A quimera do ouro

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 23, a Radio Television Hong Kong anunciou a reunião entre os representantes do New People’s Party e o Secretário das Finanças, Paul Chan. Na reunião foi discutido o próximo Orçamento e foram apresentadas propostas. Este partido sugeriu que todos os residentes permanentes de Hong Kong, com idade superior a 18 anos, deveriam passar a receber uma verba do Governo de HK$8.000. O New People’s Party acredita que a entrega desta verba trará mais benefícios do que o reembolso dos impostos. As pessoas ficarão felizes por receberem esta quantia.

O New People’s Party propôs também a atribuição de um subsídio de maternidade no valor HK$20.000. Este montante ajudará a aliviar os encargos financeiros dos jovens casais e aumentará os rendimentos da população de Hong Kong.

Esta distribuição de dinheiro pela população concretiza-se em Macau através da atribuição de cheques pecuniários. Este ano, os residentes permanentes receberam 10.000 patacas. Entre 2014 e 2018, recebiam 8.000 patacas anuais.

O subsídio atribuído por cada recém-nascido, proposto pelo New People’s Party, é o subsídio de maternidade de Macau. Nesta cidade, ambos os pais podem solicitar o subsídio. O valor de cada contribuição é de 5.260 patacas. Se o pai e a a mãe se candidatarem, podem receber um total de 10.520 patacas.

Em 2011, o Governo de Hong Kong implementou a atribuição anual de HK$6.000 aos residentes permanentes maiores de 18 anos. Este foi um período dourado, de grande crescimento económico.

No entanto esta decisão sofreu alguma contestação. Algumas pessoas consideraram esta verba muito baixa e que faria pouca diferença na melhoria da qualidade de vida da população. A mina de ouro não estava a beneficiar toda a gente.

Em 2018, o Governo de Hong Kong voltou a instituir o plano de pagamentos. Desta vez, foram distribuidos HK$4.000 per capita, através do sistema “Caring and Sharing Scheme.” Qualquer pessoa, com bilhete de identidade de Hong Kong e residência permanente na cidade, estava em condições de receber esta verba. Hongkongers com residência noutros locais e residentes não permanentes não tinham acesso a este benefício.

Mas este plano de pagamentos foi também bastante criticado. Aqui, em Macau, não se conhece ninguém que pense que os cheques pecuniários são uma má medida. Talvez Hong Kong precise de se aproximar do modelo de Macau, onde, tanto os residentes permanentes como os não permanentes recebem verbas anuais. Talvez toda a gente fique satisfeita se receber uma fatia do bolo.

É um facto indiscutível que, nos dias que correm, os Hongkongers precisam de algo que os façam sorrir. Recentemente a Faculdade de Medicina e a Universidade de Hong Kong levaram a cabo um estudo, não relacionado com os deploráveis incidentes violentos que tiveram lugar na cidade. Mais de 1.200 adultos foram entrevistados por telefone e cerca de 9.1% foram considerados vítimas de depressão. Além disso, no grupo etário acima dos 50 anos, esse valor aumentava. A cerca de 4.6% foram diagnosticadas ideias suicidas. Estes números indicam que 108 pessoas em 1.200, sofrem de depressão. Não há dúvida de que é uma percentagem muito alta.

Durante os dois últimos meses, a comunidade de Hong Kong experienciou diversos incidentes relacionados com a contestação à revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga. Este estudo indica que muitas pessoas em Hong Kong sofrem de depressão, mas não provam que exista qualquer relação entre as duas situações. Em todo o caso, os números provam que a sociedade de Hong Kong tem de enfrentar esta doença.

O sonho é um tratamento eficaz contra a depressão. Se o Governo de Hong Kong distribuir dinheiro por todos, no quadro do próximo Orçamento, pode fazer toda a gente sorrir e sonhar. Espero que este sorriso possa trazer uma nova esperança a todos os habitantes de Hong Kong.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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30 Jul 2019

Imposto digital

[dropcap]A[/dropcap] última cimeira do G20 aprovou a implementação do imposto digital, para ser aplicado a empresas que fornecem serviços digitais (as DPC sigla em inglês). Das empresas deste ramo destacam-se o Facebook, o Google, a Apple e a Amazon, conhecidas em todo o mundo.

No universo online, onde vivemos actualmente, as DPC vendem e-books, publicidade e colocam os seus motores de busca ao nosso dispor, para nos permitir procurar todo o tipo de informação. Os consumidores pagam estes serviços. Estes pagamentos geram os lucros das DPC. Sem um imposto digital não há forma de taxar as DPC e, ao contrário das empresas tradicionais, as DPC pagam impostos baixos.

Quando na cimeira do G20 foi estabelecida a necessidade de cobrar o imposto digital, foram avançados dois princípios. O primeiro consistiu na regulação das taxas. Debateu-se se os impostos deveriam ser cobrados nos países onde os serviços são prestados ou nos locais onde as empresas estão sediadas. Mas, como as DPC não são empresas físicas, nem estão registadas num determinado país, estabeleceu-se que as taxas seriam cobradas pelos países onde os serviços são prestados.

Serão, pois, os Governos dos países consumidores destes serviços a cobrar o imposto. Nestas questões a justiça fiscal é importante. Se os países não tiverem implementado o imposto digital, por mais dinheiro que as DPC ganhem, os governos não o podem cobrar. Para a economia desses países também é injusto que empresas que facturam milhões não contribuam com uma parte dos seus lucros.

Em segundo lugar, a cimeira decidiu que se estabeleceria uma taxa mínima para esta contribuição fiscal. Este princípio é bom, mas encerra alguns problemas. A Irlanda e o Luxemburgo já têm imposto digital, cobrado a uma percentagem relativamente baixa. Para evitar pagar mais, as DPC têm-se estabelecido nos países que cobram taxas baixas. Nos países que cobram imposto mais alto, as DPC só têm fornecido os seus serviços. Se for criada uma percentagem global para o imposto digital, as vantagens que os países como a Irlanda e o Luxemburgo oferecem vão ser significativamente reduzidas; por isso estes países têm-se oposto à percentagem global. Se esta questão não for resolvida, vai ser difícil o G20 estabelecer uma regulamentação global até 2020.

Singapura já tinha anunciado a implementação do registo de fornecedores estrangeiros para 2020. Neste regime DPCs com uma receita anual superior a 1 milhão de dólares, e uma facturação local superior a 100.000 dólares, deverá pagar este imposto.

O Japão reviu os impostos ao consumo em 2015 e expandiu a taxação a empresas estrangeiras que vendam produtos digitais em solo japonês. Desde que a transacção ocorra no Japão, o fornecedor tem de pagar imposto ao Governo nipónico. A definição do local da transacção foi alterada de “localização do fornecedor do serviço” para “morada do consumidor do serviço”.

Estamos, pois, perante a eclosão de um novo imposto global. De que forma deverão Hong Kong e Macau lidar com esta situação? Se Hong Kong continuar a manter o seu sistema fiscal, ou seja, omitindo o imposto digital, pode vir a atrair para o seu território muitas DPCs. Mas se isto se verificar, o Governo de Hong Kong vai perder uma fonte de rendimento fiscal. Actualmente, a maior parte dos dividendos do Governo de Hong Kong são obtidos através da venda de terras. É uma receita instável. Para além disso, existem poucos impostos em Hong Kong. Do ponto de vista dos cofres da cidade, seria uma boa decisão a implementação do imposto digital

Saliente-se ainda que a comunidade internacional defende a criação deste imposto num futuro próximo e, para se manter alinhado com o resto do mundo, Hong Kong também o deveria implementar.

A receita do Governo de Macau provém sobretudo dos casinos. Após a reunificação da China, os casinos são fonte de enormes lucros e a receita do Governo também tem vindo a subir. Para já, em Macau o imposto digital não parece ser uma prioridade. Outra vantagem possível da não implementação deste imposto é o encorajamento ao crescimento do comércio online na cidade. Pode vir a atrair DPCs estrangeiras para aqui se estabelecerem.

De qualquer forma, continuemos a acompanhar os desenvolvimentos da implementação do imposto digital e depois tiraremos mais conclusões.

 

Legal consultant of Macau Jazz Promotion Association
Associate Professor, Macao Polytechnic Institute
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23 Jul 2019

A crise em Hong Kong

[dropcap]N[/dropcap]o dia 1 deste mês, fiquei no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau a acompanhar um familiar e, por isso, não pude ir a Hong Kong assistir à manifestação de 1 de Julho, como costumo fazer. Só consegui testemunhar as dramáticas mudanças que estão a acontecer na cidade através da televisão. Fiquei esgotado, fisíca e psicologicamente, ao ponto de não ter conseguido escrever o artigo dessa semana, pelo que apresento as minhas desculpas.

