Orçamento de Hong Kong para 2018

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 28 de Fevereiro o Secretário das Finanças de Hong Kong, Paul Chan, apresentou a sua primeira proposta de orçamento no Conselho Legislativo. No ponto 5 da proposta pode ler-se:

“As iniciativas propostas neste Orçamento são orientadas por três objectivos principais:

(1) Diversificar a economia: é necessário diversificar a economia para criar riqueza em Hong Kong e para permitir que os jovens tenham mais e melhores oportunidades.

(2) Investir no futuro: o surto de gripe deste Inverno veio mais uma vez lembrar-nos da necessidade premente de melhorar o serviço de saúde; uma população envelhecida coloca desafios que teremos de ultrapassar através da disponibilização de recursos e do planeamento; devemos também melhorar o ambiente e tornar Hong Kong uma cidade inteligente, onde seja agradável viver e trabalhar.

  • Cuidar e partilhar: as crianças e os jovens deverão receber mais atenção, protecção e oportunidades; as famílias da classe média devem ser aliviadas do peso dos impostos e os menos privilegiados deverão receber mais apoios. Além disso, uma vida preenchida necessita, não só de condições materiais, mas também de enriquecimento intelectual e espiritual.”

Não restam dúvidas de que este Orçamento reflecte preocupações sociais. Mérito de quem o fez.

A receita do Governo merece uma discussão mais alargada. Em 2016 /17, o Governo arrecadou $6.045 mil milhões, maioritariamente originários de seis procedências. Impostos sobre actividade económica ($1.551 mil milhões), impostos salariais ($148), imposto de selo ($1,000), retorno de investimento ($398), rendimento sobre leilões de terrenos ($1.210), outros ($1.338). A despesa do Governo montou aos $4.065 mil milhões. A principal razão do saldo positivo foi a receita proveniente dos leilões de terrenos, que atingiu os $1.210 mil milhões, excedendo as expectativas.

O saldo positivo nas contas governamentais, permitiu que este ano se possa baixar os impostos, conforme foi anunciado na proposta de Orçamento. Como a taxação sobre os salários está sujeita a diversos escalões é difícil dar um número certo que ilustre a diminuição dos impostos. De qualquer forma, as duas fontes de receita mais estáveis são os impostos sobre a actividade económica e sobre os salários. As receitas originárias dos leilões de terrenos e do imposto de selo dependem completamente da flutuação do mercado imobiliário. Os rendimentos do investimento dependem sobretudo da economia mundial. A partir desta análise conclui-se que só 28% das receitas do Governo de Hong Kong são estáveis, 72% são flutuantes e altamente dependentes de factores externos. Olhando nesta perspectiva, será que a redução de impostos é um bem a longo prazo?

Olhando para o censo de 2013, reparamos que a população entre os 45-54 anos, representava 17.7% do total. O número de homens nesta faixa etária era de 587.900, e o número de mulheres ascendia aos 681.700. As outras faixas etárias apareciam representadas da seguinte forma:

 

Grupo etário % da população homens mulheres
0-14 11.0% 408.000 382.600
15-24 11.7% 424.500 417.900
25-34 15.2% 454.900 639.700
35-44 15.9% 471.500 671.800

A diminuição da população significa a diminuição da força de trabalho, logo a diminuição da receita do Governo em impostos salariais. Ninguém tem vontade de pagar mais impostos. A redução de impostos faz toda a gente feliz. No entanto, estes números mostram a realidade daqui a 20 anos. No futuro, as receitas provenientes dos leilões de terrenos e do imposto de selo continuarão a ser altas, a população e a força de trabalho continuarão baixas e as receitas do Governo vão ressentir-se.

Para além disso, os lucros provenientes dos leilões de terrenos representam aumento de receitas, mas também representam aumento dos preços da habitação. A venda dos terrenos por preços elevados inflaciona o preço das casas. Comprar um apartamento em Hong Kong é, como sabemos, um verdadeiro pesadelo.

A instabilidade das receitas leva a que o Governo de Hong Kong tenha falhado na implementação de algumas políticas necessárias, como o plano de reformas e um serviço de saúde acessível. Se o Governo não conseguir resolver os problemas levantados pelos cuidados de saúde, habitação e reformas, o mal-estar acaba por se instalar.

Macau tem uma situação melhor do que a de Hong Kong porque as receitas do jogo são sempre estáveis. A diminuição da população revela-se menos problemática podendo implementar-se com mais facilidade medidas de protecção social, como a criação de um fundo de garantia.

13 Mar 2018

Olho por olho e ficamos todos cegos

[dropcap style=’circle’] R [/dropcap] ecentemente, ficámos a saber pelos jornais que, nos EUA, um homem tinha sido preso por tentar atacar o agressor sexual das suas duas filhas, o clínico do centro de medicina desportiva da Universidade de Michigan, Larry Nassar. O caso ocorreu durante uma audiência, que teve lugar no início de Fevereiro.

O pai das jovens, Randal Margraves, atacou o réu após as filhas terem prestado depoimento. No Tribunal, Margraves encontrava-se de pé, junto à mesa onde estavam sentados os seus dois advogados. Foi então que Margraves dirigiu um pedido à juíza Janice Cunningham,

“Por favor, conceda-me cinco minutos a sós com o filho da mãe.”

A juíza recusou o pedido, como é natural.

“Então por favor, apenas um minuto.”

A magistrada voltou a recusar.

Nessa altura, Margraves disparou em direcção a Nassar, com o fito de o morder, mas acabou por ser impedido pelos funcionários do Tribunal.

A audiência foi adiada por 30 minutos. Quando retomou, Margraves pediu desculpa. Foi detido por breves momentos, mas o juiz que analisou o caso recusou-se a prende-lo por ofensas ao Tribunal.

Margraves contou ao juiz,

“Não estou aqui para me sobrepor às minhas filhas. Estou aqui para as ajudar a ultrapassar esta situação horrível.”

O juiz retorquiu,

“Não posso tolerar nem pactuar com atitudes vigilantes ou com comportamentos vingativos. No entanto, devido às circunstâncias, este Tribunal não lhe aplicará qualquer castigo.”

“Ninguém está a desculpá-lo. Contudo, existem procedimentos legais, e o sistema judicial faz o que é suposto fazer.”

Dois dias mais tarde, o procurador Douglas Lloyd declarou que Nassar não pretendia processar Margraves.

O comportamento de Margraves no Tribunal é compreensível em face do que aconteceu às filhas. Mas qualquer agressão é inaceitável, sobretudo se ocorrer num Tribunal. Se começarmos a clamar por vingança abrimos as portas a situações incontroláveis. Foi o que a juíza Cunningham quis dizer quando referiu “olho por olho, e ficamos todos cegos”. A vingança é obviamente inaceitável. Para punir o crime existem os Tribunais e nunca devemos ir além disso. A justiça nunca pode passar por vinganças pessoais. O propósito dos nossos sistemas jurídicos é a aplicação de pena pelo Tribunal – para promover a ordem, o direito e impedir a vingança. A vingança só pode gerar o caos.

Mas para impedir comportamentos vingativos, é necessário que exista um sistema jurídico de total confiança. O sistema deve proporcionar justiça às vítimas. Será que neste caso o castigo aplicado a Nassar foi justo? É difícil dizer, até porque o castigo nunca é proporcional ao sofrimento das vítimas.

Se o caso for muito grave, é ainda mais difícil determinar o que é “proporcional”. Em 2005, Chun-kwok, um polícia de Hong Kong patrulhava as ruas sozinho e mandou parar um suspeito, de seu nome Chi-Yung Liu. Nessa altura, o suspeito esfaqueou o polícia no pescoço. Devido à hemorragia o agente ficou em coma, porque o cérebro deixou de ser oxigenado e acabou por ficar em estado vegetativo. Os médicos afirmaram que será praticamente impossível haver uma recuperação.

Como o suspeito se entregou à polícia só foi condenado a 10 anos de prisão. Ao fim de 5 anos e 9 meses, saiu em liberdade condicional, por bom comportamento.

Por ter sido ferido no cumprimento do dever, o Governo da RAEHK foi obrigado a pagar uma indemnização a Chun-kwok, que se traduziu nos seguintes termos:

a. Pagamento de salário e pensão mensais
b. Cobrir todas as despesas médicas
c. Pagamento de uma indemnização avultada à esposa do agente
d. Assumir os encargos do curso superior que a filha de Chun fez na Austrália.

Para além disto, a Força Policial de Hong Kong realojou às suas custas a família de Chun-kwok.

Neste caso o castigo aplicado ao agressor pode ser comparado ao sofrimento causado à vítima? Ter-se-á feito justiça? Terão as avultadas quantias de dinheiro compensado a família por, na prática, ter perdido um ente querido? Mais uma vez, são questões de difícil resposta.

Mas, sejam quais forem as nossas opiniões, nunca podemos aceitar que se faça justiça pelas próprias mãos. O castigo aplicado ao agressor deverá ser proporcional aos danos que causou. Para bem de todos, a justiça nunca pode passar as portas do Tribunal.

6 Mar 2018

O autocarro da tragédia

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ntes do mais, Feliz Ano Novo a todos os meus leitores. Desejo-vos tudo de bom no Ano do Cão. Esperava-se que nesta época todos os chineses estivessem felizes, a celebrar na companhia das suas famílias. No entanto, isso não foi verdade para todos, porque no dia 10 de Fevereiro houve um terrível acidente com um autocarro que provocou 19 vítimas mortais e 67 feridos.

Por volta das 6:15h da manhã, um autocarro da KMB, da carreira 872, vinha de Sha Tin com destino a Tai Po. Alegadamente o condutor perdeu o controlo do veículo numa curva perto de Tai Po Mei, o autocarro despistou-se e capotou sobre um dos lados. Os passageiros afirmaram que o condutor vinha a descer a rua a toda a velocidade. Aparentemente o motorista tinha sido informado que estava a circular com atraso.

“Você está 10 minutos atrasado” terá dito um passageiro ao condutor.

“Ele estava irritado porque algumas pessoas reclamaram do atraso e nessa altura começou a conduzir como se fosse a pilotar um avião.”

Outro passageiro afirmou: “Ele estava a conduzir muito depressa, demasiado depressa para quem vem numa descida.”

O motorista foi detido por condução perigosa, causadora da morte de vários passageiros e de ferimentos graves em muitos outros e aguarda o desenrolar das investigações.

Após a ocorrência deste acidente, o mais mortal dos últimos 15 anos envolvendo um autocarro, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, cancelou a agenda que tinha programada para o segundo dia do Novo Ano Lunar.

O gerente da KMB, Godwin So Wai-kei, declarou que o motorista, de 30 anos de idade, tinha ingressado na companhia em 2014. Em Setembro passou a trabalhar a tempo parcial. O condutor conhecia bem esta carreira, que só se efectua em dias feriados, e tinha realizado este percurso há três semanas atrás. O condutor tinha efectuado turnos de sete horas nos últimos quatro dias e, no Sábado, tinha um turno de quatro horas.

O administrador da KMB, Roger Lee Chak-cheong, declarou que 560 dos 8300 motoristas ao serviço da companhia trabalham a tempo parcial. Destes, 80 por cento têm mais de 60 anos e foram readmitidos após a reforma.

“Os motoristas a tempo parcial, desempenham um papel importante nas companhias rodoviárias, especialmente durante as horas de ponta, porque ajudam a colmatar as necessidades extra.”

“[Mas] aos olhos da opinião pública … os motoristas a tempo parcial podem causar alguma desconfiança. Nesta altura, esperamos poder proporcionar aos passageiros condições que os façam sentir-se mais confiantes.”

Estas declarações levantam outra questão. Nos dias que se seguiram ao acidente, vários representantes do sindicato dos motoristas criticaram a KMB por não monitorizar mais de perto o trabalho dos funcionários temporários. Estas declarações dão resposta às causas do acidente, às preocupações dos funcionários e do público? Ninguém sabe ao certo, mas a KMB suspendeu temporariamente as escalas de 209 motoristas temporários, bem como a contratação de novos condutores a tempo parcial, para atenuar as inquietações do público.

No entanto, este caso não termina aqui. Neste momento, existe um movimento que reclama melhores salários e melhores condições para os motoristas. As negociações com a administração da KMB não deram bom resultado e ficou marcada uma greve para os dias 24 e 25 deste mês. Mas será que existe uma relação directa entre a greve e o acidente? Por enquanto, ninguém sabe.

Seja como for, as declarações dos motoristas efectivos sobre a necessidade de monitorizar mais de perto o trabalho dos seus colegas temporários, indicam que se deverá dar mais atenção a este aspecto.

Existem vantagens óbvias no recrutamento de pessoal a tempo parcial em Hong Kong. A Lei do Trabalho estabelece claramente que os trabalhadores a tempo parcial usufruirão apenas dos benefícios definidos no contrato. Ou seja, os benefícios estatutários estabelecidos na lei não se aplicam a estes trabalhadores. Desde que o empregador pague o salário mínimo e faça as contribuições para o fundo social não se levantam mais questões. A empresa não terá de garantir férias, nem licenças de maternidade, nem outros benefícios, ao contrário do que é obrigada a fazer com os trabalhadores efectivos. Os custos operacionais com os trabalhadores efectivos são muito superiores àqueles que a empresa suporta com os trabalhadores temporários.

Mas, se por um lado os trabalhadores a tempo parcial ajudam a empresa a reduzir custos, por outro lado levantam alguns problemas. A falta de compromisso da empresa para com o trabalhador gera necessariamente falta de empenho, não existe incentivo para uma dedicação ao trabalho. No final acabam sempre no desemprego.

Além disso, é natural que os trabalhadores temporários tenham prioridade na escolha dos horários. Se não houver horários disponíveis os temporários não trabalham. Mas como a empresa não quer que isso aconteça, a maior parte das vezes é dada aos temporários a prioridade na escolha das escalas de serviço. Numa empresa em que o trabalho tem de ser escalonado, os efectivos devem dar prioridade aos temporários na escolha dos horários. Mas será que a escala preferencial é a melhor escala? A resposta fica em aberto.

Ao contrário de Macau, em Hong Kong os horários nocturnos não são mais bem remunerados. Quem trabalha à noite recebe o mesmo do que quem trabalha de dia. Agora imagine que é um trabalhador efectivo. Nestas condições, permitia que o trabalhador temporário trabalhasse de dia e deixasse a noite para si? Estes problemas existem em todas as empresas com trabalho escalonado e trabalhadores efectivos e temporários. Não são exclusivos da KMB. De qualquer forma vale a pena discutir estas questões, até porque, recentemente, o Governo de Macau anunciou que pretende criar uma nova legislação para regular as relações entre empregadores e trabalhadores a tempo parcial. Segue-se a transcrição do parágrafo 2.2 da proposta:

“2.2. Breve apresentação do regime de trabalho a tempo parcial

Assim como foi referido atrás, quando foi elaborada a Lei n.º 7/2008 (Lei das relações de trabalho), a 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, após discussão, concordou que, dada a natureza das relações de trabalho a tempo parcial e a modalidade da sua prestação de trabalho, seria necessário regulamentar esse tipo de relações de trabalho segundo um regime diferente, por isso a “Lei das relações de trabalho” estipula que o trabalho a tempo parcial é regulado por legislação especial. Nessa altura, a 3ª Comissão expressou que o trabalho a tempo parcial só era diferente em termos da duração de trabalho, e que essa diferença deveria ser contemplada por lei, através do princípio da proporcionalidade e da equiparação de conteúdos funcionais.”

