A neutralidade climática

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s mudanças climáticas não são um fenómeno de moda, mas algo real, palpável e destruidor que tem vindo a moldar em sentido negativo a face do planeta, deteriorando as condições de vida dos ecossistemas, incluindo o humano. O ser humano é não só o maior sofredor, mas também o mais perigoso predador do meio ambiente, pelo que a sua actividade é uma das causas maiores das mudanças climáticas.

Os maiores registos de aumento de temperatura nos oceanos ocorreram no Paquistão e Índia, vitimando um milhar de pessoas, nos primeiros meses de 2015. A “Verdade Inconveniente” de Al Gore, chegou às telas dos cinemas, em 2000, com um prognóstico para muitos fatalistas, que pensavam que apenas se tratava de uma propaganda política para cativar os abraça árvores.

As perguntas mais aberrantes foram formuladas, como que tipo de aquecimento global seria, ou se tratava de uma invenção dos meios de comunicação social. Algo poderia ter sido verdade, mas o prognóstico de Al Gore não estava tão errado, porque o estamos a viver. O último relatório da ONU sobre o clima afirma que catorze dos quinze anos mais quentes do planeta ocorreram depois de 2000.

As marés épicas, que arrasam as orlas costeiras, os tufões, furacões ou ciclones que geram ventos circulares que podem atingir velocidades de 300 km/h, as chuvas diluvianas que provocam cheias incontroláveis, são indubitavelmente parte das mudanças climáticas. A verdade destas tristes histórias é de que tudo está ligado, principalmente no oceano, onde se geram as grandes mudanças.

As alterações que os oceanos estão a viver e tal como as correntes, a temperatura da água e a quantidade de oxigénio, podem criar profundas transformações que por sua vez resultam nos fenómenos que nos assolam diariamente e os que virão no decurso do século.

Os ursos polares correm sério risco causado pelos degelos no Árctico. O dióxido de carbono que é gerado pela humanidade nas indústrias e grandes cidades, também chega aos oceanos, provocando o aumento da temperatura, os degelos dos pólos e a acidificação da água que afecta principalmente os recifes de coral e toda a corrente trófica.

As mudanças climáticas estão a intensificar-se em 2015, e a comunidade internacional apenas se desdobra em reuniões, onde as promessas sobram e as acções para minorar o fenómeno escasseiam, podendo ser cada vez piores, cabendo ao ser humano encontrar um ponto de retorno. Qual a diferença entre as mudanças climáticas e o aquecimento global? O planeta está a aquecer e a evidência é clara. O mundo vive mudanças climáticas únicas, termo utilizado com frequência para explicar os danos causados ao ambiente. Os termos de mudanças climáticas e aquecimento global, são usados geralmente, como sinónimos, mas a realidade é diferente.

As mudanças climáticas são quaisquer alterações significativas nas medidas de clima que durem por um período de tempo prolongado. As mudanças climáticas incluem modificações expressivas na temperatura, precipitação, padrões de vento, entre outros efeitos, que ocorrem durante várias décadas.

As mudanças climáticas não devem ser confundidas com o aquecimento global, pois este último refere-se ao aumento recente e contínuo na temperatura média global próxima da superfície terrestre. O aquecimento global é causado geralmente por aumentos nas concentrações de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera.

Assim, o aquecimento global está a provocar mudanças nos padrões climáticos. O aquecimento global em si é apenas um aspecto das mudanças climáticas. O planeta está a aquecer e a sua temperatura média subiu mais de 7ºC no século passado. Os cientistas prevêem que a temperatura média continuará a aumentar entre 1.2 º e 6.5ºC este século.

Ainda que aparentemente seja uma subida de poucos graus, estas pequenas mudanças na temperatura implicam modificações perigosas no clima. As chuvas, em muitos locais aumentaram e ocasionaram inundações, enquanto em outras regiões, pelo contrário, produziram-se secas. As ondas de calor são mais frequentes, causando mais vítimas mortais, bem como incêndios florestais. As mudanças climáticas trarão mais secas, inundações e incêndios.

Os oceanos estão a aquecer e a acidificarem-se, enquanto os glaciares e os pólos estão a derreter-se, e por consequência, os níveis do mar estão a subir, sendo de temer que as cidades costeiras sejam as mais afectadas nos próximos anos. A acidificação dos mares acelera o aquecimento global. As mudanças climáticas, também produzem efeitos em termos económicos, pois criam prejuízos nas colheitas e põe em risco a produção alimentar, e o aumento de desastres naturais cria impacto no Produto Interno Bruto (PIB) dos países.

O Banco Mundial calcula que os prejuízos causados por desastres naturais atingem cerca de quatro mil milhões de dólares desde 1980. As causas das mudanças climáticas são diversas, sendo naturais e humanas; podendo provocar um desequilíbrio na temperatura do planeta; apresentando-se como mudanças no efeito de estufa, através de variações na energia solar que chega ao planeta; modificações na reflectividade da atmosfera e superfície terrestre.

As mudanças climáticas anteriores à Revolução Industrial do século XVIII eram causadas por causas naturais. Os cientistas, no entanto, crêem que o aquecimento que se produziu no século XX e contínua no século XXI se deve à actividade humana. As actividades industriais no século passado traduziram-se numa descarga de grandes quantidades de dióxido de carbono e outros GEEa na atmosfera. A maioria destes GEE, provêm da indústria energética. A desflorestação e outros processos industriais, e inclusive, algumas práticas agrícolas, também emitem GEE. O efeito de estufa é a causa pela qual o planeta aquece. Os GEE formam, uma espécie de capa ao redor do planeta que o mantém quente. Este processo é natural e necessário à vida. A acumulação de excesso de GEE pode mudar o clima e tornar-se prejudicial para os ecossistemas e saúde dos seres humanos.

A ONU na década de 1990 criou a “Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (CQNUAC) ”, que procura reforçar a consciência pública sobre os problemas relacionados com este fenómeno. O “Protocolo de Kioto”, assinado em 1997, estabeleceu medidas para lutar contra as mudanças climáticas. Têm-se realizado nos últimos anos várias “Conferências das Partes” ou “Cimeiras do Clima”, sendo a última, a “Conferência sobre o Clima (COP20) ”, que decorreu entre 1 e 14 de Dezembro de 2014, em Lima, com a denominação de “Apelo de Lima para a Acção Climática”, e que tentou delinear as bases de um novo acordo vinculativo para que os países limitem a emissão dos GEE.

O acordo vinculativo deverá ser assinado durante a realização da “COP21”, entre 30 de Novembro e 11 de Dezembro de 2015, em Paris, devendo entrar em vigor, em 2020. A data (2025 ou 2030) em relação à qual deverão ser cumpridas as primeiras metas por parte dos países desenvolvidos continua à espera de um consenso, assim como, outras matérias constantes do novo “Acordo de Paris”, bem outros os períodos de cumprimento (5 ou 10 anos).

Os países que fazem parte do “Protocolo de Quioto” necessitam para que o mesmo entre em vigor, de ratificar a “Alteração de Doha”, referente às novas metas para 2020, que é o segundo período de compromisso do “Protocolo”. A Rússia, Ucrânia e a Bielorrússia entravaram um esclarecimento das regras da “Alteração de Doha”, levando a que tecnicamente os objectivos de Quioto não possam ainda entrar em vigor.

A União Europeia e outros países com metas de emissões estabelecidas terão de as ratificar até à “COP21” e referentes ao período para 2020, mesmo que as normas venham a ser clarificadas até à data da assinatura do “Acordo de Paris”. Até à realização da “COP21” realizou-se a “Reunião de Genebra”, a 8 de Fevereiro de 2015, para preparar o texto do acordo que substituirá o “Protocolo de Quioto”, a partir de 2020, e que tem como principais objectivos, limitar o aumento da temperatura mundial a +2°C por comparação com a era pré-industrial, o que de contrário, é previsível alterações climáticas que terão graves consequências nos ecossistemas, nas sociedades e economias, em especial nas regiões mais pobres. O Secretário-Geral das Nações Unidas promoveu um “Evento de Alto Nível” em Nova Iorque, a 29 de Junho de 2015, com o fim de conseguir dinamizar os países para encontrarem consensos das divergências que ainda existem e viabilizem o “Acordo de Paris”.

15 Ago 2015

Macau ao estilo grego

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]té ao presente momento, o novo Governo da RAEM tem vindo a desempenhar as suas funções há já mais de oito meses. Porém, mais e mais defeitos têm vindo a ser identificados, devido a “deficiência genética ou mesmo fraco acompanhamento médico após o parto”. Visto tratar-se de uma administração que não necessita de prestar contas a ninguém, as políticas por si formuladas continuam, tal como no passado, a dar prioridade ao sector empresarial, ao mesmo tempo que inundam a sociedade com um populismo desmedido, especialmente impulsionado por certos políticos da chamada oposição democrática. Tendo tudo isto em consideração, pode-se então afirmar que, até agora, o Governo “tem colhido aquilo que semeou”.

Devido ao fracasso das tentativas de transformação estrutural da economia depois da transferência de poderes, os dirigentes da RAEM têm-se encontrado na necessidade de depender das receitas provenientes da liberalização da indústria do jogo, assim como da política de vistos individuais para visitantes oriundos do continente. Aliado a isto, o enorme crescimento da economia chinesa derivado por uma série de reformas domésticas tem ajudado a indústria do jogo de Macau a cimentar a sua posição como um dos mais conhecidos destinos a nível mundial para entusiastas dos jogos de fortuna e azar.

Ao mesmo tempo, o território tem-se tornado num dos principais centros para transferências de capital e nem sempre dirigido a indivíduos de renome. Todo este dinheiro, proveniente da China, mas de origem duvidosa, tem dinamizado a economia local, reflectindo-se principalmente no mercado imobiliário, que tem gozado de um crescimento espectacular. Mesmo estando cientes da aberração constituída pela nossa estrutura económica, que carece de uma lógica funcional, o Governo não tem permanecido vigilante nem tão pouco tomado precauções para tudo isto, optando em vez disso por se orgulhar dos lucros fáceis até agora conseguidos.

Entretanto, e não obstante todos os sectores da administração terem vindo a registar cada vez mais despesas ou, por assim dizer, necessitarem de orçamentos cada vez mais avultados, vários mega-projectos estruturais têm sido iniciados um após o outro, apesar de cada um deles conseguir sempre ultrapassar as projecções orçamentais, assim como a esperada data de conclusão das obras.

Cria-se assim a impressão de que alguns funcionários públicos não são responsáveis pelas suas próprias acções, acabando assim estes por desperdiçar o dinheiro dos contribuintes, além de outros recursos comunitários. Na superfície, Macau está em alta, embriagado pelas receitas do jogo, mas sempre dependente da boa fortuna dos vários casinos que operam na região especial. Mas se viermos a encontrar uma situação em que as receitas obtidas através do imposto cobrado sobre o jogo, como poderia então a RAEM sobreviver nesse cenário?

Após a transição de soberania, o número de funcionários públicos empregados pela RAEM cresceu significativamente, tendo estes gozado igualmente de sucessivos aumentos salariais derivados das crescentes reservas financeiras oriundas do imposto sobre o jogo. Mas, com o passar do tempo, a administração viu-se forçada a realizar ajustes nos contratos estabelecidos com estes funcionários. Assim, primeiro procederam a mudanças no “Regime das Carreiras dos Dirigentes e Chefias dos Serviços Públicos”, passando de seguida a analisar todos os funcionários públicos, agrupados nas respectivas diferentes categorias a que pertencem.

Há dois anos atrás, o salário dos titulares de cargos políticos foi reajustado, enquanto que os benefícios e os salários dos funcionários públicos foram recebendo aumentos anuais e tudo isto acabou por se materializar numa enorme despesa para os cofres públicos.

Mas até com o grande público os nossos governantes têm sido generosos, atribuindo a todos os residentes uma ajuda pecuniária anual, assim como implementando uma série de subsídios e revendo em baixa os impostos taxados sobre a população. Isto faz com que os cidadãos esqueçam os seus problemas, no mínimo uma vez ao ano quando os cheques pecuniários são distribuídos pela população, e contribui para uma falsa ilusão de prosperidade eterna. Mas, na realidade, o Governo pouco ou nada faz para melhorar a situação e toda a conversa sobre a diversificação da economia não passa de nada mais do que conversa.

As preocupações imediatas dos nossos dirigentes recaem invariavelmente sobre o mercado imobiliário, onde muitos funcionários públicos e os seus amigos, ou abastados homens de negócios, esperam receber lucros avultados como consequência dos seus investimentos nesta área. Porém, a grande maioria da população não beneficia da mesma maneira e, na verdade, acaba mesmo por ser prejudicada pelas rendas elevadas assim como os preços exorbitantes das casas.

Esta falta de visão e procura de lucros imediatos acaba mesmo por se reflectir por toda a sociedade, pois as acções indevidas dos nossos governantes acabaram por imprimir na população uma atitude que espera “receber da vindima sem sequer semear”, chegando estes a exigir sempre mais e mais subsídios e outras regalias da parte do Governo. Mesmo quando estes subsídios são colocados à disposição, verifica-se então uma corrida louca para a obtenção de um lugar na lista de candidatos. O interesse pessoal e o egoísmo reinam em Macau, chegando mesmo a fazer hoje em dia parte dos atributos dos residentes locais.

Quando as receitas do jogo sofrerem uma descida acentuada, vamos certamente encontrar ressentimento por parte da população local, que através das suas lamentações vai acabar por obrigar o Governo a apresentar uma série de medidas de contenção de custos, em virtude de não haver nenhuma outra solução.

No caso da Grécia, o seu Governo implementou um bom sistema de segurança social de modo a garantir o voto dos seus apoiantes, mas esta situação criou um défice estatal que só pode ser remediado através da obtenção de empréstimos da União Europeia. Ao mesmo tempo, os políticos gregos realizaram um referendo para enganar os eleitores e exercer pressão sobre os outros estados da comunidade europeia. Mas mesmo assim os seus líderes foram obrigados a implementar uma série de medidas de modo a reduzir as despesas do Estado, o que constitui na verdade um pré-requisito para a obtenção do crédito europeu. O que fariam então os nossos governantes se a RAEM se encontrasse igualmente numa situação de falta de reservas financeiras?

A maior parte dos visitantes que se dirigem aos casinos locais são oriundos da China continental, enquanto que os jogadores que frequentam os “quartos VIP” são, na maior parte, abastados homens de negócios do mesmo país. Estes usam todo o tipo de medidas para ganhar dinheiro no seu país de origem, acabando depois por investir as suas poupanças através do território de Macau. Se porventura a China não estivesse a viver a maior campanha anti-corrupção da sua história ou se não tivessem sido implementadas sérias medidas para impedir a transacção de capitais através dos cartões da China UnionPay, ou ainda se a conjectura mundial não tivesse mudado quando Xi Jinping assumiu o poder, acreditamos os cofres da RAEM ainda poderiam estar cheios de receitas obtidas através do imposto sobre o jogo.

Porém, a China sentiu a necessidade de combater a corrupção de forma a garantir a sobrevivência do Partido Comunista assim como do próprio estado. Conseguiriam então estes homens de negócios, mas também bons patriotas que amam Macau, mudar as políticas implementadas pelo Governo Central?

Pela conquista do dinheiro, existem aqueles que contemplariam até perturbar a segurança nacional ou a saúde dos funcionários da indústria do jogo e até o futuro desenvolvimento da RAEM. Se pesquisarmos o paradeiro dos descendentes desses mesmos indivíduos, quantos deles estarão ainda a residir em Macau?

De forma a garantir o seu futuro, Macau tem de evitar embarcar pelo caminho seguido pela Grécia. E, durante este período de redireccionamento, uma pequena minoria de pessoas com interesses investidos poderia sem dúvida vir a sofrer, assim como poderiam ficar tristes aqueles habituados “a colher sem sequer semear”. Mas se a população do território não se livrar do vício que a prende a este ambiente económico, que mais se assemelha a uma droga, não poderão deter a clareza intelectual necessária para poder virar uma nova página. Apesar de a Grécia ser um país conhecido pela sua mitologia, nenhum dos seus cidadãos actuais pode viver uma vida relaxada como aquela gozada pelos deuses gregos, nem tão pouco o podem Macau e as suas gentes.

15 Ago 2015

O final feliz

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão conheço a senhora de lado algum, mas esta é daquelas histórias em que se acredita à primeira leitura: uma médica licenciada pela Universidade de Coimbra, com nota de 19,6 valores, a especialização feita e vários anos de serviço teve essa ideia peregrina de querer trabalhar em Macau. Chumbou nos testes dos Serviços de Saúde, foi-lhe impossibilitado o recurso, avançou para tribunal. A médica é de cá – macaense, com Bilhete de Identidade de Residente. Não conheço a senhora de lado algum, mas acredito que esteja a dizer a verdade. Basta ver que os Serviços de Saúde, a quem foi dada a oportunidade do contraditório, nem sequer se deram ao trabalho de tentar desmentir os factos narrados por este jornal.
O caso desta médica que teve a pretensão de voltar para a sua terra – uma terra onde, por sinal, os médicos escasseiam e as qualidades de alguns são questionáveis – dá que pensar. Desde logo, na forma de contratação, nos métodos que são aplicados nos exames, na constituição dos júris, no desrespeito pela língua portuguesa (diz a médica que lhe foi impossibilitada essa opção dada pela lei). Mas obriga também a reflectir sobre aspectos sociais e sobre questões políticas.
Os aspectos sociais: andamos aqui todos a fingir, há já muitos anos, que isto é só harmonia. Macau foi aquele exemplo de transição perfeita, não há nada mais bonito do que a alegre convivência entre portugueses e chineses, os macaenses são filhos da terra e tratados como tal, a terra é muito deles, eles que são o resultado em forma de gente destas combinações harmoniosas de séculos. Macau não é assim, não há terra no mundo em que diferentes etnias, culturas e línguas coexistam harmoniosamente, sem um choque de vez em quando. Deixemo-nos de falsos pruridos: é óbvio que há sectores e pessoas que ainda não digeriram o passado. E porque ainda não digeriram o passado, paga o neto por aquilo que o avô poderá ter feito – mesmo que o avô nunca tenha cá estado.
Não sei se foi este o caso. Mas não é segredo para ninguém que há dentro do hospital quem, tendo poder para tomar decisões, não queira médicos portugueses por cá. Não é só no hospital que isso acontece. Chamem-lhe trauma pós-colonialista. Eu chamo-lhe estupidez.

