Diversificação das gorjetas

A semana passada, uma notícia escaldante atraiu por todo o lado a atenção dos internautas. O motivo da polémica foi a adição nas contas de alguns restaurantes norte-americanos de uma taxa designada por “kitchen appreciation fee” (KAF) (gorjeta para o pessoal da cozinha), que representa aproximadamente 2 por cento do total do consumo. Muitos clientes estranharam quando receberam a conta e ao tentaram ser esclarecidos não receberam uma resposta clara dos empregados.

O incidente ocorreu num restaurante em Maryland, EUA. O cliente pediu dois pequenos almoços, dois sumos de laranja e um cocktail, o que perfazia 56 dólares. Mas quando recebeu a conta, percebeu que também teria de pagar a KAF.

De acordo com as notícias que circulam online, a KAF não é novidade nos Estados Unidos. Antes da pandemia, alguns restaurantes já a incluíam. O montante desta taxa adicional, que pode variar entre 2 por cento e 10 por cento do valor da conta, destina-se ao pessoal da cozinha que tem salários baixos e está sob grande pressão económica.

Simultaneamente, as notícias online também mencionam a cultura das “gorjetas”, semelhante à KAF, mas que tem uma longa história. A KAF destina-se ao pessoal da cozinha, enquanto a “gorjeta” é entregue ao empregado que serve à mesa. “Gorjeta” é o pagamento extra dado pelo cliente à pessoa que o atendeu. O montante habitual varia entre 10 por cento a 25 por cento do consumo e representa o reconhecimento do trabalho do empregado que serve à mesa. Esta tradição teve a sua origem em Londres no século XVIII. Existia uma taça na mesa de hotel com uma etiqueta que dizia “para garantir um serviço imediato”. Os clientes só precisavam de pôr algumas moedas na taça e eram rápida e atenciosamente atendidos.

À medida que os tempos foram mudando, estas taças foram sendo substituídas por caixas registadoras, mas a cultura das “gorjetas” permaneceu. Quando a conta do cliente é feita, no ecrã da caixa registadora aparecem opções pré-definidas para as gorjetas, com percentagens de 15 por cento, 20 por cento, 25 por cento. Para não fazerem má figura, muitos clientes dão grandes gorjetas mesmo que não tivessem vontade de o fazer. Alguns estudos também provam que uma gorjeta inferior a 20 por cento é considerada “uma ninharia”.

As pessoas têm opiniões diferentes sobre o sistema das gorjetas. De acordo com os dados de uma empresa de serviços financeiros, 66 por cento dos inquiridos têm uma opinião negativa do sistema das “gorjetas”, 41 por cento disseram que os patrões deveriam pagar melhor aos empregados e não depender das gorjetas para compensar salários baixos. Além disso, mais de 30 por cento eram absolutamente contra as percentagens de gorjeta pré-definidas e afirmavam que este sistema estava fora de controlo.

Inesperadamente, na América, este assunto tornou-se uma questão inclusivamente ao nível político. Donald Trump, um dos candidatos à presidência dos EUA, propôs que as gorjetas fossem retiradas da declaração de rendimentos dos empregados para lhes reduzir a carga fiscal. Embora esta proposta tenha causado controvérsia, também reflecte a grande influência do sistema de consumo na sociedade norte-americana.

Voltando à KAF e às gorjetas propriamente ditas, estas duas taxas servem como fonte de rendimento adicional para os funcionários dos restaurantes. Embora sirvam em certa medida para aliviar o seu fardo económico, também acarretam várias questões sobre as quais vale a pena reflectir.

Em primeiro lugar, a incerteza sobre a quantia que recebem através da KAF e das “gorjetas” causa instabilidade aos empregados, que já têm dificuldades financeiras. O método ideal é, seguramente, aumentar os ordenados e tornar os seus rendimentos estáveis. Mas os salários fazem parte das despesas operativas dos restaurantes. Se forem aumentados, os custos também aumentam, por isso proprietários têm de considerar essa possibilidade com cautela.

Em segundo lugar, quer o pessoal da cozinha, quer o pessoal das mesas, são pagos pelo seu trabalho. A KAF e as “gorjetas” são rendimentos secundários que advêm dos seus serviços. Por isso, se o dono do restaurante não concordar, os funcionários deixam de poder receber a KAF e as “gorjetas,” porque não podem usufruir de dois rendimentos por um trabalho único.

Em terceiro lugar, a situação agrava-se se os trabalhadores se esforçarem mais e servirem melhor o cliente depois de cobrarem a KAF e a “gorjeta.” Do ponto de vista administrativo, os empregados devem prestar o mesmo serviço a todos os clientes, por isso quem gratifica melhor não deve ser mais bem servido. Basta pensar, se o cliente põe a “gorjeta” na taça, para ser mais bem atendido, quebra-se a “igualdade” com que os clientes devem ser servidos. De forma a evitar problemas desnecessários, algumas grandes empresas proibiram as “gorjetas”.

Em quarto lugar, para o pessoal da cozinha e das mesas, a KAF e as “gorjetas” representam parte do seu rendimento e por isso são colectáveis. O patrão também tem a responsabilidade de comunicar às Finanças o montante em KAF e “gorjetas” recebido pelos empregados, caso contrário será suspeito de omissão na declaração de impostos. Mas na verdade, se os clientes gratificassem directamente os empregados, o patrão não teria forma de saber o valor que recebiam e não poderia informar as Finanças. Se assim fosse, o Governo cobraria menos impostos.

Os montantes da KAF e das “gorjetas” não são elevados, mas levantam muitas questões. Vale a pena manter esta prática? E como se deve defender os interesses dos accionistas? Como é que pode ser melhorado? Vale a pena pensar sobre isso.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

12 Ago 2024

A hipocrisia na suspensão das férias

As férias são designadas como o período de descanso a que têm direito os trabalhadores, funcionários públicos, estudantes e demais profissões. Provém do latim ‘feria, -ae’ que significava entre os antigos romanos, o dia em que, por prescrição religiosa, não se trabalhava.

Hoje em dia, as férias são algo que transmite felicidade, descanso, alegria, tristeza e problemas. Tristeza, porque nem todos os cidadãos podem ter uns dias de descanso e são tão pobres que são obrigados a trabalhar os 365 dias do ano. Conhecemos uma senhora que trabalha em limpeza de residências e de escritórios que nunca teve férias. O ripanço inerente às férias é merecido para todos quantos passam o ano a trabalhar arduamente. Institucionalizou-se, por maioria, que as férias fossem gozadas no mês de Agosto, talvez por ser o mais quente e as famílias poderem levar a pequenada a banhos pelas praias do país ou do estrangeiro. Famílias, que muitas vezes, são as férias que lhes criam problemas graves no futuro. Acontece que decidem ir conhecer Punta Cana ou Bali e, para isso, contraem um empréstimo bancário e depois é que são elas, porque o crédito fica difícil de ser pago por uma ou outra razão, especialmente se algum membro do casal, entretanto, ficou desempregado. Há muita gente que consegue mensalmente pôr de parte uma certa quantia para que no mês em que decide ter férias, o dinheiro não é problema para que o corpo e a mente possam descansar das dificuldades laborais durante o ano.

Em Portugal, as férias têm um outro lado da moeda. Os funcionários públicos vão quase todos em debandada e os serviços ressentem-se de tal forma que nos tribunais, hospitais, segurança social e finanças, quase tudo fica por decidir em Setembro. Neste sentido, existe uma classe que também não falha ao seu gozo de férias: os políticos. Os destinos são os mais variados e como o rendimento é bom podem escolher um hotel no Algarve topo de gama. O nosso principal político, o Presidente da República, não dispensa o Algarve. Todavia, o que mais detesto na política é a hipocrisia, a mentira e a propaganda. Marcelo rebelo de Sousa estava feliz e contente a banhos algarvios e, de repente, suspendeu as férias para se deslocar a Lisboa a fim de vir, a convite do primeiro-ministro, assistir à abertura de uma maternidade no Hospital de Santa Maria que, risivelmente, está fechada…

A atitude do Presidente Marcelo roçou o ridículo e o povinho ficou a pensar que daqui para a frente todas as obras que Luís Montenegro venha a inaugurar irá ter o Presidente a dar a sua bênção.

Mas, a maternidade no Hospital de Santa Maria tem história. Na cerimónia que decorreu na passada quinta-feira o Presidente Marcelo e o primeiro-ministro foram recebidos pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins, precisamente a mesma pessoa que encerrou a maternidade no hospital quando era gestora do mesmo e quando pediu a demissão a António Costa, porque não conseguia comandar um barco quase a naufragar. Com a ministra lá estiveram alguns médicos e outros profissionais afectos ao PSD e ao CDS a receber as mais altas individualidades que foram inaugurar a abertura de uma maternidade fechada por falta de médicos e enfermeiros. E agora coloca-se outro problema, o qual diz respeito ao funcionamento futuro da maternidade que foi alvo de obras. Referimo-nos aos médicos e enfermeiros que têm de ser requisitados ao barreiro, a Almada, a Setúbal e a outros hospitais. A ministra deu-lhe para discursar e salientar que se tratava de uma obra “histórica”, quando não passa de um mamarracho de cimento fora do contexto arquitectónico da monumental fachada do principal hospital português. A ministra referiu que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estava a melhorar em todos os aspectos, mas esqueceu-se de mostrar aos ilustres convidados o caos que reina mesmo por baixo da nova maternidade, onde no Centro de Colheitas, o povinho sofre pela sua hora de atendimento, e como se trata de análises clínicas, há pessoas diabéticas que estão ali quase a desmaiar por estarem em jejum há mais de quatro horas. A ministra esqueceu-se igualmente que, à mesma hora que discursava, encontravam-se vários serviços de urgência de obstetrícia e ginecologia encerradas pelo país e onde muitas grávidas interrogavam-se onde ter os partos. Já não referindo o caso tristíssimo e grave de negligência médica que se verificou nas Caldas da Rainha onde uma mulher, por duas vezes, foi-lhe negada a assistência médica e veio a abortar e a morrer. A hipocrisia de se suspender férias para nada, a mentira de se anunciar a abertura de algo que continua encerrado e a propaganda de afirmar que o Governo está cada vez a trabalhar melhor que o anterior são temas que levam os portugueses normais e atentos ao que se passa à sua volta a pensar que Portugal irá continuar na mesma: um país que não passa da cepa torta.

12 Ago 2024

O Clube da Luta (III)

“I have ordered a complete siege on the Gaza Strip. There will be no electricity, no food, no fuel, everything is closed,” Gallant says following an assessment at the IDF Southern Command in Beersheba. We are fighting human animals and we are acting accordingly”.
Defense Minister Yoav Gallant, in The Times of Israel, 09.10.2023

 

É claro que décadas de sanções, guerras, ineficácia e corrupção pesam sobre a saúde do aparelho produtivo iraniano, especialmente no sector crucial da energia. Mas a República Islâmica contorna a maior parte das restrições impostas por Washington, de tal forma que oferece aos russos tutores não gratuitos sobre como triangular e criar procedimento financeiros e comerciais de emergência. Nascidas temporárias, estas manobras tecem redes alternativas à influência americana. Originalmente postos de primeiros socorros, transformam-se em hospitais de campanha e, amanhã, talvez, em alternativas permanentes à “ordem baseada em regras”, uma imagem de marca do Ocidente cheio de estrelas. Mais limitativo é o clima político interno, onde a transição das origens teocrático-territoriais para o regime actual é bastante instável.

A incompatibilidade entre os jovens progressistas e as estruturas repressivas que respondem ao Pasdaran e ao Basiji, dotadas de vistosas agências de espionagem e de polícia, é chocante. Será que a sucessão do Guia Supremo, que em breve atingirá a idade de Ali Khamenei, de 85 anos, será a faísca que incendiará o material inflamável acumulado dentro e à volta do regime? O confronto poderá ser desencadeado ainda mais cedo. O descontentamento em relação ao sistema (nezam) exprime-se na abstenção eleitoral galopante, na ausência de candidatos alternativos aos pré-seleccionados pelos apparatchiks. O sucessor do falecido Presidente Raisi, presumível moderado, logo se tornará realidade pelo cair da máscara. Até à eventual reforma ou mudança do sistema, a pergunta rainha permanecerá sem resposta. A estratégia do império persa ignora ou depende da ideologia do regime do momento? Kissinger perguntava-se em público se o Irão era uma nação ou uma causa. Traduzindo que é um actor racional, portanto disposto a comprometer-se com a América, ou subversivo.

Em privado, a resposta foi “uma nação com a sua própria causa”. Talvez um elemento útil para a análise seja a relação entre o último Xá e o seu subversivo. Ambos muito mais pragmáticos do que pareciam. O primeiro pró-ocidental, mas não o fantoche anglo-americano descrito pelos revolucionários marxistas-islamistas. O outro, mais nacional-imperial na sua teologia. Se os barões da inteligência sobrevivessem nalgum departamento de ciências políticas da Ivy League, ofereceriam a Mohammad Reza Pahlevi e a Ruhollah Khomeini diplomas honorários duplos ad memoriam na teoria do realismo aplicado. A estratégia de qualquer grande potência é manter-se nessa posição. O mesmo se aplica ao império persa, que se considera como tal, mesmo que não possua todos os seus atributos. Incluindo a bomba atómica. O fio vermelho que liga o projecto atómico do Xá, lançado nos anos de 1950, ao da República Islâmica traça a continuidade estratégica entre dois regimes com uma genealogia imperial comum. Ambos se reclamam herdeiros da dinastia Aqueménida (cerca de 550-330 a.C.). O cilindro de Ciro entusiasma tanto o Xá como Khomeini e os seus sucessores.

O desenvolvimento da energia atómica desejado pelo Rei dos Reis fala em termos civis e pensa em termos militares. Os juristas xiitas que lideram a revolução insistem nesta ambiguidade. O líder supremo confirma a opção civil ao mesmo tempo que aprova o programa secreto de enriquecimento de urânio, de modo a poder desenvolver um arsenal atómico associado a mísseis balísticos hipersónicos com um alcance de mais de 1500 quilómetros. Capazes de atingir Israel numa dúzia de minutos. Teerão será uma potência nuclear quando decidir fechar o círculo. Basta-lhe uma luz verde do Guia ou de quem quer que seja. Será conveniente para o Irão tirar a máscara e desafiar os dois Satãs? Não me parece que seja o caso. O regime de dormência nuclear permite a Teerão explorar as vantagens da dissuasão suprema sem se expor a retaliações israelitas e americanas.

A menos que Israel, determinado a manter o seu monopólio regional da bomba atómica, arrisque um ataque preventivo, com riscos e custos catastróficos. Incluindo uma ruptura com a América. Em Jerusalém, alguns ultras apelam acabar com o Hamas lançando a bomba atómica sobre Gaza. Nas instituições iranianas, levantam-se vozes que põem em causa a prudência estratégica e sugerem o lançamento imediato da bomba atómica, ignorando que o anúncio seria seguido de uma retaliação israelita, encoberta ou não por Washington. E os sepulcros caiados na região ficariam expostos, a começar pela Arábia Saudita, que aponta silenciosamente para a bomba atómica e que perderia então toda a contenção. Entre as elites persas e israelitas, prevalece o princípio de que uma é inimiga irremediável da outra. A lição da “Aliança da Periferia” ecoa neste postulado de que Israel e o Irão são antípodas e simbióticos.

A ameaça persa é útil para evitar que a maionese tribal israelita enlouqueça e desintegre o Estado judaico a partir do seu interior. O Pequeno Satã, associado ao Grande, desempenha uma função coesiva semelhante no império persa. Jogo de espelhos. Depois de 7 de Outubro de 2023, cada vez mais no fio da navalha. Testado em Abril de 2024 pelo primeiro ataque e contra-ataque directo Israel-Irão. Trata-se de uma mudança de paradigma? Conta mais a quebra do tabu ou o facto de não ter causado baixas por ter sido executado em co-produção indirecta israelo-iraniana não declarada e patrocinada pelos Estados Unidos? A interpretação conservadora lê o combate como uma sequência interna de dissuasão entre inimigos perfeitos. Intocáveis porque sem alternativas.

A ideia evolucionista trata-a como um salto quântico que, em ambos os campos, faz baixar as defesas imunitárias contra uma infecção galopante de mania agressiva. A dança da inimizade do Médio Oriente é acompanhada por uma música envolvente. Depois do Hamas ter invadido Israel para desencadear um pogrom de uma selvajaria assustadora e expor os palestinianos à vingança impiedosa de um povo sitiado pela memória da Shoah, uma recordação eficaz e permanente, a lógica utilitária até então destilada pelos estrategas é posta em causa. O atordoamento melódico é dominado pela tempestade de emoções. Já nada é impossível. Incluindo o duplo suicídio. É o factor humano! Enquanto se aguarda a produção de um futuro volume sobre a raiz geopolítica da filosofia enquanto investigação sobre a pretensão de uma lógica universal, o estudo de caso é ideal para ensaiar a sua premissa.

Nos espaços que por convenção continuamos a baptizar de Médio Oriente, Aristóteles não duraria um minuto. O venerado princípio da não-contradição, segundo o qual uma proposição e a sua negação não podem ser ambas simultaneamente verdadeiras, é aqui irregularmente refutado. Traduzindo, não é válido. Mas não de forma absoluta, porque a negação total pode parecer confirmatória. Como ocidentais tardios, munidos de tal advertência, um convite à modéstia, constatamos que um sistema contraditório é também baptizado de princípio de explosão. Assim avisados, voltamos à luta. Verdadeiramente paradoxal é o gatilho que, a 7 de Outubro de 2023, provocou as explosões à queima-roupa que agitam o arquipélago sem centro do Médio Oriente. Referimo-nos à questão palestiniana. Alteração de Kissinger, causa sem nação. Tragédia humanitária insuportável também pelo seu absurdo. Não deve ser confundida com um problema geopolítico. Não tem solução, logo não tem problema. Era esta a convenção implícita na forma como todos os intervenientes tinham retirado o dossier palestiniano, que estava no congelador da diplomacia internacional há vinte anos.

