Donald Tsang

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]ex Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang Yam-kuen, foi formalmente acusado pela Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC) com base em duas ofensas à lei, praticadas durante o período do seu mandato.
Em 2012 surgiram rumores de que Donald Tsang receberia subornos de representantes de grandes interesses económicos. À época foi ventilado que teria feito diversas viagens na companhia de grandes magnatas, nos seus jactos e iates privados, e que tinha alugado um apartamento de luxo em Shenzhen, já a preparar a retirada do governo.
A decisão de levantar o processo surgiu após um período de investigações que se estendeu por três anos. Em Setembro de 2014 o antigo Procurador Geral de Hong Kong, o Sr. Grenville Cross, afirmou que a lentidão da investigação “poderia vir a figurar nos Recordes do Guinness”. O cargo de Procurador Geral, em Hong Kong, está dependente da Secretaria Geral de Justiça. De acordo com o artigo 63 da Lei Fundamental de Hong Kong, a decisão de formalizar uma acusação criminal é, apenas e exclusivamente, da competência da Secretaria Geral de Justiça. Nenhum organismo poderá interferir nas decisões tomadas por esta Secretaria no que respeita a acusações criminais. Na medida em que as relações de trabalho entre o Chefe do Executivo e a Secretaria Geral de Justiça são muito próximas, para que não haja suspeitas desnecessárias, a Secretaria Geral autorizou o Procurador Geral a tomar a decisão de acusar, ou não, Donald Tsang.
Depois de Grenville Cross se ter retirado do cargo, em Junho de 2015, o Sr. Keith Yeung Kar-hung, o actual Procurador Geral, anunciou que a decisão final seria conhecida nos três meses seguintes.
Esta promessa veio efectivamente a cumprir-se. No dia 5 de Outubro de 2015 assistimos à acusação formal de Donald Tsang.
As implicações deste caso são da maior importância, quer para a sociedade civil de Hong quer para os seus funcionários públicos.
Em primeiro lugar, o caso de Donald Tsang constitui um bom exemplo, para fazer recordar a todos os funcionários governamentais de Hong Kong, o significado dos termos “má conduta” e “declaração de conflito de interesses”. Como é do conhecimento geral, em Hong Kong, depois da reunificação, os casos de suborno e corrupção, e outras más condutas envolvendo funcionários públicos, têm vindo a aumentar. O caso de Donald Tsang é o mais “famoso” já que foi Chefe do Executivo de Hong Kong. Ocupou o mais alto cargo oficial. Esta situação é, até certo ponto, um alerta a todos os funcionários públicos para que não lhe sigam o exemplo. É um indicador de que o governo quer manter Hong Kong afastado de casos de suborno e os seus funcionários públicos longe de “más condutas”.
Em segundo lugar, pensando nos residentes de Hong Kong, a formalização desta acusação aumenta a confiança da população. Faz passar, de forma clara, a mensagem de que a Lei se destina a julgar os procedimentos individuais na sociedade. A Lei irá tratar todos por igual, quer o individuo ocupe um importante cargo governamental, ou quer seja apenas um simples cidadão de Hong Kong. Decorre, pois, que a noção de Estado de Direito é uma pedra basilar da sociedade de Hong Kong. O governo permite que sejam as instâncias judiciais a lidar com estes assuntos.
Em terceiro lugar, Hong Kong está actualmente a enfrentar diversos problemas sociais, como por exemplo, aumento de preços, piores condições económicas – devido ao decréscimo de turismo da China continental, etc. O caso de Donald Tsang pode ajudar os cidadãos de Hong Kong a esquecer estes problemas por algum tempo.
Donald Tsang compareceu a tribunal na tarde de 5 de Outubro. Embora o procedimento judicial já se tenha iniciado, Donald Tsang não é obrigado a prestar depoimento perante os juízes no primeiro dia do julgamento. No primeiro dia, o tribunal limita-se a fazer cumprir certas formalidades, que o réu tem de presenciar. A próxima sessão terá lugar a 11 de Novembro.
Se Donald Tsang for condenado, poderá sofrer graves consequências. Pode ver-se privado da reforma de aposentação, à volta de 80.000 dólares de Hong Kong mensais. Além disso, pode também ver fugir o título honorífico “Grand Bauhinia Medal” (GBM) com o qual tinha sido agraciado. O GBM é um título muito prestigiado em Hong Kong. O titular do GBM é convidado pelo governo de Hong Kong para participar em todos os eventos de destaque; por exemplo, a festa promovida pelo governo a 1 de Outubro para celebrar a fundação da República Popular da China. Este título também abre as portas do Primeiro Acesso no aeroporto de Hong Kong. O Primeiro Acesso é uma passagem destinada apenas às elites de Hong Kong. Sempre que a pessoa distinguida com esta honra está a chegar ou a partir de Hong Kong, os serviços de alfândega tratam a inspecção da sua bagagem à parte. Estes benefícios podem ser-lhe retirados se a sua culpa for provada. A decisão de privação de benefícios é da responsabilidade do actual Chefe do Executivo, Sr. Leung Chun-Ying.
Antes da reunificação, Donald Tsang também tinha sido distinguido com o título “Knight Bachelor” (KB). Esta distinção foi herdada do sistema honorífico britânico. O título confere ao seu portador a categoria de “Sir”. No website “Wikipedia” lê-se o seguinte:
“É o degrau mais baixo para quem é armado Cavaleiro pelo Monarca e não pertence a qualquer das Ordens de Cavalaria. Os Knights Bachelor são os Cavaleiros britânicos mais antigos (esta categoria já existia no séc. XIII no reinado de Henrique III), mas os Knights Bachelor encontram-se abaixo de todos os Cavaleiros de outras ordens.”
Se Donald Tsang for condenado perderá o título de Knight Bachelor. Se for o caso, será lamentável porque vai perder tudo.
Será que Donald Tsang vai ser considerado culpado? Ninguém sabe. Só precisamos acreditar que as nossas instâncias judiciais irão proporcionar a Donald Tsand um julgamento justo. Estejamos atentos para ver o que o futuro nos reserva.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

7 Out 2015

Animais e pessoas

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]fácil de dizer agora, eu sei, pois as “previsões no final do jogo” são sempre mais acertadas mas a verdade é que o resultado destas eleições terá sido dos mais previsíveis de sempre. Por partes: era claro que o PS com António Costa nunca se conseguiria livrar do fantasma de Sócrates, como era certo que o homem não entusiasma ninguém e a velha guarda que o acompanha não ajuda em nada; era também evidente que o PS é um partido ideologicamente desorientado e que não foi capaz de apresentar uma alternativa credível ao governo de direita. Não seria difícil arriscar que ninguém iria entregar a cadeira ao Costa, quanto mais a maioria absoluta que ele ainda pediu no auge do delírio.
Também foi evidente que o Partido Comunista continua a viver num limbo temporal onde nunca perde eleições, antes pelo contrário, desajustado dos dias e que apenas convence os que sempre convenceu. Seria portanto fácil de prever a manutenção dos votantes ou diminuir um pouco porque as pessoas vão morrendo. Ficou mais ou menos na mesma.
Não ficou menos aparente que o Bloco de Esquerda poderia aumentar a sua votação porque as pessoas estão fartas dos partidos do arco da governação, porque aos socialistas lhes falta a irreverência e a frescura (aparente) do Bloco de Esquerda e porque o PCP é o mono que é.
Perante este cenário era evidente a falta de alternativa e, quando assim é, a tendência de muitos é a de optarem pelo diabo conhecido. Ou seja, era expectável que a aliança com o nome mais cartoonístico de sempre (PAF!), a sugerir as bofetadas do Astérix connosco no papel de romanos, não iria ser massivamente derrotada apesar nos continuar a dizer que ‘ou comemos a sopa deles ou não vamos para a rua brincar’.
Tinha de dar empate pois, verdadeiramente, ninguém quer nenhum dos “dois grandes” sozinhos na governação. Era como aqueles jogos onde dá vontade que percam ambos.
O problema da opção comezinha pelo diabo conhecido é que já permite aos líderes Europeus, como o fizeram de imediato, dizer que afinal a austeridade fazia sentido, que os portugueses gostaram e, se for preciso mais, estão prontos para a pancada. Paf!
Perante este cenário político desolador também não seria muito difícil adivinhar que a abstenção voltaria a ganhar as eleições. Este ano, apesar do bruaá que corria antes do fecho das urnas, comentando-se que a abstenção iria finalmente descer, acabou por ser ainda superior a 2011: 41,97% há 4 anos atrás, 43.07% em 2015! Foi também notória a ansiedade da classe politica perante a possibilidade da abstenção descer, desejosa que está de se sentir profundamente legitimada; saiu-lhes o proverbial tiro pela culatra pois mais de 4 milhões de portugueses não votaram. Não é coisa pouca, quando observamos que os PaFes tiveram perto de 2 milhões de votantes, o PS 200 mil menos e o Bloco representa mais ou menos um Rock in Rio e meio com 540 mil votantes.
Mas se o desprezo pelas opções no menu não fosse por demais evidente, veio ainda o Presidente da República lembrar-nos que está bem longe o tempo em que ele era um jovem sadio que saltava barreiras, ao dizer que, e cito, tivemos uma campanha “esclarecedora, serena e elevada e com muito menos crispação”, quando todos sabemos que foi tudo menos isso. Era a acha que faltava para que muitos dos que ainda pretendem manter a sanidade mental achassem que a rapaziada andava toda a brincar connosco e se borrifasse para as eleições.
Esclarecedora, como? Menos crispação, quando exactamente? Não terão as principais formações politicas passado a campanha a acusarem-se mutuamente? Não terão todos continuado a discursar aos gritos? Não terão todos passado a campanha a debitar chavões sem conteúdo prático? Não terão todos anunciado que não fariam acordos com ninguém? Não andaram quase todos a cantar o “My Way” e a ensaiar para o “Kill Bill in São Bento”?
Não era difícil, portanto, adivinhar os resultados destas eleições. Difícil é prever o que vai acontecer agora. A verdade é que a maior parte dos que votam está à esquerda e a mensagem política a retirar pela rapaziada no parlamento e pelo saltador de barreiras reformado só pode ser “entendam-se”, por opção de mergulhar o país numa crise política de efeitos difíceis de antecipar mas que não auguram nada de bom. No clima cavaquiano esclarecedor e de menor crispação onde Costa chegou ao ponto de dizer que o PS não iria apoiar o primeiro orçamento de Estado dos PaFes, onde o Bloco e o PC se recusaram a entender-se com a direita e mesmo entre eles, onde ninguém concorda com ninguém, “all bets are off”. Mas agora que assentou a poeira da campanha está chegada a hora de começarem os ditos pelos não ditos. Como bom partido vanguardista, o Bloco de Esquerda, desejoso de ser o CDS da esquerda e finalmente sentar a bunda no governo e entrar para o famigerado arco da governação, veio ontem piscar o olho ao PS que, como se sabe, tem diferenças insanáveis com eles como a manutenção na Europa ou no próprio euro. Mas, provavelmente, António Costa ter-se-á demitido esta noite na reunião da Comissão Politica e os cenários serão todos possíveis.
Fica também destas eleições o retrato de um país à deriva em termos ideológicos onde a população se sente órfã de alternativas às politicas de austeridade da direita e completamente desfasada das opções politicas à disposição. A menos que a putativa regeneração do PS nos traga algo de verdadeiramente novo; isto se for capaz de se renovar como os Trabalhistas se vão renovando no Reino Unido; mas isso não parece fácil de imaginar porque nem o PS tem um Corbin à vista nem o Seguro é esse algo de verdadeiramente novo.
Mas nem tudo foi mau e isso era mais difícil de prever. Não seria muito difícil prever que a vacuidade das escolhas poderiam vir a permitir a ascensão de micro partidos, como de facto veio a acontecer, mas não seria fácil de determinar qual desses cresceria mais. Podiam ser os Republicanos de Marinho, pelo seu mediatismo e diatribes, o que nos traria umas sessões parlamentares mais animadas com traulitadas à esquerda e à direita, dificilmente seria o MRPP pois está mais ou menos como o PC desde o 25 de Abril e, felizmente, não foram os acéfalos do PNR que apesar de terem registado mais 10 mil votantes do que há 4 anos, com 27 mil eleitores, continuam a não ser suficientes para encherem um estádio de futebol. Calhou, ou é sinal dos tempos, que fosse o Partido dos Animais e das Pessoas a furar o bloqueio. Não é uma má noticia porque, pelo menos, traz um discurso novo, pacifista, progressista, típico de uma nova forma de encarar o mundo, que mais tarde ou mais cedo terá de ser transversal a todas as forças políticas. Talvez sejam uma lufada de ar fresco nos corredores bafientos de São Bento, talvez consigam trazer ideias novas para o debate politico e, espera-se, uma nova forma de falar com as pessoas. Parece-me um sinal importante a registar nestas eleições. E não deixo de registar a curiosidade de que num país onde os políticos se comportam como irracionais, porque animais são todos, seja o partido que defende os genuínos irracionais (serão?) a chegar ao Parlamento nesta fase de aparente vacuidade ideológica. No fundo, parece-me que o que todos devemos ambicionar é que as pessoas sejam tratadas menos como animais e os animais mais como pessoas.

MÚSICA DA SEMANA
PINK FLOYD – “Pigs (Three Different Ones)”

“Big man, pig man, ha ha, charade you are
You well heeled big wheel, ha ha, charade you are
And when your hand is on your heart
You’re nearly a good laugh
Almost a joker
With your head down in the pig bin
Saying “keep on digging”
Pig stain on your fat chin
What do you hope to find?
When you’re down in the pig mine
You’re nearly a laugh
You’re nearly a laugh
But you’re really a cry.”

7 Out 2015

Para-sexual

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]uma biografia não oficial, David Cameron foi acusado de ter metido o pénis na cabeça de um porco morto. Necrofilia para uns, zoofilia para outros. O que pensar de alguém que coagido ou não, durante a sua juventude, tenha enfiado o seu órgão sexual numa carcaça animal? Perdão, tenha simulado um falaccio com a decapitada cabeça de um porco? Se era ou não a real fantasia do primeiro ministro britânico, nunca o saberemos. Nem se o evento de facto aconteceu, não é o tipo de coisas que se confessem ao mundo.
Lembro-me da primeira vez que entrei numa sex shop e de ter visto em destaque filmes pornográficos com cavalos Lusitanos. Reparem: não eram uns cavalos quaisquer, eram cavalos Lusitanos. A fantasia vai tão longe quanto à raça de cavalo. Lembro-me também quando fui ao museu erótico em Paris, e que atenta aos filmes pornográficos dos anos 30 (filmes mudos!) aparece um cão a participar na actividade. Zoofilia soa-me a uma coisa estranha. Poderia tentar entender momentos de desespero, puros e ocasionais, para justificar o acto. Contudo, de acordo com o Kinsey, 40 a 50% dos rapazes que cresceram em quintas experimentou sexo com um animal pelo menos uma vez. Mas há quem se auto-denomine de zoófilo, e nesses casos a atracção é recorrente e o acto regularmente praticado. Pelas mais variadas razões: porque a atracção sexual é forte, porque querem expressar o seu amor e afecto pelo animal ou porque os animais são mais fáceis de satisfazer. E há diferenças entre a forma como sexualmente te relacionas com o animal. As classes de zoofilia começam com o role-play (quando pedes que o teu parceiro se mascare de um animal qualquer para uma noite kinky) e vai até à exclusiva relação sexual com animais, e mais ninguém (humano). Há até diferença entre sexo com um animal com ou sem afecto, a última mais comummente designada por bestialismo, o acto onde se esturpa o animal, pura e simplesmente.
A zoofilia é só uma de muitas parafilias que por aí andam, nome generalizado que se dá ao comportamento sexual desviante. À necrofilia e à zoofilia juntam-se muitas mais. Muitas, mesmo. Cyprinuscarpiofilia descreve uma especial excitação sexual por… carpas. Sim, carpas. O porquê vai para além da minha compreensão. Temos ainda galaxiafilia que descreve a atracção sexual pelo aspecto leitoso da via láctea. Talvez uma tendência natural para os amantes de ficção científica? Para mais parafilias surpreendentes, sugiro a pesquisa. Não se vão arrepender.
Para regulamentar estes desvios no comportamento sexual temos um livrinho chamado DSM, manual de auxílio a psiquiatras e psicólogos no diagnóstico de psicopatologias, que entre distúrbios da mente, tenta definir os distúrbios do sexo. A definição tem estado em constante desenvolvimento porque tem-se percebido que umas preferências sexuais estranhas não são necessariamente patológicas. Será considerada patologia se a tal preferência levar o indivíduo a seriamente magoar-se a si próprio e ao outro, física e psicologicamente. Mas há contudo, preferências sexuais que consensuais entre o casal são desenvolvidas na esperança de contribuir à satisfação plena. Por exemplo, práticas leves de sadomasoquismo ou os mais variados fetiches. Todos felizes. Sim, é preciso que fiquem todos felizes. Urofilia é o prazer sexual em urinar para cima do outro ou receber urina do outro. Sem consenso seria de uma violência (surpresa!) extrema. Não é para todos.
A lição a ser tirada é que preferências estranhas não são anormais, são só diferentes. E cada vez mais, culturalmente, se aceitam extravagâncias que com sentido crítico se incluem no mundo da possibilidades sexuais. Só reflecte a necessidade criativa sexual. Filmes, música, literatura, moda, arte, cada vez mais exploram o enfraquecimento de fronteiras, outrora rígidas, mas agora flexíveis do que uma sexualidade normal poderá envolver. Salvaguardando, contudo, que existem práticas condenáveis que clinicamente se definem como distúrbios, de consequências médico-legais.
O trabalho de casa para esta semana é esse mesmo. Descobre a saudável parafilia que há em ti.