[quote_box_left]Não é segredo para ninguém que há dentro do hospital quem, tendo poder para tomar decisões, não queira médicos portugueses por cá. Não é só no hospital que isso acontece. Chamem-lhe trauma pós-colonialista. Eu chamo-lhe estupidez[/quote_box_left]

As questões políticas: numa terra em que, em termos gerais, os directores dos serviços públicos valem o que valem, numa terra onde o trabalho depende em muito da capacidade e empenho pessoal dos secretários, é cada vez mais evidente que a divisão do trabalho está mal feita. Há secretários a menos para o muito que ficou por fazer nos últimos 15 anos de Macau. Há secretários com pastas a mais, sobretudo porque todas elas são complicadas de gerir. É o caso de Alexis Tam, que fez da saúde a sua prioridade, mas que continua a ler nos jornais aquilo que, acredito, não gostaria que estivesse a acontecer.
Quem frequenta com alguma assiduidade os centros de saúde e o hospital público de Macau tem consciência de que é ambicioso o prazo de um ano que o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura definiu para que se vejam melhorias significativas nos Serviços de Saúde. À excepção da substituição do director do hospital e dos esforços para o reforço do pessoal, dos concursos de recrutamento de que se vai tendo conhecimento, nada se sabe de alterações internas que nos levem a acreditar que o modelo de gestão será revisto. Já passaram mais de oito meses desde que Alexis Tam apontou o dedo ao que vai mal na esfera de Lei Chin Ion.
Depois temos o Chefe do Executivo que, quando questionado esta semana acerca dos progressos na reforma da saúde por um dos deputados que ele próprio escolheu, não foi capaz de ir além de umas ideias gerais sobre isto da saúde, das leis sobre a saúde e do financiamento das não lucrativas instituições privadas de saúde.
Voltamos ao mesmo: num momento em que o líder do Governo passa cada vez mais por entre os pingos da chuva, são os secretários que se molham. Se fossem mais, a água não era tanta. E talvez se pudesse recuperar, de forma mais rápida e menos custosa, os anos que andámos todos a perder. Não sendo assim, sobra trabalho: Alexis Tam prometeu tentar encontrar um final feliz para a história da médica macaense. Ficamos à espera de boas novas.

14 Ago 2015

Tudo mal, obrigado

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]que dizemos a um indivíduo que conhecemos mal, mais ou menos, ou não nos interessa conhecer melhor? “Olá, Tudo bem?” ou simplesmente “Tudo bem?”. O tipo responde-nos “Tudo”, ou “Sim”, ou se tiver um bocadinho de modos retribui com um “Tudo bem, e tu?” – certo? Não, errado! Tudo bem não; tudo mal! Confesso que já fui viciado em “tudo bens” mas deixei o hábito. Quando vejo alguém que conheço mal, aceno com as mãos ou com a cabeça, e se ele passar à minha frente digo-lhe “olá”. Se for um amigo mais próximo detenho-me e troco dois dedos de conversa, que podem começar como “Então como vai isso?”, mas nunca “tudo bem”. Este “tudo bem” é um momo, uma falsidade, um engodo. Devia ser considerado falta de etiqueta perguntar “tudo bem?”. Mais do que isso, devia ser considerado um insulto: “olha lá pá, esse ‘tudo bem’ foi p’ra mim, é?”.
Este “tudo bem?” é uma farsa, uma desonestidade. Um tipo que conhecemos mal passa por nós com passo apressado, atira com um “tudo bem?” e nós dizemos “sim”, porque: 1) é má educação não dizer nada e 2) o tipo vai embora e não chateia mais. Ele diz “tudo bem?”, e não nos pergunta se está mesmo tudo bem: o gajo está-se nas tintas, e quer é levar com o “sim” da praxe para depois ir à sua vida. E nós cumprimos este ritual patético à letra, damos-lhe o “sim” que ele pediu, e acaba ali, pronto, não se fala mais nisso. Até ao próximo “tudo bem?”, pelo menos. É que mesmo que esteja tudo mal, porque devíamos de partilhar o nosso problema com alguém que nem conhecemos?

[quote_box_left]O “tudo bem?” anda por aí todos os dias, na boca de gente de todos os quadrantes, profissões, idades, géneros, raças, religião ou orientação sexual. A única vacina para nos protegermos eficazmente deste “tudo bem?” vindo da parte de alguém que mal conhecemos e nem sequer nos lembramos do nome é um seco “o que é que tu tens a ver com isso?”[/quote_box_left]

Há um tipo de “tudo bem?” que esconde segundas e terceiras intenções, que leva água no bico, especialmente se nos acontece um azar qualquer de que todos ficam a ter conhecimento (isto é frequente entre a comunidade portuguesa em Macau). Nesse caso arriscamos-nos a encontrar um dos “tudobembâdos” que se mete à nossa frente, olhas bem abertos e pescoço inclinado para a esquerda, como se para ver se estivemos a chorar, e pergunta “tudo bem?”. Se estamos com paciência, podemos falar do problema com ele: “olha, como já sabes…”, e se não merece mais que desprezo dizemos “sim, tudo”, fim de conversa. Aí é possível que o mala insista: “tudo, mesmo, de certeza?”. Aí dá vontade de responder “epá se já sabes porque é que perguntas?”, mas se não nos apetece mesmo andar ali a dar satisfações podemos optar por um “sim, tudo, com licença que estou com pressa”. Mas partilhemos ou não a angústia, nunca ficamos bem vistos no fim; se falamos, o tipo vai dizer aos outros melgas iguais a ele: “epá encontrei o coiso e tal, coitado está arrasado, com o coração nas mãos”. Se os evitamos, dizem “olha vi o coiso e está mesmo em baixo, e nem quer quer tocar no assunto, coitadinho”. É ser preso por ter cão e ser preso por não ter.
Mas o que esperar da reacção destes toureiros a cavalo que espetam bandarilhas do “tudo bem” à traição? E se em vez se “tudo” ou “sim”, optamos por uma resposta alternativa? Para melhor entender as probabilidades, elaborei uma tabela:
Se respondemos categoricamente “não”, ou “nem por isso”, pode-se esperar o seguinte:
1) O tipo fica genuinamente interessado no nosso caso e até pergunta “então porquê?”. Se lhe explicamos o problema, ele:
1a) Ajuda-nos, porque a solução está ao seu alcance, ou indica-nos alguém que o possa fazer, o que não é o mesmo mas é melhor que nada.
1b) Lamenta não poder ajudar, pois o problema é demasiado pessoal, ou do foro íntimo.
1c) Lamenta não poder ajudar mas se calhar até podia dar uma mãozinha, só que não está para chatear – isto acontece normalmente com problemas de dinheiro.
1d) Responde “a sério?” ao que se segue um “paciência”/”boa sorte”/”as melhoras”. O filho da mãe…
1e) Responde “epá olha, é a vida”, depois olha para o relógio e diz “estou com pressa, depois a gente fala”. Despedimos-nos do cínico com um “’tá bem, ‘té logo”, e ficamos a desejar que seja atropelado assim que atravessar a rua.
1f) Diz “Ai é? Ah, ah, ah”. Esses são apenas parvinhos.
Se a resposta é “mais ou menos”, ou “assim-assim”, estamos a seduzi-lo, a chamá-lo para a cama da lamentação, com a alma húmida e ardente de desejo pela sua curiosidade. Reacções possíveis:
2) Ele é um daqueles tipos porreiraços que pensa que é amigo de toda a gente e está sempre disposto a dar uma mãozinha, mas no fim deixa tudo na mesma ou pior, e cujos conselhos incluem:
2a) “Ai é? Olha cuidado com isso, que eu tinha uma tia que apanhou essa merda e já foi desta para melhor”
2b) “Ouve lá, já tive esse problema, e sabes o que foi que eu fiz?” – ao que se segue um rol de palermices e dicas inúteis.
2c) “Água. Bebe muita água”.
2d) “Os meus pêsames pá. Ouve…ganda cena. Fogo, pá”, enquanto nos abraça e nos dá violentas palmadas nas costas, fingindo estar em prantos pela morte da nossa tia ou sogra.
3) Os que se estão nas tintas para nós:
3a) O filósofo: “Só mais ou menos? Do jeito que isto está, podia ser pior”
3b) O polícia: “Vê lá, vê lá. Juizinho…”
3c) A avózinha: “Agasalha-te bem e não fumes tanto.
Em alguns casos em que a vítima do “tudo bem?” alheio tem uma reacção ainda mais parva, retorquindo com inanidades do tipo “faz-se o que se pode”, “vai-se andando” ou “com altos e baixos”. Estas respostas que não são carne nem peixe podem levar com um indiferente “ah…”, ou “pois”, e o autor do “tudo bem?” acaba saindo por cima.
O “tudo bem?” anda por aí todos os dias, na boca de gente de todos os quadrantes, profissões, idades, géneros, raças, religião o orientação sexual. A única vacina para nos protegermos eficazmente deste “tudo bem?” vindo da parte de alguém que mal conhecemos e nem sequer nos lembramos do nome é um seco “o que é que tu tens a ver com isso?”. Mas é preciso ter tomates. Para um sacana, sacana e meio.

13 Ago 2015

O legado africano de Obama

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]recente visita do Presidente norte-americano a África, a última de um Barack Obama na reta final do segundo mandato, foi aproveitada por muitos analistas para avaliar o legado de Barack Obama para com o continente onde tem as raízes paternas. Os balanços são mais ou menos positivos consoante as filiações políticas dos autores. Mas embora Obama não tenha feito tanto pelo continente como os seus antecessores, parece estar a ser vítima das expectativas exageradas que foram criadas pela sua eleição.
Quando Barack Obama foi eleito em 2008, eu estava então a trabalhar em África para a Organização das Nações Unidas (ONU). Assisti nesse dia a uma alegria infindável quer da população do país onde me encontrava em missão – o Chade, na fronteira entre o Sahel e a África negra, constituído na sua vasta maioria por uma população de fé muçulmana – quer dos colegas das Nações Unidas de origem africana. Foi como se de repente todo um novo mundo se abrisse aos nossos olhos, tudo porque o povo norte-americano, através do seu voto, havia escolhido o primeiro Presidente negro da sua história. No país mais poderoso do mundo.
O “yes, we can!” era muito mais do que um slogan de campanha. Era toda uma política, de igualdade, de respeito pelas minorias, de afirmação do ser humano, que se tornava possível. Isso não era pouco. Perpassava a sensação de que tudo era agora possível, de que o mundo se iria tornar um lugar mais justo, mais integrado, menos desigual. E era por isso que muitos dos meus colegas africanos (mesmo aqueles que estavam em posições de chefia e que, por trabalharem para uma organização que tinha como princípios orientadores a igualdade entre géneros e a diversidade geográfica, foram sentindo ao longo dos anos menos a discriminação do que outros) se abraçavam e sorriam como se de uma ocasião única se tratasse.

[quote_box_left]Obama é uma vítima das expectativas elevadas que foram criadas com a sua eleição. Mas como qualquer político bem sabe, a arte da governação passa pela gestão das expectativas[/quote_box_left]

Muitos deles imprimiram nesse dia imagens de um sorridente Obama, disponíveis na internet, e colocaram-nas na parede em frente às suas secretárias. Outros tinham-no feito muito antes, quando o candidato democrata começara a corrida para a Casa Branca. Nesse dia, no dia em que é eleito, Obama conquista muitos daqueles que nunca quiseram acreditar para não se desiludirem. E este é o primeiro legado – o principal, talvez – que Obama deixa aos africanos. Tudo é possível. É possível acabar com os estigmas, com os fatalismos. É possível cortar as raízes do subdesenvolvimento. Dos atavismos.
Por ter feito as pessoas acreditarem, Obama deu-lhes um capital maior do que o resultado das suas políticas para com o continente africano. Um capital que o Comité Nobel Norueguês reconheceu com a atribuição do Nobel da Paz. O prémio, atribuído logo em 2009, no início do seu primeiro mandato, foi-lhe concedido pelos seus esforços para fortalecer a diplomacia internacional e “a cooperação entre povos”. Mas também foi para salientar as diferenças entre a prática política do seu antecessor no cargo, que avançou para o Iraque, na sequência dos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, sem mandato do Conselho de Segurança da ONU. Obama transformou-se, entretanto, no campeão dos ataques por drones, tendo sido contabilizados, oficialmente, até ao início deste ano, mais de 450 em países com os quais os Estados Unidos não estão em guerra, como o Iémen, o Paquistão e a Somália. Nove vezes mais do que os ataques autorizados por Bush e que mataram perto de 2500 pessoas, entre as quais 314 civis.
É sobretudo “contra” George W. Bush que as comparações em matéria de política externa têm de ser feitas. Os especialistas em política externa lembram que o presidente republicano pôs em prática a Millennium Challenge Corporation, destinada a erradicar pobreza, apostando nas práticas de boa governação, e aprovou o Plano de Emergência para o Combate à SIDA. E que as iniciativas de Obama, como o Power Africa, uma parceria com os governos africanos que pretende alargar a plataforma de recrutamento de pessoas para as posições de chefia na África subsaariana, e a Young African Leaders Initiative, que tem como objectivo formar a próxima geração de empreendedores, educadores, activistas e inovadores, estão muito aquém do impacto dos programas desenvolvidos por W. Bush.
No continente africano, Obama continua a dar prioridade à segurança sobre o respeito pelos direitos humanos ou às parcerias económicas. O comando militar americano no continente (Africom) está consolidado, mas falta uma presença visível norte-americana em termos de parcerias comerciais. Os chineses estão em África. Os indianos estão em África. Mas falta uma presença considerável de investimento Made in USA, reforçando uma certa frustração de líderes de opinião que esperavam que essa presença contribuísse para um reforço dos direitos humanos e para uma consolidação do Estado de Direito. Um pouco à imagem da declaração feita por Obama em Addis Abeba, no final da visita ao continente, em que afirmou que os presidentes não podem perpetuar-se no poder e que nada vai libertar mais o potencial económico de África do que eliminar o cancro da corrupção. O discurso não acompanha a prática, que uma presença norte-americana reforçada poderia forçar.
De certa forma, Obama é uma vítima das expectativas elevadas que foram criadas com a sua eleição. Mas como qualquer político bem sabe, a arte da governação passa pela gestão das expectativas. E no caso das expectativas criadas por Obama, como o fecho imediato da Prisão de Guantánamo na ilha de Cuba, que permanece ainda hoje operacional, o Presidente não conseguiu concretizar o que se propusera fazer.

13 Ago 2015

As raparigas salgadas

[dropcap style=’circle’]J[/dropcap]á se sabia que o grande problema do século XXI, para além dos fundamentalismos e do tédio causado pelo Jogos Olímpicos de Inverno, ia ser a água. Pois é. Precioso líquido, fonte de vida e de muitas outras coisas (como o útil gelo, por exemplo), bem diferente do asqueroso petróleo por quem tantos matam e outros tantos morrem, a água não vai ser a mesma ao longo deste titubeante século. Seja por causa do aquecimento global, devido ao envenenamento dos rios ou ao excesso de xixi sobrepopulacional, a verdade é que todos prevêem graves problemas com a água nos próximos tempos.
Também neste aspecto Macau exige estar na vanguarda e os problemas que vão afectar o mundo de forma global já se sentem aqui neste território à beira do Rio das Pérolas plantado. Ora toma! Somos os primeiros, à frente da Etiópia, de Myanmar, dos países árabes, do próprio Turquemenistão. Enquanto estes sóbrios países continuam a desfrutar de água potável, a RAEM não está com meias medidas e avança decidida na senda do futuro: aqui a água não se pode mesmo beber. Não se pode beber, não se pode cozinhar, não se pode escovar os dentes, tomar banho, lavar a roupa. E tudo porque a água tem excesso de sal!
Porque razão uma terra com excesso de dinheiro nos cofres, decididamente voltada para o turismo, proporciona aos seus habitantes este profético mergulho no futuro? Fará parte de uma estratégia publicitária dos Serviços de Turismo? “Venha a Macau e experimente o que vai ser o mundo daqui a 50 anos”. Será isto? Talvez. Será uma táctica política à la Maria Antonieta? “Não têm água? Mas porque não bebem vinho?” Será? Talvez. Bom… a verdade é que enquanto o dinheiro não chega para os brioches a malta vai andando por aí… mas mais salgadinha que é um mimo dos antigos.
É claro que para resolver a situação era preciso tomar uma decisão e disso anda o governo farto. Um senhor propôs na rádio que se usasse água do mar nas descargas. Ora aí está uma ideia de génio. Nas descargas e nas piscinas públicas. O único problema é que o mar está tão distante que se torna fisicamente impossível. Distante, pergunta o surpreendido leitor. Sim, distante, porque esta gentil costa é sobretudo banhada pelos dejectos químicos e orgânicos da malta ali de Guangdong que, como se sabe, não prima pela escassez nem pela contenção. Logo, solução impossível.

[quote_box_left]Ora a partir de agora toda a população vai andar com excesso de sal, o que certamente contribuirá para fazer subir Macau nas estatísticas regionais, quiçá mundiais, de frequência sexual[/quote_box_left]

O melhor mesmo é aguentar. Já que a nossa querida Macao Water e o nosso devotado governo se limitam a tomar banho num mar de despreocupação e indiferença, o que pode a populaça fazer? Aguentar, pois claro, pacientemente aguentar. Aguentar que a máquina de lavar se decomponha, aguentar o preço da água mineral. Aguentar que a paciência é como o respeitinho: muito bonita.
E não haja dúvida que o povo de Macau tem uma infinda paciência. No Iraque já tinham explodido duas mesquitas, na Rússia haveria manifestações nas estepes, nos Estados Unidos turbas enfurecidas a partir tudo e a roubar. Na China discutia-se o assunto no ciberespaço, em Portugal nas tabernas. E seria imprevisível o resultado. Mas aqui não. Gosto a sal em tudo quanto toca em água e está a andar. A malta tem calma, a malta tem pachorra, a malta continua alegremente a pagar o mesmo preço por um produto que não atinge sequer os mínimos admissíveis em contexto civilizado.
Esta bovina paciência tem talvez uma razão linguístico-cultural. Passo a explicar. Ora como sabe quem sabe cantonense, rapariga salgada (ham-mui) quer dizer que estamos perante uma moçoila muito dada às coisas da sensualidade, pois deveriam considerar os chineses antigos que existia uma relação entre o excesso de sal e a vontade de praticar sexo, isto é aqueles actos que para alguns estão relacionados com a reprodução da espécie e para outros com outras coisas mais relacionadas com o Kamasutra. Ainda hoje, por Macau, quem é o varonil rapazola, digno das suas viris patentes, que não foi rotulado de ham-sap lou por uma simpática mas negacionista chinesa de cantónia fala? Se é o caso do amável leitor é melhor não o confessar a ninguém, por vergonha de não exibir suficientemente os seus másculos desejos (curiosamente, os portugueses que chegam agora a Macau em nada desmerecem aos seus antecessores pré-transição: mal descem do jet-foil, logo abrem a braguilha e a carteira). Ora a partir de agora toda a população vai andar com excesso de sal, o que certamente contribuirá para fazer subir Macau nas estatísticas regionais, quiçá mundiais de frequência sexual. Ele é um vê-se-te-avias e ainda por cima… salgado. Portanto, ainda se queixam? Não se queixem. O pastel de bacalhau também é salgadote e não é por isso que deixa de ser levado a numerosas bocas, um pouco por todo o mundo.
Verdade, verdadinha, é que isto até quem nem é mau para todos. Que o digam os importadores e revendedores de água mineral: nunca o negócio andou assim tão de vento em popa. Isto sim, isto é que é fartar vilanagem.
Por mim, acho bem, que eu cá acho tudo bem. Só o gelo, só o gelo me preocupa. Mas como o uísque também é falsificado, que importância tem mais pedra ou menos pedra de sal? Também em sal se transformou a mulher de Lot por ter ousado olhar para trás, quando da fuga de Sodoma. E Macau tem agora as raparigas mais salgadinhas do mundo! Sal, sexo, gajame, Sodoma… Caramba! Isto está mesmo tudo relacionado!