A começar por Israel, o mais interessado em mantê-lo em naftalina e em garantir a mão livre para não determinar as suas próprias fronteiras. Mantendo assim todas as opções em aberto enquanto avança na Judeia e Samaria (Cisjordânia) de acordo com o princípio da menor resistência equilibrado com a prioridade do carácter judaico do Estado. Parado nas directrizes do governo, segundo as quais “o povo judeu tem um direito exclusivo e inalienável a toda a Terra de Israel”. Seguiram-se os regimes árabes, muito mais atraídos por uma relação positiva com Israel e o Ocidente do que pelos direitos dos palestinianos. No entanto, obrigados a recitar o salmo dos dois Estados, uma vez estabelecido que nada seria feito a esse respeito. Um refrão cativante, deliberadamente repetitivo, cantado pela “comunidade internacional”, ultra-maioritária na ONU e considerado evidente pelos meios de comunicação social liberais americanos e europeus. Dois povos, dois Estados. Intuitivo. Tão óbvio que não pode ser aplicado. Em primeiro lugar, porque nem israelitas nem palestinianos estão dispostos a renunciar ao seu direito a toda a terra entre o mar e o rio, o Mediterrâneo e o Jordão.

Depois, porque Israel é um Estado armado até aos dentes para não ceder um metro quadrado daquilo que possui. Empenhado, quando muito, em expandir-se, graças ao impulso dos colonos, incitados pelo próprio governo. A Palestina não é um Estado, nem sequer uma nação, mas o sonho de um povo humilhado, composto por comunidades e mini-potências que competem entre si e não com o Estado judaico. Dois milhões de palestinianos possuem passaportes israelitas. Contra os restantes, após 7 de Outubro de 2023, foi desencadeada a máquina de guerra do Tzahal, que trata os ghazianos como “animais humanos”, segundo as palavras do ministro da Defesa Yoav Gallant.

8 Ago 2024

Retorno do investimento

O Verão não é apenas a altura de os estudantes aproveitarem uma pequena pausa depois de um ano lectivo, mas também o momento ideal para a toda a família viajar. Para os investidores, esta estação traz igualmente algumas expectativas, ou seja, receberem os juros das suas aplicações financeiras. Muitas empresas cotadas em bolsa pagam dividendos duas vezes por ano, e o Verão é uma delas, o que proporciona mais satisfação aos investidores.

Em Taiwan, China, uma empresa de sushi cotada em bolsa anunciou que vai lançar um plano de recolha de dividendos na forma de “cupões dos accionistas”. Isto significa que desde que os accionistas possuam um determinado número de acções, podem candidatar-se a receber estes cupões, sendo o limite máximo para cada um deles de cinco mil dólares. Os “cupões dos accionistas” são equivalentes a moeda e podem ser usados em todas as lojas da empresa, não existindo limite para o número que pode ser usado por cada compra, o que facilita bastante o consumo para os seus detentores. Segundo a empresa, a taxa de resgate dos “cupões dos accionistas” durante os últimos três anos foi de 90 por cento. Este método não só incentiva os accionistas a converterem-se em clientes leais, como também pretende levar mais clientes a tornarem-se accionistas.

Do ponto de vista do retorno do investimento, esta empresa de sushi proporciona benefícios monetários, na forma de dividendos, e ainda benefícios ao consumo na forma do “cupão dos accionistas”, obtendo-se assim um duplo retorno ao garantir “dinheiro para gastar e qualquer coisa para comer”.

No que respeita a “ter dinheiro para gastar”, quem compra acções de uma empresa e se torna seu accionista tem a expectativa de aumentar o capital investido devido à valorização do negócio no mercado bolsista, além disso os dividendos que recebe também representam uma importante fonte de rendimento. Os dividendos decorrem de uma distribuição proporcional dos lucros obtidos pela empresa pelos accionistas, em função do número de títulos que cada um possui, e são uma forma de a empresa lhes agradecer pelos seus investimentos. O pagamento de dividendos representa o reconhecimento da empresa e a compensação pelos investimentos. Pode encorajar mais pessoas a comprarem acções da empresa, atraindo assim mais fluxo de capital, promovendo a expansão e o crescimento do negócio e criando uma situação em que saem a ganhar tanto os investidores como a empresa.

Convém sublinhar que o pagamento de dividendos está directamente relacionado com a rentabilidade da empresa. Regra geral, só quando o negócio corre bem e os lucros são substanciais é que a empresa pode distribuir dividendos pelos accionistas. Por outro lado, se uma empresa continuar a pagar dividendos mesmo que não tenha tido lucro ou mesmo que tenha perdido dinheiro, estará a enviar uma mensagem errada para o mercado e a enganar os investidores.

Os cupões para obter “qualquer coisa para comer” são também uma demostração da filosofia comercial da empresa de sushi. Há medida que o tempo passa, a atenção que os investidores dão às empresas não decorre apenas dos números, porque estão preocupados de uma forma mais multidimensional e abrangente com os lucros empresariais, com a relação da empresa com os accionistas e com as responsabilidades sociais corporativas. Ao gerir os seus negócios, as empresas têm de tomar em linha de conta simultaneamente várias áreas e de ter em consideração os diferentes tipos de accionistas. A distribuição de “cupões de accionistas” pode aproximar a empresa dos investidores, e também promover inteligentemente a penetração do produto no mercado.

Os “cupões dos accionistas” proporcionam aos investidores sushi gratuito. Desde que a qualidade do sushi seja elevada, é muito provável que os accionistas se tornem clientes fixos desta empresa de restauração, o que irá aumentar o seu volume de negócio, impulsionando o aumento do desempenho da empresa, o que beneficia ambos os lados. Depois de desfrutar de um delicioso sushi, os clientes irão recomendá-lo aos amigos, criando um excelente efeito publicitário pelo método “boca a boca”. Numa era onde imperam as redes sociais, a recomendação dos clientes é mais útil que os anúncios publicitários.

Resumindo, esta estratégia da Empresa de Sushi não só enriquece a forma de retorno do investimento dos accionistas, mas também aperfeiçoa subtilmente a sua relação com os investidores, aumentando a confiança que depositam nos produtos da empresa o que permite que a promovam com mais empenho. Além disso, também se destina a conquistar os potenciais clientes da empresa.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

6 Ago 2024

Função Pública nas ruas da amargura

Gostava imenso de escrever uma crónica a contar-vos os benefícios que a Função Pública tem proporcionado ao povo. A melhoria dos serviços. O atendimento telefónico eficiente. A rapidez no despacho dos requerimentos solicitados. O atendimento pessoal eficaz. A gentiliza e eficiência com que os cidadãos são atendidos no IMTT (especialmente para as cartas de condução). As casas de banho limpas nos departamentos públicos. A resposta aos e-mails enviados a entidades governantes. Gostava. Mas não posso.

O contrário absoluto é que vos posso descrever para mal de todos os portugueses. Os funcionários públicos reivindicam anualmente aumento de salários e outros benefícios, nisso, são lestos e em toda a conversa queixam-se do seu baixo rendimento. Trabalham muito? Em alguns departamentos estatais e autárquicos, muitos funcionários depois de se sentarem um pouco na secretária e verificarem no telemóvel particular se têm mensagens de amigos e de verem no computador se não existe nenhuma indicação do chefe, vão tomar café, muitas vezes ao exterior, lêem o jornal desportivo e discutem as transferências nos seus clubes de futebol. Passado uma hora e meia voltam à secretária, fazem uns telefonemas que nada têm a ver com o serviço e chega a hora de almoço. À tarde, resolvem um ou dois problemas pendentes, mais um café e mais uma conversa, desta vez sobre política. Chega a hora de saída e ficou na sala um cheiro a suor…

Praticamente em todos os serviços, se os cidadãos telefonam para serem informados de qualquer problema, ouvem uma gravação que lhes indicam os números respectivos dos assuntos, após o que se fica 10, 15 e por vezes 40 minutos a ouvir um tipo de música, normalmente horrível. No fim de todo esse tempo a chamada cai e o atendimento já era.

Se o cidadão vai a um serviço estatal depara-se com uma fila enorme para obter uma senha e é quando o “segurança” não lhe diz que já não há senhas de atendimento.

Se o cidadão se dirige à Autoridade Tributária e Aduaneira (Finanças), bem, é melhor nem ir porque duas horas de espera para ser atendido é o tempo mínimo de espera.

Se o cidadão consegue ser atendido pela linha geral da Segurança Social Directa, uma funcionária com muita cordialidade agenda o dia e a hora para o assunto que o cidadão deseja resolver. No dia e hora marcados, o cidadão vai 20 minutos antes, para que não haja qualquer falha. Chegado à sede da Segurança Social, em Lisboa, apresenta-se ao balcão, diz que tem um agendamento e a funcionária pública entrega-lhe uma senha. O cidadão vai sentar-se a aguardar a sua vez de atendimento. Passam 15 minutos da hora agendada, passam 30, passam 45 minutos e o cidadão desloca-se ao referido balcão de atendimento e pergunta a razão do atraso do agendamento, se as pessoas que estiveram na fila e não agendaram já foram atendidas? A resposta foi simples: “isto está um pouco atrasado”, ao que o cidadão retorquiu: “Atrasado, deve ser só para alguns assuntos”. Ao fim de uma hora o cidadão foi atendido, apresentou a documentação devida, a funcionária atendeu com muita cordialidade e quando o cidadão lhe perguntou: “Tem uma ideia de quando obterei uma resposta?”, a funcionária respondeu: “Sabe, isto agora vai tudo de férias e, portanto, lá para Setembro começam a analisar os processos e em Outubro deve receber uma carta”. Leram bem? “DEVE”, não deu a certeza que seja em Outubro.

Se um cidadão envia um e-mail para uma vogal de uma autarquia, a senhora deve pensar que é a primeira-dama da Nação. Responder ao nosso e-mail. Nem pensar.

O maior desespero da população, especialmente a idosa que não usa computador, é a falta de atendimento telefónico por todo o lado. E já não são só os serviços públicos. Muitas empresas privadas já copiam o estilo desprezível da Administração Pública.

Na Câmara Municipal de Lisboa mente-se com todos os dentes que tem na boca, mesmo que sejam implantes. Pergunta-se, quando um prédio inicia as obras dos alicerces (futuras garagens para os residentes) que género de habitação municipal se trata e respondem que se destina a habitações de renda acessível. O cidadão tenta inscrever-se para tentar obter uma habitação de renda acessível, porque o seu rendimento mensal cifra-se nos 700 euros. De imediato obtém uma resposta: “que as futuras habitações já foram destinadas a pessoas de fracos recursos”. Tudo bem? Não, tudo mal. O prédio ficou pronto e começou a ser habitado. Por quem? Por cidadãos que entram para a garagem com os seus carros de marca Tesla, BMW, Mercedes, Lexus e Nissan. Vocês acham que proprietários de veículos de topo de gama são pessoas de fracos rendimentos e que precisam de uma casa com renda acessível?…

A mesma edilidade lisboeta abriu um concurso para conceder um subsídio de renda, os cidadãos em dificuldades inscreveram-se de imediato, mas qual não foi o seu espanto quando lhes era exigido um tal número de documentos que levaram logo os pretendentes a desistir do pedido de subsídio.

Por outro lado, sejamos justos e temos de salientar que há um serviço público que está a funcionar com grande profissionalismo e gentileza. Trata-se das diferentes Lojas do Cidadão, onde se é atendido com satisfação pele rapidez.

P. S. – Neste último fim de semana verificou-se o caos de norte a sul do país em muitas urgências hospitalares encerradas.

5 Ago 2024

A dupla Hong Kong/Macau

A 18 de Fevereiro de 2019, o Conselho de Estado da China anunciou oficialmente as Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, posicionando Guangzhou, Shenzhen, Hong Kong e Macau como os principais motores do desenvolvimento regional. Recentemente, a resolução da Terceira Sessão Plenária do 20.º Comité Central do Partido Comunista, referindo-se a Hong Kong e Macau, apela a esforços para “tirar partido dos pontos fortes institucionais do princípio ‘um país, dois sistemas’, de forma a reforçar e melhorar o estatuto de Hong Kong como centro financeiro internacional e como centro de navegação e comércio. Apela ainda ao apoio a Hong Kong e a Macau para que as duas regiões se tornem centros internacionais na formação de quadros de alta qualidade, aperfeiçoem a logística em causa e possam desempenhar um papel mais determinante na abertura da China ao mundo exterior”.

Passado cinco anos, são evidentes as conquistas obtidas por Shenzhen e por Guangzhou. O transporte de contentores nos portos destas duas cidades já ultrapassou o do Terminal de Contentores Kwai Tsing, em Hong Kong. E após a abertura do “Corredor Shenzhen-Zhongshan”, o papel do Porto de Shenzhen torna-se cada vez mais importante. Mas, qual ó o ponto da situação dos outros dois motores principais, Hong Kong e Macau?

No passado dia 30 de Julho, o Index Hang Seng de Hong Kong permanecia nos 17.000 pontos, não tendo conseguido reverter a tendência negativa apesar dos espantosos desempenhos dos atletas da cidade nos Jogos Olímpicos de Paris. Com a implementação da “Lei da República Popular da China para a Salvaguarda da Segurança na RAEHK” (doravante designada por Lei de Segurança Nacional de Hong Kong), a promulgação de leis pela própria região para a salvaguarda da segurança nacional, de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica de Hong Kong, o aperfeiçoamento do sistema eleitoral e a governação ao nível distrital, devem ter dado saltos em frente rumo ao princípio “avançar da estabilidade para a prosperidade”. Infelizmente, o mercado imobiliário de Hong Kong continua em queda e a confiança dos cidadãos ainda não foi recuperada. Qual será o motivo que provoca tudo isto? Talvez a recente controvérsia em torno de um artigo possa lançar alguma luz sobre esta questão.

O Professor Johannes Chan Man-mun, antigo reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Hong Kong, e advogado de nomeada, escreveu um artigo de opinião intitulado “Efeito Retrospectivo” publicado no passado dia 24 no jornal de Hong Kong Ming Pao.

Johannes Chan analisava as alterações à Lei de Salvaguarda da Segurança Nacional de Hong Kong no que diz respeito ao aumento de tempo para a libertação antecipada das pessoas condenadas por porem em perigo a segurança nacional, e se estas alterações têm efeitos retroactivos para os infractores não condenados ao abrigo da Lei de Segurança Nacional. Argumentava que “um réu condenado por um crime cometido no passado não deve receber uma pena mais pesada apenas porque actualmente a lei aumentou a penalização para esse tipo de crime. Este princípio é salvaguardado pela Declaração dos Direitos Humanos”. O objectivo deste artigo de opinião era lançar um debate jurídico.

No entanto, na parte da tarde de dia 24, o Departamento dos Serviços Correccionais de Hong Kong emitiu de imediato um comunicado de imprensa que condenava vivamente Johannes Chan pela publicação deste artigo, afirmando que os “dois pontos mencionados no artigo e apelidados de “controversos” eram factualmente imprecisos. A Secção 7 da Lei de Salvaguarda da Segurança Nacional dá-nos uma clara definição de ‘Infração que põe em risco a segurança nacional’. No entanto, nada do que foi escrito no artigo cai dentro dessa definição, portanto o “Comissário dos Serviços Correcionais decidiu por si próprio alargar o âmbito das infrações que põem em risco a segurança nacional”.

Mais tarde, numa entrevista, Johannes Chan disse, “Há não muito tempo, o nosso Chefe do Executivo afirmou que a liberdade de expressão em Hong Kong não tinha sido reduzida e que o Governo pode ser criticado. Mas agora vemos um exemplo vivo de como por meramente expressar uma opinião diferente se é contundentemente condenado pelo Governo. Como é que esta situação é compatível com liberdade de expressão? Não foi exactamente a isto que Jonathan Philip Chadwick Sumption (antigo Juiz Não-Permanente do Supremo Tribunal de Hong Kong) se referiu por altura da sua reforma antecipada, ao afirmar que o Governo tinha ficado preconceituoso e em estado de pânico?”

O incidente com o artigo de Johannes Chan reflecte a falta de interacção positiva na sociedade durante a transição de Hong Kong da “estabilidade para a prosperidade”, indicando que ainda há um longo caminho a percorrer até à completa recuperação, ficando a sociedade dependente do espírito de “amor e perdão”. Em Macau, não houve conflitos sociais semelhantes aos de Hong Kong nos últimos anos, no entanto, o impacto da COVID-19 e as rápidas mudanças no cenário político conduziram a uma diminuição significativa da possibilidade de expressar opiniões diferentes.

A Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin foi inicialmente um excelente plano, mas infelizmente sofreu alterações sem precedentes. Liderado por uma abordagem orientada para o sector imobiliário, o desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada resultou numa situação do tipo “fazer a sementeira no Inverno. Os investimentos substanciais do Governo de Macau na Zona de Cooperação Aprofundada não obtiveram os efeitos pretendidos. A possibilidade de o Novo Bairro de Macau na Zona de Cooperação Aprofundada poder vir a alojar 60.000 residentes da cidade até 2029, não vai depender de tratamento preferencial, mas sim da economia da cidade. Com a aproximação do 25.º aniversário do regresso de Macau à soberania chinesa, quando as corridas de cães e de cavalos acabaram e as receitas da taxação ao sector jogo sofrem um declínio, é possível que o Chefe do Executivo Ho Iat Seng esteja a pensar sobre o futuro do próximo Governo da RAEM, durante as suas férias de 39 dias.

Afinal de contas, como motores principais da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, Hong Kong e Macau têm de fazer ajustes rapidamente para se porem a par do desenvolvimento geral da Grande Baía!

2 Ago 2024

Reforma da China na Nova Era: Oportunidades para o Mundo

Por Liu Xianfa

O 20.º Comité Central do Partido Comunista da China (PCCh) concluiu com sucesso a sua terceira sessão plenária em Beijing. A Decisão do Comité Central do Partido Comunista da China sobre um Maior Aprofundamento Integral da Reforma em Busca da Modernização Chinesa é o resultado mais importante da Sessão, que constitui um novo plano para a reforma e abertura da China, enviando uma forte mensagem ao mundo sobre o firme compromisso da China com a reforma e a abertura, bem como com a criação de mais oportunidades para o mundo na nova era.

A reforma e abertura é um instrumento importante para as causas do Partido e do povo chinês alcançarem os tempos a passos largos. A 3ª sessão plenária do 18º Comité Central do PCCh também marcou época e deu início a uma nova jornada de aprofundamento integral da reforma e de sua promoção conforme um plano sistemático e holístico na nova era, abrindo assim um novo capítulo da reforma e abertura da China. Nessa sessão, o Comité Central criou a Comissão para o Aprofundamento Integral da Reforma, tendo o Secretário-Geral Xi Jinping assumido a liderança e presidido 72 reuniões da comissão desde então. Foram introduzidos mais de 2000 programas para reforçar, ampliar e aprofundar a reforma. As medidas da reforma em vários sectores levaram a abertura da China a um nível significativamente mais elevado.