Os confrontos entre os manifestantes e a polícia que então se verificaram não diminuíram de intensidade, antes pelo contrário aumentaram nos dias seguintes. Os distúrbios irromperam em vários distritos e a animosidade entre manifestantes e a polícia foi subindo de tom. Quando as questões políticas não se resolvem nos locais próprios, o divisionismo no seio da sociedade de Hong Kong aumenta de dia para dia. Se o princípio da responsabilização dos funcionários superiores fosse observado, a Chefe do Executivo, Carrie Lam, assumiria a culpa e demitir-se-ia, porque ela é a responsável pela crise social que se vive na cidade. As suas afirmações sobre a “morte” da revisão da lei, não significam que a revisão seja definitivamente “abolida”. Por outro lado, sem a criação de uma comissão de inquérito independente ao comportamento da polícia os conflitos sociais não irão diminuir. No entanto, o Governo de Hong Kong não deu qualquer resposta positiva a esta questão tão clara com a qual poderia ter aliviado as tensões sociais.

Se Carrie Lam tivesse anunciado oficialmente a abolição da revisão da Lei de Extradição, tivesse criado uma “comissão de inquérito independente” e tivesse designado o antigo Secretário da Justiça Andrew Kwok-nang Li, do Supremo Tribunal, para chefe da comissão, acredito que a tensão começaria imediatamente a diminuir e haveria boas hipóteses de cura das feridas causadas por toda esta divisão social. Até agora, quem é que mostrou não ter vontade de resolver a crise de Hong Kong? Quem é que está a transformar Hong Kong num palco de luta de gladiadores? Quem é que está a arrastar Hong Kong para uma crise política, pondo em causa o conceito “um país, dois sistemas”?

A política é uma arte, embora não seja uma arte marcial e, como tal, não se determina quem perde e quem ganha através do uso da violência. Os chineses têm um ditado que diz “é possível chegar ao poder através da violência, mas não se pode usar a violência para governar um país”.

Não se pode negar a competência a a eficácia administrativa de Carrie Lam, mas ela deixa-se muitas vezes cegar pela “arrogância e pelo preconceito” ao ponto de não conseguir aceitar as opiniões das outras pessoas. Sempre que discursa, ou faz declarações públicas, as suas palavras produzem o efeito oposto do esperado. Este facto demonstra que ela se encontra num estado de confusão e que deixa transparecer as suas emoções secretas por entre as frases que pronuncia. Não serve de nada continuar a pedir-lhe que resolva os problemas que foram criados.

Os rumores recentes sobre a possibilidade da declaração da “lei marcial” em certos distritos de Hong Kong não são infundamentados. Se a situação se deteriorar, sera possível vir a declara a lei marcial na cidade inteira, que é a última coisa que as pessoas esperam. A questão que se coloca é porque é que não foi avançada até agora nenhuma solução para resolver a crise? As acções do Governo e da polícia dão frequentemente a sensação de que não sabem como sair deste dilema.

A forma de sair da crise deveria ter sido pensada a partir da identificação atempada dos seus sinais, lidando com as questões e resolvendo-as, ao invés de ter permitido a criação de uma bola de neve impossível de ser travada. A análise das medidas de contigência tomadas pela polícia na manifestação de 1 de Julho, quando os manifestantes irromperam pelo edifício do Conselho Legislativo, e das acções da polícia no New Town Plaza Mall, em Sha Tin, a 14 de Julho, levou algumas pessoas a suspeitar de que há quem pretenda colocar os manifestantes e os agentes numa posição difícil, de forma a deixar tudo fora de controle.

Deng Xiaoping propôs o conceito de “um país, dois sistemas” aquando da transferância de soberania de Hong Kong e Macau, para também vir a ser aplicado em Taiwan, com o objectivo de conseguir uma reunificação pacífica da China. Em Macau, a aplicação deste conceito trouxe prosperidade económica através da liberalização dos direitos do jogo e da política de “turismo de visto individual”. O “Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico” de Macau pode silenciar temporariamente a insatisfação, mas esta “gaiola dourada” não é uma opção para os habitantes de Hong Kong. Quando as reformas constitucionais falharam em Hong Kong, em 2014, as autoridades competentes não se aproveitaram do rescaldo do “Movimento dos Chapéus de Chuva” para apresentarem uma nova proposta reformista. A arrogância daqueles que detêm o poder e a ineficácia de quem os rodeia são responsáveis pela actual situação de Hong Kong. Se a aplicação do conceito “um país, dois sistemas” falhar completamente em Hong Kong”, vai ser muito difícil a sua implementação em Taiwan.

Se a crise de Hong Kong se continuar a agravar, os habitantes de Hong Kong e o conceito “um país, dois sistemas” vão sofrer sérios danos. Lucrarão com esta crise serão aqueles que por ela foram responsáveis.

19 Jul 2019

Somos campeões

[dropcap]P[/dropcap]ara todos os estudantes do ensino secundário de Hong Kong o dia 10 de Julho é um marco importante, porque é nesse dia que são anunciados os resultados dos exames finais de curso, designados por HKDSE. Deste resultado depende o futuro dos estudantes. Os que passarem continuam rumo à Universidade, os que não passarem rumam em direcção ao mundo do trabalho.

Dos exames deste ano destacaram-se 12 campeões. Os ditos campeões são alunos que ficam classificados em primeiro lugar em pelo menos sete disciplinas. Ao contrário dos anos anteriores, dois destes campeões não vieram das escolas tradicionalmente mais importantes. Esta mudança demonstra que os resultados dependem em muito do empenho dos estudantes. Quem trabalha com afinco tem necessariamente boas notas. Às escolas, aos colegas e aos pais cabe o papel de formação e encorajamento, o papel de apoio aos candidatos. Mas o mais importante é o esforço de cada um. Esperemos que esta mudança sirva para que os estudantes, que não frequentam as escolas mais afamadas, compreendam a importância do empenhamento pessoal. Esta é a grande verdade.

O HKDSE é um exame público. Os enunciados são criados pela Autoridade de Examinação de Hong Kong. As grandes vantagens do exame público são a objectividade e a equidade. É muito difícil haver fugas dos conteúdos destes enunciados. Usar os mesmo critérios de avaliação para todos, faz com que a credibilidade dos exames seja bastante elevada.

Em Macau, para acesso às quatro Universidades, existe apenas um exame conjunto. Futuramente o exame de acesso à universidade irá fundir-se com o exame final do secundário e terá a sua importância acrescida.

Este ano, apresentaram-se 56.000 candidatos ao HKDSE. Nos anos 80, apenas existia o Exame de Certificação Educativa de Hong Kong (HKCEE – sigla em inglês). O exame actual, o HKDSE, ainda não tinha surgido. Todos os anos, cerca de 130.000 candidatos participavam no HKCEE. Nesta época, quando o candidato falhava o exame, tinha de repeti-lo no ano seguinte ou ingressar directamente no mundo do trabalho. Hoje em dia a situação é muito diferente. Actualmente, quando o estudante não tem resultados satisfatórios, embora não possa ingressar directamente na Universidade, tem a possibilidade de aceder a um programa de equivalências onde pode obter um bacharelato e futuramente uma formatura universitária.

À medida que o tempo passa o sistema educativo muda. Quanto mais facilitado for o acesso às universidades, menos valor terão os cursos superiores. Nos anos 80 um curso superior dava acesso imediato a uma posição bem remunerada, os licenciados passavam a pertencer à classe média e construíam uma vida confortável. Podiam comprar casa, carro e criar uma família. Mas hoje em dia, quer seja em Macau ou em Hong Kong, quem é que pode atingir esse nível de vida quando acaba a Universidade?

A popularização do ensino superior provocou a sua própria desvalorização e os estudantes deixaram de acreditar que o curso lhes vá proporcionar um bom futuro. Esta situação acaba por desencorajá-los e isso ressente-se nos estudos. Não se aplicam o suficiente porque não acreditam que o seu esforço vá verdadeiramente dar frutos e acabam por sair da Universidade mal preparados. Se uma geração com poucos conhecimentos vier a ocupar lugares de destaque, que tipo de sociedade nos espera?

O principal objectivo da Universidade é a formação de pessoas especializadas de forma a permitir o bom funcionamento da sociedade no seu todo. A conjuntura social não pode ser controlada pela Universidade, mas os factores que a condicionam afectam directamente o desempenho académico dos estudantes. Se as condicionantes actuais se mantiverem, é pouco provável que o desempenho académico em termos globais melhore e, em última análise, a vítima da situação será a sociedade em geral.