12 Ago 2015

Risco

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á um velho ditado, que todos conhecemos mas nem todos praticamos. O nosso bom amigo, “Quem não arrisca não petisca.” – ele é válido para (quase) tudo. É provavelmente, das melhores expressões da nossa gente. Pela alta energia que emana, pelo impulso para o desconhecido, pela capacidade de acreditar, por ser o empurrão que falta em horas de indecisão.
“Quem não arrisca não petisca” faz-nos acender uma pequena luz cá dentro que, com jeitinho, conseguimos transformar num clarão de lucidez e emoção. “Quem não arrisca não petisca” é o conselho que o amigo nos dá por nos crer ver singrar, por não nos quer ver infelizes. “Quem não arrisca não petisca,” é o que a mãe nos diz quando aprendemos a andar de bicicleta. “Quem não arrisca, não petisca está connosco quando precisamos de nos rir com a vida. “Quem não arrisca não petisca”, terá sido o que passou pela cabeça do Gama quando se fez ao mar, pela do Carlos Manuel quando acabou com a Alemanha à bomba, terá também passado pela cabeça do Bogart quando beijou Bacall pela primeira vez, e pela de muitos de nós que fizemos o mesmo, ou parecido, e vivemos um amor à conta disso. Terá surgido na cabeça de muitos que um dia decidiram arriscar para conquistarem o petisco.
“Quem não arrisca não petisca”, ou seu equivalente em italiano, também terá passado pela cabeça de Romeu, que acabou como se sabe, até de Ícaro muito provavelmente. Mas essa é a essência do risco. Pode correr mal. Pode ser um amor impossível, um sonho difícil de atingir, mas também pode correr bem e se arriscarmos vamos sempre saber que tentámos. Podemos calcular o risco mas não podemos viver sem ele.
Vêm-me estes riscos ao papel a propósito de uma história ouvida há dias e passada num outro dia num desses departamentos do governo. Ao que consta, terá saído uma ordem de serviço a pedir ao designer gráfico que não deixasse tanto espaço em branco nos posters pois isso poderia ser considerado desperdício de papel… não podia ser real! Mas foi. fire-crusade
Lembra-me então a história quão penalizado pode ser arriscar em Macau. Neste caso, para não arriscar, o funcionário em jogada brilhante de antecipação prefere jogar pelo seguro e sugerir a poupança de papel no design gráfico nem que para isso tenha de espezinhar a criatividade no processo, mesmo qualquer tímida assomo futuro desse vício.
Tendo esta história acontecido num departamento onde a criatividade deveria ser moeda corrente, tamanho descalabro cambial proporciona péssimos sinais. Sinais de um “burrocracia” instituída, sinais de que o risco continua a não ser praticado mas visto como demónio a evitar.
Em Macau não se arrisca porque o erro é insuportável, vai-se a face e as roupinhas. Mas o erro não é insuportável, o erro tem de ser “descriminalizado”, pois sem erro não há criatividade. Especialmente, numa terra onde o governo surge como um dos principais agentes da economia e do desenvolvimento social e educativo locais, deve ser ele o primeiro a perder o medo de arriscar, de aceitar propostas inovadoras, de estimular as suas próprias chefias a perderem o medo de arriscar. O erro é inalienável da inovação. Jogar todos pelo seguro contraria a evolução e sem evolução não há petisco.

Fogo

Ainda alguém liga aos fogos em Portugal? Isto, é claro, se não morar na zona, por outra questão directamente relacionada, ou não tiver família ou amigos ligados a um dos 25.000 fogos florestais que Portugal regista em média por ano. Pergunto isto porque à semelhança de outros casos, a repetição excessiva promove a entrada do fenómeno nas nossas paisagens visual e auditiva default como mais um ruído entre muitos outros. A nossa atenção diminui porque é sempre o mesmo. Pessoalmente, desde que me lembro de ver notícias, e já vão uns bons anos, há sempre notícias de fogos florestais em Portugal. Aposto inclusive, que se a RTP fosse aos arquivos e colocasse imagens de 2002 para ilustrar as noticias de incêndios deste ano, apenas o locutor desactualizado nos faria alertar da troca pois o resto seria igual. Milhares de hectares ardidos, casas em perigo, fogo-posto, reacendimentos, bombeiros vitimados, florestas por limpar. Todos os anos, sem falha, repetem-se as entrevistas e as situações e nada muda. Ou melhor, algo muda e logo o que não devia: cada vez arde mais, isso sim, isso muda.
Segundo a Pordata, os resultados são estes: nos últimos 10 anos arderam 1,6 milhões de hectares de floresta e mato; desde 1980 até hoje foram quase 4 milhões! Na década de 80 arderam 735,000 hectares, na de 90 foram pouco mais de 1 milhão, nos anos 2000, 1,5 milhões e, até 2013, mais meio milhão de hectares. Este ano já arderam 31.000… Ou seja, quanto mais tecnologia, acessos, suposto esclarecimento e métodos de combate existem mais mata arde. Traduzido para euros, o jornal i anunciava em 2013 “segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), as perdas ambientais e materiais resultantes dos incêndios na floresta atingiram 2,224 milhões de euros entre 2002 e 2012.” E este montante correspondia (apenas) à destruição de 1,5 milhões de hectares de floresta.
O que se poderia fazer em termos de inovação para pesquisa e prevenção, para descobrir formas inovadoras e prevenir e atacar incêndios florestais com, seja, 10% desse orçamento?
A verdade é que nestes últimos 30 anos, as políticas de todos os governos, sem excepção, para a protecção da floresta portuguesa são um rotundo falhanço. Perante tanta inépcia, tanto discurso vão, pela simples incapacidade de se criar uma task force multidisciplinar que analise a fundo o fenómeno e proponha soluções inovadoras, só custa mesmo a acreditar ainda existir haver floresta para queimar em Portugal.

MUSICA DA SEMANA

Asian Dub Foundation – “In Another Life”
(…) “Children with no eyes, push the …up the hills
Not blinded by the light, but by another’s will
Possession’s at the rage, breathe life into every day
The world has a different way, at the bottom of the food chain
And if you’re looking at your life from only way you are
You only see the ground, will you ever see the stars” (…)
Destaque
O erro é inalienável da inovação. Jogar todos pelo seguro contraria a evolução e sem evolução não há petisco.

11 Ago 2015

Grafismos

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão sou do tempo em que as descobertas sexuais envolvessem uma VHS roubada do irmão mais velho onde um conjunto de jovens se deliciava (se assustava) com cenas de sexo. As sortudas minorias assim consideradas em outras décadas, de minoria têm agora muito pouco. A pornografia é agora de fácil acesso – leia-se – de muito fácil acesso. Até a minha avó, na sua santa inocência, se depara com a sexualidade gráfica que a internet acidentalmente oferece quando vai cuscar as redes sociais de família afastada (avós modernas).
Há uns 5 anos atrás vivi em Budapeste, para quem não sabe, a capital da pornografia europeia. Nunca a razão principal para a minha visita, salienta-se, mas a vivência era obrigatóriamente feita com sex shops a cada esquina e a ocasional proposta para fazer de figurante em filmes adultos. Escusado será dizer que poucos foram aqueles que recusaram a oportunidade de experiênciar a indústria. Ver pornografia ao vivo ao mesmo tempo que davam a cara ao comum mortal a encher a multidão que o enredo obrigava, sei lá, num autocarro? Só os loucos o recusariam. Até porque interacções menores eram bem possíveis, com alguma sorte havia permissão para dar uma ou outra palmadinha na actriz. Degradante ou não, a verdade é que a pornografia veio para ficar. O que se sabe sobre esta exposição fácil e por vezes excessiva é espectacularmente reduzida. Para todos os estudos realizados sobre os efeitos da pornografia houve dificuldades em criar um grupo de controlo, ou seja, um grupo de pessoas que não use pornografia de todo (só assim saberemos que o efeito se deve à variável estudada ou não). Mas não há ninguém. Se há homens que nunca sequer uma cena de pornografia viu, acusem-se porque ciência precisa de vocês.
A tendência para julgar de tarado o ser humano que perde umas horas da sua vida com pornografia, já é, felizmente, considerada um exagero. Estes vídeos XXX até que contribuem positivamente para umas coisas (negativamente para outras, não se esqueçam). Fazem parte de uma sexualidade saudável e até divertida, sozinho ou acompanhado. Diz a cultura popular que as mulheres passam-se quando descobrem que os seus parceiros se divertem a olhar para os gemidos de meninas especialmente mamalhudas. Haja sensatez que entenda que pornografia é um auxílio, uma ferramenta, e não um fim em si mesmo. Porque vejamos, a pornografia assemelha-se ao sexo tal como contos de fada assemelham-se ao amor. Não têm nada que ver com a realidade. Parece impossível acreditar, mas há quem se firmemente convença de que sexo é tudo aquilo que a indústria perpetua. Mulheres obcecadas por pénis gigantes, violência a roçar o kinky, uns estalos para aqui e umas palmadas para lá. Orgasmos muito fáceis de atingir (maior parte das vezes por trás), penetrações duplas (muitas!), mulheres bissexuais (todas!), e muita falta de pêlos púbicos. Todas estas filmagens são normalmente feitas por homens e para homens e por isso, se há falta de um público feminino a isso se deve, nada contra a pornografia em si.

[quote_box_left]Haja sensatez que entenda que pornografia é um auxílio, uma ferramenta, e não um fim em si mesmo. Porque vejamos, a pornografia assemelha-se ao sexo tal como contos de fada assemelham-se ao amor. Não têm nada que ver com a realidade[/quote_box_left]

Se existe vício, existe. Uma sexualidade essencialmente pornográfica vem do conforto da masturbação e de um computador sempre à mão. Acho que estamos todos de acordo que o coito com um ser humano é muitíssimo melhor que uma mão, ou um vibrador, ao som de gemidos exagerados. Só que sexo corre mal, mais regularmente do que gostaríamos. A pornografia? Sempre pronta, perfeita e airosa. De corpos para todos os gostos e fantasias ainda mais diversificadas. Trata-se de preguiça e da possibilidade de fo*** à grande (em todos os sentidos da palavra) que num cocktail hormonal fabuloso cria o vício de consequências sexualmente perturbadoras, entre elas, a impotência. Cruel, não é? Uma dedicação tão profunda ao sexo que resulta na impossibilidade do mesmo. Há quem tenha feito estudos neurológicos na tentativa de entender estes caminhos do prazer e do desprazer, porque toda esta exposição leva à indiferença, não só para sexo, mas para tudo.
Da sociologia da pornografia, não me vou estender sobre a falta de uma perspectiva femininista na prática pornográfica, acho que a maioria da população está ciente do retrato que é perpetuado à mulher e ao seu papel na relação sexual. Sei de muitas histórias de homens que só atingem o clímax nas posições mais impessoais, na cara de uma mulher ou não ejaculam de todo. Mas quem fala de retratos femininos, fala de outros exemplos. O mais interessante que ouvi recentemente é o de um estudante de direito Americano-Asiático que se apercebeu como os homens asiáticos estão mal representados no mundo da pornografia. Tanto quanto sei, pôs o seu curso em pausa e agora dedica-se ao Asianschlong.com onde procura outros asiáticos que queiram seguir uma carreira na pornografia e desenvolver uma nova tendência.
Acima de tudo, a pornografia tem que ser consumida… com moderação.

11 Ago 2015

Geometria Eleitoral

[dropcap style=’circle’]1[/dropcap]. As nossas democracias liberais assentam em três ou quatro regras simples. A eleição através do voto directo ou universal dos representantes do povo, com assento numa assembleia parlamentar que é a expressão das alternativas políticas. Um mandato curto do governo liderado pelo partido vencedor na pugna eleitoral ou legitimado por um acordo de partidos que funciona, no parlamento, como bancada de apoio ao governo. Um árbitro, monarca ou presidente da república, que dá posse ao governo com base nos resultados eleitorais, fiscaliza a sua acção política, demite o primeiro-ministro em certas circunstâncias ou aceita a sua resignação. Um poder judicio-constitucional que fiscaliza as consequências jurídicas da actuação dos governantes, a constitucionalidade das leis – aferida à priori, ou a posteriori – a pedido do presidente da república ou por iniciativa de um partido ou grupo de partidos.
O sistema funciona em regra, bem e permite ajustamentos ao mandato dos governantes. Dilatando o termo do governo a que a maioria dos eleitores dá nota positiva, dando a um novo partido a oportunidade de governar ou abreviando o mandato quando a coligação que sustenta o governo se dissolve, ou o chefe do partido maioritário se demite. Em regra, os eleitores não acolhem soluções de ruptura salvo quando a crise económica ou a perda de credibilidade dos políticos urge uma mudança radical de protagonistas.
Na última década se olharmos para as eleições parlamentares, nas principais democracias do continente europeu, os eleitorados têm preferido soluções de estabilidade, forçando os partidos melhor posicionados a entenderem-se e a coalizarem-se à saída das eleições. Assim aconteceu nos seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Polónia e Portugal. A única excepção é a Grã-Bretanha que viu renovar-se a confiança no partido conservador por razões parcialmente atribuíveis ao fracasso da liderança trabalhista.
2. Ao contrário do que gostariam os líderes do Partido Social-Democrata e do Partido Socialista o eleitorado português deverá preferir, nas eleições de 4 de Outubro, uma de duas soluções: a manutenção da maioria PSD-PP mas com margem menos expressiva; a vitória do PS, com maioria relativa. Em qualquer destas situações, o cenário resultante não é, de forma alguma, do agrado do Presidente Cavaco Silva, porque o forçará a um papel mediador que ele manifestamente não quer assumir. As razões, sucintamente, têm a ver com o seu perfil conservador, o seu trajecto em responsabilidades governativas, a história do seu relacionamento com Mário Soares e a avaliação política que faz de Passos Coelho e António Costa.
Na percepção desta abulia presidencial para encontrar uma solução que não seja ditada pelos resultados eleitorais, os dois partidos-charneira do arco de governação arriscam pouco. Isso constata-se em dois elementos precisos: os programas eleitorais da Plataforma Mais Futuro para Portugal e do Partido Socialista; a formação das listas para deputados.
Um olhar atento aos programas eleitorais de PSD-PP e PS revela que as duas forças políticas não estão assim tão distantes nas apostas e nos objectivos eleitorais como a verbosidade do discurso político deixa transparecer. Ao acirrarem divergências de ‘fundo’, os dois campos deixam margem de manobra para uma negociação pós-eleitoral que muitos crêem inevitável. Dê-se uma olhadela, por exemplo, às medidas que os dois contendores propõem para a reforma da segurança social, para o plafonamento das pensões, para a taxa social única, para a devolução da redução remuneratória dos salários dos funcionários públicos, para a redução da taxa do IRS e a reforma do IRC, para o Sistema Nacional de Saúde e para a política europeia.
São sobretudo diferenças de estilo, discrepâncias de metodologia, disparidades na aferição dos impactos de medidas dirigidas a diminuir as restrições impostas pelo Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal. Do lado da Plataforma Mais Futuro, quer-se dar um sinal aos eleitores que é possível agora, relaxando as políticas de restrição orçamental e redução salarial e de benefícios sociais, recuperar a qualidade de vida dos portugueses perdida nos últimos quatro anos. Do lado do PS, vinca-se que o país está na mesma situação que em 2010, que o governo se tem mostrado incompetente para aliviar as políticas duras impostas pela Troika, que o programa da coligação é um emaranhado de medidas sem consequências de monta ou irrealistas.