Desde a criação de 22 Zonas Piloto de Comércio Livre e do Porto de Comércio Livre de Hainan, à assinatura e entrada em vigor da Parceria Económica Regional Abrangente, à construção de uma rede orientada a nível mundial de zonas de comércio livre de alto padrão, desde o encurtamento repetido da lista negativa para o investimento estrangeiro, à redução das restrições de acesso ao mercado nos sectores das telecomunicações, da saúde e de outros serviços, desde a promoção da cooperação de alta qualidade da Faixa e Rota até ao estabelecimento de plataformas de cooperação internacional para intercâmbios comerciais e económicos, como a Exposição Internacional de Importação da China, a Feira Internacional de Comércio de Serviços da China e a Expo Internacional de Produtos de Consumo da China, estas importantes medidas para expandir a abertura de alta qualidade beneficiam a comunidade internacional através do desenvolvimento da China e dão ao mundo motivos para optimismo sobre as perspectivas de crescimento da China. A China continua a ser o maior comerciante mundial de bens durante sete anos consecutivos, e o maior exportador e segundo maior importador mundial durante 15 anos consecutivos. Tem estado entre as três principais fontes mundiais de investimento externo durante 11 anos consecutivos. 155 países e regiões de todo o mundo são beneficiários do financiamento fornecido pela China.

A modernização chinesa é promovida constantemente durante a reforma e abertura e terá certamente uma perspectiva ampla nesse processo. O presente e o futuro próximo constituem um período crítico para o nosso esforço para construir um grande país e avançar no sentido do rejuvenescimento nacional em todas as frentes através da modernização chinesa. Para lidar com ambientes complexos, tanto a nível interno como externo, adaptarmo-nos à nova ronda de revolução científica e tecnológica e de transformação industrial e corresponder às novas expectativas do nosso povo, é vital que continuemos a avançar nas reformas. Foi salientado na Terceira Sessão Plenária do 20.º Comité Central do PCCh que os objectivos gerais de aprofundar ainda mais a reforma de forma abrangente são continuar a melhorar e desenvolver o sistema de socialismo com características chinesas e modernizar o sistema e a capacidade de governação da China.

Até 2035, a China terá concluído a construção de uma economia de mercado socialista de alto padrão em todos os aspetos, melhorado ainda mais o sistema de socialismo com características chinesas, modernizado em geral o nosso sistema e capacidade de governação e, basicamente, realizado a modernização socialista. Tudo isto estabelecerá uma base sólida para transformar a China num grande país socialista moderno em todos os aspectos até meados deste século. Para avançarmos de forma constante nas reformas, concentrar-nos-emos na construção de uma economia de mercado socialista de alto padrão, na promoção da democracia popular em todo o processo, no desenvolvimento de uma forte cultura socialista na China, na melhoria da qualidade de vida das pessoas, na construção de uma China Bonita, no avanço da Iniciativa da China Pacífica e melhorar a capacidade do Partido para a liderança e governação a longo prazo. Para concretizar estes objectivos de reforma, a Resolução elabora planos de reforma em domínios específicos como a economia, a política, a cultura, a sociedade, a conservação ambiental, a segurança nacional e a defesa nacional e militar, envolvendo mais de 300 medidas concretas. Ficou claro que as tarefas de reforma estabelecidas na Decisão deverão estar concluídas quando a República Popular da China celebrar o seu 80.º aniversário em 2029.

A modernização chinesa segue o caminho do desenvolvimento pacífico. A Decisão afirma solenemente que a China se mantém firme na prossecução de uma política externa independente de paz e está empenhada em promover uma comunidade humana com um futuro partilhado. Continuaremos comprometidos com os valores comuns de toda a humanidade, prosseguiremos a Iniciativa de Desenvolvimento Global, a Iniciativa de Segurança Global e a Iniciativa de Civilização Global, e apelaremos a um mundo multipolar igualitário e ordenado e a uma globalização económica universalmente benéfica e inclusiva. Aprofundaremos as reformas institucionais relacionadas com o trabalho dos negócios estrangeiros e envolver-nos-emos na liderança da reforma e do desenvolvimento do sistema de governação global. Salvaguardaremos resolutamente a soberania, a segurança e os interesses de desenvolvimento da China e promoveremos um ambiente externo favorável para aprofundar ainda mais a reforma de forma abrangente para promover a modernização chinesa.

Além disso, surgirão mais oportunidades de desenvolvimento devido à reforma e à modernização da China. As importantes medidas de reforma consagradas na Decisão incluem a constante expansão da abertura institucional, o aprofundamento da reforma estrutural do comércio externo, a reforma adicional dos sistemas de gestão do investimento interno e externo, a optimização da disposição para a abertura regional e a melhoria dos mecanismos para uma cooperação de elevada qualidade. Acredito que a implementação destas medidas irá melhorar várias instituições e mecanismos, remover obstáculos, proporcionar uma fonte constante de dinamismo para a modernização chinesa e criar mais oportunidades para a China e o resto do mundo aprofundarem a cooperação mutuamente benéfica e prosperarem e prosperarem juntos. No primeiro semestre de 2024, a economia da China registou um melhor desempenho em termos de velocidade e qualidade, com o PIB a crescer 5% e o investimento nos setores de alta tecnologia a aumentar 10,6%.

O Fundo Monetário Internacional reviu em alta a sua previsão para a taxa de crescimento económico da China em 2024. A comunidade empresarial global também expressou um optimismo mais forte sobre as perspectivas económicas da China, com as novas empresas estrangeiras na China a aumentarem 14,2 %. A China saúda todos os países a integrarem-se activamente no mercado chinês e a partilharem as oportunidades de desenvolvimento da China, de modo a alcançar o desenvolvimento comum e proporcionar benefícios a todas as pessoas do mundo.

Macau desempenha um papel fundamental no aprofundamento abrangente da reforma da China. A Decisão sublinha o apoio a Hong Kong e Macau na construção de centros internacionais para talentos de alto calibre, na melhoria dos mecanismos relevantes para ver as duas RAE desempenharem um papel mais importante na abertura da China ao exterior e no incentivo à cooperação entre Guangdong , Hong Kong e Macau na Grande Baía, promovendo um alinhamento mais estreito de regras e mecanismos.

O Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros apoiará plenamente todos os sectores da sociedade de Macau na implementação do espírito da Terceira Sessão Plenária do 20ºComité Central do PCCh, aproveitando ainda mais as vantagens únicas de Macau proporcionadas pelo princípio “Um País, Dois Sistemas” e o seu papel como plataforma de cooperação internacional. Daremos também um impulso aos esforços de Macau para desenvolver novas forças produtivas de qualidade, promover a diversificação económica adequada, em conformidade com o seu plano 1+4, através da inovação tecnológica e da modernização industrial, e desenvolver a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin.

Há 25 anos desde o seu regresso à pátria, Macau tem gozado da maior vantagem constitucional – “Um país, dois sistemas”, horizontes abundantes para o desenvolvimento, um ambiente de negócios altamente internacionalizado, uma base económica sólida, a vantagem do multiculturalismo e uma cultura tradicional.

Acredito que com estas vantagens e ao abraçar as novas oportunidades criadas pelo aprofundamento da reforma e da abertura, o cartão de visita dourado de Macau como metrópole internacional pode e será ainda mais polido!

2 Ago 2024

Ondas de calor, sensação térmica e “wind chill”

É sabido que uma das consequências das alterações climáticas consiste no aumento da intensidade e frequência de ondas de calor, as quais são uma das principais causas de morte relacionadas com condições meteorológicas extremas. Por exemplo, um estudo1 referente ao período 1959–2013, mostrou que em algumas regiões da China as ondas de calor têm tido maior frequência e duração desde 1990. No caso particular de Macau, também se observa um aumento significativo na sua frequência, embora não se tenham detetado tendências positivas significativas na intensidade e duração, de acordo com um estudo elaborado por meteorologistas da Direção os Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau2.

Também em Portugal, nas últimas três décadas, a tendência é de aumento da sua frequência. Apesar da ocorrência ser mais provável no verão, podem acontecer em qualquer estação, como se verificou este ano, em janeiro, no norte e centro do país.

O conceito de onda de calor é definido por critérios diferentes conforme as caraterísticas climáticas dos países. No caso de Portugal, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), considera-se que ocorre uma onda de calor quando num intervalo de pelo menos seis dias consecutivos, a temperatura máxima diária é superior em 5 °C ao valor médio diário no período de referência.

De acordo com o Programa de Observação da Terra da União Europeia, 23 de julho de 2024 foi o dia mais quente desde 1940. O valor da temperatura média à escala global atingiu 17,16 °C3, ultrapassando o recorde anterior de 17,08 °C. Este facto serviu de base para mais um alerta do Secretário-Geral das Nações Unidas, que voltou a alertar para a ameaça crescente ao nosso bem-estar socioeconómico e ambiental. Segundo António Guterres, “… a Terra está a tornar-se mais quente e mais perigosa para todos, em todo o lado”, acrescentando “… milhares de milhões de pessoas enfrentam uma epidemia de calor extremo – definhando sob ondas de calor cada vez mais mortíferas, com temperaturas que ultrapassam os 50 graus Celsius…”.

Segundo um estudo4 divulgado na véspera do Dia Nacional da Conservação da Natureza (28 de julho), as consequências das alterações climáticas podem causar até 14,5 milhões de vítimas mortais até 2050, sendo atribuídas às ondas de calor 1,6 milhões.

Este texto vem a propósito da onda de calor que ocorreu recentemente no Dubai, em julho de 2024. De acordo com notícias divulgadas pelos meios de comunicação social, a sensação térmica neste Emirado atingiu cerca de 62 °C em 17 de julho. Na realidade, os termómetros não registaram mais do que 43 °C, mas o facto de valores altos de vários parâmetros meteorológicos se terem conjugado fez com que a sensação térmica fosse exageradamente alta.

Embora a sensação de calor não seja igual em todos os seres humanos, convencionou-se adotar um índice, designado por sensação térmica, para traduzir o grau de desconforto. Trata-se de uma temperatura aparente, que depende não só de fatores meteorológicos, mas também das características pessoais como, por exemplo, idade, índice de massa corporal, sedentarismo e hábitos alimentares. Uma pessoa com sobrepeso tem tendência a ser mais incomodada com o calor do que alguém com o peso ideal. É evidente que as fórmulas, com base nas quais se calcula a sensação térmica, não podem entrar em linha de conta com estes fatores. As mais utilizadas, para temperaturas altas, limitam-se a considerar a temperatura do ar e a humidade relativa.

Quando o ar é relativamente seco, o suor resultante da transpiração evapora facilmente. Para esse efeito o nosso corpo cede calor, o que provoca a sensação de frescura, o que já não acontece quando a humidade relativa é alta. Vejamos um exemplo extraído da tabela5 usada pelo Serviço Meteorológico Nacional dos Estados Unidos da América: à mesma temperatura de 30 °C, fazendo corresponder a humidade relativa de 40%, 50% e 90%, correspondem, respetivamente, sensações térmicas de 29 °C, 31 °C e 41 °C.

Ainda segundo esta tabela, são as seguintes as relações entre sensação térmica para diferentes intervalos de temperatura aparente e as consequências possíveis:

SENSAÇÃO TÉRMICA

CUIDADOS E CONSEQUÊNCIAS POSSÍVEIS

Mais de 54 °C

Perigo extremo: insolação iminente

41-54 °C

Perigo: provável insolação, cólicas musculares e/ou exaustão pelo calor com exposição prolongada e/ou atividade física.

32-41 °C

Cuidado extremo: possível insolação, cólicas musculares e/ou exaustão pelo calor com exposição prolongada e/ou atividade física.

27-32 °C

Cuidado: possível fatiga com exposição prolongada e/ou atividade física.

Embora as tabelas para situações caracterizadas por temperaturas altas não entrem em consideração, em geral, com a velocidade do vento, este parâmetro tem também influência na sensação térmica. Os motociclistas conhecem bem este fenómeno, pois sentem um acréscimo da sensação térmica à medida que a velocidade do motociclo aumenta, em situações de grande calor.

Nos dias frios o fator mais determinante para a sensação térmica, além da temperatura, é a velocidade do vento. Por esta razão as tabelas para o cálculo da sensação térmica não entram em consideração, em geral, com a humidade relativa. Nos países de língua inglesa a sensação térmica é designada por “wind chill”. Por exemplo, à temperatura de -5 °C e vento de 40 km/h corresponde o valor de “wind chill” de -14  °C, conforme a tabela adotada pelo Serviço Meteorológico do Canadá.

Em situações de temperaturas baixas, embora a velocidade do vento seja o fator mais decisivo, a humidade relativa também tem importância para a sensação térmica. O frio é mais suportável quando o ar é seco. Por exemplo, uma situação meteorológica caracterizada por 7 °C em Lisboa é mais suportável do que a mesma temperatura em Macau, onde, em geral, o ar é muito mais húmido.

*Meteorologista

Referências:

“Heat Waves in China: Definitions, Leading Patterns, and Connections to Large-Scale Atmospheric Circulation and SSTs” (by Pinya Wang, Jianping Tang, Xuguang Sun, Shuyu Wang, Jian Wu, Xinning Dong, Juan Fang).

“Extreme rainfall and summer heat waves in Macau based on statistical theory of extreme

Values” (by Weiwen Wang, Wen Zhou, Soi Kun Fong, Ka Cheng Leong, Iu Man Tang, Sau Wa Chang, Weng Kun Leong).

Note-se que se trata da temperatura média diária e não da temperatura máxima diária. No que se refere a esta, o recorde mundial é de 56,7 °C, em 10 de julho de 1913 em Furnace Creek, Greenland Ranch (próximo do Death Valley, Estados Unidos da América), à altitude de 54 m abaixo do nível do mar.

“Avaliação do impacto das alterações climáticas na saúde humana” – estudo elaborado pela empresa de consultoria OIiver Wyman, em colaboração com o Fórum Económico Mundial (FEM).

1 Ago 2024

O Clube da Luta (II)

“Pezeshkian might be able to bring some social freedoms. But he will be a weak president because Khamenei and his allies are much more powerful than the president.”

Sohrab Hosseini

(continuação)

O império persa informal, tal como o império turco em reforma, e o Estado judaico dotado de uma poderosa diáspora entre as elites americanas pensam para além da escala clássica do Médio Oriente. Esta delimitação preguiçosa deixa muito a desejar. A Grande Guerra não conhece restrições geográficas. A sua dimensão é mundial porque está destinada a determinar a evolução das dezenas de conflitos maiores e menores que a distinguem.

A desamericanização e a desglobalização avançam a galope. É pouco provável que sejam invertidas pelo que resta do Ocidente. O antigo Grande Médio Oriente deve ser mantido sob observação especial. Não tanto pelo seu valor intrínseco, mas porque as ligações ou desconexões do triângulo Israel-Irão-Turquia com o triângulo Estados Unidos-China-Rússia, o vértice do jogo, serão decisivas. A visão geopolítica da República Islâmica resume-se na fórmula 4×3. Quatro pilares ideológicos, dois dos quais subversivos, o islamismo político de tradição khomeinista e pan-islâmica e o terceiro-mundismo adaptado ao clima do “Sul Global”, para além do nacional-imperialismo iraniano e do xiismo tradicional. Aplicado aos países estrangeiros vizinhos, à Ásia Ocidental e à esfera do “Sul Global”, suficientemente não especificada.

A experiência minoritária do xiismo nos círculos muçulmanos e a subtileza persa convidam a considerar qualquer táctica iraniana com o benefício do inventário. A ductilidade é a sua imagem de marca. A temperatura do Irão neo-imperial não deve ser medida tanto pelos factores étnicos e religiosos como pelos nós militares, logísticos, tecnológicos e económicos da sua extroversão de intensidade variável. O objectivo estratégico é afirmar-se de forma decisiva no arco que vai do Levante ao Afeganistão/Paquistão e ao sistema Hormuz-Bab el-Mandeb, chave de acesso ao Indo-Pacífico. Para isso, é necessário expulsar o Grande Satã dessa zona ou, pelo menos, induzi-lo a uma postura passiva. E acompanhar o Pequeno Satã até à sua extinção como “entidade sionista” incompatível com o ambiente islâmico em que surgiu é uma questão de tempo. O jogo final será disputado contra a Arábia Saudita e as oligarquias sunitas do Golfo.

O confronto regional com as petromonarquias árabes parece estar agora em segundo plano, atenuado pelas recentes aproximações de emergência entre sauditas e iranianos, estimuladas pela astenia de Washington que preocupa os seus antigos clientes do Golfo. A rivalidade a longo prazo não está, portanto, terminada. O “eixo de resistência” criado por Teerão com actores assimétricos como o Hezbollah libanês, o regime sírio, os palestinianos da Jihad islâmica e o Hamas é uma faca de dois gumes. Uma contra Israel, declarada e praticada. A outra, encoberta mas estratégica, contra a família saudita que se apoderou abusivamente dos “Lugares Santos”. Porque se a fundação da “entidade sionista” em solo muçulmano e a penetração americana são estranhas à “Casa do Islão”, portanto transplantes destinados a serem rejeitados, o desafio da hegemonia no campo islâmico é permanente. Os clientes do império de Teerão, exibidos como libertadores da Palestina, são e devem continuar a ser duplos.

Ao mesmo tempo que combatem Israel, têm de contrariar Riade e os seus associados. Por exemplo, o Hezbollah deve bloquear as vagas tentativas sauditas de atrair o Líbano para a sua esfera de influência. Quando o Estado sionista cair, porque está destinado a cair não deve acabar sob a casa saudita e/ou outros ramos sunitas do Golfo. O eixo de resistência é o crescente xiita invertido, o cavalo de batalha dos regimes árabes pró-ocidentais, ou supostamente. Desde os que mantêm uma paz fria com Israel (Egipto e Jordânia) até aos signatários dos “Acordos de Abraão”, à espera de descolar. Acordos bilaterais patrocinados em 2020 por Washington e oferecidos por Jerusalém aos Emirados Árabes Unidos e ao Bahrain, ou alargados a Marrocos e ao Sudão (que finge existir).