Cumprimentemos os campeões que obtiveram as melhores notas nos exames; no entanto, e ao mesmo tempo, devemos reflectir sobre os resultados académicos em termos globais.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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16 Jul 2019

Jurisdição além fronteiras

[dropcap]A[/dropcap]pós o anúncio oficial da suspensão da revisão da lei dos condenados em fuga por parte da Chefe do Executivo, este processo chegou ao fim. Embora nos últimos dias ainda se tenham efectuado pequenas manifestações em Hong Kong, têm sido em geral demonstrações pacíficas. No entanto houve uma excepção, a invasão e vandalização do edifício do Conselho Legislativo. Na sociedade actual as pessoas têm a obrigação de se manifestar de forma pacífica, independentemente das causas que defendem. Ninguém pode apoiar manifestações que degeneram em motins e dão origem a violência física e a danos materiais.

Uma sociedade evoluída permite que as pessoas manifestem as suas opiniões de forma pacífica e dá espaço para os diferentes pontos de vista. No entanto, não se pode aceitar o recurso à violência como forma de imposição das ideias de um determinado grupo de pessoas. É um comportamento que nos vemos forçados a condenar.

Na sequência do ataque ao Parlamento, ficou a saber-se que o edifício não tinha seguro. Não se sabe se este lapso se deveu a uma recusa da companhia seguradora ou a um simples esquecimento por parte do Governo. Seja qual for o caso, este problema tem de ser resolvido. Claro que pôr trancas à porta depois da casa arrombada não é a melhor ideia e, neste caso, não sabemos que companhia seguradora irá estar interessada no negócio depois da vandalização do edíficio. Estamos sem dúvida perante um problema. Se não houver forma de fazer um seguro, será que podemos contar com uma alternativa?

A questão central que desencadeou a vontade de rever a lei de extradição dos condenados em fuga foi o alegado crime perpetrado em Taiwan por um residente de Hong Kong. A revisão da lei foi suspensa. Não restam dúvidas que este suspeito vai beneficiar da suspensão revisão da lei. Já não vai ser julgado em Taiwan; significando que não irá responder pelas suas acções perante o Tribunal.

No passado dia 28, o jornal Sing Tao Daily anunciou que Yang Yueqiao, deputado do Conselho Legislativo, escreveu à Chefe do Executivo manifestando vontade de ver aprovada a jurisdição extraterritorial do Tribunal de Hong Kong. Do ponto de vista legal, em princípio, um tribunal local só tem capacidade de julgar casos ocorridos no seu território; nas situações que se verificam fora de Hong Kong a legislação local não se aplica. As leis de Hong Kong não podem ser usadas como padrão em julgamentos de crimes praticados além fronteiras. No entanto, se for aplicada a jurisdição extraterritorial, as leis de Hong Kong podem passar a ser aplicadas a casos ocorridos fora do território. Desta forma o suspeito do homicídio de Taiwan poderia vir a ser julgado em Hong Kong.

Mas esta possibilidade levanta dois problemas óbvios. Em primeiro lugar, estender a jurisdição local a um caso ocorrido além fronteiras é alargar o seu poder a território estrangeiro. Se as autoridades da outra região discordarem, que consequências poderão daí advir? Ou seja, se as autoridades de Taiwan não concordarem que o suspeito venha a ser julgado em Hong Kong e, por isso, não quiserem entregar as provas comprometedoras, o julgamento não se poderá efectuar.

Em segundo lugar, o Governo de Hong Kon é um governo local. Estender a jurisdição da RAEHK a outras regiões está completamente para lá dos limites da Lei Básica da cidade. Sem o consentimento do Governo Central tal nunca será permitido.

A possibilidade da jurisdição extraterritorial depende de vários factores, não parece fácil implementá-la para levar o suspeito do crime de Taiwan a comparecer perante a justiça.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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9 Jul 2019

Desvalorização da educação

[dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira da semana passada os jornais de Hong Kong publicaram a notícia do suicídio de uma jovem universitária. No bilhete que deixou, apelava à manutenção da luta contra o projecto de lei de extradição dos condenados em fuga. Lembrava que os esforços empreendidos por dois milhões de pessoas não podiam ser desperdiçados. A notícia também adiantava que a jovem tinha rompido com o namorado.

Durante o período de luta contra a lei de extradição já morreram duas pessoas. A primeira foi o homem que se suicidou em Admiralty e agora esta rapariga. Dois suicídios merecem alguma reflexão. Porque é que os jovens são actualmente tão frágeis? Porque é que encaram o suicídio como saída?

É compreensível que o suicídio possa ser visto como uma forma de fugir dos problema, mas não os resolve de forma alguma. Os adultos devem enfrentar as dificuldades e lidar com elas com calma. O suicídio, para além de ser uma forma de fuga, provoca grande sofrimento aos familiares. Praticar suicídio por causa da lei de extradição provoca sofrimento à sociedade em geral. Se estes suicídios provocarem problemas sociais desnecessários, então serão ainda mais inaceitáveis.

Muitas das pessoas envolvidas nas manifestações contra a lei de extradição são universitários e estudantes do secundário. Existirá um problema no sistema educativo que leve os estudantes a sair para a rua e defenderem as suas opiniões? Penso que a resposta a esta pergunta é muito complexa e não pode ser dada sucintamente. No entanto, uma coisa é certa. Hong Kong era relativamente pobre nos anos 60 e 70. Apenas uma percentagem mínima podia aceder ao ensino superior. Nos anos 80, Hong Kong começou a enriquecer. A pessoas compreenderam que a educação proporciona um futuro melhor. Por isso, nesta altura, houve uma corrida às Universidades, toda a gente queria ter um doutoramento. Pensavam que não teriam de se preocupar com o futuro nunca mais; a entrada na Universidade era um feito glorioso.

Nos anos 90, viveu-se a febre do investimento. Imensa gente investiu dinheiro na Bolsa e em vários negócios. Além disso o Governo criou mais cursos superiores para compensar a saída de especialistas para o estrangeiro. Em comparação com os anos 70 e 80, a cotação do ensino superior começou a baixar. Além disso tinha deixado de ser necessário um grau universitário para ganhar dinheiro.

Hoje em dia o preço das casas em Hong Kong e em Macau é altíssimo. Alguém que tenha acabado de se formar não consegue comprar um apartamento. A educação superior já não pode proporcionar um futuro radioso. Os jovens começam a desvalorizar o ensino universitário, e interrogam-se se vale a pena perder tempo a frequentar uma Faculdade. Trabalham apenas para a nota que garante passarem. Tudo o que vai para além disso é excessivo.

Como não concentram as suas energias nos estudos, aplicam-nas noutras coisas. Coisas essas que podem ser, por exemplo, lutas sociais. Questões de ordem social geram naturalmente problemas sociais. A participação dos estudantes nas manifestações está intimamente ligada à sua atitude perante o estudo.

Portanto, se não se ultrapassarem os problemas económicos e de qualidade de vida, será muito difícil Hong Kong voltar a ser uma sociedade harmoniosa e inclusiva.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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5 Jul 2019

Lei de extradição continua na ordem do dia

[dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, os últimos domingos foram assinalados por duas enormes manifestações contra a revisão da lei de extradição dos condenados em fuga. De acordo com os dados da organização, na primeira manifestação participou cerca de um milhão de pessoas e na segunda participaram cerca de dois milhões. Um dos manifestantes morreu em Admiralty ao cair de um edifício. Segundo os dados do Governo de Hong Kong o número de participantes foi muito inferior. De qualquer forma, esta questão não é muito relevante. A segunda manifestação, que começou às 14.40, congregou tantas pessoas que só se pôde ver o seu final pelas 23.00. A participação massiva nestas manifestações confirma que o Governo de Hong Kong tem um problema sério entre mãos.

Em primeiro lugar, as manifestações revelam que os habitantes de Hong Kong estão muito preocupados com a revisão da lei e que querem suavizar as alterações.

Em segundo lugar, o aperfeiçoamento em termos de organização que se verificou da primeira para a segunda manifestação, muitíssimo bem organizada, colocou o Governo da cidade perante um difícil dilema. Por um lado, os manifestantes tinham um objectivo muito bem definido e transmitiram as suas exigências de forma pacífica, sem necessidade de recorrer a qualquer tipo de violência. De certa forma obrigaram o Governo a aceitar os seus pontos de vista. O que se passou desta vez em Hong Kong, nada teve a ver com o que por vezes acontece noutros locais do globo, que degenera em tumultos incontroláveis. A forma pacífica das pessoas se manifestarem impediu a polícia de intervir. Efectivamente, nesta segunda demonstração, a polícia limitou-se a abrir caminho para os manifestantes passarem e a velar para que a ordem se mantivesse. Se de futuro os hong kongers passarem a demonstrar desta forma as suas insatisfações o Governo vai ficar numa posição difícil.