[quote_box_left]Um olhar atento aos programas eleitorais de PSD-PP e PS revela que as duas forças políticas não estão assim tão distantes nas apostas e nos objectivos eleitorais como a verbosidade do discurso político deixa transparecer[/quote_box_left]

Também na formação das listas prevalece o mesmo calculismo. Da parte de Passos Coelho, fazer eleger para a Assembleia o bloco duro que o tem apoiado no governo e no Parlamento. Bloco formado por nomes como Moreira da Silva (Braga), Manuel Frexes (C. Branco), José Cesário (Fora da Europa), Teresa Morais (Leiria), Aguiar Branco (Porto), Teresa Leal Coelho (Santarém), Maria Luís Albuquerque (Setúbal), Carlos Amorim (V. Castelo) e Luis Ramos (Vila Real). Ao mesmo tempo, manter o isolamento da oposição interna liderada por Manuela Ferreira Leite e Pacheco Pereira (com António Capucho já fora do partido). Do lado de António Costa, construir um bloco homogéneo de apoio ao líder no parlamento formado por antigos socratistas: Carlos César (Açores), Capoulas Santos (Évora), Ferro Rodrigues (Lisboa), João Galamba (Lisboa), Isabel Santos (Porto), Vieira da Silva (Santarém) ou Eduardo Cabrita (Setúbal). Grupo a que se adicionou quadros que poderão ser designados pela ala ‘costista’ do PS: Pedro Nunes dos Santos (Aveiro), Helena Freitas (Coimbra), José Apolinário (Faro), Margarida Marques (Leiria), Alexandre Quintanilha (Porto) ou Ana Catarina Mendes (Setúbal). Um último objectivo passa por dividir a minoria ‘segurista’, repescando para a lista Manuel Vilaverde Cabral (Braga), Eurico Brilhante (C. Branco) e Alberto Martins (Porto).
3. Não é antecipável, assim, uma alternativa significativa ao quadro exposto. A menos que na campanha eleitoral surja algum episódio associado ao historial político e profissional dos dois líderes que provoque um motim nas escolhas dos eleitores.
Passos Coelho parte para esta sua segunda campanha numa situação relativamente confortável. Em termos do desempenho do governo e do comportamento da economia os números são-lhe favoráveis. Segundo dados extraídos da Pordata, o PIB (a riqueza nacional) cresceu de forma sustentada entre 2010 e 2014 com uma variação de mais 3 por cento. O PIB per capita (a riqueza anual disponível para cada português) cresceu 1.24% no mesmo período, cifrando-se agora em 16 600 euros. O número de beneficiários do subsídio de desemprego caiu, entre 2011 e 2014, colocando-se em Dezembro passado em 304 000 pessoas. A dívida pública que cresceu 21% entre 2005 e 2009 e 24.3% entre 2009 e 2011 (anos de governos de Sócrates) cresceu 21% do PIB entre 2011 e 2014, o que é uma significativa recuperação quanto ao período imediatamente anterior. Menos simpáticos os dados das despesas do Estado, do consumo público e da carga fiscal. As primeiras não se reduziram tanto quanto Passos Coelho prometeu na sua campanha de 2011. Passaram de 48. 6 mil milhões de euros em 2011 para 48.4 mil milhões de euros em 2014. O consumo público passou de 19.4% do PIB em 2010 para 18.6% em 2014, o que representou uma queda de 4.12%. Finalmente, a leitura da carga fiscal em rácio do PIB revela um agravamento entre 2010 e 2014 (30.2% no primeiro ano e 34.4% no segundo) com um pequeno ganho entre Dezembro de 2013 e 2014. Nada mal para quem governou sob programa de assistência financeira do FMI e das instituições europeias.
Também as sondagens têm confirmado o veredicto não totalmente desfavorável às pretensões de Passos Coelho e à estratégia que escolheu para passar uma mensagem central de prudência da acção do governo e da necessidade de um segundo mandato para ‘arrumar a casa’. Iremos saber adiante se essa estratégia foi avisada pela prudência ou fracassou por ausência de ambição. O que parece para já possível dizer é que existe um país retratado nas redes sociais e nos espaços de comentários nas televisões e nos jornais que pressagia o apocalipse. Existe um outro que se manifesta nas sondagens que prefere a estabilidade e a continuidade de políticas reformadoras ao aventureirismo das rupturas.

10 Ago 2015

Gorjeta graciosa

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e, porventura, o nosso leitor ganhar nas mesas de jogo, ou se algum vosso conhecido decidir atribuir-lhe mil patacas como prenda de aniversário, esse montante seria considerado como afortunado ou um símbolo de boa sorte. Ainda mais se tivermos em conta o facto de essa remuneração monetária não ser fruto de trabalho árduo, como seria normalmente de esperar. Quantos dos nossos leitores é que já foram premiados desta forma?
Qualquer um de nós se pode considerar sortudo se tiver dinheiro suficiente para concretizar os seus sonhos pessoais. E você, considera-se uma pessoa dotada de boa sorte?
Sobre este tema, o site “redalertpolitics.com” publicou uma notícia no dia 21 de Julho sobre Brendan Motill, um jovem natural de Illinois, nos EUA, que se encontrava a servir à mesa no “Smokey Barbecue” de Frankfort, no mesmo estado americano. De acordo com a peça, Brendan recebeu uma gorjeta de 1000 dólares americanos, após passar 10 minutos à conversa com um cliente deste restaurante. Para além do dinheiro, o mesmo deixou ainda uma nota a Brendan, onde se podia ler a mensagem seguinte.

Brendan,
Obrigado pelo teu serviço atencioso! Considero-te um “garçon” impecável, por isso deixo-te aqui esta gorjeta. Apesar de não saber o que pretendes da vida, espero que este dinheiro te ajude a concretizar os teus sonhos.
Por vezes, a realidade em que vivemos pode ser demasiado negativa, mas tenho a esperança de vir a viver num mundo em que todos sejam mais cordiais para com os outros. É para esse fim que pratico actos de solidariedade com pessoas desconhecidas, de modo a motivar outros a fazer o mesmo!
Que a vida te dê tudo o que desejas, meu irmão.

[quote_box_left]Qualquer um de nós se pode considerar sortudo se tiver dinheiro suficiente para concretizar os seus sonhos pessoais. E você, considera-se uma pessoa dotada de boa sorte?[/quote_box_left]

Devido à notoriedade que o caso ganhou, Brendan chegou mesmo a ser entrevistado pelo canal televisivo ABC7. Questionado sobre a sua reacção a esta nota, o mesmo salientou que “fiquei de boca aberta, em choque, sem conseguir me mexer nem fazer nada”. Apesar de ter tentado agradecer ao cliente misterioso, Brendan não o conseguiu mais encontrar, pois este saiu mal acabou de pagar a conta, deixando Brendan sem saber o que fazer. Na mesma entrevista, o mesmo adiantou ter ficado “muito emocionado com tudo isto, e precisei de uns momentos para me recompor e acalmar as emoções”.
Brendan reside em Tinley Park, onde acabou o ensino secundário na Tinley Park High School. Assim, pretende que estes 1000 dólares americanos venham a ser investidos no curso de contabilidade que pretende completar numa universidade local. “Este dinheiro vai me ajudar muito a concretizar esse sonho”, rematou o mesmo.
Esta quantia seria equivalente a 7.800 dólares de Hong Kong, ou na moeda local, a 8.034 patacas. Qualquer um de nós pode apenas sonhar em receber tal montante em compensação por uma conversa inócua de 10 minutos com um estranho qualquer. Ou será que os nossos leitores não concordam comigo?
O Brendan tem apenas 19 anos de idade, por isso ainda tem a vida toda pela frente. Mas como irá o mesmo gastar esta quantia? Será que vai acabar por o usar para as propinas da universidade, como tenciona, ou optar em vez por o doar a alguém, num acto de caridade semelhante aquele que recebeu? Ou talvez venha a gastá-lo com a sua família? Só Brendan é que pode responder a estas questões, mas se o mesmo decidir usar o dinheiro em prol da sua sociedade, todos nós temos o dever de o ajudar.
Não há dúvida que Brendan aparenta ser uma pessoa dotada de boa sorte, algo que apenas os deuses podem atribuir. Um ser humano pode apenas pedir aos deuses que lhe atribuam boa sorte, mas só os mesmos é que detêm o poder de decidir quanto cada um de nós é digno de receber. Não vale a pena tentar negociar este facto, é uma verdade imutável que tem apenas de ser aceite.
Este caso trouxe-me à memória uma canção em cantonense intitulada “I am lucky”, cantada por Deanie Ip. Reproduzo aqui parte da letra desta canção.

“Acredito com firmeza poder agarrar a sorte com as mãos,
Ela ajuda-me a voar mais alto,
Quero que vocês sejam felizes comigo,
Sinto-me tão excitada,
Como tenho sempre vindo a dizer,
Hoje o meu sorriso é doce”.

Assim como nesta canção, acredito que Brendan deseja que todos “possam partilhar da sua felicidade”.
Não podemos aqui deixar de focar também a nossa atenção no cliente misterioso que deixou a gorjeta no primeiro lugar. Será que o mesmo é alguém conhecido por todos ou talvez um magnata com muito dinheiro? Apesar de não podermos responder a estas questões, temos a certeza de ser uma boa pessoa, visto ter sido tão generoso com a sua gorjeta e atencioso com a nota em que deseja que Brendan venha a concretizar todos os seus sonhos. Quantos de nós seríamos capazes de tamanha generosidade para com um desconhecido qualquer? Na sua mensagem, o mesmo afirma fazer estes actos de modo a inspirar outros a fazer o mesmo, e assim vir a mudar a sociedade em que vivemos. Não sabemos igualmente se isto é verdade, mas tomando o caso de Brendan como referência, não é impossível acreditar que assim o seja.
Além disto, o cliente abastado ainda tem mais um desejo, que é de poder viver numa sociedade mais tranquila, em que as pessoas se interessam umas pelas outras. Aliás, este desejo tem vindo a ser exprimido por muitos, de modo a que todos possam viver unidos pela paz.
As nossas leis não podem pedir a ninguém para agir da mesma maneira, como também nos podem ajudar na concretização dos nossos sonhos pessoais (excepto talvez para aqueles que pretendam seguir uma carreira ligada ao direito). Pois, ao invés da sorte, as leis não existem apenas para nos fazerem felizes.
O caso de Brendan é extremamente raro nos dias de hoje. Mas, dependendo da sorte de cada um, além também da vontade divina, qualquer um de nós pode um dia vir a conhecer o seu próprio “cliente misterioso”.
Na verdade, este cliente acaba por trazer boa sorte não apenas a Brendan, mas também a toda a população, pois esta caso ajuda-nos a voltar a acreditar na bondade de cada um de nós. Deste modo, contribui então para fazer com que as nossas sociedades se tornem mais pacíficas e maravilhosas.
Vamos então concluir este texto com o desejo de que todas as pessoas deste mundo tenham a mesma boa sorte do que Brendan, e ainda que existam por aí mais “clientes misteriosos” com a boa intenção de mudar o mundo para melhor.

* Conselheiro Jurídico da Associação de Promoção de Jazz de Macau

10 Ago 2015

Xô daqui para fora

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]lguém que sabe muito mais disto do que alguma vez eu poderei saber escreveu, já lá vão alguns anos, que a Macau do futuro seria a cidade dos ricos. Na altura, as rendas ainda eram comportáveis e as contas do supermercado também. Mas o autor desta previsão – homem de estudos, viajado e com rasgo suficiente para antecipar problemas –, encontrava na aparente inércia governativa uma ideia para o futuro de Macau: mais cedo ou mais tarde, ia ser a cidade dos ricos, com os pobres e os remediados a viverem na periferia.
Estava certo. É isso que está a acontecer. Conheço algumas pessoas que, não sendo pobres, deixaram de viver com conforto para passarem a integrar o grupo de quem se desenrasca até ao fim do mês com muita ginástica financeira. As rendas dispararam, aos 30 ou aos 40 anos são poucos aqueles que, sem família, estão na disposição de regressarem ao estilo de vida universitário, e Zhuhai foi a opção. Casas mais baratas, casas melhores, uns trocos que sobram ao final do mês. Alguns sabiam ao que iam; outros foram às apalpadelas.
Macau começa, assim, a ser cada vez mais a cidade dos ricos. O comércio destinado às pessoas vulgares deu lugar às lojas de quem compra diamantes ao pequeno-almoço. Há prédios que caem de velhos no centro da cidade, mas isso faz parte do charme da terra. O contraste garante-se com os aviões de quatro rodas que circulam, de forma abundante e barulhenta, pelas ruas da terra.

[quote_box_left]Lao Pun Lap – cujos méritos desconheço, seja na investigação, na produção de pensamento ou na política – aponta para 2025 como se estivéssemos às portas de 2049. Há alturas em que parece que sim. Mas 2049 ainda não está aí[/quote_box_left]

Há já alguns anos que Macau começou a expulsar, de forma mais ou menos velada, quem não é de cá. Quanto as condições de vida dos sítios que não são nossos pioram, a tendência é fazermos as malas e voltarmos para os sítios que são nossos, o que faz todo o sentido: antes ser pobre entre os vizinhos que nos conhecem do que entre uma multidão que nos trata com transparência. A forma mais ou menos velada de expulsão deu lugar, nos últimos anos, a um discurso mais assumido, mais corajoso e também mais indecente: infelizmente, não cabem numa mão aqueles que, sem noção da floresta, insistem que é no corte das plantas mais frágeis que se encontra a solução para os problemas do território. São as que não têm raízes, dizem eles, que não percebem nada nem das árvores, nem dos homens.
Na semana passada, num discurso que jamais deveria ter acontecido, o coordenador do Gabinete de Estudo das Políticas do Governo veio defender que é preciso começar a mandar quem não é de cá para o outro lado da fronteira. A principal ideia que se retira deste estudo prolongado e profundíssimo sobre a demografia de Macau é esta: xô daqui para fora, vens cá trabalhar mas vais dormir para outro sítio, que é preciso espaço para o resto. O resto são 750 mil pessoas em 2025.
O coordenador ainda avisa que é preciso começar a pensar de forma inter-regional. Quem é de cá – está provado com outros estudos e outros números – sente de maneira diferente. Lao Pun Lap – cujos méritos desconheço, seja na investigação, na produção de pensamento ou na política – aponta para 2025 como se estivéssemos às portas de 2049. Há alturas em que parece que sim, parece que 2049 já chegou, que não existe grande diferença entre o Chimelong dos peixes grandes e as Ruínas de São Paulo dos turistas ricos disfarçados por chinelos. Mas 2049 ainda não está aí. Apesar de todos os esforços de integração regional, há quem não queira que 2049 aconteça já amanhã, neste sábado quente de Agosto.
Os principais visados pela política de dispensa do think-tank de Chui Sai On são os não residentes, os mais frágeis, mas quem sai pior no meio de tudo isto são os de cá. Quem tem os seus mortos aqui enterrados e não conhece outra vida que não a de Macau não terá um futuro sossegado nesta terra que é cada vez mais dos ricos. A não ser que seja rico. A não ser que o Governo emende a mão e decida, por exemplo, pôr a pensar no futuro da cidade quem percebe das coisas das árvores e dos homens.

P.S. – À consideração de quem manda: que se aproveite a mudança dos preços dos parquímetros para exigir à empresa concessionária dos ditos cujos a emissão de recibo. Eu, cliente regular e cumpridora, agradecia que a lei de Macau fosse respeitada. Dá-me jeito ter recibos do dinheiro que gasto em estacionamento, apesar de serem só uns trocos. Mas, sobretudo, chateia-me esta ilegalidade multiplicada pelas ruas de Macau. E chateia-me ainda mais que o Governo não exija à empresa a quem entregou a concessão que seja cumprida a lei. Está no Código Civil. É o Artigo 776o.

7 Ago 2015

Compras no Tin Un ou no Carrefour

Caríssimo leitor,

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]que faz um colunista quinzenal quando, no mês de Agosto e em pleno silly season, encontra-se sem inspiração nem tema para desenvolver no seu espaço do jornal?
Simples: agarra num trabalho anterior já finalizado e faz as devidas adaptações… Mais precisamente, o texto anteriormente preparado para o colóquio sobre a Identidade Macaense promovido pela ADM em 2012 e que (felizmente) não chegou a ser publicado.
Confissão feita, começo por dizer que me aborrece profundamente a atitude de certos ilustres que, pese embora tenham saído de Macau há já uma data de anos e nunca mais regressado, falam sobre esta cidade com afirmações firmes e em termos absolutos, sem se aperceberem que, porventura, a realidade e os critérios de avaliação do tempo deles poderá não ser aplicável ao Macau de hoje.
Qualquer cidade é um organismo vivo em constante transformação. Macau não foge à regra e, como todos nós sabemos, na nossa cidade essa transformação tem-se materializado de forma bastante acelerada até.
As mutações de uma cidade não têm lugar apenas a nível da paisagem urbana. Em diversas intervenções que fiz no passado, tive a oportunidade de referir que actualmente, em Macau, parecem-me mais marcantes, não as transformações da paisagem urbana, mas sim as transformações da paisagem humana – dando origem a uma nova textura social com a qual não nos identificamos necessariamente.
Sabendo o que sabemos hoje, o que irá acontecer ao futuro Macau?
Não tenho nenhuma bola de cristal, mas entendo que por força das políticas de integração regional a que assistimos presentemente, Macau vai ganhar uma nova escala urbana e os nossos filhos vão ter um modo de vida muito diferente do nosso.
Importa referir que este fenómeno não é mais do que uma nova fase da evolução que sempre existiu ao longo da História de Macau. Recorde-se que esta cidade chegou a ser intra-muros. Mesmo para nós, há pouco tempo atrás, não era comum ir viver para a Taipa. Coloane, então, era o fim-do-mundo.
Estou-me a lembrar de uma tia-avó minha, já falecida, com quem numa conversa me apercebi que já não ia a Coloane há mais de uma década. Pois o dia-a-dia e a vida social dela resumiam-se aos lugares para onde ela conseguia ir, de casa, a pé.
No gozo, lembro-me de lhe dizer que o Coloane dela era ainda o do tempo dos piratas e kwai chi lou! (*)
Os nossos hábitos procuram acompanhar a evolução da cidade. Mas tudo tem limites, e a nossa capacidade de adaptação estará também limitada à nossa memória do lugar. Fora do limite, subitamente não nos sentimos confortáveis – porque já não nos sentimos em casa.
Em tempos, numa conversa com um conterrâneo meu, foi-me explicado como Macau, antigamente, funcionava por bairros: Toi San, São Lázaro, Lilau…
Contou-me inclusivamente um pequeno episódio em que os rapazes de uma família portuguesa recém-chegada a Macau, ao atravessaram um bairro de bicicleta, foram prontamente interceptados e interrogados pela nossa malta, pois a comunidade ainda não os conhecia!
Não vivi esses tempos, mas a minha mãe ainda hoje diz, com algum orgulho bairrista, que é da família Xavier da Barra.
Também brinquei no meu bairro e com a malta que lá morava. Mas não, já cresci nos anos 80-90 e nunca me identifiquei como sendo da família Ritchie da Penha.
(“Papá, nós somos da família Ritchie do Ocean Gardens?”)
No entanto, era eu miúdo quando a Taipa ainda era longe: ia a casa de uns amigos que moravam em frente ao Jockey Clube – os poucos prédios que havia na Taipa nessa altura – e sentia-me aliviado quando conseguia apanhar o autocarro de regresso a Macau para chegar a casa a horas.
Hoje moro na Taipa e, tanto por motivos de trabalho como de lazer, desloco-me diariamente entre Macau, Taipa, Coloane, Zhuhai e Henqin. Confesso que estes dois últimos ainda me fazem alguma confusão. Talvez já tenha atingido o meu limite.
Calculo que um dia o meu filho irá gozar comigo se eu lhe disser que combinar um almoço em Zhongshan não faz sentido.
(“Papá, o teu Zhongshan é ainda o do tempo dos kwai chi lou!”)
Macau será parte de uma área metropolitana composta pelas diversas cidades da província de Guangdong, cuja fluidez de circulação de pessoas e de bens será cada vez maior e as fronteiras cada vez menos rígidas. Ou inexistentes.
Os nossos filhos vão viver um Macau à escala metropolitana.
Caríssimo leitor, não fique aflito: afinal quem vive em Lisboa, não vive necessariamente no Chiado. Quem vive em Paris, não vive necessariamente nos Campos Elíseos.
Portanto, quem vive em Macau, não precisa de viver em Macau.
Enfim, trata-se de um processo de transformação que sempre existiu e que nunca cessou, já que teve início com o crescimento da cidade, os surtos migratórios e as consequentes alterações da paisagem urbana e humana verificadas em Macau na segunda metade do século XX.
Todavia, a grande diferença – e o que se calhar nos assusta – é que de repente essa transformação atingiu uma escala e uma dinâmica nunca antes sentida.
Com o tempo, a barreira psicológica da fronteira com a China será – e para muitos até já foi – ultrapassada de vez e as nossas vidas irão inevitavelmente estender-se às regiões vizinhas.
Não sei que impactos esse novo enquadramento poderá causar à nossa comunidade, mas seguramente a nossa presença será (ainda) mais diluída. Pelo que, uma vez mais, vou repetir aquele cliché: temos de nos fazer valer não pela nossa quantidade, mas sim pela nossa qualidade – seja ela qual for.
A verdade é que actualmente há muita coisa em Macau que não faz sentido. Para além da falta de espaço e de todos os problemas daí resultantes, a falta de um horizonte distante para onde possamos dirigir o nosso olhar é algo que me parece bastante preocupante.
Cuidadosamente, com moderação e sem extremismos e atropelos ao nosso sentido de identidade, temos de alterar a nossa mentalidade e aceitar essa nova realidade.
Podemos continuar a fazer as nossas compras no Cheuk Chai Un e no Tin Un enquanto vamos a caminho da missa antecipada na Sé, para depois chuchumecâ um pouco no adro da igreja.
Mas, simultaneamente, não podemos ignorar que em Zhuhai abriu um Carrefour com bons produtos, junto de um condomínio residencial com muito bom aspecto e uma espectacular esplanada da Starbucks mesmo à porta.
Para o bem dos nossos filhos.
(“Papá, o que tinhas na cabeça quando gastaste 2 milhões de patacas num parque de estacionamento na Taipa?”)