No pressuposto de que, mais cedo ou mais tarde, a cooperação secreta israelo-saudita, reduzida após o 7 de Outubro de 2023, encontrará uma sanção pragmática. O factor ordenador da geopolítica do Médio Oriente, segundo Teerão, não é o tão propalado confronto Israel-Irão. É a rivalidade entre iranianos e sauditas, complicada pelo emiratismo. A linha divisória em torno da qual oscilam os actores regionais divide o império persa e o Golfo, com grande peso saudita. Onde Abu Dhabi, com a força da enorme riqueza financeira posta ao serviço das miragens da família dirigente, joga sozinho, como um terceiro grande. Terá o Irão os meios para uma estratégia de grande potência? Uma pergunta tipicamente europeia, de quem sofre de economicismo crónico.

É claro que décadas de sanções, guerras, ineficácia e corrupção pesam sobre a saúde do aparelho produtivo iraniano, especialmente no sector crucial da energia. Mas a República Islâmica contorna a maior parte das restrições impostas por Washington, de tal forma que oferece aos russos tutoriais não gratuitos sobre como triangular e criar condutas financeiras e comerciais de emergência. Nascidas temporárias, estas manobras tecem redes alternativas à influência americana. Originalmente postos de primeiros socorros, transformam-se em hospitais de campanha e, amanhã, talvez, em alternativas permanentes à “ordem baseada em regras”, uma imagem de marca do Ocidente cheio de estrelas. Mais limitativo é o clima político interno, onde a transição das origens teocrático-territoriais para o regime actual é bastante instável. A incompatibilidade entre os jovens progressistas e as estruturas repressivas que respondem ao Pasdaran e ao Basiji, dotadas de vistosas agências de espionagem e de polícia, é chocante.

Será que a sucessão do Guia Supremo, que em breve atingirá a idade de Ali Khamenei, de 85 anos, será a faísca que incendiará o material inflamável acumulado dentro e à volta do regime? O confronto poderá ser desencadeado ainda mais cedo. O descontentamento em relação ao sistema (nezam) exprime-se na abstenção eleitoral galopante, na ausência de candidatos alternativos aos pré-seleccionados pelos apparatchiks. A eleição do sucessor do falecido Presidente Raisi, deu-no uma ideia mais clara. Até à eventual reforma ou mudança do sistema, a pergunta rainha permanecerá sem resposta. A estratégia do império persa ignora ou depende da ideologia do regime do momento? Kissinger perguntava-se em público se o Irão era uma nação ou uma causa. Traduzindo, um actor racional, portanto disposto a comprometer-se com a América, ou subversivo. Em privado, a resposta foi “uma nação com a sua própria causa, claro”. Talvez um elemento útil para a análise seja a relação entre o último Xá e o seu subversivo. Ambos muito mais pragmáticos do que pareciam.

O primeiro pró-ocidental, mas não o fantoche anglo-americano descrito pelos revolucionários marxistas-islamistas. O outro, mais nacional-imperial na sua teologia. Se os barões da inteligência sobrevivessem nalgum departamento de ciências políticas da Ivy League, ofereceriam a Mohammad Reza Pahlevi e a Ruhollah Khomeini diplomas honorários duplos ad memoriam na teoria do realismo aplicado. A estratégia de qualquer grande potência é manter-se nessa posição. O mesmo se aplica ao império persa, que se considera como tal, mesmo que não possua todos os seus atributos. Incluindo a bomba. O fio vermelho que liga o projecto atómico do Xá, lançado nos anos de 1950, ao da República Islâmica traça a continuidade estratégica entre dois regimes com uma genealogia imperial comum. Ambos se reclamam herdeiros da dinastia Aqueménida (cerca de 550-330 a.C.). O cilindro de Ciro entusiasma tanto o Xá como Khomeini e os seus sucessores.

O desenvolvimento da energia atómica desejado pelo Rei dos Reis fala em termos civis e pensa em termos militares. Os juristas xiitas que lideram a revolução insistem nesta ambiguidade. O líder supremo confirma a opção civil com fatwa ao mesmo tempo que aprova o programa secreto de enriquecimento de urânio, de modo a poder desenvolver um arsenal atómico associado a mísseis balísticos hipersónicos com um alcance de mais de 1500 quilómetros. Capazes de atingir Israel numa dúzia de minutos. Teerão será uma potência nuclear quando decidir fechar o círculo. Basta-lhe uma luz verde do Guia ou de quem quer que seja. Será conveniente para o Irão tirar a máscara e desafiar os dois Satãs? Não me parece que seja o caso. O regime de dormência nuclear permite a Teerão explorar as vantagens da dissuasão suprema sem se expor a retaliações israelitas e americanas.

1 Ago 2024

Gestão de fortunas familiares

Recentemente, um noticiário de uma estação de televisão de Hong Kong analisou o tema dos “family offices”. Hoje, vamos também explorar este tópico.

O conceito de “family office”, como o nome indica, tem como elementos base a família e o escritório (no sentido de negócio). Do ponto de vista financeiro, aqui “família” refere-se geralmente a um agregado familiar ou a uma família alargada possuidora de investimentos no valor de pelo menos 100 milhões de dólares americanos em activos; enquanto “escritório” (ou negócio) indica uma empresa que gere e opera anualmente aproximadamente um milhão e meio de fundos. Os fundos de um “family office” provêm dos enormes patrimónios das famílias. Portanto, um “family office” é essencialmente uma empresa que presta serviços de gestão de activos e de heranças patrimoniais de famílias muito abastadas. Visa ajudar estas famílias a alcançar o crescimento da riqueza inter-geracional e a aumentar o seu património. O âmbito dos serviços é amplo, abrangendo planeamento de investimento, de património e de impostos, gestão de riscos, educação patrimonial e muitos outros aspectos.

Dado que os “family offices” fornecem serviços mais especializados às famílias, estas precisam de ter bens consideráveis para suportarem os honorários cobrados. Se uma família não tiver bens suficientes, deve considerar contratar advogados, contabilistas, e gerentes bancários para tratarem dos seus assuntos, o que poderá ser financeiramente benéfico.

Antes da pandemia, os “family offices” geriam a nível global aproximadamente 5,9 biliões em activos. No passado dia 24 de Maio, o UBS Group AG publicou o ‘Relatório Global dos Family Offices de 2024’, após ter realizado um estudo detalhado de 320 “family offices” sediados nas sete maiores regiões do mundo. Os resultados demonstraram que o total das fortunas geridas por estas empresas excedia os 600 mil milhões de dólares americanos. Estes dados provam em toda a linha a existência de enormes quantias em activos controladas pelos “family offices” e a sua enorme influência à escala da economia global. A capacidade de qualquer região do mundo para atrair “family offices” terá, sem dúvida, um impacto profundo e positivo no desenvolvimento económico local.

Hong Kong, enquanto centro financeiro internacional, já está muito atento à tendência de desenvolvimento dos “family offices”. Em 2022, no seu discurso político, o Governo de Hong Kong afirmou claramente o seu propósito: apoiar pelo menos 200 “family offices” para se estabelecerem ou expandirem os seus negócios na cidade até ao final de 2025. Para o efeito, Hong Kong aprovou a 10 de Maio de 2022 “Inland Revenue (Emenda) e a Lei para Redução de Impostos para os Instrumentos de Controlo de Investimentos, que estipula claramente que o limite mínimo de activos para os “family offices” da cidade é 240 milhões de dólares de Hong Kong, e prevê uma série de medidas para reduzir os impostos sobre os lucros para promover o estabelecimento destes negócios em Hong Kong.

No entanto, os benefícios fiscais são apenas uma das muitas vantagens de Hong Kong para atrair “family offices”. Como região administrativa especial da China, o princípio ‘um país, dois sistemas’ que vigora na cidade, e o seu enquadramento internacional proporcionam condições únicas, facilitando aos “family offices” a contratação de colaboradores muito qualificados. Como maior centro de renminbi offshore do mundo, Hong Kong tem livre circulação de moeda e nenhum obstáculo à entrada e saída de fundos, o que é da maior conveniência para os “family offices”. Para além disso, Hong Kong possui um sistema de tributação simples, com impostos baixos e sem taxação sobre o valor acrescentado, nem imposto sucessório, ou sobre dividendos, ou imposto sobre juros de poupança. Ao mesmo tempo, assinou acordos de prevenção de dupla tributação com muitos países, o que reduz efectivamente os encargos para os contribuintes e evita terem de pagar múltiplos impostos para vários países com uma única fonte de rendimentos.

Existe livre circulação de mercadorias e de informação em Hong Kong. Uma formação de alta qualidade produziu quadros muito qualificados. Em Hong Kong, as universidades ensinam em inglês. O Artigo 9 da Lei Básica de Hong Kong estipula que as línguas oficias da cidade são o chinês e o inglês. O inglês abre muitas portas e permite uma comunicação fácil entre Hong Kong e outros países.

O sistema jurídico de Hong Kong baseia-se no direito consuetudinário (common law). Os tribunais podem usar qualquer uma destas línguas nas audiências. É a única região especial da China que usa o direito consuetudinário. Estas condições são, sem dúvida, muito atractivas para países e regiões que estejam familiarizados com o inglês e com o direito consuetudinário.

Como a construção dos projectos da China continental “Nova Rota da Seda” e “Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau” avança a grande velocidade, Hong Kong está, como nunca antes, perante um mundo de novas oportunidades.

Resumindo, com as suas vantagens particulares e políticas preferenciais, Hong Kong está a tornar-se o local ideal para estabelecer “family offices”. Simultaneamente, os “family offices” podem trazer mais fundos para Hong Kong e promover o desenvolvimento da economia local, obtendo-se uma situação em que todos saem a ganhar. Para atrair mais “family offices” a estabelecerem-se na cidade, o Governo tem de considerar as necessidades das famílias, optimizar continuamente o sistema e as políticas que se lhes aplicam para assegurar o desenvolvimento sustentável das famílias e dos seus negócios. Ao mesmo tempo, os “family offices” também precisam de ajudar de forma activa as famílias a explorar a melhor forma de escolher um caminho para a transmissão do património à geração seguinte. Neste sentido, Hong Kong pode vir a ser o local modelo para estabelecer a gestão global de fortunas e de heranças.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

30 Jul 2024

Assembleia da República bateu no fundo

A Casa da Democracia, vulgo Parlamento, nunca “imaginou” que no seu interior a dialética política baixasse ao mais baixo nível de educação, ética, cordialidade e respeito. Durante a semana passada assistiu-se na absurda Comissão Parlamentar de Inquérito, sobre o caso das meninas gémeas luso-brasileiras, aos maiores dislates que possam imaginar.

Antes de mais, esta Comissão não tem qualquer razão de existência. Foi criada porque o deputado André Ventura apeteceu-lhe realizar mais um reality show para otários verem. O deputado Ventura quer à viva força que se diga oficialmente que o Presidente da República meteu uma cunha a pedido do seu filho Nuno. E pronto, não passa disso.

Todo o povinho viu logo que o Presidente teria dado indicações para que se salvasse a vida das duas meninas gémeas que tinham uma doença rara só curável com um medicamento cujo custo atingia os quatro milhões de euros. Mas, qual é o pai ou a mãe que não faz tudo o que puder para salvar a vida de um filho? Não está agora em causa se Nuno Rebelo de Sousa se valeu do facto de ser filho do Presidente Marcelo para obter dividendos em outros negócios. Aqui, estava em causa a vida de duas crianças. É ilegal a “cunha oficial”? É. O Presidente da República não recebe milhares de cartas, e-mails e mensagens a pedirem-lhe que interceda nisto e naquilo? Recebe. Marcelo Rebelo de Sousa não tem, através da sua Casa Civil, encaminhado centenas de casos para o Governo tratar? Tem.

No entanto, o gladiador Ventura quer à viva força que todo o mundo saiba que o Presidente da República meteu uma cunha a pedido do filho. E, para isso, quer ouvir toda a gente que tivesse tido qualquer ligação ao caso de 2019. Já ouviu o ex-secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, já ouviu quem quis e na semana passada a Assembleia da República bateu no fundo em falta de ética, educação e respeito por cidadãos que não estão ali em tribunal nenhum. Quando foi ouvido o chefe da Casa Civil do Presidente da República, o gladiador Ventura levou uma lição de alto nível profissional, de educação e de compostura política.

No dia seguinte foi ouvida a doutorada Maria João Ruela, ex-jornalista de prestígio e agora nas funções de assessora de comunicação do Presidente da República. Bem, foi um escândalo. A senhora foi tratada pelo gladiador Ventura abaixo de cão, foi malcriado, fez perguntas impróprias de pessoa educada e acabou, imagine-se, a chamar “mentirosa” a uma senhora de elevado nível profissional com anos de provas dadas.

Ventura, no mínimo, devia ser expulso de deputado. Ah, foi eleito, pelos seguidores fascistas, e assim, continuará no Parlamento aos gritos contra tudo e todos pensando que vai chegar a governante quando em próximas eleições legislativas o seu partido não obterá mais de 20 deputados. Até a ex-ministra da Saúde, Marta Temido, que agora tem mais que fazer no Parlamento Europeu, será ouvida no final do mês de Setembro porque os senhores deputados, os portugueses mais sortudos no país, vão de férias… Ventura quer ouvir também Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, mas estes devem cumprir a lei por escrito. Só falta que o gladiador Ventura solicite a presença do cirurgião que operou as meninas gémeas para lhe perguntar se as meninas lhe falaram em Marcelo Rebelo de Sousa…

Esta Comissão Parlamentar de Inquérito já deu que falar em Espanha, França e Alemanha pela negativa. Tem deixado uma imagem da democracia portuguesa semelhante a um caixote de lixo. E será que a globalidade dos deputados merece uma vergonha destas? Na última audição, imaginem, ao ex-chefe de Gabinete de António Costa em 2019, a sessão terminou sem que nada acontecesse porque o inquirido nada tinha para dizer porque tomara conhecimento do caso das gémeas apenas em 2023 pela comunicação social. Mas, o que queria o gladiador Ventura tirar da boca do inquirido? Que falou ao telefone com o Presidente da República para acelerar o caso? Que falou com Nuno Rebelo de Sousa para dar andamento rápido antes que morressem as meninas gémeas? Na inquirição ficou esclarecido que ex-chefe de Gabinete de António Costa nem estava em Portugal quando o ofício oriundo da Presidência da República foi encaminhado para o Ministério da Saúde.

André Ventura devia pôr a mão na consciência e confirmar que tem feito uma figura triste, mal-educada e arrogante; que está a perder apoiantes todos os dias que abre a boca e que as actuais sondagens dão ao seu partido Chega, apenas 12 por cento da tendência eleitoral.

Todavia, existe o outro lado da moeda: será bom que Ventura continue a actuar politicamente como tem feito ultimamente. É sinal que, em Portugal, a xenofobia, racismo e fascismo não têm pernas para andar…

29 Jul 2024

África nossa

LIXEIRAS de materiais electrónicos e metais venenosos têm aumentado exponencialmente pelo mundo fora, sobretudo na África e nos países do Indo-Pacífico. Segundo o relatório publicado na semana passada pela ONU, o ritmo médio anual de crescimento dos resíduos electrónicos foi de 30 por cento entre 2010 e 2022, mostrando que os antigos impérios coloniais, além de continuarem a explorar as suas possessões perdidas para a independência formal, donde importam as suas matérias primas a muito baixo preço, também as utilizam como depósito final para os televisores, computadores, telemóveis e todo o tipo de máquinas de funcionamento electrónico que deixaram de servir.

Os africanos que em 2023 geraram, em média, por pessoa, 0,44kg de resíduos electrónicos recebem parte substancial dos 3,25kg que cada indivíduo produz no mundo desenvolvido.

Informa o relatório da UNCTAD que “os países em desenvolvimento suportam a maior parte dos custos ambientais da digitalização, ao mesmo tempo que colhem menos benefícios. Exportam matérias-primas de baixo valor acrescentado e importam dispositivos de elevado valor acrescentado, a par de um aumento dos resíduos digitais. (…) Constituídos por poluentes orgânicos e metais pesados como o mercúrio e o chumbo, os resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos são classificados como perigosos pela Convenção de Basileia.”

Em janeiro de 2023, a polícia espanhola desmantelou uma rede que exportou ilegalmente mais de cinco mil toneladas de resíduos electrónicos da Europa para a África Ocidental, através das Canárias.

A Comissão Europeia calcula que, dos dois mil milhões de toneladas de resíduos produzidos pelos países da União Europeia (95 milhões considerados perigosos), entre 15% e 30% são exportados ilegalmente por organizações criminosas para países da África, América Latina e Sudeste Asiático. Da exportação legal, que é muito mais volumosa, nada diz.

Compreende-se…

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Quando a escravatura foi abolida, houve países que se endividaram para pagar indemnizações, mas apenas aos proprietários de escravos. O que veio a seguir foi o trabalho forçado, que teve práticas diferenciadas em todo o ex-império português e culminou com o massacre da Baixa do Cassange, no sul de Angola, no dia 4 de janeiro de 1961.

Aí, cansados das condições de trabalho impostas pela companhia Cotonang, com apoio do governo da colónia portuguesa, milhares de trabalhadores angolanos dos campos de algodão lançaram-se num levantamento popular. A revolta foi brutalmente reprimida, tendo sido assassinados milhares de trabalhadores. Ainda hoje não se sabe quantos.

A Cotonang e as autoridades coloniais perpetraram então o que ficou para a História como o Massacre da Baixa de Cassange. Tratava-se de uma companhia luso-belga que obteve uma concessão para plantio de algodão nessa região e forçava os camponeses a cultivarem as fibras, sem receberem salário ou a vendê-las por um preço irrisório-

Os agricultores não tinham salário ou eram forçados a vender a sua produção por um valor muito abaixo do preço no mercado mundial. A obrigação de plantar algodão impedia as famílias de cultivarem seus próprios alimentos.

O poeta Arlindo Barbeitos, que lutou pela independência no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), descreve assim esta situação:

“As pessoas eram obrigadas a plantar algodão e era absolutamente indiferente que houvesse colheita de milho, massambala (sorgo), batata-doce, mandioca, feijão, aquilo que as pessoas comiam. Não importava, a colheita do algodão tinha que ser garantida. E o algodão só podia ser vendido a uma determinada empresa que tinha o monopólio, as balanças eram falseadas e o preço era baixíssimo. Se não produzissem o algodão devido, eram espancados. Isso são coisas que eu vi.”

Na revolta, os agricultores destruíram plantações, pontes e casas. A colônia reagiu enviando aviões da Força Aérea Portuguesa, que lançaram bombas sobre as pessoas. O número de mortes varia de mil até dez mil agricultores.