6 Out 2015

A caridade do Pornhub

[dropcap style=circle’]E[/dropcap]m Macau, a atribuição de bolsas de estudo não constitui problema para os nossos estudantes. Diversas empresas estão dispostas a atribuí-las a quem tiver bons resultados escolares. No entanto em Hong-Kong as coisas são diferentes. São concedidas menos bolsas de estudo do que entre nós.
Agora imagine! Se precisasse de uma bolsa de estudo e uma determinada empresa estivesse disposta a concedê-la, ficava contente não é verdade? Mas o que é que acharia se a oferta partisse da empresa “Pornhub”?
Pornhub é um dos maiores websites de vídeos para adultos. Exibe filmes pornográficos. A 3 de Setembro último, o website “discuss.com.hk” publicou uma notícia onde se fazia saber que a Pornhub estava a oferecer uma bolsa no valor de 25.000 dólares americanos. Os requisitos eram simples. Aos candidatos era pedida uma média de 3.2, a apresentação de um texto sobre o tema “Como podemos lutar para fazer os outros felizes?” e a realização de um vídeo com a duração de cinco minutos que “demonstre os méritos do seu trabalho e algo mais que queira apresentar.”
Mais à frente a Pornhub esclareceu que os estudantes que desejassem vir a trabalhar na empresa não precisavam de se candidatar. A Pornhub apenas julga os estudantes pelo valor das suas mentes e dos seus corações. A “pornografia” não era para ali chamada.
O Vice-President da Pornhub, Corey Price, fez saber, via e-mail, que a empresa decidiu atribuir bolsas de estudo por fazer sentido nesta fase do seu percurso. É uma forma de retribuir e proporcionar novas experiências e oportunidades aos fãs da Pornhub.
Críticas favoráveis e desfavoráveis fizeram-se ouvir após este anúncio. Por um lado um comentador sugeriu que representa mais uma bolsa, logo os estudantes terão mais escolhas. Por outro lado, o mesmo comentador, acrescentou que alguns estudantes terão de “fechar os olhos” ao candidatarem-se a esta bolsa. Não vão ter em linha de conta os prejuízos que a pornografia traz à sociedade. Este tipo de bolsa representa mais uma “promoção do negócio” no mundo empresarial.
Independentemente do ponto de vista de cada um, podemos afirmar que, na sociedade chinesa ver pornografia levanta sérios problemas morais. Os jovens estão proibidos de ver este tipo de vídeos, porque os encoraja a ter relações com vários parceiros. É claro que temos também de salientar que hoje em dia a educação é preciosa para a juventude. Como as propinas são muito elevadas, os estudantes com boas médias contam com as bolsas de estudo para os apoiar. Os estudantes com médias mais baixas já não podem contar com estes apoios. É possível que os empréstimos governamentais ou bancários lhes possam valer até certo ponto, mas o problema financeiro persiste. A bolsa da Pornhub pode vir a ajudá-los por um lado, mas também os pode prejudicar, porque é uma forma de promover a pornografia junto deles.
Mas para além da promoção da pornografia, também nos devemos preocupar com o facto de os estudantes poderem vir a tornar-se actores nestes filmes. Em 10 de Outubro de 2010,, o website “hk.apple.nextmedia.com” publicou a história de uma estudante da Arizona State University, Elizabeth Hawkenson. O artigo fez-nos saber que a jovem se tinha tornado actriz de filmes pornográficos. Elizabeth contava que por causa da necessidade de pagar as propinas, que são muito elevadas, precisava de dinheiro e por isso aceitou começar a fazer filmes pornográficos. Só para mostrar que era maior, ela exibia o cartão da Universidade no filme. Despia-se, deixava-se filmar e depois faziam amor. O fotógrafo pagou-lhe 2.000 dólares e garantiu-lhe que o vídeo só estaria disponível para quem quisesse pagar. Ou por outras palavras. Não há dinheiro, não há vídeo!
Este caso foi denunciado por outro estudante que frequentava a mesma Universidade de Elizabeth . Se a queixa for fundamentada, a bolsa de 33.000 dólares, que lhe tinha sido concedida pela Universidade, pode ser confiscada e o resto das mensalidades retirado.
Podemos afirmar que Elizabeth participou num filme pornográfico porque precisava de dinheiro. Este experiência, vinda do outro lado do oceano, pode sugerir-nos outra história. A 18 de Outubro de 2012, o website “nownews” anunciou que Chan Kit Ngan, estudante de Direito da Universidade de Singapura, tinha carregado para o seu blog, um vídeo de cariz sexual. No filme ele simulava violar a namorada. Desafiava ainda o público a comentar o seu desempenho sexual.
Chan Kit Ngan tinha recebido uma bolsa para frequentar a Faculdade de Direito. É evidente que a publicação deste vídeo não foi movida pela necessidade económica Ele próprio afirmou, no decurso da notícia publicada:,
“Como é que a Universidade vai lidar com este caso? Cancelamento ou confiscação da bolsa? Não posso dizer que o assunto não me preocupe, mas se a Universidade for para a frente com o processo, terei de aceitar. Agora já tenho a minha empresa e as minhas poupanças.”
Pela notícia também ficamos a saber que a namorada de Chan Kit Ngan teria afirmado que, mal terminou a Universidade, soube que gostava de se despir da cintura para cima; ou seja, mostrar os seios. Queria ser actriz de filmes pornográficos.
A bolsa oferecida pela Pornhub sugere-nos que, ao aceitá-la, estamos a acrescentar mais um contributo à nossa sociedade, mas, ao mesmo tempo, estamos a aceitar a promoção da pornografia entre nós. Podemos ainda pensar que as propinas elevadas podem dar azo a que os estudantes venham um dia a actuar em filmes pornográficos. Se um caso como o de Elizabeth surgir entre nós, como é que as nossas instituições irão lidar com a situação? Existem, a nível escolar, regras para lidar com estes problemas? Para terminar, como é que as escolas podem lidar com casos como o de Chan Kit Ngan, em que a participação não é movida por necessidades económicas, mas sim por desejos pessoais? Estas são questões que nos merecem alguma reflexão.

* Consultor jurídico da Associação de Promoção de Jazz de Macau
Blog: https://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

5 Out 2015

Em Trabalhos

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sexo pode ser muita coisa, um trabalho também. O sexo dá trabalho, claro, não fosse uma actividade física de alto rendimento calórico. Mas o sexo é trabalho para muita gente. A indústria do sexo gera uma quantia generosa por ano porque há quem goste de consumir, e muito. Na minha limitação de conceitos de economia, consigo bem entender a lei da procura e da oferta: se há quem quer, há quem faça. Mas quem são estas pessoas que o fazem? De onde vêm, como se vêem, como as entendemos?
Os mais atentos devem-se ter deparado com a notícia que recentemente correu sobre uma professora de música do ensino secundário nos Estados Unidos da América a quem a vida na pornografia foi desvendada e consequentemente, viu-se obrigada a desistir do seu emprego diurno. Nas mais variadas descrições do sucedido houve uma especial preocupação em incluir uma linha como ‘os adolescentes com quem a professora trabalhava, estão livres de perigo’ ou qualquer coisa como ‘estão seguros’.
Outro exemplo controverso nos Estados Unidos da América foi o da Belle Knox, uma aluna de direito na Universidade que achou por bem seguir um part-time na pornografia para pagar os seus estudos. Porque vejamos, render-lhe-ia muito mais do que trabalhar como empregada de mesa num qualquer restaurante perto do campus universitário. Quando descoberta, por outro qualquer aluno consumidor de pornografia, foi alvo de ameaças bastante violentas e, assim, ostracizada por todos em redor. maxresdefault
Parece que há uma tendência natural em lidar com as pessoas que dão a cara à indústria como se de presidiários se tratassem. Pessoas de uma má influência brutal e, por isso, dignas de ser evitadas e privadas da vida que cada um de nós leva. Estas pessoas são socialmente pressionadas a levar uma vida à parte, num mundo à parte. O mundo do sexo que existe por aí, mas não sabemos bem como.

[quote_box_left]”Na minha limitação de conceitos de economia, consigo bem entender a lei da procura e da oferta: se há quem quer, há quem faça. Mas quem são estas pessoas que o fazem? De onde vêm, como se vêem, como as entendemos?”[/quote_box_left]

Se já divaguei o suficiente sobre os prós os contras da pornografia anteriormente, tenho a acrescentar esta pequena reflexão acerca de quem para ela trabalha. E, julgo eu, enaltecer o facto de que se tratam de pessoas que não têm como principal objectivo de vida depravar todos aqueles que os rodeiam, ou seja, levar para esta vida pornográfica todos os amigos, colegas de trabalho ou alunos. São pessoas que estão lá porque há outras que gostam de ver pornografia, que até em quantidades saudáveis dão uma outra pimenta saudável ao sexo. São pessoas, espero eu, que fazem o que fazem porque gostam de fazê-lo. E não porque a vida depravada os levou a fazê-lo. Mas eu entendo, não é a carreira de sonho que gostaríamos que uma filha ou filho tivessem. However, people gotta do what people gotta do.
Por exemplo, vem-me à cabeça o Lars von Trier que nos últimos filmes, sem pudor nenhum, tem mostrado uma tendência erótico-pornográfica que não é necessariamente má. Má no mesmo sentido com que a pornografia é vista, e de quem a faz. Controversa, sem dúvida, mas não é por isso que pomos os pobres actores à margem da sociedade e a carregar a cruz da taradice. Isto para dizer que trabalho é trabalho com a dedicação que lhe queremos dar, por isso façam o favor de deixar os actores pornográficos em paz e deixem-se de conservadorismo.
Estou a pensar na pornografia que dentro das suas especificidades e pressupostos leva a uma discussão diferente do que se pensarmos nos outros produtos e trabalhadores da indústria. Se nos estendermos ao negócio dos brinquedos sexuais, por exemplo, já existe uma tentativa de tornar normal a forma como potencialmente se inclui no nosso rotineiro dia-a-dia. Estou a pensar nas reuniões à lá ‘reuniões tupperware’ com uma demonstração divertida e moderna de criatividade sexual (com acessórios) às mulheres mais interessadas. Uma forma mais discreta para adquirir os produtos mais desejados sem ter que entrar em lojas de montras negras onde temos a sensação que só os sofredores de parafilias entram. Lá está o estigma a atacar as alminhas que tentam apimentar a sua relação romântica ou só mesmo sexual.
Claro que se começarmos a procurar sofisticação, sofisticação na indústria, em geral, aparecerá. Porque se há uma tendência para a ver como degradante, para quem consome e para quem a faz, talvez seja interessante desenvolver repostas em tom de contestação. Na esperança de aparecer pornografia de melhor qualidade, feita pelos melhores a ser dada aos melhores. Sem remorsos, sem as nuvens negras da desonra, sem a marca penitenciária do sexo.

29 Set 2015

Os janízaros

À medida que o desenvolvimento social cresce, os núcleos expandem-se, por vezes através da migração e por vezes da cópia ou inovação independente levada a cabo pelos vizinhos. As técnicas que funcionaram bem num núcleo mais antigo – quer essas técnicas sejam a agricultura e a vida nas aldeias, as cidades ou estados, os grandes impérios ou a indústria pesada – disseminam-se por novas sociedades, novos ambientes. Por vezes essas técnicas florescem no seu novo enquadramento; por vezes, avançam aos tropeções; e, por vezes, precisam de modificações gigantescas para funcionar de todo.
Ian Morris in “O Domínio do Ocidente”

[dropcap style=’circle’]K[/dropcap]ublai Khan, neto de Gengis Khan, fundou formalmente a dinastia Yuan (1271-1368), a primeira experiência de “achinesamento” da cultura nómada dos mongóis por uma outra, bem mais poderosa, a que se poderá chamar, com propriedade, a cultura Han, ou seja, a cultura e civilização multimilenária da China.
Sucedendo aos Song, os Yuan depressa foram envolvidos pelo nacarado da ostra chinesa e, num breve espaço de meros 97 anos, brilharam efemeramente no universo chinês. O retorno à cultura Han sucedeu-lhe prontamente, por via da emergência dos Ming (1368-1644), mas de novo veio a queda do Mandato Celestial, agora em favor dos nómadas provenientes da Manchúria, os Qing (1644-1912). A corrupção e a decadência deram origem então à emergência de um conceito ocidental, inteiramente estranho à China: a República que, após alguns percalços, se iria manter e progredir até aos dias de hoje.
Se a “sinificação” por poderio cultural englobou mongóis e manchus, isto é, quando os conquistadores se tornam reféns da cultura do território conquistado, o processo subsequente constituiu – através das atribulações dos finais da última dinastia – a lenta emergência do Ocidente no Celeste Império. Efectivamente desde a China dos Tang, séc. VIII que comunidades de Judeus se instalaram na China, precedendo Marco Polo, século XIII e Matteo Ricci, século XVI, este talvez o mais completo e antigo caso de transculturação na cultura chinesa, como conselheiro do imperador Wan Li.

[quote_box_left]Macau precisa de identificar sociologicamente os diversos grupos da sua população para que a operacionalidade dos seus actores anónimos possa integrar-se nos objectivos, direitos e deveres que a consciência da cidadania exige[/quote_box_left]

Se a presença de Marco Polo, Matteo Ricci e, no século XIX, as forças ocidentais a imporem os resultados da Revolução Industrial num Império tornado progressivamente obsoleto e culminando nas práticas da regente Tzu Shi, o que se testemunha no dealbar do século XX é a ocidentalização do pai da China Republicana, e dos seus camaradas. Gente culta que curiosamente passou por Macau e a este Território esteve ligada, tanto quanto Matteo Ricci, prontamente decretou a excisão de todas as tranças da subjugação manchú e a adopção de trajes ocidentais. OttomanJanissariesAndDefendingKnightsOfStJohnSiegeOfRhodes1522 copy
Porém, e dando o salto para a evolução histórica da Grande China e a recente emergência das sociedades de consumo provenientes da economia socialista de mercado, parece existir em Macau uma faixa de gente que se desligou das suas próprias raízes, para abraçar um mundo global cuja complexidade não domina. Este grupo, cuja leitura do mundo é unidimensional, sem domínio de uma segunda ou terceira língua, constitui um desafio sócio-educativo-cultural a merecer ser objecto de um estudo sociológico que permita identificar os diversos graus de absorção do que já se tornou híbrido, e que em quantidades diferentes habitam esta percentagem da população.
Daria a este grupo o nome adaptado de Janízaros1 por ter ocorrido neles uma captura da sua cultura original e o trânsito para um patamar ocidentalizado, cuja apreensão tem características de incompletude no processo de apreensão e transição para Ocidente.
Assim, os instrumentos e saberes que os informam estão sujeitos a interpretações oscilantes, mediante a perplexidade que cada tema lhes suscita.
Macau precisa de identificar sociologicamente os diversos grupos da sua população para que a operacionalidade dos seus actores anónimos possa integrar-se nos objectivos, direitos e deveres que a consciência da cidadania exige.
Hoje em dia espera-se por uma Cidadania integrada no global e não na exclusão por incompletude.
Dez sultões Otomanos criaram uma força de elite conhecida por Janízaros, formada por homens que tinham sido raptados em crianças, geralmente gregos de famílias de fé católica, educando-os na lei do Islão, no idioma turco e no manejo de armas e artes militares.