Em terceiro lugar, a Chefe do Executivo de Hong Kong anunciou a suspensão da revisão da lei de extradição dos condenados em fuga e não a abolição da revisão. Estas palavras “suspensão” e “abolição” deram o mote para algumas pequenas manifestações, que se realizaram depois da segunda grande manifestação. A questão estava precisamente no facto de suspender ou abolir a revisão da lei. Claro que a suspensão implica o regresso do projecto de lei ao Conselho Legislativo, enquanto a abolição implica a morte imediata deste projecto.

No entanto, algumas pessoas próximas dos círculos governamentais têm salientado que, se o Governo não tiver forma de lidar com as exigências deste número esmagador de manifestantes, será impossível reiniciar o processo de revisão da lei. Desta forma, a “suspensão” de Carrie Lam talvez venha a ser sinónimo de “abolição”.

É evidente que no seio da sociedade de Hong Kong se encontram apoiantes da “suspensão” e da “abolição”. Mas independentemente das diferentes opiniões, o facto que salta à vista é que o Governo não está em posição de resolver esta disputa e que será melhor não levar para a frente a revisão da lei.

No decurso das duas manifestações massivas as exigências dos habitantes de Hong Kong foram expressas de forma inequívoca e o Governo da cidade anunciou a “suspensão” da revisão. As pessoas devem reflectir sobre estes dois factos. Será que ainda é necessário continuarem as manifestações para exigir a “abolição” da revisão? Se continuarmos a escalpelizar este assunto que consequências podem daí advir?

Rowan Tam, um antigo cantor de Hong Kong, tinha uma canção,”Under the Lion Rock”, que dizia mais ou menos o seguinte:

“Navegamos no mesmo barco sob a Lion Rock, devemos ajudarmo-nos uns aos outros, esquecer as diferenças e procurar as semelhanças.”

Quer sejamos a favor ou contra a revisão da lei de extradição, Hong Kong tem de seguir em frente, olhar para o futuro e deixar o passado para trás. Unamos esforços para que Hong Kong possa vir a ter um futuro brilhante. Este deverá ser o desejo de todos nós.

 

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25 Jun 2019

Extradição na ordem do dia

[dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong esta semana ficou marcada pelas manifestações de protesto contra a proposta de lei de extradição dos condenados em fuga. Na demonstração de 9 de Junho compareceram imensas pessoas. As autoridades adiantaram o número de 153.000 participantes, ao passo que o porta-voz da organização apontava para cerca de um milhão. Mas todos sabemos que estes cálculos nunca são precisos. Durante o desfile, o responsável pelo cálculo do número de participantes tira fotos, conta as pessoas que aparecem na foto e calcula a área que ocupam. Se continuar a fotografar a mesma área a intervalos regulares é possível fazer uma estimativa do número de pessoas presentes. Esta estimativa pode variar conforme a área escolhida. Mas, seja qual for o número apontado, estiveram presentes sem dúvida muitos milhares de pessoas nesta manifestação.

No dia seguinte, segunda-feira, 10 de Junho, a TVB de Hong Kong entrevistou a Chefe do Executivo Carrie Lam. No decurso da entrevista, Lam deixou bastante clara a sua posição sobre o assunto. Em primeiro lugar, admitiu que esta proposta de lei toca questões muito controversas. Estas declarações foram úteis, mas as dúvidas não ficaram eliminadas. Mas Lam também assinalou que, se a oportunidade de rever a lei não for agora aproveitada, não se saberá quando o poderá vir a ser. Além disso resta a dúvida se a próxima proposta de revisão da lei vai ser bem-sucedida. Carrie Lam foi peremptória. Acredita que não vai ser. Por estas declarações podemos deduzir que, se duvidamos que a nova proposta de lei venha a ser bem aceite, então mais vale lidar com o assunto agora do que adiar a sua resolução.
Ainda a entrevista não tinha sido transmitida, quando se deu um motim em Hong Kong. A multidão ocupou as principais vias rápidas da cidade causando o congestionamento do tráfego. Depois da intervenção da polícia a situação começou a normalizar.
As manifestações e marchas realizadas na quarta-feira em Admiralty provocaram ferimentos em manifestantes e em agentes da autoridade. Mas na quinta-feira a situação agravou-se. Os organizadores convocaram as pessoas para as estações de Metro. Multidões precipitaram-se para as entradas do Metro durante a hora de ponta e os comboios não puderam circular normalmemte. O caos instalou-se. As pessoas que queriam chegar ao trabalho a horas não conseguiram.
É inquestionável que este método acabou por envolver nos protestos pessoas que não tinham qualquer intenção de se manifestar contra a proposta de lei de extradição. Se as manifestações são uma forma de expressar a opinião pública, a participação forçada é o seu oposto e, portanto, é uma forma de privar as pessoas dos seus direitos. É absolutamente incorrecto. Como é que podemos considerar pacífica uma manifestação que recorre ao uso de uma série de métodos para impedir o Metro de circular? A legalização das manifestações é um dos valores fundamentais de Hong Kong, bem como permitir que as pessoas expressem os seus desejos e aspirações. Mas é fundamental que não envolvam violência e que pessoas com outros pontos de vista se não vejam envolvidas à força numa luta que não lhes diz respeito.
No sábado, 15 de Junho, Lin declarou suspensa a discussão da proposta de lei de extradição. O Governo estava já preparado para submeter a proposta à discusão no Conselho Legislativo. Em teoria, depois da transmissão da entrevista com Carrie Lam, os ânimos deveriam ter acalmado, mas tal não aconteceu. Durante a tarde, um homem morreu em Admiralty. Manifestações de pesar e de indignção espalharam-se rapidamente através da internet. Este incidente vai marcar o tom da manifestação de domingo, 16 de Junho.
A avaliar pelos noticiários esta manifestação ainda vai ser maior do que a do domingo anterior. Embora no momento em que este artigo foi escrito ainda não houvesse cálculos, nem da parte do Governo nem da dos organizadores, tudo aponta que efectivamente o número de participantes aumentará. Mas, de qualquer forma, ainda vai ser necessário esperar pela contagem oficial.
Às 19.30 de sábado, 16, os manifestantes voltaram a ocupar as vias rápidas de Central e de Sheung Wan, pelo que o trânsito ficou completamente congestionado. Mas, estranhamente, no momento em que escrevo, os condutores fizeram seguir os veículos e começaram a desimpedir as vias.
É preciso continuar a acompanhar o desenrolar da situação. Felizmente hoje ninguém ficou ferido, porque todos amamos a paz.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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18 Jun 2019

Publicidade enganosa

[dropcap]N[/dropcap]o dia 2 deste mês o jornal de Hong Kong Sing Tao Daily publicou uma notícia sobre a jovem Miss Wong, proveniente de Hong Kong e estudante no Reino Unido. Miss Wong levantou um processo num tribunal londrino contra a Universidade Angelia Ruskin. O artigo não adiantava os motivos de forma muita clara, limitando-se a mencionar “publicidade falsa aos serviços”.

Miss Wong inscreveu-se nesta Universidade em 2011, para fazer uma pós-graduação em administração internacional, um curso com duração de dois anos. A jovem escolheu a Angelia Ruskin devido ao panfleto promocional que garantia “Formação de Alta Qualidade” e “Boas Perspectivas de Emprego”. Estas indicações impressionaram favoravelmente Miss Wong. Mas depois do início do ano lectivo ficou decepcionada. As aulas começavam com atraso e terminavam antes da hora. Os estudantes eram incentivados ao “auto-didactismo”. Por tudo isto, a queixosa acusou a Universidade de fraude, na medida em que estava longe de garantir a “Formação de Alta Qualidade” anunciada no prospecto.

Mesmo assim, terminou a formação em 2013 certa de que tinha assegurado o início de uma sólida carreira profissional. Mas sempre que se candidatava a um emprego era rejeitada. O diploma não era reconhecido no mundo do trabalho.

Portanto, para Miss Wong, o curso não assegurava formação de qualidade nem garantia perspectivas de emprego e, como tal, considerou que o prospecto publicitário era enganador.

Após negociação entre as partes, a Universidade indeminizou a queixosa com o montante de 61.000 libras.

Deste valor, 46.000 libras eram destinadas a custas processuais. O sistema legal britânico é diferente do de Macau. A parte que perde o processo arca com as custas da outra parte. A principal despesa deste bolo são os honorários do advogado, que neste caso foram pagos pela parte acusada.

Em entrevista ao jornal Sunday Telegraph, Miss Wong afirmou sentir-se satisfeita com o resultado do julgamento. Disse ainda estar convencida que de futuro a Universidade iria ter mais cuidado com o que escrevia nos prospectos promocionais. Promessas irrealizáveis não devem estar impressas em panfletos informativos.