*

Fiquei com a pedra no sapato, ao ver o que substituiu a tão antiga, renovada e readaptada realidade da escravatura e, hoje, com o pé a doer cada vez mais, não descansei enquanto não fui mergulhar sem preconceitos óbvios nem certezas ingenuamente adquiridas nesse mar podre onde Gilgameche, Homero, Vigílio, Santo Agostinho, Averróis, Petrarca, Loyola, Camões, António Vieira, Fernando Pessoa e Hermano Saraiva, ministro de um ditador beirão e contador de histórias na TV, fizeram proliferar e repartir as águas por baleias, bacalhaus, sardinhas e medusas e alforrecas, com golfinhos de circo a entreter as academias e os patriotas da historiografia.

Quase me engasguei ao tentar saborear uma palavra que em absoluto desconhecia, chibalo, e até comecei por admitir que podia ser uma gralha arreliadora, já que tem uma fonética muito próxima um étimo moderno caçado aos espanhóis e muito em uso entre os jovens, chavalo. Provavelmente, 99,999 por cento dos humanos existentes nos dois hemisférios terrestres sabem tanto como eu sabia dos chibalos, aqueles infelizes que foram postos a substituir os escravos e os escravizados nas minas e nas plantações dos impérios coloniais.

Trata-se, afinal, segundo a Wikipédia, de “um conceito de servidão por dívida ou trabalho forçado no Ultramar Português (as províncias ultramarinas portuguesas na Ásia África), mais notadamente em Angola e em Portugal (ao contrário dos outros impérios europeus do século 20, as possessões portuguesas deixaram de ser consideradas legalmente colónias pela revisão constitucional de 1951, passando a ser designadas como províncias ultramarinas, parcelas de pleno direito do Estado Português, como forma de atenuar a pressão internacional para a descolonização). Em 1869, os portugueses aboliram oficialmente a escravatura, substituindo o escravo pelo chibalo foi usado para construir a infraestrutura das províncias africanas, pois apenas colonos portugueses e assimilados recebiam educação e estavam isentos deste trabalho forçado.”

Apesar de um pouco arrevesada, esta tradução wikipédica para o português, dá jeito utilizá-la, assim como a citação que faz do professor Motsomi Marobela: “No coração do colapso da agricultura na África Austral estava um desagradável sistema tributário colonial – o imposto sobre cabanas. Foi a introdução desse imposto que criou o que Marx chamou ’exército de reserva de trabalho’ e, que foi barbaramente explorado pelo capital de mineração. Foi esse trabalho forçado que trabalhou plantações e minas coloniais. Assim, de acordo com Seddon (2002), ‘o termo chibalo ou xibalo foi usado comumente na África Central e do Sul a partir do final do século XIX para descrever uma variedade de formas opressivas de trabalho introduzidas pelos europeus.’ Em Botsuana, por exemplo, diz-se que os homens que partiram para as minas sul-africanas foram para o makgoeng (para os brancos) por um período de seis meses como trabalhadores migrantes. Parte de seus pequenos ganhos foi para pagar o imposto. Mas as consequências de tal migração de mão de obra coagida foram profundamente prejudiciais para as economias nativas, que eram principalmente agrárias.”

Com Salazar, o chibalo foi usado em Moçambique para cultivar algodão, sendo “a Companhia do Niassa um exemplo do tipo de empresas que poderiam florescer desde que tivessem acesso a uma força de trabalho não remunerada. O investimento estrangeiro nas províncias ultramarinas portuguesas foi banido para que Portugal se beneficiasse diretamente. Todos os homens de idade adequada tiveram que trabalhar nos campos de algodão, que, por isso, se tornaram inúteis para a produção de alimentos, levando à fome e desnutrição.”

O chibalo substituiu a escravidão que apenas tinha sido abolida “em 1901, uma mera década e meia antes do final dos cinco séculos que abrangem o Império Português. No entanto, enfrentou forte oposição desde o final do século XIX de colonialistas e empresários portugueses, nomeadamente Theodorico de Sacadura Botte”, nas então províncias de Marracuene e Magude.

26 Jul 2024

O Clube da Luta (II)

“Pezeshkian might be able to bring some social freedoms. But he will be a weak president because Khamenei and his allies are much more powerful than the president.”

Sohrab Hosseini

A classe dirigente israelita está longe de estar convencida da ambição ou megalomania de Shiloah. Em torno de David Ben-Gurion, que governou o seu Estado como um quase ditador, os dirigentes trabalhistas da época tendiam para o não-alinhamento, ou seja, para a neutralidade. Pelo menos até 1956, quando, graças à guerra do Suez, o aventureiro Nasser desencadeia a vaga pan-arabista e se torna um defensor da resistência palestiniana, que organiza e promove. E aproxima-se da União Soviética.

Geopolítica dos três círculos, o árabe, muçulmano e africano, com o Egipto no centro. Perigo mortal para Israel, rodeado de árabes inimigos. Shiloah sugere a Ben-Gurion uma contra-estratégia em espelho e Israel como pivot de uma “Aliança da Periferia”, composta pelo braço Norte, com a Turquia e o Irão, e pelo braço Sul, com a Etiópia e o Sudão.

Encoberto, entendimentos bilaterais, baseados em informações (espionagem e operações especiais), comércio (ver as importações israelitas de hidrocarbonetos persas, também através da duplicação do oleoduto entre Eilat e Beersheba com a contribuição da companhia petrolífera nacional iraniana) e até produção de armas, incluindo um protótipo de míssil israelo-iraniano. Baile de máscaras. Tudo estrictamente secreto, muitas vezes salpicado de polémicas amargas sublinhadas pelos meios de comunicação social, porque as opiniões públicas respectivas e as potências opostas não apreciariam essas convergências incómodas. O que une o trio é a desconfiança em relação aos árabes e o medo do Egipto de Nasser, um cavalo de Troia soviético. Não uma verdadeira aliança. Em 29 de Agosto de 1958, numa reunião secreta em Ancara entre Ben-Gurion e o seu homólogo turco Adnan Menderes, com a presença de Shiloah, o patriarca israelita explicou que “Os árabes estão a fazer uma tal algazarra que o mundo inteiro pensa que o Médio Oriente é composto apenas por países árabes, mas isso não é verdade. Se formarmos este bloco de cinco países, poderemos garantir a nossa existência e independência, o que também terá efeitos no Norte de África”.

Pouco tempo antes, Ben-Gurion e o Xá da Pérsia trocaram missivas calorosas de entoação semelhante, com tons de intimidade multimilenar. O líder israelita recorda o que o rei Ciro fez pelos judeus, trazendo-os de volta a casa, e Mohammad Reza Pahlavi disse que “A memória do que Ciro fez pelo seu povo é-me cara e tentarei continuar esta antiga tradição”. O mesmo se passa com Haile Selassie, imperador da Etiópia, “descendente” do rei Salomão e da rainha de Sabá. Na frente dos serviços secretos, nasceu o “Trident”, um acordo de colaboração secreta entre a Mossad e os serviços correspondentes da Turquia e do Irão. A sede é em Israel, financiada pela CIA, com uma secção amarela para os turcos e uma azul para os iranianos, que depressa caiu em desuso e foi transformada num ginásio da Mossad. É impossível avaliar a extensão das trocas entre os membros da “Aliança da Periferia”, dado o grau de secretismo e informalidade. O impulso inicial perde-se rapidamente, ainda que a colaboração secreta de Jerusalém com Ancara resista entre altos e baixos até 7 de Outubro de 2023 e à escolha de campo de Erdoan a favor do Hamas, quando a tensão entre o secretismo do aparelho e a pressão da opinião pública parece esmagar as arquitecturas subterrâneas do semi-eixo turco-israelita.

O de Teerão sobrevive em parte à revolução de Khomeini, desenvolve-se na guerra Irão-Iraque (1980-1988), até ao advento do Pasdaran ao leme da República Islâmica. Dois objectivos principais unem o triângulo que é quebrar as ambições pan-arabistas de Nasser e dos seus emuladores; contar mais com a América. Atingido o primeiro objectivo mais devido ao irrealismo egípcio do que por mérito próprio, o segundo é progressivamente alcançado por Israel, ao ponto de, desde os anos de 1970, ter evoluído para uma quase simbiose. Na opinião do diplomata Gershon Avner “A aliança contribuiu para que nos sentíssemos como uma grande potência. Não somos apenas um mendigo sentado numa vala a ser alvejado em todas as direcções.” Talvez não compreendamos hoje o sentimento de precariedade que tirou o sono a Ben-Gurion e que continua a assombrar as elites mais conscientes do Estado judaico.

O fundador escreveu em 1963 ao Presidente Kennedy que “Pode não acontecer hoje nem amanhã, mas não tenho a certeza de que o Estado continue a existir depois da minha morte”. Equivalente ao roncado com que Ben-Gurion comenta a confissão do general Yehoshafat Harkabi, director dos serviços secretos militares de que “O que temos em comum é que nenhum de nós acredita que o Estado de Israel existe realmente”. Para a Turquia, que neste momento sofre por estar reduzida a uma sentinela no flanco sudeste da NATO, e para o Irão do Xá, que está menos esmagado por Washington do que parece, a “Aliança da Periferia” não é o bilhete privilegiado para o que espera o establishment americano. O quantum de influência de que o Estado judeu goza e que Ancara e Teerão esperam utilizar para os seus próprios fins não é o que Shiloah e companhia se gabam. Washington também não precisa de utilizar o canal israelita para negociar com Ancara e Teerão.

A CIA assegura que a troca de informações não excede um certo grau. Se se aproxima, Langley esvazia o depósito. Quanto ao Departamento de Estado, o lobby arabista iguala, se não ultrapassa, o lobby pró-israelita até aos anos de 1960. Hoje, os antigos aliados da periferia são adversários. E têm tendência para o parecer. Porque, enquanto o pan-arabismo já não tem vestígios e o espantalho do Ocidente é encarnado pelo jihadismo, se é que este serve para dividir a frente supostamente islamista, estes três continuam a presidir ao pódio dos desequilíbrios do Médio Oriente. Apostamos que continuarão a precisar uns dos outros. Talvez como inimigos acesos. Muitas vezes, a inimizade une mais do que a amizade. Até porque, em geopolítica, a primeira existe, a outra é digna de dúvida. Finalmente, e para já visível, a época das alianças, reais ou presumidas, passou e dificilmente voltará. No turbilhão do Médio Oriente, o menu é apenas à la carte. O império persa compreende, na sua actual forma informal, uma população multiétnica com uma maioria árabe agregada por líderes que se sacrificam diariamente a uma ideologia fundada no ódio contra Israel (Pequeno Satã) e o seu protector americano (Grande Satã).

Centrada na República Islâmica do Irão, fundada em 1979 pelo Ayatollah Ruhollah Khomeini, governada, para além dos véus teocráticos, por uma oligarquia militar-policial centrada nos Guardiões da Revolução (Pasdaran) e nos paramilitares basiji. A sua ramificação em redes de clientes e milícias estende-se desde o oeste do Afeganistão (Herat) até ao Mediterrâneo oriental (Beirute), passando por Bagdade e Teerão. Penetração na Península Arábica, desde os Territórios Palestinianos Ocupados até à costa ocidental do Estreito de Ormuz e ao Iémen dos Hutis. O Irão acrescenta à sua aversão aos judeus e aos americanos a sua rivalidade geopolítica com a Arábia Saudita, que envolve as petromonarquias do Golfo, sobretudo os Emirados Árabes Unidos. O seu centro comercial e financeiro é Dubai, a lavandaria premiada de todos os tráficos iranianos e outros tráficos oblíquos. Para aqueles que resistiram desde o nascimento às sanções americanas e ocidentais, destinadas a esmagar as suas ambições nucleares e a cortar-lhes as asas imperiais, esta saída é essencial.

O leque de relações especiais é completado pela cooperação, não só energética e militar, com a Rússia, mestre das operações cinzentas, que, após a invasão da Ucrânia, arrebatou ao Irão a primazia de Estado mais sancionado do mundo. Selo de um entendimento pragmático entre impérios historicamente adversários. Para além da relação ambígua com a Turquia, rival geopolítico e ao mesmo tempo matriz genética relevante dos povos do Irão metade persas, um quarto de azeris e outros turcos, um décimo de curdos, muito poucos árabes, reflectida na parábola dos impérios persas, como testemunha a origem azeri do Guia Supremo, o turcófono Ali Khamenei; finalmente, o “olhar para Leste”, sobretudo para a China, para equilibrar a pressão americana. Para Washington, o Irão é um membro permanente de qualquer “Eixo do Mal”.

Do original, baptizado em 2002 por George W. Bush para classificar o Irão, o Iraque e a Coreia do Norte como patrocinadores do terrorismo jihadista, numa tentativa falhada de identificar os inimigos a vencer para erradicar essa raiz maléfica. E a mais recente, evocada pela administração Biden, alinhando China, Rússia, Irão e Coreia do Norte. Acusados, entre outras coisas, de conluio na produção de mísseis hipersónicos, a marca das superpotências nucleares. Os quatro cavaleiros do apocalipse estariam equipados com eles, incluindo o Irão com o seu último Fatah, os Estados Unidos ainda não. (perdoe-se a condicionalidade, mas a ideia de que a informação pública sobre armas estratégicas é real ultrapassa mesmo a nossa ingenuidade).

Além disso, os drones iranianos fornecidos aos russos estão a ajudar a afundar a Ucrânia e a aumentar o receio da Casa Branca de perder a guerra com a Rússia. Hipóteses impensáveis na actual revolução. Perante este cenário, conceber os conflitos do Médio Oriente como locais ou regionais, se não redutíveis à rivalidade Israel-Irão, é um erro crasso. Igualmente desviante é centrarmo-nos na competição ideológico-religiosa, numa região onde a legitimação divina do poder está em declínio com excepção dos extremistas religiosos do governo israelita enquanto as inclinações agnósticas, se não mesmo ateias, se propagam sobretudo entre os jovens (no Irão, a idade média é de 27 anos).

(Continua)

24 Jul 2024

As ideias absurdas de Kim Ki-duck e as diferenças de género no suicídio

O vereador de Seul, Kim Ki-duck, atraiu atenção mediática ao opinar sobre a taxa de suicídio entre os homens da cidade. Com um aumento acentuado, de 430 em 2018 para 1035 em 2023 (um aumento de 10 por cento no total), culpou prontamente a sociedade “dominada por mulheres”. Num relatório publicado no site do Concelho Metropolitano de Seul, o vereador sugere que a causa da diferença de género no suicídio é a competição das mulheres por bons empregos e a dificuldade acrescida dos homens em encontrar uma parceira para casar.

Foi com grande alegria que vi o público sul-coreano e a imprensa internacional condenarem as ideias do vereador. Muitos apontaram para o óbvio: a Coreia do Sul não é um paraíso de igualdade de género laboral. Certamente que levanta a questão de como as mulheres podem estar a competir pelos postos de trabalho que Kim Ki-duck sugere. Ainda assim, em todos estes relatos ficou por explicar o porquê da diferença de género no suicídio, um assunto demasiado sério para ser ignorado.

Será necessário olhar atentamente para a cultura local e realizar estudos mais aprofundados em Seul para entender as dinâmicas em jogo. Mas se é para atirar generalizações irreflectidas, ao menos que se fale de generalizações já bastante reflectidas e estudadas. Embora não possam explicar especificamente as dinâmicas de género em Seul, oferecem uma visão mais complexa sobre o suicídio e sua prevalência.

Salvo algumas excepções geográficas, esta é uma tendência global: os homens morrem mais por suicídio do que as mulheres, embora as mulheres sejam mais frequentemente diagnosticadas com depressão e tenham mais ideação suicida. Há uma diferença essencialmente nos métodos de suicídio escolhidos. Enquanto os homens optam por estratégias mais assertivas (e.g., atirar-se de uma ponte, usar uma arma de fogo), as mulheres utilizam outros métodos (e.g., overdose de comprimidos), que, se tratadas a tempo, podem ser revertidas e cuidadas a longo prazo. A incidência de depressão nas mulheres sugere também que lhes é prestada ajuda de forma mais atempada.

As representações e expectativas de género afectam a forma como os homens e as mulheres procuram ajuda. A masculinidade hegemónica tende a ditar que os homens não podem vulnerabilizar-se, o que contribui para maior isolamento social. Isto dificulta diagnósticos de saúde mental prévios, ou um acompanhamento mais aproximado em alturas de crise. Também ainda prevalece a crença de que os homens têm de garantir o sustento da casa, que, em situações de desemprego e precariedade laboral e social, pode suscitar os piores cenários. As mulheres, por outro lado, têm socialmente validado o contacto com as emoções, sendo mais propensas a falar sobre o que é difícil, partilhando com os outros as suas dores e desconfortos, diminuindo assim o isolamento. A causa para a disparidade de género do suicídio terá muito que ver com as representações rígidas de género que não permitem viver as dificuldades de forma acompanhada.

É importante também lembrar que, ao olhar para populações específicas, há grupos mais vulneráveis ao suicídio, exactamente por estarem em situações de precariedade mais extremas. Dentro do grupo das pessoas trans, nos EUA, 40 por cento já tentaram o suicídio. Este é o resultado das várias camadas de discriminação e exclusão social que enfrentam. É preciso preocuparmo-nos com valores absolutos, mas também é preciso analisar a propensão de forma relativa e comparada. Existem especificidades estruturais e culturais que fazem com que outras incidências se manifestem, que merecem todo o nosso cuidado e preocupação.

O suicídio é um assunto sério. É uma das principais causas de morte a nível mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde. Macau, inclusive, tem registado um aumento no número de suicídios. No ano passado, Macau ultrapassou a média global ao registar 13 mortes por 100.000 habitantes, de acordo com fontes noticiosas locais. E porque não deveremos falar de assuntos extramente dolorosos e difíceis sem oferecer possibilidade de ajuda e resolução, aqui ficam contactos úteis para quem tem ideação suicida ou conhece alguém que tenha. Podem contactar a Caritas Hope for Life Hotline (2852 5777) para atendimento em português e inglês das 14h às 23h de domingo a terça-feira e das 9h às 18h de quinta-feira a sábado. Está fechado às quartas-feiras e em feriados nacionais. Para atendimento em Chinês (2852 5222) o atendimento é permanente (24/7).