28 Set 2015

Perturbações nas margens do Lago Nam Van

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]pesar do progressivo declínio das receitas do Jogo que se tem verificado, acredita-se que o governo da RAEM ainda possa continuar a viver desta actividade enquanto o saldo fiscal for positivo. Este período irá desafiar as capacidades das autoridades governamentais de Macau e pôr à prova o seu patriotismo.
Será que este ano vai haver aumento nos salários dos funcionários públicos? Se esta questão se colocasse ao nível do sector privado, a resposta seria: se a empresa está a enfrentar dificuldades é uma sorte não haver despedimentos colectivos! Os aumentos de salários estão dependentes da capacidade financeira das empresas. Mas efectivamente a posição das associações representativas do funcionalismo público é sempre a defesa dos aumentos salariais. E quanto ao Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico, será que vai continuar? Se a questão de divisão da riqueza se colocar no seio de uma família, compreende-se facilmente que se os rendimentos dos pais diminuírem a mesada dos filhos terá de baixar! Mas na realidade as organizações laborais exigem a manutenção do Plano. É compreensível que seja bom para os trabalhadores haver aumentos salariais todos os anos e que as crianças não se importem de receber mesadas maiores. Mas se nos colocarmos na perspectiva do governo, a que fontes iremos buscar os financiamentos? De momento esta situação faz-me lembrar um velho ditado chinês: é fácil dividir a riqueza, difícil é dividir as dificuldades.
Por falar em dividir dificuldades, algo de novo se passa nas forças da cena política “Liberal e Aberta” de Macau. Em primeiro lugar, a Associação para o Desenvolvimento Comunitário de Macau foi fundada oficialmente e o seu núcleo é formado por membros veteranos e ex-membros da Associação Novo Macau. Em segundo lugar, o presidente da Associação Novo Macau, Sou Ka Hou, saiu do gabinete para prosseguir os seus estudos em Taiwan. O vice-presidente Scott Chiang interrompeu os estudos por um ano e foi eleito para substituir Sou Ka Hou. Estas duas associações passaram a actuar desta forma em Setembro de 2015. A reestruturação foi atribuída a reeorganizações individuais. Mas na realidade representa uma preparação para as eleições para a Assembleia Legislativa, agendada para 2017.
Quando associações pró-governamentais se candidatam à eleição para a Assembleia Legislativa têm, frequentemente, apoio financeiro do governo. E por mais que muitas delas tenham prestado um serviço púbico válido, este apoio reforça a sua imagem junto da comunidade. Na medida em que a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM não foi revista, o facto de um líder de uma destas associações se candidatar à eleição para a Assembleia Legislativa continua a provocar controvérsia sobre a imparcialidade e a justiça. De facto, estas organizações pró-governamentais têm vindo a organizar as sua campanhas para a corrida à Assembleia Legislativa de forma “invisível” já há muito tempo. Comparadas com estas associações e com os grupos políticos apoiados nos bastidores por interesses ligados ao jogo, as forças da cena política “Liberal e Aberta” estão em desvantagem na corrida para a eleição à Assembleia Legislativa. A Associação de Novo Macau está limitada a nível de recursos e também por estratégias que adoptou no passado, e não tem um apoio sólido da comunidade. Na eleição para a Assembleia Legislativa de 2013, a Associação obteve menos votos do que em anos anteriores. Este facto foi um sinal de alerta. Embora este retrocesso pudesse ter sido transformado numa motivação para o aperfeiçoamento, após as mudanças na liderança da Associação em 2014, os problemas de longa data continuaram por resolver e os seus membros mais “seniores” decidiram organizar uma nova frente de serviço comunitário já que não conseguiam colaborar com os novos líderes.
A evolução destas associações segue um padrão, que leva à sua continuação ou à sua dissolução. A Associação de Novo Macau evoluiu de um grupo politico único para dois grupos. Se olharmos pelo lado negativo pudemos ver uma divisão de poder, mas pelo lado positivo observamos um crescimento em separado. De facto a Associação ganhou mais poder por ter dois grupos no seu seio!
Ultimamente ocorreram alterações individuais na Associação de Novo Macau. Ainda é cedo para afirmar se estas mudanças serão pontuais ou se se transformarão numa força com capacidade de conduzir Macau a mudanças políticas efectivas. Com Sou Ka Hou, o antigo presidente da Associação de Novo Macau, prosseguindo os seus estudos em Taiwan e, observando a forma serena como Scott Chiang, o substituto de Sou, agiu durante a entrevista que deu ao canal português de TV da TDM, leva-nos a crer que a nova geração da Associação de Novo Macau amadureceu depois de passar por algumas provas e atribulações. É possível que tenham algumas hipóteses de ganhar a eleição para a Assembleia Legislativa, agendada para daqui a dois anos.
Não é necessariamente mau as receitas do jogo caírem.

28 Set 2015

Da podridão

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]como se só o dinheiro contasse. Só o dinheiro tem valor nesta esquizofrenia em que Macau se tem arrastado. O dinheiro dos outros é muito e o meu não, o dinheiro que se deu a ganhar aos outros foi tanto e fez o meu dinheiro ser menos. Mas depois vem a austeridade e, afinal, não é nada bom que os outros não façam muito dinheiro, porque se os outros não têm muito dinheiro eu terei ainda menos, eu que conto os trocos que trago no bolso do casaco. Macau vive nesta coisa de não saber como sair da monotonia financeira, a chatice da pataca, a pataca, a pataca, só a pataca. E o dólar de Hong Kong também.
Macau não se diversificou (jargão político número um) e Macau viu o fosso entre ricos e pobres aumentar consideravelmente nos últimos anos (jargão político número dois). Macau não aproveitou os anos do crescimento económico pujante (que agora, ao que parece, as vacas são magras) para trabalhar nas áreas em que mais mudanças são necessárias: a segurança social, o direito do trabalho e a educação sobretudo daqueles que mandam, directa ou indirectamente. Não se aproveitaram os dias de glória para negociar a favor de quem não tem cartas na manga. 25915P22T1
Ainda a protecção da parentalidade. Na semana passada, uma mulher, mãe de filhos, mulher de empresário, caridosa de profissão, deputada à Assembleia Legislativa, veio defender publicamente que a licença de maternidade – esses dois meses incompletos em casa a que as mulheres têm direito – não deve ser aumentada. Melinda Chan tem um argumento: as dificuldades com que se deparam as pequenas e médias empresas. Esta nobre causa económica move-a muito mais do que as dificuldades das pequenas, médias e grandes famílias. O que é preciso é produzir, preferencialmente sem grandes custos. No fim do dia, as patacas é que contam.

[quote_box_left]Agora que órfãos, viúvas e desprotegidos choram sobre as previsões trágicas para a economia local, aqueles a quem não interessa que Macau saia da idade das trevas põem o nariz de fora à descarada e abrem a boca sem pudor. Macau que continue a ser das trevas, que as patacas é que importam[/quote_box_left]

Fosse Melinda Chan um caso raro e estaríamos nós, todos nós, muito bem. Sucede que não é – a filosofia dominante entre quem manda, directa ou indirectamente, consiste na pouca consideração pelos problemas dos mais fracos. É a lei da pataca, que o dinheiro é que conta. Não se aproveitaram os dias de glória dos casinos para se mudar mentalidades na concertação social.
Agora que órfãos, viúvas e desprotegidos choram sobre as previsões trágicas para a economia local, aqueles a quem não interessa que Macau saia da idade das trevas põem o nariz de fora à descarada e abrem a boca sem pudor. Macau que continue a ser das trevas, que as patacas é que importam, os filhos dos outros crescem com mãe ou sem mãe em casa, com o pai presente ou noutro sítio qualquer.
Patrões e trabalhadores não se conseguiram entender, ao longo destes anos, em relação ao que devem ser as contribuições para a segurança social. Patrões e trabalhadores ainda não foram capazes de definir um salário mínimo universal que tenha, entre outras virtudes, a capacidade de disfarçar a desfaçatez. Patrões e trabalhadores não se entendem e o Governo, sujeito passivo nestes processos de negociação, foi deixando correr a tinta como mais jeito deu a quem mais manda.
Depois há casos como o Dore, que revelam a dificuldade em aceitar que o teu Mercedes é muito maior do que o meu. Numa cidade em que o dinheiro é fácil, não há que seguir pelas estradas mais difíceis, atalha-se e isto vai correr bem, há histórias no passado que acabaram mal mas o passado já passou, vou ali remediado e às tantas ainda volto rico. Alguns não voltaram porque se esqueceram que, em mundos de contornos difíceis, as coisas nunca são como parecem e já se sabia que, mais cedo ou mais tarde, algo deste género iria acontecer. Nesta cidade não há santos e a caridade pratica-se ao estilo de Melinda Chan.
A ditadura das estatísticas assusta os mais optimistas e há mesmo quem diga que isto já deu o que tinha a dar. O pessimismo que se instalou é de uma extraordinária conveniência à manutenção da podridão. Este Governo de boas intenções feito vai ter a tarefa dificultada por quem não quer, de modo algum, deixar de ganhar patacas, muitas patacas, dinheiro, imenso dinheiro. Afinal, pobres dos pequenos e médios e grandes empresários que já se vêem em apuros porque as mulheres engravidam e ficam confortavelmente em casa a olhar para desinteressantes recém-nascidos, num desmerecido ócio subsidiado com o suor dos patrões que labutam de sol a sol. E ainda há quem ande por aí a falar de salário mínimo. São as patacas, estúpido.

28 Set 2015

Bali (a ilha, não do verbo balir)

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão há nada mais chato que ter que aturar um tipo a falar das suas férias, daquilo que viu, de como se divertiu e tudo isso, certo? Dá logo vontade de o mandar a tal sítio, e já agora esse sítio pode ser o mesmo onde passou as tais férias – “Olha, se gostaste tanto, porque é que não ficaste por lá?”. Digam lá se é ou não é o que dá vontade, em vez de ostentar aquela expressão idiota, com um sorriso de parvinho, anuindo com a cabeça e repetindo a cada cinco segundos “Ai sim? Que giro…”, intervalado de quando um vez com “tenho que lá ir, também”, como se se estivesse a falar de um lugar a meia hora daqui, e que desse para ir lá já amanhã. E se o tipo mostra fotografias, algumas em calções, exibindo a pança e as patorras calejadas? Ui! E quando se gaba dos descontos, ou das promoções, e outras coisas de que milhares como ele usufruíram, mas de que julga ter o exclusivo, como se fosse o Emir da Fartónia? “Last but not least”, há ainda os que evidenciam aquilo que eu chamo “síndrome de Álvares Cabral”: falam do local onde estiveram como se tivessem sido os primeiros, e até agora únicos, a ter lá ido. É terrível ter de ouvir falar das férias dos outros, sim, mas consigo pensar em tanta coisa pior, sei lá, a escravatura sexual, por exemplo. Isto tudo por dizer que…ah sim: estive em Bali. Sabiam??? Juro! Foi o máximo!
Falando a sério, fui mesmo a Bali, e foi mesmo o máximo, e no parágrafo anterior quis apenas relativizar um bocado a coisa, para não dar a entender que fui a algum sítio de que ninguém ouviu falar, mas onde toda a gente devia ir também. De facto não dou um bom “turista”, e sou incapaz de ficar estuporado a contemplar um monumento, ou uma curiosidade qualquer, como se fosse a primeira vez que sai de Vila Franca da Parvónia, onde a telefonia é a tecnologia mais recente. Gosto é de me misturar com os locais, fazendo de conta que sou um deles, ando a tratar da vidinha, e o melhor é os vendedores da banha da cobra e “otros recuerdos” irem antes chatear os tótós que andam perdidos, de mapa na mão mas no entanto olhando para cima. O que diabo essa gente que procura orientar-se num lugar estranho pensa que vai encontrar olhando…para cima? Uma seta feita de nuvens com a legenda “é aqui”? Mas no caso de Bali torna-se difícil, senão mesmo impossível, passar despercebido, de tão nítidas que são as diferenças entre a minha pessoa e os balinenses (Balianos? Baleeiros? Balios?) – é o que acontece quando se nasce branco e sem graça nenhuma.
E a diferença é Bali, e parecendo isto um chavão já mais que gasto, ali pode-se mesmo aplicar no seu estado mais puro e duro. Antes de ter lá ido tinha uma noção de que Bali era uma ilha do arquipélago da Indonésia, e assim sendo estaria a visitar “a Indonésia”. Nada disso, e não tendo nada com que comparar, pois nunca estivera antes na Indonésia e posso continuar a dizer que nunca estive, não sei se é melhor ou pior: Bali é simplesmente Bali, e nem sei como é que os Bali-coisos ainda não se lembraram de solicitar a independência, em vez de ficarem referenciados como “mais uma província” da Indonésia. Note-se que nada me move contra o país propriamente dito, e a este ponto gostaria de acrescentar que não tenho agora nem nunca alguma vez tive fosse o que fosse contra este país e/ou o seu povo. Quis deixar isto bem vincado, de modo a desmarcar-me daquelas pessoas que há vinte anos nem podiam ouvir falar da Indonésia e derivados sem desatar logo a berrar “Assassinos! Liberdade para Timor-Leste!”, feito selvagens, e depois foi o que se viu. Não seria de esperar outra coisa quando se nutre um ódio inexplicável por algo situado numa realidade distante e completamente díspar da nossa, e de que nada se sabe. É só para vos recordar dessa triste figura; é o nosso fado, deixem lá.
E já que falei de “realidade distante”, foi disso mesmo que me apercebi ao terceiro ou quarto dia em Bali: nunca tinha estado tão longe de Portugal! Estava ali mesmo nos antípodas, mais perto da Austrália do que seria recomendado para quem não gosta de ficar de cabeça para baixo no globo terrestre, e pensei que fosse sentir alguma coisa, um zunido nos ouvidos ou isso, mas nada. Sinceramente, nem dei pelos dias que passavam, de tão aprazível e idílico que é Bali, e as minhas preocupações resumiam-se a pensar o que ia ser o almoço, e depois disso o que iria comer ao jantar, e se teria estômago para tudo aquilo. Claro que estamos a falar de um tempo passado, na minha era pré-Bali, há uns dez quilos atrás. Uma das coisas que mais que encantou foi ver de como existe vida para além dos turistas, e de como estes podem circular livremente sem que alguém os venha assediar, oferecendo CDs piratas, droga, virgens ou rapazinhos, e de como tudo isso se pode lá encontrar na mesma, para quem gosta, sem que o exponham à vista de casais, crianças ou excursões da terceira idade. O pior que me aconteceu foi estarem a oferecer-me transporte para o dia seguinte – as duas palavras que mais ouvi em Bali foram “transport” e “tomorrow”.
Se ainda há quem na hora de escolher o destino para umas férias demasiado curtas para ir a Portugal, ou longas demais para ficar em Macau, e acaba sempre por optar pela Tailândia, ao ponto de já saber o nome de quase metade dos habitantes de Pattaya e Kho Samui, proponho Bali como alternativa. Aqueles receios de bolso que se atiram quando se tenta justificar o facto de nunca ter ido a um sítio super-bestial, em vez de dizer apenas “não calhou” ou “não me apeteceu lá ir” que mais se ouvem quando se fala de Bali, são completamente injustificados e patetas; o tal ataque terrorista já foi há dez anos e quase ninguém se recorda, o “tsunami” foi do outro lado do arquipélago, e a religião praticada pela maioria não é o Islão, mas antes uma espécie de variante polinésica do hinduísmo – estou a ver o “haka” da selecção de râguebi da Nova Zelândia? Algo dentro desse género. E por quanto é que sai a brincadeira, afinal? Diria que se paga o dobro do que custariam o mesmo período de papo para o ar na Tailândia, mas tem-se dez vezes mais qualidade. Pensem nisso, e se forem lá depois podem dizer-me se gostaram ou não, mas poupem-me nos detalhes. É que estive lá o mês passado, não sei se já vos contei…

24 Set 2015

Trabalhador humanitário: profissão de alto risco

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]uma altura em que a vaga de migração para a Europa não parece abrandar e os governos europeus têm dificuldade em encontrar uma resposta comum para um problema que põe em causa a solidariedade europeia, o papel das organizações humanitárias ganha relevo. Na ausência de políticas tendentes a favorecer o acolhimento dos refugiados – como se vê no caso dos países do grupo de Visegrad (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia), que recuperaram uma aliança de sete séculos para rejeitar políticas de acolhimento de refugiados – as pessoas, individualmente, e a sociedade civil, através de organizações, têm tido um papel essencial ao prestarem apoio aos migrantes que tentam encontrar na Europa um porto de abrigo.
As imagens correram mundo há semanas, quando habitantes de várias cidades da Alemanha, por exemplo, foram para a rua acolher os estrangeiros recém-chegados. Ofereciam-lhes café, água, roupa, numa verdadeira demonstração de que os refugiados eram bem-vindos. E não o fariam, seguramente, a pensar na necessidade da reposição demográfica do país, razão que muitos apontam, por estes dias, para justificar a boa vontade germânica. Afinal, muitos dos candidatos a refugiados entrevistados pelas cadeias internacionais de televisão falam inglês fluentemente, têm cursos superiores, são técnicos aparentemente capacitados e poderiam com facilidade ser integrados na locomotiva económica alemã, que continua a evoluir a grande velocidade, consequência do excelente desempenho das suas exportações. Mas a dimensão da onda de refugiados veio contrariar um pouco a tese conspirativa de que o afluxo de migrantes à Europa resultava de um interesse particular germânico.

