIndulto paterno (I) No passado dia 2 de Dezembro, 50 dias antes de deixar o cargo, o Presidente dos EUA Joe Biden concedeu um indulto total e incondicional ao seu filho Hunter Biden, acusado de obtenção ilegal de armas, evasão fiscal e de outros crimes, indulto que abrange ainda todas as possíveis violações das leis dos EUA cometidas no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2014 e 1 de Dezembro de 2024. Uma vez que este indulto é “abrangente e incondicional”, não pode ser revogado, mesmo depois da investidura de Donal Trump como Presidente dos Estados Unidos. Hunter Biden foi acusado de obtenção ilegal de armas por ter feito uma declaração falsa no formulário de verificação de antecedentes no acto da compra de um revólver em 2018. Hunter foi indiciado por três destes crimes, que no seu conjunto acumulam uma pena máxima de 25 anos de prisão. Hunter Biden recebeu também nove acusações no domínio da evasão fiscal por não ter pago 1,4 milhões de dólares em impostos nos últimos 10 anos. O delegado do Ministério Público assinalou que o acusado tinha gasto o dinheiro em drogas, com acompanhantes e namoradas e que tinha uma vida luxuosa. Hunter Biden confessou-se culpado de todas as acusações no passado mês de Setembro. A pena máxima para crimes de evasão fiscal é de 17 anos. Em declarações, Joe Biden afirmou que não iria interferir nas decisões dos tribunais, mas acreditava que o filho tinha sido tratado de forma selectiva e injusta. Biden estava também convicto que estas múltiplas acusações resultavam dos ataques de diversos opositores políticos e acrescentou que qualquer pessoa de bom senso só pode chegar a uma conclusão depois de analisar este caso: Hunter tornou-se um alvo por ser seu filho. Este tipo de procedimento está errado. Em 1787, quando os Estados Unidos estavam a redigir a constituição federal, adoptaram as disposições da lei britânica que estabelecia o perdão real e introduziram o perdão presidencial na Constituição americana. A Constituição dá ao Presidente o poder de indultar criminosos. O perdão concedido pelo Presidente não pode ser alterado e o Congresso e os tribunais não o podem reverter. O indulto presidencial não tem de ser explicado nem justificado. De um modo geral, o Presidente atribui o indulto por razões de natureza política. O Artigo 2.º da Constituição dos EUA dá ao Presidente o poder de indultar quem tenha violado leis federais. O Presidente pode indultar pessoas condenadas em tribunais federais, mas não pessoas condenadas em tribunais estatais ou por violação de impedimentos legais. A amnistia engloba o “perdão” e a “comutação de pena”. Depois de perdoado, o criminoso já não terá de enfrentar consequências legais; ou seja, nunca será condenado nem irá para a prisão. A comutação é uma redução da pena, como, por exemplo, alterar uma condenação de 30 anos para 3, ou mesmo para retirar a condenação na totalidade. Durante o primeiro mandato, o Presidente Trump usou o seu poder de indulto 237 vezes. Perdoou Charles Kushner, pai do seu genro Jared Kushner, acusado de evasão fiscal e anunciou recentemente que Kushner será nomeado embaixador dos Estados Unidos em França. Durante os seus dois mandatos, o Presidente Obama usou o poder de indulto 1.927 vezes e perdoou um total de 330 pessoas. O Presidente Bill Clinton também perdoou em 2001 o seu meio-irmão Roger Clinton que tinha sio acusado de posse de drogas. No passado dia 12 de Dezembro, a comunicação social americana divulgou que Biden iria perdoar 39 prisioneiros acusados de crimes não violentos, nos quais se incluem uma mulher que chefiou uma equipa de resposta a emergências durante desastres naturais, o Diácono de uma Igreja, conselheiro de toxicodependentes e de jovens, um estudante de biociência molecular e um veterano condecorado. Além disso, Biden vai reduzir as penas de 1.500 prisioneiros. Estes 1.500 detidos estiveram em prisão domiciliária durante a pandemia. Biden afirmou numa declaração: “A América foi construída com a promessa de múltiplas possibilidades e segundas oportunidades. Como Presidente, sinto-me profundamente honrado por poder ser clemente para aqueles que demonstraram remorsos e querem ser reabilitados, dando-lhes a oportunidade de voltarem a participar na vida do dia a dia e de contribuírem para as suas comunidades, e por tomar medidas para eliminar as disparidades quantitativas para os delinquentes não violentos, particularmente para quem foi condenado por crimes relacionados com droga.” As amnistias concedidas por Biden desencadearam grande controvérsia e críticas dentro e fora dos Estados Unidos. Estas críticas vieram não só dos seus opositores políticos, mas também da população em geral e do sector jurídico. Na próxima semana, iremos analisá-las. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.
André Namora Ai Portugal Vozes2025 melhor Hoje termina este 2024. Os portugueses só desejam que 2025 seja muito melhor. O ano que agora finda não deixa muitas saudades. Em muitos aspectos. Tivemos um Portugal cheio de episódios que em nada valorizaram a qualidade de vida das populações. Alguns episódios até degradantes como aquela história da cunha do Presidente da República para que umas gémeas brasileiras passassem à frente de outras crianças portuguesas para serem alvo de uma cirurgia que custou mais de quatro milhões de euros e que até provocou uma Comissão de Inquérito Parlamentar, onde se assistiu às maiores mentiras, desculpas de mau pagador, bodes expiatórios e surpresas nas hostes políticas. Um pouco de tudo aconteceu neste cantinho à beira-mar plantado. Não podemos esquecer antes de mais que passámos a ter um novo governo de direita que em nove meses só tem feito propaganda eleitoral, sempre com o receio que venham aí eleições antecipadas. Caiu um governo de maioria absoluta por causa de um parágrafo num comunicado do Ministério Público que anunciava que o primeiro-ministro António Costa estaria sob investigação. E o que fez o Presidente da República? Simplesmente aceitou a demissão de um chefe do Executivo que não foi acusado de nada e que até hoje nada se sabe sobre que crime terá cometido. De concreto foi a ida de António Costa para um cargo de grande prestígio como o de presidente do Conselho Europeu. Um governo formado pelo PSD, que obteve o mesmo número de deputados que o Partido Socialista, e por um partido do táxi, como é o CDS. Este governo tem tido uma grande preocupação e, nesse sentido, tem levado a cabo um trabalho incessante: substituir todos os presidentes de institutos, directores de instituições importantes, como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o Serviço Nacional de Saúde, que tinham sido contratados pelo anterior governo. Não interessa se as personalidades são competentes ou não, o importante é arranjar “tachos” para os amigos da mesma cor política. Dirão os leitores que todos os governos fizeram o mesmo, mas nunca como neste 2024 sob a batuta de Luís Montenegro. Simples exemplo: António Costa não substituiu Pedro Santana Lopes na gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Eleições antecipadas que nos trouxeram uma surpresa negativa: a eleição de 50 deputados para o parlamento nacional de um partido neofascista. A fuga de Vale de Judeus deixou Portugal vergonhosamente nas bocas do mundo, tendo fugido cinco criminosos dos mais perigosos a nível nacional e internacional. Uma fuga que ainda faz correr muita água por baixo da ponte porque não se compreende como é que um presídio daquela importância nem tina em funções um director. Não se compreende como é que todos os reclusos tinham telemóveis, como é que um dos fugitivos foi pacatamente ao ginásio da cadeia buscar uma escada e transportou-a até ao muro da fuga. Não se compreende ainda por que razão acabaram com as torres de vigia no estabelecimento prisional e muito menos há compreensão para o facto de apenas estar um vigilante a controlar todas as câmeras de vídeo. O certo é que a imagem da segurança em Portugal ficou na rua da amargura. Não podemos deixar de referir os incêndios de Setembro onde, mais uma vez, tudo esteve descontrolado, com vidas em perigo e dezenas de casas de famílias completamente ardidas. Afinal, para que servem os milhões de euros gastos na protecção civil? Feio, muito feio e triste, foi o facto de os “senhores” técnicos do INEM terem entrado em greve e o que aconteceu? 11 mortos por falta de socorro. Um caso revoltante que deixou os portugueses preocupados com o futuro do INEM. Lamentavelmente chegou-se já a falar em privatizar o instituto, o que seria um erro político de palmatória. Não podemos deixar passar em claro nesta resenha do que tivemos em Portugal durante o ano de 2024, o lamentável acontecimento em alguns bairros de Lisboa após um agente da polícia ter disparado a matar contra um morador negro. A partir desse momento foi o caos: caixotes de lixo e dezenas de pneus incendiados, paragens de autocarros destruídas, dezenas de carros incendiados e para cúmulo do descontrolo policial até assistimos que uns energúmenos atirassem um coquetel Molotov para o condutor de um autocarro da Carris que o levou quase à morte, tal a gravidade dos ferimentos por queimaduras. O inacreditável passou-se neste ano em que se comemorou os 50 anos do 25 de Abril. Uma data histórica em que nos foi devolvida a liberdade. Assistiu-se a uma acção policial completamente descabida no Martim Moniz, em Lisboa, onde foram encostados à parede dezenas de cidadão imigrantes, ao bom estilo nazi, e no final encontraram uns gramas de haxixe e um canivete… afinal, para quê anunciar que vivemos num país democrático que cumpre a Carta dos Direitos Humanos? Muitos, muitos episódios haveria por descrever, mas o mais importante é que o povo velho e jovem continua sem uma casa para habitar, continuam os estudantes que terminam o seu curso a emigrar, continuam as reformas miseráveis cujo aumento anual de algumas determinado pelo Governo é de apenas sete euros…, continua a corrupção a alto nível e nos mais diversos quadrantes da política e da vida empresarial, continua a caça à multa dos automobilistas, uma forma de o Governo arrecadar mais uns milhões de euros extra, sendo ao fim e ao cabo mais um vector de impostos indirectos, continuamos a ter um combustível caro, os preços nos supermercados a aumentar todas as semanas e, no fim, Luís Montenegro, na sua primeira mensagem de Natal como primeiro-ministro só soube querer convencer os portugueses que estamos a caminho do paraíso. Portugueses, não! Inacreditavelmente Montenegro na sua mensagem nem uma palavra dedicada aos milhões de portugueses que vivem no estrangeiro. Ignóbil. Bem, não vos entristeço mais e apenas dizer-vos que antes de partir até às Beiras para passar com familiares a mudança de um ano velho para ano novo, quero desejar a todos os amigos leitores deste grande jornal um ano de 2025 com muita saúde, prosperidade e felicidade. Em chinês diríamos Kung Hei Fat Choi…