24 Jul 2024

Cláusula de restrição ao comércio

Hoje em dia, a cláusula de restrição ao comércio, CRC, faz frequentemente parte dos contratos de trabalho e abrange várias indústrias. Habitualmente, este tipo de cláusula estipula que os trabalhadores não podem ser contratados por empresas do mesmo ramo depois de se despedirem, ou que não podem contactar os clientes dessa empresa se voltarem a trabalhar com outra do mesmo sector de actividade.

O objectivo da CRC é proteger os interesses comerciais dos empregadores e impedir que os empregados possam vir a competir com eles depois de deixarem o posto de trabalho. No entanto, também restringe inevitavelmente a liberdade de procura de emprego e a competitividade do mercado de trabalho. Que interesses comerciais é que o empregador precisa de proteger? Porque é que os trabalhadores ainda têm de ficar sujeitos a restrições depois de deixarem os seus empregos? Estas questões tornaram o CRC altamente controverso.

Recentemente, a United States International Trade Commission (FTC) anunciou que fará grandes ajustes no CRC. Esta posição da FTC, enquanto agência independente do Governo dos EUA que aplica as leis anti-trust e promove a protecção do consumidor, terá sem dúvida um profundo impacto no mercado de trabalho americano.

No passado dia 23 de Abril, os Estados Unidos aprovaram uma nova lei que estipula que os contratos de trabalho não podem ter a cláusula de restrição, incluindo aqueles que entraram em vigor antes da nova lei. A única excepção aplica-se aos que estabelecem um salário anual superior a 151.164 dólares.

Obviamente, são os altos executivos das empresas que recebem salários desta ordem de valor. A nova lei garante a vitalidade e a competitividade do mercado de trabalho e ao mesmo tempo assegura protecção adicional aos interesses empresariais, tendo em conta as informações empresariais confidenciais a que os executivos têm acesso devido ao seu estatuto especial.

Existem cláusulas restritivas semelhantes no Código Comercial de Macau, mas apontam em direcções significativamente diferentes. A nova lei americana de revisão à CRC define o âmbito de aplicação da cláusula através de um limiar salarial anual, enquanto o Código Comercial de Macau se centra mais em restrições específicas à categoria de «gestor».

Os Artigos 64 e 77 do Código Comercial de Macau dividem simplesmente os trabalhadores de uma empresa em duas categorias, “gestores’ e ‘pessoal auxiliar’. O Artigo 71, parágrafo 1, estipula que, sem o consentimento explícito de quem o nomeia, um ‘gestor’ não pode, enquanto exerce o seu cargo, trabalhar no mesmo ramo de actividade quer seja em negócio próprio, quer seja para terceiros.

No entanto, o Código Comercial de Macau não contém restrições em relação ao “pessoal auxiliar”. O disposto no artigo 71, parágrafo 1, destina-se obviamente a proteger os interesses do empregador e impedir os ‘gestores’ de administrarem negócios semelhantes de forma a evitar conflitos de interesses.

É importante salientar que embora o Código Comercial de Macau estabeleça cláusulas de anti-concorrência para os ‘gestores’ em funções, não regula esta questão após o termo do vínculo contratual. Por isso, em Macau, se os empregadores quiserem ver os seus negócios mais protegidos, podem considerar combinar a CRC dos EUA com o Artigo 71, parágrafo 1, para regular a atitude que os colaboradores em causa podem ter após cessar o seu contrato de trabalho.

Que interesses do empregador podem ser protegidos pela combinação da CRC americana com o Artigo 71 do Código Comercial de Macau? Tomemos a empresa Coca-Cola como exemplo. Assumindo que os trabalhadores tinham ficado a saber o segredo da fórmula desta bebida enquanto estavam ao serviço da empresa, o Artigo 71, parágrafo 1, do Código Comercial de Macau estipula que os colaboradores estão proibidos de ter negócios próprios ou por conta de outrem dentro do

mesmo ramo de actividade enquanto o seu contrato de trabalho está em vigor, para impedir conflitos de interesses. Quando esse contrato chega ao fim, a CRC americana pode alargar essa restrição impedindo que venham a trabalhar para outras empresas do mesmo sector, protegendo assim na totalidade os interesses da empresa Coca-Cola.

Combinar a CRC americana com o Artigo 71 do Código Comercial de Macau pode ainda vir a ajudar mais as empresas a lidar com a possibilidade da perda de clientes depois da saída dos trabalhadores. Porque enquanto exercem os seus cargos, os colaboradores constroem relações próximas com os clientes, o que lhes permite levar com eles parte da clientela habitual quando saem das empresas. De forma a impedir que isto aconteça, as empresas podem introduzir as cláusulas de restrição nos contratos de trabalho, impedindo os empregados de exercerem actividades comerciais dentro do mesmo ramo, no espaço de um determinado período de tempo após a sua saída da empresa, ou proibindo os antigos empregados de usar para o seu interesse pessoal a base de contactos do antigo empregador para evitar que as empresas percam clientes.

No entanto, a CRC não é perfeita. Embora possa conferir aos empregadores um certo grau de protecção, não pode proibir os clientes de terminarem a sua relação com a empresa e passarem a ter uma relação comercial com aquela onde passaram a trabalhar os antigos colaboradores. Caso isso aconteça, a empresa perderá alguns clientes.

A CRC é uma provisão altamente controversa. Se não for obtido um equilíbrio, o empregador tem muitas possibilidades de vir a beneficiar. Por conseguinte, as restrições impostas aos antigos colaboradores devem ser razoáveis e não devem ser exercidas por muito tempo. Em qualquer caso, se a cláusula de restrição constar do contrato de trabalho apesar de todas as polémicas os trabalhadores têm de a aceitar, e será inevitável que quando o vínculo com a empresa chega ao fim venha a haver conflitos e processos legais caso aconteça a quebra dessas cláusulas.

Portanto, a forma mais razoável de agir é procurar um equilíbrio entre os interesses dos empregadores e dos empregados. Os contratos de trabalho que têm cláusula de restrição, deverão ter disposições adicionais que compensem os empregados. Ou seja, a introdução da CRC não protege apenas os interesses da empresa, mas também limita o âmbito das actividades em que os antigos colaboradores se podem envolver após deixarem o emprego, por isso merecem ser compensados pelos seus antigos patrões .Por exemplo, se houver cláusulas de restrição no contrato de trabalho, significa que o trabalhador não pode trabalhar no mesmo sector nem contactar os clientes do antigo empregador nos seis meses que se seguem à sua saída. Então, o antigo patrão deve pagar uma soma adicional equivalente a seis meses de salário, na qualidade de compensação; ou então pagar-lhe uma quantia previamente foi acordada com o empregado. Neste sentido, tanto o empregador como o trabalhador podem ficar satisfeitos e sentir que o resultado final foi justo.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
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23 Jul 2024

Um país sem sossego

Já nos bastava os problemas com os professores, com os agentes da PSP, com os militares da GNR, com os militares dos três ramos das Forças Armadas, com os Oficiais de Justiça, com os Bombeiros, com as urgências e certos serviços encerrados nos hospitais para agora ficarmos a saber que os médicos e enfermeiros vão promover greves.

Médicos e enfermeiros que juraram acima de tudo defender a vida dos doentes. Durante os dias de greve dos clínicos e enfermeiros morrem portugueses por falta de assistência médica. Será que estas duas profissões devem ter direito a fazer greve? Pela nossa parte, condenamos em absoluto e nunca nos passou pela cabeça que estas duas nobres profissões viessem a ser tão irresponsáveis.

Os portugueses vivem em sobressalto porque cada vez mais a sua vida fica com menos qualidade. Os preços dos alimentos aumentam semanalmente, o mesmo acontece com os combustíveis. Os crimes chegam ao ponto de menores já matarem menores à facada ou a tiro. Os acidentes rodoviários aumentam todos os dias. A este propósito, dizer-vos que têm morrido muitos jovens.

Na semana passada um jovem com apenas 20 anos e com a carta de condução apenas há um dia, despistou-se por perder o controlo do carro que ia a velocidade excessiva e faleceu. Num outro acidente, seis jovens, quatro raparigas e dois rapazes, o carro onde seguiam foi embater contra uma árvore explodindo e ardendo de imediato tendo morrido quatro dos jovens e os outros dois estão em perigo de vida. Aqui, cabe fazer um parêntesis para exigir às autoridades que ao informarem sobre os acidentes quando os veículos se incendeiam, que nos digam se os carros eram eléctricos ou a combustão.

É estranho, porque raramente um acidente de um carro que embate contra uma árvore se incendeia de imediato em explosão. Agora, com carros eléctricos, só nos EUA têm sido às centenas. O acidente com os seis jovens é um dos casos em que as autoridades deviam informar se se tratou de um carro eléctrico, visto ter explodido de imediato no momento da pancada contra a árvore. É importante que os amantes da modernidade e da falsa informação sobre os carros eléctricos saibam que as baterias que se situam por baixo dos assentos são de lítio e que ao mínimo embate explodem.

Se o país social vive sem sossego, o país político ainda está pior, ao ponto de um antidemocrata já fazer parte do Conselho de Estado. Facto, que há uns anos nem se imaginava ser possível. O Governo de maioria mínima apresenta-se ao povo de forma arrogante e anunciando medidas que serão impossíveis de comportar financeiramente sem que o défice nacional aumente.

A abordagem semanal na comunicação social traduziu-se na discussão sobre a forma como o Governo conseguirá aprovar o Orçamento de Estado para 2025. Não quer alianças com o Chega, apesar de a AD já namorar com o partido racista e de laivos fascizantes. O diálogo com o Partido Socialista é quase nulo e o secretário-geral do PS já afirmou que o primeiro-ministro apenas gere uma política de eu quero, posso e mando. Nestes termos, será horrível para o povo se o Orçamento não for aprovado, visto entrarmos continuamente no desassossego político e social.

Podemos ter um governo à base de duodécimos ou caminhar para novas eleições legislativas, quando os portugueses estão fartos de eleições, apesar de as sondagens actuais darem a vitória aos socialistas.

Portugal tem de mudar de rumo. Tem de ter estabilidade. Tem de ter um Governo que saiba ajudar um povo sem sossego, tem de resolver os problemas graves da Saúde e da Educação, não pode permitir que continuem a sobreviver miseravelmente reformados com um pecúlio de 200, 300 ou 400 euros mensais.

Há dias, um motorista de táxi com 30 anos de praça, no Porto, transmitiu-nos que se ia reformar por uma simples razão: cada vez tem menos dinheiro para sustentar a família devido ao aumento assustador de carros TVDE (Uber) que estão a tirar o negócio aos taxistas com condutores que nem sabem falar português e com cartas de condução falsas.

São exemplos destes que vão descontentando o povinho e inacreditavelmente já se ouve na esplanada do café, a propósito do atentado a Trump, que aqui em Portugal já há políticos a merecerem um tiro. Esta maneira de pensar é grave, intolerável, mas demonstra o estado de espírito em que vivem certos portugueses, ou seja, sem sossego.

Post scriptum (exclusivo) – Os ministros do Governo estão preocupados com a saúde do primeiro-ministro. No último debate na Assembleia da República sobre o Estado da Nação, Luís Montenegro estava com 39 graus de febre e encontra-se de baixa médica com uma infecção urinária grave.

22 Jul 2024

Tempestade política

Será que o tiroteio na Pensilvânia irá desencadear uma tempestade política na Europa e na Ásia, situadas a milhares de quilómetros da América?

A 8 de Julho de 2022, o antigo pimeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, foi assassinado quando participava num evento da campanha eleitoral na região de Nara. A sua morte representou uma perda importante para o Partido Democrático Liberal, então no poder. A tentativa de assassinato do ex-Presidente Trump num comício, terá um impacto decisivo na eleição presidencial que se realizará no próximo mês de Novembro. A reacção de Trump à agressão chamou a atenção dos tele-espectadores e dos eleitores americanos. Como as perspectivas eleitorais deste candidato parecem melhores do que nunca, é improvável que venham a ocorrer mais tentativas de assassinato. Se Trump for eleito, que alterações pode vir a haver nas relações sino-americanas e no conflito russo-ucraniano? Todos estes factores determinarão se pode vir a desencadear-se uma tempestade política.

Desde a eclosão da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, a situação no Estreito de Taiwan e os conflitos no Mar do Sul da China têm vindo continuamente a escalar. A operação militar especial levada a cabo pela Rússia na Ucrânia, em Fevereiro de 2022, transformou-se numa guerra de desgaste entre a Rússia e os países que integram a NATO. Quando os Estados Unidos são incapazes de mediar entre os dois maiores campos ideológicos do mundo, os conflitos são inevitáveis. O que importa é minimizar a gravidade dos danos provocados pelo conflito na medida do possível.

Os Jogos Olímpicos de Berlim de 1936 foram realizados com sucesso, mas o espírito dos Jogos não foi transmitido aos líderes dos países participantes e a Segunda Guerra Mundial começou pouco tempo depois. Irão os Jogos Olímpicos de Paris, cuja cerimónia de abertura terá lugar a 26 deste mês, trazer um raio de esperança aos povos devastados pela guerra, ao contrário de inflamar ainda mais os conflitos? A procura da paz e de estabilidade para o futuro da humanidade deveria ser a aspiração comum dos líderes de todos os países. A violência política nunca resolve problemas; torna-os sim cada vez mais complexos.

Paralelamente à convocação da Terceira Sessão Plenária do 20.º Comité Central do Partido Comunista da China em Pequim, a eleição dos membros da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo da RAEM está marcada para 11 de Agosto, onde 344 dos 400 membros da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo serão eleitos. Os 348 candidatos inscritos foram avaliados pela Comissão de Defesa da Segurança do Estado da RAEM e todos cumpriam os requisitos de defesa da Lei Básica e de fidelidade à RAEM. Após verificação, o número de eleitores aptos excedeu os 6.200, mais do que os 5.700 das eleições anteriores. A Lei Básica da RAEM não prevê o sufrágio universal à semelhança da Lei Básica de Hong Kong. Seja qual for o método eleitoral usado, a escolha do Chefe do Executivo deverá resultar de uma ampla representação e de uma participação equilibrada, e um dos factores mais determinantes dessa decisão deverá ser a opinião pública. Embora a sociedade de Macau não tenha vivido grandes tumultos políticos desde o regresso à soberania chinesa, a prática do princípio “Um País, Dois Sistemas” evoluiu a par da situação de Hong Kong. Como Macau transitou do princípio “Macau governado pelas suas próprias gentes” para o princípio “Macau governado por patriotas”, a governação de Macau é actualmente caracterizada pela combinação de um “elevado grau de autonomia” com uma “governação abrangente do Governo Central”.

À primeira vista, a sociedade de Macau é estável, mas em termos de desenvolvimento, deve ainda envidar esforços para atingir o ritmo de recuperação económica de outras regiões, neste período pós-pandemia. Só quem enfrenta a tempestade tem capacidade para a acalmar!

20 Jul 2024

O Clube da Luta (I)

“Because with wise guidance you will wage war, and in the abundance of counselors is victory.”
Proverbs 24:6 (Mossad motto)

Em tempos de paz, a terra é para o homem; na guerra, o homem é para a terra. Onde o homem prevalece sobre a terra, há espaço para a verdadeira vida. No caso oposto, a morte triunfa. O homem acaba no subsolo, em um sentido físico e simbólico. Nós, europeus, ainda estamos convencidos de que habitamos a casa da paz eterna. A guerra não nos pode atingir. É por isso que, quando ela irrompe (em outros lugares), tendemos a retratá-la como uma sequência de crimes. Com uma grande quantidade de cenas horríveis. Um método contundente de não reconhecer o seu significado histórico, de abolir os seus contextos. O nosso labor é ligar os pontos cruzando as perspectivas dos protagonistas. Ler histórias na crónica. Há países em que esse exercício talvez não seja realista. As nossas ferramentas de investigação encontram resistência de culturas que parecem tão exóticas a ponto de serem impenetráveis. Por exemplo, o espaço centrado no planalto iraniano, entre o Mediterrâneo e a Ásia mais profunda, palco de milhares de anos de expansão e contracção de impérios grandiosos aos quais, para simplificar, atribuímos o título de iraniano.

Dentro e ao redor dele, populações de várias linhagens e religiões, entre as quais se destacam os árabes, os turcos e os judeus, juntamente com os persas. No último dia 7 de Outubro de 2023, mais uma carnificina sangrenta foi deflagrada ali, destinada a reordenar as cartas geopolíticas. Estamos nos espaços originais de nossa civilização, nada menos que exóticos dos quais sabemos pouco porque não ouvimos as vozes de dentro. Tentamos fazê-las ressoar. Porque temos curiosidade sobre elas. E porque, se as sufocarmos nos nossos autoproclamados esquemas universais, certamente não as entenderemos. Homenagem ao relativismo das “Cartas Persas”, com as quais Montesquieu pintou um retrato irónico das instituições francesas por meio dos olhos de dois visitantes persas imaginários em 1721. Paradigma inatingível. Mas um lembrete muito actual sobre a urgência de ouvir os outros antes de falar mal de nós mesmos, especialmente quando, por instinto, preferimos ouvir-nos.

Não existe a pretensão de desvendar os mistérios persas. Mas, assim como o mistério aumenta o fascínio, é interessante descobri-lo, apesar de tudo. Seguramente, não entenderemos nada desse teatro sem considerar as suas coordenadas sistémicas, que estão em rápida transformação. Estamos a vivenciar uma revolução geopolítica global marcada por quatro dinâmicas estruturais. Em ordem de importância, a transição dos Estados Unidos da dissuasão para a auto dissuasão; renúncia da Rússia e da China em integrar o sistema hegemónico americano e decisão de desafiá-lo em modos de guerra quente ou latente; redução drástica do Ocidente a uma minoria mundial em declínio, muito envelhecida e enfraquecida, desestabilizada pela crise de credibilidade de seu líder; emergência biológico-demográfica do “Sul Global”, jovem, disposto à violência, dividido em tudo, mas confraternizado pelo ressentimento anticolonial no estilo dos neo-destruídos da Terra.

Não há como voltar atrás, dada a profundidade da crise de identidade americana. Os danos podem ser limitados. Mas o tempo está a jogar contra o Ocidente, que prefere remover a realidade em vez de enfrentá-la. Para os Europeus, essa deriva é mortal. Os conflitos separam os nossos subúrbios do leste e do sul e expõem a nossa dependência de espaços antes protegidos pelo império americano, agora contestados. É também por isso que devemo-nos concentrar também na revolução nas áreas do Levante e do meio do oceano. Terrestre entre a Península Arábica e o planalto iraniano, marítima do Mediterrâneo oriental ao Mar Vermelho e ao Golfo Pérsico. Começando com a polaridade Irão-Israel. É necessária uma escavação profunda do império persa e uma investigação da sua relação paradoxal com o Estado judeu. Ontem era chamado de Grande Médio Oriente, agora é um objecto geopolítico não identificado.