[quote_box_left]Quer na Síria quer no Sudão do Sul, a maioria dos bens disponibilizados às populações já são entregues por via aérea, de forma a diminuir o risco para os trabalhadores humanitários[/quote_box_left]

O que é facto é que a vaga não tem parado. E ninguém sabe quando vai parar, contingente que depende da resolução de um número de conflitos que persistem em tão díspares locais quanto o Afeganistão, a Eritreia, o Iémen, o Iraque, a Síria ou a Somália. Neste campo da resolução dos conflitos, é naquele que está mais activo, o da Síria, que uma eventual resolução ganha força, quando militares russos e americanos parecem finalmente começar a falar numa possível divisão da Síria em vários partes com a manutenção no poder de Bashar al-Assad.
Esta onda de refugiados e o apoio que têm recebido de organizações não-governamentais contrasta, de facto, com a atitude pouco entusiasta com que alguns Estados têm lidado com o assunto. Mas permite também reflectir um pouco sobre o papel das organizações de apoio humanitário e as dificuldades que têm no terreno.
Fazendo fé nos dados mais recentes, a comunidade global de trabalhadores humanitários contabiliza 450 mil pessoas. É quase o equivalente a dois-terços da população de Macau que trabalha para agências internacionais como o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a Cruz Vermelha Internacional, o Programa Alimentar Mundial, o Fundo das Nações Unidas para as Crianças.
Segundo um estudo publicado recentemente pela Humanitarian Outcomes – um centro de investigação e de assessoria na área do trabalho humanitário – só em 2014, houve 190 ataques de grande dimensão contra trabalhadores de organizações humanitárias. O crime mais cometido contra os trabalhadores humanitários é o rapto. No total, houve 328 vítimas em 27 países. O Afeganistão, a Síria e o Sudão do Sul são os países mais violentos.
Na verdade, o número de ataques a trabalhadores humanitários diminui quando comparado com 2013. Mas parece que não há grandes razões para celebrar, pois, no último ano, muitas das agências internacionais de apoio humanitário diminuíram a sua presença no terreno, particularmente nas áreas mais inseguras. Ou seja, nos territórios onde as populações mais precisam de ter um mínimo de apoio – água, comida, abrigos, kits de higiene – para viverem no limiar da dignidade, é onde as agências internacionais têm desinvestido. Como está bom de ver, é desses territórios que fogem os refugiados que por estes dias chegam em massa à Europa. Quer na Síria quer no Sudão do Sul, países extremamente perigosos para o trabalho humanitário, a maioria dos bens disponibilizados para as populações já são entregues por via aérea, de forma a diminuir o risco para os trabalhadores humanitários. A Síria é mesmo o maior conflito activo que tem dentro das suas fronteiras uma percentagem menor de trabalhadores de apoio humanitário.
Mas os dados sobre os ataques aos trabalhadores humanitários podem nem corresponder à realidade que se vive no terreno. É que, por um lado, as agências internacionais, para evitarem uma contabilidade negativa do aumento do número de ataques, há muito que recorrem às chamadas organizações locais da sociedade civil para fazer a distribuição dos bens que têm para doar às pessoas que deles precisam. As organizações locais, por seu lado, para não perderem o contrato de associação com os grandes da ajuda humanitária, acabam por escamotear o número de ataques que efectivamente sofrem. Ainda para mais, estas organizações, que têm orçamentos limitados e falta de pessoal qualificado, cortam sempre nos custos relacionados com a segurança e são em muitos casos vítimas silenciosas dos conflitos cujos efeitos procuram diminuir.

24 Set 2015

Precocemente

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]egundo Freud, a ejaculação precoce é uma tentativa sádica, exclusivamente masculina, de não permitir prazer à mulher (ou seja, planta a semente, mas ela fica a ver navios, orgasmo-wise). Consigo imaginar mais de que um método para expressar este sadismo inconsciente, mas de facto, o ejacular precoce não faz muito sucesso pelo público e tão pouco se encaixa no BDSM praticado actualmente. Mentes mais masculinas até que poderão interpretar esta precocidade como um forte sinal de virilidade. Espero que não sejam muitos.
De acordo com o que estive a ler por aí, a ejaculação precoce é tendencialmente vista como problemática. Não sou muito a favor da problematização do que quer que seja, porque daí se desenvolvem certas situações pessoais, emocionais e relacionais. Consigo imaginar a ânsia, os nervos, a expectativa e até a insatisfação com o próprio e com o outro. A ejaculação precoce pode ser um problema, mas não o é, necessariamente. E isso provam as Coreanas, que num estudo mostram que mesmo com namorados que sofrem de ejaculação precoce, o nível de satisfação na relação, de acordo com elas, é bastante alto. Perceber que isto é algo que acontece a uns e a outros, numa ou outra altura da vida, mais ou menos regularmente, é provavelmente a forma mais saudável de ver a coisa.
As causas são raramente orgânicas, não é uma infecção ou uma disfunção biológica que irá causar tal pressa no clímax masculino. Normalmente, os causadores, são de natureza psicológica, e não há nada de mais assustador do que pensar que isto não fica curado com uns simples comprimidos. Há que ter uma mente aberta para aceitar que é preciso experimentar umas coisinhas menos usuais, e que provavelmente há trabalhos de casa para fazer.
As tácticas retardadoras do processo ejaculatório talvez sejam pensar no futebol, no IRS, na lista de supermercado, nas pernas peludas da sogra ou nas legislativas. Ou o que normalmente funciona, para os corpos simplesmente mais desabituados a sexo, é uma masturbação pré-coito, para acalmar os ânimos. Se o orgasmo masculino precoce é algo um pouco mais recorrente, muito provavelmente estas técnicas não funcionam. Porque é a comunicação entre o corpo e a mente, o pénis e o cérebro, que não entende aquele momento de ‘quase, quase’ lá, para o poder atrasar uns preciosos momentos mais. Por isso, se for qualquer coisa dita de mais problemática há quem tenha desenvolvido terapêuticas. Masters e Johnson sugerem ‘o aperto’ e Kaplan sugere o ‘pára-começa’. Passo a explicar: tanto um e outro são exercícios para serem vistos como tal, e se praticados com o parceiro com regularidade, produzem efeitos a longo prazo. O aperto é qualquer coisa como apertar com o polegar a uretra com a cabeça do pénis entre dois dedos. Isto deverá ser feito assim que o indivíduo se sentir mais próximo do derradeiro momento, o mais próximo que conseguir. Depois de acalmar a ânsia, mas não perder a erecção, retomar o processo. O ‘pára-começa’, acho que conseguem imaginar do que se trata.
Para não desanimar as almas sexualizadas, e para clarear a nuvem problematizadora que a ejaculação precoce às vezes carrega, sugiro, então, a reflexão das coisas boas que pode trazer, porque nem tudo é assim tão terrível. 1. Faz sentir uma mulher sexy. Imaginem uma ejaculação descontrolada pelo simples vislumbre de um mamilo, ou de todo um corpo giro. ‘Sou tão boa que ele nem aguentou’. Parece-vos estranho, mas prometo que não é incomum. 2. É fácil, rápido e dá milhões. Para os casais de ambos membros especialmente orgásmicos que desejam uma vida sexual saudável mas que tem pouco tempo para estas coisas. Pessoas ocupadas, que querem dormir a horas e trabalhar no dia seguinte depois da satisfação mútua de se terem por uns bons minutos. 3. Perceber que o sexo não deveria terminar só porque ele se vem. Vejamos, há toda uma selecção de actividades eróticas para prolongar o momento. Diria até que apela à criatividade de cada um. 4. Obriga a comunicação. O que a ejaculação precoce traz de melhor é provavelmente a possibilidade da expectativa sexual, ou até o descontentamento, ser discutido e resolvido. Ejaculação precoce não é de todo o fim do mundo, já se viu que é uma coisa que pode ser muito bem trabalhada. Agora o que se precisa é: pessoas disponíveis para tal.
Um apelo pela criativa dissolução do que a ejaculação precoce representa de mau. Assim, na pequena estória da semana passada, imaginem o mesmo desenrolar, e da surpresa e embaraço de ele se vir assim, de repente, vem… tudo o resto que ficou por acontecer.

23 Set 2015

“Aprende com o material geológico sob os teus pés”

* Mário Duarte Duque

[dropcap style=’circle’]”[/dropcap]Aprende com o material geológico sob os teus pés” era a proposição 33 das 50 Ideas for the New City, in The Urbanomnibus net, 2011 [https://urbanomnibus.net/ideas/].
Proposição que assentava no princípio de que o que permite fazer melhores escolhas sobre o modo de construir é a compreensão sobre a constituição e sobre o modo como os impactos do tempo geológico afectam o nosso ambiente edificado.
Tais processos, designados por geomorfológicos, desenvolvem-se em diferentes escalas de tempo e de espaço, que tanto podem respeitar a uma região como apenas a um local dessa região, mas também processos que tanto se podem manifestar num instante, como numa escala temporal tão dilatada que os tornam imperceptíveis ao longo de gerações.
Disso resulta que a interpretação e a definição desses enquadramentos geográficos e temporais, constitui uma base de conhecimento próprio que é intrínseca e essencial desenvolver e organizar em cada localização urbana.
Ou seja, o património geológico faz parte da tradição urbanística e física dos lugares, tal como a paisagem edificada e a paisagem natural sobre as quais já recaem convenções de protecção. Por isso, o património geológico, no qual também se inclui o património hídrico, deveriam ser igualmente contemplados como acervo de um grupo cultural. 22915P17T1
Chegados aqui, a entrevista do Sr. Eng. Lee Hay Ip publicada ontem neste jornal, é pertinente porque não só denuncia a falta de sensibilidade para as questões da geotecnia na RAEM, mas também, senão principalmente, denuncia ignorância dos actuais habitantes da RAEM no que diz respeito a essa realidade que é intrínseca à cultural local.
Em verdade, o conhecimento de que era lodo, grande percentagem do solo no local designado hoje para o parque de materiais e oficina do metro ligeiro, poderá ter sido uma incógnita para o Gabinete para as Infra-Estruturas de Transportes (GIT), mas já não seria incógnita para qualquer pescador da região com 60 anos, que poderia assegurar que já não era possível aproximar-se de barco do istmo entre taipa e Coloane, antes da construção do aterro do COTAI, exactamente por causa do lodo.
Como está ao alcance de qualquer um interpretar que as encostas de granito da ilha da Taipa descem até ao actual aterro do COTAI, aí afundam, para voltar a emergir na ilha de Coloane. E que, assim sendo, é sob o COTAI que está o vale mais profundo dessa formação rochosa e onde terão que se cravar as estacas mais profundas. Tirando pela distância entre as ilhas, por mera lógica morfológica, admitir-se-ia até que tais estacas fossem as mais profundas que alguma vez se cravaram na RAEM.
Mas também nada que qualquer empreendimento efectuado em torno não pudesse confirmar em função das prospecções que necessariamente tiveram que mandar efectuar ao solo.
E é assim que, em vez de as sociedades desenvolverem soluções mais adequadas e melhor suportadas no que já deveriam conhecer, protelam tais soluções, porque primeiro há que recuperar o que entretanto desaprenderam.

22 Set 2015

Migração questão milenar

“JHA is a fragmented policy field that responds to different policy-making rules (intergovernmental and supranational. The development of a JHA external dimension is dependent upon two variables: states’ preferences and historical legacies. The different combination of those variables border management, counter-terrorism and rule of law promotion leads to different patterns and trends. The most general trend identified is that the JHA external dimension, applied to the Mediterranean region, is more dependent upon institutional processes (historical legacies and Member states’ preferences) than upon ideational elements. Contrary to widespread belief, the development of a JHA external dimension started well before 9/11 and was the result of various institutional factors, in particular path-dependency and states’ preferences.”
The Mediterranean Dimension of the European Union’s Internal Security
Sarah Wolff

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]maior parte das vezes por necessidade, outros obrigados por outros conflitos e guerras, e umas quantas mais pelo desejo de alargar o seu poder, há milhares de anos o ser humano tem emigrado, ou foi deslocado pela força para novos locais ou países, sendo um fenómeno que se repete actualmente, com o fluxo descomunal de cidadãos provenientes de África e do Médio Oriente para a Europa.
As previsões da “Organização Internacional para as Migrações (OIM) ”, calculam que mais de quatrocentas e trinta mil pessoas atravessaram o Mediterrâneo para a Europa, desde o início do ano, e cerca de duas mil e oitocentas pessoas morreram ou desapareceram nessa tentativa, e cujo número aumenta diariamente.
As previsões podem estar muito aquém do número real, pois milhares de pessoas têm atravessado as fronteiras a pé, provenientes da Síria, Iraque, Afeganistão, Irão e Paquistão à procura de um futuro melhor para si e suas famílias e, muitas das vezes fugindo de conflitos, perseguições e da crise económica. Assim aconteceu na antiguidade com grandes migrações, e movimentos de deslocamento relativamente recentes como as duas grandes guerras mundiais ou a crise dos refugiados na antiga república da Jugoslávia, em que desenraizados carregando nas costas os seus poucos pertences, se sujeitaram a caminhadas enormes de centenas ou milhares de quilómetros.
O Alto-comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) estima que existem cinquenta milhões de vítimas de deslocação forçada, incluindo refugiados, requerentes de asilo, apátridas e deslocados internos. As primeiras migrações deram-se há milhares de anos de África para a Europa e Ásia, assim como, deste último continente para a América, através do Estreito de Bering, aproveitando o congelamento do mar e o menor nível das águas.
É de considerar os povos asiáticos que povoaram partes da Europa. Há mais de dois milénios, indo-europeus que inicialmente podem ter vindo de regiões da Ásia estenderam-se pelo centro e sul da Europa e assim nasceu o mundo greco-latino, embora para o Ocidente foram outros, conhecidos como celtas e germânicos.
Os povos gregos e fenícios habitaram extensas terras do norte da África e outras regiões no território europeu e fundaram as “polis”, termo que passou a denominar as primeiras cidades antigas. Ainda existem alguns indícios, de que os Vikings, povos do norte da Europa, pudessem ter chegado ao que é actualmente a América do Norte, muito antes de Cristóvão Colombo, e dessas supostas viagens não existem indicações de que tal facto, tenha criado uma migração, como aconteceu depois da primeira viagem dos genoveses em 1492.
Os “Descobrimentos” deram lugar a um grande movimento migratório dos países europeus, liderados por Portugal, Espanha e Inglaterra para o “Novo Mundo”. A extensão do território americano e a sua imensa riqueza natural, também, deram origem à chegada de todo o tipo de europeus que não vieram necessariamente com boas intenções, como ficou provado pela devastação de muitos povos da América Central e do Sul.
O capítulo mais vergonhoso da humanidade, após a descoberta da América, foi o tráfico de negros de África para trabalhar e explorar os recursos naturais do novo continente, uma vez que a subjugação dos povos indígenas não foi suficiente para fornecer mão-de-obra para a grande quantidade de trabalho existente.
A escravidão que se deu, desde 1500 até 1850, fez chegar doze milhões de negros ao continente americano. Ainda que o descobrimento da América tenha gerado vagas sucessivas de emigrantes europeus, o grande fluxo de pessoas em busca de outras oportunidades no “Novo Mundo”, ocorreu depois de 1800 e não conseguiu parar até à primeira metade do século XX.
Estima-se que em quase um século e meio vieram para a América cinquenta e cinco milhões de pessoas. Aos Estados Unidos, desde o final do século XIX chegaram mais de um milhão de emigrantes por ano, particularmente ingleses, irlandeses, italianos, austríacos e gregos que se instalaram inicialmente na costa leste e centro do país, embora muitos tenham atravessado o país para Ocidente, onde a corrida ao ouro durou várias décadas.
A primeira e a segunda Guerra Mundial foram, por causa do seu impacto e brevidade, as duas fontes de deslocação e migração dentro da Europa e de outros continentes por comunidades expulsas. Os movimentos que foram criados pelos dois conflitos e que também incluía a redefinição das fronteiras de muitos países são estimados em quarenta e cinco milhões de pessoas.
A Guerra Civil espanhola foi um conflito que resultou no exílio de mais de um milhão de pessoas que foram principalmente para a América e, em menor grau para outros países europeus. A independência, e posterior divisão do subcontinente indiano, levou ao deslocamento de mais de quinze milhões de pessoas, principalmente por motivos religiosos, dois anos após o término da II Guerra Mundial.
A guerra de três anos e a posterior divisão da Coreia em duas, em 1953, foi também motivo de deslocamento de aproximadamente quatro milhões de pessoas. Os conflitos nos Balcãs, que ocorreram na década de 1990, através de um conjunto de guerras étnicas e religiosas, e que causou a fragmentação da República da Jugoslávia, deixaram quatro milhões de pessoas deslocadas. A África foi assolada por vários conflitos que ocorreram no Sudão, Libéria, Ruanda, Serra Leoa, Tanzânia, Guiné e Etiópia, dos quais resultaram dez milhões de refugiados e pessoas deslocadas.
O “Conselho Europeu para a Justiça e Assuntos Internos” reuniu-se em Bruxelas, a 14 de Setembro de 2015, para debater a actual crise de migração, sabendo que a União Europeia (UE) se encontra profundamente dividida quanto à gestão da maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial. A Alemanha tinha anunciado que iria proceder à reinstalação dos controlos na sua fronteira sul com a Áustria.
A Áustria, de seguida instalou o mesmo procedimento na sua fronteira com a Hungria e a Eslováquia. A Holanda reforçou os seus controlos e a Polónia e a Bélgica estudam semelhantes medidas. Os ministros do Interior e da Justiça da UE, perante este trágico cenário não conseguiram chegar a um acordo sobre a distribuição de cento e vinte mil refugiados, que seriam adicionados aos quarenta mil que tinham sido aceites em Maio de 2015, dado não ter havido unanimidade, porque a Hungria, Eslováquia, Polónia, República Checa e Letónia, recusaram a proposta.
A Presidência do Conselho concordou que antes da realização de uma cimeira de líderes, existiria uma nova reunião a 8 de Outubro de 2015, na qual se poderia votar por uma decisão que não carecia de unanimidade, e o grupo de Estados-membros que se recusaram a aceitar a proposta apresentada, não constituem uma maioria que impeça a aprovação das medidas postas a discussão.
Os ministros apenas aprovaram um conjunto de medidas, a maioria quanto ao encerramento de fronteiras e impedimento da chegada de mais refugiados, sendo um dos principais pontos de consenso, a construção de centros de retenção na Grécia e Itália e a detenção de quem pise solo europeu, para separar os refugiados com direito a asilo dos emigrantes económicos. É de recordar que entre os refugiados se encontram muitos terroristas do estado islâmico, que as autoridades europeias se recusam a aceitar, apesar dos avisos de todos os quadrantes, incluindo do Papa Francisco.
Os emigrantes económicos estão sujeitos à repatriação. A Alemanha quer incluir na lista dos países donde provêem os refugiados com direito a asilo, o Iraque, dado ter mais de três milhões de pessoas deslocadas internamente, e trezentas e setenta mil refugiados no exterior, sendo lar de duzentos e cinquenta mil refugiados sírios, e ter mais de oito milhões de pessoas a precisar de assistência humanitária e o estado islâmico controlar quase um terço do território.
A Turquia não estaria em princípio na lista dada a situação dos curdos. Além disso, não haveria nenhuma distribuição dos refugiados na Europa até os centros de retenção estarem a operar e as fronteiras externas estarem mais cerradas. A Itália solicitou que a “Frontex”, a agência de controlo da fronteira europeia, seja responsável pelo repatriamento de emigrantes sem direito de asilo e que sejam financiados com fundos comunitários.
Os ministros também estudaram a criação de mais campos de refugiados na África e no Médio Oriente para declarar que quem se encontre nesses campos não estaria em perigo e, logo, não tem direito de asilo. Além disso, concordaram em aumentar os fundos europeus para o “ACNUR” com o fim de melhorar a vida em campos de refugiados nos países vizinhos da Síria, Turquia, Líbano e Jordânia. 22915P18T1
A Turquia podia cooperar impedindo a saída de barcos das suas costas. A UE aprovou a segunda fase da operação militar EUNAVFOR Med, destinada a combater militarmente as máfias de traficantes de pessoas no Mediterrâneo. A primeira fase que se iniciou há quatro meses, apenas realizou a vigilância área e marítima, enquanto a segunda fase terá por objectivo deter os traficantes de pessoas e desmantelar o seu modelo económico.
A missão só actuará em águas internacionais em virtude da ONU se negar a fazer aprovar uma resolução que permita ao dispositivo europeu a entrada em águas territoriais da Líbia. A hipotética terceira fase incluiria a inutilização nos seus portos, por meios militares, das embarcações que servem de transporte a emigrantes e refugiados desde a Líbia até Itália, mas para ser activada carece de um pedido expresso do governo líbio ou de uma resolução da ONU.
As questões relacionadas com a migração serão objecto de novo debate no Conselho JAI de 8 de Outubro de 2015 e no Conselho Europeu, de 15 e 16 de Outubro de 2015. A cimeira especial sobre a migração, realizar-se-á, em La Valetta, a 11 e 12 de Novembro de 2015.
Em Setembro de 2010, Kadafi ameaçou a UE de que a Europa se tornaria um continente negro se não lhe fossem pagos cinco mil milhões de euros por ano para parar a vaga de emigrantes de África para a Europa. Esta anedota, que agora pode ser meditada a partir da perspectiva da guerra na Líbia, é realmente triste e sintomática das contradições das políticas da UE para a região ao longo dos últimos anos.
O espírito positivo inicial do “Processo de Barcelona” foi ultrapassado por preocupações da “realpolitik” que levaram os europeus a ser menos contundentes sobre a promoção de princípios normativos, tais como a democratização. Em vez disso, parece que as preocupações da migração, controlo de fronteiras e segurança interna da UE tomaram precedência sobre a promoção do Estado de direito e da democratização.
Talvez tenha chegado a hora de rever a política externa e de segurança da UE para a região e investigar como as políticas JAI não só devem servir a segurança interna da Europa, mas também poderem contribuir para a segurança dos cidadãos da região. O objectivo de acelerar a liberdade, segurança e justiça na região é mais do que nunca desejável.