Sorrindo Sempre

Ah e tal… Pois, não gosto de tocar em assuntos polémicos da actualidade local, mas desta feita não vou resistir à tentação de registar alguns acontecimentos relacionados com a questão do Hotel Estoril que me fazem (sor)rir:

 Álvaro Siza, de quem fui aluno e merece a minha mais profunda consideração, teceu os comentários que teceu, vá-se lá saber porquê. Se fosse em Portugal ainda percebia, mas em Macau? O que se calhar Siza não sabe é que por cá não temos assim tantas obras do Modernismo europeu.

 Maria José de Freitas, colega que não foi simpática comigo no célebre episódio da Rua de Londres (não guardo rancor, mas também não me esqueço facilmente das coisas) dirigiu a Álvaro Siza uma carta aberta com a qual até me posso identificar. Enfim, mais ou menos.

 O académico Michael Turner, que participou no seminário de comemoração do 10º Aniversário do Património Mundial de Macau, ventilou que o Hotel Lisboa poderá fazer parte da lista do património cultural de Macau, ideia que qualificou como “interessante”. Ora bem.

 O Hotel Estoril tinha em Portugal um primo chamado Hotel Estoril-Sol, também ele uma peça de arquitectura singular, que passou pelo mesmo antes de ser demolido. Macau é de facto uma cidade de origem portuguesa.

 Numa sessão de recolha de opiniões sobre o Hotel Estoril, por alguma razão mereceu destaque a participação de um turista alemão que passou quatro dias em Macau e algum tempo na piscina municipal situado nas traseiras, considerando o conjunto todo muito interessante, mais do que algo em Hong Kong. Agora pergunto: (1) o que faz um turista alemão numa sessão de recolha de opiniões local e (2) porquê razão foi ele comparar com Hong Kong, que critério foi esse? Com o devido respeito, ele que vá tomar banho para Hong Kong.

 Um ilustre cidadão ligou para o Ou Mun Kon Cheong (**) e defendeu que a fachada do Hotel Estoril não deve ser preservada porque contém um painel artístico inadequado, com uma mulher nua. Certo.

Caríssimo leitor, cinismo à parte, saiba antes o seguinte: adjacente ao Hotel Estoril situava-se a antiga Escola Luso-Chinesa Sir Robert Ho Tung, um precioso e interessantíssimo exemplo do Modernismo Português. Foi demolido há relativamente pouco tempo.

Sorrindo sempre.

(*) Malfeitor que rapta crianças.
(**) Programa matinal da Rádio Macau chinesa.

7 Ago 2015

Pai,pai/Queijo, queijo

Quando vejo uma criança, ela inspira-me dois sentimentos: ternura, pelo que é, e respeito pelo que virá a ser.
Louis Pasteur

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]ei com um debate num fórum de uma dessas redes sociais onde o tema era “Adopção entre casais do mesmo sexo” – não era para ser debate, mas acabaria por ser uma acesa troca de argumentos, onde em muitos casos os sentimentos mais recalcados acabariam por vir ao de cima, e não faltariam os habituais remoques mais frequentes quando se fala da comunidade LGBT.
Os direitos das pessoas que escolheram uma sexualidade alternativa ao núcleo familiar tradicional deram um salto considerável desde que o activista e advogado “gay” nova-iorquino Harvey Milk introduziu o conceito na esfera da política, que é onde, por e através de que tudo se decide: tinha nascido um “lobby”. Com o poder de discutir as suas exigências em termos de direitos civis em sede própria, o “lobby” LGBT viria a conquistar o direito ao casamento civil em praticamente todo o mundo livre, e vai caminhando paulatinamente no sentido de tornar “normal” a adopção de crianças, suponho que inicialmente, e durante muito tempo, não tenham pais quem olhe por ela – atenção não confundir adopção com famílias de acolhimento, que acolhem menores a título temporário. Argumento frequente e falacioso: pais a quem sejam retirados os filhos devido a abusos ou maus tratos, ou que estejam a cumprir uma pena de prisão, podem ser adoptadas por casais “gay”, e assim “arrancadas de uma família normal”, o único que os opositores à adopção “gay” aceitam como família adoptiva.
Estranhamente, ou talvez nem por isso, não se vê a comunidade LGBT a bater-se por esta causa com o mesmo afinco que vimos na questão do casamento, mas aqui há outros valores que se levantam, a começar pelas próprias crianças. E isto leva-me a que diga a minha opinião sobre o assunto, uma vez que me fui dedicando a seguir a evolução do caso, e fiquei positivamente surpreendido com a paz com que decorreu esse processo, sem exibicionismo ou espalhafato, e não consta que crianças tenham sido usadas como extras em paradas “gay”. Perante isto, não me oponho, uma vez que não me diz respeito directamente, e não se prevê que surjam mais tarde, e só me afectam se eu quiser”. É verdade, e esta é a altura ideal para malhar o ferro, enquanto ainda está quente.

[quote_box_left]Os homens heterossexuais são quem tem o maior problema com os homossexuais, pois estes têm uma “fraqueza”…uns pelos outros, o que causa alguma estranheza aos restantes, que nunca “provaram” daquele prato, e se calhar também não é assim tão mau como dizem: vejam como eles estão felizes?[/quote_box_left]

Assim, tendo ficado ponto assente que a homossexualidade não era tão impeditiva da adopção, tratando-se aqui de uma mera relação hierárquica familiar. Não foram argumentos que chegasse para deter os opositores da ideia, que desta feita ficaram com a sempre rígida e sensaborona Igreja, e não queriam muitas misturas com a extrema-direita ou adoptar outra posição que interferisse com a angariação de votos. Aqui todos os argumentos que ouvi foram lancinantes. De uma agudeza e de uma brutalidade que só leva a que todos fiquem prejudicados, e se levante novamente o fantasma do ódio por homossexuais, conhecido por “homofobia”.
Os homens heterossexuais são quem tem o maior problema com os homossexuais, pois estes têm uma “fraqueza”…uns pelos outros, o que causa alguma estranheza aos restantes, que nunca “provaram” daquele prato, e se calhar também não é assim tão mau como dizem: vejam como eles estão felizes? Agora que as crianças podem ser usadas como arma de arremesso, reiteram-se alguns conceitos ultrapassados, ou se for necessário inventam-se outros. É aqui que o meu estômago e a minha paciência se esgotam, e fica o pão por comprar.
As alegações que mesmo assim foram zunindo nos meus ouvidos incluíam coisas como a ligação ao útero materno, o leitinho, e cheguei a ver uns mesmo muito patuscos, de que passo a citar dois: “as crianças ficam sem saber o que comprar no dia da mãe”, e “toda a gente sabe que as primeiras palavras de uma criança são papá e mamã” – ai que lá fica a criança muda por causa disso. O problema aqui no fundo ainda é um pouco a mentalidade antiga, que vê a sexualidade com um olhar muito “biológico” e ao mesmo tempo “mecânico”, ciente do que entra onde, e faz o quê. Torna-se imperativa a figura da mãe, ignorando-se o facto de muitas família serem monoparentais, e só as crianças para a adopção passam a merecer destaque, especialmente as que pretendem ser adoptadas por dois homens. Aqui o primativismo do falo, da imponência e tudo isso pode ter alguma coisa a ver com os receios, ou o desconforto, mas por outro lado nas meninas é mais tolerado.
Quem defende a tese da obrigatoriedade da figura da mãe e se isto se desmontar recordando que as crianças para a adopção não têm pai nem mãe, passa-se ao argumento das leis da natureza. Ora na natureza não existe a figura da adopção, então para quê separar o que estava (bem) misturado. Seja como for o debate sobe sempre de tom, culminando por vezes com alguém que desabafa: “não se devem deixar as crianças com homossexuais” – bingo. Irónico fica se for um elemento da Igreja Católica a dizê-lo.
E é a Igreja que fica a torcer o nariz com o casamento que terá que repartir com o registo civil, que “casa homens com homens. E baralha-se, dá-se, e acaba sempre tudo na mesma. Boas Férias a todos em geral, e em particular aos que vão agora de férias no mês de Agosto.

6 Ago 2015

A quem interessa a tensão em Calais?

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]omecemos com um facto: entre refugiados, deslocados, pessoas em busca de asilo e apátridas há presentemente 55 milhões de seres no mundo. Isto equivale a cinco vezes a população de Portugal! Estes 55 milhões de pessoas são potenciais imigrantes a caminho de países em desenvolvimento. Entre esses, a Europa é uma das zonas do globo às quais os imigrantes mais apostam em chegar.
Os refugiados partem sobretudo de África – Sudão, Somália, Líbia, Eritreia – ou do Médio Oriente, da Síria e do Iraque, com a Europa ali tão perto. Mas saem também do Afeganistão. Fogem à guerra, a conflitos internos, a perseguições políticas, à pobreza. Nada têm a perder. Partem com uma pequena réstia de esperança numa vida melhor, na possibilidade de poderem dar um futuro à família e a eles próprios.
Para muitos, as precárias condições de vida que criaram nos acampamentos improvisados nos arredores de Calais, no norte de França, enquanto aguardam a oportunidade de se enfiarem no atrelado de um camião ou de conseguirem fazer a travessia no túnel no Canal da Mancha, são apenas um pouco piores do que aquelas que experimentaram nos campos de acolhimento para onde fugiram quando eclodiram os conflitos nos seus países de origem. Noutros casos, também as suas aldeias não têm água canalizada nem electricidade. Quem nada tem, nada tem a perder. No fundo, têm muito: uma força irresoluta que lhes permite não ceder aos milhares de quilómetros que tiveram de percorrer, às intempéries, à polícia. A sua capacidade de resiliência é enorme.
São pois algumas destas pessoas que se encontram por estes dias em França. Depois da ilha italiana de Lampedusa, bem perto do continente africano, no início do ano, a tragédia humana dos que esperam chegar a um oásis de civilização mudou-se para Calais. E o circo noticioso mudou-se para lá também. É vê-los a todos – CNN, BBC… RTP – a transmitir em directo desde a porta de saída da Europa continental para o Reino Unido.
É curioso, no entanto, que a imprensa internacional não mostre o drama dos refugiados que entram na Europa pela Hungria. Foi por essa fronteira a leste da União Europeia que muitos dos que aguardam a passagem para o outro lado do Canal da Mancha começaram a sua odisseia no interior da Europa. E é lá, na Hungria, que o governo conservador do primeiro-ministro Viktor Órban está a construir um muro de 170 km na fronteira com a Sérvia para travar um fluxo migratório sem precedentes. Até Junho, segundo os dados oficiais, ascendiam a 80.000 pessoas as que tinham atravessado a fronteira. Já em Itália o número era de 55.000. Na Grécia, 45.000. O total europeu andaria pelos 175.000. A partir de Calais, segundo os dados disponíveis, apenas 3.000 pessoas conseguiram chegar ao Reino Unido. Os refugiados procuram sobretudo chegar à Alemanha. No primeiro trimestre deste ano, Berlim teve de lidar com quase 50.000 pedidos de asilo, seguida pela França a uns distantes 17.000 requerimentos e o Reino Unido com menos de 13.000.

[quote_box_right]Esta crise reforça sentimentos nacionalistas que estão a ganhar terreno na Europa. A repetição das imagens de Calais permitem que quem quer fechar a Europa a mais imigrantes ganhe popularidade[/quote_box_right]

Devemos pois interrogarmo-nos: se a “crise” em Calais é de uma dimensão muito menor do que a que se vive na Itália, na Hungria ou na Grécia, porque é que a imprensa internacional está agora tão preocupada em narrar o que ali se passa? E porque é que o Governo britânico está tão empenhado em mostrar como esta crise sem precedentes afecta a estabilidade do reino de Sua Majestade?
Dito de outra forma, ao contrário de se olhar apenas para Calais, é preciso ver o quadro geral. E no quadro geral está um primeiro-ministro britânico – que agora apela à União Europeia ajuda na resolução da crise dos refugiados – que aquando das últimas negociações, a pedido de Itália, se recusou a acolher refugiados. Este mesmo primeiro-ministro britânico comprometeu-se a fazer um referendo sobre a continuidade britânica nos tratados da União Europeia. Tem no interior do seu país partidos nacionalistas a crescer – partidos que recusam o carácter pacifista do Islão, como, por exemplo o UKIP – e que procuram acabar com o apoio concedido a quem consegue atravessar o estreito e encontra asilo no Reino Unido.
A continuidade desta crise – as negociações no interior da União Europeia deram em nada nesta segunda-feira – tenderá a reforçar sentimentos contra a integração. Já esta semana a presidência da câmara de Calais clamou que a Europa não estava a ajudar, mas que eles franceses haviam ajudado a Grécia. Onde está a solidariedade europeia? Onde está a partilha da responsabilidade? Perguntava o presidente da Câmara de Calais, mas havia dito também o primeiro-ministro italiano quando no passado os Estados se revelaram reticentes em ajudar Roma a lidar com o problema de ter uma ilha tão perto da Líbia.
Esta crise reforça sentimentos nacionalistas que estão a ganhar terreno na Europa. Viu-se com a questão grega, quando de certa forma o norte continental se opôs ao sul europeu, mediterrâneo. Viu-se com a crise dos imigrantes na Itália. Vê-se de novo agora, com Marine Le Pen, líder da Frente Nacional francesa, a vociferar que é preciso mais navios de guerra no Mediterrâneo para impedir que alguém passe.
Os sinais de desunião são evidentes. O ministro sueco da justiça e da imigração acusou David Cameron de estar a pagar o preço de não ter aceitado mais refugiados; e o Presidente da República Checa veio afirmar que a crise de imigrantes é uma consequência da estratégia militar europeia e americana no Médio Oriente.
A repetição das imagens de Calais e a manutenção deste status quo permitem que quem quer fechar a Europa a mais imigrantes ganhe popularidade. No final, é a Europa como um projecto comum de integração política que sai a perder. Aqueles que estão interessados nisso estão claramente por cima.

6 Ago 2015

Conteúdo de um livro. O sossego a que todo o movimento conduz

* por Rui Cascais Parada

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]e regresso à cidade de Ulisses, Lorde Gin viajou só com um punhado de livros: traduções inglesas de Georges Bataille, a Obra Poética de Pessoa, Opus Posthumous de Stevens, um diário de Tanizaki, escritos de Hal Foster, uma novela de Lagerkvist e uma colecção de poemas de A.R. Ammons intitulada Glare. Em Bangkok ficaram duas toneladas de livros. Dois mil quilos de papel e tinta que hipoteticamente terão um dia qualquer de flutuar pelo Oceano Índico, subir o Mar Vermelho, esgueirar-se pelo Suez, velejar pelo Mediterrâneo, passar Gibraltar e saborear uma breve espuma atlântica antes de se juntarem a seu amo.
O exemplar de Glare, publicado pela Norton em 1997, foi oferecido a Lorde Gin em 2009. Encontrou-o uma musa que visitava Nova Iorque e vasculhava as prateleiras inchadas e colossais da Strand Bookstore, ali à esquina da 12th Street & Broadway, perto da sempre garrida Union Square. Trata-se, claro, de um exemplar em segunda mão. Nas páginas 3 e 5, alguns versos sublinhados a fina caneta vermelha, respectivamente: “our deepest concerns\such as death or love or child-pain\ arousing a belly laugh or a witty dismissal” e “the stillness all the motions add up to”. As linhas vermelhas são trémulas, denunciando que o (ou a) sublinhante as desenhou sentado num qualquer meio de transporte em movimento. Ou então tremiam-lhe as mãos devido a uma possível aflição do corpo ou do espírito, enquanto buscava com que preencher, justificar, explicar a existência. Para isso servirão os sublinhados de poemas, pois acredita-se ainda, e de um modo algo piedoso, que neles se poderão descobrir destilações úteis, conclusões lapidares. Porém, as restantes páginas, quase trezentas, não apresentam mais nenhuma mutilação, o que talvez indique enfado com o material poético, ou uma infecção neurótica de impaciência e desinteresse.
O exemplar encontra-se em muito boas condições, confirmando o pouco uso que lhe foi dado. Prosseguindo a autópsia, Lorde Gin deparou-se com os seguintes detritos que para lá foi lançando:

1) A páginas 77, um cartão do Warung Pasir Putih, uma cabana de praia no sul do Bali onde se podia ingerir uma beberagem de cogumelos psicotrópicos e observar os diversos anzóis azuis do mar. Lá se lê: “how wonderful to be able to write:\it’s something you can’t do, like\ playing the piano, without thinking”.
2) A páginas 127, dois bilhetes de entrada no Botanic Garden de Ubud, onde Lorde avistou, numa tarde chuvosa e deserta, uma curta serpente brilhante que se balançava de um talo vegetal apenas segura pela cauda, esticada como uma pequena lança verde. E, aqui, o poema número 45 diz: “will I will the will to go on – what? –\from here where does going go, except\ to gone?”
3) A páginas 181, um marcador de livros do “Reading Room” do antigo hotel Oriental (hoje desgovernado pela cadeia Mandarin), na margem nascente do rio Chao Praya, mostra, impressa a prata, uma citação banal do magistral Graham Greene: “The world is not black and white. More like black and grey”. E, aí, o poema número 66 de Archibald R. Ammons retorque: “well, it’s true, clarity is in the extremes,\ whereas truth muddles in the middle”.
4) Por fim, a páginas 231, num anónimo pedaço de papel cor-de-rosa rasgado sem compunção, um dos sobrinhos de Gin gatafunhou uma primeira observação de infância ao sol de um estio espanhol ultravioleta: “O hotel de Conil. A piscina era muito garde [leia-se, “grande”]”. E, a isto, o poema 87, intitulado “Old Age”, rasga uma dentadura podre e sábia: “Whatever is wrong\won’t be wrong long”.