Este parágrafo demonstra claramente que o trabalho a tempo parcial só se deverá diferenciar pela duração e que todos os benefícios deverão ser proporcionais a quem trabalha a tempo inteiro. A ideia é boa. Mas será que pode vir a resolver todos os problemas levantados pelo trabalho tempo parcial, necessariamente mais precário? Além disso se os trabalhadores efectivos fizerem horas extraordinárias, como é que serão reguladas? As “horas extraordinárias” equivalerão a trabalho “a tempo parcial”?

Esperemos que a nova legislação venha dar resposta a estas dúvidas.

 

27 Fev 2018

Exame de mandarim II

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o meu artigo, publicado a 30 de Janeiro, analisei a situação dos estudantes da Universidade Baptista de Hong Kong que, devido à alta taxa de insucesso no exame de mandarim (70% de reprovações) ocuparam parte das instalações da Universidade. Este exame é condição necessária para a obtenção do grau de Bacharel, os estudantes têm de comprovar os seus conhecimentos de mandarim.

A prova foi implementada há cerca de 10 anos atrás. Numa votação realizada em Abril de 2016, 90% dos estudantes manifestaram-se contra a realização deste exame como etapa necessária à graduação. Desde essa altura, a Universidade entrou em negociações com os estudantes e, finalmente, em Novembro de 2017 a prova regressou. Durante as várias reuniões que tiveram lugar antes da reactivação do exame, a Universidade garantiu que iria ser uma prova simples, os estudantes precisavam apenas de demonstrar que possuíam as competências para comunicarem em mandarim. Era esperada uma taxa de 90% de sucesso no exame. No entanto, verificou-se o contrário e só passaram 30% dos alunos. A causa do fracasso dos estudantes terá sido a seguinte:

“Você fala mandarim fluentemente, mas o tom não corresponde ao que era pedido na pergunta, por isso não pode passar”.

Este tipo de razões causou um grande descontentamento nos estudantes e deu origem à ocupação das instalações. O género de linguagem com que o presidente da Associação de Estudantes, Lau Tsz-kei, se dirigiu aos professores provocou muitas críticas, porque revelava falta de respeito pelos docentes. Foram também acusados de ter posto em risco a segurança dos funcionários. A Universidade reagiu de imediato e Lau Tsz-kei, Andrew Chan Lok-hang e outros colegas foram suspensos a 24 de Janeiro último. No dia 30, todos eles apresentaram formalmente desculpa aos professores do Centro de Línguas. A 1 de Fevereiro, na sequência do pedido de desculpas, a Universidade anulou a ordem de suspensão dos estudantes. No entanto, dois destes alunos foram sujeitos a um processo disciplinar, que terá lugar no próximo dia 15.

Este incidente deu origem a grandes controvérsias. Em primeiro lugar, poucos dias após a ocupação do Centro de Línguas, apareceu escrito nas paredes “Mandarim, Não”. Os estudantes manifestaram-se para dar a conhecer os motivos do seu descontentamento. Os professores sentiam-se numa posição desconfortável. Mais de 100 docentes escreveram uma carta ao Reitor a testemunhar incómodo devido ao comportamento dos estudantes. Os que estiveram presentes no Centro de Línguas durante a ocupação, afirmaram que a sua segurança esteve em risco. Cheng Chung Tai, membro do Conselho Legislativo, escreveu à Comissão para a Igualdade de Oportunidades no dia 17 de Janeiro, salientando que as políticas adoptadas no exame de graduação poderiam estar em colisão com a lei contra a discriminação, porque os estudantes de Hong Kong são obrigados a estudar mandarim e os estudantes do continente não são obrigados a estudar cantonês. Além disso, os estudantes estrangeiros tanto podem aprender mandarim como cantonês.

A partir destes exemplos, podemos verificar que os estudantes lutaram para defender os seus interesses. Também lhes tinha sido dada uma expectativa de 90% de resultados positivos. Como esta percentagem baixou dramaticamente para os 30%, sentiram-se defraudados pela Universidade. A revolta e a frustração estiveram na origem da ocupação do Centro de Línguas. Mas os comportamentos excessivos provocaram criticas por parte da sociedade.

Será o mandarim uma língua difícil de aprender? A resposta será “provavelmente, não”, sobretudo, para os estudantes de Hong Kong. Eles já a escrevem, da mesma forma que os estudantes do continente. A questão aqui é saber pronunciá-la. Não parece ser muito difícil. A revolta destes jovens deve ter sido provocada pelo grande número de reprovações.

Antes de se fazer o exame, ninguém pode saber ao certo qual vai ser a taxa de sucesso. Apesar disso a Universidade apontou para uma taxa de 90% de êxito. Mas era só uma previsão. Com apenas 30% dos alunos a passarem o exame, é necessário analisar as razões deste fracasso e decidir o que fazer a seguir. O descontentamento dos estudantes é compreensível, mas não justifica a ocupação das instalações. A ocupação perturbou a actividade do Centro e afectou outros estudantes que não estavam envolvidos nesta prova, o que não deixou de ser injusto.

Em segundo lugar, estaremos perante um logro? Será que a Universidade quebrou uma promessa? Ou será que os estudantes falam mal mandarim? Até ao momento não existem respostas a estas perguntas. O melhor a fazer é procurar um entendimento entre a Universidade e os alunos. Os alunos terão de encontrar respostas a estas interrogações e decidir as medidas a tomar. Mesmo que os estudantes percebam que houve algum logro, devem tentar compreender os motivos e procurar um entendimento com a Universidade. Todos os problemas que ocorreram ficaram a dever-se à falta de comunicação e de negociação.

E porque é que os estudantes não negociaram com a Universidade? Talvez porque hoje em dia os jovens são demasiados auto-centrados. A baixa taxa de natalidade em Hong Kong leva as escolas a tratarem os estudantes com mil cuidados. Desde a escola primária, passando pela secundária e, finalmente, pela Universidade, os estudantes são sempre um trunfo. Usam-nos para receber benefícios. Se alguma coisa lhes desagradar, convencem-se que estão a ser maltratados. É natural que existam comportamentos menos razoáveis quando as pessoas acreditam que estão a ser maltratadas.

Mas este caso já assumiu contornos políticos. A carta que Cheng Chung Tai dirigiu à Comissão para a Igualdade de Oportunidades, apontando para uma possível infracção à lei contra a discriminação, pode causar problemas. Uma questão que poderia ter sido resolvida internamente está a complicar-se. Esta queixa não é bem-vinda.

O Ano Novo Chinês está a chegar. Desejo a todos os meus leitores o melhor para este Ano do Cão. Feliz Ano Novo.

13 Fev 2018

Exame de mandarim

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s estudantes Lau Tsz-kei e Andrew Chan Lok-hang foram suspensos na sequência do envolvimento nos protestos contra a obrigação do exame de mandarim. Os incidentes ocorreram no campus da Baptist University, Hong Kong. Inicialmente estiveram envolvidos 30 alunos nos protestos. Os estudantes começaram por abordar os funcionários do Centro de Línguas da Universidade. Um vídeo clip mostra Lau a falar de forma rude e incorrecta.

Este exame é obrigatório há muito tempo e é condição necessária à formatura. No entanto, alguns alunos alegam que o exame é bastante difícil e requerem a sua isenção, se puderem provar que o seu domínio do mandarim é suficientemente bom.

Lau e Andrew eram dirigentes activos de um grupo de apoio à língua cantonesa na Universidade. Lau afirma que nem ele, nem nenhum dos seus colegas, ameaçou qualquer funcionário, no entanto admite que os manifestantes estavam um pouco “acalorados”. “Só queríamos dialogar e colocar dúvidas. Não penso que isto fosse uma ameaça à segurança destas pessoas. Na realidade, eles podiam entrar e sair à vontade do gabinete. Por acaso até os ajudamos a recolher algumas cartas … não houve qualquer contacto físico.”

Mas Roland Chin Tai-hong, Presidente da Universidade, não partilha desta opinião e acredita que os comportamentos dos estudantes puseram em causa a segurança dos funcionários. A suspensão temporária, independente da conclusão do processo disciplinar, foi necessária. “Investigações preliminares determinaram que, nesse dia, a conduta dos estudantes fez com que os professores se sentissem ameaçados e insultados. Este comportamento vai contra o código de conduta do aluno. Todos os estudantes, funcionários e professores se sentiram insultados com este incidente.”

Roland Chin, adiantou que, a partir deste pressuposto, o director dos assuntos estudantis, Gordon Tang Yu-nam, recomendou de imediato a suspensão dos dois alunos. “Ficam impedidos de assistir a aulas e comparecer a exames, mas podem entrar no campus.”

Os estudantes reagiram mal e apelidaram o Presidente da Universidade de “insensível”. Lau declarou: “Estou chocado. Normalmente estas decisões são tomadas depois da conclusão da investigação.”

No seguimento da divulgação deste caso na imprensa, Andrew recebeu mais de 100 mensagens com ameaças de espancamento e morte no Facebook. Acabou por decidir suspender o seu internato de um ano no Hospital de Medicina Chinesa da Província de Guangdong e regressar a Hong Kong, porque o Hospital estava a receber telefonemas com ameaças.

O outro estudante suspenso, Andrew, afirmou: “Continuo a receber inúmeras mensagens com insultos e ameaças e o Presidente não toma quaisquer medidas, só pensa em castigar-nos e não faz nada quanto à nossa segurança.”

Mas o Presidente da Universidade diz que isso não é verdade e que está preocupado com a situação. Afirma que pediu à Escola de Medicina Chinesa que enviasse um professor para acompanhar Andrew no seu regresso a Hong Kong.

Tanto quanto se pode perceber, a maior parte das pessoas condena o comportamento destes estudantes. Só porque não conseguem passar no exame de mandarim, alguns alunos criaram um movimento contra esta prova. Daqui resultaram comportamentos abusivos e, aparentemente, funcionários e professores foram insultados. Os estudantes negam estas alegações e afirmam que ninguém sofreu danos físicos e que é não é aceitável castigar antes da conclusão da investigação.

Mas a que é que se devem estes comportamentos dos estudantes?

Nos anos 90, o Governador de Hong Kong David Wilson alargou o leque de Universidades para combater a saída de estudantes para o estrangeiro. Desde essa altura, existem cada vez mais Universidades de Hong Kong, o que aumenta significativamente a competição entre elas. Os alunos são tratados mais como “clientes” do que como “estudantes”. Diria mesmo que são tratados como “VIPs”. Estão ao dispor serviços de “excelência”, nomeadamente passar o maior número de alunos possível. Um grau elevado de reprovações não é um bom cartão de visita para a Universidade, pode conduzir a um decréscimo de inscrições. Os estudantes apercebem-se desta “condição” e, portanto, esforçam-se pouco. Deixaram de estar concentrados no estudo.

Para além disto, por causa dos preços elevadíssimos da habitação, hoje em dia em Hong Kong a maioria dos casais tem apenas um filho. Os pais concentram todo o seu afecto nessa criança. Quando cresce, pode ser levada a acreditar que é merecedora de toda a atenção deste mundo. Acrescenta ainda uma certa tendência, inclusivamente veiculada através do Conselho Legislativo de Hong Kong, que pode criar nos jovens a ilusão de que têm direito a tudo. Neste enquadramento social, não é de estranhar que os estudantes se sintam à vontade para gritar, protestar e dizer os disparates que quiserem. É também por isto que acham que, se ninguém sair ferido, não fizeram nada de mal.

Tratar os estudantes como VIPs pode dar origem a grandes problemas.

30 Jan 2018

Partilha aduaneira II

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada falámos sobre a instalação de postos aduaneiros da China continental e de Hong Kong, – responsáveis pelo controlo alfandegário, de imigração e pelos procedimentos de quarentena -, na West Kowloon Station (WKS). Estes postos estarão situados no terminal do troço ferroviário que liga Guangzhou e Shenzhen a Hong Kong e que faz parte da Hong Kong Express Rail Link (XRL). O acordo de partilha aduaneira tem dado muito que falar em Hong Kong.

Ficámos a par dos argumentos apresentados por Li Fei, Sub-Secretário Geral do Comité para a Lei de Bases e Presidente do Comité Permanente do Congresso Nacional Popular (CPCNP). Também acompanhámos as opiniões de Ronny Tong, Conselheiro Sénior e membro do Conselho Executivo, de Eric Cheung Tat-ming responsável pela cadeira de Direito da Universidade de Hong Kong e membro da Ordem dos Advogados e, finalmente, ouvimos Elsie Leung Oi-sie, a primeira Secretária da Justiça após a reunificação de Hong Kong. Hoje continuaremos a analisar este assunto.

O Governo da RAEHK tinha declarado, há algum tempo atrás, que o acordo de partilha aduaneira seria implementado em três fases. A primeira fase passaria pela assinatura por ambas as partes das condições estabelecidas. A segunda fase passaria pela aprovação do Congresso Nacional Popular e, finalmente, a legislatura de Hong Kong criaria por decreto a legislação adequada para implementar a decisão.

A primeira fase concluiu-se dia 18 de Novembro. A segunda a 27 do mesmo mês, dia em que o Congresso Nacional Popular aprovou o acordo. A terceira fase – tornar a decisão parte da lei de Hong Kong – deverá estar concluída ainda este ano. Para essa altura espera-se que haja mais burburinho em redor desta questão.

Maria Tam, membro do Comité da Lei de Bases de Hong Kong (LBHK), afirmou: “A jurisdição de Hong Kong não se deve sobrepor às decisões do Congresso Nacional.”

Estas declarações indicam claramente que o Tribunal de Hong Kong não irá contra as decisões do Congresso.

Maria Tam adianta: “Não podemos ler ou esperar que (a decisão do CPCNP respeitante ao acordo de partilha aduaneira) esteja escrita como as deliberações do Tribunais de Hong Kong.”

Quem tiver acesso ao assento de um julgamento de um dos Tribunais de Hong Kong, pode verificar que são elencadas muitas razões, são referidas muitas leis e são citados muitos precedentes, de forma a apoiar a decisão tomada pelo juiz.

O Professor Johannes Chan Man-mun, antigo Reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Hong Kong, afirma que as interpretações da Lei de Bases feitas pelo Congresso Nacional Popular prevalecem sobre os Tribunais locais (ver artigo 158 da LBHK), mas o mesmo não se aplica às decisões tomadas por aquele órgão.