22 Set 2015

Será suficiente indemnizar?

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 19 de Agosto, o website de Hong Kong “yahoo.com.hk” publicou uma notícia relacionada com a companhia aérea Kong Dragon Airlines Limited, onde se conta que dois passageiros, o Sr. e a Sra. Wong, desejavam deslocar-se de Hong Kong para Haikou, na China, a 14 de Agosto. Quando chegaram ao aeroporto foram informados pela companhia aérea Hong Kong Dragon Airlines Limited – DragonAir – que, devido a uma grande afluência de passageiros, teriam de embarcar num voo para o aeroporto de Shenzhen e daí apanhar outro avião para o destino final.
A Sra. Wong ficou muito transtornada. O casal tinha-se inscrito numa visita turística à zona de Haikou, China. Se não conseguissem chegar a tempo perderiam a viagem. Apesar disto, os funcionários da Hong Kong Dragon Airlines Limited não lhes deram qualquer resposta. Por fim Wong chamou a polícia e a companhia acabou por arranjar o voo conforme estava planeado.
Mas o caso não ficou por aqui. Quando os Wong chegaram a Haikou aperceberam-se que a bagagem não tinha vindo no avião. As malas tinham “perdido” o avião. A Hong Kong Dragon Airlines Limited enviou a bagagem aos Wong no dia seguinte e voltou a apresentar as suas desculpas.
Um caso semelhante ocorreu com a companhia Cathy Pacific Airline. Uns dias depois, a 22 de Agosto, duas passageiras com bilhetes para a classe “Executiva”, a Sra. e a Menina Lai, foram obrigadas a viajar em “Turística”. As duas senhoras eram mãe e filha. A mãe tinha sido operada a uma perna e precisava de mais espaço durante o voo. Por este motivo a filha comprou bilhetes para a classe “Executiva”, mas acabaram por se ver forçadas a viajar em “Turística”. A Cathy Pacific Airline não só lhes baixou a categoria de “Executiva” para “Turística”, como ainda lhes atrasou a viagem mais de 25 horas. A filha também perdeu uma excursão que tinha marcada.
Não é a primeira vez que casos de sobrevenda de lugares acontecem com a Cathy Pacific Airline. No passado dia 27 de Julho o website “localpresshk”, de Hong Kong, divulgou a seguinte notícia: o Sr. Lai tinha comprado dois bilhetes para viajar de Hong Kong para Jakarta, Indonésia. Devido à sobrevenda de lugares, o Sr. Lai acabou por não conseguir o voo que tinha marcado. O voo acabou por atrasar mais de 7 horas. Recebeu uma indemnização de 1000 dólares, jantar pago, estadia no hotel e o seu bilhete de classe “Turística” transitou para “Executiva” sem custos acrescidos.
Quando o jornalista entrevistou o representante da Cathy Pacific Airline, a companhia respondeu que a sobrevenda é prática corrente nesta actividade. A Cathy Pacific Airline também salientou que a companhia iria fazer o possível para ajustar o número de lugares disponíveis ao número de passageiros que é expectável chegarem a horas ao aeroporto. As compensações serão variáveis conforme o caso.
O termo “sobrevenda” significa que a companhia vende mais bilhetes do que os lugares que tem disponíveis no avião. Por exemplo, se o avião tem 100 lugares, a companhia vende mais de 100 bilhetes. Existem vários motivos para este procedimento. Em primeiro lugar um passageiro, designemo-lo por X, tem a possibilidade de mudar a marcação do seu bilhete com antecedência. Se X não puder voar no dia marcado – dia 1 –, depois de pagar uma taxa, pode mudar o voo para outro dia – dia 2. Neste caso, no dia 1 o seu lugar no avião vai ficar vazio. Se o passageiro B fizer o mesmo que o passageiro X, mas alterar a marcação do dia 3 para o dia 1, então o passageiro B será beneficiado e a companhia usufruirá de um aproveitamento total dos lugares por voo. O lucro da companhia será maximizado desta forma.
Na prática a companhia aérea não só permite que o passageiro mude o dia do seu voo, mas também que possa mudar para outro horário no próprio dia, antecipando ou adiando o voo. Em termos gerais 40 minutos antes da descolagem, se houver lugares vazios no avião, a companhia aceita que o passageiro em causa possa antecipar o seu voo.
Nem todas as companhias permitem fazer a alteração de horário de voo. Com as companhias que vendem bilhetes mais baratos geralmente não é possível. É por isso que este tipo de situação só acontece com as companhias mais conhecidas.
“Ajuste” é a melhor palavra para descrever este fenómeno. Baseia-se, puramente e simplesmente, no “acaso”. No caso das necessidades do passageiro e da companhia se ajustarem, não existirão casos como os dos Wong e dos Lai. No entanto se o ajuste falhar, os passageiros sujeitam-se a atrasos e alterações de voo. Nestes casos deve a companhia aérea indemnizar os passageiros?
Em Hong Kong, a compra e venda de bilhetes é um contrato, e este tipo de transacções é regulada pela Lei da Contratação. O principio básico da compensação em caso de quebra de contrato é a “expectativa”. Em termos gerais, a parte que quebra o contrato só é obrigada a indemnizar na proporção do seu conhecimento da situação. Por exemplo, no momento da venda do bilhete, a companhia apenas sabe que o passageiro o comprou e nada mais do que isso. Quando a companhia entra em quebra de contrato, por exemplo, “despromovendo” o passageiro de “Executiva” para “Turística”, a compensação devida é o reembolso da diferença do preço dos bilhetes.
Se a companhia vende duas vezes o mesmo lugar e o passageiro não pode voar como previsto, a companhia tem de indemnizar o passageiro pelos “custos de demora”, onde são incluídas refeições, estadia, custos de deslocação entre o hotel e o aeroporto, etc. “O Passageiro perdeu o seu tempo” e por este motivo deverá também ser indemnizado. A compensação monetária é necessária, mas o montante varia de caso para caso. A não ser que e, até que, o risco seja demasiado elevado, a companhia não necessita compensar o passageiro com somas elevadas. Se o lucro por vender um bilhete de avião for superior às indemnizações, é fácil perceber porque é que a sobrevenda é prática corrente nesta actividade.
Embora a Lei da Contratação estipule formas de compensação em caso de quebra de contrato, não pode impedir a actuação de quem conhece as consequências do procedimento e tem a capacidade financeira para indemnizar. A menos que haja uma nova lei para regular este tipo de transacções existe sempre o risco de o cliente colaborar com este processo.

21 Set 2015

Nobel para o Papa, já!

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Papa Francisco está por estes dias em Cuba, seguindo-se depois uma visita pontifícia aos Estados Unidos da América. Antes de se meter a caminho das Américas, Francisco chamou ao Vaticano os ministros do Ambiente da União Europeia para lhes dizer três coisas: que o combate ao aquecimento global não se faz apenas por palavras; que a União deveria tomar a liderança na preparação e na negociação da conferência internacional sobre as alterações climáticas marcada para o início de Dezembro, em Paris; e que o combate ao aquecimento global tem de ser feito a par do combate à pobreza, pois os mais pobres são invariavelmente aqueles que mais sofrem com os problemas relacionados com o aquecimento global.
A questão das alterações climáticas é apenas uma das várias questões em que o Papa tem mantido um papel de destaque, chamando a atenção para a necessidade de o mundo agir antes que seja tarde de mais. Em Junho, divulgou uma encíclica sobre o tema. Nela, Francisco dizia que o ambiente era um “bem comum” e que a humanidade tinha que mudar o seu estilo de vida.
A forma como age sobre as matérias de cariz social, económico e político, é bem distinta da dos políticos populistas que acordam para os problemas em tempos de crise e que lançam tiradas desprovidas de conteúdo para serem repetidas pela comunicação social, sem consequências directas mais do que parecerem que estão a tentar fazer alguma coisa.
O Papa foi dos primeiros líderes mundiais a chamar a atenção para o drama dos refugiados que assola agora o continente europeu. Quando visitou o Parlamento Europeu em Novembro do ano passado – revelando uma capacidade de antecipar os problemas que têm marcado a União Europeia neste Verão – apelou ao despertar humanista de uma certa Europa “envelhecida”.
O Vaticano teve um papel decisivo na reaproximação de Havana a Washington. É evidente que a Igreja Católica tem um interesse directo na normalização das relações diplomáticas de Cuba com o mundo. Mas acima de tudo, aprecia ver a normalização do regime dos irmãos Castro com os direitos humanos, entre os quais está a liberdade religiosa.
A revolução cubana de 1959 restringiu a prática religiosa no país. Francisco visita, pois, como Papa, um país que está aos poucos a “normalizar-se” com a prática religiosa. A seguir à revolução, Fidel decretou o ateísmo como a doutrina reinante no país. Ao longo dos anos, a narrativa de que a prática religiosa era reaccionária e anti-governo fez o seu caminho. Quando, em reportagem, em 1996, visitei Cuba pela primeira vez, a Catedral de Havana, de São Cristóvão, estava fechada, a cadeado. E o lixo que a escadaria ostentava era um sinal de que a preservação imaculada da casa de Deus não era uma prioridade. Nessa viagem, que decorreu em simultâneo com os Jogos Olímpicos de Atlanta, assisti a um comício de Fidel, de mais duas horas, na província de Holguín, em que o presidente cubano afirmava que as medalhas conquistadas pelos cubanos valiam a dobrar: não eram apenas um sinal de que os atletas cubanos eram os melhores, tinham também um sabor especial por serem ganhas em território “gringo”.
Francisco intervém, pois, de forma estruturada. Inteligente. Responsável. Com o poder moral que a Igreja deveria sempre ostentar, mas que os casos de assédio sexual têm minado ao longo dos anos. Nesse aspecto, também Francisco se distingue dos outros, tendo tomado, em várias ocasiões, medidas disciplinares contra prelados que encobrem casos de assédio sexual, tendo até deixado cair bispos e arcebispos. As alterações que promove dentro da Igreja não são de somenos, com resultados práticos para os praticantes. Os procedimentos para a anulação dos casamentos, possibilitando que católicos tornem a casar, foram recentemente facilitados.
A dessacralização do cargo que ocupa é outra das marcas do seu papado. Há dias, ao entrar no avião que o levaria a Cuba, o Papa carregava ele próprio a sua pasta de cor preta. O chefe máximo da Igreja Católica deixou de ostentar o vermelho e o dourado – cores que estavam sempre presentes em Benedito XVI – para usar o simples branco. Com os seus gestos, com a forma simples e directa como é capaz de falar com a pessoa comum, Francisco transformou-se num fenómeno de popularidade. Na visita às Filipinas, em que chorou ao ouvir a história da vida atormentada das crianças de rua, reuniu à sua volta, numa missa, em Manila, uma multidão avaliada em seis milhões de pessoas. Um recorde.
Numa altura em que se diz que há uma crise de valores, que faltam líderes políticos com capacidade de movimentar massas e de apontar o caminho, o Papa transformou-se numa espécie de farol moral que a Igreja Católica tinha perdido.
Numa semana em que o ex-secretário do comité Nobel publicou o seu livro de memórias e veio dizer aquilo que muitos pensam, que a atribuição do Nobel da Paz a Barack Obama, em 2009, foi prematura e que os anos seguintes da sua governação provaram o erro que foi a atribuição do prémio ao presidente norte-americano, está na altura do Comité Nobel olhar para a obra que Francisco está a erguer e distingui-lo com uma honra perfeitamente justa.

21 Set 2015

O telemóvel mal-educado

200_s[dropcap style=’cirlcle’]T[/dropcap]ortura, entre outros, é também ter de digerir afirmações de ilustres que verbalizam assuntos como se do objecto em discussão alguma coisa entendessem, quando na verdade deveriam era aproveitar a oportunidade para se manterem calados, contribuir para a redução da poluição sonora e a criação de um ambiente favorável à manutenção da nossa sanidade mental.

E é esse o tema que vai ser hoje abordado: silêncio e sanidade mental.

A pedido do meu filho, no sábado passado passei com ele a manhã no Museu das Comunicações, um excelente sítio com expositores de altíssima qualidade. A todos aqueles que gostam de bater no Governo por tudo e por nada, e sem razão nenhuma, eis aqui um exemplo demonstrativo de que nem tudo no Governo está mal, porque o Governo tem coisas boas também. E muitas até.

Regressando ao Museu. Uma das atracções preferidas do meu filho são os telefones antigos que ainda funcionam perfeitamente. Entre eles, estão aqueles pretos de discar e em forma de champuleung que a CTT instalava no passado, nos tempos em que os números de telefone em Macau tinham apenas quatro algarismos.

“Sabes, o papá quando era pequeno tinha um telefone assim em casa”, disse eu para o meu filho. Olhou para mim sem perceber se era a brincar ou a sério.Como as coisas mudaram. Eram tempos em que telefonava para a casa dos meus amigos e não sabia ao certo o que iria acontecer, pois (1) podia não ser o meu amigo a atender a chamada, pelo que tinha de dizer “olá, queria falar com o fulano de tal, se faz favor” e do outro lado até podia vir um “e quem fala, se faz favor?”; e (2) o meu amigo podia até não estar em casa, pelo que então podia responder “ah, então diga-lhe se faz favor que liguei, fico então à espera que me devolva a chamada”.