5 Ago 2015

Privacidade ou transparência?

[dropcap sttyle=’circle’]P[/dropcap]arece-me uma questão essencial nos dias que correm e um absurdo advogar as duas. A sensação que tenho é que a transparência vai acabar por ganhar. Transparência absoluta, isto é. De governos, de corporações e de indivíduos. Não me parecem conceitos compatíveis. Não me parece sequer que a privacidade seja viável no mundo que se vive e, especialmente, no que se avizinha. Provavelmente ainda podemos passar por um temível buraco negro onde nada é transparente antes de conseguirmos ver alguma luz, mas não me parece que o futuro seja esse.
O grande paradoxo disto tudo é que são precisamente as mentes mais liberais que mais advogam… as duas. Para um conservador a questão pura e simplesmente não existe – privacidade e pronto, pública e privada. Mas para um pensador liberal a transparência de corporações e governos é um dado absolutamente fundamental tal como a preservação da nossa privacidade individual. A primeira por querermos governos e empresas mais justas e, acima de tudo, mais responsáveis. A preservação da privacidade de cada um precisamente para prevenir comportamentos abusivos de corporações e governos. Mas também para impedir perseguições políticas, religiosas ou outras, para prevenir a invasão da nossa esfera individual por “marketeiros” e, inclusivamente, por questões tão prosaicas como o acesso ao emprego numa altura em que é cada vez mais frequente um candidato, ou funcionário, ser sujeito a uma análise criteriosa do seu comportamento nas redes sociais e alvo de discriminação, ou despedimento, se elas não se ajustarem aos princípios do empregador. A privacidade do indivíduo é, portanto, um direito fundamental de uma sociedade que se pretenda moderna e tolerante. Parece-me claro. Ou não. A questão não é a do direito, perfeitamente compreensível, a questão é onde a privacidade individual leva e até que ponto ela é vantajosa para o bem comum e, consequentemente, para o bem de cada um de nós. Haverá com certeza muitos que concordarão que a possibilidade de termos uma persona para a família, outra para os colegas, mais uma para os amantes e ainda outra para os amigos de café faz parte das nossas liberdades inalienáveis e, naturalmente, essa possibilidade deve ser preservada a todo o custo. Mas faz mesmo sentido esta multiplicidade de comportamentos? Todos nós, ou a grande maioria, o pratica mas faz mesmo falta? Que temos nós a ganhar como indivíduos e, principalmente, que temos nós a ganhar como sociedade com esta multiplicidade de personas? Se para o indivíduo pode gerar a incapacidade de alguma vez fruir completamente a persona que realmente é, para os seus interlocutores cria realidades alternativas as quais duvido nos façam falta. No limite, temos aquele testemunho típico do vizinho: “Não, nunca dei por nada, era uma pessoa extremamente calma, muito cordata…” mas acabou de assassinar a família ou de colocar uma bomba no metropolitano. Eu sei, isto é o limite. Mas podemos ir para a versão leve do marido que se casou para fazer figura perante família e sociedade mas na realidade é gay e vive amarfanhado naquela realidade alternativa que até obriga a mulher a servir para fora. Um dia é apanhado com a boca na botija e… pronto, vida desgraçada. A dele, a da mulher e até da avó de Trás-os-Montes que já tinha desconfiado da coisa e até dava de barato mas não vai conseguir aguentar a vergonha lá na aldeia, agora que toda a gente sabe. Foi ele, podia ter sido ela. (Estes meus artigos seguem rigorosamente critérios de igualdade de oportunidades mas não necessariamente de quotas…)
Voltando à vaca fria, se é que ela alguma vez aqueceu, nós próprios somos os primeiros a violar a nossa privacidade ao postarmos nos facebooks e twitters a nossa vida e mais um par de botas. No fundo, e aparentemente, a necessidade de não ser privado parece maior do que a do ser privado. Dirá agora o leitor que isso é uma necessidade de afirmação, de combate à solidão, até de exibicionismo não fazendo parte das características gerais da populaça. Pode até ser, mas é cada vez mais frequente e penso que terá de concordar comigo neste ponto, senão atente nisto: Em 2010, o homem-cadeira da Google, Eric Schmidt, dizia que desde o dealbar da civilização até 2003 tinham sido recolhidos 5 exabytes (Eb) de informação (sendo 1 Eb igual a 1 quintilião de bytes) e que naquela altura já eram recolhidos os mesmos 5 Eb mas a cada dois dias… Há quem diga que ele exagerou um pouco mas não por muito pois hoje, segundo dados da IBM publicados no ano passado, em 2012 o Google recebeu mais de 2 milhões de pesquisas por minuto valor que dobrou em 2014… Hoje, o Google recebe mais de 4 milhões de pesquisas por minuto provindas da população internáutica mundial estimada em cerca de 2.4 biliões de utilizadores. Mas estes números, naturalmente, tendem a aumentar com mais países cobertos pela internet e com a proliferação de acessos móveis, porque hoje apenas 40% da população mundial tem acesso à Internet… E a partilha de informação, porque é essa razão que me levou para estes meandros da “Byto-contabilidade”, num futuro não muito distante vai conhecer contornos completamente diferentes ao ponto do mesmo homem-cadeira dizer este ano na conferência de Davos que a Internet como a conhecemos vai desaparecer em breve, e justifica: “Há tantos IP’s, tantos dispositivos, sensores, coisas que nós vestimos, coisas com que interagimos que nem sentimos. Vai ser parte da nossa existência a todo o momento. Imagine que entra numa sala e a sala é dinâmica. E que com a sua permissão, e por aí fora, está a interagir com as coisas que se passam na sala.” Isto já nem sequer cheira a ficção cientifica. É uma questão de meses, nem de meia dúzia de anos.
Em resumo, todos nós sabemos que esta dinâmica de partilha e troca de informação deixa pegadas digitais. Algures, alguém com o devido algoritmo conseguirá compilar sem grande esforço toda a nossa vida internáutica que é, cada vez mais, a vida toda. Sem grande esforço, o nosso retrato virtual pode ser pintado por um curioso na Índia ou por um policia em Chicago. Há umas semanas, um grupo de hackers afirmava que em breve vão conseguir publicar as preferências porno de cada um de nós, ou daqueles que o consomem, e que não me parece serem tão poucos assim a julgar pelos dados que o Pornhub vai frequentemente divulgando – Ui! A fronteira da sexualidade, esse grande tabu. Já nem esse escapa.
A perda de privacidade é um processo em curso e, parece-me, inevitável. Por mais que possamos argumentar em favor dela nós somos os primeiros a dinamitá-la. Por isso as minhas questões: a privacidade é compatível com a transparência? Será que precisamos realmente de privacidade? Nesta fase sim, porque a informação pode ser usada contra nós, porque os governos não são suficientemente transparentes, nem de confiança, porque muitos empregadores são uns cretinos. Mas existe alguma razão de facto para as reuniões de um conselho ministros não serem públicas, por exemplo? Só as vigentes, ou seja, não pode ser apenas um governo a tornar-se transparente têm de ser vários. Todavia, caminhamos a passos largos para um mundo onde a transparência será cada vez maior e a privacidade vai provavelmente acabar no caixote das recordações. Estamos no limiar de uma nova era da história da humanidade. Em boa verdade, quando ninguém tiver nada a esconder que mais resta para esconder? Que chantagem será possível quando todos soubermos tudo de todos? O conhecimento dos hábitos sexuais do vizinho, ou o ordenado do colega passa a ser informação tão corriqueira que mais ninguém ligará. Talvez seja o caminho para uma vida mais plena, mais verdadeira, mais próxima do que somos de realmente e não consigo imaginar nada melhor do que isso. O único travão que nos atira para a necessidade da privacidade é o medo. Mas medo do quê? Por mim, concordo com o Astérix, só tenho medo que o céu me caia em cima da cabeça.

MUSICA DA SEMANA

Androcell – “Process of Unfolding”

“We experience the feeling that this body right
Here and now, is only a cross- section of a
Process that has been going on for
Four billion years on this section of space

It’s not a story about processes out of control
It’s a story, which gives honor
To every part of the unfolding experience” (…)

4 Ago 2015

Importação paralela III

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m artigos anteriores, temos vindo a discutir os recentes casos de importação paralela verificados em Hong Kong, e hoje vou discutir o mais recente desenvolvimento desta polémica.

Nos últimos dias de Julho, a “Magistrate Court” de Tuen Mun foi palco de um processo referente à importação paralela de bens da China para a RAEHK, região especial em que se utiliza um sistema legal diferente do de Macau, registando-se semelhanças apenas no que toca à organização dos tribunais. Neste caso, o julgamento teve lugar numa “Magistrate Court”, os tribunais onde todos os casos-crime se iniciam ou onde se julgam os crimes menos severos, equivalentes ao Tribunal de Primeira Instância da RAEM.

Neste caso em particular, quatro suspeitos foram considerados culpados das acusações contra si apresentadas, estando os detalhes dos mesmos contidos na tabela abaixo:

Réu Crime Sentença
 Ng Lai-Ying  Assaltar agente da autoridade  3 meses e ½ de prisão
 Kwong Chun-lung  Obstrucção de justiça Centro de formação *
 Poon Tsz-hang  Obstrucção de justiça 5 meses e 1 semana de prisão
 Identidade não revelada Assaltar agente da autoridade Centro de reabilitação por ser menor de idade (14 anos) **

* Centro onde os infractores recebem formação profissional para facilitar a sua reinserção na sociedade após o cumprimento da pena ** Centro onde são albergados os indivíduos que não tenham ainda completado 18 anos de idade

Todos os réus foram libertados mediante o pagamento de uma fiança, para aguardar em liberdade o resultado dos apelos à sentença que foram solicitados pelos seus advogados. Quando questionado pela imprensa sobre os motivos que o levaram a permitir esta liberdade provisória, o juiz Michael Chan Pik-kiu defendeu que a apresentação destes apelos era na realidade uma perda de tempo, pois quando estes viessem a ser ouvidos por um tribunal superior, a sentença dos arguidos já teria sido quase comprida na totalidade. Assim, o magistrado achou que seria mais justo o pagamento de uma fiança em troca da redução da pena de prisão em favor de liberdade provisória.

Durante a leitura da sentença, o juiz argumentou ainda que “necessito, no caso em questão, de aplicar uma pena severa para que possa servir de dissuasor para outros no futuro, de modo a que não pensem que agredir um agente da autoridade seja um acto trivial, nem mesmo durante a realização de protestos”. Ao mesmo tempo, o magistrado revelou ainda estar a “temer pela sua segurança”, visto ter recebido ameaças à sua integridade física de parte desconhecida, mas que estas não haviam influenciado a sua decisão, nem tendo sequer chegado a conseguir perturbar o seu estado de espírito.

Desta forma, o magistrado cumpriu com rigor os requisitos da sua profissão, limitando-se a exercer o seu papel e a analisar as provas apresentadas sem pressões políticas e livre de quaisquer ameaças.

Mas que ameaças terão sido a si dirigidas? Sobre esta questão, o site “news.theheadline.com” publicou no dia 31 do mesmo mês uma peça com mais pormenores, onde ficou demonstrado o conteúdo do prenúncio, conforme abaixo descrito:

– linguagem grosseira e abusiva
– ameaças de um acidente envolvendo o mesmo
– possibilidade de danos corporais contra a sua família

Até mesmo durante a realização do julgamento, a audiência foi interrompida por alguém que manifestava o seu desagrado em voz alta, do lado de fora da sala, com palavrões contra o magistrado, que solicitou imediatamente a detenção do prevaricador pelos agentes da polícia, que todavia não tiveram sucesso na detenção. Mesmo assim, o insólito foi o suficiente para justificar a intervenção do Departamento de Justiça de Hong Kong, que prometeu numa notificação pública abrir uma investigação sobre este caso.

Torna-se assim impossível negar o grave impacto social que este tipo de actividade económica tem tido sobre a RAEHK. Entre as reclamações mais frequentes, encontram-se os engarrafamentos frequentes, a deterioração da higiene pública e ainda o aumento em flecha das rendas nos locais onde os mesmos se concentram, por exemplo. Na maioria dos casos, as áreas afectadas estão concentradas junto à fronteira entre Hong Kong e a China, onde uma grande parte dos residentes não hesita em manifestar o seu desagrado para com estas novas agravantes. Tudo isto culminou em negociações entre os responsáveis da RAEHK e os seus colegas de Shenzhen, onde foi decidido mudar os vistos concedidos aos visitantes do continente. Onde no passado os mesmos podiam gozar do “Multiple Entry Visa” (ou vistos de entrada múltipla), estes agora podiam apenas solicitar vistos segundo o “Individual Visit Scheme”, ou vistos de visita individual, permitindo os mesmos apenas uma visita ao território por semana. Mas tiveram estas restrições algum sucesso em impedir a importação paralela de bens? A resposta não é, até ao momento, fácil de fornecer, mas esperamos que as novas medidas consigam solucionar eficientemente os problemas correntes.

Se estas novas políticas de imigração forem suficientes para reduzir o grau de insatisfação manifestado pela população da RAEHK, considero então que o Governo agiu de forma correcta, tendo este encontrado a melhor fórmula para resolver o problema. Mas a questão debatida neste artigo não se limita à importação clandestina empreendida entre a China e Hong Kong, vai mais além e inclui ainda as ameaças feitas contra um juiz da RAEHK, assim como os distúrbios verificados fora da sala de audiências e os palavrões dirigidos a este oficial de justiça.

Se o leitor se colocar na pessoa de Michael Chan, e se imaginar como a pessoa encarregada de presidir sobre este julgamento, estaria preocupado com a sua integridade física, como ainda a da sua família? Se sim, teria demonstrado a mesma integridade pessoal, continuando a desempenhar as suas funções, chegando mesmo a considerar os quatro suspeitos presentes a julgamento como culpados do crime de que tinham sido acusados?

Não é difícil imaginar que, caso o juiz tivesse ficado assustado com esta ameaça, a sentença poderia ter sido diferente e os mesmos arguidos poderiam mesmo ter sido considerados inocentes. Mas caso assim fosse, os residentes desta região especial ficariam com a impressão que obstruir ou mesmo assaltar um agente da autoridade não constitui uma ofensa séria, não passando este acto de uma trivialidade banal. Pior ainda, os mesmos poderiam no futuro vir a assumir que a sentença de qualquer caso-crime pode ser influenciada através de ameaças dirigidas aos magistrados em causa. Agora, podiam estes desenvolvimentos ser aceites numa sociedade que se diz justa e obediente?

A resposta para esta questão é óbvia, e não requer mais nenhuma explicação. Não nos podemos esquecer que todos temos a obrigação de apoiar e defender qualquer juiz que se encontre a desempenhar as suas funções de acordo com a lei. Isto é o mesmo que dizer que o estado de direito (rule of law) tem de estar sempre presente nas nossas mentes, pois todos temos a obrigação de cumprir a lei e não perturbar a ordem pública. Todos desejamos que os magistrados possam desempenhar o seu papel sem pressões externas, e para que isto aconteça é necessário garantir que o sistema jurídico tenha poderes suficientes para garantir a protecção efectiva dos agentes de justiça, sem a qual não seria possível garantir o cumprimento da lei por parte da população.

O estado de direito é uma componente fundamental de qualquer sistema legal, quer se trate de um caso julgado em Macau como num que tenha ocorrido na RAEHK, e no caso em que este não seja defendido, o território ou localidade em questão virá invariavelmente a ser afectado.

3 Ago 2015

As coisas lá dos States

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Departamento de Estado Norte-Americano divulgou esta semana o relatório anual sobre o tráfico humano e, mais uma vez, Macau não sai bem no retrato. Aos olhos de Washington, o território faz parte do grupo de jurisdições esforçadas, mas que não passam disso mesmo: são esforçadinhas, mas ainda têm muito para fazer. No caso de Macau, critica-se a forma como se aplica a lei e a capacidade jurídica de avaliar este tipo de processos, muitas vezes classificados como meros casos de lenocínio.

Os números de casos de tráfico humano descobertos e de vítimas resgatadas diminuíram no último ano, o que – tanto para os Estados Unidos, como para quem trabalha no terreno – não é sinónimo de que as coisas estejam no caminho certo, antes pelo contrário: é sinal de que as autoridades não têm sido capazes de serem pró-activas na identificação de vítimas. Ao Centro do Bom Pastor, dirigido por Juliana Devoy, têm chegado muito menos raparigas menores de idade, vítimas de tráfico humano, do que no passado. A responsável não acredita que estas meninas não estejam por aí – a questão é que ninguém sabe delas.

Estes americanos têm cada uma. O Governo foi célere a reagir ao relatório dos Estados Unidos e diz que as acusações carecem de fundamento. Estes americanos têm cada uma. O Secretário para a Segurança encontra no relatório “factos básicos e juízos de valor infundados”. Estes americanos têm cada uma. É dos filmes a mais, é a influência de Hollywood: lá porque em Macau há casinos e máfias e prostituição, isso não significa que as autoridades não estejam empenhadíssimas em combater o tráfico humano. Tráfico quê, mesmo?