“O CPCNP toma muitas decisões … o princípio ‘um País dois sistemas’ define que as políticas do continente não se aplicam directamente a Hong Kong. Continua a ser uma questão sobre a natureza das decisões do Congresso Nacional.”

Johannes Chan continua: “Num estado de direito, as pessoas ficam desiludidas se as autoridades não conseguirem explicar claramente as bases legais de um projecto que está em curso há oito anos.”

A 30 de Dezembro último, enquanto o debate prosseguia, foi vista pela manhã, na encosta da Kowloon Lion Rock, uma faixa amarela com 30 m de comprimento onde se podia ler “defendamos Hong Kong”. Não se sabe porquê nem quem a colocou. A faixa foi retirada as 11h da manhã do mesmo dia.

O antigo Presidente do Conselho Legislativo de Hong Kong, Jasper Tsang Yok-sing, escreveu na sua coluna, publicada num jornal de língua chinesa, que o acordo de partilha aduaneira não está em conflito com o princípio “um País, dois sistemas”. Mas, se pessoas de responsabilidade continuarem a insistir que este acordo vai contra a Lei de Bases de Hong Kong, só conseguirão fazer diminuir a confiança da população na Lei Básica da cidade.

“A administração irá permitir que os funcionários continentais apliquem as leis nacionais no terminal ferroviário.”

“A Lei Básica não deixa espaço para a implementação do acordo de ‘partilha aduaneira’, o Governo não deve tentar encontrar justificações nas cláusulas da lei, deve sim admitir que esta situação não podia ter sido prevista pelos legisladores há 20 anos atrás. A manter esta posição, vai criar nas pessoas o medo de não continuarem a estar protegidas pela Lei Básica de Hong Kong.”

“O Governo deverá admitir que este acordo é especial e excepcional. As disposições do acordo não contradizem o modelo “um País, dois sistemas” ao abrigo do qual é garantido por Pequim a Hong Kong um alto grau de autonomia.”

Mas, é possível que esta frase de Li Fei elimine de vez as preocupações da sociedade de Hong Kong: “Se está preocupado com a aplicação da lei chinesa na WKS, não apanhe o comboio da Express Rail Link em Hong Kong.”

9 Jan 2018

Partilha aduaneira (Parte I)

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] acordo de partilha aduaneira que permitirá a instalação dos serviços de alfândega, imigração e quarentena, tanto da China continental como de Hong Kong, na West Kowloon Station (WKS), no terminal da linha que une Guangzhou e Shenzhen a Hong Kong (XRL), foi anunciado a 25 de Julho do ano passado. Desde então, este assunto tem dado muito que falar na cidade.

O portal do Governo da RAEHK salienta que “a principal razão que conduziu a este acordo foi a possibilidade de os passageiros fazerem o controlo de entrada e saída no mesmo local, sem mais transtornos. O troço de 26 km da Secção de Hong Kong da XRL, une a cidade à imensa linha nacional chinesa, reduzindo substancialmente o tempo de viagem entre Hong Kong e as principais cidades da China.”. Quem parte, passa logo pelos dois postos fronteiriços na zona de trânsito da West Kowloon Station e, por isso, à entrada na China continental não vai ser submetido a mais nenhum controlo. Por seu lado, quem vem, pode embarcar livremente em qualquer ponto da linha e à chegada faz o controlo de saída e de entrada no mesmo local. Além disso, quem visita Hong Kong não precisa de se preocupar se existe ou não posto fronteiriço na sua estação de embarque.”

Sem o acordo de partilha aduaneira, “os passageiros só podiam embarcar ou sair em estações com serviços de fronteira.” Os inconvenientes eram óbvios.

O Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou o acordo de partilha aduaneira a 27 de Dezembro de 2017. Li Fei, Vice-Secretário Geral do Congresso e Secretário Geral do Comité para a Lei de Bases, deu uma conferência de imprensa para responder aos críticos que acusam este acordo de infringir o artigo 18 da Lei de Bases de Hong Kong. Li declarou,

“O Artigo 18 aplica-se a residentes de Hong Kong, ao passo que a aplicação das leis nacionais, na secção continental da WKS, é válida para os passageiros dessa zona.”

“É uma situação diferente da que é descrita no artigo 18 sobre a implementação nacional das leis da RAEHK. Aqui não está em causa qualquer infracção ao artigo.”

“A secção fronteiriça continental da WKS está sob a jurisdição do Governo chinês. Os direitos e liberdades conferidos aos residentes de Hong Kong não serão afectados pelo acordo de partilha aduaneira.”

“As decisões do Congresso Nacional do Povo sobre a definição de competências legislativas estão tomadas. Não podem ser questionadas.”

Para além disso, diversos artigos da Lei de Bases de Hong Kong, foram citados para apoiar a legalidade do acordo de partilha aduaneira. Foi o caso do artigo 2, sobre a importância do elevado grau de autonomia; do artigo 7, sobre a importância de administrar o próprio território; dos artigos 22 e 154, sobre a importância de gerir o controlo fronteiriço; e, finalmente, dos artigos 118 e119, sobre a relevância do desenvolvimento, etc.

No entanto, a Hong Kong Bar Association publicou um manifesto a 28 de Dezembro onde declara a ilegalidade deste acordo. A Associação refere que o acordo de partilha aduaneira não é sustentado por nenhuma das disposições da Lei Básica da cidade. Adianta ainda que o Congresso Nacional do Povo aprovou o acordo e declarou-o em conformidade com a lei, sem qualquer base legal. Uma verdade auto-proclamada pelo Congresso.

Ronny Tong, membro da Hong Kong Bar Association, Conselheiro Sénior, e membro do Conselho Executivo, sugeriu que a decisão tomada pelo Congresso Nacional deve ser considerada razão suficiente. Ronny salientou que a lei nacional chinesa deve ser aplicada em todo o território de Hong Kong, e não só em parte dele, como por exemplo em Wanchai. Ronny Tong referiu ainda que os direitos e liberdades dos cidadãos da RAEHK, consagrados no capítulo três da Lei de Bases, não serão infringidos. Tong considera, pois, que a Lei não está a ser posta em causa.

Elsie Leung Oi-sie, a primeira Secretária da Justiça após a reunificação, declarou que, segundo o artigo 67 da Constituição chinesa, o Congresso Nacional tem poder para fazer lei. As suas decisões são lei.

O professor responsável pela cadeira de Direito da Universidade de Hong Kong, Eric Cheung Tat-ming, afirmou que os artigos 118 e 119 estabelecem que o Governo da RAEHK deve proporcionar um enquadramento jurídico e económico que encoraje o investimento, o progresso tecnológico, bem como o desenvolvimento de novas indústrias, e criar políticas que promovam e coordenem o desenvolvimento dos diversos sectores comerciais. Mas,

“Não estamos a discutir o que é preciso fazer para incrementar o desenvolvimento económico de Hong Kong – não é isso que está em causa. A questão é saber se as leis nacionais devem ser implementadas em Hong Kong,”

Eric Cheung adiantou que as bases legais do acordo de partilha aduaneira não estão ainda definitivamente estabelecidas.

Que desenvolvimentos podemos esperar? Continuaremos a analisar esta situação na próxima semana. Até lá, Feliz Ano Novo.

3 Jan 2018

Efeito retroactivo e consulta pública

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou, a 4 de Novembro último, uma resolução para integrar a Lei Chinesa do Hino Nacional no Anexo III da Lei de Bases de Hong Kong. De acordo com o Artigo 18 desta Lei Básica, a Lei do Hino Nacional será aplicável à Região Administrativa Especial de Hong (RAEHK). A RAEHK tem o dever estatutário de implementar a legislação local adequada, ou seja, uma versão local da Lei do Hino. Este dever está de acordo com a Constituição chinesa e com a legislação local.

Na mesma data, o Congresso Nacional aprovou a introdução de uma Emenda à Lei Criminal Chinesa no Artigo 299. Para além das estipulações originais relativas à utilização da bandeira e do hino nacionais, foram agora identificadas situações em que está interditada a transmissão do hino. A saber:

  1. Alteração maliciosa da música ou da letra
  2. Interpretação do hino de forma distorcida ou depreciativa
  3. Qualquer outra forma de insulto

Se alguma destas situações se verificar, o transgressor será condenado até três anos de prisão efectiva e fica sujeito a controlo ou privação dos seus direitos políticos.

O Gabinete para os Assuntos Constitucionais e do Continente do Governo da RAEHK declarou que durante o processo legislativo, o Governo iria tomar em linha de conta as opiniões dos legisladores e da população.

O projecto de lei é o primeiro passo a dar em qualquer processo legislativo. O projecto começa por ser debatido no Conselho Executivo e, se passar, subirá para discussão à Assembleia Legislativa. Cabe ao Departamento de Justiça a redacção do projecto de lei. O projecto para a criação da versão local da lei do Hino Nacional, deverá estar em consonância com a Lei Nacional.

Este assunto tem dado origem a muitos debates no seio da sociedade de Hong Kong. Um dos temas debatidos tem sido o “efeito retroactivo” desta lei. Se este efeito se verificar, as transgressões ocorridas no período anterior à implementação da lei ficam também sujeitas a sanção.

Por exemplo, toda a gente sabe que em Macau a Lei de protecção dos animais entrou em vigor a 1 de Setembro de 2016. O Artigo 25 estipula que, infligir sofrimento a animais pode implicar uma pena de prisão durante um ano. Esta lei só é aplicável a acções praticadas a partir da data da sua entrada em vigor. Não tem efeitos retroactivos. Desta forma, se alguém tiver incorrido num crime desta natureza, digamos, a 1 de Outubro de 2015, não poderá ser condenado, porque nessa data a lei ainda não existia. Por uma questão de justiça para todos, é habitual as leis não terem efeito retroactivo.

No passado dia 11 de Novembro, Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, declarou que, de acordo com a prática da RAEHK, as leis não têm por norma efeitos retroactivos, sobretudo no que à lei criminal diz respeito. Estas declarações parecem indicar que em Hong Kong a versão local da Lei do Hino não terá efeitos retroactivos. Espera-se pois que a lei só venha a ter efeito a partir da data da sua implementação.

Mas Carrie Lam também apelou ao respeito pelo hino nacional e condenou qualquer forma de insolência. As suas palavras foram obviamente razoáveis, justas e necessárias.

Outra polémica que envolve esta lei prende-se com a consulta pública. Rita Fan, antiga Presidente do Conselho Legislativo, afirmou que não haveria necessidade de consulta pública porque hoje em dia alguns legisladores discordam sempre dos projectos de lei apresentados pelo Governo. Mesmo que o Governo fizesse uma consulta pública, este tipo de legisladores ia manifestar-se contra a versão local da Lei do Hino.

Antes de um projecto de lei subir ao Conselho Legislativo dá-se conhecimento da sua natureza através de uma consulta pública. Este procedimento está intimamente ligado ao espírito do Estado de Direito. Tem como objectivo notificar a população sobre as matérias legislativas a discutir no plenário. O Hino Nacional é um assunto da maior importância para a sociedade de Hong Kong. Todos os residentes, sem excepção, terão de obedecer à versão local da lei que regula a sua utilização. Como os conteúdos da versão local ainda não foram definidos, a consulta pública chamaria a atenção das pessoas e permitiria que deixassem as suas sugestões. Quanto mais sugestões forem feitas, mais claros serão os conteúdos da lei. Se o primeiro passo da legislação for omitido, estar-se-á a dar uma boa desculpa a alguns legisladores para vetarem a proposta de lei ou para pedirem uma revisão judicial nos Tribunais, alegando procedimentos legislativos incorrectos. Quanto mais tempo demorar a elaboração da versão local da lei, maior será a polémica à sua volta.

A Chefe do Executivo afirmou que em Hong Kong as leis não têm por norma efeito retroactivo. Como tal, esperamos que a versão local desta lei não venha a ser excepção. A consulta pública poderá evitar uma revisão judicial nos Tribunais por procedimento legislativo inadequado.

 

12 Dez 2017

As agruras do negócio

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] publicação “Doing Business do Banco Mundial para 2018” (WB report) foi lançada a 30 de Outubro pelo Grupo Banco Mundial. É o 15º ano consecutivo em que o Banco Mundial publica uma análise periódica sobre a capacidade negocial dos diversos países e regiões.” Este estudo “avalia todos os aspectos das 11 áreas relacionadas com a criação de um negócio etc.”

A comunicação social de Hong Kong divulgou o acontecimento e revelou que o estudo inclui uma classificação das zonas económicas quanto “à facilidade de criar negócio”. Hong Kong aparece classificado em quinto lugar, com uma pontuação de 83.44. Para iniciar um negócio em Hong Kong é necessário possuir um Registo Comercial (Business Registration). Como o Governo não prescindiu da sua taxa sobre este registo as custas vão subir em 2018 enfraquecendo a competitividade da região.

O Secretário das Finanças, Paul Chan Mo-po, defendeu a necessidade da aplicação da taxa e afirmou que as custas anuais do Registo Comercial montam apenas a 2.250 HKD, uma quantia razoável para criar um negócio. O Secretário das Finanças adiantou: “Penso que existem aqui alguns mal-entendidos que é preciso esclarecer.”

O Registo Comercial é um documento obrigatório para quem quer abrir actividade na área de negócios, que terá de ser obtido junto do Departamento de Receitas Territorial, de Hong Kong. O empresário pode criar o registo em nome individual, em sociedade ou em Companhia £da. Sem este documento qualquer transacção comercial é ilícita. O Registo Comercial deve ser renovado todos os anos mediante o pagamento de uma anuidade. Se a empresa encerrar, deve notificar o Departamento de Receitas Territorial para que os serviços dêem baixa do documento.

Como foi dito, a anuidade deste registo é de 2.250 HKD. Este valor divide-se em duas partes, 2.000 HKD são direccionados para os cofres do Governo e os restantes 250 HKD são encaminhados para O Fundo de Insolvência e Protecção Salarial. Este Fundo foi criado para apoiar trabalhadores em situação de insolvência ou de falência.

Quando um trabalhador entra em situação de insolvência (por falta de pagamento dos salários), deve reportá-lo ao Departamento do Trabalho e apresentar uma petição de falência contra o empregador. Nessa altura pode ser reembolsado de salários em atraso e de outros benefícios em falta. No entanto não receberá a totalidade do que lhe é devido. Este reembolso tem um limite.

Mesmo quando o Governo da RAEHK prescindia da aplicação da taxa, o montante de 250 HKD para Fundo de Insolvência e Protecção Salarial sempre existiu.

O valor de 2.250 HKD não é efectivamente excessivo para uma empresa. No entanto, abrir um negócio em Hong Kong custa muito caro, a taxa do Registo Comercial constitui apenas uma de muitas despesas. Imagine-se que íamos abrir uma empresa na forma de Companhia £da. De acordo com o Regulamento Empresarial, a empresa deverá ter uma morada registada. A empresa terá de estar necessariamente sediada em Hong Kong e não no estrangeiro. É uma forma de confirmar que a actividade é exercida na na cidade. Como sabemos, o valor dos alugueres em Hong Kong é extremamente elevado, sem dúvida excessivo para uma empresa acabada de criar. Para reduzir esta despesa, é costume estas jovens firmas adquirirem, em sistema de leasing, um endereço comercial numa empresa de contabilidade ou num centro de negócios. Através de um pagamento anual entre 2.000 e 5.000 HKD, a Companhia £da. pode dar cumprimento aos requisitos estatutários.