Quando penso nisso até sinto uma certa saudade, pois com a chegada do telemóvel esses diálogos desapareceram das nossas vidas. Em contrapartida, ganhámos outro tipo de expressões e hábitos, nomeadamente o “ligo-te quando estiver a chegar”, “podes descer agora”, “vou a caminho”.

No meio de muita conveniência, o telemóvel permitiu também uma falta de rigor total. O “às 15:30 à porta do Leal Senado” foi substituído pelo “ligo-te quando estiver despachado, diz-me por onde andas que vou aí ter contigo”.

É absurdo o número de chamadas que às vezes fazemos só para combinar uma coisa simplicíssima que podia ser definida logo desde o início. Mas, por alguma razão, preferimos adiar decisões simples como, por exemplo, o local para um almoço.

Pelo que, no gozo, quando se começa uma conversa para combinar algo, mando a boca: “mas para que andam vocês a tentar combinar coisas? No fim, acaba-se sempre por combinar que amanhã um de vocês vai ligar para o outro para combinar melhor…”

Com o advento do smartphone as coisas mudaram ainda mais – e para pior. Agora, para se combinar um jantar cria-se um chat room. Convida-se um chonto di gente e passa-se dias e dias a conversar, a conversar e a conversar por mensagem. Centenas de mensagens apenas para se definir dia, hora e local para um jantar.

Não escondo que às vezes até me divirto com isso, pois aproveito para desenvolver alguma conversa inconsequente que me faz muito bem à cabeça. No entanto, numa reflexão mais profunda, não consigo mesmo perceber que tipo de evolução vem a ser essa.

Não me entenda mal, caríssimo leitor, não sou contra a tecnologia não apadrinho aquele discurso miserabilista de que a próxima geração vai ser assim ou assado por causa do smartphone.
Aliás, no que concerne às tecnologias fui sempre um early adopter: no início do milénio quando ainda todos usavam Nokia, já eu enviava emails com um telemóvel da HP do tamanho de uma raquete de ténis de mesa.

A questão é que não posso simplesmente fazer de conta que está tudo bem e que isso é normal. Se é normal – e se calhar para o meu filho vai ser muito normal – então trata-se de um normal que vai sempre merecer de mim muitas reservas. Porque essencialmente não consigo passar constantemente o tempo a ler e a responder às mensagens do Facebook, Whatsapp, Telegram, WeChat, iMessage e SMS.

Para agravar, tenho ainda o telemóvel de serviço – sim, faço parte daqueles que andam com dois telemóveis na mão – que de quando em quando faz soar um “ding” porque recebo cerca de 100 emails por dia. E não, não podem ser ignorados pois trata-se de trabalho. E tenho também o Lync instalado, onde igualmente recebo mensagens. E o Calendar, sendo que ao longo do dia vou recebendo meeting invitations que têm de ser respondidos.

Finalmente, os meus dois telemóveis, sendo telemóveis, servem certamente para receber chamadas. Ah, tenho também o telefone de linha fixa no gabinete e não são poucas as chamadas que recebo: quando volto de uma reunião, a primeira coisa que faço é ver o registo das chamadas perdidas. Há sempre duas ou três, pelo menos.

Tudo isto é anedótico e, ao mesmo tempo, perigoso. Multitasking é uma palavra que está na moda, mas tudo tem o seu limite. Pelo que tenho procurado colocar um travão à coisa.

Quando chego ao trabalho de manhã, não me ponho imediatamente a ler e a responder aos emails. Antes de mais, faço uma lista das tarefas a cumprir e planeio o meu dia de trabalho conforme a agenda. Só depois é que faço o login no computador e leio os emails. Pois, caso contrário, começo o dia simplesmente a reagir aos emails de terceiros – ou seja, ao trabalho dos outros e não à minha própria iniciativa de trabalho.

Por outro lado, decidi colocar as notificações de todos os apps de mensagens em silêncio. Verifico as mensagens apenas quando me dá jeito e me apetece – e não quando o telemóvel chama por mim.

Sim, eu sei, demoro a responder às mensagens. Mas antigamente também não se apanhava necessariamente as pessoas em casa quando se telefonava e esperava-se, portanto ninguém vai morrer por causa disso.

Acima de tudo, trata-se de manter a sanidade mental. As interrupções constantes fazem-nos muito mal e provocam ansiedade mesmo sem nos apercebermos. E não é por acaso que a boa educação exige que se bata à porta antes de se entrar.

O telemóvel, por natureza, é um ser mal-educado porque nunca bate à porta. Portanto, a não ser que queira mesmo passar a maior parte do tempo com uma postura de Corcunda de Notre Dame a olhar para o seu smartphone sem saber o que se está a passar à sua volta, ou mesmo enlouquecer, talvez não seja má ideia exigir ao seu telemóvel que bata à porta antes de entrar.

É o que tenho feito. E como resultado, entre outras coisas, sinto até que tenho estado mais tempo com o meu filho.

Sorrindo Sempre

Babosices vindas de todos os quadrantes referentes à invasão demográfica de que Macau tem sido palco nos últimos anos é algo que, com toda a certeza, o caríssimo leitor já se cansou de ouvir.

O que o caríssimo leitor não sabe, no entanto, é que algo semelhante se verificou recentemente no Jardim de Infância D. José da Costa Nunes (DJCN). Não, os turistas de visto individual (ainda) não se matricularam nessa escola. Quando disse “semelhante” referia-me ao facto de ter havido também uma pequena invasão demográfica.

Pois que a DJCN abriu mais duas turmas em resposta a esse tão interessante fenómeno e, nessa decorrência, na semana passada foram lançadas as actividades extra-curriculares, cujas inscrições tiveram início às 8:30 da manhã na secretaria da escola.

Conforme habitual, foi notificado aos pais que as colocações seriam feitas por ordem de chegada. O chamado “first come, first serve basis” que, aqui para esta parte do mundo, tem sempre potencial para produzir efeitos espaventosos.

À cautela, a minha esposa chegou pouco antes das 8:30 para evitar surpresas desagradáveis e garantir colocações nas actividades preferidas do nosso filhote. Mesmo assim, conseguiu apenas a senha n.º 48. Porquê? Ora, porque a senha n.º 1 foi distribuída a um ilustre encarregado de educação às 5:00 da manhã.

Hábitos diferentes, de facto, pois pelos vistos os encarregados de educação “daqueles” miúdos estão já acostumados a madrugar à porta de uma escola para fazer fila e ser o primeiro. É cultural – e nós, portugueses, não temos disso no nosso sangue.

Mas nunca é tarde para aprender.

Pelo que, para a próxima, antes das inscrições vou submeter ao IACM uma licença de ocupação provisória de espaço público – porque vou acampar à porta da escola.

Sorrindo sempre.

18 Set 2015

Hotel Estoril, à mercê de maus hábitos

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m Junho deste ano o Executivo da RAEM divulgou que o arquitecto Siza Vieira, encarregado da intervenção no local do antigo Hotel Estoril, teria proposto o desenvolvimento de um novo projecto, porque considera que o actual edifício não integra o importante património cultural de Macau.
À margem de qualquer correspondência material do que fora proferido, ou mesmo da possibilidade de o mestre se ter enganado, emerge um hábito recorrente de discurso institucional que usa o argumentum ad verecundiam ou argumentum magister dixi, o qual apela para a palavra da autoridade a fim de validar um raciocínio, no seguinte formato:
X profere P sobre assunto A.
X carrega autoridade sobre o assunto A.
Logo, P está correcto.
Isso consubstancia um raciocínio inválido quando a conclusão se baseia exclusivamente na credibilidade do autor da proposição e não nas razões que ele apresentou para sustentá-la.
Isso é hábito que se disseminou no discurso institucional da RAEM e é transversal a qualquer iniciativa que usa o mesmo formato para justificar ou contradizer actos de administração pública.
Já na visita guiada de dia 15 de Setembro ao edifício do antigo Hotel Estoril, outro hábito persistente foi o de encarregar o Sr. Eng. Costa Antunes de desenvolver informação junto da comunicação social e de suscitar ao auditório dessa comunicação social confianças que não assistem, nomeadamente sobre os desígnios das substâncias arquitectónicas, e logo no seguimento do que já protagonizou para a demolição da Torre de Controlo do edifício do Grande Prémio. hotel estoril
Por outro lado reconhece-se ser menos habitual o facto de o Presidente do Instituto de Desporto da RAEM admitir, na mesma ocasião, que o arquitecto encarregado “melhor poderá desenhar as possibilidades e tomar outras decisões ou escolhas”. Em verdade, é exactamente para isso que os arquitectos são treinados, desenvolvem experiência e neles recai confiança. Mas também confiança que, uma vez expressa, não é para ser retirada, só porque assim deixou de ser institucionalmente conveniente, sob pena de se fazer disso outro mau hábito.
Hábitos que não são bons, mas moldam a cultura urbana, persistem por falta de modelos de gestão e de tipificação de intervenções, fazem de cada caso um caso, servem de palco de discussões difusas e nada orientadoras, acabam por pôr em causa estilos de governação, quando confrontados com outros, menos participativos, todavia mais certeiros.
 
Escrito pelo arquitecto Mário Duarte Duque

18 Set 2015

Tai Qi

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]qui por Macau, sobretudo nos jardins, ao amanhecer, vêem-se pessoas de meia-idade e mesmo cidadãos mais idosos a praticarem diferentes tipos de ginástica, impassíveis e indiferentes ao que se passa ao seu redor. É o regresso à velha sabedoria chinesa, a mesma que inventou a acupunctura.
O primeiro documento que inequivocamente descreve um sistema organizado de diagnóstico e tratamento, que é reconhecido como acupunctura, é o Clássico de Medicina Interna do lendário Imperador Amarelo, compilado por volta do ano 100 a.C., um conjunto de legados transmitidos através de gerações.
Curioso se torna reconhecer a relação que a acupunctura tem com a filosofia Taoísta e o conhecimento dos meridianos do corpo humano, bem como dos fluxos Yin e Yang.
O Grande Compêndio de Acupunctura e Moxibustão foi finalmente publicado durante a Dinastia Ming, (1368-1644), no qual são revelados os 365 pontos de abertura dos canais através dos quais flui o Chi ou Qi, a energia vital.
Curioso se torna verificar que uma dor de dentes do lado do maxilar direito é atenuada por um ponto no espaço entre o polegar e indicador das costas da mão esquerda. Assim se equilibram os opostos, Yin e Yang que, no seu todo, constituem o Tai Qi.
É com base nesta antiquíssima teoria dos opostos que hoje compreendemos a sua relevância ao estudar o magnetismo ou o modo como a electricidade passa.
O Tai Qi pode ser definido literalmente como “Uma pessoa centrada entre Céu e Terra que sabe como estar em pé como uma árvore, relaxada como um pinheiro, usando a mão e a boca de um modo equilibrado na Terra”. tai-chi
O I Qing ou livro das Transmutações, data do período Chou Ocidental (1000 – 750 A.C.) assenta os seus princípios nas combinações de trigramas contendo linhas Yin (uma linha quebrada) e Yang (uma linha inteira) originando 64 hexagramas.
Num momento da história da humanidade, quando emergem com grande força, a par do Tai Chi/Tai Qi ou do Chi Gong/Qi Gong, ou o Ki de Aikido, novas formas de cura, como o Reiki ou a Reconexão, o que podemos assistir quotidianamente nos jardins e praças de Macau, a par de gaiolas com aves canoras, é o diálogo do homem com o (seu) Universo, já que, segundo o velho conceito de Tien Hsia ou TianXia (tudo o que está debaixo do céu, conceito extenso e demasiado vasto para caber num pequeno artigo) os princípios feminino e masculino são universais. O significado de TianXia referia-se ao mundo geográfico ou ao reino metafísico dos mortais antes de se concentrar no território divinamente atribuído ao Filho do Céu através do “Mandato Celestial”.
Quando voltar a passar por um jardim onde se pratica ginástica ou o Tai Chi Chuan, não esqueça de se perder um pouco na contemplação desta arte de movimentos lentos e fluidos que poderiam ser, porque não, o paradigma da essencialidade da existência, quando o homem se integra no seu lugar na ordem natural das coisas.
Afinal, foram os antigos sábios que enunciaram a dualidade entre o princípio feminino e o masculino e, na sua completude, o Tai Qi. Apesar dos milénios, estes princípios são incontestáveis, para bem da humanidade.

17 Set 2015

Era uma vez

[dropcap style=’circle’]E[/drocap]ra uma vez um Adão e uma Eva que perdidos no pecado que uma maçã pecaminosa traria, se perderam na fornicação eterna e criaram a humanidade com base em duas fontes de informação genética.
Os filhos, fornicadores por igual, povoaram todo o planeta com ainda mais fornicadores e sodomizadores. E assim conseguimos chegar à população que temos hoje.
Esta é a estória de dois desses indivíduos: homem e mulher. Imagino ela, uma boémia parisiense do início do século XX, mas na contemporaneidade dos tempos, que o Miller tão bem sabe descrever e que raramente se encontram fora de livros. Ele não é muito diferente, transpirando sexo de todas as maneiras e feitios, envolve-se no gozo e na abstracção que o foder lhe dá.
Conheceram-se numa noite de copos, numa saída à discoteca, eram amigos do amigo do amigo. Ela nem queria sair de todo porque acordou cheia de jeitos indomáveis no cabelo, potencialmente ridículos. Ele normalmente estava sempre pronto para sair à noite, nem que fosse pelo entusiasmo de encontrar uma nova aventura sexual, na perspectiva de agitar a tão necessitada e desejada adrenalina.

[quote_box_left]A escolha, o comportamento, nunca é devidamente justificado. São coisas que acontecem que se poderiam explicar pelo esoterismo, a razão ou o inevitável. Não interessa, o sexo iria acontecer[/quote_box_left]

De uma química duvidosamente automática, corpos embriagados envolvem-se na esperança de encontrar algo de muito seu, mas de muito universal ao mesmo tempo. O desejo sexual, a libido, que tão vulgarmente se mostra nestes lugares escuros com a ocasional luz intermitente e ofuscante em combinação com um sangue embriagado, oferece um entorpecimento dos sentidos inevitável. A decisão é feita com o olhar, com o cheiro de um perfume barato, o dela, e um perfume caro, o dele. Todos os sentidos confusos de ter um novo corpo por perto, tão perto. Poderia ter começado com um toque de mãos mas nesta narrativa começou com um beijo, no canto da boca que facilmente se deslocou para um intermitente toque de língua. Ambos com um hálito terrível, de quem passou a noite a comer snacks com especiarias especialmente fortes, e muito álcool. Ela fuma, por isso com um sabor a cinzeiro à mistura. Uma troca de saliva poderosa, ensopando a boca de cada um, ensopando o sexo de cada um. O toque e o cheiro e todo o apalpanço que é feito também contribuem para este molhar. O toque das barrigas com camadas de roupa e as mãos na cintura que descem para o rabo se a pouca vergonha pública assim o permitir. Os heróis desta estória já estão encostados a uma parede para restabelecer o equilíbrio. A respiração ofegante de sinais de um tesão descontrolado. Ela já o sente. Ele a sentiria se não fossem as calças de ganga a ocultar a lubrificação e a sua forma assimétrica, com os lábios maiores de tamanho distinto. Por mais que o sangue estivesse a alimentar a tensão nas zonas erógenas do corpo e o desejo crescesse cada vez mais, estavam em público, no meio de estranhos. Diria a convenção que não se podiam despir nem de se sentirem totalmente, ali. Os movimentos de anca já faziam adivinhar o desfecho daquela noite, uma noite como outra qualquer.
A escolha, o comportamento, nunca é devidamente justificado. São coisas que acontecem que se poderiam explicar pelo esoterismo, a razão ou o inevitável. Não interessa, o sexo iria acontecer.
Chega o momento que têm que decidir: onde? Onde vão foder, fazer amor, a nomenclatura que preferirem. Poderia ser ali mesmo, na escuridão que um canto de discoteca proporciona, ou irem para casa de um dos dois. Mas como raio iriam quebrar toda a tensão desenvolvida até então, para apanharem um táxi, encontrarem um quarto e começarem o crescendo todo de novo? São as vicissitudes da vida. Com muito custo e de uma praticabilidade feroz saíram do transe e puseram-se a andar. Foram para casa dela.
Chegaram e restabeleceram a química, agora a custo, porque as luzes fluorescentes desvendavam as caras cansadas de uma noite de copos e do avanço da madrugada. O melhor seria acender um candeeiro para ajudar a criar aquele ambiente íntimo, mais romântico. Mas ela não tinha nenhum.
Começam a despir-se a restabelecer a ânsia anterior. A nudez, o cheiro e o desejo. Uma dança de corpos entrelaçados e de sexos molhados e preparados para a primeira penetração. Ela em êxtase puro e ele igualmente hipnotizado pelo desejo de entrar. O momento que se aproxima, cada vez mais próximos e… ejaculação, muito precoce.

