As propinas do Senhor Reitor

Manuel Gouveia
Pai

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Escola Portuguesa de Macau (EPM) impõe um valor de propina sem qualquer fundamentação e contextualização que permita aos encarregados de educação alcançarem a necessidade, legalidade e adequação do mesmo.

Ora,

Considerando que:

1.º A EPM está inserida no sistema educativo de Macau como instituição educativa particular sem fins lucrativos, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho;

2.º Nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 89/B/98, de 9 de Abril – artigo 3º/1 a) dos Estatutos da Fundação EPM – foi constituído um fundo financeiro, no valor mínimo de 25 milhões de patacas, constituído pelo Estado português.

3.º “Para além das contribuições para o património inicial da Fundação estabelecidas no número anterior, o Estado, através do Ministério da Educação, e a Fundação Oriente obrigam-se a garantir, nas percentagens previstas na alínea a) do número anterior, os meios financeiros necessários ao funcionamento anual da Escola Portuguesa de Macau, transferindo até 31 de Agosto de cada ano os fundos financeiros previstos no orçamento anual da Escola que tenha sido proposto pela Direcção da Escola e aprovado pelo Conselho de Administração da Fundação.”

4.º Os alunos cidadãos da RAEM e com nacionalidade portuguesa têm um duplo direito à escolaridade obrigatória, universal e gratuita, nos termos da legislação da RAEM e da República Portuguesa (Cf artigo 21.º da Lei n.º 9/2006 da RAEM e pelas disposições conjugadas pela Constituição e leis da República Portuguesa: CRP, artigo 74.º, n.os 1 e 2, a) e b), Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, Lei n.º 85/2009[1], de 27 de Agosto, Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro e Decreto-Lei n.º 176/2012, de 2 de Agosto.

5.º Conforme resulta do ponto 4.º, a Escola Portuguesa de Macau recebe múltiplos subsídios do Governo da RAEM, através da DSEJ e da Fundação Macau, designadamente os valores relativos a regime do subsídio de escolaridade gratuita, decorrente da Lei n.º 9/2006 e Regulamento Administrativo n.º 19/2006 e 9/2013.

6.º A EPM vive exclusivamente de financiamento público e tem cobrado propinas aos encarregados de educação dos alunos matriculados, sem que tenha fundamentado a necessidade das mesmas, comunicando todos os elementos e opções que demonstram essa necessidade.

7.º Como tal é devedora de “Accountability”[2], “Answerability” e “Responsiveness”[3], em respeito pelos “stakeholders”, que postula que o acto que determinou a cobrança das propinas deve ser comunicado previamente aos destinatários da mesma, explicitando todas as opções gestionárias geradoras de despesa extra, não cobertas pelos subsídios públicos recebidos do Governo da República Portuguesa, bem como de todos os subsídios e financiamento público recebidos do Governo da RAEM, seja pela DSEJ, seja pela Fundação Macau ou pelo Fundo de Desenvolvimento Educativo.

8.º A EPM está obrigada, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 63/93/M, à prestação de contas através do Plano de Contabilidade das Instituições Educativas Particulares Sem Fins Lucrativos, deve publicitá-lo de forma transparente e voluntária à comunidade escolar, juntamente com todos os instrumentos de gestão em que baseia a sua actividade – plano anual de actividades, relatório anual de actividades, balanço social, balanço e contas de exercício.

Em face do que antecede, e não constando nem do portal da EPM, nem tendo sido notificado enquanto encarregado de educação da deliberação do Conselho de Administração da Fundação Escola Portuguesa de Macau, nem de qualquer acto ou deliberação da Direcção da Escola Portuguesa de Macau, decidi RECLAMAR da nota de liquidação das propinas para o ano lectivo de 2016/2017, requerendo que sejam prestadas todas as informações adequadas, conforme supra explicitado, à demonstração da legalidade[4], da necessidade e adequação do montante definido.

A comunidade escolar é hoje, volvidos quase 18 anos da transferência de Administração, de qualidade muito diferente da que se pautou durante a “era colonial”:

Somos hoje cidadãos mais conscientes dos nossos direitos e deveres cívicos, e não nos devemos conformar com uma eventual gestão autofágica de um serviço eminentemente de interesse e com fundos públicos, como se de uma mercearia ou de um feudo corporativo se tratasse.

“A Pátria Honrai que a Pátria vos contempla” deve ser a divisa da EPM, até porque hoje não estamos só a ser contemplados pela pátria da nossa nacionalidade, mas também pelos concidadãos e pela pátria onde se integra a Região Administrativa Especial de Macau, onde nos sentimos bem integrados, queridos e respeitados.

Devem em conformidade a EPM e a Fundação EPM:

  1. Dar voluntariamente pública fé publicitando[5] os montantes que recebem e como os administram à comunidade escolar (seus “stakeholders preferenciais).
  2. Assegurar um ensino obrigatório gratuito, gerindo bem, segundo os princípios da eficácia, eficiência e economia os recursos públicos de que é beneficiária.

 

 

[1] A Lei 85/2009, de 27 de agosto, veio estabelecer o alargamento da idade de cumprimento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos.

[2] Cf Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary (1996:08): “Accountability: the quality or state of being accountable; an obligation or willingness to accept responsibility or to account for one’s actions”. Sublinhamos neste conceito as ideias de responsabilidade, de responsabilização e de obrigação de prestação de contas dos actos praticados que o termo traduz. A accountability é uma das dimensões fundamentais da boa-governança (CANOTILHO, 2007:17). E, como tal, a sua importância releva-se na sua existência, fundamentalmente para a preservação do processo democrático, combate à corrupção e promoção da transparência na vida pública (NOGUEIRA DA COSTA, 2014:281).

[3] A answerability traduz a ideia de prestação de contas que a Administração deve fazer na gestão da ‘coisa pública’ (NOGUEIRA DA COSTA, 2014:278). Podemos definir responsiveness como o dever que a Administração tem de procurar satisfazer as necessidades públicas (NOGUEIRA DA COSTA, 2014:278). (DUBNICK & ROMZECH, 1987:227) sustentam que a accountability, enquanto conceito, reflecte valores democráticos, sociais, morais e de justiça, valores estes garantidores do fim público que a Administração prossegue ao atender expectativas legítimas das populações.

[4] De acordo com o disposto no n.º1, do artigo 32.º, do Dec.-Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho, o funcionamento das instituições educativas particulares obedece às normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como às directivas da DSEJ.

“Lei de Bases do Sistema Educativo Não Superior”, as escolas integradas no sistema da escolaridade gratuita não devem cobrar, aos alunos que frequentam a escolaridade gratuita, propinas, despesas de serviços complementares (outras despesas).

[5] Plano de contabilidade (balanço, demonstração dos resultados) e demais instrumentos de gestão.

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