Mas o Regulamento Empresarial não se fica por aqui. É ainda obrigatório que a empresa seja “auditada”. As auditorias terão de ser efectuadas anualmente. Todas as facturas, recibos, livros-razão, etc. devem ser apresentados ao auditor. Após a auditoria, as contas serão apresentadas ao Departamento de Receitas Territorial para serem apurados os impostos a cobrar. A taxa de auditoria varia de auditor para auditor, mas representará sempre outra soma que a empresa terá de despender.

A taxa de auditoria, o aluguer do espaço comercial e as taxas do Registo Comercial são despesas a que um jovem empresário não pode fugir.

Somando todas estas despesas compreende-se facilmente que representam um encargo considerável e que ultrapassam em muito os “suportáveis” 2.500 HKD.

Na comunicação de Ms. Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, por altura da apresentação do programa político para 2018, foi sugerida uma redução de impostos para as pequenas e médias empresas. Propõe-se que o imposto sobre as receitas desça dos actuais 16,5% para 8,25%, para os primeiros 2 milhões de lucro realizado. A implementação de uma série de novos benefícios para os residentes de Hong Kon, vai aumentar as despesas do Governo. Com a redução de impostos e o aumento das despesas, parece improvável que venha a haver redução da taxa do Registo Comercial e esta taxa continua a ser elevada para quem quer começar um negócio.

5 Dez 2017

Critérios de avaliação

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o início deste mês os jornais falaram sobre a história de Julie Yu Hung-hsua, uma professora universitária reformada que, nos últimos três anos, tem tentado processar a Universidade de Hong Kong. Julie desencadeou este processo porque a Universidade atribuiu mestrados a quatro estudantes que ela tinha chumbado. O processo tem desgastado financeiramente a antiga professora.

Em 2014, Julie Yu chumbou quatro estudantes de mestrado, mas após recurso, um painel da Universidade reverteu a decisão da docente. Os alunos tinham obtido a classificação D+ no curso de marketing, uma avaliação feita a partir de trabalhos práticos e teóricos.

Na altura, em resposta às queixas dos estudantes, a professora fundamentou a sua decisão a partir de uma tabela que mostrava a assiduidade e participação nas aulas. Descontentes, os jovens recorreram ao conselho universitário.

Dois meses mais tarde, Yu foi informada que um painel constituído por três membros tinha subido as classificações de D+ para C. A professora afirma que o painel se recusou a justificar a decisão e que apenas comunicou com ela uma vez por mail. No email interrogavam-na sobre o seu sistema de classificação e sobre a clareza com que tinha passado a mensagem aos estudantes.

Depois de ter sido informada da subida das notas, Julie Yu apresentou uma reclamação por escrito à Universidade. Na resposta podia ler-se que a decisão estava tomada e que era irreversível.

Em Abril de 2015, crente no seu “inalienável direito a ser informada e ouvida”, a professora lançou um processo judicial contra a “ilógica, irracional, inconsistente e arbitrária” decisão do painel.

Em Julho de 2017, o Tribunal de Último Recurso recusou o apelo contra a rejeição do caso, tomada pelo Tribunal de Primeira Instância. A rejeição tinha por base a natureza académica do processo e a demora na sua instauração. O Tribunal tem um período de retroactividade de apenas três meses.

Do ponto de vista académico, podemos afirmar que o professor tem o direito inalienável de ser informado e ouvido sobre todas as matérias que dizem respeito ao exercício da sua função. Não existe nenhum motivo para que uma decisão deste foro seja alterada por outrem e, que para além disso, o professor não tenha sido informado das alterações e dos seus motivos. Se não existe um mecanismo legal que permita levar estes casos a Tribunal, porque é que não o criamos? Se deixarmos este tipo de coisas em segredo, não favorecemos a imagem das Universidades, nem das empresas privadas. São situações que afectam a Gestão de Pessoal, no que respeita ao cumprimento do dever dos funcionários, se tomarmos em conta os padrões que lhes são exigidos. Não se pode alterar esses padrões sem uma razão válida.

Mas voltemos a analisar as notícias sobre este caso. Pelo que foi dito, podemos verificar que a assiduidade e a participação contam para a avaliação. Numa cadeira obrigatória, como era o caso, a “Assiduidade” é um critério implícito. Não se pode atribuir notas a alunos que não comparecem às aulas. Mas, por vezes, este critério de classificação traz algumas dificuldades. Por exemplo, numa aula de três horas, se o aluno só estiver presente durante uma hora terá direito a um terço da pontuação?

E se o aluno estiver presente de corpo, mas ausente de espírito, digamos porque adormeceu ou está a sonhar acordado, como é que o professor o há-de classificar?

A “Participação” é outro critério de classificação. De uma forma geral, os professores preparam exercícios para as aulas, por exemplo, apresentações orais, discussões de tópicos específicos, etc. Imaginemos que quando estamos a falar de participação nos referimos a uma “apresentação oral”. Volta a apresentar-se-nos uma dificuldade. As notas serão atribuídas aos alunos porque eles fazem apresentações, ou porque fazem boas apresentações? Se o único critério for a “Apresentação” a nota ser-lhes-á atribuída quer o desempenho seja bom ou mau. Se o critério for o desempenho, as notas dependem da qualidade do trabalho. Como as notícias não foram específicas neste ponto, não podemos acrescentar mais nada à discussão.

Seja como for, estes quatro estudantes tiveram sorte porque depois do recurso viram as suas notas passar de D+ para C. A Universidade poderá ter tido as suas razões para subir as notas, mas nós nunca o saberemos. Mas, a bem das boas práticas universitárias, seria preferível tornar públicas essas razões.

Ensinar é uma arte e tudo depende da relação entre o professor e os alunos. Se os critérios de classificação forem suficientemente claros, e houver boa comunicação, a maior parte das dificuldades são superadas. Este tipo de informação deve ser feita por escrito e mais tarde lida em aula, para se ter a certeza de que todos os alunos a recebem. Também é aconselhável ir lembrando os alunos dos critérios de classificação. Evita que algum deles venha a dizer,

“Esqueci-me, desculpe.”

Recorrer aos Tribunais para resolver disputas académicas não é a melhor solução. Ficam todos a perder, a Universidade, o professor e os alunos. Se não houver harmonia, o professor não quer trabalhar na Universidade e o estudante não quer ter aulas com professor. Não é bom para ninguém.

29 Nov 2017

Selecção do júri (Parte III)

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]os dois artigos anteriores analisámos a selecção do júri e a língua usada durante o julgamento de Donald Tsang. Hoje vamos debruçar-nos sobre os bastidores do júri, antes de ter sido revelado o destino do antigo Chefe do Executivo de Hong Kong.

Um dos jurados foi excluído pelo juiz um dia antes do início das deliberações, deixando o Tribunal envolto numa aura de mistério. O juiz Andrew Chan Hing-wai, declarou,

“Registaram-se algumas ocorrências que, no entanto, não nos dão motivo para preocupação.”

O juiz não adiantou mais explicações para a sua decisão. Assim, o júri ficou reduzido a oito jurados. No final da audiência o colectivo retirou-se para deliberar. Após um largo período de debate o júri não conseguiu chegar a um consenso, que no mínimo exige o acordo de seis jurados. Em resultado desta situação Donald Tsang não pôde ser condenado.

Agora que o julgamento acabou, o mistério da exclusão do jurado já pode ser revelado.

Certo dia, durante a hora do almoço, o jurado, a quem nos referiremos como Mr. Q, foi ter com Chip Tsao, uma personalidade mediática apoiante de Donald Tsang. Mr. Q, que era desde há muito fã de Chip Tsao, tirou-lhe fotografias e esteve à conversa com ele por algum tempo. Durante a conversa Tsao perguntou-lhe:

“Você é de Xangai?”

Ao que o outro retorquiu:

“Não, sou de Pequim.”

Um funcionário que se apercebeu da situação, separou imediatamente Mr. Q dos outros jurados e reportou o sucedido ao juiz. O funcionário ficou preocupado com possíveis interferências exteriores na decisão do jurado, até porque sabia que Tsao estava sentado na galeria ao lado da família de Tsang. O apoio de Tsao a Donald Tsang também é do conhecimento público. O juiz, temendo a parcialidade de Mr. Q, exclui-o do júri.

Como referimos a semana passada, a condição de jurado é contínua, só se considerada interrompida quando o julgamento termina. Durante este processo, os jurados não podem ser influenciados por terceiros. Este é um dos motivos pelos quais não estão autorizados a comparecer nos seus locais de trabalho. A conversa de Mr. Q com Tsao origina uma situação idêntica. Antes da decisão ser tomada, o jurado ao serviço do Tribunal, não pode contactar com ninguém. Possivelmente, nem Mr. Q, nem Tsao, tiveram consciência de que a tal conversa informal e as fotos poderiam vir a ter consequências graves, mas baseando-se nos princípios de justiça e de igualdade de oportunidades, o juiz excluiu Mr. Q.

A decisão do juiz foi correcta. A lei tem de ser encarada com seriedade, porque estabelece a regra pela qual todos se regem. Se o juiz não a levar a sério, quem a levará?

Após 14 horas de deliberação, os oito jurados não chegaram a consenso, que pede como foi dito, um mínimo de seis votos a

favor de uma decisão, pelo que não foi pronunciado nenhum veredicto quanto à culpabilidade ou inocência de Donald Tsang. Às 23.05 o júri comunicou ao juiz, por escrito, a impossibilidade de estabelecer um veredicto. O juiz recusou-se a aceitar a situação e pediu que voltassem a reunir. A discussão prosseguiu até às 5.15, altura em que os jurados voltaram a comunicar ao juiz:

“Após debate exaustivo, o júri não conseguiu que pelo menos seis jurados chegassem a consenso. Cada jurado defende firmemente os seus pontos de vista. Decidimos terminar.”

O juiz dispensou os jurados, afirmando:

“Sei que a vossa tarefa é difícil, mas cumpriram-na de forma consciente.”

“Com estas palavras vos agradeço. Estais dispensados.”

É o segundo julgamento que Donald Tsang enfrenta pela acusação de corrupção passiva, relacionada com a troca de favores com uma estação de rádio local. O primeiro julgamento tinha terminado precisamente da mesma forma que este, ou seja, com um empate do júri. Mais uma vez Donald Tsang não pôde ser considerado culpado.

Mais tarde, o Tribunal foi informado que o Secretário da Justiça não pretende repetir o julgamento. O juiz aceitou a decisão e arquivou o caso, que necessitará ainda da aprovação do Tribunal de Primeira Instância, ou do Tribunal de Apelação.

“Não é invulgar que seja pedido um novo julgamento se surgirem novas provas e se for considerado do interesse público.”

Em resumo, o caso de corrupção passiva contra Donald Tsang terminou. Em todas as investigações criminais que decorrem em Hong Kong, os investigadores reúnem o máximo possível de provas, para fornecer à acusação. Neste processo, é muito provável que nem todas as provas reunidas tenham sido entregues à acusação, porque se algumas delas beneficiassem o réu, deverão ter sido entregues à defesa. Portanto, é muito pouco provável que surjam novas provas acusatórias. Além disso, Donald Tsang pode alegar “gravidade extrema” se for chamado mais uma vez a Tribunal por esta acusação.

Seja como for e por agora, para Donald Tsang e para o júri este caso está encerrado.

21 Nov 2017

Selecção do júri (II)

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o artigo da semana passada analisámos parte do processo de selecção do júri presente no julgamento de Donald Tsang, antigo Chefe do Executivo de Hong Kong. A utilização da língua inglesa e um pedido de isenção do dever de jurado foram as questões debatidas. Hoje continuaremos a discussão do caso.

Um dos jurados presentes neste julgamento é uma enfermeira que exerce num hospital do Governo. As suas funções obrigam-na a trabalhar dois sábados por mês. Como o julgamento decorre de segunda a sexta, não está isenta de trabalhar nesses dias. A jurada reclamou formalmente junto do juiz a este propósito.

Quase em cima da hora, a Directora do Departamento de Saúde, Drª. Constance Chan Hon-yee, foi convocada para o banco das testemunhas. Pediu desculpa pelos incómodos causados ao Tribunal, mas, adiantou não poder assegurar que a enfermeira viesse a ficar isenta do trabalho ao sábado durante o período do julgamento.

A Drª. Constance Chan Hon-yee explicou que a enfermeira tem um contrato que a obriga a trabalhar dois sábados por mês. O regulamento da função pública, bem como exemplos anteriores, indica que o sábado não está abrangido pela isenção de prestação de serviço, por isso a enfermeira deve ir trabalhar. Acrescentou ainda que este caso não é simples, e que dependerá da decisão do Secretário da Função Pública, se ela deverá ou não comparecer ao serviço nesses dias.

Mas o juiz ripostou:

“E se a decisão tomada estiver errada?”

Citando a Ordenança do Júri, o juiz esclareceu que o julgamento é um processo contínuo, que não é interrompido quando a sessão diária termina.

O juiz também realçou uma provisão incluída na Ordenança do Júri, que impede eventuais casos de discriminação dos jurados por parte dos seus empregadores. Se o Governo da RAEHK não abrir uma excepção, estaremos perante um caso de “RAEHK versus RAEHK”, ou seja, um processo jurídico em que o queixoso e o réu são a mesma entidade.

O juiz criticou ainda os termos em que estava escrito o fax que a Drª. Constance entregou ao Tribunal. No documento podia ler-se “não nos opomos a que a enfermeira seja dispensada” para prestar serviço como jurada.

“O vosso departamento não está a fazer um favor ao Tribunal, está a cumprir um dever cívico.”

O juiz censurou severamente a atitude do departamento, afirmando que podia incentivar outros empregadores a seguir-lhe o exemplo, deixando assim os membros do júri à mercê da “exploração”.

“Esta atitude não abona a favor da boa política governamental.”

O juiz solicitou que o Governo deliberasse sobre o assunto e que enviasse uma resposta na segunda-feira seguinte.

No dia marcado, o advogado Jin Pao, representante do Governo, informou o Tribunal que a administração concordava com o seu ponto de vista e que a enfermeira seria dispensada de qualquer serviço no Hospital enquanto o julgamento durasse. O advogado afirmou:

“O Governo reconhece a importância do serviço prestado pelos jurados.”

Acrescentou ainda que, posteriormente, não haveria qualquer dedução aos períodos de folga da enfermeira.