15 Set 2015

Sobre a estabilidade da RAEM

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m Ciência Política há várias formas de encarar o conceito de estabilidade. Para um autor como Bruce Russett, a medida da estabilidade é vista através do número médio de anos que os executivos permanecem em funções. Esta ideia tende a ser confundida com a de longevidade e, como sublinhou, Hurwitz, é falaciosa, pois pode levar a que qualquer mudança seja vista como sinal de instabilidade, o que muitas vezes não é verdade. Também a definição operacional do politólogo Jean Blondel tende a ligar a estabilidade à longevidade ou à duração dos governos.
Outra visão é a que define a estabilidade por apelo ao conceito de legitimidade, e em que aquela é entendida não apenas como uma situação de ausência de fenómenos negativos, mas como a que goza de aceitação e apoio.
Um outro autor, Claude Ake, considera a estabilidade como um padrão de ausência de mudanças ou alterações estruturais num quadro de continuidade. Para este autor, “there is political stability to the extent that members of society restrict themselves to the behavior patterns that fall within the limits imposed by political role expectations. Any act that deviates from these limits is an instance of political instability.” (A definition of Political Stability, 1975, Comparative Politics, Vol. 7, 2, 273). E logo a seguir escreve que “determinar a extensão da estabilidade política implica a identificação sistemática das regularidades e irregularidades do fluxo de trocas políticas” (tradução do signatário).
A visão que aqui mais nos interessa é a que olha para o conceito de estabilidade política como um conceito multifacetado implicando a consideração de diversas variáveis, conceito que não se basta com uma simples medição quantitativa. Hurwitz sintetiza isto afirmando que existe um consenso básico sobre o que a estabilidade política significa e que isso quer dizer ausência de violência, longevidade governamental, ausência de mudanças estruturais, legitimidade e um processo de decisão efectivo (Contemporary Approaches to Political Stability, Comparative Politics, 1973, Vol. 5, 3). E sobre o que seja esta última variável, este autor remete para Eckstein, esclarecendo que o termo efectivo representa a acção política entendida no seu próprio sentido, como a “prossecução dos objectivos comuns ou em ajustamento de uma alteração de condições”. Ou seja, uma intervenção quando os objectivos não estejam a ser atingidos.
Posto isto, verifica-se que o discurso político dos governantes da RAEM repete, invariavelmente e até à exaustão, a necessidade de manutenção da estabilidade, política e social, como garantes de altos níveis de crescimento económico.
Não há dúvida que qualquer que seja a perspectiva que se adopte em matéria de estabilidade política, concluir-se-á que, seja pelo prisma da manutenção das condições estruturais de governo, da ausência de violência ou da longevidade dos executivos, a RAEM tem estabilidade política.
Porém, admitindo que a estabilidade não é um objectivo em si mesmo, já que a estabilidade política só por si não fomenta desenvolvimento nem a prosperidade da comunidade, importa perceber se há estabilidade social. E se, havendo, há um processo de decisão efectivo, capaz de introduzir ajustamentos sempre que ocorra uma alteração de condições propiciadora da instabilidade, como é aquela que se está a viver pela incerteza da evolução económica e da “crise” das receitas do jogo.
Quanto a estes pontos, é difícil aceitar que haja hoje estabilidade social na RAEM propiciadora do desenvolvimento económico e de mais prosperidade. Do mesmo modo, tenho sérias dúvidas que exista um poder de decisão efectivo, neste sentido de ser capaz de fazer os ajustamentos necessários.
A estabilidade, se adoptarmos a posição de que se trata realmente de um conceito multifacetado, implica que também se preste atenção a estas duas variáveis. E também que se olhe para fora do restrito círculo do poder formal, executivo e legislativo, e se avalie no terreno se a estabilidade existe.
Encurtando razões: é difícil aceitar que exista na RAEM estabilidade social propiciadora do desenvolvimento económico e de elevados padrões de vida, quando a sua sociedade vive permanentemente na incerteza. Incerteza quanto às suas condições de vida quotidianas e de projecção do futuro, digo eu.
Porque é impossível planificar o futuro ou encontrar condições de estabilidade numa terra onde se impõe a particulares e a empresas um padrão de contratos de arrendamento que os obriga a mudar de casa ou de instalações de dois em dois anos. Ou, então, a sujeitarem-se a aumentos de renda que representam cinco a dez vezes o valor registado para a inflação no ano anterior. Como é impossível haver estabilidade para projectar o futuro quando um importador tem de andar sempre com o armazém às costas ou quando as suas importações estão dependentes dos cartéis locais e do valor das comissões pagas a intermediários de cada vez que fazem uma encomenda. E é evidente que nenhuma empresa tem estabilidade e um clima laboral favorável se a mão-de-obra de que precisa para funcionar e prestar um serviço de qualidade depende da impunidade das agências de emprego, da pressão exercida por estas e da incerteza de se conseguir contratar e manter o pessoal de que se necessita. Que estabilidade profissional e familiar pode ter um trabalhador deslocado que, fazendo falta à RAEM, para poder trabalhar tem de viver em condições miseráveis para sustentar agências que com todo o descaramento lhe pedem milhares de patacas para tratar das autorizações e licenças e que depois, durante meses e anos, vivem das comissões pagas pelos salários desses desgraçados?
E tudo ainda se torna mais aberrante quando se convive com isto, quando as queixas são recorrentes e se vêem recém-chegados novos-ricos, esquecidos das suas origens, a manifestaram-se contra estrangeiros e por um maior proteccionismo numa terra que se quer moderna, civilizada e cosmopolita.
Com este clima, natural será que haja quem duvide da capacidade de intervenção política sobre o eixo da decisão efectiva. Ao anúncio regular de novas medidas, de introdução de melhorias aqui e ali e, ultimamente, pedidos de desculpas pelos erros, pelas derrapagens financeiras e atrasos das obras, logo se aditam novas promessas sem que se vislumbre o cumprimento das anteriores, nem mudanças, também estas efectivas, na qualidade de vida e no tecido económico e social. A degradação das condições para se fazer turismo e circular em Macau é um exemplo.
A actual insistência na diversificação só terá sentido se houver uma efectiva capacidade de intervenção do Executivo. Se por parte deste existir vontade de intervir em tempo útil para corrigir as muitas e actuais disfunções. Quanto mais adiada for essa acção, mais difícil será propiciar condições de diversificação económica e de estabilidade – social, profissional e empresarial – que cumpram com as expectativas de desenvolvimento e de qualidade de vida da população.
A estabilidade sem frutos não serve para nada. A estabilidade de que a R.A.E.M. goza tem de servir para alguma coisa. Tem de servir para melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos, cimentar a autonomia e prosperar. E não para ir acomodando os recados de Beijing. O resto é conversa.

14 Set 2015

Veículos Aéreos Não Pilotados (無人機)

[dropcap style=’circle’]([/dropcap]O website “wikipedia.org” define Veículo Aéreo Não Pilotado (VAPN)) da seguinte forma:
“Um VAPN, vulgarmente conhecido por drone e, também designado pela International Civil Aviation Organization (ICAO) por aparelho aéreo comandado à distância, é um aparelho voador sem um piloto a bordo”. O voo é controlado de forma autónoma quer por computadores a bordo, quer por controlo remoto de um piloto em terra ou a bordo de outro aparelho. A ICAO classifica os veículos aéreos não pilotados em duas categorias ao abrigo da Circular 328 AN/190:
 Aparelhos Voadores Autónomos – actualmente considerados não regulamentares devido a questões legais e de segurança
 Aparelhos Pilotados à Distância – sujeitos à regulamentação civil sob a alçada da ICAO e da Autoridade Aeronáutica Nacional em causa.”
Possivelmente os VAPNs não serão muito comuns em Hong Kong nem em Macau, ao contrário do que acontece nos EUA. No passado dia 25 de Agosto, o jornal de Hong Kong “Sing Tao” publicou um artigo onde se referia que nos EUA, em Maryland, três homens tentaram usar um drone para introduzir substâncias ilegais na prisão de Cresaptown.
O caso ocorreu cerca das 20h de 22 de Agosto último. Dois polícias descobriram dois homens do lado de fora da prisão. Estavam a usar um drone para tentar introduzir drogas, material pornográfico (販賣色情光碟) e outro tipo de mercadorias na prisão. Os polícias prenderam os dois homens e desmontaram o esquema dentro da prisão. Os homens foram acusados de tentativa de tráfico de droga, posse ilegal de armas, entre outras.
No entanto este não é o primeiro caso do género nos EUA. A 5 de Agosto deste ano, o website de Hong Kong “apple.nextmedia” já tinha alertado para o facto destes drones, ouVANPs, estarem a ser usados para introduzir drogas e outros produtos na Instituição Correccional de Mansfield (uma prisão no Ohio, EUA).
Este último caso deu-se por volta das 14.30h de 27 de Julho último. Um drone sobrevoou os portões da prisão e largou uma porção de material. Este material era destinado ao prisioneiro A, mas foi recolhido pelo prisioneiro B. Os tumultos desencadearam-se (暴动). Por fim 200 prisioneiros foram submetidos a inspecção de pessoas e bens . Foram encontradas drogas na posse de alguns deles.
A partir destes dois casos, podemos antever que o uso destes drones para fins criminosos poderá vir a ser uma tendência a nível mundial. E porquê? Simplesmente porque no momento da ocorrência o criminoso está a controlar o drone afastado da cena do crime. A polícia pode impedir o drone de perpetrar o crime, mas terá dificuldade em prender o criminoso. A partir do momento em que este descobrir que a polícia interceptou o drone, pode fugir. A possibilidade de fuga dos criminosos aumenta. É por este motivo que estão desejosos de usar drones para introduzir drogas nas prisões. Possivelmente, no futuro, os drones poderão ser usados para cometer crimes mais graves, por exemplo, bombardear instalações governamentais, etc.
Por vezes perguntamo-nos: a lei existia antes do crime, ou o crime já existia antes da lei? A resposta a estas perguntas pode-se encontrar a partir destas duas pequenas histórias. Nestes casos o crime surge antes da lei. De momento não existe uma lei adequada para regular o uso dos drones. E não existir uma lei é problemático para a nossa sociedade. No crime tradicional, por exemplo, assassínio, o criminoso usa uma faca para matar. O criminoso e arma estão juntos. Mas nestes casos que envolvem drones, a arma está longe do criminoso. Existe a possibilidade de o drone ser controlado por mais do que uma pessoa. Para evitar este género de crimes é necessário legislação adequada.
De acordo com a tecnologia actual os VANPs podem ser produzidos a partir de dois processos diferentes, digital e analógico. Na produção digital, cada VAPN tem o seu próprio número de série. O número de série é o Bilhete de Identidade do VAPN. Os controladores remotos emparelham com cada um destes aparelhos. Presume-se que na produção, cada controlo é desenhado para apenas fazer funcionar num único aparelho.
No entanto o ponto crítico pode ter sido ultrapassado. Se o criminoso for suficientemente inteligente pode produzir dois ou mais controlos. Estes vários controlos remotos podem todos emparelhar com o drone e fazê-lo funcionar e, portanto, vários controlos podem fazer funcionar um único VANP. O criminoso pode então distribuir vários controlos por várias pessoas e, se estas pessoas estiverem todas na cena do crime, é muito difícil para a polícia provar quem é que efectivamente cometeu o crime. Se a polícia não puder provar quem é o verdadeiro culpado o caso tem de ser encerrado.
Se o VAPN for produzido de forma analógica é controlado por um comando de sinal análogo. O drone não terá número de série. Supondo que existem dois controlos remotos, X e Y, estarão ambos na mesma frequência eléctrica. X e Y são manipulados por John e Mary respectivamente. Se o sinal emitido pelo comando X for superior ao do comando Y, mesmo que Mary já estivesse primeiro a comandar o drone, John pode privá-la desse controlo, e passar a comandar ele próprio o drone. John pode parar o VANP, colocar droga lá dentro, e controlar o aparelho para introduzir droga na prisão. Como Mary tem o comando Y, e John tem o comando X, podem ambos controlar o drone desde que consigam emitir um sinal mais forte que o outro. Será muito difícil para a polícia afirmar se foi John ou Mary quem introduziu a droga na prisão. A situação pode ainda ser mais complicada do que o caso indicado.
Hoje em dia a maior parte dos VANPs é controlada por sinais digitais e alguns são comandados directamente por telemóveis. Também não será fácil identificar os comandos dos drones nestes casos, já que em Hong Kong e em Macau, não existe registo telefónico obrigatório. Por isso pode ser usado um telefone não registado para controlar um drone.
Podemos portanto concluir que será necessária uma legislação especial para impedir o uso dos drones em actividades criminosas, particularmente, em Hong Kong e em Macau. Estas duas cidades têm muitos edifícios altos e com imensas lojas. Uma das possibilidades passa pela instalação de uma câmara no drone e controlá-lo para sobrevoar as janelas das casas de banho e fotografar o interior. Praticar este tipo de crimes é fácil, mas para a polícia é difícil encontrar os culpados. Se isto se verificar então a nossa sociedade vai estar em apuros.

14 Set 2015

UMA VOZ ENTRE MUNDOS

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s redes sociais ajudam a estabelecer contactos com maior facilidade. Inadvertidamente, fui observando Joanne Kuai primeiro na TDM e depois nas redes sociais. Estabelecemos breve contacto. Quis saber se ela aceitaria uma breve entrevista, pois a sua ligação à comunidade portuguesa é grande e isso despertou em mim curiosidade. Mal sabia eu que Joanne nasceu no deserto do Gobi, na Região Autónoma de Ninxia Hui. Aos seis anos foi morar com a avé em Kunming, Yunnan e fez o ensino primário lá. Depois foi para Shenzhen até que foi para Beijing onde se formou em jornalismo de radiodifusão e documentários na Universidade de Comunicações da China. Durante o último ano da Universidade, ao abrigo de um programa de estágio de seis meses, resultante de uma parceria entre a sua Universidade e a TDM veio, veio para a TDM, no segundo semestre de 2010. Antes de regressar, a estação de Macau ofereceu-lhe emprego. Aceitou e regressou a Macau onde foi “âncora”durante três anos. Depois quis mudar de ares e ei-la como editora e jornalista do Macau Business Daily. Verdadeiramente, uma voz entre mundos.

Joanne, visitou recentemente Portugal. Foi a primeira vez? Que sentimentos teve sobre as diferentes cidades (quais) em que esteve? E as pessoas?
Foi a minha primeira visita a Portugal. Sou da China continental e tenho vindo a trabalhar em Macau há quase quatro anos. Antes disso, tinha uma ideia muito vaga sobre Portugal – a sua localização e alguma breve história aprendida na escola. Mas desde que eu trabalho em Macau e fiz um monte de amigos portugueses, eles têm-me dito constantemente o quão grande é o país apesar da crise econômica que trouxe alguns deles aqui. Falaram-me do clima agradável, do céu azul, dos dias de sol, praias, edifícios históricos, incríveis paisagens, óptima comida e pessoas amigáveis e acolhedoras. Comecei a ficar curiosa e impressionada com o quão orgulhoso os portugueses são do seu país e como pessoas de diferentes cidades contam histórias diferentes.1 joannekuai1
Depois da minha viagem a Portugal, está tudo confirmado, já que este pequeno país – em termos de tamanho em comparação com a China – tem maravilhas intermináveis que me mantiveram sempre surpreendida. Cada cidade tem o seu charme único. A paisagem pode variar muito em pequena escala. Trinta minutos de carro de um lugar para outro pode levar a um mundo totalmente diferente.
Em relação às pessoas, confirmei a cultura descontraída dos jortugueses que já experienciara com os meus amigos portugueses em Macau. Além disso, sinto que as pessoas tendem a saber como aproveitar a vida melhor, pelo menos melhor do que os chineses em geral. Existem muitos cafés, pastelarias, para as pessoas tomarem um café e comerem um à tarde, reunindo-se com os amigos ou simplesmente sentarem-se e relaxarem. O hábito de beber cerveja a partir da tarde é generalizado em todo o país. Também no tempo de verão, o sol só se põe apenas pelas de 21:00 horas. Isso finalmente clarificou o quebra-cabeças que eu tinha há anos por os meus amigos portugueses jantarem sempre tão tarde. Então, a vida noturna continua com muita diversão e gargalhadas. Também tive a honra de ser convidada para casa de amigos portugueses, onde fui recebida com todo o coração, certificando-se que eu tinha gostado do meu tempo lá.

Quais as coisas que mais a tocaram?
É realmente difícil escolher o momento “mais”, porque realmente gostei de toda a minha estadia em Portugal.
Eu diria que a experiência de pára-quedas no Algarve foi definitivamente um ponto alto, e quando voando no céu olhando por cima da costa Algarvia, foi um momrnyo para além das palavras.
Há um outro momento mágico que eu gostaria de compartilhar: cheguei ao Porto de comboio vinda de Coimbra, no período da tarde. No momento em que pisei o chão fora do combóio, vi essa luz amarela poética que brilha através das grandes janelas da Estação de São Bento, o nome da cidade “Porto” inscrito sob o relógio, alguns passos à frente passando um portão de tecto alto, e vi-me cercada por azulejos nas paredes, onde senti como se pudesse quase respirar o ar da história antiga. Saindo da estação, senti a fria, mas refrescante brisa, pássaros brancos que voam sobre o céu azul, edifícios históricos na minha frente, típicas ruas de paralelepípedos que me fizeran lembrar Macau – é claro que eu sei que Portugal é o original, mas a familiaridade deu-me uma sensação de calor – e ouvi música jazz ao vivo tocada ao virar da esquina. O momento era simplesmente mágico e eu até disse para mim mesma, não é nada difícil apaixonar-me pela cidade, o Porto.