Hoje Macau Vozes25 anos de transferência de Macau – A grande diferença Por João Severino, jornalista e antigo director do Macau Hoje Em 1982 conversava com o pintor macaense Herculano Estorninho, no Hotel Sintra, em Macau. O tema era pertinente e quase inimaginável. Eu perguntei ao artista se tinha alguma ideia sobre o futuro de Macau quando ambos tínhamos conhecimento de rumores de que um dia a China recuperaria a soberania de Hong Kong, Taiwan e Macau. Estorninho respondeu-me que a lei natural da política chinesa seria direcionada para que um dia recuperasse os três territórios. Estávamos a anos-luz de saber o que e quando poderia acontecer o tal “futuro”. O pintor salientou-me que eu era um jornalista muito atento aos valores políticos, sociais e culturais de Macau e que estava muito embrenhado em todas as especificidades de Macau. Agradeci e voltámos ao tema várias vezes. Certo dia, da década de 1980, um amigo que era íntimo do general António Ramalho Eanes, enviou-me um email dizendo que me preparasse para o “futuro” porque tinham-se iniciado negociações diplomáticas entre Portugal e a China com o intuito de prepararem um acordo para que Macau regressasse à soberania chinesa. De início, senti alguma perturbação psicológica, mas fiquei em silêncio. Não traí a minha função de jornalista porque o meu interlocutor pediu-me o maio segredo sobre o assunto. Mais tarde, a notícia foi pública e o Presidente da República Aníbal Cavaco Silva estava em Pequim ao lado de Deng Xiaoping, a fim de se cumprimentarem devido ao acordo firmado entre os dois países para que o território chinês de administração portuguesa passasse a ser governado sobre a soberania chinesa. Infelizmente, já não tinha Herculano Estorninho para conversar sobre a política macaense, portuguesa e chinesa. Tinha vários amigos macaenses, incluindo Carlos d’Assumpção, que me salientaram o natural desgosto de terem de aceitar que afinal a história não era história. Que afinal, a China não reconhecia que tinha doado Macau a Portugal, como esses macaenses tinham aprendido no banco da escola. A partir daí, assisti a tudo. Ao Grupo de Ligação; à Lei Básica; às visitas últimas dos Presidentes Soares e Sampaio; às obras apressadas; aos convites a imensas personalidades portuguesas para visitar Macau, a maioria dos convites com segunda intenção; à transferência de milhões de patacas para a Fundação Casa de Macau, para a Agência Lusa, para a Expo’98; para os jornais Expresso, Diário de Notícias e outras publicações, quando alguma imprensa de Macau em língua portuguesa vivia no fio da navalha; à tentativa do Presidente Sampaio demitir o governador Rocha Vieira para nomear o seu colega de escritório Magalhães e Silva; ao embarque de dezenas de contentores dos governantes; à transferência dos arquivos e dos quadros com a imagem dos governadores para Portugal à revelia das autoridades chinesas; à construção de um aeroporto cujos custos foram inflacionados a triplicar; ao saneamento e discriminação de jornalistas que não seguiam as directrizes do governador; à injustiça de um tribunal onde certos juízes e procuradores corruptos nem serviam para motoristas de táxi e ao baixar da Bandeira portuguesa e ao hastear da Bandeira da China na noite de 19 de Dezembro de 1999. Conheci cinco governadores e todos eles foram unânimes em me transmitir que Portugal pouca atenção dava a Macau e às suas gentes. Os governantes de Portugal visitavam Macau apenas com a preocupação de passarem pela San Ma Lou e “adquirirem” umas jóias, muito valiosas, para oferecerem às esposas. Carlos d’Assumpção, presidia à Assembleia Legislativa e desabafou comigo que os governadores de Macau faziam e ganhavam o que queriam e que Portugal nunca dignificou os macaenses. Foram 22 anos a assistir ao impensável, terminando por assistir à página mais negra da história de Macau: o governador Rocha Vieira, sem que a quase totalidade dos seus secretários-adjuntos tivessem conhecimento, resolveu transferir para Portugal uma quantia astronómica pela calada da noite (um dia conto-vos a estória do cheque) e esse pecúlio viria a criar a triste Fundação Jorge Álvares, o que poderá ter custado a Rocha Vieira a sua eleição de Presidente da República, cargo com o qual sempre sonhou. Pois, essa Fundação Jorge Álvares que apenas tem servido para certas pessoas que passaram por Macau, teve a desfaçatez de na passagem dos 25 anos da transferência do exercício da soberania de Macau de Portugal para a China de apoiar a edição de uma espécie de livro com alguns testemunhos de oportunistas que só souberam sacar dinheiro do povo de Macau, com a agravante de essa “obra” ter sido coordenada pela pior presidente da administração da TDM e que foi demitida pela tutela da empresa. Igualmente a Fundação Jorge Álvares quis dar a entender que estava a comemorar as bodas de prata da transferência da soberania de Macau de Portugal para a China e organizou uma sessão de discursos no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM). De forma ignóbil. Começou por convidar por email. Depois, assumiu – rebaixando a dignidade da directora do CCCM – o protocolo da sessão de discursos colocando vergonhosamente dois antigos secretários-adjuntos do último Governo de Macau e a esposa de outro secretário-adjunto já falecido na quarta ou quinta fila e o português com mais anos de deputado na Assembleia Legislativa no fundo da plateia. Esta mesma Fundação Jorge Álvares, segundo fontes credíveis, pretende retirar o CCCM da esfera governamental e assumir a sua administração. De todo a rejeitar. Um dia chegará que a Fundação Jorge Álvares não terá mais dinheiro e lá se vai o Centro Científico e Cultural de Macau. Vergonhosamente Portugal não comemorou a data importante dos 25 anos da transferência de Macau. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa enviou uma mensagem de um minuto para a sessão dos discursos. O primeiro-ministro, os seus ministros e secretários de Estado primaram pela ausência. Uma cerimónia que devia ter sido preparada com um ano de antecedência, com a coordenação da Fundação da Casa de Macau e onde a dignidade das relações sino-portuguesas fosse realçada de forma vibrante e amistosa, tal como ficará registado nos anais da História. Passaram 25 anos e a diferença de atitude de Portugal e da China é enorme. Esteve à vista de todos: Portugal abandonou os portugueses que vivem em Macau e nem sequer resolve um problema relacionado com a contratação de professores para a Escola Portuguesa de Macau. A China permitiu o grande desenvolvimento de Macau, permitiu a continuação de órgãos de comunicação social em língua portuguesa, permitiu que residentes de Macau adquirissem casa em Zhuhai e em outras cidades continuando a ser residentes de Macau e tudo tem feito para promover a Região Especial. Apenas um exemplo de grande significado político: enquanto que em Portugal se realizou a tristeza que vos descrevi, a China leva o seu Presidente Xi Jinping a Macau precisamente para comemorar a transferência do exercício de soberania de Macau de Portugal para a China, demonstrando que Macau nunca será esquecido pela mãe-pátria. Passaram 25 anos e a quase totalidade de todos nós já não assistiremos aos 50 anos. O importante é que vivamos com o nosso amor por Macau e sempre com a verdade acima de tudo em defesa de Macau e da sua população.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA geogastronomia “I can say with 100% honesty that Portuguese food is one of the best in the world. If you add the quality of the wine everywhere and the absolutely amazing sweets and pastries, I would argue that a trip to Portugal has few rivals where the food experience is concerned.” Christian Dechery Geograstronomia é uma exploração do lugar através da comida. A geograstronomia é um campo interdisciplinar que examina a relação entre a geografia e a gastronomia. Embora o termo geograstronomia seja relativamente novo e pouco utilizado, as origens da relação entre a alimentação e a geografia remontam às civilizações antigas. Ao longo da história, as sociedades criaram as suas identidades através dos alimentos que produzem e consomem. As regiões desenvolveram tradições culinárias únicas com base nos recursos locais, nas condições climatéricas e nas influências culturais. As práticas agrícolas da antiga Mesopotâmia, as dietas mediterrânicas e as cozinhas asiáticas reflectem a forma como a geografia afecta directamente a gastronomia. O conceito de “terroir” na produção de vinho capta esta ideia de forma sucinta. O “terroir” refere-se aos factores ambientais que influenciam as características do vinho, incluindo o tipo de solo, o clima e as castas locais. Este princípio reconhece que os alimentos não são apenas produtos agrícolas, mas também um produto do seu ambiente. Ao longo do tempo, os padrões de produção alimentar continuaram a reflectir distinções geográficas. Com a evolução dos transportes e da tecnologia, estas distinções começaram a esbater-se, levando à globalização dos alimentos. A geograstronomia oferece informações valiosas sobre a identidade cultural e a sustentabilidade económica. A alimentação desempenha um papel integral na formação das identidades culturais, servindo de meio para tradições e práticas que são transmitidas através das gerações. Por exemplo, as heranças culinárias dos povos indígenas na América do Norte ilustram a forma como a paisagem informa a soberania alimentar e as práticas culturais. A sua dependência de ingredientes locais não só sustenta as suas dietas, como também as liga às suas narrativas históricas. Além disso, a geograstronomia tem-se tornado cada vez mais relevante nas discussões sobre a sustentabilidade económica. Os sistemas alimentares são essenciais para a resiliência das comunidades, e a compreensão do contexto geográfico da produção alimentar contribui para fazer escolhas acertadas que apoiem as economias locais. O movimento “da quinta para a mesa” ganhou força, salientando a importância de consumir alimentos de origem local. Esta abordagem não só reduz as pegadas de carbono associadas ao transporte de alimentos, como também reforça as ligações entre os consumidores e os produtores de alimentos. Muitas pessoas tiveram um impacto significativo no domínio da geograstronomia, moldando a nossa compreensão das ligações entre a geografia e a alimentação. A chef Alice Waters é uma figura proeminente associada ao movimento “da quinta para a mesa”. A filosofia de Waters enfatiza a utilização de ingredientes locais e sazonais, mostrando os sabores da Califórnia. O seu restaurante, “Chez Panisse”, tornou-se um ponto de referência para quem procura alimentos de alta qualidade e de origem local e inspirou uma geração de chefes a explorar práticas culinárias regionais. Outra figura significativa é Michael Pollan, um autor e activista alimentar conhecido pelas suas obras como “The Omnivore’s Dilemma”. Pollan liga os pontos entre a produção alimentar, a sustentabilidade ambiental e a saúde. Defende uma compreensão mais profunda das origens dos nossos alimentos e da sua ligação à terra. A perspectiva de Pollan tem incentivado debates em torno da agricultura ética e do consumo responsável. No domínio da geografia, a Dra. Doreen Massey oferece uma visão das relações e ligações espaciais que também se aplicam à geograstronomia. O seu trabalho sublinha a importância de compreender como os lugares interagem e se influenciam mutuamente. Ao considerar os contextos socioeconómicos da produção alimentar, os investigadores e os profissionais podem abordar melhor, questões como a insegurança alimentar e o acesso a produtos frescos. As perspectivas contemporâneas sobre a geograstronomia destacam a importância do conhecimento local e das práticas tradicionais na produção de alimentos. Nos últimos anos, tem-se registado uma crescente valorização dos sistemas alimentares indígenas. Estes sistemas dão frequentemente ênfase à biodiversidade e à sustentabilidade dos ecossistemas. O renascimento das culturas de herança e das técnicas tradicionais de conservação ilustra uma mudança no sentido de valorizar os conhecimentos desenvolvidos ao longo dos séculos. A geograstronomia também se cruza com a ciência da alimentação e da nutrição, realçando a importância das dietas regionais. Por exemplo, a dieta mediterrânica é reconhecida não só pelos seus benefícios para a saúde, mas também pela forma como reflecte a geografia e a cultura da região mediterrânica. Esta dieta é rica em