Não há dúvida que o Governo da RAEHK tomou uma boa decisão. Seguiu as indicações do juiz. Evitou colocar-se numa situação em poderia ser criticado por não obedecer à lei. Contudo, este caso revelou que a formulação da Ordenança do Júri não é suficientemente clara. É necessária maior clareza. Por exemplo:

“O jurado fica dispensado de se apresentar no local de trabalho durante o período em que estiver ao serviço do Tribunal.”

Por aqui se pode verificar que, independentemente de os jurados não irem ao Tribunal ao sábado, não podem ser convocados pelos patrões para trabalhar nesse dia. A formulação é vital e, como mencionámos a semana passada, os jurados são cidadãos comuns, não são especialistas em leis. A Ordenança do Júri é a única ferramenta em que o jurado pode confiar. É fundamental que o fraseamento deste Regulamento seja simples e directo. O Regulamento é o escudo que protege os direitos do jurado. Esta protecção visa garantir a prestação deste dever. Permite sobretudo que o jurado não sofra interferências do patrão e dos colegas durante a audiência do caso. Estas interferências poderiam, em última análise, influenciar a sua decisão em Tribunal.

Por outo lado, o termo “continuidade” pode ser problemático. Talvez seja difícil para um leigo compreender a natureza contínua de um processo jurídico. O caso de Donald Tsang é um bom exemplo. Se o juiz não tivesse levantado a questão da continuidade da prestação do júri durante o julgamento, não teria sido fácil para o cidadão comum compreender o conceito. A má interpretação desta Ordenança pode repetir-se vezes sem conta.

Mas não é só a Ordenança do Júri que implica a noção de continuidade.  Em certos crimes esta ideia também está presente. Por exemplo, se um criminoso esfaquear a vitima cinco vezes, estaremos a lidar com uma ou com cinco acusações de danos corporais? Podemos dar outro exemplo simples. Se durante um certo percurso, um condutor passar cinco sinais vermelhos, pratica uma ou cinco infracções de trânsito? É uma questão legal de difícil resposta.

Para contornar esta dificuldade, o ideal será criar uma Emenda à Ordenança do Júri.

Professor Associado do IPM
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
14 Nov 2017

Selecção do júri (I)

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] antigo Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang Yam-kuen, foi acusado de ter recebido da Wave Media, uma penthouse localizada na China continental e avaliada em 3,8 milhões de Hong Kong dólares (487.000 USD).  Em contrapartida, Donald Tsang tinha-se manifestado “favorável” à concessão da licença de difusão, requerida pela Wave Media, proprietária de uma rádio local, durante a sua chefia do Governo. Bill Wong Cho-bau, o maior accionista da Wave Media, tinha a casa em seu nome e pagou do seu bolso as obras de renovação. O caso vai ser ouvido no Supremo Tribunal de Hong Kong. O julgamento será presidido pelo juiz Andrew Chan Hing-wai e contará com a presença de um júri.

Segundo o sistema legal de Hong Kong, sempre que esteja em causa o julgamento de um caso de maior gravidade, será necessária a presença de júri no Tribunal. Esta é a principal diferença para o sistema jurídico de Macau, que não contempla a existência de júri. Consoante a gravidade do caso, assim serão requeridos sete, oito ou nove jurados. Os jurados são escolhidos entre os residentes de Hong Kong. O júri terá apenas de decidir se o réu é culpado ou inocente da acusação. Deverá ser constituído por pessoas comuns. Não devem ser especialistas em assuntos jurídicos, nem personalidades de destaque. Os jurados deverão ser maiores de 21anos e terão de ter o ensino secundário completo. A partir do momento em que um cidadão é seleccionado como jurado, tem obrigação de respeitar a convocatória. É um dever cívico. Os jurados estão dispensados de comparecer nos seus locais de trabalho, enquanto o julgamento estiver a decorrer. Neste período, cada jurado recebe do Governo uma diária de 830 Hong Kong dólares.

Actualmente, em Hong Kong, o réu tem o direito de escolher a língua que será usada durante o julgamento. Pode escolher entre o chinês e o inglês. Neste caso, como o advogado de acusação é originário do Reino Unido, será utilizado o inglês.

Segundo os noticiários, a selecção do júri para este julgamento tem sido muito criteriosa, embora já tenha havido alguns casos a salientar. Em primeiro lugar houve um homem que apelou ao direito de excepção. O homem justificou o apelo, afirmando:

“Não gosto de Donald Tsang.”

O juiz começou por rejeitar o apelo, alegando que o motivo não era suficientemente forte. Mas, depois de o advogado de defesa se ter oposto à inclusão do homem no júri, o juiz acabou por anuir.

O segundo caso assinalado envolveu uma mulher, rejeitada pelo juiz porque não conseguia pronunciar em inglês as palavras, “afirmo, solenemente e veredicto”. A rejeição baseada no mau inglês da potencial jurada, acaba por ser um motivo injusto para o réu.

A terceira pessoa a ser rejeitada foi uma jornalista. A bem da isenção noticiosa, o juiz considerou que a sua profissão era incompatível com esta função.

A quarta, e última rejeição, foi também baseada na má pronunciação do inglês. Desta feita, a senhora em questão, não conseguia pronunciar “almighty” (todo poderoso). O juiz voltou a manifestar a sua apreensão em relação às exclusões baseadas no mau domínio da língua inglesa. Teme que este factor possa afectar o resultado final.

Como se pode ver, o juiz tem sido muito cuidadoso no tratamento dos assuntos relacionados com este caso. Devido à proeminência social do réu, qualquer erro pode resultar numa anulação do julgamento e conduzir a críticas severas ao Tribunal.

No primeiro caso de exclusão, o juiz insistiu na permanência do convocado, e, inicialmente, não aceitou a “antipatia pelo réu” como motivo suficiente para o isentar das suas obrigações. Se qualquer pessoa pudesse alegar esse motivo para ser isentada destas funções, o sistema de jurados deixava de funcionar em Hong Kong. Só motivos muito mais fortes costumam ser aceites.

Mas a recusa do advogado de defesa em aceitar esta pessoa, deu motivo suficiente ao juiz para aceitar o apelo. Deve fazer-se tudo para evitar recursos e aumento das despesas de Tribunal.

No entanto, esta posição pode ser questionável. Será que existe uma boa razão para obrigar alguém a ser jurado, mesmo que o advogado de defesa insista que a “antipatia pelo réu” é motivo para que não possa ser aceite? Imagine-se que num caso futuro o advogado de defesa alega o mesmo que alegou o de Donald Tsang. A decisão vai ser a mesma. O círculo vicioso mantém-se e o problema nunca terá solução.

Outra questão que merece ser discutida é a adopção da língua usada em tribunal. Neste caso dois jurados foram excluídos por não falarem bem inglês. O juiz não tinha confiança do seu domínio da língua. Se os jurados não compreenderem bem inglês, não podem acompanhar o julgamento e não terão bases para tomar uma decisão justa. Por aqui se pode ver como a escolha da língua do julgamento pode ser problemática. Os advogados e o juiz são obrigados a dominar o inglês, mas os jurados não são. Será que o Governo deve acrescentar uma emenda à Ordenança dos Júris, a requer que os jurados falem inglês fluentemente? Se essa condição for exigida por lei, acabará por perder a utilidade se o julgamento for em chinês. A questão parece ser complicada.

Aplica-se o mesmo princípio a qualquer região ou país com um sistema legal bilíngue. Em que circunstâncias se deverá adoptar uma ou outra língua, é a primeira questão, se ambas as partes em confronto dominam a língua escolhida, é a outra. Num sistema legal bilíngue, os juízes e os advogados dominam as duas línguas. Contudo, esse pode não ser o caso das testemunhas e do réu. Nesses casos, poder-se-á recorrer à tradução para solucionar o problema? A sociedade deverá considerar todas estas questões. Se todos os documentos tiverem duas versões, será um desperdício de tempo e de dinheiro e, além disso, implicará mais demoras no julgamento. Será isso que todos nós queremos?

Como o caso de Donald Tsang é complicado, continuaremos a nossa análise na próxima semana. Até lá, despeço-me dos meus leitores.

Professor Associado do IPM
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
7 Nov 2017

Justiça ameaçada

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]ecentemente soube-se por um jornal de Hong Kong que um homem, empunhando uma faca, tinha ameaçado um juiz no Supremo Tribunal.

Operário da construção civil, Yu Zulin, de 53 anos, foi acusado de ameaçar o juiz Wilson Chan Ka-shun, com insultos pessoais, numa tentativa de intimidação. Os acontecimentos ocorreram dia 17 deste mês, nas instalações do Supremo Tribunal. O homem, que se encontrava apenas a dois metros de distância do juiz, empunhava uma faca de 20cm de comprimento. O juiz estava no Tribunal para presidir ao julgamento de um caso de Direito Civil.

Por volta das 10h da manhã, Yu encontrava-se na galeria pública da sala de audiências nº 13, onde o juiz Wilson presidia ao julgamento. De repente, Yu puxou de uma faca e gritou para o juiz em mandarim:

“Vendido! Pensavas que eu não te ia encontrar!”

O juiz não respondeu e abandonou a sala de imediato. Nessa altura Yu também saiu a correr. Os funcionários do Tribunal chamaram a polícia. Quase de imediato chegaram ao local dezenas de polícias que se puseram à procura do homem.

Polícias à paisana fizeram buscas em todos os andares do edifício, inclusivamente no 5º andar, onde o antigo Chefe do Executivo  Donald Tsang Yam-kuen estava a ser julgado por corrupção. A audiência não foi interrompida.

O Inspector-Chefe Dilys Lo Shui-lin, da Polícia Central, comunicou que tinham revistado o edifício por duas vezes, mas que não tinham encontrado ninguém suspeito.

Yu acabou por se render ao fim de oito horas. Na esquadra explicou à polícia as razões do seu comportamento e foi conduzido ao Tribunal de Magistrados, no passado dia 19. O delegado do Ministério Púbico declarou,

“Este crime foi planeado, ao contrário de outras situações de ameaça.”

Yu foi preso pelo crime de intimidação. O apelo para sair em liberdade condicional foi rejeitado pelo Tribunal de Magistrados.

No entanto Yu afirmou que:

“Agi por impulso. Peço desculpa ao juiz e à população de Hong Kong pelos meus actos. Estou arrependido. Não vou oferecer resistência.”

Este caso resume-se à insatisfação de alguém com a sentença de um juiz e que, em consequência disso, o ameaça.

Em Hong Kong, existe um sistema bem estruturado que permite apresentar queixa da actuação dos magistrados, caso a pessoa se sinta lesada por uma decisão injusta. Nessa altura o juiz será sujeito a um inquérito. Teria sido melhor para Yu se se tivesse informado sobre o funcionamento do sistema legal de Hong Kong, antes de ter partido para acções desadequadas.

Agora Yu vai ter de enfrentar consequências graves. Como afirmou o delegado do Ministério Público, este caso excede a acção de intimidação habitual. Foi premeditado e houve intenção de agressão. Em causa está, não só, a ameaça feita ao juiz, mas também o estado de direito em Hong Kong. De acordo com a seriedade da situação, a hipótese de o réu vir a ser preso é elevada. A sentença não se limitará ao pagamento de uma multa. A data para o encarceramento do réu será anunciada posteriormente pelo magistrado.

Como já referimos por diversas vezes, condenamos em absoluto qualquer tipo de ameaças feitas a representantes da justiça. Devemos dar o nosso melhor para que sejam criadas todas as condições que permitam aos juízes deliberar de acordo com a lei. Qualquer demonstração de desagrado em relação às decisões do juiz, dentro ou fora da sala de audiências, ou qualquer tipo de ameaça, são comportamentos condenáveis.

Se o juiz:

for pressionado, ou
sentir que a sua vida corre perigo, ou
sofrer qualquer represália pós julgamento, ou
for despedido na sequência de uma sentença

acabará por ficar condicionado e deixa de haver garantias de que as suas decisões não estão a ser determinadas pelo medo. O interesse da justiça deixará de estar protegido. Será isto a que queremos assistir?

As situações que atrás mencionámos devem ser evitadas, porque só assim o juiz estará livre para deliberar de acordo com a lei, sem qualquer tipo de pressão. O interesse das partes envolvidas estará protegido e as pessoas acreditarão que a lei é um instrumento de que nos servimos para resolver contendas. Se a população confiar nas decisões dos juízes, o estado de direito fica garantido. É preciso que nunca nos esqueçamos que o “estado de direito” não se impõe pelas armas, mas sim pela nossa crença na sua necessidade.

Embora o caso relatado não seja complexo, não deixa de ser muitíssimo sério. Se toda a gente que fica insatisfeita com a decisão de um Tribunal agisse desta forma, imagine-se o tipo de sociedade que teríamos.

31 Out 2017

Liberdade de expressão

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 4 o Tribunal de Apelação de Hong Kong (COFA) rejeitou por unanimidade o caso apresentado por Christine Fong Kwok Shan.

A história conta-se em poucas palavras. Christine combatia o projecto de expansão dos aterros de resíduos tóxicos da South-East New Territories. Integrou um grupo que se manifestou durante as duas sessões do Conselho Legislativo abertas ao público, nas quais o sub-comité das Obras Públicas apresentou o projecto à discussão.

Durante os protestos, Christine despiu o casaco revelando uma t-shirt que tinha escrito “Defendam Tseung Kwan O”. A seguir entregou um cartaz a um companheiro, que tinha desenhada uma suástica e onde se podia ler “Aterro – Campo de Concentração de Gases Venenosos”. O homem, na galeria pública que encima o recinto, exibiu o cartaz. A manifestação foi interrompida pela intervenção dos seguranças que de imediato lhe tentaram arrancar o cartaz, acabando um deles ferido num pulso. O incidente provocou a suspensão antecipada da sessão.

Após a retoma da reunião Christine e os companheiros entoaram vários slogans. Na altura foram avisados pelo presidente do sub-comité das Obras Públicas que seriam expulsos da sala se não se calassem. Como ignoraram o aviso e deram os braços para resistir à expulsão, a sessão voltou a ser suspensa. Os trabalhos prosseguiram passado uma hora, noutra sala de conferências, mas desta vez sem a presença do público.

Christine foi mais tarde condenada por infracção da secção 12(1) das Directrizes Administrativas do Regulamento de Admissão e Conduta Pessoal, que estipula o seguinte,

“Não é permitido a exibição de cartazes e faixas com símbolos ou mensagens, em galerias reservadas ao público ou à imprensa”.

Foi também condenada por infracção da secção 11 que determina que, quem der entrada no recinto do Conselho Legislativo, terá de o fazer de forma ordeira.

Christine foi sentenciada, após julgamento do Tribunal de Magistrados, ao pagamento de uma multa de 1.000 Hong Kong Dólares por cada acusação. Mas Christine apresentou recurso da sentença, na convicção de que o princípio da liberdade de expressão, consignado no artigo 27 da Lei Básica de Hong e no artigo 16 da lei que regula a “Declaração dos Direitos Humanos”, tornam as secções 11 e 12 anticonstitucionais, na medida em que estas disposições violam a liberdade de expressão, ao proibirem a exibição pública de símbolos e mensagens.