Antes, cada um corria na sua própria pista, mesmo que morresse. Especialidade local em que os exercícios de movimento estacionário com acompanhamento musical forte. Hoje, há lutas sem regras. Os trilhos, assoreados, não podem mais ser vistos. Todos têm medo de descarrilar, mas não sabem como diminuir a velocidade. Os actores do Levante, equipados com máscaras multicoloridas adaptáveis a cada mudança de estação, lutam para se localizar geograficamente em tal confusão. Quem está com quem e onde? Faltam referências externas, as internas vacilam. Alguns duvidam da sua própria identidade. E se não sabe nem onde nem quem é, qual é o sentido de discutir estratégia? As revoluções são horrores para aqueles que as sofrem e despertares de consciência para aqueles que as observam. As chamas queimam e iluminam.

Desde 7 de Outubro de 2023, o antigo Grande Médio Oriente tem sido um hospício. Cartas fraudulentas estão a ser jogadas lá, e até agora nada de novo. Apenas o facto de que costumavam ser cobertas, mas agora são transparentes. Reveladoras. Três premissas são indispensáveis; a histórica, geopolítica e metodológica. Primeiro. Aqui, a Grande Guerra (2022-?) é mais uma fase da Grande Guerra ampliada (1914-2022). O jogo nunca foi encerrado. Conflitos gerados directamente do desmembramento dos impérios eurasiáticos, otomano, russo, francês e também do britânico. Fragmentação inacabada de poderes. Proliferação da impotência. Frequentemente vago. Segundo. A apatia americana não estratégica é agravada pela percepção dos actores do Médio Oriente, para quem a hora do vale-tudo chegou e passou. Actos que teriam parecido obscenos na alta temporada nas estrelas e listras, portanto reprimidos pelo Ocidente, ficam impunes.

É a hora dos oportunistas. E dos adversários dos hegemónicos como chineses, russos e outros que se infiltram nos espaços evacuados por europeus e americanos. Quanto a nós, seria uma oportunidade de nos tornarmos úteis como ocidentais, com ou sem razão, não percebidos como tal pelos locais e, portanto, facilitadores potenciais da paz. Terceiro. Muitos em guerra civil latente, alguns efectivos, outros em conflito directo ou indirecto com inimigos próximos e distantes Antecipemos a tese de para colocar esse caos sob controlo, as grandes potências não são nem serão suficientes. Na melhor das hipóteses, acompanharão a consolidação de actores estatais interessados em garantir um equilíbrio regional de facto, mesmo que ou porque estejam competindo entre si. Só os adversários com autoridade suficiente podem chegar a um acordo sobre uma ordem mínima. A alternativa é a penetração da Caoslândia na Europa, a começar pela Europa do Sul. Quem pode reordenar o Médio Oriente? No baralho de cartas manipuladas e expostas, três de naipe dominante são o Irão, Turquia e Israel. Estados reais. Dois impérios antigos e auto conscientes, de cultura muçulmana diferente e rivalidade comprovada.

Dotados da sabedoria que distingue a aristocracia imperial, base do reconhecimento da consanguinidade entre potências superiores. Mais o recentíssimo Estado judaico (1948), fundado menos na Shoah, mais no Livro. E em lendas históricas auto-legitimadoras ou bem inventadas. De matriz etno-religiosa refractária às tentações imperiais, ou seja, multiétnica, está em permanente emergência bélica. Hoje, paroxística. O senso comum diz que as três potências estão destinadas a entrar em confronto. Julgamento precipitado. A história não conhece cassações. Diverte-se a negar-se a si própria, para desespero daqueles que pretendem controlá-la. O passado deste triângulo é um jogo de sombras. Do amanhã não há certezas. Excepto que um certo equilíbrio do Médio Oriente depende em grande parte das suas cimeiras e das respectivas estratégias para o mundo pós-revolucionário em gestação.

Enquanto zombam e se cobrem de invectivas, israelitas, iranianos e turcos partilham dois instintos; o respeito mútuo e o desprezo pelos árabes. Serão eles, com a aquiescência de potências exteriores, que resolverão a contenda e exercerão um acto de equilíbrio de tom neo-imperial por falta de verdadeiras nações. Ou agravar o caos. O acordo entre as três estrelas rivais sobre os seus papéis e espaços respectivos é uma condição necessária para a reconstrução do Médio Oriente como uma região regida por um certo equilíbrio (e não desequilíbrio excessivo) de poder. Futura constelação de paz. O Irão, a Turquia e Israel são demasiado diferentes para uma aliança. Mas os seus interesses não impedem alinhamentos pragmáticos, reconhecidos pelo mundo. Terapias de choque contra a epidemia de loucura, se ainda for a tempo. Seguir o veneno pois estamos a lidar com amantes secretos que, embora se odeiem, se atraem mutuamente. Os amantes secretos são eternos. Sobretudo nos subúrbios. Daí a lembrança inoportuna.

Entre os protagonistas do nascimento e do estabelecimento de Israel no cenário das nações, Reuven Shiloah é a personalidade mais misteriosa. Nasceu súbdito otomano em Jerusalém, em 1909, no seio de uma família de judeus ortodoxos, cujo pai era rabino. Como bom Sabra (judeu nascido na Terra de Israel antes da formação do Estado) criado no coração mais do que ortodoxo de Jerusalém, o bairro de Mea Shearim, Shiloah não goza da simpatia dos pioneiros de origem europeia que conduzirão o Estado judeu da infância à adolescência. Forjado na luta pela independência nesse ambiente laico e socialista, morrerá cinquenta anos mais tarde, em Telavive, a trabalhar. Por vocação e profissão, foi conselheiro do príncipe, embora, como muitos dos seus homólogos, tivesse preferido liderar. No entanto, faltam-lhe os talentos do homem público e alguns centímetros de estatura. Evita as recitações obrigatórias para o político e negligencia o gosto pela caneta que anima os espiões, sobretudo quando estão fora de curso e de facto, morre em serviço permanente.

Refratário à rotina é um homem de ideias, não de organização. Profeta febril da causa patriótica, não se sabe se teve um dia de folga ou uma paixão artística. Não se sabe se alguma vez foi ao cinema, talvez para um encontro clandestino. Capaz, em privado, de fascinar e comover os hostis, de contradizer calmamente e de reprogramar os seus dirigentes para os empurrar para onde eles não queriam. Sempre ocupado a tecer e a desfazer conspirações secretas em todo o mundo. Esgueira-se por todos os corredores, abre todas as portas se isso servir o país. O seu estilo de penetração diplomática; primeiro entra com a cabeça, depois com os pés. Depois, está feito. Quase desconhecido fora do santuário do Estado judaico, agente de influência e diplomata, Shiloah tem uma rede de relações ao mais alto nível, desde o Estado profundo americano até aos sofás orientais, de África às chancelarias europeias.

É o criador e primeiro director da Mossad (1949-1952). Instituição de nome e de facto. Na definição do mais próximo dos seus amigos poderosos, o ministro dos Negócios Estrangeiros e mais tarde chefe de governo Moshe Sharett que diria “Uma unidade de reconhecimento composta por ele próprio”. Shiloah tem um objectivo muito claro que é de fazer de Israel uma grande potência. Uma vanguarda ocidental do Médio Oriente contra a União Soviética, empenhada em desvendar as cabalas pan-arabistas do líder egípcio Gamal Abdel Nasser, um duplo inimigo mortal, na medida em que era hostil a Israel e sensível às sirenes de Moscovo. Como é que um pequeno país, quase estrangulado no berço pelos árabes durante a guerra de 1948-1949, pode aspirar a tanto? A resposta é de que tornando-se um agente secreto dos Estados Unidos na região e fora dela, depois aderindo plenamente à NATO ou, pelo menos, arrancando a Washington uma garantia directa e formal de protecção.

Com o tempo, na ideia de Shiloah, Israel ascenderia à proeminência global graças à primazia da inteligência, emprestada da abordagem “brain over brawn” típica da forma britânica de liderar os americanos por trás, diríamos como os gregos com os romanos. A sinergia com a diáspora é decisiva. Shiloah argumenta: “Haverá algum país no mundo onde não se encontrem israelitas e judeus, estreitamente ligados, com acesso privilegiado a um tesouro de informação, muitas vezes com a vantagem de ocuparem posições-chave no Estado e no sector privado, de onde podem manobrar as alavancas certas? Haverá algum país no mundo onde os judeus não tenham um poder real ou imaginário?”

18 Jul 2024

Doraemon

Para comemorar o 90.º aniversário de Hiroshi Fujimoto, um dos dois criadores do clássico de animação “Doraemon” (que usava o pseudónimo “Fujio Fujio”) a exposição itinerante “100% Doraemon & Friends” foi inaugurada em Hong Kong, no passado dia 13 de Julho. Seguidamente, no próximo dia 20, o espectáculo “Doraemon” com drones de luz será apresentado em Tsim Sha Tsui East, Hong Kong, proporcionando a todos fãs e amigos um festival visual inesquecível.

A exposição foi cuidadosamente planeada e está dividida em duas áreas, uma com acesso pago e a outra com entrada livre. No interior, o salão de exposições “100% Doraemon Animation Art Exhibition Hall” alberga oito sub-exposições temáticas, desde a sala de trabalho simulada de “Fujiko·F·Fujio”, passando pelo colorido corredor do Doraemon e pelas realistas personagens animadas. A mostra dos modelos em três dimensões com os seus adereços mágicos, como a “máquina do tempo”, é alucinante. O que vale particularmente a pena mencionar é o pequeno filme de animação com a duração de seis minutos, criado de propósito por uma empresa japonesa para uma estação de Hong Kong e que será exibido num teatro miniatura, dobrado em cantonês. Esta exibição faz com que a audiência se sinta imersa no mundo da animação.

Na entrada principal da “100% Doraemon Outdoor Exhibition Area”, um Doraemon insuflável de aproximadamente 12 metros de altura recebe os visitantes. Os fãs não podem de forma alguma perder esta experiência.

Falando sobre o propósito desta exposição, a segunda filha de “Fujio Fujio”, Katsu Mata, presidente da FUJIKO PRO, afirmou afectuosamente que o entusiasmo dos fãs de Hong Kong e as suas memórias comoventes da cidade fizeram-na planear uma exposição itinerante pelo estrangeiro e o local escolhido para a inauguração foi precisamente a encantadora cidade de Hong Kong.

A versão cantonesa de “Doraemon” pertence às memórias de infância de muitos residentes da Área da Grande Baía. O seu criador conquistou o afecto de uma vasta audiência com a sua criatividade singular, os temas positivos e as suas histórias calorosas e enternecedoras. A história começa com “Daxiong”, um homem azarado. Durante o seu crescimento, a família ficou pobre, e ele próprio foi pobre toda a vida tendo contraído muitas dívidas, o que veio a afectar o seu bisneto “Xiaoxiong”. Por causa disso, “Xiaoxiong” gastou o seu pouco dinheiro para comprar “Doraemon” o pior gato robot do séc. XXII, que o enviou para a década de 70 do séc. XX para ajudar “Daxiong” a mudar o seu destino e impedir que a família se arruinasse. Embora o gato robot fosse cometendo muitos erros ao tentar ajudar “Daxiong”, devido a problemas de desempenho, estes episódios trouxeram muita alegria e emoção às audiências.

“Doraemon” tornou-se um clássico não só pela excelente equipa que o produzia e pela soberba tecnologia de animação, mas também porque o tema que aborda vai ao encontro do desejo mais profundo de todos nós, o desejo de ajudar e de mudar os nossos destinos. Nesta história, a amizade poderosa, a coragem, os sonhos e a esperança são vividamente ilustrados. Estes elementos e a sua energia positiva atravessaram as fronteiras do tempo e do espaço e tornam-se uma ponte que liga as audiências de diferentes gerações, fazendo de “Doraemon” um sucesso a nível mundial.

Lin Baoquan foi o actor que dobrou “Doraemon”. Ele usava a sua voz única e contagiante para emprestar frescura e vitalidade à personagem. Quando faleceu, deixou inúmeros fãs inconsoláveis e a sua voz passou a fazer parte das memórias eternas que guardamos nos nossos corações.

“Doraemon” traz a todos riso, alegria, esperança e o seu tema musical é simples e profundo:

“Os desejos de todos podem realizar-se

A minha felicidade é tanta que chega ao céu

Todos estão felizes, felizes, têm sonhos lindos e encontram a beleza.”

Esta letra não só retrata a bela visão da animação, mas também ecoa as sinceras expectativas de todos. E a ressonância e emotividade que atravessam gerações, fazem com que esta animação que é transmitida desde os anos 70 do séc. XX, continue a ser profundamente acarinhada e permaneça intemporal.

No mundo da animação, “Doraemon” é um parceiro mágico que ajuda “Daxiong” a mudar o seu destino. E na vida real, quem é “Doraemon”? A resposta é na verdade muito simples, “Doraemon” é cada um de nós. Só através de esforços incessantes e persistência poderemos avançar passo a passo para o melhor nós próprios e tornarmo-nos donos do nosso próprio destino. Mudarmo-nos a nós próprios é a melhor forma de mudar o nosso destino. Todos podem tornar-se o seu próprio “Doraemon”.

“Os desejos de todos podem realizar-se A minha felicidade é tanta que chega ao céu. Todos estão felizes, felizes, têm sonhos lindos e encontram a beleza.”

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
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16 Jul 2024

Tragédia no mar

Durante muitos anos a minha família passou as férias de Verão nas praias entre Vieira de Leiria e São Pedro de Moel. Conheço bem aquele mar e os habitantes de todos os locais plantados à beira-mar naquela região. Gente simples, pobre, dedicada à sua paixão: a pesca. Desde a Figueira da Foz até à Marinha Grande são centenas de pescadores, homens de barba rija e de mãos que parecem ter nascido já inchadas.

Uma profissão de risco elevado. Ao longo dos anos têm morrido no mar dezenas de pescadores. A sua vida é dura porque são o sustento da família. Por vezes, com a mulher incapacitada para o trabalho e com vários filhos para criar. A vida da pesca é algo assustador, especialmente quando o mar lhe dá para o torto e de ondas de dois e três metros passa para uma altura de oito e dez metros. Se acompanhado de ventania tempestuosa a faina pode ser uma tragédia e o naufrágio é inevitável. Não foi o que aconteceu desta vez.

Entre Vieira de Leiria e São Pedro de Moel com o mar brando, as traineiras saíram para a pesca da sardinha e não longe do areal, a cerca de duas milhas apenas. Sem qualquer explicação até agora, uma das traineiras virou-se e morreram seis pescadores. Salvaram-se 11.

A tragédia no mar foi estonteante, assombrosa e as famílias ficaram à beira de um ataque cardíaco. Três pescadores estiveram uma semana desaparecidos e as forças de socorro por ar, mar e terra não pararam um dia de procurar os corpos.

Uma equipa de nadadores-mergulhadores merece a nossa condecoração porque mergulharam constantemente durante uma semana, por vezes, com o mar a não permitir o mergulho. Andaram a vasculhar a traineira afundada de ponta a ponta e as notícias eram sempre negativas até que o comandante marítimo transmitiu aos jornalistas que os mergulhadores conseguiram entrar na parte mais difícil do barco e encontraram os três corpos. As famílias enlutadas, na profunda tristeza, respiraram de alívio porque já poderiam realizar o luto e os respectivos funerais.

Aqui é que está o problema: nas famílias. Podemos informar que as seis viúvas com os seus filhos estão na miséria, porque os maridos pescadores eram o sustento do agregado familiar. Ficaram sem qualquer pecúlio e não se vislumbrou qualquer apoio oficial por parte das mais diversas instituições no sentido de ouvirmos que essas viúvas e os seus filhos iriam ter apoio pecuniário das Câmaras Municipais de Leiria, Figueira da Foz ou Marinha Grande; do Governo; da Segurança Social; de uma qualquer Santa Casa de Misericórdia; da Igreja Católica, de ninguém.

Isto, não pode acontecer. Não é humano, não é justo. O sacrifício que os pescadores fazem para que nunca falte peixe nas mesas dos portugueses há muito que devia existir um departamento governamental para apoio a casos semelhantes. A tragédia no mar espalhou-se às residências de quem perdeu os seus maridos e pais. Desta feita, foram seis, mas muitos pescadores já morreram e as suas famílias ficaram à míngua dos amigos e vizinhos.

Uma situação grave e que tem de merecer a atenção das autoridades. Não basta a Presidência da República emitir um comunicado de condolências à semelhança do Gabinete do primeiro-ministro. As condolências de Lisboa não dão de comer e vestir aquela gente que ficou na miséria. Haja uma decisão rápida e contundente por parte das autoridades em apoio a estas famílias que choram vinte e quatro horas sobre vinte e quatro.

Os pescadores têm uma profissão arriscada, certo. Vão para o mar sem saber se regressam, certo. Algumas traineiras estão velhas e não têm manutenção eficaz, certo. A maioria dos armadores apenas se preocupa com o lucro da venda do peixe, certo. No entanto, os pecadores usufruem de um rendimento mínimo e ainda são eles que tratam do arranjo das redes piscatórias. Mas, os pescadores também merecem uma reprimenda: vão para o mar e não colocam os coletes de salvação. Desculpam-se que os coletes lhes dificultam os movimentos durante a faina. Não pode ser desculpa, porque primeiramente têm de pensar na sua sobrevivência e na família que deixaram em terra.

15 Jul 2024

Biografia do orvalho

Manoel de Barros leva-nos à ponte das Fadas, esse local lindíssimo numa localidade francesa, e no entanto ele é um poeta brasileiro do século XX, um modernista, fazedor de neologismos, que disse apenas ser de uma vanguarda primitiva. É um poeta do mais excepcional que os locais oníricos relembram como padroeiro, um talvez imenso duende que transformou a competência de ser numa alegria imprópria aos atormentados que se alongam nos mistérios sem a abrangência da maravilha. E este é o título da sua demonstração de poeta transfigurado.