frutas, legumes, cereais integrais e gorduras saudáveis, realçando as práticas agrícolas locais e promovendo um sentido de comunidade. A minha passagem como Assessor Jurídico do Turismo de Macau onde preparei diversos diplomas legais que foram desde a reestruturação da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) até ao diploma que aprovou o regulamento do novo regime da actividade hoteleira e similar, entre outros diplomas legais, bem como a criação da estrutura legal da Escola Superior de Turismo no âmbito da Comissão Instaladora da Escola Superior de Turismo (CIEST) da qual resultou a criação do Instituto de Formação Turística (IFT), e que actualmente é Universidade de Turismo de Macau seu sucedâneo até às negociações preliminares e participação como co-gerente da Sociedade Bela Vista, Lda por parte do governo conjuntamente com a gerência da parte da STDM liderada pelo querido e saudoso Dr. Stanley Ho, que detinha a gestão do Hotel Bela Vista (actualmente residência do Cônsul-Geral de Portudal em Macau), bem como a passagem como perito na área do Turismo no Grupo de Ligação com vista à manutenção de Macau na Organização Mundial de Turismo e na área criminal com a manutenção de Macau na Interpol fizeram que nunca me desligasse do amor pelo estudo do turismo e do seu direito onde diversos escritos temos produzido e em preparação desculpando a ousadia de um Manual do Direito de Turismo. Nesta série de escritos que serve de interregno aos temas que abordamos iremos escrever sobre a “A geogastronomia e a Ásia”, “A geogastronomia e Macau como Cidade Criativa em Gastronomia da Unesco”, “A geogastronomia e o papel da gastronomia portuguesa em Macau”, “A geogastronomia e o património culinário de Macau”, “A geogastronomia e turismo gastronómico”, “A geogastronomia e o futuro da cozinha tradicional portuguesa em Macau” entre outros temas. O novo governo empossado a 20 de Dezembro de 2024 através do Chefe do Executivo pugna pela diversificação económica que irá ser tarefa difícil dado que 85 por cento das receitas governamentais provêem do jogo. O compromissos e as pressões nas concessionárias para investir e desenvolver as áreas não ligadas ao jogo, como a cultura, desporto e outras passa também por reavaliar a geogastronomia de Macau e cautelosamente estudar e desenvolver os temas acima referenciados com vista a captar mais turistas e oferecer uma gastronomia de qualidade que justifique a atribuição da UNESCO e tal passará muito pelos hotéis, pelos chefes de renome residentes em Macau e ementas que apresentem. Alguns hotéis como o Hotel Lisboeta, começaram a 16 de Dezembro a criação de “três iguarias” portuguesas em que se associou o altamente renomado, conceituado e condecorado com a Medalha de Mérito pela Região Administrativa de Macau (RAEM) em 2013, Chef António Neves Coelho e a sua equipe de Chefes, como o “Croissant de leitão”, o “Queijo de cabra gratinado” e o “Arroz de marisco molhado à moda do Chef Coelho”, entre outras iguarias que pode ser apreciado até 28 de Fevereiro de 2025 no “Angela`s Café and Lounge. O Vice-presidente da área de Alimentação e Bebidas do Lisboeta, Terence Chu afirmou que “a gastronomia Portuguesa é a mais representativa de Macau…”. Macau merece e exige como Cidade Criativa em Gastronomia da Unesco e a gastronomia Portuguesa que na simbiose com a gastronomia Chinesa criaram a gastronomia Macaense que esta iniciativa seja contínua e que o “Angela`s Café and Lounge” se torne um dos restaurantes Portugueses por excelência em Macau e inaugure um ciclo de gastronomia Portuguesa a 1 de Março de 2025, tipo “Roteiro de Sabores” e ofereça mensalmente a melhor gastronomia das diversas e ricas regiões de Portugal. Cumprida a introdução, desejamos um Feliz e Próspero Ano de 2025 a todos os leitores do Hoje Macau.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesAs grandes verdades são sempre simples Para assinalar o 25.º aniversário do regresso de Macau à soberania chinesa, a Estação de Televisão chinesa (CCTV) produziu um programa de opinião intitulado “Cara a Cara”, sendo uma das emissões preenchida com uma entrevista a Sam Hou Fai, o recentemente eleito Chefe do Executivo de Macau, cujo tema era “Sam Hou Fai: As Grandes Verdades são Sempre Simples”. O realizador deste episódio sumarizou no título o conteúdo da entrevista, o que foi uma boa ideia. A frase “Grandes Verdades são Sempre Simples” traduz completamente a filosofia taoista da China, e de alguma forma expressa o mesmo que outras máximas como “o mais belo som é inaudível”, “a melhor forma é a fluida”. Dito de outra maneira, “grandeza em simplicidade” significa que ao entender os princípios e regras fundamentais, e retirando a complexidade das manifestações externas, pudemos compreender a mais pura e simples das verdades. O Presidente Xi Jinping proferiu um discurso na sede das Nações Unidas em Genebra, em Janeiro de 2017, onde afirmou que “As grandes verdades só podem ser compreendidas através das acções e são elas que detêm a chave para a construção de uma comunidade global com um futuro partilhado”. Durante o período de campanha eleitoral, Sam Hou Fai apresentou o seu programa político, consubstanciado na frase “Macau alicerçado no Estado de Direito, dinâmico, cultural e feliz”, um empreendimento que não é fácil de pôr em prática. Depois de Sam Hou Fai e a sua equipa tomarem posse, vão enfrentar desafios mais complexos e difíceis do que aqueles com que o anterior Executivo teve de lidar durante os três anos de pandemia. Depois deste período, as feridas ocultas da sociedade de Macau começaram a vir à superfície, juntamente com as mudanças no cenário económico nacional e internacional e ainda com o impacto potencial das relações Sino-americanas em 2025. Qualquer flutuação geopolítica na Ásia irá criar uma “tempestade num copo de água” em Macau. A primeira página da edição de 15 de Dezembro do periódico “Catholic Weekly” (Kung Kao Po) trazia a manchete “Cardeal Stephen Chow: Cicatrizar Hong Kong e a Igreja através do Concílio”. Assisti recentemente a um Réquiem cantado durante uma missa em Hong Kong e senti como é urgente a cicatrização da Igreja e o mesmo é verdade para Hong Kong, à medida que se esforça para fazer a transição da estabilidade para a prosperidade. Embora a situação de Macau não seja tão desafiante como a de Hong Kong, ainda assim deve evitar a opressão, a exclusão e a confrontação social. Os nomes dos cinco secretários e dos 11 membros do Conselho Executivo do VI Governo da RAEM foram progressivamente anunciados. Depois de tomarem posse, iremos avaliar, com o tempo e através das suas acções, se serão capazes de ajudar Sam Hou Fai a levar a cabo os seus quatro principais projectos, mencionados na campanha eleitoral. “As grandes verdades só podem ser compreendidas através das acções”, deve servir como o princípio orientador para o cumprimento do dever de quem integra o Governo. Há uma série de televisão muito popular na China intitulada “Em Nome do Povo”, que fala sobre a luta do país para levar à justiça os oficiais corruptos. Durante um destes episódios, a fala de um procurador assistente causou em mim grande impacto. O actor que desempenha o papel de um membro de longa data do Partido Comunista declarou que o “Os membros do Partido Comunista carregam sacos de pólvora”, o que significa que estão dispostos a sacrificar-se pelo povo. No enredo da história, alguns ditos membros do partido eram fortemente criticados por trazerem “carteiras”. 25 anos após o regresso à soberania chinesa, com o apoio do Governo Central, Macau registou melhorias significativas na assistência social, na segurança pública e na economia. No entanto, não devemos “esquecer a dor depois da ferida cicatrizar” e ignorar as lições deixadas por ex-membros do Governo como Ao Man Long, Ho Chio Meng, Jaime Roberto Carion e Li Canfeng, que caíram em desgraça durante o desenvolvimento progressista de Macau.
Carlos Morais José A outra face VozesRAEM 25 anos | Portugueses e malteses, às vezes Um quarto de século escorreu desde a transferência de soberania de Macau para a China. E, antes e durante estes cinco lustros, também alguma tinta escorreu na lusa língua e em lusas páginas sobre o destino desta cidade, traçando previsões e apresentando opiniões cuja acuidade, no mínimo, deixou muito a desejar e fazem até surgir um sorriso complacente 25 anos depois. Os portugueses seriam corridos. Os jornais em língua portuguesa desapareceriam, bem como o uso da própria língua. Macau perderia a sua relativa importância enquanto cidade-casino. A cidade tornar-se-ia em apenas mais uma cidade chinesa, como qualquer outra (como se cada cidade chinesa não tivesse a sua identidade própria), engolida por Zhuhai. Uma mão-de-ferro esmagaria as liberdades dos cidadãos. Mas o coro das velhas (da Praia Grande) falhou redondamente nas suas previsões. É que, 25 anos depois, contra numerosas expectativas, a comunidade portuguesa aqui permanece e prospera. Isto é, no mínimo, estranho para muitos. E essa estranheza cresceu sobretudo nos que, tendo aqui vivido, nunca realmente se interessaram por conhecer esta cidade, a sua cultura e o povo que nela habita. A ignorância é, como se sabe, a raiz da maior parte do mal. A capacidade de não ver, de não querer compreender, de apressadamente julgar com base em valores exportados, e com isso adquirir um sentimento de superioridade, marcou decisivamente a postura de alguns portugueses e poderia ter colocado em risco a nossa presença não fosse a China ser o que é: na sua grandeza, ouvir alguns espirros e não os confundir com uma doença. Ainda agora, observando o modo como Macau é referido nos media de Portugal que resolveram fazer uma espécie de balanço destes 25 anos, é espantoso como alguns dos momentos mais importantes para a nossa comunidade são, pura e simplesmente, ignorados. Refiro-me, por exemplo, à criação do Fórum Macau e na designação da RAEM como ponte entre a China e os países lusófonos em 2003. Este acontecimento, por si só, justificou a presença ilimitada no tempo da nossa comunidade e atribuiu-nos um papel relevante. Por outro lado, algumas das características portuguesas de Macau (gastronomia, danças, músicas, etc.) foram realçadas por motivos identitários e turísticos, no sentido de marcar a diferença “europeia e latina” de Macau e criar pólos de atracção. É por isso que temos assistido ao aparecimento de cada vez mais restaurantes portugueses, por exemplo, e de produtos lusitanos nos escaparates de lojas e mercados, que hoje existem em número muito superior ao que existia no tempo em que Portugal administrava este território. E só não haverá mais porque os nossos empresários são algo monos quando apreciam a possibilidade de expandir as fronteiras dos seus negócios. No entanto, em Macau é difícil lembrar um produto português que não exista: do Queijo da Serra ao bacalhau, passando pelo azeite, o vinho, o porco preto, a ginjinha e, claro, o pastel de nata (este produzido localmente), entre muitos outros. Aliás, é reconhecido que apresentam, em geral, mais qualidade que os produtos símiles que são vendidos em Portugal, acrescentando que o seu preço pouco cresce com a viagem já que aqui não lhe são aplicados impostos. Por outro lado, o Fórum Macau e os programas de cooperação têm trazido para Macau numerosos estudantes de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé, Timor e Brasil, o que modificou a paisagem humana da cidade e a sua própria cultura. Além de estudantes, é de registar a presença de professores lusófonos nas diversas universidades e escolas de Macau. E isto não é coisa pouca, porque a chegada destas gentes fortifica a presença da nossa comunidade, cria mais espaços de