O COFA reiterou as decisões dos dois tribunais de instância inferior. Para tal recorreu ao artigo 39 da Lei Básica de Hong Kong e ao artigo 16 da Declaração dos Direitos Humanos, concluindo que se pode proibir manifestações de protesto nas galerias do Conselho Legislativo, desde que exista o risco de criarem desordem e interferência com os direitos dos outros observadores. As restrições impostas pela lei são necessárias para proteger a ordem pública e fazer respeitar os direitos dos outros cidadãos.

O COFA adiantou ainda que os limites da liberdade de expressão nas galerias do Conselho Legislativo são “claramente proporcionados e justificados” permitindo que a legislatura prossiga com o cumprimento das suas funções legais.

Esta argumentação demonstra o equilíbrio que é necessário entre liberdade de expressão e respeito pelos demais. Pelos motivos apontados o recurso de Christine foi rejeitado. Não poderá haver mais recursos na medida em que a decisão foi tomada pelo Tribunal da mais alta instância.

Com a implementação do Direito Comum em Hong Kong, o precedente jurídico desempenhará um papel muito importante no sistema legal. O precedente jurídico aberto pelo COFA fará parte das leis de Hong Kong. Todos os tribunais da cidade estarão obrigados a seguir a decisão. Nesta deliberação o COFA decidiu uma vez mais que a Lei Básica de Hong Kong garante vários tipos de liberdade aos seus residentes. Estes direitos serão garantidos de futuro. No entanto, deveremos ser razoáveis no exercício destes direitos. Foi declarado que “comportamentos desordeiros e exibição de cartazes de protesto” são comportamentos não aceitáveis nas galerias do Conselho Legislativo. Portanto, futuramente, se alguém tiver uma atitude semelhante, será certamente condenado em tribunal.

Os limites da liberdade de expressão foram outro dos argumentos apresentados pelo Tribunal. Estes limites têm de ser estipulados pela lei, de forma a proteger a segurança dos cidadãos, mas também a liberdade de expressão. Será sempre uma tentativa de ajuste entre estes dois direitos básicos. No Conselho Legislativo o público tem de se comportar de forma ordeira e não é permitida a exibição de cartazes de protesto, logo não é permitida qualquer manifestação. O Conselho Legislativo é um local destinado à criação de legislação, abrigo da Lei Básica da cidade. As manifestações podem originar desordem pública, e podem interferir com os deveres dos deputados. Os protestos podem ainda afectar os outros observadores da sessão. No entanto, será necessário que a lei defina o que representa exactamente transgressão a estes regulamentos. O Conselho Legislativo destina-se aos legisladores, não é local para manifestações e protestos.

Ninguém gosta de viver perto de lixeiras, sobretudo se se tratar de um aterro de resíduos tóxicos. Os sentimentos dos manifestantes são compreensíveis. Mas do ponto de vista social, expressar opiniões de forma leviana não é aceitável. Seremos todos afectados. Esperamos sinceramente que não existam mais manifestações de protestos insensatas.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
24 Out 2017

A independência judicial e o estado de direito

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Fraser Institute do Canadá atribuiu o primeiro lugar a Hong Kong no relatório sobre a Liberdade Económica Mundial, publicado no passado dia 28 de Setembro. No entanto, quanto à independência judicial, Hong Kong não foi tão bem classificado, após escrutínio ao funcionamento dos Tribunais da cidade.

Hong Kong tem mantido a primeira posição na alínea consagrada à Liberdade Económica Mundial desde 1980. Singapura continua em segundo, seguida da Nova Zelândia. A China ocupa o 112º lugar.

Num outro relatório, elaborado pelo World Economic Forum, Hong Kong surge em 13º lugar no que respeita independência judicial, classificação registada no último Índex de Competitividade Global, com uma pontuação de 6.1, num máximo de 7. O ano passado tinha obtido o 8º lugar da classificação. O relatório sobre a Competitividade Global para 2016-2017 avalia as diversas vertentes da competitividade de 138 economias, providenciando uma visão sobre os motores da sua produtividade e da sua prosperidade.

O Secretário da Justiça, Rimsky Yuen Kwok-keung, deu a cara em defesa do Governo da RAEHK, afirmando que o Executivo estava preocupado com a descida de classificação, mas salientou que o relatório ainda tinha atribuído a Hong Kong um lugar de topo na alínea da independência judicial na Ásia.

Rimsky acrescentou que factores subjectivos poderiam ter influenciado a percepção da independência judicial das comunidades locais e internacionais de Hong Kong. Quanto a ele, não via qualquer factor objectivo que pudesse afectar a independência judicial da cidade, já que os Tribunais lidam com todos os casos com imparcialidade e sentido profissional.

Rimsky empenhou-se em provar que a independência judicial de Hong Kong nunca é comprometida. E o motivo que o levou a esforçar-se por clarificar esta questão prende-se com a importância do tema. A independência judicial verifica-se quando as decisões dos Tribunais não são influenciadas pelo poder executivo, nem pelo poder legislativo. As deliberações do juiz não deverão estar dependentes de qualquer pressão, de forma a poderem ser justas e rectas. Só desta forma se pode garantir que o interesse das partes em conflito esteja assegurado.

Para garantir a independência judicial, actualmente em Hong Kong a nomeação do juiz é permanente. Não pode ser despedido, salvo se existir algum erro grave que o justifique. Só se retirará quando atingir a idade da reforma. O facto de não temer o despedimento coloca-o à vontade, mesmo em casos que levem o Governo a Tribunal.

Em segundo lugar, é necessário considerar que um juiz é humano e pode cometer erros. Para o proteger a lei confere-lhe imunidade legal. O juiz não pode ser processado por nenhuma das partes em conflito, ou indiciado pelo Governo por ter cometido um erro jurídico. Se algum dos litigantes ficar insatisfeito com a sua decisão terá de recorrer a um Tribunal de instância superior. A imunidade legal protege o juiz. Sem esta protecção poucos aceitariam este cargo.

Em terceiro lugar, garante-se que não existirá qualquer pressão na sala de audiências. Neste sentido, a imprensa nunca deve dar atenção excessiva a casos em julgamento. Devem também evitar-se demonstração de protesto contra o juiz.

Os pontos mencionados não se excluem entre si. Para defender a independência judicial devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance.

A independência judicial está também intimamente ligada ao Estado de Direito e à noção de que todos têm de agir de acordo com a lei. A lei deve estabelecer os padrões básicos dos comportamentos sociais. A Lei terá sempre de ser o instrumento de resolução de qualquer contenda. Todos devem ser iguais aos olhos da lei. Se alguma das partes em confronto desfrutar de qualquer benefício, não estaremos a ser governados pela lei e a injustiça imperará.

No entanto, dois relatórios atestam em simultâneo a descida de posição de Hong Kong nesta alínea, e o assunto terá de ser debatido. Embora Rimsky tenha afirmado que não existem factores objectivos que justifiquem a descida de classificação, os comentários dos relatórios parecem muito preocupantes.

Mas poderemos analisar os relatórios de outra forma. A razão que nos leva a recorrer à lei para solucionar contendas é a confiança que depositamos na sua capacidade de criar padrões. Se o nosso comportamento estiver em conformidade com o estipulado, em caso de contenda confiamos que a lei estará do nosso lado. A lei existe para proteger os nossos interesses. Mas a lei não é uma arma com que possamos atacar os nossos oponentes. A lei gera uma crença que orienta os nossos espíritos. Acreditamos que a lei nos ajuda a resolver os nossos conflitos, é-nos, portanto, útil.

Com dois relatórios a criticar a independência judicial de Hong Kong, percebe-se que algumas pessoas não estão completamente confiantes no sistema legal da cidade. Será bom que o Governo da RAEHK clarifique a situação. Quando Rimsky afirma que não existem dados objectivos que comprovem qualquer falha na independência judicial, parece-me correcto. Mas a ausência de clarificação por parte do Governo pode criar mais mal-entendidos.

A longo prazo, é melhor para o Governo da RAEHK dar um passo no sentido de reforçar a confiança do público no sistema legal da cidade. A confiança no sistema legal nunca pode ser afectada.

 

Professor Associado do IPM

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

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5 Out 2017

Apelo ao compromisso

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado domingo, dia 17, realizou-se um encontro em Hong Kong de repudio à independência do território. No palco, aos gritos, um homem reclamava a “morte” para os activistas pró-independência. O homem, Junis Ho kwan–yiul, ainda acrescentou, “sem piedade”. Por estas declarações, a população depreendeu que os activistas pró-independência de Hong Kong deveriam ser executados.

O discurso de Ho gerou grande polémica na antiga colónia britânica. Era voz corrente que Ho tinha encorajado as pessoas a matar os activistas pró-independência.

Na sequência destas declarações, Ho deu uma série de entrevistas. O entrevistado alegou em sua defesa que, em cantonês, “morte” pode ser usada em vários sentidos. Não quer necessariamente dizer matar. O que ele queria dizer era que as vozes a favor da independência de Hong Kong tinham de ser travadas, e que Hong Kong nunca se poderia separar da China. Ho também referiu uma série de exemplos para sustentar a sua argumentação. Mas como foram todos formulados em chinês, vamos ignorá-los.

Ho foi Presidente da Sociedade Legista de Hong Kong. Actualmente é membro do Conselho Legislativo. Os seus antecedentes jurídicos e políticos tornaram as pessoas mais sensíveis às suas afirmações. Alguns perguntavam-se, como é que alguém com um profundo conhecimento da Lei pode fazer afirmações desta natureza. Será que isto é legal?

Ainda no seguimento deste caso, o Conselheiro Sénior Ronny Tong Ka-wah deu uma entrevista. Adiantou que Ho poderá ter infringido a secção 26 do Regulamento da Ordem Pública. Esta secção refere que, qualquer pessoa desprovida de autoridade legal, que profira declarações em assembleia pública, ou se comporte de forma que revele intenção de incitar ou induzir outrem a matar ou a atentar contra a integridade física de terceiros, está a transgredir a lei e sujeita-se a uma pena de prisão, que pode ir de 2 a 5 anos, dependendo da gravidade do delito.

O termo “incitar” é referido na secção 26. Em linguagem legal o delito de incitamento verifica-se quando alguém impele outrem a cometer um crime.

Alguns habitantes de Hong Kong pediram que a polícia investigasse este caso. A resposta das autoridades não deixou margem para dúvidas. Ho limitou-se a proferir declarações ao abrigo da liberdade de expressão e, tanto quanto sabemos, não haverá qualquer investigação criminal.

Estas declarações chamaram a atenção do Secretário da Justiça Yuen kwok–kuen. Afirmou que é necessário analisar o contexto em que foram proferidas, para decidir se houve ou não transgressão da lei. Ou seja, não se pode chegar a qualquer conclusão a partir de uma declaração isolada.

Este caso pede aos habitantes de Hong Kong alguma reflexão. Se as incentivas “morte” e “sem piedade” pudessem acabar com os conflitos sociais, tudo bem. Mas obviamente, este tipo de declarações só servem para aumentar a confusão no seio da sociedade e os opositores de Ho vão ficar irados. Nem a cidade, nem os seus habitantes tiram qualquer benefício deste tipo de afirmações.

É possível que a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, esteja à altura dos acontecimentos. Antes de dar entrada na reunião do Conselho Executivo, declarou aos jornalistas,

“Independentemente da postura política de cada um, comentários rudes, insultuosos ou intimidatórios, nunca são aceitáveis.”

Acrescentou ainda que a comunidade de Hong Kong deve permanecer calma e que a “polarização” deve ser evitada.

As sugestões de Carrie Lam não solucionam os conflitos sociais de Hong Kong, mas são uma boa forma de prevenir conflitos futuros. Se toda a gente conseguir manter a boca fechada e evitar protestos, Hong Kong ficará em paz. Sem este ambiente, como é que os membros do Conselho Legislativo podem debater de forma razoável as questões sociais? É verdade que “o compromisso facilita a resolução dos conflitos”. Esperemos que todos consigam lá chegar.

26 Set 2017

Jogo demasiado real

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]or ocasião do 40º aniversário, o Ocean Park de Hong Kong organizou uma série de eventos em grande escala. Os visitantes tinham à sua disposição 11 atracções fantasmagóricas e podiam experienciar 12 situações totalmente inéditas. Numa destas situações, inspirada no jogo Buried Alive, os visitantes são transportados à Europa Medieval. É o primeiro parque temático de terror da Ásia.

O website do Ocean Park descreve esta experiência nos seguintes termos:

“Os visitantes de Buried Alive iniciam a sua jornada de terror sendo “enterrados vivos” em caixões de madeira. Depois de conseguirem escapar a este pesadelo, a visita solitária prossegue ao encontro de criaturas horríveis. Vão cruzar-se com aranhas, bichos assustadores e fantasmas. Os afortunados que conseguem aqui chegar, reúnem-se aos amigos num trilho comum, ou então têm de enfrentar mais uma fuga a solo, passando por esqueletos arrepiantes, caixões, labirintos, por uma câmara de ossadas e, finalmente, pelo horror da magia negra.”

O Parque é uma novidade em Hong Kong e, como tal, é bastante atractivo. No entanto o Ocean Park encerrou o cenário Buried Alive, depois da morte de um jovem de 21 anos no passado dia 16.

O homem foi encontrado morto cinco minutos depois de ter entrado na Casa Assombrada. Foi dar a uma zona de manutenção reservada aos funcionários, segundo Eva Au Yeung Yee-wah, directora de animação e eventos do Ocean Park.

O Ocean Park encerrou esta atracção e reportou o incidente ao “Departamento dos Serviços Eléctricos e Mecânicos” de Hong Kong. Todas as instalações do Parque, incluindo as do Buried Alive, tinham sido aprovadas nas inspecções oficiais.

Este caso pode não ser exactamente uma novidade, mas merece alguma atenção. Todos sabemos que quando chegam as celebrações do Halloween, muitos jovens vão a Hong Kong à procura de divertimentos. A altas horas da madrugada formam filas enormes no Terminal do Ferry Hong Kong-Macau, para comprar o bilhete de regresso a Macau. Felizmente os noticiários alertam com frequência estes jovens para os perigos que correm, apelando para que tenham muito cuidado nestas saídas.

Até ao momento não foi possível determinar se houve algum erro humano por trás deste incidente. O relatório preliminar do “Departamento dos Serviços Eléctricos e Mecânicos” apontava para a ausência de falhas mecânicas. Este departamento foi chamado à investigação no âmbito da Ordenança para a Segurança das Diversões Mecanizadas, que regula os parques de diversões em Hong Kong. O departamento é responsável pela aplicação da Ordenança.

O Ocean Park tem um seguro que cobre eventuais acidentes que vitimem os visitantes. Desta forma os familiares do falecido serão indemnizados.

Independentemente das causas do acidente, o Ocean Park irá sempre ressentir-se e com certeza irá baixar as receitas nos tempos mais próximos.