Embora este caso não envolva uma notícia de monta, para nós, não deixa de ser motivo de reflexão. Como sabemos, actualmente existem nove Universidades em Macau. Devido à implementação da Lei do Ensino Superior, estamos a entrar numa nova era da educação. Quase todas as Universidades têm de estar certificadas. A certificação atesta o grau de qualidade de cada uma delas. Desta forma, as Universidades devem poder garantir até certo ponto o seu nível de ensino.

No entanto, Miss Wong processou a Universidade por incumprimento das promessas feitas aos estudantes no programa promocional. Segundo a notícia, a queixosa baseou o seu processo na falsidade do prospecto. Se tinha ou não tinha razão, é uma questão que fica em aberto. Mas uma coisa é certa, segundo a lei do Reino Unido, a partir do momento em que os estudantes pagam as propinas e ingressam na Universidade, estes prospectos fazem parte do contrato entre as partes.

A Universidade é responsável por honrar os termos do contrato. Se não o fizer, entra em incumprimento e os estudantes podem processá-la.

Embora a situação em Macau seja significativamente diferente da do Reino Unido, o prospecto é considerado um documento oficial na admissão à Universidade. Se existirem diferenças consideráveis entre o programa apresentado e a experiência que os estudantes vivem posteriormente, existirão naturalmente motivos de descontentamento.

Consequentemente, as Universidades terão de ter muito cuidado com a forma com que redigem estes panfletos. Se as promessas se cumprirem todos ficam satisfeitos, mas se não se cumprirem os problemas hão-de surgir. Este caso acaba por ser um alerta para todas as Universidades, lembrando que devem ser cuidadosas na forma de divulgar os seus programas e responsáveis pelas expectativas que criam aos estudantes.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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11 Jun 2019

Portas do Cerco em estado de sítio

[dropcap]N[/dropcap]os últimos dias, devido às obras de manutenção e reparação das escadas rolantes, as pessoas que viajavam de Zhuhai e Macau acumularam-se no corredor das partidas das Portas do Cerco. Dia 22 deste mês, a Polícia de Segurança Pública, o Gabinete das Forças de Segurança e o Gabinete de Transportes deram uma conferência de imprensa conjunta para apresentarem o plano de emergência para lidar com a situação. As medidas incluem a abertura de 13 guichets do controlo alfandegário, para que sejam evacuadas 12.000 pessoas num espaço de quatro horas. Na medida em que a entrada do edifício de controlo de fronteiras é estreita e as escadas rolantes estão em manutenção, o risco de acidentes aumenta com a enorme concentração de pessoas. É portanto urgente fazer sair esta multidão. Após a implementação das medidas, as pessoas só esperam cerca de 10 minutos até entrarem no edíficio da alfândega.

Espera-se que abram mais dois guichets durante o fim de semana, passando assim de 13 para 15. O Gabinete de Transportes pediu às companhias transportadoras que os autocarros mudassem de rota, para que os passageiros pudessem sair junto aos portões de embarque. Os autocarros que fazem a volta dos hotéis foram reduzidos para um terço e os passageiros são encorajados a entrar e sair de Macau pela Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau.

A substituição das escadas rolantes do edifício da alfândega das Portas do Cerco causou a concentração de uma multidão, e demonstrou a capacidade de infraestrutura pública de Macau para dar resposta a incidentes. O projecto de manutenção das escadas rolantes surgiu no princípio de 2018, mas o público só foi informado no dia anterior ao início das obras. Muitos dos residentes e turistas só se aperceberam da situação quando chegaram às Portas do Cerco. Esta situação sugere que as autoridades deverão fazer um esforço para publicitar este tipo de ocorrências com maior antecedência e que haja um controlo mais apertado das entradas e saídas em Macau. Fora isso, seria possível que o Governo providenciasse no sentido de serem utilizados outros postos de controlo alfândegário, para libertar a pressão das instalações das Portas do Cerco?

Como o tempo de espera para entrar e sair de Macau está a aumentar, é possível que venha a ser necessário criar condições especiais para idosos, crianças, grávidas e pessoas com incapacidades, para evitar qualquer mal estar causado pelas altas temperaturas que se fazem sentir no Verão.

Mas, pior do que isso, é a possibilidade de transmissão viral, frequente em locais super-lotados. Se uma pessoa estiver doente, facilmente muitas outras serão contagiadas e todos sabemos que se há vírus inofensivos, há infelizmente outros muito perigosos. Também é necessário alertar a população para o uso de máscaras. A presença de médicos no local e o controlo sanitário poderão ser ainda questões a considerar.

As obras de manutenção e reparação das escadas rolantes do átrio das Partidas do edifício alfandegário das Portas do Cerco irão demorar cerca de 60 dias. O público irá sentir os seus transtornos por igual período. As escadas estão montadas paralelamente, em grupos de três.

Devido às restrições de espaço, é possível que passem para grupos de duas, diminuindo grandemente a capacidade de transporte.

Há uns tempos atrás estas escadas causaram muitos acidentes. Alguns turistas do continente forçavam manualmente a paragem das escadas e as pessoas que iam mais abaixo, como não conseguiam aguentar o impacto, perdiam o equilíbrio e caíam, fazendo cair também os que estavam atrás deles. Este foi um dos motivos que levou a separar as escadas em várias secções, de forma a diminuir os danos dos possíveis acidentes. Este aspecto deve de ser considerado na actual remodelação.

 

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28 Mai 2019

Direitos dos Animais (II)

[dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre duas das alterações à lei de protecção dos animais em Hong Kong. A primeira, reflecte-se na seccção 56 da Lei do Tráfego Rodoviário e prevê que, quem atropele um animal tem de parar, prestar auxílio e notificar a polícia num espaço de 24 horas. A segunda, estipula que os donos são responsáveis pelos seus animais, sendo sua obrigação cuidar e atender às suas necessidades. Esta obrigação constitui o “dever de cuidar”.

Na sequência desta alteração, os tribunais podem privar uma pessoa do direito de possuir um animal para sempre, se este dever for seriamente violado

A Lei de protecção dos animais de Macau não estipula esta condição, mas o parágrafo 1 do artigo 28 enuncia:

Artigo 28.º

Penas acessórias
1. A quem for condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 25.º e 26.º podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias:

1) Declaração de perda a favor do IACM do animal do infractor;
2) Proibição de aquisição e criação de animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos;
3) Proibição do exercício de actividades que impliquem o contacto efectivo com animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos;

Como vemos, este artigo estipula que quem violar a lei será privado do seu animal, o qual será entregue ao cuidado do IACM. Isto implica que os animais sujeitos a maus tratos serão imediatamente resgatados. Embora aqui se preveja que quem infligir maus tratos a animais seja proibido de os ter por um período de um a três anos, não é uma interdição para toda a vida, conforme enuncia a emenda à legislação de Hong Kong. As leis da Região Administrativa Especial de Macau foram buscar o modelo da legislação portuguesa. Segundo o Código Penal português, a pena máxima é de 25 anos. Não existe prisão perpétua. Transpondo este princípio para a lei de protecção dos direitos dos animais, faz sentido que não se proíba ninguém de ter um animal para o resto da vida.

Uma das antigas propostas de alteração a esta lei previa a criação de um corpo policial dedicado em exclusivo à protecção animal. Mas a polícia opôs-se argumentando a falta de efectivos. Sem intervenção policial, existirão inevitavelmente bloqueios à implementação da lei, especialmente quando os donos se recusam a colaborar, ou resistem violentamente, os responsáveis ficam incapacitados de agir.

Outra crítica às emendas da lei de Hong Kong prende-se com a falta de uniformização, o que deu origem a dificuldades na compreensão e confusões. Também dificulta o trabalho dos departamentos responsáveis ao tentarem aplicar a lei correctamente. Conforme já foi referido, a legislação de protecção animal em Hong Kong, inicialmente, apenas se destinava a preservar a segurança e a sáude públicas. Actualmente foi alargada aos conceitos de direitos e bem-estar animal. Direitos e bem-estar animal e saúde e segurança públicas são dois binários conceptuais distintos. Misturar conceitos gera confusão, daí que as críticas pareçam ser compreensíveis.

Em oposição, a legislação de protecção animal de Macau é basicamente um conjunto de quatro regulamentos, a Lei No. 4/2016, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 335/2016 que – Determina a proibição da aquisição, criação, reprodução ou importação das raças de cães e animais, o Regulamento Administrativo n.º 28/2004 que – Aprova o Regulamento Geral dos Espaços Públicos e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 106/2005 que – Aprova o Catálogo das Infracções a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, alínea 2, do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. Como Macau tem basicamente nesta matéria este conjunto de leis e Despachos, e a legislação sobre protecção animal remonta a 2016, pode afirmar-se que é uma lei recente. Além disso podemos classificar a legislação de Macau como “simples e clara” .