convívio, expande os horizontes dos seus protagonistas, solidificando e melhorando uma relação de cinco séculos entre a China e a lusofonia. Apesar do governo português ter tomado recentemente atitudes incompreensivelmente agressivas em relação à China, como a proibição total da Huawei no 5G (terá valido a amizade americana e o lugar europeu a António Costa?) e nisso incorrer em perdas de mais de cem milhões de euros, entre outros disparates anunciados, os chineses continuam a manifestar uma enorme paciência para com o nosso país e, por extensão, com a presença da comunidade portuguesa em Macau. A nossa amizade secular devia ser acarinhada, respeitada, impulsionada por novos actores, mas só parcialmente assistimos a isso quando é realizado por gente comum, na medida em que os responsáveis políticos parecem colocar interesses pessoais e partidários acima dos interesses do país e do seu povo. Esquecem também o modo extraordinário como Macau acolheu cerca de dois mil portugueses que aqui desembarcaram à procura de melhor vida, quando o país mergulhou na crise económica de 2011. Pela RAEM, nestes 25 anos, o tecido social mudou radicalmente e para muito melhor, na medida em que o nível de vida da maior parte da população subiu em flecha. Este ponto tão importante, que também nunca é referido nas reportagens lusas, foi fundamental para a manutenção da harmonia social, mesmo quando se tentou criar dissensão e sentimentos de rejeição ao poder central chinês (lá iremos). Mas a verdade é que a população de Macau atingiu um grau de riqueza e satisfação incomparável com o tempo da administração portuguesa. Os jovens vêem abrir-se incontáveis oportunidades de futuro, pelo que têm contado com o apoio sólido (também financeiro) dos sucessivos governos. Foram criadas várias universidades, incluindo a Universidade de São José, filiada da portuguesa Universidade Católica, que contou com generosos subsídios governamentais para a sua instalação. Se não desapareceu totalmente, a corrupção foi combatida e hoje vivemos um ambiente muito diferente dos “loucos anos 90”, quando a impunidade reinava e tudo parecia permitido e em cima das mesas. Muitos dos que nessa altura vieram do “país da cunha”, por Macau reproduziram e exacerbaram os seus comportamentos. Quando o último governador civil de Macau foi acusado de corrupção em 1990, chegámos ao ponto extremo e estúpido de colocar militares no governo, talvez por se considerar ser o único modo de lidar com o assunto. Foi pior a emenda que o soneto. Entretanto, neste período de 25 anos da RAEM se a corrupção não foi extirpada, foi pelo menos combatida: foram presos e severamente punidos (28 e 18 anos, respectivamente) um Secretário das Obras Públicas e um Procurador, o que criou um ambiente de dissuasão e diminuiu o grau de corrupção existente. Também em termos securitários, a presença das tríades na cidade e em redor dos casinos recuou consideravelmente, tornando-se invisível, ao contrário do que acontecia dantes. Quando cheguei em 1990, avisaram-me que a vida humana aqui era barata, que não me devia sentar de costas para a porta nos restaurantes ou nos bares, para ter cuidado com os elementos das tríades que dominavam uma noite onde a prostituição era rex, etc… Talvez exagerassem… Mas hoje Macau é uma das cidades mais seguras do mundo. Também isso mudou. Em termos políticos, é preciso primeiro esclarecer um aspecto que muitos gostam de varrer para debaixo do tapete e que esclarece o que se entende por “um país, dois sistemas”. O que ficou acordado é que Macau manteria, em termos económicos, o mesmo regime “capitalista” durante 50 anos, e em termos políticos também o mesmo, com base na Lei Básica, a mini-Constituição da RAEM, na qual está consagrada a liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, etc. Então que regime político existia em Macau antes da transferência de soberania e que deveria manter-se pelo menos por mais 50 anos? Uma democracia liberal? Representantes eleitos pelo povo em maioria na Assembleia Legislativa? Havia eleições para escolher o governo? Havia liberdade económica, mas coexistiria esta com a liberdade política? Claro que não. Existia um regime colonial em que os membros do governo eram todos portugueses e designados pelo Presidente da República Portuguesa, completamente à revelia da população de Macau, que não era tida nem achada. Existia liberdade de expressão? Sim, porque a Constituição portuguesa de 1975 a garantia, mas quem a exercesse contra o governo ou qualquer dos seus elementos era na prática ferozmente perseguido e a sua vida tornava-se muito difícil para não dizer insuportável. Ocorreram numerosos despedimentos na comunicação social pública, isto é, na TDM, por motivos assumidamente políticos. Outros, simplesmente, por não caírem no goto dos detentores do poder, como acontece em sociedades pequenas, dirigidas por mentalidades diminutas. Curiosamente, foi esta semana lançado um livro sobre os 25 anos de Macau, coordenado pela então presidente da TDM, a mesma que despediu uma série de jornalistas incómodos e manifestou grande intolerância enquanto sentada esteve na cadeira do poder, funcionando como um apparatchik de um regime totalitário, na defesa cerrada e cega dos desmandos da administração lusitana, mostrando que, de facto, é difícil ultrapassar tiques herdados de 48 anos de fascismo. Se o governo chinês, em Pequim, quisesse reproduzir o regime político tal qual existia antes de 1999, teria enviado um Chefe do Executivo e Secretários directamente de Pequim. Contudo, a opção foi “Macau governado pelas suas gentes”, pela primeira vez na História. Imaginem como se terão sentido as pessoas locais que, pela primeira vez, tiveram nas mãos as rédeas da sua cidade. E isto nunca é sublinhado nas reportagens dos media portugueses, vá-se lá saber porquê… Contudo, em termos políticos, teremos que considerar duas fases nestes 25 anos. Durante a primeira, assistiu-se a uma maior representatividade popular nos órgãos de soberania, nomeadamente na Assembleia Legislativa, tendo aumentado o número de deputados eleitos directamente, incluindo elementos extremamente críticos, não apenas do governo local, mas também do Governo Central e das políticas nacionais chinesas. O Chefe do Executivo passou a ser eleito por uma comissão de 400 notáveis locais, com o óbvio assentimento de Pequim. Os membros do governo foram sempre pessoas de Macau, com laços fortíssimos na sociedade, ao contrário do que sucedia anteriormente. O crescimento do Jogo, com o fim do monopólio da STDM, enriqueceu definitivamente a cidade para além dos mais ousados sonhos e criou milhares de postos de trabalho bem remunerados, aumentando assim o nível de vida da população. A segunda fase é desencadeada pela agitação político-social que ocorreu em Hong Kong. Ali, na cidade fundada pelos ingleses, graças à vergonhosa Guerra do Ópio, as potências ocidentais, nomeadamente os EUA e a Inglaterra (cujos consulados albergavam mais de mil pessoas cada!), procuraram por todos os meios criar uma situação em que era entendido que o “segundo sistema” serviria para atacar o “primeiro”, ou seja, o país e o seu regime político. Hong Kong seria, para estas mentes neo-colonialistas e imperialistas, um ponta de lança, em pleno território chinês, para atacar a China. Estudantes manipulados, burgueses assanhados, manifestações bem orquestradas, bem financiadas e dotadas de todos os gadgets possíveis e imaginários, foram permitidas e toleradas meses a fio, um período de tempo insuportável para qualquer país (em Wall Street, os manifestantes pacíficos, ao contrário de Hong Kong, foram removidos após 28 dias!), até que a cidade se encontrou totalmente paralisada e dividida. Nas ruas, sugeria-se a independência e a intervenção de Donald Trump, até de tropas estrangeiras. Outros pugnavam, com bandeiras, pelo regresso dos colonizadores ingleses. Chegou-se ao ponto de dezenas de elementos estranhos ocuparem uma universidade e dela quererem fazer um castelo inexpugnável às autoridades. Enfim, tudo foi feito para provocar uma reacção violenta de Pequim, do género mandar entrar o exército para acabar de vez e com sangue com a balbúrdia. Contudo, os governantes chineses foram mais espertos que isso. Ao invés do exército, enviaram uma lei: a Lei da Segurança Nacional e a partir daí muito mudou em Hong Kong e por extensão em Macau. Para a China, era claro que não podia admitir que o “segundo sistema” fosse aproveitado para atacar o “primeiro”, e como tal passou a ser considerado traição à Pátria pugnar pela independência de qualquer das duas regiões especiais. Assim, os “independentistas”, os que pediam a intervenção de tropa estrangeira, foram presos, julgados e condenados. Com a Lei da Segurança Nacional, a balbúrdia acabou e Hong Kong regressou à normalidade, não sem ter sofrido importantes golpes no seu prestígio enquanto centro financeiro da Ásia, devido a anos de paralisia e insegurança, motivados pelos protestos. Uma importante mudança política também ocorreu quando se definiu “Hong Kong governado por patriotas”. Tal decisão excluiu imediatamente da vida política uma série de actores cujo desempenho passava basicamente por servir os interesses estrangeiros em Hong Kong, nomeadamente para atacar o governo do país. Infelizmente, na enxurrada terão ido outros cujos objectivos não eram esses, mas que se viram misturados no bolo, talvez por se terem, inocentemente ou não, prestado a um lamentável papel. E, também infelizmente, esta política estendeu-se a Macau, embora por aqui nunca tenha ocorrido nada de semelhante. Tal facto limitou a eleição para a Assembleia Legislativa de vozes incómodas, não porque, na maior parte dos casos, defendessem interesses estrangeiros ou atacassem o Governo Central, mas porque se referiam às políticas dos governos locais, que nem sempre corresponderam às aspirações populares. Ou seja, por causa do que se passou em Hong Kong, Macau levou por tabela, embora nunca na RAEM tenham acontecido desmandos como os da ex-colónia britânica. Assim, agora também a RAEM é “governada por patriotas” e, por causa da Lei de Segurança Nacional, está fora de questão assumir quaisquer veleidades separatistas. Aliás, Macau, ao contrário de Hong Kong, havia aprovado uma lei de segurança nacional em 2009, cumprindo assim o artigo 23º da Lei Básica. Curiosamente, ninguém foi até hoje acusado em Macau de ter violado essa lei de 2009, nem a lei que a substituiu. Ou seja, nunca foram detectados pelas autoridades em Macau crimes de traição, sedição, etc., contra o estado chinês, que tenham chegado a tribunal. E, no entanto, um caso concreto motivou muito barulho e uma série de reacções em cadeia, nomeadamente na área da comunicação social, com repercussões sobretudo na comunidade portuguesa: a mudança editorial na TDM. Convém, desde já, lembrar que a TDM pertence ao governo de Macau, que paga na totalidade as suas despesas. A TDM nunca deu qualquer lucro, sendo pelo contrário um sorvedouro de muitas dezenas de milhões anuais. Os seus jornalistas são, de longe, os mais bem pagos de Macau e desfrutam de regalias inexistentes para os seus colegas de profissão que trabalham na privada. Ora durante os protestos de Hong Kong, sobretudo na sua fase final, os telejornais da TDM estavam, claramente e sem pudor, do lado manifestantes, ignorando completamente as posições governamentais locais ou do país. Obnubilados e delambidos pela defesa da “liberdade”, repórteres enviados para Hong Kong cobriam unicamente um dos lados da questão, nunca se preocupando em ouvir a outra parte, fosse ela o governo ou a parte da população que não estava com os manifestantes. Depois, durante meia-hora, surgia sempre o mesmo comentador: um advogado português, cujo principal cliente era uma empresa de Taiwan com ligações ao exército, desbundava acusações feéricas, afirmando que em Hong Kong estávamos perante “a maior violação dos direitos humanos desde a II Guerra Mundial” (!). Isto entre numerosas tiradas contra o governo chinês, reproduzindo a mais banal e rasca propaganda anti-China, ao nível de uma qualquer Fox News, entrecortadas por expressões de ódio e esgares alucinados. Nisto se transformou, durante um ano ou mais, a informação que era debitada diariamente pelo telejornal da TDM, uma estação de televisão pública. Nas redes sociais, as mesmas criaturas insultavam ad hominem quem não seguia a sua cartilha, quem não rezava pelas contas do mesmo rosário. Eu nunca tinha ouvido falar de um órgão de comunicação estatal que ataca, em primeiro lugar e sem peias, o mesmo estado que o sustenta, na prática defendendo a subversão e a queda do regime. Durante a administração portuguesa, por exemplo, em muito menor grau, tal não foi tolerado, como já vimos. Mas é claro que isto não podia durar para sempre e o Conselho de Administração da TDM viu-se obrigado a intervir, estabelecendo uma nova política editorial. Ora isto foi mal recebido por alguns jornalistas portugueses da TDM (10, entre rádio e televisão, num total de 34) que, sem terem sido despedidos, recusaram aceitar as novas regras e abandonaram pelo seu pé a empresa, tendo na maior parte dos casos regressado a Portugal onde, com uma ou duas excepções, parece que se dedicam a fazer suplementos sobre empresas ou trabalham em OCS neo-liberais ou de extrema-direita, exercendo certamente assim, a seu ver, uma total liberdade jornalística e a sua sinofobia. Fizeram bem, pois não haviam reparado que estavam na China e trabalhavam para uma empresa estatal. Acontece… Quanto à comunicação social privada em língua portuguesa, nada de relevante se passou. Os donos dos jornais em língua portuguesa são jornalistas e não empresários, por isso estão dependentes unicamente das suas próprias linhas editoriais e nunca houve queixas de intervenção ou ameaças por parte do governo local. Enfim, pela pena pesada de alguns destes ressabiados, surgiu em Portugal uma maledicência constante contra os jornalistas que ficaram em Macau, o que se traduziu em reportagens ignóbeis, recheadas de segundos sentidos e mentiras óbvias sobre os seus colegas de profissão e o estado dos órgãos de comunicação social (OCS) em Macau. Algo muito raro no mundo do jornalismo e que só OCS sem dignidade, nem sentido de classe profissional, são capazes de publicar. Foi o caso do Expresso, por exemplo, que escancarou as pernas a esta ignomínia. Não faço ideia se este OCS terá sido bafejado com parte da verba que os EUA destinam à propaganda anti-China, talvez através da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), uma das máscaras da CIA em Portugal, mas ainda que seja esse o caso, nada justifica ataques soezes a colegas de profissão. Por Macau, os jornais em língua portuguesa, ao invés de desparecerem, não só continuam a existir, como surgiu, entretanto, um novo semanário bilingue. As suas linhas editoriais são distintas e, amiúde, críticas das acções do governo local, denunciando falta de transparência, carências e/ou arbitrariedades. Ouvi também numa reportagem recente da TVI que sobrevivemos à conta de subsídios do governo. De facto, é certo que a ignorância é atrevida e a mentira não custa bolçar, tem é perna curta, cujo passo apenas encontra eco na maledicência frustrada de café. Basta consultar o Diário do Governo para ficar com a noção de que o subsídio anual atribuído pelo governo aos OCS paga pouco mais que um mês de despesas e não é a sua existência que nos permite a sobrevivência. Este subsídio foi criado pela administração portuguesa, baseada no facto que o mercado é muito pequeno e tal dificulta obviamente a sobrevivência dos OCS. Chamavam-lhe o “subsídio do papel”, pois acreditava-se que pagaria a impressão dos jornais. Tinha direito a ele quem publicasse, pelo menos, durante cinco anos. De 2001 a 2006, o Hoje Macau não recebeu quaisquer subsídios governamentais e isso não impediu a nossa existência. Após 1999, a administração chinesa manteve-o e é isto. Mas isto parece que causa raiva a muita gente, inveja noutras, o que explica o fedor exalado dessas mentes pouco limpas. Basicamente, os jornais são sustentados, com grande esforço da nossa parte e rigor orçamental, pela publicidade e por edições especiais sobre diversos temas, consoante o OCS em questão. De uma vez por todas, perceberam? Ou será preciso fazer um desenho, a três dimensões e cores garridas, para perceberem melhor? A verdade é que a comunidade portuguesa é altamente apoiada e protegida em Macau. A nível de associativismo, a Casa de Portugal existe e funciona porque recebe um subsídio anual do governo de alguns milhões de patacas, o que lhe tem permitido desenvolver numerosas actividades educativas, artísticas e lúdicas, dispondo de excelentes instalações, em vários pontos da cidade, e de um restaurante. Isto além de fornecer empregos a muita gente. E, sendo a principal, não é a única associação de portugueses que desfruta de apoios governamentais. Entendamo-nos: nos últimos anos de administração portuguesa a palavra de ordem era “levar” e não “deixar”. Os nossos governantes estiveram preocupados em sacar o que puderam (o número de contentores foi astronómico) e não em deixar bases concretas para a permanência da comunidade portuguesa em Macau. Diziam-me: “isto agora é para os chineses”, não entendendo o que significava uma presença de cinco séculos e a existência da comunidade macaense, com raízes seculares nesta terra e que, naturalmente, não desejava abandonar. A propósito, uma última palavra: é graças à comunidade macaense que os portugueses puderam permanecer em Macau durante tanto tempo. Foi sempre essa comunidade que soube encontrar os equilíbrios necessários entre dois povos culturalmente tão diferentes, de modo a diminuir potenciais conflitos e servindo de intermediária na comunicação. Este foi um trabalho de séculos que hoje nos colocaria numa situação de vantagem em relação aos outros países europeus nas relações com a China, assim soubessem os nossos governantes respeitar e aproveitar a situação que a História nos outorgou. Portugal tem uma dívida enorme para com esta comunidade. São contas ainda por saldar.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos (IV) “How much evil we must do in order to do good.” Reinhold Niebuhr Sem a dolorosa possibilidade de ver a vida como caos, a nossa ordem civilizada tornar-se-ia estéril, egocêntrica, solipsista e nós próprios tornar-nos-íamos arrogantes na “hybris” do nosso poder intelectual. Para além das influências mútuas entre o mundo académico e a liderança, o escrutínio histórico mostra o que está realmente em jogo. Na América, o pensamento, e não apenas o do Estado, é cada vez mais rígido e unilateral. Na Guerra Fria, isto não era um grande problema, pois o inimigo, único e absoluto, disciplinava o espírito; a educação dos estadistas era mais humanista e polvilhada de alta literatura; a experiência pessoal, de guerra ou de catástrofes familiares, completava a educação. Hoje, estes três factores estão ausentes. Os inimigos são demasiados e não são tão assustadores, por isso não disciplinam (ainda); a história e os clássicos são cada vez mais retirados do currículo; as escolas de serviço diplomático encerram os estudos da área e a aprendizagem de muitas línguas; a geração mais jovem é a mais protegida de sempre. Como é que um americano pode aprender a tragédia, a transitoriedade da ordem, os compromissos do poder, a comparação de pontos de vista? Como é que este ambiente pode evitar a formação de cruzados prontos para o choque de civilizações? Ou o seu oposto, cidadãos submissos, incapazes de compreender o que está em jogo? Vejamos dois exemplos, sintomas de outros tantos problemas de fundo. Em primeiro lugar, o ensino universitário incita ao moralismo utópico. O longo casamento entre o mundo académico e o império está a divorciar-se. Os “think tanks” de Washington substituíram as universidades no fornecimento de ideias e pessoal para a burocracia, com o efeito de aumentar o conformismo. Os mandarins da política externa acusam os académicos de instruírem os jovens com ideias impraticáveis e prejudiciais, tais como a redução do papel da América no mundo, sem um conhecimento prático de como o fazer. O problema é mais vasto e diz respeito à relação com o poder. Os estudantes americanos perderam toda a familiaridade com a razão de Estado. Isto pode ser visto num ensaio recente de Hal Brands na Foreign Affairs. Até que ponto temos de fazer o mal para fazer o bem?, pergunta-se o autor, citando o teólogo Reinhold Niebuhr. Para dizer o óbvio de que a era do conflito que se abriu entre a América e os seus rivais torna-se inevitavelmente uma era de amoralidade, porque a única maneira de proteger um mundo apto para a liberdade é cortejar parceiros impuros e cometer actos imorais. Não há razão para nos sentirmos demasiado embaraçados por recorrermos ao jogo sujo se não tivermos autoconfiança suficiente para defender os nossos interesses, não teremos sequer a força para fazer grandes coisas. Segue-se um catálogo bastante óbvio de um “ethos” capaz de resistir aos compromissos necessários; a moral é uma bússola, não um colete-de-forças; não caímos em utopias e falsas alternativas; o bem não surge de repente, nem o mal é cometido para sempre; os ganhos marginais contam; os males causados devem ser proporcionais ao objectivo; defender os nossos valores é mais do que intimidar os tiranos. O baixo nível das recomendações, obra de um professor universitário íntimo dos “apparatchiks”, sugere que o público-alvo é a geração mais jovem, desiludida com o desempenho dos Estados Unidos no mundo. Tão esmagados pela culpa que não estão preparados para as funções mais básicas do poder. A operação pedagógica de Brands não é inteiramente nova. Diz respeito ao eterno e íntimo conflito americano com a razão de Estado. Com a ideia, crucial na cultura americana, pelo menos a partir de Wilson, de que o Estado não pode reivindicar uma moralidade própria. Cada geração chamada a combater, desde os conflitos mundiais à Guerra Fria e à Grande Guerra actual, tem de renegociar o pacto com a sua própria alma. No entanto, dizer que o Estado deve fazer o mal em busca do bem não é renegociar um pacto. É a base que falta. É o efeito de uma deslegitimação sistemática às mãos da cultura dominante na América, em particular das teorias agora conhecidas como “wokistas”, que desde os anos de 1960 identificaram todas as formas de poder constituído como a fonte da discriminação que deve ser corrigida, uma prioridade máxima para tornar a sociedade americana finalmente justa e moral. As instituições deram-lhe o seu próprio cunho, deslegitimadas pelas derrotas no estrangeiro e pela falta de consideração pelo sofrimento da classe média. Mas tal como o poder não deve ser idolatrado, também não deve ser demonizado. Corre-se o risco de paralisia. O segundo exemplo da dificuldade americana em cultivar a sensibilidade trágica diz respeito à cultura popular. Com a literatura inteiramente centrada no indivíduo, mesmo quando encena o colapso social, restaria o cinema. Recentemente, foram lançados nos Estados Unidos dois filmes que imaginam um futuro colapso da ordem. O filme “Leave the World Behind”, produzido pela empresa de Barack e Michelle Obama, conta a perplexidade de duas famílias quando os Estados Unidos são atingidos por um ataque cibernético devastador de potências estrangeiras, completado por uma insurreição interna. O filme “Guerra Civil”, um grande sucesso de audiências, segue uma equipa de reportagem que tenta chegar a Washington no meio de uma guerra entre pelo menos quatro exércitos, desencadeada pela rebelião contra um presidente que procura um terceiro mandato. Nenhum deles investiga enquanto a catástrofe se abate sobre a América. A remoção é total em “Guerra Civil”. Ao mesmo tempo que mostra cenas terríveis, não assusta, tudo é leve, superficial. Renuncia voluntariamente à reflexão sobre as causas da guerra, que se deduz ser justa por ser dirigida contra um usurpador. No entanto, as razões dos combatentes estão ausentes. Proibido sentir empatia, proibido compreender. Nas palavras do protagonista, um fotojornalista desiludido diz que não perguntamos. Registamos para que outros perguntem. Mais explícito ainda é o realizador, Alex Garland que afirma que quando as coisas se tornam extremas, as razões pelas quais se tornaram extremas deixam de ser relevantes. É a ponta da faca que permanece relevante. “Guerra Civil” é estéril, emblemático de uma América onde não se pode relacionar os argumentos de um e de outro porque se chocaria com toda a gente. Diz-se que Ronald Reagan foi inspirado a negociar tratados de limitação de armas com a União Soviética por “The Day After”, uma adaptação televisiva do relatório sobre os “Efeitos da Guerra Nuclear” encomendado pelo Senado no final da década de 1970. O filme “The Day After” era uma obra de ficção. Essa obra de ficção baseou-se nos conhecimentos científicos e estratégicos disponíveis para imaginar a realidade e convidar à acção. Actualmente, o cinema americano cai no niilismo. Não sugere o comportamento para evitar a anarquia. Apenas diz que a América está condenada. O resultado é tetanizante. Não é tragédia, é apocalipse. Mas a tragédia é um aviso, o apocalipse é uma profecia. Levada pela embriaguez da sua missão, desorientada por teorias que queriam justificar-se, a América violou repetidamente, nas últimas décadas, as antigas lições de bom senso contidas nos clássicos. Contravenção máxima, a de fazer guerras sem fim, sem fim porque sem objectivo. Em vez de inculcar nos cidadãos um medo absoluto da guerra, de modo a convencê-los da sua indispensabilidade quando necessário, abusou dela ao ponto de os convencer do contrário, ou seja, de os tornar relutantes em defender o império e a ordem. Não é de admirar que a pedagogia imperial já não funcione, que o moralismo paralise as gerações mais jovens, que a raiva interna não possa ser descarregada para o exterior. A perda de sensibilidade trágica, tanto na população como na classe dirigente, é um factor poderoso na atrofia mais geral do pensamento estratégico nos Estados Unidos. No actual momento de confusão, uma contradição emerge do conhecimento dos clássicos. Os Estados Unidos devem defender a ordem a todo o custo porque é melhor do que a anarquia, mas a imposição da ordem, objecto de contenda com os seus rivais, pode contribuir para a própria anarquia. Poderão os Estados Unidos mudar de atitude com a mesma classe dirigente? Poderão mudar a classe dirigente sem desencadear um terramoto mundial? A margem de manobra para dividir estas questões é cada vez mais estreita. O desafio é encontrar o equilíbrio certo entre redescobrir o medo colectivo e moderar as ambições de cada um. O conceito de tragédia pode ser utilizado para apoiar teses opostas, mas entrar nestes dilemas sem a sua sabedoria pode ser fatal.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos – III O implacável Paul Nitze, decano dos “apparatchiks” diria que quase tudo o que tem sido escrito e ensinado sob a bandeira da ciência política na América desde a II Guerra Mundial tem sido contrário à experiência e ao senso comum. Também tem sido de pouco valor, se não mesmo contraproducente, como guia concreto para a política. Ainda mais abrasivo é o historiador Bruce Kuklick que diria que os intelectuais serviram para legitimar as políticas, não para as impulsionar. A função básica, embora não a única, das ideias estratégicas era fornecer aos políticos ficções que dessem sentido à opinião pública. A crítica do filósofo britânico Mark Bevir era de que a história da ciência política é menos uma história de estudiosos que testam e melhoram teorias referindo-se a dados e mais uma história de apropriação e transformação de ideias, muitas vezes obscurecendo ou obliterando significados anteriores, para servir novos objectivos em diferentes contextos políticos. A questão é que não foram as ciências sociais que informaram o poder, foi o poder que seleccionou as teorias que justificavam o que ele achava que tinha de fazer. Vemos isto em acção quando os Estados Unidos, no final da Guerra Fria, se convencem de que é tempo de alargar o sistema internacional criado em 1945 a todo o mundo, de globalizar. Uma ambição partilhada por duas administrações, a de Clinton e a de Bush filho. Mesmo com as suas inegáveis e radicais diferenças, partilharam a ideia de que o poder tecnológico, económico, cultural e militar permitiria à América estender a sua influência centrada na democratização, na interdependência comercial e no primado do direito. A ser alargada pela persuasão ou imposta pela força. As teorias nascidas na esfera económica ou social ganham assim popularidade, estendida aos assuntos internacionais devido ao súbito desaparecimento do elemento conflitual, devido à ausência de antagonistas ao modelo liberal-democrático. É o caso da escolha racional, da maximização do interesse (económico) ou do funcionalismo institucional. Difundem-se determinismos políticos como a teoria da paz democrática, segundo a qual o tipo de regime determina uma política externa plácida e centrada na procura do bem-estar económico. Com origem na década de 1980, com o influente artigo de Michael Doyle em Kant, foi defendida pelos governos Reagan e Clinton, acabando por ser incluída em documentos oficiais como a Estratégia de Segurança Nacional de 1994, defendendo que todos os interesses estratégicos americanos, desde a promoção da prosperidade a nível interno até ao controlo das ameaças globais antes de atingirem o território americano, baseiam-se no alargamento da comunidade das democracias e dos mercados livres entre as nações. A falta de utilidade destas teorias reside, em grande medida, na atribuição de uma racionalidade abstracta e absoluta aos sujeitos históricos. Muitas vezes, entende-se a racionalidade económica, embora as escolhas geopolíticas quase nunca sejam feitas com base num cálculo material de custo-benefício. Ou então é entendida como uma racionalidade ocidental, ignorando o peso das diferentes culturas nas decisões relativas a factores intangíveis como o custo e a honra nacional. Ou então, os factores irracionais, emocionais, sentimentais, difíceis de medir e, no entanto, ponderáveis, são completamente eliminados. Aqueles que secam tudo à pura racionalidade nunca leram as “Memórias do subsolo”, de Fiodor Dostoievski, um hino ao livre arbítrio da auto-destruição. Qualquer disciplina corre o risco de uma racionalização excessiva. Mesmo a geopolítica, se cair no erro de atribuir um carácter determinista as observações deveriam ser casuísticas e dinâmicas, ou seja, sujeitas ao inevitável desgaste do tempo. Em suma, as ciências sociais sofrem de uma falta de consideração pelos pontos de vista dos outros. É um outro ponto de contacto com a ideia de que a América tem de si própria e da sua missão universal. De que serve o vosso ponto de vista se eu sou o melhor a que podem aspirar? Paralelamente, se eu tiver a teoria certa e os dados que seleccionei a provarem, ela funcionará independentemente da sua vontade. Vejamos novamente Kaplan, quando cita o ilustre classicista Charles Segal de que a tragédia existe como uma forma de arte para que não esqueçamos as dimensões da vida que existem para além das estruturas da civilização.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMediação em Hong Kong Lam Ting-kwok, Secretário da Justiça de Hong Kong, tinha anunciado a criação do “Hong Kong International Legal Talent Training Institute” a 8 de Novembro do corrente ano e ainda a revisão abrangente das qualificações profissionais e dos procedimentos disciplinares do sistema de mediação de Hong Kong, até ao final de 2024. Além disso, esperava que viessem a ser introduzidas clausulas de mediação nos contratos celebrados pelo Governo de Hong Kong durante o primeiro trimestre de 2025, encorajando assim as empresas privadas a recorrer à mediação para solucionar litígios. Hong Kong irá criar simultaneamente o “Tribunal Internacional de Mediação”, uma “Organização Internacional Inter-governamental” especializada em lidar com litígios internacionais através da mediação e que estará sediada em Hong Kong. Os quadros que vão estar ao serviço neste tribunal vão receber formação e entrarão em funções em 2025. Todas estas medidas ajudarão Hong Kong a tornar-se a “Cidade da Mediação”. A promoção da mediação pelo Governo de Hong Kong não aconteceu de um dia para o outro. Já em 2012, Hong Kong tinha promulgado a “Portaria de Mediação”, e na secção 4 estipulava-se que a mediação é um procedimento no qual um ou mais mediadores certificados e imparciais identificam os motivos do conflito procurando vias de entendimento, formulando soluções e fortalecendo a comunicação entre as partes em litígio e obtendo finalmente um acordo total ou parcial. Outro acto legislativo que promove em larga escala a mediação é a “Portaria de Desculpas”, promulgada em Hong Kong em 2017. Esta Portaria incentiva as partes desavindas a desculparem-se, impede que os conflitos se agravem e ajuda a resolver as disputas amigavelmente. A secção 7 prevê que, na maioria dos processos cíveis, um pedido de desculpas não é uma admissão de culpa ou de responsabilidade legal. Quando o tribunal analisa um caso de disputas, não considera que quem apresenta este pedido se ache culpado. A secção 8 estipula que a apresentação de um pedido de desculpas não deve por norma ser considerada como prova contra a parte que o efectuou. Em termos de cooperação regional, o Governo de Hong Kong e o Ministério do Comércio da China continental assinaram, a 28 de Junho de 2017, um “Acordo de Investimento” ao abrigo da “Acordo de Parceria Económica Para o Estreitamento entre o Interior da China e Hong Kong”. O mecanismo de mediação de litígios em matéria de investimento entre a China continental e Hong Kong ficou assim clarificado. Tanto o Governo de Hong Kong como o Ministério do Comércio da China continental designaram instituições de mediação e mediadores responsáveis para a resolução de litígios relacionados com investimentos e, a 14 de Dezembro de 2018, a lista dessas instituições e mediadores foi anunciada. A partir de então, na segunda reunião conjunta dos departamentos jurídicos da Área da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau, realizada em 2020, foi adoptado por todos eles um plano de trabalho para a criação de uma plataforma de mediação nesta zona e foram formulados critérios de qualificação unificados, revisão de certificados e os padrões de mediação para que a Área da Grande Baía promovesse o estabelecimento de listas de mediadores locais qualificados em cada uma das três regiões. Na terceira reunião conjunta, realizada a 10 de Dezembro de 2021, foram adoptadas as “Normas de Avaliação da Autonomia de Mediadores da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau” bem como o “Melhor Código de Conduta Profissional para Mediadores da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, que entraram em vigor a 30 de Março de 2022. Segundo as “Normas de Avaliação da Qualificação dos Mediadores da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, os