Têm aparecido comentários no website a apelar à não participação nos jogos durante o Festival dos Fantasmas Famintos. Também conhecido como “Zhongyuan Festival” ou “Yulan Festival, esta comemoração ocorre a 14 de Julho no calendário chinês, Setembro no calendário ocidental. É uma festa tradicional Budista e Taoista celebrada em vários países asiáticos. Por esta ocasião, os fantasmas e os espíritos, incluindo os dos antepassados, emergem das profundezas e vêm visitar os vivos. Durante o Festival fazem-se ofertas rituais de alimentos, queima-se incenso, joss paper e objectos em papel-mâché representando diversos bens materiais, em homenagem aos espíritos dos antepassados.

Como se acredita na China que neste período os Espíritos estão mais “activos”, os mais velhos lembram os jovens que devem recolher cedo para evitar maus encontros. Ficar em casa é sempre o mais seguro.

Não que eu recomende a crença em espíritos. Mas a tradição desempenha um papel muito importante em qualquer sociedade. Se estivermos na China é bom que sigamos os costumes chineses.

Sabe-se que o jovem que faleceu ia ingressar na Universidade este mês. Será que os pais vão ser reembolsados do dinheiro das propinas? Tudo vai depender do tipo de contrato que foi feito. Claro que do ponto de vista humanitário a decisão correcta será o reembolso.

Professor Associado do IPM

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

19 Set 2017

Celebrar a morte

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]sta semana a área da Educação tem estado ao rubro em Hong Kong. Um dos casos que mais deu que falar foi a morte do filho de Christine Choi Yuk-lin, Sub-Secretária da Educação.

Poon Hong-yan, de 25 anos, atirou-se da janela do seu apartamento, localizado no condomínio Sorrento, Austin Road, e foi encontrado inconsciente num terraço do 9º andar do Bloco 3. Foi transportado imediatamente de ambulância para o hospital, onde o óbito acabou por ser declarado. Por enquanto, os motivos do incidente permanecem desconhecidos.

Posteriormente surgiram papéis afixados no campus da Universidade de Pedagogia (EdUHK), onde se podia ler “Parabéns ao filho de Choi Yuk-lin por ter ido para  Ocidente”. “Ir para Ocidente” significa ter morrido. É uma tradução literal do cantonês. Os estudantes congratulavam-se, portanto, com a morte do filho de Choi Yuk-lin.

É habitual existirem nas Universidades de Hong Kong espaços onde estudantes e trabalhadores podem afixar o que bem entenderem, conhecidos como Paredes da Democracia. Quem põe um papel nesta parede tem de se identificar, quer seja estudante quer seja trabalhador. As Paredes da Democracia são um símbolo da liberdade de expressão dentro das Universidades.

Como se pode ler no website “HKFP”, Choi é um dos vice-presidentes da Federação dos Trabalhadores da Educação de Hong Kong (HKFEW sigla em inglês). É também Reitora do campus de Siu Sai Wan da Escola Secundária Fukien. As duas organizações têm fortes ligações a Pequim.

Em Setembro de 2016 Choi candidatou-se pelo sector da Educação a um lugar no Conselho Legislativo, que perdeu para o candidato pró-democracia Ip Kin-yueneve. Choi obteve menos 30% dos votos que o seu opositor. Mas, apesar disso, Choi foi indigitada com Sub-Secretária da Educação em Julho de 2017, pelo que foi muito criticada. Ip declarou na altura,

“O resultado das eleições demonstrou que as suas opiniões políticas não são apoiadas pela maioria do sector da Educação.”

A indigitação para o cargo de Sub-Secretária da Educação será “um insulto aos eleitores.”

É muito provavelmente devido a estes antecedentes, que apareceram nas Paredes da Democracia da EdUHK os papelinhos de “felicitações”.

Mas infelizmente este não foi o único ataque a Choi. O website “hongkongfp.com” escrevia no passado dia 8,  “Também foram postadas mensagens online de ataque à família:

“Sabia que o seu filho estava deprimido. Mas em vez de lhe dedicar o seu tempo, aceitou uma promoção que ainda a ocupou mais, e deixou-o ao cuidado de uma empregada. Que modelo de pedagogia! Se não sabe ser mãe, como é que pode encarregar-se da educação dos filhos dos outros? É uma vergonha, devia demitir-se,” escreveu um comentador numa discussão do fórum LIHKG.”

A EdUHK emitiu um comunicado a condenar estes comentários e apresentou as suas desculpas pelo pesar que possam ter causado a Choi. Podia ler-se:

“A escola gostaria de reafirmar que, embora desfrutemos do direito à liberdade de expressão, deveremos também assumir uma atitude razoável na discussão de certas situações, e respeitar sempre os sentimentos dos outros. No caso presente, os actos ofensivos são vergonhosos – esperamos que quem afixou os cartazes faça alguma auto-crítica.”

Os responsáveis da EdUHK declararam que estão a visionar as imagens das câmaras de vigilância e que, se necessário, serão tomadas medidas disciplinares.

A Associação de Estudantes da EdUHK emitiu um comunicado a negar a responsabilidade por esses actos e enviou representantes para retirar os papéis. A Universidade não deve, por causa destes acontecimentos, coartar a liberdade de expressão dos estudantes.

“Ainda não foi confirmado se foi um estudante a colocar os papéis na Parede. De qualquer maneira, é evidente que se um estudante for punido pelas autoridades académicas, devido a declarações moralmente controversas, fica aberta a porta ao medo da liberdade de expressão e à auto-censura, e instala-se o terror no campus,”

Se foi efectivamente um estudante que afixou os papéis, que castigo lhe será aplicado? Vão suspender-lhe a bolsa de estudos? Para já ninguém sabe. No entanto, a resposta de Universidade de Harvard a este tipo de casos poderá servir de modelo para situações futuras. Soube-se através do site “kknewscc” que Harvard vai recusar a admissão de, pelo menos, 10 candidatos, porque criaram um grupo de chat intitulado “Harvard memes para miúdas burguesas com tusa”. Este grupo permite que os seus membros postem fotos e mensagens sexual e racialmente discriminatórias. A este respeito a Universidade de Harvard declarou:

“A Universidade reserva-se o direito de cancelar a admissão de um candidato se a sua conduta for desonesta, imatura ou imoral.”

Todos sabemos que o desrespeito à moralidade é diferente do desrespeito à Lei, porque o primeiro não implica uma pena e o segundo sim; sobretudo, se se tratar de Lei Criminal. Os papelinhos de “felicitações” são obviamente desumanos. Representam uma falta de respeito à moral estabelecida, mas não implicam sanções legais. No entanto, podemos revoltarmo-nos e dizer alto e bom som “Não” a este comportamento desumano.

12 Set 2017

A marcha dos voluntários

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]ecentemente, o jornal China’s People’s Daily publicou uma notícia sobre a nova lei que rege as transmissões do hino nacional chinês, em vigor desde dia 1 deste mês. O jornal avança que a lei pretende assegurar que o hino só se faça ouvir em situações adequadas.

A lei proíbe que o hino seja tocado em eventos privados, como funerais, ou que sirva de música de fundo em espaços públicos. Proíbe ainda que o hino seja associado a qualquer tipo de publicidade. Sempre que o hino seja transmitido todos os presentes deverão permanecer de pé em atitude “solene”.

A lei também contempla o ensino e a divulgação do cântico. Fica estipulado que deve integrar o programa escolar do ensino primário e secundário. As pessoas são incentivadas a cantá-lo nas ocasiões próprias para “expressar o seu patriotismo”.

No continente, os prevaricadores podem ser detidos até 15 dias. A violação a este regulamento pode colocar o faltoso sob a alçada de outras leis.

Wu Zeng, director do gabinete jurídico do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo, declarou,

“É uma regra básica que todos os cidadãos terão de respeitar e compreender. Todos têm de saber cantar o hino.”

“A Marcha dos Voluntários” é o hino nacional da República Popular da China. O hino foi tocado em Hong Kong por ocasião da passagem de soberania da Grã-Bretanha para a China, em 1997 e, em Macau, quando Portugal devolveu a soberania do território em 1999. Em Hong Kong o hino foi adoptado ao abrigo do Anexo III da Lei Básica da cidade, com efeito a partir de 1 de Julho de 1997. Em Macau, também ao abrigo do Anexo III da Lei Básica local, com efeito a partir de 20 de Dezembro de 1999.

Em termos da regulação do uso do hino, a lei de Macau é superior à de Hong Kong. A Lei nº 5 / 1999, que entrou em vigor a 1999-12-20, foca-se nesse aspecto. O Artigo 7 estipula que o hino deve sempre ser tocado de acordo com a pauta e, no Apêndice 4, proíbe-se qualquer alteração à letra. O Artigo 9 adianta que qualquer alteração intencional da letra ou da música representa uma violação à lei, e que o faltoso fica sujeito a uma pena de prisão até três anos ou a uma taxa diária ao longo de 360 dias. Embora na RAEM existam duas línguas oficiais, o chinês e o português, a letra do hino só está imprensa em chinês.

Em Hong Kong não existe regulação sobre a transmissão do hino nacional. No entanto, durante certas cerimónias oficiais todas as escolas do governo são obrigadas a tocar e cantar o hino e a hastear a bandeira. É o caso do Dia Nacional da China (1 de Outubro) e do Dia Comemorativo do Estabelecimento da RAEHK (1 Julho). Nas Universidades, durante as cerimónias de graduação o hino é sempre ouvido.

A implementação da Lei do Hino Nacional teve grande eco em Hong Kong. A este propósito pudemos ler no “South China Morning Post” no passado dia 30 de Agosto,

“O noticiário de Pequim divulgava segunda-feira que o Comité Permanente do CNP vai propor em Outubro, durante a reunião bianual, que esta legislação seja inserida no Anexo III da Lei Básica.”

De acordo com o princípio “um país, dois sistemas” a lei nacional chinesa só pode ser extensível à RAEHK se for inserida no Anexo III da Lei Básica de Hong Kong. Algumas leis chinesas foram inseridas no Anexo III, e entraram em vigor a 1 de Julho de 1997, data da transferência de soberania. Foi o caso da legislação referente à bandeira nacional, ao emblema nacional, ao exército chinês e às regulações dos privilégios consulares e imunidade.

Se a “Lei do Hino Nacional” for incluída no Anexo III, Hong Kong passará a ter legislação nesta matéria. Funcionará exactamente como o “Regulamento de Hong Kong sobre a Bandeira e o Emblema Nacionais”. O propósito deste Regulamento é a aplicação em Hong Kong das Leis Chinesas referentes à Bandeira e ao Emblema Nacionais.

“É obrigação e responsabilidade e do Governo da RAEHK a protecção da dignidade do hino nacional e, na verdade, de todos os cidadãos chineses,” declarou a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, que não acredita que neste assunto haja qualquer margem para susceptilidades.

Segundo alguns legisladores citados pelo South China Morning Post, a lei contém alguma linguagem pouco clara; por exemplo, o que é que constitui exactamente uma quebra de solenidade? A propósito o repórter, Wu Zeng colocou a seguinte questão,

“É ilegal tocar a Marcha dos Voluntários no telemóvel?”

A Chefe do Executivo respondeu que não sabia porque nunca tinha lidado com um caso semelhante.

É necessário proteger a dignidade do hino nacional e, por isso, a Lei do Hino Nacional deve ser incluída no Anexo III das duas Leis Básicas. Mas, ao contrário de Macau, Hong Kong não tem legislação própria sobre a matéria. O Governo da RAEHK terá de lidar com as questões atrás mencionadas com clareza e com cautela.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

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6 Set 2017

Hato, o devastador

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Tufão Hato, conhecido nas Filipinas como tempestade tropical Isang, atingiu recentemente o sul da China com grande violência. Chegou à costa quarta-feira 23 e, de repente, Macau e Hong Kong foram tomadas de assalto pela fúria dos ventos e por chuvas diluvianas. Até ao momento há a lamentar 10 mortos e mais de 200 feridos.

O Tufão Hato foi a maior tempestade dos últimos 53 anos a atingir Macau. O impacto na cidade foi tremendo. Nas zonas inundadas as águas encapelavam-se, via-se andaimes caídos e todo o tipo de destruição. As ruas ficaram atapetadas de lixo.

A passagem do Hato interrompeu o fornecimento de electricidade, água, rede telefónica, rádio e internet. Dia 23 estes serviços foram sendo interrompidos um a um. O corte de electricidade, rádio e internet impediu a divulgação imediata dos acontecimentos. A maioria dos habitantes deixou de poder estar a par do desenvolvimento da situação.

Depois da passagem do Hato, houve quem tivesse comentado que a vida em Macau tinha recuado aos anos 70. Sem electricidade nem água, restaurantes e casinos tiveram de fechar. Ao longo dos passeios formavam-se filas enormes de pessoas com baldes na mão para recolherem alguma água potável. Só existe uma palavra para classificar tudo isto: terrível.

O Chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, acompanhado de alguns secretários, deu uma conferência de imprensa no dia 24. Após a observação de um minuto de silêncio, o Chefe do Executivo declarou,

“Durante estes dois dias, enfrentámos juntos um teste extremamente difícil. O Hato foi o tufão de maior intensidade dos últimos 53 anos e provocou danos tremendos em Macau.

“Admito que a forma como lidámos com este desastre teve algumas falhas. Estas respostas ainda precisam de ser melhoradas. Estou aqui em representação do Governo de Macau e, nessa qualidade, apresento as minhas desculpas aos residentes,”. De seguida comunicou a demissão do chefe dos Serviços de Meteorologia.

Parece-nos que esta demissão merece alguma análise. Não há dúvida que o Hato foi o tufão mais forte dos últimos 53 anos, mas a sua intensidade não parece justificar por si só o estado deplorável em que ficou Macau. Há quem ache que o relatório sobre as condições climatéricas e o tufão não foi feito correcta nem atempadamente. Às 9.00h foi hasteado o sinal 8, e às 11.30 o sinal 10. Esta alteração deu-se apenas no espaço de duas horas e meia. É razoável que perguntemos. Será que o Hato sofreu alterações tão rápidas que era impossível aos serviços de meteorologia tê-las previsto? Em Hong Kong, às 5.20 já tinha sido hasteado o sinal 8 e já tinha sido avançado que mais tarde seria hasteado o sinal 10. É clara a diferença. E é natural que incomode algumas pessoas.

O timing do alerta pode ter sido um problema, mas não foi o único. A interrupção do fornecimento de água e electricidade foi um dos mais graves, já que interfere com o dia a dia dos residentes. E já se sabe que quando as necessidades básicas são afectadas começam os burburinhos. A falta de água, por exemplo, proporciona o aparecimento de doenças infecciosas. É vital que o fornecimento de água e electricidade estejam sempre garantidos. Olhemos para Hong Kong, que sofreu os efeitos da mesma tempestade, e nunca deixou de ter água e electricidade. Parece ter chegado a altura de renovar algumas infra-estruturas em Macau.