No Génesis, é dito que Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. E Deus ordenou ” Ao homem é dado domínio sobre todas as coisas e ele recebe mandamento de se multiplicar e de encher a Terra.” Embora nem todos acreditem na Bíblia, o princípio sagrado de usar a lei para proteger os direitos dos animais e a promoção do seu bem estar, faz parte de uma sociedade saudável e evoluída. O primeiro passo para que este objectivo seja cumprido é compreender que os animais não são brinquedos, nem podem servir para descarregar frustrações; se assim não for, o agressor despe-se do sentido de moralidade que todo o ser humano deve possuir e será altamente provável que a lei de protecção animal venha a ser violada.

 

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21 Mai 2019

Direitos dos animais (I)

[dropcap]S[/dropcap]oube-se há cerca de duas semanas que o Governo de Hong Kong está a preparar uma revisão da legislação sobre protecção aos animais, nomeadamente para combater comportamentos cruéis. Em Macau, a Lei de Protecção dos Animais é relativamente recente. Esta é uma boa oportunidade para analisarmos a legislação das duas cidades e vermos o que cada uma delas pode aprender com a outra.

Em Hong Kong, a “Lei de combate à Raiva” e os “Regulamentos sobre Animais Perigosos” destinam-se a promover a vacinação dos cães e o uso de trela em locais públicos, de forma a evitar que alguém possa ser mordido. O principal objectivo destas leis é garantir que os animais não constituam uma ameaça para a saúde nem para a segurança do público. A salvaguarda dos direitos dos animais não tem sido até agora uma preocupação.

A protecção dos direitos dos animais centrou-se na legislação contra a crueldade. Exemplo disso é a Lei para a Prevenção da Crueldade para com os Animais, publicada em 1935 e elaborada de acordo com o Acto 1911 de Protecção dos Animais, britânico. Esta lei estipula que o tratamento cruel ou negligente, que causa sofrimento desnecessário, é ilegal e pode ser punido com uma multa até $200.000 e pena de prisão até três anos.

Mas, desta vez, o Governo de Hong anunciou que irá introduzir alterações à lei. A primeira irá incidir na secção 56 da Legislação de Circulação Rodoviária. A alteração exige que o condutor que atropele cavalos, vacas, burros, ovelhas, porcos (excepto javalis), cabras, cães ou gatos, deve parar de imediato e comunicar o acidente à polícia num espaço de 24 horas. Se estas medidas forem tomadas, a hipótese de sobrevivência do animal atropelado aumenta significativamente.
Por seu lado, o Parágrafo 1 do artigo 3 do MAPL estipula:

Maus tratos a animais

1. É proibido o tratamento de animais por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que lhes inflijam dor e sofrimento.

Embora o artigo condene a crueldade, a violência e a tortura não específica o que considera como tal. Por exemplo, o atropelamento e abandono de um animal pode ser considerado cruel, violento ou uma forma de tortura? Haverá necessidade que a lei seja mais específica e se venha a debruçar sobre a intencionalidade ou a não intencionalidade nestas circunstâncias?

É considerado como crueldade, violência ou tortura, embora não só, pontapear, bater e provocar ferimentos ou mutilações. O Artigo 25 do MAPL estipula:

Artigo 25.º

Crime de crueldade contra animais
Quem, com a intenção de infligir dor e sofrimento a animal, o tratar por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que resultem em mutilações graves, perda de órgãos importantes ou morte, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias.

Embora a lei não enumere os comportamentos específicos que provocam estas consequências, condena todos os actos que as provoquem.

Claro que enumerar comportamentos específicos seria exaustivo. Na sociedade actual, os meios pelos quais a violência, a crueldade e a tortura se exercem são inumeráveis. Embora a lei actual contemple um vasto leque de comportamentos, não quer dizer que esteja preparada para lidar com novos comportamentos crúeis, violentos e perversos que possam surgir no futuro. Os animais não falam e, como tal, não se podem queixar. Por isso, a lei tem de definir muito bem o que são actos de crueldade, violência e tortura, para que possam ser convenientemente punidos. É possível implementar a protecção dos direitos dos animais.

Hoje em dia, nos países dos continentes europeu e americano a legislação de protecção animal já não se limita a condenar os maus tratos e a negligência. A lei estipula o “dever de cuidar” para proteger os direitos dos animais. É disso exemplo o Acto 2006 de Bem-Estar Animal, que foi acrescentado à legislação do Reino Unido em 2006. O “Dever de Cuidar” estipula que os donos têm de dar garantias de possuir os meios necessários para prover às necessidades básicas dos animais ao seu cuidado; além disso garante que os agentes das autoridades possam intervir sempre que um animal é encontrado em situação deficitária, como forma de prevenir tragédias futuras. É precisamente neste ponto que irá incidir a alteração à lei de protecção aos animais em Hong Kong.

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14 Mai 2019

Investigação genética sujeita a novas regras

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 20, a Hong Kong TV anunciou que a China continental vai rever o Código Civil. As reformas jurídicas vão ter efeito em múltiplas áreas, nomeadamente na proibição do uso de tecnologia informática para fins que violem a privacidade dos cidadãos. Os órgãos estatais, e os seus funcionários, têm plena consciência da importância da salvaguarda da informação pessoal. Estão obrigados a manter a confidencialidade dos dados, não podendo em circunstância alguma, facultá-los indevidamente a terceiros. As reformas também se farão sentir nas áreas científica, académica e clínica, particularmente no que respeita à regulação dos procedimentos de manipulação de genes e embriões humanos. Estes procedimentos têm de obedecer à lei, aos regulamentos administrativos, não podendo nunca pôr em risco a saúde humana, nem violar princípios morais.

Esta emenda específica do Código Civil teve obviamente em consideração a experência levada a cabo pelo Professor He Jiankui, em 2018. Ao criar uma transformação do genoma nos embriões de duas gémeas, o Professor imunizou-as contra o HIV. É consensual encarar a investigação de He Jiankui como um enorme avanço científico, mas ela constitui também uma violação clara das regras éticas e legais A transformação do genoma é uma caixa de Pandora que, uma vez aberta, pode libertar pesadelos imprevísiveis. Alterar o genoma pode agravar desigualdades entre os seres humanos e o agravamento de desigualdades pode gerar conflitos. A manipulação do genoma constitui uma clara violação da ética humana e, por isso, é totalmente pertinente a regulamentação desta área. A criação de mais leis e regulamentos é indispensável. Em primeiro lugar temos a investigação, depois as questões morais que levanta e finalmente a lei que a governa.

Existem muitas questões nesta área na sociedade actual. A lei não pode limitar-se a regular os estudos genéticos. No último artigo, analisámos o caso de Jan Karbaat, o medico holandês, director do departamento reprodutivo de um Hospital estatal, que trocou o esperma dos dadores autorizados pelo seu, sem o consentimento das receptoras. Calcula-se que tenham sido geradas 60 pessoas com o material genético do médico. Organizadas em grupo, estas pessoas processaram-no, exigindo que fossem recolhidas amostras do seu ADN para comprovar a paternidade .

A manipulação genética e a fertilização assistida representam, sem dúvida, enormes progressos científicos, mas, sem uma regulação com base na ética, podem ter resultados desastrosos e, sobretudo, imprevisíveis. É importantíssimo que a sociedade, através dos seus mecanismos jurídicos, supervisione e controle estes processos. A bem da igualdade de oportunidades e do bem estar social.

A manipulação genética ilegal e a utilização não autorizada de esperma na fertilização assistida, são crimes aos olhos da lei. Pela sua natureza complexa, podem não ser facilmente identificáveis pelo homem comum. A sociedade tem obrigação de legislar e de punir os actos ilegais. Em conformidade, são necessárias mais leis para regularem os actos médicos. À semelhança da legislação que regula os crimes informáticos, as leis que regem os actos médicos serão independentes das leis tradicionais, terão de tomar em linha de conta todo o conjunto de incidentes que possam ter origem em actos médicos, de forma a governar de forma justa esta situação específica.

 

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7 Mai 2019

Doutor estranho amor

[dropcap]N[/dropcap]o dia 16 deste mês, a TVB de Hong Kong passou uma estranha notícia. Um médico holandês, o Dr. Jan Karbaat, antigo director do departamento de medicina reprodutiva do Zuider Hospital, terá usado, ao longo de quinze anos, o seu sémen para fertilizar óvulos de pacientes. Não se sabe ao certo quantos bebés terão sido gerados desta forma. O Dr. Karbaat faleceu em 2017.

A Direcção do Zuider Hospital veio a apurar que, entre 1973 e 1978, um total de 659 mulheres foram admitidas para serem submetidas ao processo de inseminação artificial, do qual resultaram 338 bebés. Se são, ou não, todos filhos do Dr. Karbaat, só a investigação em curso poderá dizer.