As fadas aparecem quais gotas de orvalho aos primeiros raios da manhã fazendo da condensação notas musicais de suavidade quase imperceptível, caiem em ramos e folhas bem ao ritmo das suas intérpretes bretãs e germânicas que galvanizaram os seus feitos que tanto influenciaram a geração poética dos anos 30, estando este estatuto ainda quase imerso num envolvente e maravilhoso pansexualismo. Manoel de Barros foi criador de gado, aquelas culturas, criadoras de mitos, e todos eles se levantavam provavelmente ao despontar da alba retendo o embrião feérico dessa hora: as bênçãos do orvalho são ainda, e mais que tudo, as rosas «rosée» que quer dizer exatamente, orvalho. E quando pelas noites quente de Verão o feminino se delícia com este denominado vinho, é ainda um brinde às fadas que quer transmitir.

O nosso poeta pertenceu na adolescência à União da Juventude Comunista, e num imenso desaire persecutório apenas foi salvo por ter escrito uma coisa chamada «Nossa Senhora da escuridão» que fez balançar algozes e chorar simpatizantes, e só terá sido salvo por esta intercepção vinda da noite.- Já eram as Fadas! Aliás, ele viveu tanto, que só as pétalas das rosas contaram os seus dias. Mas fadas andam por todo o lado! Até Italo Calvino fez uma obra a partir de recolhas folclorísticas italianas para uma abordagem do conto popular onde vemos a importância da sua nomeação: «Sobre os Contos de Fadas» e será impensável não se mergulhar nesta obra com carácter de urgência. Ou então, nunca a conhecer. Vivemos aqui, na Terra, ninguém sabe quem são estes seres, e sobretudo, as novas gerações nem leram contos de fadas.

« Perdoai

Mas eu preciso ser Outros.

Eu penso renovar o homem usando borboletas»

Pessoa tê-lo-ia adorado neste poema, e como se de grandes feéricos aqui se tratasse, a borboleta da biografia do orvalho é a plena metamorfose do tempo que se transmuta: mas partamos de um paradigma inverso onde a coisa amada primeiro se possui, e só depois a temos de conquistar. A janela está sobranceira aos primeiros orvalhos matutinos, e toda a graça da ressurreição condensada vem por ela, mas o sono fundo faz sonhar com dias outros sem a fronteira de orvalhos que são lembranças de lágrimas não choradas, e caímos então num lodo de finitas competências que não contemplam alvoradas.

«Vertido em seis pratos dispostos em forma de triângulo de fogo, o orvalho é agora exposto ao fluído cósmico, para aumentar a sua força (grego, «rosis»). E ao fundo as cortinas protectoras desapareceram das janelas».

12 Jul 2024

O uso ilimitado da força (III)

“In politics stupidity is not a handicap” – Napoleon Bonaparte

O “Mal da América”, também nosso, está todo aqui. Se não nos respeitarmos a nós próprios, não podemos exigir respeito aos outros. Fim da dissuasão. Para melhor compreender o que estamos a perder, um salto ao Ocidente primitivo, filho da Revolução Francesa. Quando a dramatização da história era ainda o alfa e o ómega da política e da pedagogia. “Vous êtes un homme!”. É assim que Napoleão Bonaparte, imperador dos franceses, recebe Johann Wolfgang von Goethe, talvez o maior génio literário de todos os tempos. “És um homem!” é a homenagem do novo Augusto ao Virgílio por quem está à espera de ser cantado. São 10 horas da manhã de domingo, 2 de Outubro de 1808. Estamos na sala de audiências do palácio barroco da tenência de Erfurt, uma cidade média da Turíngia, anteriormente pertencente à Prússia e recentemente incorporada pela França. O cenário é uma sala com 8,90 metros de comprimento, 6,45 metros de largura e 3,2 metros de altura. Os dois protagonistas são quase da mesma altura. Napoleão, 1,69 metros, Goethe, dois ou três centímetros mais alto. O primeiro, em sóbrio traje imperial-militar. O poeta com peruca empoada, elegante casaco bordado, calças até ao joelho, meias de seda, espada embainhada na anca, sapatos brilhantes com fivela. Napoleão fica surpreendido. Esperava um ser desleixado e desajeitado, de acordo com o seu estereótipo dos artistas alemães.

Toma o pequeno-almoço servido por um camareiro polaco gordo, partilhado com o seu braço direito sulfuroso, o duque Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, que consumava a sua traição naqueles dias, e alguns marechais. Antes de regressar à sala de audiências, um olhar sobre o contexto. Napoleão convidou o jovem czar Alexandre I a deslocar-se a Erfurt para o convencer a santificar a eterna aliança destinada a derrotar a Áustria e a Inglaterra, a que se seguiria a divisão do continente entre os dois imperadores. De 27 de Setembro a 14 de Outubro de 1808, uma testemunha ilustre, o poeta iluminista Christoph Martin Wieland, observou que “quatro reis germânicos, com um círculo de príncipes alemães reinantes e não reinantes, mais um número incalculável de carrascos e magnatas alemães, franceses e russos, giravam à sua volta para pôr fim, se possível, às velhas rixas de uma vez por todas”. O príncipe da Prússia e o enviado dos Habsburgos não faltam, misturados com uma dúzia de marechais napoleónicos recém-dotados de títulos de nobreza, mais cerca de cinquenta e sete mil soldados seleccionados para impressionar.

Uma encenação grandiosa. O rigoroso protocolo imperial, das audiências matinais do pequeno-almoço ao meio-dia, das festas de caça ao jantar na vizinha Weimar, é seguido de espectáculos teatrais representados pelas estrelas do “Théâtre français” com cenários originais vindos de Paris. Entre elas, destaca-se o célebre Talma, o Napoleão do palco adorado pelo verdadeiro Napoleão. A meia-luz das velas convida os espectadores a estudarem-se. Goethe aproveita para espiar as feições e os tiques do imperador, que também se vangloria de ter estado presente em Valmy, vitoriosa canhonada francesa que derrotou os exércitos contra-revolucionários a 20 de Setembro de 1792 e marcou a transição das guerras de rendas para os exércitos do povo bem como em Jena, a 14 de Outubro de 1806, onde arriscou a pele. O calendário dramatúrgico é fixado pelo próprio imperador, que não perde um espetáculo com Corneille, Racine e Voltaire sempre ao lado do czar. As regras são estritas, destinadas a solenizar a convenção. Um rufar de tambores assinala a chegada de um monarca, para os imperadores torna-se triplo. Quando os tambores dedicam por engano três sequências ao rei de Württemberg, o comandante fulmina dizendo “Calem-se, ele não passa de um rei!” O imperador está ocupado a convencer Alexandre do pacto entre os governantes do Oriente e do Ocidente.

O seu magnetismo parece intacto. Quase toda a gente que se cruza com ele pela primeira vez cai num desmaio, raramente por complacência. Mas, nos bastidores, acontece-lhe perder a calma. Dá-se ao luxo de ser grosseiro, sinal de que as más notícias vindas de Espanha, onde os franceses derrubaram os Bourbons mas continuam atolados na guerra de contra-guerrilha, lhe abalaram os nervos. A facilidade com que Napoleão rasga os tratados e impõe os seus parentes nos tronos das terras que conquistou, abala a sua reputação e a confiança dos restantes soberanos. De que serve estar de acordo com o imperador dos franceses? E depois Napoleão sofre as conspirações de Talleyrand, que na sombra desfaz o que tece com Alexandre, já tão obstinado como uma mula. Não se consegue obter mais do que vagos entendimentos. Fórmula privada de Talleyrand em conversas semi-clandestinas com o czar que afirma que “O povo francês é civilizado, o seu líder não; o líder das Rússias é civilizado, não o seu povo. Por isso, o czar deve aliar-se ao povo francês”.

O conselheiro camaleónico dos dois imperadores está convencido de que as verdadeiras fronteiras da França se situam entre os Pirinéus, os Alpes e o Reno. E o resto? Loucura de Napoleão que, num dos seus discursos, o apelidou de “excremento em meias de seda”. Estamos de novo na sala onde Napoleão recebe Goethe. O primeiro encontro entre o ainda jovem soldado corso, no auge da sua glória, e o sábio de mil talentos, aqui como conselheiro secreto do Duque de Weimar, permanece impregnado de uma aura misteriosa. Escassas notas escritas por Goethe em 1819 sob a forma de um esboço, bem como testemunhos enigmáticos recolhidos junto de amigos e confidentes, sugerem a metáfora da relação entre a história e a sua realização teatral. Para um duplo excesso de génio, Napoleão é demasiado reduzido para a fama do estratega militar, aquele que, reescrevendo a ordem do mundo, se preocupa em monumentalizar-se; Goethe, célebre ao ponto de as gazetas de metade da Europa difundirem imediatamente a notícia da sua audiência com Bonaparte, preocupa-se com o reconhecimento do imperador, não certamente com a urgência de lhe coser uma narração laudatória. O poder é domínio de produzir a representação de si próprio. Neste caso, o poder e o seu eventual cantor são tão excepcionais que não se podem complementar.

10 Jul 2024

Visão sábia

Ao início, o McDonald’s era apenas uma cadeia de restaurantes “drive-thru” situada ao longo das auto-estradas americanas. O cliente podia fazer a sua encomenda sem sair do carro. Quando estava pronta, recebia-a através da janela do veículo e seguia viagem. Actualmente, o McDonald’s é uma cadeia gigante de restaurantes fast-food de dimensão global e a influência da sua marca penetrou em todas as esferas do mundo dos negócios e tornou-se indispensável na nossa vida diária. O seu sucesso é indissociável da sua visão comercial.

A expansão mundial do McDonald’s ficou a dever-se a essa extraordinária visão comercial, inseparável do conceito de “adaptação aos hábitos locais”. Na China continental, um exemplo dessa adaptação está patente no McDonald’s de Chengdu, Sichuan, que serve hambúrgueres picantes e shoot rolls de bambu. Noutros locais da China, o McDonald’s também serve como petiscos nocturnos patas de galinha. Os menus adaptados aos hábitos de cada zona fizeram com que esta cadeia tivesse mais facilidade de se integrar nos mercados locais. No entanto, de todos os exemplos de adaptação, destaca-se o restaurante situado em Sedona, Arizona, EUA. À semelhança de outras filiais do McDonald’s espalhadas pelo mundo, serve o icónico menu, mas fez mudanças significativas. A alteração que mais salta à vista é a cor do logotipo, que, neste caso, passou a ter o fundo branco e o M em azul claro, ao contrário das cores clássicas, com o fundo vermelho e o M amarelo. Esta alteração deve-se a uma profunda reflexão comercial.

Segundo informação online, embora o vermelho possa estimular directamente o apetite, pode aumentar a excitação dos clientes e levá-los a comer mais depressa. O amarelo é brilhante e deslumbrante, simbolizando a luz, a vivacidade e a esperança. O logotipo vermelho e amarelo é não só chamativo, mas também confere uma infinita vitalidade à cultura McDonald’s. Por isso, o fundo vermelho com o M amarelo tornou-se desde o século passado a imagem de marca do McDonald’s.

No entanto, Sedona, está virada para a magnifica paisagem do deserto e a lei local exige que os edifícios sejam discretos de forma a não chamarem a atenção dos visitantes e ofuscarem o cenário natural. Portanto, o McDonald’s ajustou inteligentemente a cor do seu logotipo para branco e azul de forma a integrar-se nesta paisagem única. Não só cumpriu os regulamentos, mas também manteve a imagem de marca e interpretou com sabedoria o conceito de “adaptação aos hábitos locais””. O McDonald’s de Sedona mudou a cor do logotipo na placa e na louça. Com a sua frescura e singularidade, tornou-se um dos mais famosos pontos de check-in turístico na Internet.

Mas a sabedoria comercial do McDonald’s vai para além disto. Olhando para a sua história, não é difícil perceber que o McDonald’s sempre mostrou uma criatividade e uma visão extraordinárias na promoção dos seus produtos, na construção da marca e da sua responsabilidade social. Prática com a qual vale a pena aprender. Por exemplo, quando o McDonald’s voltou a vender o “General hamburger “, apostou numa campanha dirigida ao sentimento de nostalgia dos clientes e criou o poderoso slogan “O General hamburger está de volta!” e, ao mesmo tempo, explicou os objectivos da promoção, permitindo que os clientes ficassem a conhecer o produto num curto espaço de tempo e se entusiasmassem com a compra.

Além disso, o McDonald’s também sabe a combinar bem actividades comerciais com responsabilidade social. Recentemente, na promoção do hambúrguer Big Mac, escolheu o slogan “O teu hambúrguer Big Mac está de volta com o Big Mac de frango.” “Agora, por cada menu Big Mac vendido, o McDonald’s vai doar um dólar à ‘Hong Kong McDonald’s House Charity Foundation Second Home'”. Este anúncio não só promove o Big Mac e o Crispy Chicken Big Mac, mas também diz aos clientes que a política comercial do McDonald’s vai para além da obtenção do máximo lucro para a empresa. O McDonald’s leva a sério a responsabilidade social e é uma empresa cheia de amor. Esta estratégia de marketing não só satisfaz o paladar dos clientes, mas também toca os seus corações e sem dúvida que aumentou o reconhecimento e preferência pela marca.

O que é mais digno de nota é a capacidade do McDonald’s de usar estratégias de marketing inteligentes de forma a atrair a atenção dos clientes. Certa manhã, o McDonald’s anunciou subitamente no website oficial que o “McDonald’s ia suspender o café,” o que desencadeou uma onda de protestos na cidade. Todos concordavam que pequeno-almoço sem café não era a mesma coisa. Quando toda a gente falava do assunto, na parte da tarde desse mesmo dia, o McDonald’s escolheu habilmente o momento de fazer um novo anúncio, onde dizia que seria introduzido um café de maior qualidade. Este tipo de técnica de marketing, não só atrai com sucesso a atenção do público, mas também transmite inteligentemente a mensagem de actualização de um produto que é popular em toda a cidade. As pessoas têm de elogiar a publicidade bem-sucedida do McDonald’s.

A ascensão do McDonald’s, a cadeia global de restaurantes fast food, não pode ser dissociada dos seus métodos de negócio. A adaptação da estratégia da marca aos hábitos locais, as certeiras promoções dos produtos e a modelação da imagem de uma empresa preocupada com a responsabilidade social, fazem parte da sábia visão comercial do McDonald’s e do seu encanto único no mundo dos negócios. Esta sabedoria e experiência valiosas são dignas de referência e de estudo aprofundado.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

9 Jul 2024

A corrupção é generalizada

A procuradora-Geral da República aceitou deslocar-se à 1ª Comissão da Assembleia da República para prestar esclarecimentos aos deputados sobre a actividade do Ministério Público. Os casos de índole criminal ou de suspeição danosa para o Estado têm sido mais que muitos.

A demora da justiça, a quebra do segredo de justiça, as escutas a individualidades durante cerca de quatro anos têm deixado o povo sem acreditar na Justiça. No entanto, não se pode condenar o Ministério Público porque a falta de meios para levar a efeito a imensa quantidade de casos sob suspeita é uma realidade.

No cimo da lista das suspeitas judiciais está obviamente a corrupção. A corrupção que está generalizada pelas autarquias, deputados da Assembleia da República, governantes, assessores de governantes, presidentes de instituições estatais, gestores hospitalares e empresários da construção civil. Em suma, por todo o lado.

É um cancro sem cura e por mais que o Ministério Público tente realizar buscas domiciliária e não domiciliárias nunca irá acabar com a corrupção. Como dizia um comentador televisivo “está na massa do sangue”.

A corrupção verifica-se em todo o mundo, mas em Portugal, um país tão pequeno, está cada vez mais a ser notícia. No entanto, há casos em que a justiça é culpada de a situação não melhorar. Certos casos de grande importância chegam a aguardar por julgamento mais de 10 anos e outros prescrevem devido ao corrupio das defesas dos arguidos recorrerem para onde puderem provocando o arrastamento dos processos. Como se compreende o caso Sócrates? O caso Manuel Pinho? O caso Ricardo Salgado? O caso Granadeiro/Bava? O caso Joe Berardo? O caso Vale e Azevedo? E tantos outros.

Existe por esse país fora uma modalidade de corrupção fácil. Os baldios do Estado são vendidos a empresários de construção civil e a negociata corrupta movimenta milhões de euros e nunca se viu uma investigação que terminasse em sentença por os baldios irem desaparecendo. Neste particular, diga-se em abono da verdade que há um grupo de portugueses sérios que tem lutado com todos os meios para que os negócios obscuros dos baldios não se expandam.

Na semana passada, assistimos a mais uma operação da Polícia Judiciária (PJ) que movimentou mais de 100 agentes nas buscas realizadas no âmbito da operação “Concerto”, que envolve Luís Bernardo e João Tocha, suspeitos de corrupção activa e passiva, perante fortes suspeitas de favorecimento de empresas do sector da comunicação, publicidade, marketing digital e político, por parte de diversas entidades públicas, tendo esta dupla alegadamente ganho mais de sete milhões de euros só com o Estado.

A operação visou a execução de 34 mandados de busca e apreensão, 10 buscas domiciliárias e 13 não domiciliárias em organismos públicos, e 11 buscas não domiciliárias em empresas e edilidades como Lisboa, Oeiras, Mafra, Amadora, Alcácer do Sal, Seixal, Ourique, Portalegre, Sintra e Sesimbra. Isto é um descalabro e não existem agentes judiciais que cheguem para tanto delito.

Luís Bernardo é empresário de comunicação e foi assessor de José Sócrates enquanto primeiro-ministro e, mais tarde, director de comunicação do Benfica com Luís Filipe Vieira. Segundo a PJ, as diligências realizadas visaram consolidar a indiciação de que, às empresas referenciadas pela investigação, terão sido adjudicados contratos, por ajuste directo ou por consulta prévia, em clara violação das regras aplicáveis à contratação pública, designadamente, dos princípios da concorrência e da prossecução do interesse público, causando um elevado prejuízo ao Erário Público.

Imaginem que inclusivamente um dos casos de suspeita de viciação das regras da contratação pública até chegou ao Tribunal Constitucional. Isto tudo é muito grave, muito revoltante e o pior é que nem daqui a 10 anos esta gente, suspeita de corrupção e de falta de respeito pelo país que serve, terá um veredicto judicial. No caso do Palácio Ratton (Tribunal Constitucional) a comunicação foi entregue à sociedade de Luís Bernardo em 2021, por ajuste directo, mas o raio de acção do empresário é vasto e, no sector público, as suspeitas de corrupção estendem-se a contratos com diferentes entidades, como várias autarquias de norte ao sul do país, num alegado conluio entre autarcas. É caso para dizer que Portugal corrupto tem mais encanto…

8 Jul 2024