departamentos jurídicos de Guangdong, Hong Kong e Macau devem formular regulamentos locais de avaliação de qualificações baseados nas condições concretas de cada região e todas elas devem avaliar e aprovar os seus próprios mediadores e formar uma equipa aprovada pelas três. A lista de mediadores deve ser apresentada à Comissão de Trabalho para a Mediação da Área da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau para aprovação. A lista aprovada de mediadores da Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau será finalmente formada. Todas estas medidas demonstram que o Governo de Hong Kong não está a poupar esforços para promover a mediação. O Governo de Hong Kong tomou em consideração todos os detalhes, em termos de instalações, de políticas adoptadas, de sistemas, da legislação, da formação de quadros, quer ao nível internacional quer ao nível do interior da China. As perspectivas do desenvolvimento do sistema de mediação em Hong Kong são radiantes. Mas para as partes em litígio qual é a mais valia de um mediador? O facto de os mediadores receberem uma formação credenciada é sem dúvida uma condição que inspira confiança às partes em litígio. Mas ainda mais importante é a vontade de ambas as partes se sentarem à mesa e aceitarem a mediação porque acreditam que o mediador pode ajudar a resolver o litígio entre elas, por conseguinte, ganhar a confiança de ambas as partes é um factor chave para a aceitação da mediação. Para a mediação ser bem-sucedida, o Governo de Hong Kong deve esforçar-se para aperfeiçoar os sistemas que a suportam e os mediadores devem dar o seu melhor para esmerar as suas capacidades mediadoras de forma a conquistarem a confiança das partes em litígio. Desta forma, o sistema de mediação de Hong Kong será definitivamente capaz de alcançar um nível mais elevado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesFartaram-se! Fartaram-se! Os bombeiros sapadores fartaram-se de ser desprezados durante 22 anos. Mulheres e homens profissionais municipalizados em todo o país puseram e põem em risco a vida no incêndio do Chiado, nos vários incêndios em prédios degradados, em florestas abandonadas, em fábricas de indústria perigosa. Receberam o aplauso e a presença das autoridades nos funerais. Nada mais. Depressa essas mesmas autoridades nunca se preocuparam com o salário miserável ou com o subsídio de risco não existente para os bombeiros sapadores. Estas mulheres e homens são considerados pelo povo como “heróis”, como “soldados da paz”. Defendem todos quantos portugueses se encontram em situação grave de perigo de vida. Muitos têm dado a vida a combater os mais diversos incidentes. Os bombeiros sapadores reivindicam acertos salariais para compensar o aumento da inflação, conforme foi atribuído às demais carreiras da Função Pública. Exigem ainda a regulamentação da carreira, onde sejam contemplados os suplementos de risco, penosidade e insalubridade, bem como a disponibilidade permanente, em percentagem e à parte do vencimento base. Há dias, o acontecimento nacional foi a marcha de centenas de bombeiros sapadores a caminho da sede do Governo, porque realizava-se ali uma reunião entre o secretário de Estado da tutela e os sindicatos representativos dos sapadores. A marcha e a manifestação em redor da sede do Governo, no Campo Pequeno em Lisboa, não foi violenta e não passou da normalidade que se tem assistido com manifestações anteriores de outras profissões. Podemos discordar que os sapadores bombeiros não deviam tem lançado petardos e tochas. No entanto, não foi razão para ditatorialmente o Governo cancelar de imediato a reunião com os sindicalistas alegando falta de segurança. Só para rir. Falta de segurança num edifício rodeado de polícia de choque? Os governantes em reunião nem sequer ouviram o ruído e as palavras de ordem lançadas pelos manifestantes, porque o edifício onde funciona agora o Governo, antiga sede da Caixa Geral de Depósitos, tem todo ele vidros duplos. Os governantes, incluindo o primeiro-ministro apenas tomaram conhecimento do que estava a acontecer através dos canais de televisão. Mais absurdo, foi Luís Montenegro ter afirmado que não haveriam mais reuniões com os representantes dos bombeiros sapadores devido ao ambiente de coacção junto da sede do Governo. Caricata atitude governamental que só dá razão aos sapadores quando afirmam que são desprezados há 22 anos. Se os médicos e enfermeiros fazem greves, imaginemos uma greve indefinida por parte dos bombeiros sapadores. Como dizia um dos cartazes dos manifestantes: “Está a arder? Chamem os políticos!”. Um incêndio na baixa de Lisboa ou na Ribeira do Porto, com os sapadores em greve não será uma tragédia? O Governo não entende que esta classe profissional arrisca a vida durante 24 horas de serviço pelo bem da população? Uns miseráveis aumentos de vencimento e de subsídio de risco irá afectar o Orçamento do Estado quando se enviam centenas de milhões de euros para a guerra na Ucrânia? Uma coisa é certa. Mesmo com petardos e tochas para melhor chamar a atenção, o povo português está ao lado dos sapadores bombeiros por se tratar de uma luta justa. E não venha cá o partido populista Chega tentar aproveitar-se desta luta para caçar votos, como já o tinha feito com os polícias. O Chega apenas está desesperado politicamente após ter colocado tarjas propagandísticas nas janelas da Assembleia da República, património nacional e não património do Chega. Por estas e outras, os radicais de direita apresentam nas últimas sondagens um resultado que lhes provoca esse desespero de apenas anunciarem baboseiras contra a democracia. Os últimos resultados de um inquérito nacional apresentam o Chega com apenas 12 por cento das intenções de voto dos portugueses. É importante que o Governo faça marcha-atrás e regresse à mesa das negociações com os representantes dos bombeiros sapadores, mas não para mais uma conversa da treta. Tem de ser uma reunião que resolva as reivindicações desta classe profissional que trabalha no socorro da população portuguesa. Infelizmente, passado mais de uma semana e os governantes continuam a afirmar que as negociações reiniciam-se quando não existir pressão ao redor da sede do Governo por parte dos bombeiros sapadores. Demagogia política. Os bombeiros têm estado pacificamente a aguardar uma solução para a sua situação. Após um desprezo de 22 anos, será que a ineficácia governamental irá continuar? Esperemos que não. P.S. – Lamentavelmente não está prevista em Portugal qualquer cerimónia oficial ou oficiosa ou mesmo um jantar comemorativo das bodas de prata da transferência de Macau de Portugal para a China.
Amélia Vieira VozesO sonho de Calderón Calderón de la Barca é já por si um nome que nos remete para uma área de fábula – uma barca, um caldeirão – receptáculos de travessias e alquímicas transformações, assim se nomeia este nomeado que adjetivamos sempre com prodigalidade, talento, vida longa, saber e carisma, que o tornaria o mais ilustre escritor barroco e o elevou a uma referência mítica da sua Idade de Ouro, deixar de o ver é como ficar cego, deixar de o cumprimentar um descuido civilizacional de desleixo e descaso, temos o dever de reanimar, de os reanimar dessa imortalidade eterna, sim, onde um nome não seja somente a pedra de um sepulcro ou uma circular nas ruas das cidades. Com ele e com Lope de Vega nos iremos então encontrar neste breve encontro, que a vastidão de que deram provas é inibidora de grandes descrições, e devia até existir um Teatro só para vogais quando fosse necessário mencioná-los; La Barca seguiu Vega, transformou, desbastou, colocou o centro que estava na periferia e nasceram então as maças de ouro das Hespérides, que no meio de muita folhagem perdem-se os tesouros. Estamos no século XVII, onde nasce logo no seu início em 1600, e percorre-o durante os reinados dos nossos Filipes, estamos no coração do barroco e a sua contribuição foi o emblema do género literário que fez galgar Espanha para a mais alta esfera cultural do mundo, que sem ele a Península Ibério seria um retalho abstrato de grandes poetas, sim, mas faltando-lhe o selo da mundialização. Devido à sua formação teológica, e outras, mas sobretudo esta, a retórica foi-lhe um domínio persistente, incutindo nas suas obras esta capacidade que abrilhantou diálogos, impôs caminhos, e intelectualizou a escrita para um patamar rigoroso, imperioso e requintado, era um providencialista e talvez um pessimista dado que a ausência divina seria para ele a permanência desta nossa vida, seguindo-a sempre, compreende que jamais desvendaria o seu significado final. É com ele que a cenografia alcança um lugar até então desconhecido numa unicidade de todas as artes em confronto, ele vai escavar, desbravar, e levar ao rubro barroco a alternativa que se encontra em todas as coisas. E foi em seu nome que alguém se lembrou fazer já em pleno século XX uma celebração à Espanha de Calderón como uma supremacia latina face à ” barbárie germânica”. A dramaturgia é uma vastidão. Um trabalho que nos interroga, afinal, o que andamos nós a fazer, ou que pessoas eram estas, porque, porquê e como. E voltemos ao iniciado «A vida é sonho» a peça teatral que viu o seu dia em 1635 e nos fala ainda sobre o abuso do poder, a desesperança, e de nossos maiores medos, que longe de ser a morte é o provarmos que existimos. O medo aciona em nós o mais primitivo instinto, daí a muralha global dos « fake news» posta a esparramar no plasma virtual a alavanca motriz dos avanços dos radicalismos. Estamos presos como Segismundo. Mas a grande alvorada sempre vem, não há noite para sempre, e por vezes conseguimos entrincheirarmo-nos nos atributos daqueles guias mágicos que não cessam de chamar nestes tempos bárbaros a nossa atenção. A equidade é tão grande que nos remete ao mito da caverna, mas mais tarde ou mais cedo descobrimos quem somos e que não vale a pena o frenesim da alienação. O servo do pai é um agente extraterrestre obrigando a desorbitar o apego atávico dos clãs e das tribos, compostos ainda nesta estranha Idade da Pedra. Acordados dos sonhos, os sonhos são ainda a impressão digital que nos informa que vencemos etapas gigantescas e a vida é o que avança sempre no momento, que o cálculo enquista e a dor amarfanha, só quando é grande ela se liberta do arrastar de sombras do habitat antigo, se transmuta e transforma. Saturnino rei da Polónia neste memorial de horrores, chegou o teu fim, que pais são castigos. Todos sonham o que são No entanto ninguém entende Eu sonho que estou aqui De correntes carregado E sonhei e noutro estado Mais lisonjeiro me vi Que é a vida? Um frenesi Que é a vida? Uma ilusão Uma sombra, uma ficção; O maior bem é tristonho, Porque toda a vida é sonho, E os sonhos, sonhos são. LA BARCA