Depois de deixar este Hospital em 1979, o médico abriu uma clínica reprodutiva, que viria a ser encerrada em 2009, devido a problemas administrativos. Profissionais da área afirmaram que este incidente só foi revelado muitos anos depois, porque antigamente a identidade do doador permanecia secreta, sendo apenas do conhecimento do pessoal clínico. Mas a legislação holandesa mudou em 2004 e a identidade dos doadores passou a ser pública.

O médico foi acusado de usar o seu esperma para fertilizar pacientes, sem o conhecimento das interessadas. Existem suspeitas que tenham sido geradas mais de 60 crianças desta forma.

Um dos membros e porta-voz, do auto-apelidado grupo “Filhos de Jan”, que se parece incrivelmente com o médico, solicitou ao Tribunal autorização para recolher uma amostra genética de Jan Karbaat, para comparar com o ADN dos membros do grupo. Após deferição do pedido, deu-se início a um longo processo de identificação. No seguimento destas investigações Joey, um dos filhos do médico, afirmou:

“Depois de 11 anos de investigações, posso finalmente pôr um ponto final no assunto. Posso seguir em frente. Sinto-me feliz por ter identificado as minhas origens.”

Tim Bueters, o advogado que representou os 49 filhos do médico, também se declarou satisfeito, por terem acabado as incertezas e os interessados terem tido, finalmente, acesso à verdade.

Embora ainda não se saiba ao certo que acusação o Estado Holandês irá formular para estes crimes, pelo quadro apresentado, existem alguns pontos dignos de nota:

1. A lei holandesa estipula que uma pessoa só pode doar esperma por 6 vezes, no máximo, e que o número de mulheres que engravidam com esse esperma não pode ultrapassar as 25. O médico violou claramente estes limites.

2. As crianças nascidas por este método têm direito de saber quem é o seu pai biológico? Esta é uma questão legal, mas também moral, que dependerá da vontade do doador para se identificar. Será que as crianças merecem passar por isto? É claro que é um assunto que pode necessitar de privacidade. Mas se a identidade do doador for revelada, é natural que se pense na posição das mães, o que nos remete para outra área de privacidade.

3. Sem o consentimento das mães, e dos seus parceiros, o médico usou o seu próprio esperma, trocando-o pelo dos doadores “credenciados”. Pode este acto ser considerado uma violação da vontade dos receptores? Além disso, se o casal em causa tivesse conhecimento do sucedido durante a gestação, teria direito a recorrer ao aborto? A questão é complexa, não pode ser facilmente formulada.

1. Na Holanda, antes de 2004, as pessoas geradas com esperma de doadores não tinham direito de saber a identidade do progenitor biológico. Mas, depois de 2004, a situação mudou. No contexto actual, os seus “descendentes” tiveram possibilidade de reclamar a identidade do pai biológico . Jan Karbaat morreu em 2017 e deixou um legado. Naturalmente, os seus filhos têm direito a reclamar a herança. Esta situação é naturalmente desfavorável para a viúva e para os filhos do casamento. Se se confirmarem os 60 filhos, por via da inseminação artificial, então, cada um deles, terá direito a uma fatia – pequena – da herança do médico.

Este é, de uma certa forma, um caso pioneiro. Sem a legislação adequada, teremos de pensar como se irá resolver o assunto e lidar com as lacunas da lei.

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23 Abr 2019

Estacionamento inteligente

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 25 de Março, o Departmento de Transportes do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Municipal do Distrito de Sham Shui, para a construção de um parque de estacionamento inteligente, em Sham Shui Po. A área destinada ao parque tem cerca de 3.400 metros quadrados. As instalações terão a forma de uma espiral e os espaços de estacionamentos vão ser circulares. O estacionamento será inteiramente controlado por um sistema informático automatizado que incluirá uma rede de “paletes automáticas”. Este design permite maior facilidade e rapidez de estacionamento. No rés do chão do complexo prevê-se a construção de jardins, parques infantis e ginásios.

Dia 7 deste mês, a Autoridade de Renovação Urbana de Hong Kong fez novas propostas para a construção do primeiro parque inteligente de Hong Kong, administrado por um sistema de estacionamento informatizado, responsável pelo controle das “paletes automáticas”.

As paletes automáticas efectuam o estacionamento dos veículos. Primeiro o condutor pára o carro à entrada do parque e depois faz o seu registo no sistema. Quando este processo está concluído, a palete automática vai buscar o carro, introduzindo-se na parte de baixo do veículo e depois eleva-o para proceder ao transporte. O espaço de estacionamento é detectado automáticamente, bem como a trajectória até ao local. Este mecanismo de transporte está equipado com um sensor que lhe permite desviar-se dos obstáculos e evitar colisões.

A Autoridade de Renovação Urbana alertou para o facto de não existir qualquer tipo de legislação que regule este sistema automatizado. Esta falha vai criar algumas dificuldades à aprovação do projecto por parte do Governo de Hong Kong.

O conceito de parques de estacionamento inteligentes foi importado de Singapura. De forma a evitar o congestionamento do tráfego e as emissões de dióxido de carbono, Singapura tem encorajado o uso de bicicletas. Mas, tal como os carros, as bicicletas também necessitam de locais para estacionar. Se forem deixadas na rua, podem bloquear a circulação e, além disso, podem ser roubadas. Por causa disso, o Governo de Singapura criou um parque inteligente para estacionar bicicletas, com capacidade para albergar 500 unidades. Antes de entrar, o utilizador tem de se registar no sistema informático do parque, recebendo de seguida a password que lhe permite estacionar a bicicleta. O processo de estacionamente automático leva menos de um minuto a efectuar-se. Este sistema de estacionamento inteligente foi inventado no Japão, onde está em funcionamento já há algum tempo. É pois expectável que o novo parque de Hong Kong venha a funcionar às mil maravilhas.

E que lições pode tirar Macau desta experiência? A 17 de Maio de 2018, o Governo da RAEM publicou a “Estratégia para o desenvolvimento da cidade inteligente de Macau e a construção nas áreas principais – Consulta Pública” . As plataformas automáticas de Singapura podem vir a ser tomadas em linha de conta para a implementação deste projecto em Macau.

Macau tem imensos habitantes e, desde há muito tempo, que se sente a falta de parques de estacionamento na cidade. À noite, sobretudo, vêem-se bastantes carros estacionados na estrada. Este estacionamento desordenado provoca o caos, dificultando a circulação de veículos e de peões. Todos sabemos que durante a passagem dos super tufões Hato e Mangkhut em Macau, em 2017 e em 2018, muitos carros estacionados em parques subterrâneos ficaram literalmente desfeitos, devido às cheias. É urgente construir na cidade mais parques de estacionamento, em estruturas acima do solo. Quer do ponto de vista da vida do dia a dia, quer do ponto de vista do desenvolvimento urbano, os parques inteligentes são indispensáveis.

Para estabelecer uma rede de parques inteligentes, são necessárias leis que os regulamentem. Embora exista em Macau muita legislação rodoviária, não existem leis que tenham em consideração as questões levantadas pelos parques inteligentes. Por isso, se quisermos construir parques inteligentes, temos de criar a respectiva legislação e agir antecipadamente.

17 Abr 2019

Corrupção com rédea solta

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente, o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) publicou o “Relatório de Actividades de 2018 do Comissariado contra a Corrupção de Macau”, cujos conteúdos não deixaram de surpreender os habitantes da cidade. Aparentemente, depois do caso de Ao Man Long e de Ho Chio Meng, existem ainda muitos funcionários do Governo que continuam a transgredir a lei. Pergunto-me quanto tempo será ainda necessário para que o Executivo da RAEM se liberte definitivamente deste problema.

A corrupção existe devido a práticas inquinadas dos sistemas político e económico, bem como a procedimentos perversos, culturalmente enraizados. Alguns empresários afirmam que “pagar luvas” é a melhor forma de tornar eficientes os serviços administrativos, como se pode verificar em certos países e regiões. Em Macau, no tempo da administração portuguesa, e na fase inicial da abertura da China ao processo de reformas, as pessoas consideravam o dinheiro aplicado em “presentes” como um custo normal de produção. Mas, com o passar do tempo e com as inevitáveis mudanças que acarreta, esta pseudo forma de aumentar a eficiência da administração pública deixou de ser tolerável.

No relatório do CCAC, são referidas as declarações da secretária para a Administração e Justiça sobre o ingresso de familiares de funcionários administrativos nos quadros públicos. A secretária afirma que esse ingresso não viola a lei e que, como tal, não pode ser considerado crime, mas desaconselha o procedimento considerando-o impróprio. Familiares de funcionários do Governo estão colocados em diversos departamentos públicos, como é o caso do Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau e de muitos outros serviços. Se a corrupção e as más práticas não forem erradicadas de vez de todas as instituições, os subordinados continuarão a seguir o exemplo dos seus superiores. A corrupção continua a medrar neste viveiro, e mesmo depois do novo Chefe do Executivo tomar posse, não nos conseguiremos livrar destas práticas malsãs.