O relatório assinala ainda o facto de não ter sido identificada uma única vítima de trabalho forçado. Os Estados Unidos voltam a escrever que Macau tem uma lei em relação aos não residentes que os coloca em posição de fragilidade, sujeitos a exploração laboral: o período de seis meses sem trabalho a que estão sujeitas as pessoas com bluecard que se despeçam ou sejam despedidas. Para os americanos, esses que se lembram de cada uma, como para qualquer pessoa que tenha dois dedos de testa, é óbvio que a invenção deste período de nojo veio piorar as condições laborais dos não residentes, que perderam qualquer margem – por mais pequena que já fosse – de negociação das condições de trabalho. Os (muitos) únicos que lucram são aqueles a quem dá jeito ter trabalhadores atados pelo pé ao salário que lhes apetecer pagar.

O documento sugere que se faça um inquérito junto da população imigrante para identificar a vulnerabilidade a abusos. Estes americanos têm cada uma. No passado, houve sugestões deste relatório anual que foram acatadas por Macau. Duvido que esta proposta seja seguida. Estes americanos têm cada uma. Havia de ser bonito. O Governo a gastar dinheiro com os não residentes, esse conjunto de gente que, a avaliar pelas declarações de alguns deputados, está entre o grupo dos mais privilegiados de Macau.

Estes americanos têm cada uma. Não nutro particularmente simpatia pelas teorias universalistas dos Estados Unidos, por esta mania bastante irritante que têm de analisar os outros, de apontarem o dedo ao que os outros não fazem bem. Mas, num mundo que está cada vez mais de pernas para o ar, com uma Europa extraordinariamente enfraquecida e uma China que só soube crescer em cifrões, é bom que, de vez em quando, alguém de fora olhe para dentro. Para que, cá dentro, não se tape o sol com a peneira sem que ninguém dê por isso.

31 Jul 2015

A corrupção eleitoral é um crime que faz com que os candidatos errados sejam eleitos

[dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ecentemente, os tribunais locais pronunciaram dois membros de uma associação que concorreu na quinta sessão eleitoral para a Assembleia Legislativa como culpados do crime de corrupção eleitoral, tendo para o efeito recebido sentenças de 18 e de 15 meses de prisão. Mas mesmo assim, várias pessoas manifestaram o seu desagrado com esta decisão, defendendo que esta sentença não vai conseguir mudar os resultados eleitorais já obtidos nem tão pouco deve conseguir dissuadir a própria tradição de corrupção eleitoral.

Mesmo atendendo ao facto de esta decisão judicial não ter poder para reverter os resultados do acto eleitoral em questão, conforme está estipulado na Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa agora em vigor, não nos devemos esquecer que pode contudo servir de aviso para aqueles que aceitam receber ordens de outros em troca de recompensas materiais. No mínimo esta história serve para demonstrar que de facto se verificaram casos de fraude eleitoral durante o processo eleitoral para a quinta constituição da AL, sendo no entanto necessário realçar que os dados agora comprovados em tribunal representam apenas a ponta do icebergue. De forma a garantir que tal não volte a acontecer no futuro mas também que as próximas eleições decorram de uma forma justa e equitativa, o Governo da RAEM deve rever a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa e colmatar as eventuais lacunas que esta revelar. Ao mesmo tempo, o Comissariado Contra a Corrupção assim como a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa devem igualmente trabalhar de uma forma pro-activa para impedir que qualquer indivíduo se aproveite de possíveis falhas de rigor legislativas para assim se dedicar ao crime de fraude eleitoral. Isto deve ser feito o mais rápido possível de forma a prevenir que membros do público façam uso de associações para transferir favores ou outros benefícios a terceiras partes, sendo este um dos truques utilizados no passado para comprar votos, não obstante ser realizado de forma dissimulada. Além disso, a decisão do Tribunal vem informar o público que aqueles que se dedicam à compra de votos, quer através da oferta ou aceitação de subornos, estão de facto a quebrar a lei, constituindo este acto um crime que deve ser punido de acordo com a lei. E, mesmo que a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa não seja capaz de anular os resultados das eleições em causa, conforme acima mencionado, esta pode contudo acarretar consequências graves para os candidatos eleitos. As leis são sempre justas e correctas. Quem quiser acusar qualquer um dos candidatos da prática de corrupção eleitoral, tem invariavelmente de apresentar provas para corroborar essa mesma acusação. E, quando ficar provado que os membros de uma qualquer associação com candidatos eleitos para a AL cometeram de facto corrupção eleitoral, o caso assume contornos semelhantes ao que se verifica quando um empreiteiro contrata imigrantes ilegais para uma das muitas obras locais. Pois mesmo quando este se encontra numa situação de falta de mão-de-obra, o mesmo não pode deixar de ser responsável pela contratação ilegal de trabalhadores empreendida pelos seus subempreiteiros, nem que seja devido a uma obrigação moral. Da mesma forma, quando uma associação pratica corrupção eleitoral para conseguir a eleição dos seus candidatos, todas as outras associações são injustamente prejudicadas.

Já no que diz respeito aos candidatos eleitos, e de acordo com a premissa de que todos são inocentes até serem provados culpados, estes não são considerados como culpados de corrupção a não ser que existam fortes provas para o mesmo, e da mesma forma o seu estatuto de candidato eleito permanece válido e não deve ser desacreditado. Existem porém casos em que os membros de uma qualquer associação local utilizam o seu próprio dinheiro para proceder à compra de eleitores, mas estes casos devem contudo ser encarados de uma maneira diferente. Não nos podemos esquecer que o factor crucial para o sucesso de uma candidatura à Assembleia Legislativa é a escolha dos eleitores. Durante o acto de 2013, todas as assembleias de voto foram supervisionadas por fiscais de modo a garantir o cumprimento das normas. Mas que táctica foi então utilizada para garantir que certos eleitores votassem nos candidatos especificados por aqueles que procederam à compra de votos? Foi por esta mesma razão que eu decidi dedicar todos os meus esforços nos anos transactos ao fortalecimento da consciência cívica da população de Macau, ao mesmo tempo que procuro encorajar aqueles que considero serem não só incorruptíveis mas também como dispostos a servir a RAEM, a se candidatarem para a AL nas próximas eleições. Tenciono desta forma contribuir para que as gentes de Macau desenvolvam um novo respeito pelo processo eleitoral, ao mesmo tempo que se fortalece a tradição democrática na RAEM.

Mas para que isto se torne numa realidade, vai ser necessário não só melhorar a qualidade dos próprios eleitores como ainda rever e melhorar as leis que supervisionam todo este acto eleitoral. Na minha opinião, o Governo da RAEM tem de tornar público o relatório final que lhe foi submetido pela Comissão de Assuntos Eleitorais da AL, referente este às eleições legislativas de 2013, para que a população em geral possa compreender os problemas que temos de resolver. Assim sendo, qualquer futura revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa deve obedecer a uma análise analítica com vista a colmatar as lacunas aí contidas, especialmente no que diz respeito a um eventual cancelamento do próprio acto eleitoral.

Por fim, teremos de melhorar a educação cívica dos nossos cidadãos para que estes compreendam que, nas lides políticas, nada se colhe gratuitamente. Cada processo eleitoral acarreta os seus riscos específicos, mas como as penas para os infractores não são severas, muitos candidatos acabam por cair na tentação de quebrar a lei de modo a garantir a sua eleição. Mas, se estes mesmos indivíduos conseguirem na realidade conquistar o lugar e chegar ao cargo de legisladores, que futuro nos espera então? Em Macau, é comum ouvir as gentes do território compararem a AL a uma “assembleia de lixo” (em cantonense), mas será que algum destes dissuasores chegou a perder tempo para reflectir no que é necessário para impedir que esse lixo consiga entrar na Assembleia?

31 Jul 2015

Que sociedade é esta?

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]cartaz pode ser encontrado numa paragem de autocarro qualquer da cidade. Nele pode ler-se, em chinês tradicional, português e inglês: “Cumprimente verbalmente ou com gestos quando encontrar alguém conhecido” e “Agradeça quando lhe for prestada alguma atenção ou ajuda”. Duas frases em que a polémica está ausente e com as quais todos estaremos de acordo. Certo?
O cartaz tem a chancela do Instituto de Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) do Governo da Região Administrativa Especial de Macau. É um cartaz, entre outros, de uma campanha de educação cívica, que inclui mensagens como pedir às pessoas que ensinem aos seus cães a fazer “as necessidades em casa no sítio certo”. Sublinho o “em casa”.  
A minha experiência profissional tem-me levado a países em que abundam este tipo de mensagens, de campanhas destinadas a contribuir para alterar comportamentos sociais, associados, normalmente, a riscos de saúde. Ao lado da destruição da guerra civil, em Bangui, na capital da Republica Centro-Africana, ainda é possível encontrar hoje em dia mensagens que exortam os cidadãos a praticar sexo seguro, usando sempre o preservativo, ou que apelam a que as pessoas durmam debaixo de um mosquiteiro, de forma a prevenirem a malária. Ou então mensagens de educação política; em que se deixa claro, a possíveis eleitores, que o voto é secreto e que não devem deixar “vender” o seu por uma qualquer saca de arroz.   
O problema com o “nosso” cartaz, que nos exorta a cumprimentar as pessoas que conhecemos, não é a mensagem que ele transmite, um comportamento social tido por adequado em várias culturas. Estes comportamentos são inculcados nas crianças, até à exaustão, desde bem pequenas quando lhes é dito, por exemplo, dá aqui um beijinho a esta senhora, prima, vizinha ou outra coisa qualquer. Cumprimenta. Sorri! O problema deste cartaz é tudo aquilo que ele engloba, o quadro mais vasto que não cabe no escaparate da paragem de autocarro. É tudo o que está à sua volta. “The big picture” diria um anglófono.   
O problema deste cartaz é que nos leva a pensar: que sociedade é esta, a de Macau, em 2015? Poderia ser a de Macau ou outra, porque noutras culturas e noutras latitudes talvez não seja assim tão diferente. Mas é, de facto, sobre Macau que estamos a falar. É aqui que está o cartaz e é esta sociedade que impele pessoal dirigente, com capacidade de decidir estratégias de educação cívica, a incluir na sua campanha, em que são usados outros meios como a rádio ou a internet, uma coisa tão simples quanto “cumprimente quem conhece”! Dito de outra forma, este cartaz interroga-nos: o que somos quando dizemos cumprimente quem conhece?
A actual vida em sociedade tem levado a um cada vez maior distanciamento em relação ao contacto pessoal directo, físico, não intermediado por uma qualquer plataforma de comunicação. Embora comuniquemos cada vez mais, fazemo-lo à distância. Temos todos os “amigos” disponíveis na ponta de um clique ou de um “sent”, seja no Viber, no Messenger, no Wechat, no Whatsapp, o que se quiser. Mesmo aí não cumprimentamos o nosso interlocutor. Vamos logo directos ao assunto: já viste isto? Já leste isto? Fiz isto!
Conseguimos cada vez mais estar a par de tudo o que se passa – há cada vez mais pessoas a aprenderem o que acontece no mundo pelo que os “amigos” colocam online, do que por estarem a ver a BBC, a CNN ou a Al-Jazeera, ou por irem aos seus websites. Este homo telecomunicantes não vive bem com o contacto pessoal, frente a frente. À mesa, com os amigos (sem aspas), enquanto engolimos o jantar, temos o nosso telefone à frente; em vez de falarmos, de partilharmos as últimas com aqueles que ali estão, estamos a comentar o novo corte de cabelo do A ou a ver o vídeo que se tornou viral de um homem que caiu na rua sem que ninguém o ajudasse a levantar. Em grupo, em vez de pedirmos a alguém para nos tirar uma fotografia, esticamos o braço, ajeitamos o cabelo, sorrimos, e cá vai selfie.
É por isso que o aluno deixou de cumprimentar o professor na sala de aula. E o professor deixou de olhar para o aluno, usando o microfone para se fazer ouvir, de olhos postos no powerpoint que exibe no ecrã ou no chão. É só ir à aula e ver o que se passa.
No escritório, deixámos de pedir ao nosso colega sentado na sala ao lado para nos fazer isto ou aquilo em pessoa. Enviamos-lhe uma mensagem electrónica e já não partilhamos com ele o que nos está a acontecer na nossa vida. E muitas das vezes não escrevemos por favor.  
Quando entramos no autocarro, ocupamos, primeiro, o lugar da coxia na esperança que ninguém se sente ao nosso lado, no lugar da janela. Assim, talvez não nos incomodem e sigamos a viagem toda sozinhos. Vamos a ouvir música no telefone, com os nossos auscultadores, e a jogar Candy Crush, para o qual já convidámos todos os nossos “amigos” no Facebook. Segundo um estudo recente sobre o uso dos diferentes media, passamos em média 11 horas por dia ligados a plataformas de comunicação, entre as quais a internet, telefone, rádio ou televisão. Outros tipos de estudos, ainda numa fase embrionária, mostram que, em termos de afecto e de satisfação, conseguimos tirar o mesmo tipo de prazer e de consolo destas relações intermediadas. É por isso que o cibersexo foi alcandorado a estratégia para combater o perigo de contágio de doenças sexualmente transmissíveis.   
Precisamos pois que nos lembrem que devemos cumprimentar quem conhecemos. Como os nossos pais nos haviam ensinado quando éramos pequenos, mas que entretanto esquecemos. Há um certo hedonismo exacerbado, notório na ostentação dos nossos pequenos prazeres – o novo telefone, o novo tablet, o novo carro, a nova mala Louis Vuitton – aos quais podemos aceder sem ter de cumprimentar o vizinho quando o encontramos. Vizinho? Conheço eu o meu vizinho? Sei o que faz, de onde veio, quantos filhos tem? Não sei. Nem sei se seria capaz de o reconhecer na rua; afinal, quando passo à sua porta de manhã, já tenho os olhos postos no ecrã do meu telefone.  
Somos uma sociedade asséptica, focada em nós próprios e nos nossos pequenos prazeres quotidianos. Tenho dúvidas que isto se “corrija” com cartazes e campanhas na rua. Parece-me que será preciso mais.

30 Jul 2015

O sexo e a cultura

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]iva a globalização e intercâmbio sexo-cultural que sempre existiu mas agora mais comum se tornou! Pois viva. Precisaria de dois pares de mãos (ou talvez mais) para contar todos aqueles que perto de mim tiveram um romance de idiossincrasias culturais. O exotismo de fenótipos de uma pluralidade sem igual, e concepções mais ou menos taradas com correspondência ao país de passaporte. Estereótipos há muitos seus palermas! E parece que sexo na sua essência não difere por aí além. Todos assim concordaram, quando na minha informalidade lhes perguntava detalhes mais tórridos de experiências potencialmente anedóticas.

Contudo, presa em meditações semânticas, se mal entendidos existissem, teriam que ver com um vocabulário inexistente ou inconsistente. Acho que se pensarmos bem não é de todo o tipo de aulas que nos são dadas aquando aprendemos um novo idioma. E vá lá que palavrões nos são fornecidos aqui e ali, que já é meio caminho andado. Sobre sexo – sexo – há uma carência formal que, de qualquer modo, facilmente será colmatada no acto em si. Na formalidade, faz-se o que as convenções nos permitem, e olhem que já estiquei a corda para os que se interessavam. Ao ‘Amor é Fodido’ de Miguel Esteves Cardoso eu agradeço por tão esclarecedoras explicações e pelas tão profundas discussões que incentivou entre os meus alunos de língua Portuguesa. Nunca houve nada mais curioso que explorar estes tabus na timidez que os meus alunos mostravam.

Na minha contínua pesquisa, as histórias mais hilariantes ficam-se no meio do Atlântico, na confusão que a incoerência entre o Português do Brasil e o de Portugal cria. Amigos brasileiros em Portugal bem avisam que ‘vir-se na cara’ soa a uma oferta de porrada. Há que anotar: vir-se = gozar. E muitas outras às quais não faço qualquer intenção de destruir o prazer da descoberta. Um incentivo ao empirismo. Porque até as técnicas de sedução se mostram fonte de discussões culturais. Há formalidades que terão que ser respeitadas na farra, diz me um amigo que em Cabo Verde danças três vezes com a mesma menina/menino e uma noite divertida é garantida. Na Polónia sei eu que o dançar de movimentos altamente sexuais são o menos que se relaciona com uma noite de loucura, é a norma que me confundiu de como a sedução de facto funciona. No Brasil os rapazes andam à caça agressiva enquanto as moças (no Brasil não se diz rapariga!) se decidem pela amostra presente. Em países nórdicos dizem os rumores que a frontalidade reina. E de facto aconteceu-me: ‘Tenho um quarto lá em cima, queres vir comigo e foder?’ ‘Não, mas obrigada’, respondi eu com surpresa do surgimento de qualquer interesse sexual quando as únicas palavras trocadas foram somente a perguntar se conhecia uma tal banda Norueguesa.

Os desafios mostram-se ainda mais complexos quando analisados relacionamentos de longo-prazo. Como podem calcular casais biculturais têm o potencial de se mostrarem confusos, mas que contudo esta diferença está a favor da intimidade. Há estudos que mostram que a satisfação conjugal em casais biculturais é alta porque os desafios, sejam linguísticas, familiares e etc., são ultrapassados. Assim, há um sentimento de conquista que em casais monoculturais talvez seja menos óbvia – existem mais metas a serem ultrapassadas e mais satisfação sentida quando bem sucedidas. Uma delas provavelmente será reconstruir o sexo na sua vida a dois. Porque se já sabemos que há palavras diferentes para as coisas, também há concepções diferentes para as coisas (e.g. sexo anal: uma raridade vs uma banalidade).

Há todo um reportório de expectativas que potencialmente incentivam o desejo destes envolvimentos que a globalização disponibilizou. Pensem no Vicky Cristina Barcelona e nas histórias de loucura com Javier Bardem e toda a fantasia ibérico-latina. É na procura do desconhecido, por mares nunca dantes navegados, que se encontram novidades sensuais e a excitação, muita excitação. Os Portugueses nas suas vagas migratórias bem o sabem e bem o sentem. De Portugal à China temos Macau na sua encruzilhada amorosa e sexual, de casais de todos os formatos e feitios que trazem muitos mais do que um mero charme Macaense.

E para encher o peito do povo lusitano, teimo em acrescentar que nunca encontrei uma tradução fiel à palavra ‘minete’, calão usado como substantivo de sexo oral feminino. Há substantivação de verbos, há expressões idiomáticas, mas nada que se compare ao da bela língua Portuguesa. Se há fama portuguesa a ser estereotipada, sugiro que seja esta.

30 Jul 2015

Para que serve a mediação imobiliária em Macau?

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]uito se tem falado sobre os preços exorbitantes – a nível mundial – que atingiu o mercado imobiliário na RAEM. Pouco se tem dito sobre o papel das empresas de mediação imobiliária e seus agentes para a desregulação desse mesmo mercado.