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAs conquistas extraordinárias de Tony Leung (II) A semana passada, partilhámos a história da carreira ascendente de Tony Leung chiu-wai (梁朝偉), estrela do cinema e da televisão de Hong Kong. Em 2023, ganhou o “Leão de Ouro de Carreira” (終身成就金獅獎) na 80.ª edição do Festival de Cinema de Veneza (威尼斯影展). Foi o terceiro chinês a ganhar o prémio e o primeiro actor desta nacionalidade a obter semelhante honra. O ano de 2024 foi para a Tony Leung a cereja em cima do bolo. Para além de conquistar pela sexta vez o “Prémio de Melhor Actor do Cinema de Hong Kong” (香港電影金像獎最佳男主角), também recebeu um doutoramento honoris causa em Humanidades atribuído pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong e ainda um outro em representação entregue pela Academia de Artes Performativas de Hong Kong. Os louros atribuídos actualmente a Tony Leung são consequência do seu trabalho árduo, pois sempre lutou para progredir e nunca desistiu. Pudemos ouvi-lo falar destes princípios no discurso que proferiu no pódio da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. Em relação à sua profissão, Tony Leung tem a seguinte perspectiva: “Vou contar-vos o pequeno segredo que me permitiu tornar-me um bom actor. Primeiro, em cada projecto que iniciamos, devemos pensar em nós próprios como principiantes. Desta forma mantemos a frescura. Nunca fico inteiramente satisfeito com os meus desempenhos, estou sempre determinado a melhorar da próxima vez. Devemos sempre dar o nosso melhor e não irmos atrás da fama, do dinheiro ou de qualquer outra coisa. Acima de tudo, é preciso amar o que fazemos, termos paixão.” Para mantermos sempre a frescura do nosso trabalho, temos constantemente de explorar e lutar para nos aperfeiçoarmos; só melhorando podemos progredir. Impormos a nós próprios ser melhores da próxima vez é a chave para o contínuo aperfeiçoamento das nossas capacidades e a qualidade essencial de um profissional. O que os profissionais mostram aos clientes é a sua competência. Se forem incompetentes, como é que podem fornecer serviços de alta qualidade? O psicólogo Maslow fala-nos da teoria da motivação, que divide as necessidades humanas em cinco níveis. O primeiro são as necessidades fisiológicas, o nível mais básico, que significa que as pessoas precisam de comida, água, etc. O segundo nível é a segurança. Os seres humanos precisam de uma casa, de saúde, de trabalho, etc. No terceiro nível encontram-se o amor e a pertença. Nesta categoria encontram-se o amor e o aconchego da família, o sentimento de pertença no trabalho, etc. o quarto nível tem a ver com a estima, que engloba o reconhecimento do nosso trabalho pelos colegas, as conquistas pessoais, a auto-confiança, etc. O quinto e mais elevado nível é a realização pessoal, que implica a concretização do nosso potencial, o auto-conhecimento, a procura do crescimento pessoal e a experiência da elevação. Dito de outra forma, a este nível, a pessoa não precisa de se preocupar com as opiniões alheias e pode perseguir os seus objectivos por sua conta e risco. Tony Leung propôs-se fazer o seu melhor, trabalhar com afinco, não pelo dinheiro ou pela reputação, mas continuar a lutar no seu caminho profissional e manter a paixão pelo seu trabalho, para conservar a chama acesa e nunca desistir. É um exemplo acabado da procura de si próprio. Isto significa que Tony Leung conquistou a maioria dos elementos do primeiro ao quinto nível. Assim sendo, já não tem preocupações e pode trabalhar arduamente para perseguir o seu sonho. Em 2024, Tony Leung recebeu dois doutoramentos honoris causa. Já é raro alguém conseguir uma destas distinções quanto mais duas. Isto representou sem dúvida uma enorme honra para ele. Rejubilemos por Tony Leung. Enquanto observadores, partilhamos da sua felicidade. Devemos aprender com a sua atitude profissional a progredir nos nossos respectivos campos de actividade. Também devemos compreender que ao aprender com Tony Leung a ficarmos livres de preocupações e a lutar para perseguir os nossos sonhos, teremos de adquirir o maior número possível de elementos dos cinco níveis da teoria da motivação de Maslow. Se não tivermos esses elementos, podemos fazer o que queremos fazer sem preocupações de dinheiro ou de reputação? Como existe um artista da indústria do entretenimento de Hong Kong que ganhou um “Leão de Ouro de Carreira” (終身成就金獅獎) no Festival de Cinema de Veneza (威尼斯影展), esta indústria floresceu naturalmente na cidade e os hongkongers estão orgulhosos de possuírem um actor famoso de topo – Tony Leung. E quanto à sociedade chinesa? Creio que deve pensar “na indústria do entretenimento onde existem actores chineses, está o Tony Leung.” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Tânia dos Santos Sexanálise VozesEnsinar Amor nas Universidades Chinesas? Enquanto a China enfrenta uma queda acentuada nas taxas de natalidade e a redução da sua população pela primeira vez em décadas, uma proposta inusitada ganhou destaque pelo mundo inteiro estes dias: aulas de amor nas universidades. O objetivo destas aulas seria incentivar os jovens a desenvolverem relações românticas que, no futuro, pudessem resultar na formação de famílias. As aulas incluiriam temas como expressar emoções, manter relações saudáveis e lidar com separações, numa tentativa de normalizar a ideia de namoro. Através de análise de casos, discussão em grupo sobre como manter relações íntimas e comunicação entre os sexos, o curso seria uma forma de reverter uma tendência que China Population News revelou: 57% dos universitários não querem apaixonar-se. E isso, em conjunto com uma população em declínio, é preocupante para o sistema. Não está claro se as universidades chinesas irão realmente implementar esta proposta, concebida com o intuito de ajudar os jovens a equilibrarem a vida académica com a pessoal. A ideia que bate pontos pela sua criatividade, não deixou, contudo, de escapar à controvérsia. Nas redes sociais chinesas, os utilizadores questionaram se os cursos iriam incluir “créditos extra para casamentos bem-sucedidos” ou trabalhos de casa que implicassem saídas românticas. Num panorama sociocultural bem mais complexo, umas aulas sobre o amor não parece ser a resposta mais eficaz ou adequada para garantir que os jovens se casem e tenham filhos. Eu seria a favor de se falar de amor e sexo nas universidades, mas não nestes moldes. Esta proposta nasceu da combinação de dados de inquérito com uma preocupação governamental sobre o envelhecimento da população, e não necessariamente de uma verdadeira compreensão sobre as dificuldades emocionais que os jovens enfrentam. Eles podem sentir-se desconfortáveis em relação às dinâmicas das relações íntimas, faltando-lhes, muitas vezes, o vocabulário emocional para dar conta e agir sobre estas coisas do amor e da intimidade. Estas “aulas”, ou espaços de diálogo, só farão sentido se o objetivo não for forçar ninguém a namorar, mas sim criar um ambiente mais favorável para que os jovens se sintam confortáveis em explorar relacionamentos de forma consciente. Na China, os jovens são desencorajados a pensar no amor e nos namoricos logo em tenra idade. Só assim conseguem fazer face às exigências escolares e do temido Gaokao, o exame de entrada para a universidade. Assim que chegam à universidade são apressados a arranjarem companheiros e resolverem-se em matrimónio. Se não é por uma questão cultural, agora também se molda em pressão governamental, para que o sistema económico se mantenha próspero. Contudo, após a universidade, os jovens enfrentam insegurança económica, desemprego, aumento do custo de vida, e preocupações que colocam a carreira acima das tradições familiares. Para muitas mulheres chinesas estas tensões são ainda mais evidentes, pois são frequentemente confrontadas com escolhas entre a vida profissional e as expectativas tradicionais de casamento e maternidade. Iniciativas que “ensinem o amor” correm o risco de serem vistas como superficiais, incapazes de resolver os problemas estruturais que levam os jovens a adiar ou evitar formar famílias. O sucesso ou fracasso destas iniciativas dependerá mais da capacidade de enfrentar barreiras estruturais do que da criatividade das soluções propostas. Afinal, por mais interessante que seja a ideia de “ensinar amor”, ela não resolverá uma crise que tem raízes profundas na economia, na sociedade e na cultura.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesA inovação começa em cada um de nós Sam Hou Fai, o sexto Chefe do Executivo de Macau, apresentou a sua equipa à imprensa e cada um dos membros do Governo proferiu um discurso. A julgar pela atitude e pelo conteúdo da dissertação de cada um deles, torna-se evidente que Sam Hou Fai irá arcar com a pesada responsabilidade pelo desenvolvimento da RAE de Macau. Sob o slogan “integração no desenvolvimento nacional”, é necessário encontrar maneira de enfrentar a concorrência homóloga na Área da Grande Baía e é também crucial entender os potenciais impactos do conflito comercial sino-americano no modo de vida dos residentes de Macau. Não é tão simples como contar uma história bonita sobre a cidade. Há pouco tempo, deparei-me com um artigo num jornal de Hong Kong que espelhava a situação actual. No artigo, mencionava-se como exemplo um debate financeiro que teve lugar durante a Dinastia Han, na China, e que mostrava que os reformistas defendiam o combate aos monopólios e a abertura dos mercados para proporcionar às pessoas oportunidades de melhorar as suas vidas e para resgatar o país de dificuldades financeiras. No entanto, os governantes colocaram três questões para refutar estas recomendações: 1) Como é que o país pode fazer face à suas enormes despesas sem as receitas provenientes dos impostos? 2) Como é que o país pode estar preparado para a guerra ou para desastres naturais sem reservas financeiras suficientes para lidar com essas calamidades? 3) Se o Governo central não tiver total controlo dos recursos económicos, como é que pode manter o total controlo da sociedade? O autor do artigo considera estas três questões absurdas, salientando que se pede sempre ao povo que se sacrifique pelo país, enquanto as verdadeiras despesas, o número de governantes e os seus salários permanecem intocáveis. O Secretário das Finanças de Hong Kong anunciou que o deficit orçamental do ano fiscal de 2024/25 tinha aumentado significativamente em relação aos 48 mil milhões de dólares de Hong Kong previstos e que se espera que venha a atingir os 100 mil milhões. E o que reserva o futuro para Macau? Quando tomou posse, o objectivo de Ho Iat Seng, o ainda Chefe do Executivo, era a racionalização da estrutura do funcionalismo público com a redução do quadro. No entanto, depois de vários anos, a situação não melhorou. Só no passado mês de Abril, quando os funcionários de três instituições do ensino superior de Macau deixaram de ser enquadrados no âmbito do controlo do número total de trabalhadores dos serviços públicos, o número total de funcionários públicos em Macau passou para cerca de 35.000, embora este número seja proporcionalmente muito elevado quando comparado com a Coreia do Sul, o Japão, Taiwan e Hong Kong. Foi publicado outro artigo num jornal de Hong Kong, mas desta vez escrito por um comentador cultural de Macau, que recorria a alguns números para ilustrar certas anormalidades desta cidade. Todos os anos, a distribuição de dinheiro pelos cidadãos de Macau através do Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico tem o objectivo de satisfazer toda a gente, e uma vez que Macau tem o PIB mais elevado da Ásia, o nível de vida dos cidadãos de Macau deverá ser elevado. No entanto, em 2023, a taxa de suicídio em Macau foi de 13 casos em cada 100.000 pessoas, significativamente mais alta que a taxa média global de 9 casos em cada 100.000 habitantes, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. A taxa de suicídio em Macau está a aproximar-se dos números registados em alguns países africanos mais pobres. E em 2024, quantos suicídios ocorreram em Macau? Excluindo casos em que os corpos não foram encontrados, o Governo de Macau reportou 44 suicídios de pessoas de todos os estratos sociais, incluindo jovens, na primeira metade do ano. Será que os residentes de Macau se sentem verdadeiramente e felizes e realizados? Como é que está a sua saúde física e mental? O número de casos de suicídio pode reflectir estas questões. Discursos vazios não só prejudicam o país como desencaminham Macau. Para construir uma sociedade estável, saudável e sustentável deve procurar-se a inovação e ela deve começar dentro de cada um de nós.