Como vê a arquitectura tradicional de Macau como o Largo do Senado ou o Bairro de S. Lázaro?
Acho que o mais maravilhoso sobre os locais históricos de Macau é a sua singularidade, uma combinação orgânica, integrada e harmoniosa entre o Oriente e o Ocidente – que pode soar como um clichê, mas ao caminhar por uma igreja depara-se-nos, alguns passos à frente, um templo chinês. Não é uma cena que se possa encontrar pelo mundo.
As arquitecturas em áreas bem preservadas são encantadoras. Ao contrário das que vi em Portugal, onde as artes de rua estão muito bem combinadas com locais históricos. A arquitectura histórica de Macau é ainda mais tradicional e preservada da maneira que é. Uma coisa que eu aprecio é que visitar esses locais em Macau é gratuito, enquanto que em Portugal existem locais históricos que cobram aos turistas dinheiro para visitar.
Sente-se que os locais históricos de Macau como que fazem parte da vida dos seus moradores, pois estão muito ligados à cidade, como no próprio centro da cidade, ao contrário dos da China onde se tem de viajar horas para visitar um local histórico.
Os vários eventos que acontecem nesses locais históricos são muito interessantes e atraentes e trazem vida a esses lugares, como os concertos na Fortaleza do Monte, Festas em São Lázaro e até mesmo as projecções em 3D nas ruínas de S.Paulo.

Na sua perspectiva, o que faz a diferença em Macau, por comparação com a grande China?
Como uma chinesa do continente, Macau, como Região Administrativa Especial, não tem uma posição especial para mim, psicologicamente. Cresci ouvindo uma canção dedicada à transmissão de soberania. Tem uma bela melodia, mas a letra diz que “Macau não é meu nome verdadeiro, por favor chame-me Ao Men”.
Depois da minha primeira visita aqui como turista em 2005, Macau para mim foi uma cidade com uma história colonial que resulta num estilo de arquitectura diferente da maior parte da China Continental, uma estranha praia com areia que é realmente preta, e comida portuguesa e pastéis de nata. Engraçado o suficiente, eu fui ao Dumbo, assumindo que era um restaurante Português muito bom, que mais tarde, desde os dias que tenho vindo a trabalhar aqui, nunca mais fui nem nunca ouvi que qualquer dos meus amigos portugueses o tenham frequentado. Além disso, apesar de serem ambas Regiões Administrativas Especiais, percebi o quão diferente Macau é de Hong Kong.
Quando regressei em 2010, o gigantesco Grand Lisboa de forma estranha, já estava erguido no centro da cidade. O desenvolvimento do Cotai é definitivamente algo bastante singular como Macau é o único lugar na China onde o jogo é legal e o Cotai é basicamente dedicado a isso.
Enquanto a cidade deveria ser muito avançada, como o turismo está crescendo e há muitos hotéis sofisticados, carros de luxo super e coisas assim, a vida quotidiana das pessoas está ainda bastante ligada aos velhos tempos. Para citar um exemplo, em 2010, não havia cinema UA no Galaxy, apesar do teatro da Torre de Macau. A primeira vez que fui ao Cineteatro Macau, onde se tem de comprar com antecedência o bilhete, a partir das 14:00 horas, quando se quer assistir ao filme, o número do assento é realmente escrito pelo funcionário, não há nenhum sistema de reservas on-line, os bilhetes impressos não existem. Isso apanhou-me de surpresa. Sem mencionar o Cinema Alegria, onde a equipa da bilheteria até nos orientá para comprar comida de rua em redor para se levar para o cinema, e de vez em quando há ópera cantonense, mas o projetor e sistema de som era surpreendentemente bom. Algumas partes da cidade dão-me a sensação de que estão congeladas no tempo.2 joannekuai na Lello Porto
Desde que comecei a trabalhar aqui e passar os meus dias de folga vagueando pela cidade, mais “estranhos encontros” aconteceram e comecei a misturar-me melhor também. Gostaria apenas de me deixar perder nesta cidade e encontrar ao virar da esquina, uma tenda de comida interessante, ou uma loja de antiguidades, uma alfaiataria, o cheiro de medicina chinesa, ou frutos do mar secos, um café moderno, ou um bar escondido. O chamado caldeirão de cultura é atractivo. Vemos igrejas, templos, mesquitas para outras comunidades. Aqui, eu faço amigos vindos de toda a parte do mundo, as pessoas com culturas e religiões diferente vivem num ambiente harmonioso.
Além disso, eu posso conversar com o casal de idosos que, em baixo de minha casa vende sumos e quando eu me esqueço de trazer dinheiro eles simplesmente me oferecem o sumo. Há momentos eu sinto o ‘Ren Qing Mei ” – solidariedade, toque humano – que as pessoas de Macau falam e de que tanto se orgulham, mas às vezes lamentam o seu desaparecimento.
Também me espantei com tantas ofertas diferentes numa escala tão pequena: encontramos os óbvias extravagâncias dos casinos; as ruas estreitas de paralelepípedos da cidade estão povoadas por muitas lojas e lugares; o interior dos edifícios industriais estão cheios de surpresas de todos os tipos de atividades, como ginásios, casas de música ao vivo, galerias, padarias, etc; locais também históricos, incluindo o meu favorito Farol da Guia e a Penha; e um pouco para o sul, há a natureza, montanha, praia e mar, uma completa mudança de cenário.
A cidade começa a crescer em mim. Às vezes sinto como se fosse a cidade no filme de animação de Hayao Miyazaki – Entrega de Kiki.
Tendo dito isto, e apesar do ambiente descontraído e relativamente livre que temos aqui, a falta de eficiência da administração e aborrecimentos diários, tais como a poluição do ar e do insuportável trânsito, onde você sente como numa cidade tão pequena há tantas coisas que o governo poderia fazer, mas não faz, e isso perturba-me.
Além disso, como trabalhadora não-residente aqui, especialmente sendo proveniente da China Continental, francamente, às vezes não posso deixar de me sentir excluída. Em primeiro lugar, não nos garante a residência. Não importa quanto tempo trabalhe aqui, não irei ser automaticamente admitida pelas autoridades e tenho de lidar com a burocracia do pedido do cartão azul, prolongamento período de autorização de trabalho, etc.
Ouvimos consistentemente os legisladores que defendem o limite de importação de trabalho, e eu pergunto-me como pode uma cidade posicionar-se como internacional fazer isto, sobretudo tendo tantos projectos em desenvolvimento.
Não estou a falar sobre o direito ao voto, ou a distribuição de rebuçados pelo governo. O pior caso acontece quando seus direitos básicos não são devidamente salvaguardados. Uma vez que a pessoa perde o seu emprego, tem de saír da cidade num período muito curto de tempo. Você pode ter o seu namorado ou namorada, casa recém-alugada, mas não tem a legalidade para ficar na cidade. Nem a liberdade de mudar de emprego pois o seu empregador pode simplesmente recusar e você terá que esperar pelo menos seis meses fora devido à política do governo.
Como existem tantos riscos que impedem de me sentir à vontade ou sentir-me em casa, às vezes inclino-me a dizer a mim mesma para não me afeiçoar demais. Assim, há sempre este sentimento de ser uma estranha.

11 Set 2015

O outro país

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]os anos que antecederam a batida no fundo, ia a Portugal com muita regularidade. Houve uma altura em que a cada três meses apanhava um avião e Portugal deixava de ser, então, o país que lia nas notícias e ouvia ao telefone. Na comparação com aquilo que era no início do milénio, algum Portugal tornou-se esteticamente mais agradável, tecnologicamente mais evoluído, mais dinâmico na forma de estar. Algum Portugal parecia também mais feliz, apesar de já então se falar em crise.
Mas depois veio a batida no fundo, com aquele som oco da chegada ao fim do poço que secou. Por coincidência, as viagens a Portugal diminuíram e voltaram ao ritmo quase anual – mas a crise a sério chegou até aqui com as vidas de quem emigrou por não ter outra solução. E com as notícias e com as vozes do outro lado do telefone.
Nestes últimos anos, algum Portugal continuou esteticamente evoluído, mas mais triste e muito mais inseguro. O meu Portugal, aquele que mais me diz, esse ficou mais deserto, mais pobre de gente, com os velhos a desapareceram e os jovens também. É um Portugal em que a emigração se faz às dezenas de cada vez, um Portugal onde, quando chega a geada do Inverno, não se vê vivalma na rua. E os cemitérios se tornaram pequenos.
Algum Portugal, antes da batida no fundo, sofreu uma modificação difícil de explicar, que se sente ao nível da epiderme, e houve alturas em que achei que poderia estar no bom caminho, não seria a única a pensar assim, o país parecia-se mais com aquela Europa que prometeram aos da minha geração. Mas Portugal não se educou.
Importaram-se Bolonhas e fizeram-se mestres à força, putos com 22 anos que que coleccionam diplomas de gente grande e vivida, há mais miúdos com mais estudos e isso é um conveniente argumento político, mas Portugal não se educou. Apesar de esteticamente mais agradável e tecnologicamente mais evoluído, o país não se valorizou no que é importante. As crises favorecem sempre o umbiguismo e ajudam a enredos de novela. Portugal é um país em novelas constantes: as ficcionadas, as que dão de comer a argumentistas e a actores, e as reais, aquelas que não deviam ser novelas, que deviam ser apenas factos para digerir.
Como Portugal não se educou e a estética de pouco vale se não houver dois dedos de testa, o país vive sofregamente da novela do momento. São assim as televisões com maiores audiências, são assim os jornais mais vendidos, feitos para as pessoas que gostam de novelas por pessoas que também gostam de novelas – ou, pelo menos, se sujeitam aos secundários papéis que lhes são entregues.
Estive agora em Portugal e apanhei a novela dos refugiados, que veio interromper a saga das análises quase ininterruptas aos reforços dos plantéis para a nova temporada do campeonato de futebol. A novela televisiva dos refugiados começou por ser uma coisa que se passava lá na outra ponta da Europa para passar rapidamente a ser um drama nacional. Mas pelo meio houve Sócrates.
Sócrates saiu da cela que ocupou estes últimos meses – qualquer jornalista português que se preze sabe o número exacto de dias, eu não – e foi viver para casa da ex-mulher, detido mas em casa, com direito a mais do que um quadrado com grades. O momento foi vivido com muito entusiasmo, uma novela local tem sempre muito mais interesse do que aquelas que vêm de fora, mesmo que essas se apresentem com crianças mortas em praias. Sócrates saiu e numa rua sem qualquer interesse plantaram-se jornalistas como quem planta árvores, gente sem nada para dizer que não se coibiu da triste figura da entrevista ao rapaz da pizza que, afinal, nada tinha de tonto e não foi ao número 33 entregar uma extra-queijo.[quote_box_right]A novela televisiva dos refugiados começou por ser uma coisa que se passava lá na outra ponta da Europa para passar rapidamente a ser um drama nacional. Mas pelo meio houve Sócrates[/quote_box_right]
Mas, e ao contrário do que é hábito num país que vive de novelas, o drama dos refugiados não caiu no esquecimento do povo, apesar de momentaneamente atenuado com o regresso do antigo primeiro-ministro a Lisboa. Por curiosidade sociológica, não consigo deixar de ler, já aqui em Macau, os comentários que se multiplicam nas redes sociais sobre o que são ou deixam de ser os migrantes que fogem da Síria, sobre o que se deve fazer ou deixar de fazer a pais com filhos ao colo, terroristas em potência para muitos daqueles que, apesar de terem uma escolaridade bonita e politicamente convincente, sofrem de uma profunda falta de educação. São todos especialistas em geopolítica.
Quem vive no mundo das novelas não se consegue preocupar com mais do que o episódio que acabou de ver, nutrindo natural curiosidade pelo que vai para o ar no dia seguinte. A condição de espectador é cómoda e comodista, não obriga a reflexão porque não se tem um papel no argumento, não se consegue mudar o rumo da história. O desfecho já foi pensado por outros que não aqueles que vivem no mundo das novelas. É assim na política e é assim na vida, nas coisas que aparecem à frente dos olhos de quem não quer perceber o que está a ver.
A Europa vive hoje uma crise difícil, depois de outra crise difícil de que ainda não se livrou. Importa reflectir como começou esta nova crise, quem tem um papel directo nela, como pode ser resolvida. O acolhimento de quem foge da morte não é fácil, a integração muito menos. Não é assunto para ser desvalorizado nem para ser tratado como ficção.
Aos portugueses em pânico por causa de potenciais terroristas com filhos ao colo resta desligarem a televisão, esquecerem a novela e lerem duas ou três coisas sobre os outros, os outros que vivem no mundo que não acaba na fronteira que já não existe com Espanha. A ignorância é atrevida e é dela que nascem os maiores medos.
Depois há também os outros, os que contribuem para o que é esteticamente agradável e tem contornos de evolução. Mas nada tem real interesse – afinal, as eleições estão aí e há uma nova novela a começar.

11 Set 2015

De Berlim a olhar o mundo

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]ste Verão, durante as férias, viajei até à Europa de Leste. Num período de oito dias passei por seis países pelo que só fiquei a conhecer um pouco mais de cada um deles. Na Europa em Agosto fazia tanto calor como em Macau, mas a humidade era inferior. Nas diversas cidades o ar era mais refrescante devido, não só, a uma traça urbana mais espaçosa, como também a factores naturais e emissões mais baixas dos sistemas de ar condicionado.  
A Europa de Leste esteve durante anos oculta por detrás da Cortina de Ferro. Mas após a queda do Muro de Berlim e, da integração progressiva de muitos dos seus países na União Europeia, o sistema social criado pelo comunismo tem vindo a diluir-se. Por outro lado que o sistema capitalista ainda não se instalou definitivamente. Estes países ainda conservam algo de genuíno. A economia não é tão florescente como a de Macau, mas a qualidade de vida não é inferior à nossa. O dinheiro nem sempre traz felicidade.
O objectivo da minha viagem era descontrair, afastar-me das exigências da vida urbana e encontrar respostas a algumas das questões que me têm vindo a preocupar. Curiosamente, uma das pessoas que integrava o meu grupo de viagem era Gary Fan, membro da Assembleia Legislativa de Hong Kong e dos Pró-Democratas. Não pudemos deixar de falar sobre o desenvolvimento democrático de Hong Kong e de Macau, já que as nossas vidas são indissociáveis da democracia e da política. Por outro lado aproveitei a minha visita a Budapeste, na Hungria, para reflectir sobre a minha vida como católico já que o padre que me formou era húngaro. Combateu na Primeira Guerra Mundial, onde foi ferido, recebeu uma medalha de guerra e juntou-se à Sociedade Salesiana após a desmobilização. Ensinou-me a ser persistente e a ter Fé.

Esta viagem, repleta de imaginário e de inspiração terminou com uma visita ao Muro de Berlim. Durante este período, soube pelos noticiários televisivos das explosões de produtos químicos em Tianjin e dos rebentamentos das bombas em Banguecoque. Embora estes dois acontecimentos não estivessem aparentemente relacionados, foram ambos causados por acções humanas.[quote_box_right]Não temos que esperar que o Muro de Berlim caia para perceber o horror da tirania e não podemos aguardar as desgraças alheias crendo que virá alguém para os salvar. Porque não darmos o nosso melhor enquanto ainda temos possibilidade, oportunidade e capacidade?[/quote_box_right] A Nova Zona Urbana Binhai, em Tianjin é um dos grandes projectos económicos da China. Estas tremendas explosões revelaram falhas de supervisão adequada, ao nível do governo local, bem como um abuso de poder da parte de quem pretende obter ganhos pessoais. Tiveram como resultado um grande sofrimento para as pessoas atingidas. Quanto aos rebentamentos das bombas em Erawan Shrine, Banguecoque, fica demonstrado que os ataques terroristas podem acontecer em qualquer parte. O que realmente interessa saber é se existe determinação para queimar os solos férteis que originam o terrorismo.
Alguns incidentes, que nunca imaginaríamos possíveis de repente acontecem porque as questões que lhes estavam subjacentes foram durante muito tempo negligenciadas ou mesmo omitidas. A queda do Muro de Berlim é disto um exemplo. – No Muro de Berlim a olhar o Mundo. A súbita desvalorização do renmimbi na China. A taxa do governo de Macau sobre o Jogo que tem vindo a cair durante 15 meses consecutivos. Não me venham dizer que já não havia sinais da eminência destes acontecimentos! Não temos que esperar que o Muro de Berlim caia para perceber o horror da tirania e não podemos aguardar as desgraças alheias crendo que virá alguém para os salvar. Porque não darmos o nosso melhor enquanto ainda temos possibilidade, oportunidade e capacidade?
Macau, Hong Kong e Taiwan têm diversos problemas para enfrentar e resolver. Agora que estou em Macau, e já não na Europa, tenho de participar no dia a dia e lutar pela Justiça sempre que possível.

11 Set 2015