Se em relação à compra e venda de imóveis as comissões praticadas andam por volta de 1% do valor do imóvel transaccionado, já no mercado de arrendamento esse valor anda pelo equivalente a um mês de renda por contrato, sendo de metade do valor da renda no caso do inquilino, findo cada período de dois anos, se mantiver no mesmo local.

Na RAEM a actividade da mediação imobiliária é, aparentemente, disciplinada pela Lei 16/2012 (Lei da Actividade de Mediação Imobiliária), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2014, pelo Regulamento Administrativo n.º 4/2013 e pelos Despachos do Chefe do Executivo n.ºs 60 e 61/2013. Aparentemente, digo eu, porque na verdade esses normativos se limitam a definir em que consiste a actividade, a reger o licenciamento e condições do exercício, a elencar um conjunto de direitos e de deveres, penalidades para as infracções e a fixar as taxas devidas pelo seu exercício.

No entanto, o que na prática se verifica é que fica fora desse regime o controlo daquilo que se afigura importante a um exercício honesto e sério da actividade. Refiro-me à falta de transparência que envolve o exercício da actividade e no valor das comissões que devem ser pagas por um serviço que é prestado tanto aos proprietários, senhorios, como aos arrendatários.

O primeiro ponto em que se verifica a opacidade do regime reside na prática dos mediadores impedirem o contacto directo entre senhorios e inquilinos. Na maioria dos casos funciona como uma barreira ao entendimento entre as partes. Essa opacidade começa logo no momento da visita ao imóvel e negociação, onde o senhorio nunca aparece, estendendo-se depois ao próprio contrato, que normalmente é levado aos então ainda futuros arrendatários pela agência de mediação ou agente já depois de assinado pelo senhorio. Isto é, senhorio e inquilino nunca se encontram, nem falam directamente, e quanto ao primeiro normalmente apenas se sabe o nome e quando muito o número do respectivo documento de identificação, já que os modelos de contratos, aliás decalcados e muitas vezes mal dos modelos de Hong Kong, usados pelas agências e que circulam por aí, omitem a morada dos primeiros. Se os inquilinos forem diligentes conseguirão, por sua iniciativa e recorrendo aos registos públicos, obter os dados do imóvel, podendo então confirmar a titularidade do mesmo. Mas jamais terão acesso ao número de telefone ou morada do senhorio para se tiverem necessidade de lhe enviar uma carta ou quererem contactá-lo poderem fazê-lo. Não são poucos os inquilinos que tentam, até para resolverem problemas que se prendem com o mau estado de conservação dos locados, por vezes exigindo reparações urgentes por falta de manutenção, entrar em contacto com os senhorios, sem que todavia o consigam, mais do que não lhes restando a alternativa de, em última instância, avisar a agência de mediação, que entretanto deixou de responder aos telefonemas e “sms” após a celebração dos contratos e o recebimento da comissão, de que no mês seguinte as reparações serão feitas a expensas do inquilino, sendo o custo descontado na renda, ou que não será efectuado de todo o pagamento desta até que a situação se resolva. Nessa altura aparecem para, a contragosto, enviarem um biscateiro que servirá para reparar esquentadores, dar um jeito nos eléctricos, no exaustor ou nas canalizações.

Depois, a opacidade continua no momento da renovação dos contratos, altura em que os agentes reaparecem, sorridentes, para anunciarem aumentos de renda, em nome dos senhorios, e relembrarem o seu sagrado direito à comissão em caso de renovação.

Ultimamente são frequentes os casos em que a iniciativa do aumento de renda parte dos próprios agentes, que contactam os senhorios para lhes recordarem o final dos contratos e sugerirem os valores dos aumentos a propor aos desgraçados inquilinos, que ainda terão de suportar os custos da “actividade de mediação”. Não se vê, aliás, por que razão a renovação de um contrato em curso, quando tal acontece por simples ajustamento do valor da renda, há-de conferir ao mediador o direito ao recebimento de uma nova comissão, igual a 50% do valor de um mês de renda, numa espécie de lenocínio imobiliário.

Já anteriormente sugeri uma intervenção legislativa, no sentido dos custos da actividade de mediação serem repartidos entre senhorios e inquilinos, ou apenas suportados pelos primeiros que são quem beneficia com os valores da rendas, como aliás acontece noutros países, em vez do custo das comissões ser integralmente suportado pela parte mais fraca, em termos económicos e negociais, acrescendo em abono deste entendimento ser também aos primeiros que os mediadores prestam, nos casos em que tal acontece, o serviço de acompanhamento do arrendamento e aqueles com quem os senhorios contactam. Não se vê porque hão-de ser os inquilinos a pagar os custos desses contactos a que são alheios e que não foram por si solicitados.

Seria igualmente importante que as relações directas entre senhorios e inquilinos, em especial quando ambos residem na RAEM, não fosse impedido e dificultado pela acção dos mediadores, devendo tornar-se obrigatório, sob pena de nulidade, inserir nos contratos os números de telefone e endereços de uns e outros para o caso de necessitarem de entrar em contacto, tanto mais que há mediadores que não asseguram o acompanhamento dos arrendamentos durante a sua vigência. Em muitos casos, se o inquilino pretender enviar uma carta registada ao senhorio não tem como fazê-lo, pois que não raro a única morada conhecida é a que consta do registo predial, ou seja, a do próprio local arrendado.

Importaria ainda que o legislador clarificasse as situações em que os mediadores devem ter um direito à comissão, como contrapartida de um serviço efectivamente prestado, regulando os seus termos, isto é, valor e prazo de pagamento, se possível diferindo este pelo tempo de vigência do contrato.

A mediação imobiliária, nos termos em que actualmente existe, é uma forma de inflacionar o mercado, contribuindo para os preços especulativos que se praticam e para o descontrolo destes. É isso que justifica o aparecimento, como cogumelos, de novas agências e franchisings. Tal como está, funcionando sem rei nem roque e à mercê dos impulsos especulativos, a actividade de mediação contribui para a cartelização dos valores das rendas e das comissões, explicando o aumento da pressão sobre os arrendatários e o desaparecimento de estabelecimentos do comércio tradicional, substituídos, à medida que vão fechando, por novas agências que hoje ocupam os melhores espaços comerciais de Macau.

30 Jul 2015

Carta Aberta ao Arquitecto Siza Vieira

Maria José de Freitas (arquitecta)
mjf@aetecnet.com

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão está em causa a admiração que tenho por si e pelo trabalho que tem desenvolvido, o qual é excelente e motivador.
A razão que me traz aqui é outra e passo a dizer:

1. Vivo e trabalho em Macau, desde 1987, já tivemos ocasião de nos encontrar por aqui umas duas vezes, sendo sempre possível trocar opiniões sobre a cidade, seu desenvolvimento, arquitectura, planeamento e o futuro que nunca se conseguia perceber bem nos seus contornos voláteis…

2. Esta é uma cidade que sempre atrai pela força, pelo dinamismo, pela história que cruza lições do Ocidente com o Oriente. Histórias bem contadas, a merecer reconhecimento universal; outras nem por isso, e a merecerem reprovação total.
Macau sempre foi crescendo feita de contrastes, antagonismos e assimilações: novo e antigo, ocidente e oriente, aprovado e reprovável, santos e pecadores e tantos outros parâmetros que se podem encontrar. Basta andar por aí, olhar e sentir…
Não obstante esta dialéctica que por vezes trai os sentidos, perturba as emoções e envenena o raciocínio, gosto desta cidade e é uma desafio exercer a profissão em Macau.

3. Creio que partilhamos esse gosto por este terra, sabendo-se que há bem pouco tempo abraçou o desafio de recuperar um pequeno hotel junto ao Porto Interior.
Fiquei, ficamos, nós arquitectos de Macau, contentes com a situação: finalmente tínhamos uma obra do mestre, bem aqui, no centro da cidade para a podermos desfrutar.
Recebemos com o maior contentamento a notícia do prémio Archdaily ao “edifício sobre a água” em Huaian, aqui tão perto.

4. As novidades sobrepunham-se e estávamos esperançados de tê-lo em Macau, mais uma vez, numa obra maior.

5. E a notícia não se fez esperar, chegou de forma subtil. A propósito do debate que tem havido sobre o futuro do Hotel Estoril, lemos nos jornais em 21 de Julho que o secretário Alexis Tam, após um encontro em Portugal com o arquitecto Siza Vieira, tinha registado que o “O arquitecto propôs o desenvolvimento de um novo projecto, ou seja, não manter a fachada, porque considera que esta não integra o importante património cultural de Macau, e caso a fachada seja preservada, será necessário uma obra maior com um período de construção mais longo”.

6. A noticia caiu como uma bomba sobre todos nós, colegas e cidadãos aqui em Macau, dando azo a inúmeras especulações.
Especulações, conversas cruzadas e diga-se também: desalento!

7. Somos agora postos perante a circunstância de o ter a projectar para Macau, o que é sem dúvida uma honra, mas que traz consigo uma novidade: para haver construção terá de ocorrer a destruição do antigo Hotel Estoril! Ora, esse hotel que vai ser destruído tem um rosto, representa uma história e essa história tem relevo no panorama da arquitectura modernista na cidade.

8. Só para lembrar recordo que este foi o primeiro hotel casino a ser construído pela STDM, antecedendo o hotel Lisboa.
A sua construção data de Novembro de 1963, tendo o Hotel Lisboa sido inaugurado em Fevereiro 1970.
Tem um lugar na história da cidade, tem um lugar na nossa estória…
Estamos a procurá-la e a fortalecê-la, porque faz parte do nosso património.

9. Há imagens que mesmo por semelhança não se esquecem, a do Hotel Estoril deve prevalecer, mesmo sobre outras também ligadas à indústria do jogo, como a do Hotel Lisboa que, segundo se diz será classificado em breve.

10. Enfim critérios há muitos, mas sempre sabemos que o arquitecto Siza Vieira, o nosso Mestre, saberá encontrar a resposta mais coerente para o desafio que lhe está lançado, nós os arquitectos de Macau queremos vê-lo por cá e falar sobre tudo isto, estamos inconformados com a possível perda de algo que faz parte de Macau… o Hotel Estoril e a sua fachada emblemática na Praça do Tap Seac são parte de todos nós…

Obrigada e até Setembro,

27 Jul 2015

Noite de Natal no Karaoke

[dropcap style= ‘circle’]P[/dropcap]olítica e acontecimentos locais à parte, e ultrapassada a tragédia grega, um dos assuntos quentes da actualidade é a chegada da sonda New Horizons a Plutão. E, com isso, toda a discussão que se gerou em torno da questão de Plutão ser ou não um planeta.
Caríssimo leitor, deixe-me dizer-lhe uma coisa: esse assunto não me interessa nem um pouco e estou-me completamente borrifando se Plutão é planeta ou se é planeta-anão.
Regressando à Terra. No outro dia alguém questionou-me quanto à persistente inclusão de expressões em chinês, inglês ou em patuá nos meus artigos desta coluna. Pelo que me pareceu interessante esclarecer por que motivo escrevo assim. E, com isso, surgiu-me a ideia de desenvolver o tema que vou hoje abordar.
A mistura de línguas é uma característica genuinamente Macaense. No nosso dia-a-dia é assim que falamos entre nós e é assim que nos entendemos, misturando o português, o chinês e o inglês, por vezes até utilizando expressões em patuá.
E por que razão não haveria de ser assim? Se posso dizer que vou comer um van tan min, para quê me vou dar ao trabalho de dizer que vou comer uma sopa de fitas com pastéis de camarão? E repare, caríssimo leitor, que nunca coloco aspas quando introduzo essas expressões em chinês, inglês ou patuá, pois são palavras em língua estrangeira que, na verdade, também não são.
A mistura de línguas faz parte da nossa identidade e fazemo-lo com naturalidade, consoante o que o nosso cérebro entender mais adequado para o contexto específico. Quantos Macaenses não memorizam números de telefone em chinês, por ser mais fácil?
Quando subitamente mudamos de língua, alteramos em conformidade o tom de voz, a linguagem gestual e porventura – e o que vou agora dizer é pertinente – até o nosso raciocínio e a posição que podemos tomar perante um assunto em concreto.
Essa nossa característica permite-nos uma aproximação especial ao nosso interlocutor, o que por vezes poderá revelar-se extremamente útil e vantajoso para nós.
Costumo dizer às pessoas que a inclinação para línguas está por natureza nos genes do Macaense desde nascença. Todavia, há que perceber que as coisas não caiem do céu e, se não nos pusermos a pau, as gerações futuras poderão vir a perder esses genes.
Passo a explicar.
Nos anos 80-90, com o receio da transferência de poderes que se aproximava, muitos foram os Macaenses que destinaram estrategicamente aos seus filhos um ensino integralmente em chinês, neste processo descartando por completo a língua portuguesa.
Ironicamente, crescidos e já na idade da razão, agora esses filhos questionam os pais, revoltados com o facto de não saberem falar português.
Posso compreender e até tolerar situações que tiveram lugar ainda antes da transição, já que naqueles tempos era impossível adivinharmos o que seria o Macau do pós-99. Aliás, sobre esse tema até já me debrucei numa peça desta coluna. (*)
No entanto, custa-me aceitar que essas situações persistam ainda hoje. Muitos são os Macaenses que preferem não falar português com os seus filhos, deixando também de fora o sistema português de ensino. Quando toco nesse assunto, ficam surpreendidos com a minha posição e alguns até não escondem um certo desprezo que têm pelo ensino português. Algo que não consigo compreender.
Para já, não se venha agora dizer que o português é uma língua que não tem futuro. Era esse o argumento mais comum na era pré-99, mas parece-me mais que óbvio que se encontra desactualizado, para não dizer incorrecto. E não apenas pelo facto de o Governo Central ter definido Macau como plataforma para o intercâmbio com os PALOPs.
Para começar, não duvido que em Macau, em termos de trabalho, saber português é uma mais-valia. Aliás, dominar com naturalidade ambas as línguas oficiais só poderá, suponho, enriquecer o currículo dos nossos filhos.
Mas, mais do que isso, é o facto de o português ser uma língua de origem latina e, como tal, o acesso que nos permite às outras línguas de origem similar e as portas que podemos abrir em consequência. Exemplo rápido? O espanhol e toda a América Latina.
Por outro lado, até hoje não me foi ainda apresentado um único argumento convincente para justificar a não inclusão do sistema de ensino português como uma opção para os nossos filhos. Vejo muitos pais Macaenses da minha geração a darem preferência ao ensino chinês ou às chamadas “escolas internacionais”. Não tenho nada contra esses dois últimos sistemas, apenas acho que não devemos rejeitar logo à partida o ensino português.
De qualquer forma, não é meu desejo mergulhar aqui nessa discussão e apresentar argumentos para provar que este sistema de ensino é melhor do que aquele. Tudo é relativo e não tenho dúvidas que cada escola, seja ela chinesa, portuguesa ou “internacional”, terá as suas vantagens e desvantagens.
O que me parece – e este é o peixe que quero vender – é que não vejo razões para se deixar de falar português com os nossos filhos, independentemente do sistema de ensino que se vier a escolher para eles, porque uma coisa não impede a outra.
Dito isto, deixe-me partilhar o seguinte com o caríssimo leitor: o meu filho, que está a seguir o sistema português de ensino, tem 4 anos e fala fluentemente português, chinês e inglês. E isto porque, desde cedo, ficou programado que (1) comigo e com a minha mulher, fala português; (2) com a minha sogra, fala chinês; (3) com a empregada, que é filipina, fala inglês e (4) com os restantes membros da família, é tudo champorado e fala as línguas que entender.
O que o acabou de ler não é nada do outro mundo: foi assim em muitas casas Macaenses ao longo de séculos. E não vejo razões para que assim não seja durante mais outros tantos séculos.
Portanto, se é Macaense e tem crianças ainda pequeninas, caríssimo leitor, pense seriamente nisso: tem a possibilidade de proporcionar aos seus filhos um ambiente espectacularmente multicultural e multilinguístico, mais internacional que qualquer “escola internacional”, em que poderá incluir pelo meio, com naturalidade, o português, o chinês, e ainda as línguas que bem entender.
Porque, se não o fizer, está a privar os seus filhos de uma herança cultural a que deviam obrigatoriamente ter direito, condenando-os a não poderem usufruir de uma mais-valia que no futuro os poderá distinguir do Chan Fok Soi da esquina.
E, numa análise mais alargada e profunda, estará a deitar para o lixo todo o saber acumulado dos nossos antepassados que, de geração em geração, foram transmitindo os seus conhecimentos, hábitos e costumes, consolidando assim a nossa rica identidade Macaense.
A transmissão do conhecimento é crucial para a nossa futura existência e sobrevivência. Se achar desnecessário fazê-lo – e a língua portuguesa é uma componente essencial nesse processo – no dia em que o seu filho lhe perguntar por que motivo não fala português, não lamente.
Igualmente, se um dia celebrar a noite de Natal com os seus netos num karaoke, com um capuz de Pai Natal cheio de luzes na cabeça e a comer amendoins com sabor a wasabi, e se sentir saudades dos velhos tempos em que se convivia à mesa em português e em chinês e se comia tacho, genete e cuscurão antes da missa do Galo, não lamente.
A culpa é inteiramente sua porque não teve visão.

Sorrindo Sempre

O volume de lixo que por vezes uma embalagem consegue criar e a sua total desproporção com as dimensões do produto propriamente dito é algo que me irrita visceralmente.
O pior de tudo são as camisas: dobradas sobre uma folha grossa de cartão; presas por não sei quantos alfinetes; cartolina no colarinho; etiqueta da marca presa por um cordel; saquinho com botões sobressalentes; e essa parafernália toda colocada dentro de uma caixa de cartão ou uma embalagem de plástico transparente. Uma absurdidade total. Onde está a consciência ecológica?
No outro dia comprei seis camisas de uma assentada e decidi desempacotar tudo logo depois de pagar. Para quê levar aquela porcaria toda para casa? Ficou ao balcão da loja um volume enorme de lixo. Os empregados ficaram incomodados, mas antes que pudessem dizer o que quer que fosse, lancei o meu preemptive strike: “Eu vim para comprar camisas, não preciso de alfinetes nem dessas coisas todas”.
A piada da coisa é que o cliente que vinha atrás de mim na fila de pagamento decidiu fazer o mesmo. E eu só me ria. Os funcionários da loja não acharam a mesma graça.

Sorrindo sempre.

(*) “A Casinha no Bombarral”, Sorrindo Sempre de 15 de Maio de 2015.

24 Jul 2015