As questões estruturais são um problema, mas as questões funcionais também o são. Enquanto o Hato atacava Macau, o Facebook mostrou restaurantes a vender caixinhas com almoços a 100 patacas cada, hotéis a pedirem 10.000 patacas por noite, e algumas lojas a venderem garrafas de água a 50 patacas. Estes comportamentos fazem lembrar os assaltos a uma casa a arder. É usar o infortúnio alheio para fazer negócio. Felizmente também existem bons samaritanos que, de forma voluntária, têm limpado o lixo, ajudado a cuidar dos mais idosos, etc. Algumas empresas também têm ajudado a transportar água e outros bens de primeira necessidade de Hong Kong para Macau. Os voluntários mostram que têm bom coração, e as empresas que honram a sua responsabilidade social. São sinais positivos para Macau.

A pedido do Chefe do Executivo, o Exército Popular de Libertação participou nas operações de limpeza e de desobstrução, a seguir à passagem do tufão. Na televisão vimo-los remover lixo sem máscaras e sem a ajuda de qualquer instrumento. Aliás, as emanações do lixo podem ter sido a causa do adoecimento de quatro soldados. A atitude destes soldados merece todo o nosso respeito e deveria receber também o reconhecimento do Governo.

O rendimento per capita em Macau é 18.000 patacas, o mais elevado de toda a Ásia. A distribuição anual de 9.000 patacas por residente também causa inveja a muita gente. Também há quem se queixe por o valor do cartão de identidade em Macau ser superior ao de Hong Kong. No entanto, depois do Hato, muitos dos problemas de Macau vieram ao de cima. As infra-estruturas precisam de ser melhoradas com urgência. O comunicado do Governo a desincentivar as deslocações a Macau de 25 a 31 de Agosto pode pôr em causa o epíteto de “centro mundial de turismo e lazer”. Talvez esteja na altura de enfrentarmos todos os nossos problemas e de tentar resolvê-los.

Escrevo este artigo antes de dia 27, altura em que está prevista a vinda de outro tufão. Espero sinceramente que todos fiquem a salvo e que não se venham a registar mais danos.

Professor Associado do IPM

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

29 Ago 2017

Deliberações online

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s jornais chineses anunciaram no passado dia 18 a criação de um Tribunal de Primeira Instância Online, que irá deliberar apenas sobre crimes e infracções relacionadas com a utilização da internet. O tribunal está sediado em Hang Zhou, China.  Esta região concentra a grande maioria das disputas nesta área, já que a empresa Alibaba Group tem sede em Hang Zhou. A notícia não avança pormenores sobre o funcionamento do Tribunal, indica apenas que irá criar maior eficácia na adjudicação, mediação e na clarificação de leis, de casos, etc.

Na verdade, a criação de um rastreamento legal das transacções online não é novidade. Já a 19 de Agosto de 2009 o Tribunal de Segunda Instância de Xangai tinha autorizado a possibilidade de serem feita adjudicações online. O site deste Tribunal também permite submeter documentos legais e pesquisar a legislação que regula as mediações via internet. No entanto a diferença entre um Tribunal dedicado em exclusivo a esta área e um site é significativa.

De qualquer forma, o Tribunal Online, e os julgamentos realizados via internet, serão sem duvida uma novidade absoluta a nível mundial. Implicará uma combinação da alta tecnologia com os procedimentos legais. De futuro é normal de se adoptem novos procedimentos para os julgamentos online.

Estas questões merecem algum desenvolvimento. Recentemente ouviu-se rumores sobre a existência de um julgamento na China realizado via Wechat. Mas é apenas um rumor, não existem provas que o sustentem.

Agora voltemos ao Tribunal Online. Como já mencionámos, os julgamentos deste Tribunal são efectuados via internet, e vai ser o primeiro Tribunal chinês a ocupar-se em exclusivo de casos relacionados com transacções online. De acordo com as notícias, em caso de litígios nesta área é necessário recorrer ao Tribunal de Segunda Instância de Hang Zhou. O Tribunal Online não altera os termos originais do processo de recurso.

No entanto, será preferível que venham a ser esclarecidas algumas questões relacionadas com este novo Tribunal. Por exemplo, se alguém fotocopiar um texto da autoria de outrem, o imprimir e o puser à venda na internet, mas também, na versão física, numa loja, será que vamos estar perante dois casos distintos, que devem ser apresentados a dois Tribunais? E isto porque o Tribunal Online se ocupa apenas de infracções cometidas online, desta forma, a venda do material na loja já não cairia sob a sua alçada. Mas, por razões de conveniência, poderão estas duas situações ser tratadas como um caso único, e ser entregues apenas a um Tribunal?

Outra questão a analisar é a qualificação do juiz do Tribunal Online. Pela natureza dos casos que lhe são entregues, é natural que as provas apresentadas a este Tribunal sejam todas electrónicas. Daí que, o domínio que o juiz tenha desta área seja relevante. Mas qual será exactamente a formação académica exigida para o efeito? Seguindo o mesmo raciocínio, os advogados de defesa e de acusação também deverão ser “fluentes” em plataformas informáticas, sob o risco de não conseguirem lidar bem com este modelo, e assim, não poderem apresentar os seus casos convenientemente neste Tribunal.

Por fim, apontarei outra questão que me parece importante. Sem poder olhar directamente os rostos e ouvir as vozes das testemunhas, poderá o juiz compreender da mesma forma se estão a falar verdade? Neste quadro, a mediação passará a ter um papel muito importante, porque independentemente das declarações falsas ou verdadeiras, o que vai valer para todos é o resultado final da mediação. Caso contrário, este resultado não pode ser implementado.

Não há dúvida que a criação do Tribunal Online pode ter mérito em termos de eficácia e de eficiência. Vai poupar o tempo das deslocações às partes envolvidas e dispensar grande parte da logística dos julgamentos. Contudo, as questões relacionadas com a jurisdição deste Tribunal e com o domínio da área informática por parte do juiz e dos advogados devem ser levantadas. Devido às limitações deste processo, a mediação deverá prevalecer sobre a litigação nos julgamentos online. Para já, podemos afirmar que a criação de um Tribunal e de julgamentos online parece ser uma boa ideia, e que pode vir a ser uma nova tendência na área da justiça. No entanto deveremos estar atentos a algumas questões de ordem prática.

22 Ago 2017

Multa ou prisão, eis a questão!

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 9 ocorreu um acidente de viação perto de La Baie Du Noble. Um carro preto, conduzido por um indivíduo do sexo masculino, chocou com um táxi e acabou por capotar. Uma das portas do táxi foi arrancada. Felizmente os carros transportavam apenas os condutores, que saíram do acidente com ferimentos ligeiros.

Posteriormente ambos os condutores foram submetidos ao teste de alcoolemia. Numa análise preliminar percebeu-se que o condutor do carro preto apresentava valores superiores ao normal. O condutor do táxi não apresentava sinais de ter ingerido álcool. Mais tarde veio a saber-se que o condutor do carro preto estava efectivamente embriagado.

Este incidente foi divulgado pela imprensa de Macau e, ficou a saber-se, que o condutor do carro preto iria ser indiciado por “conduzir sob efeito de bebidas alcoólicas”. Acabaria por ser condenado a 100 dias de prisão, substituídos pelo pagamento de uma multa de 20.000 patacas. Ou seja, o transgressor pôde sair em liberdade pagando a multa. Ficou também com a carta apreendida durante um ano.

O acidente teve lugar à luz do dia e foi testemunhado por muitas pessoas. Algumas tiraram fotografias e postaram-nas no Facebook. Este incidente desencadeou surpreendentemente uma quantidade de discussões. Um dos temas mais debatidos no Facebook foi a pena aplicada ao condutor. As pessoas em geral gostariam de tê-lo visto preso.

Para analisar este assunto em pormenor, teremos de olhar para o Código Penal de Macau. O Artigo 279 (1) estabelece que, a condução sob efeito de bebida alcoólica, que ponha em risco terceiros ou bens alheios, implica uma pena de prisão até três anos ou uma pena pecuniária. Os Artigos 279 (2) e (3) estabelecem o montante da multa e o período de detenção consoante as circunstâncias.

Por aqui podemos ver que o Artigo 279 deixa duas opções em aberto. O réu pode ser detido ou condenado ao pagamento de multa.

Mas quem decide a opção a tomar, o juiz ou o réu?

Para responder a esta pergunta temos de voltar à lei. Em primeiro lugar, a lei deve estabelecer de forma clara as circunstâncias que conduzem a uma penalização e as circunstâncias que conduzem à outra. Em segundo lugar, deverá ser inequívoca ao estabelecer sobre quem pesa a responsabilidade da decisão.

Se a lei não for suficientemente clara nestes aspectos o juiz terá dificuldade em pronunciar-se adequadamente quando é chamado a decidir.

O artigo 125 (1) do Código Penal de Macau, estabelece que a pena pecuniária não pode substituir a pena de prisão, salvo algumas excepções. Por aqui se depreende que o objectivo da nossa lei é impedir que os réus comprem a liberdade.           

Mas será que o réu pode escolher entre pagar a multa ou ir para a prisão? Mais uma vez a resposta depende da lei. Se esta lho permitir, uma vez cumpridos todos os requisitos, pode. Caso contrário terá de se sujeitar à decisão do Tribunal.

O incidente que temos vindo a referir foi muito aparatoso e provocou muitos danos materiais e além disso envolveu um condutor alcoolizado. Foi uma situação grave, pelo que muita gente apelou à prisão do transgressor. No entanto, devemos salientar que, à parte os ligeiros ferimentos dos condutores, não houve mais danos pessoais. Só se pode pronunciar uma sentença de forma justa se todos os factores forem tomados em linha de conta.

Se a lei permite que o transgressor pague uma multa em vez de ir para a prisão, teremos de aceitar. Se não concordarmos teremos de alterar a lei. Se este sentimento for maioritário, precisará de ser reportado ao Governo e, a partir daí, serem implementados os procedimentos que abrem caminho à criação de uma emenda à lei. Mas, mais uma vez, antes de abraçar essa opção, há que pesar todos os factores pois estão em jogo questões vitais e de justiça para todos.

David Chan

Professor Associado do IPM

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

15 Ago 2017

Fronteira fora de portas

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 21 ficou a saber-se pelo site noticioso de Hong Kong “scmp”, que as autoridades continentais estão a preparar a instalação de um posto fronteiriço conjunto, dentro do terminal de comboios de alta velocidade de West Kowloon.

A notícia vem levantar algumas questões de ordem jurídica devido à localização de um posto alfandegário chinês em território de Hong Kong. A linha ferroviária que liga West Kowloon, Hong Kong, com Shenzhen e Guangzhou, China, começou a ser construída em 2010. Os trabalhos deverão estar concluídos no próximo mês de Outubro. Este projecto vai trazer grandes melhorias ao nível das ligações entre as regiões para lá do Rio das Pérolas e as zonas em torno de Guangdong. As deslocações serão mais rápidas e mais facilitadas.

A implementação deste projecto requer cooperação. Desde o início que, quer a China quer Hong Kong, pensaram localizar postos de controle fronteiriço conjuntos, serviços de imigração e quarentena na estação terminal de West Kowloon. O controle de fronteira, efectuado por funcionários chineses e por funcionários de Hong Kong permitirá aos passageiros residentes em Hong Kong concluir os procedimentos de saída e de entrada na China antes de apanharem o comboio, sem terem de passar pelo mesmo processo na chegada ao destino.

Os passageiros continentais também poderão desembarcar em qualquer estação chinesa sem terem de passar por mais nenhum controle aduaneiro. Até aqui parece simples. Sem este posto de controle conjunto no terminal de West Kowloon, os passageiros teriam de ser submetidos ao mesmo processo na chegada à China, pelo que parece ser um procedimento que só traz vantagens.

No entanto, para seguir este plano parte das instalações do terminal de West Kowloon terá de ser cedida aos serviços de fronteiras, de imigração e de quarentena da China continental. As leis e os regulamentos continentais vão poder ser aplicados em território de Hong Kong. A proposta desencadeou preocupações ao nível da segurança da legislação aduaneira entre a China e Hong Kong. Simplificando, este procedimento fará com que o cais da estação, bem como o interior das carruagens, fique sob a alçada da jurisdição da China continental. Os detractores desta ideia temem que os funcionários chineses possam vir a prender pessoas mesmo fora da estação.

O Secretário da Justiça de Hong Kong, Rimsky Yuen Kwok-keung, prestou declarações sobre o assunto em Pequim, a 14 de Março último.

“As responsabilidades legais dos passageiros não aumentarão, e o seu estatuto legal não será afectado de forma alguma.”

“Foi este o espírito que orientou o projecto de localização de um posto de fronteira avançado, assegurando que esteja de acordo com a Lei Básica e que venha a ser conveniente e eficaz para os passageiros.”

Esta terça-feira, 25, ficaremos a saber todos os pormenores do acordo. Para um residente de Hong Kong, é importante estar a par da forma como as leis da China continental podem vir a ser implementadas Hong Kong. No fundo é uma forma de ficar a saber como opera o princípio “Um país, dois sistemas”, tanto na China como em Hong Kong.

Se Hong Kong permitir que os funcionários governamentais do continente apliquem a lei chinesa no terminal ferroviário, território de Hong Kong, estar-se-á a infringir o principio “um país, dois sistemas”. À luz da Lei Básica de Hong Kong, a cidade implementa a sua própria lei. O Artigo 18 da mesma lei, estipula que a lei chinesa só será aplicável em circunstâncias excepcionais. O acordo para a criação de um posto fronteiriço chinês dentro de terminal não cabe nessa excepção.

Aparentemente uma forma de resolver o problema da aplicação da lei, é fazer passar uma nova resolução no Comité Permanente do Congresso Nacional Popular (SCNPC – sigla em inglês) que permita a aplicação da lei chinesa no posto fronteiriço do terminal e no comboio, enquanto este percorrer território de Hong Kong. Esta lei não irá regular apenas questões alfandegárias, terá de ter em consideração questões como operações de socorro a vítimas, em caso de acidente com algum comboio.

Também se ficou a saber pelas notícias que os funcionários alfandegários chineses não têm autorização para pernoitar em Hong Kong enquanto estiverem de serviço. Não têm permissão para circular fora das áreas onde a lei da China continental é aplicável. Resumindo, de dia trabalham, à noite regressam a casa. Se esta ideia for para a frente, os funcionários alfandegários chineses vão ter uma vida difícil. Vão gastar imenso tempo nas viagens. Depois do trabalho, não podem sair da zona circunscrita e desfrutar de uma boa refeição, nem mesmo de uma bebida estimulante. Podemos desde já prever o quanto se vão aborrecer em Hong Kong. Seja como for, o comboio expresso vai ser bom para todas as Regiões Administrativas Especiais da China. Vai estabelecer mais ligação e promover o mútuo conhecimento entre a China e as suas RAEs. Se, futuramente, surgir outro posto fronteiriço avançado, a experiência de Hong Kong pode vir a ser útil.

25 Jul 2017