Uma das causas primordiais da corrupção reside no abuso do poder, especialmente quando falta supervisão de procedimentos. Aliás, o sistema de verificação e de avaliação de desempenhos, ao nível da actuação do Governo local, tem sido uma preocupação de longa data da China, especialmente quando estão envolvidos muitos interesses e muitos accionistas. É muito difícil conseguir um aperfeiçoamento do sistema, quando faltam pessoas com ideais e quando o sistema jurídico não é suficientemente sólido. As leis são uma das principais ferramentas para governar um país, e a implementação de uma boa aplicação da lei é uma salvaguarda do progresso social.

Embora Macau já tenha regressado ao seio da China mãe há duas décadas, o seu atraso na legislação dura desde essa altura. O primarismo dos legisladores e o fraco exercício do estado de direito fizeram com que Macau ficasse entregue ao “estado das coisas”. Se a Polícia conseguisse utilizar o reconhecimento facial para identificar os peões que não respeitam os semáforos, de forma a poder multá-los, aposto que a fila para pagar as multas ia ser tão longa que ia dar a volta a metade da Península de Macau.

O princípio do estado de direito é a implementação da justiça, da imparcialidade, da transparência e da igualdade de todos os cidadãos aos olhos da lei. Todas as organizações e todos os indivíduos devem respeitar a autoridade da lei e agir dentro dos limites por ela definidos. Não podem existir privilégios nem excepções perante a lei. Olhando para o que se tem passado em Macau nos últimos anos, quem poderá afirmar que a nossa sociedade se rege pela obediência à lei?

O relatório do CCAC traça um quadro geral do problema da corrupção ao nível dos serviços administrativos. O caso “da permuta de terrenos da Fábrica de Panchões Iec Long” e o “projecto de construção do Alto de Coloane” ainda estão para ser avaliados nos próximos dias. Já saber se a atribuição das concessões para exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos através de concurso público, se irá realizar de forma justa, imparcial e transparente, só o tempo o poderá dizer. Esta questão será sem dúvida um dos grandes desafios do Governo da RAEM.

Para tornar límpidas as águas do Rio Amarelo, não vale a pena aplicar grandes esforços para filtrar as areias e a lama ao longo das margens, devemos sim concentrarmo-nos na consolidação dos aterros, de forma a evitar que as areias e a lama continuem a ser levadas rio adentro. O relatório do CCAC “mexeu com as águas turvas”, mas ainda é cedo para saber o que vai acontecer aos que foram identificados no relatório.

12 Abr 2019

Crimes, escapadelas e computadores (III)

[dropcap]H[/dropcap]á algumas semanas atrás, falámos sobre um caso ocorrido numa escola primária. Quatro professores divulgaram as perguntas dos exames e foram acusados de “aceder a computadores com intuitos desonestos”, ao abrigo da secção 161(1)(c) da Lei Criminal, de Hong Kong. Esta secção aplica-se a crimes informáticos. Este caso ficou famoso em Hong Kong e foi inicialmente julgado no Tribunal de Magistrados, posteriormente no Tribunal de Primeira Instância e finalmente no Tribunal de Recurso. A sentença desta última instância foi publicada no dia 4 deste mês. O julgamento durou, na totalidade, cinco anos.

Da sentença publicada, destacam-se cinco pontos dignos de análise:

Em primeiro lugar, fica bem claro que uma pessoa que cometa um crime abrangido pela secção 161 (1) (c) terá de usar o computador de outrém para satisfazer o pedido “irregular”. Se aplicarmos este princípio legal, a secção 161 (1) (c) não cobrirá situações em que o faltoso usa o seu próprio computador para actos fraudulentos a pedido de terceiros; ou no caso de usar o seu próprio computador para defraudar outras pessoas. Nestes casos, é problemático para o Governo da RAEHK acusar os responsáveis das infracções. Possivelmente, o Governo terá de analisar caso a caso antes de tomar uma decisão. Podemos apenas afirmar que não existe uma norma que regule todas estas situações.

Em segundo lugar, na sentença nunca é dito que o smartphone é considerado um computador. Como o Tribunal de Recurso não se pronuncia sobre esta matéria, prevalece o parecer do Tribunal de Primeira Instância; ou seja, os smartphones são vistos como computadores.
Relacionando o primeiro e o segundo pontos, não é difícil de concluir que o Governo da RAEHK será levado a legislar de forma a cobrir delitos que ainda não estão abrangidos por leis específicas. Um outro exemplo é o caso das fotos que são tiradas de forma a revelar o que as saias cobrem (muitas vezes sem o consentimento da mulher em questão). Ao abrigo da lei actual, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não existe crime. Se não houver uma nova legislação, o fotógrafo pode continuar a cometer este delito sem qualquer punição.

No caso de o Governo da RAEHK promulgar uma nova legislação, esta deverá conter, pelo menos, dois elementos:

1. Fotografar partes intímas deverá ser considerado crime, mesmo que ocorra num espaço privado.

2. A nova lei deve estipular que o smartphone é um computador, ou em que circunstância o smartphone pode ser considerado uma ferramenta criminosa, que permita ao fotógrafo registar, à socapa, imagens de zonas intímas. Este elemento é fundamental, porque estas fotos são sempre tiradas com telemóveis e nunca com computadores.

Em terceiro lugar, a secretária da Justiça propôs que a secção 161 (1) (c) se aplique a estas situações a bem das boas práticas públicas. Como já foi mencionado, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não é possível formular acusação. O Tribunal de Recurso não leva estes argumentos em consideração e afirma que a função do Tribunal é interpretar a lei e tomar decisões baseadas nessa interpretação. As boas práticas públicas são um factor com que o Tribunal não tem de lidar.

A maior diferença entre o sistema da common law e o sistema da civil law reside no facto de, no primeiro caso, o Tribunal ter como função a interpretação da lei, ao passo que no segundo não terá. Após o Tribunal ter interpretado a lei, deve tomar a decisão de acordo com o seu próprio entendimento. A interpretação da lei só pode ser feita de acordo com métodos legais e segundo os princípios do estado de direito. Estes métodos não contemplam as boas práticas públicas. A secretária da Justiça apelou às boas práticas públicas por razões de ordem pessoal. Para além de ser representante do Governo da RAEHK, a secretária da Justiça é conselheira jurídica do Executivo. Uma das suas principais funções é a manutenção das boas práticas públicas através da aplicação da lei. No entanto, se o Tribunal de Recurso aceitar que este argumento é válido para recorrer de uma sentença, futuramente poderá usá-lo como critério para tomar decisões. Como as boas práticas públicas não são necessariamente princípios jurídicos, este método de interpretação legal não é, obviamente, compatível com uma interpretação apenas baseada na lei.

Em quarto lugar, alguns casos têm estado pendentes à espera da clarificação do Tribunal de Recurso sobre o alcance da aplicação da secção COFA 161 (1) (c). No momento que que o Tribunal de Recurso publicar o seu Normativo estes casos serão retomados. Em função disso, o Governo da RAEHK pode manter ou rever as acusações. Depois das emendas, parece muito improvável que o Tribunal de Recurso venha a receber o mesmo tipo de apelos.

Em quinto lugar, o caso dos professores que divulgaram os resultados dos exames foi julgado pelo Tribunal de Magistrados em 2014, depois passou ao Tribunal de Primeira Instência e, após recurso dos réus, ao Tribunal de Recurso, tendo ficado concluído só em 2019. Durou cinco anos. Independentemente de se ser, ou não, considerado culpado, é bastante difícil para alguém aceitar que um julgamento se arraste durante cinco anos. A pressão a que os réus ficam sujeitos é um trauma que dura uma vida. Este foi o preço que os professores tiveram de pagar por divulgarem as perguntas dos exames.

Com a democratização da educação, um número cada vez maior de jovens ingressa nas escolas. Estas fugas de informação deveriam acabar, mas acontecem cada vez mais. Talvez o Governo da RAEHK tenha de considerar a possibilidade de legislar sobre esta matéria. Como Hong Kong realiza vários exames públicos, para simplificar, vamos dividi-los em dois tipos: públicos e privados. Antes das provas, as perguntas dos exames das escolas públicas, são consideradas documentos confidenciais do Governo. Mas os exames das escolas privadas são outro caso. Não podem ser considerados da mesma forma. Assim, se alguém divulgar as perguntas dos exames de uma escola privada, não incorre em nenhum crime. No entanto parece impossível que alguém que divulgue perguntas de um exame não venha a ser julgado.

Macau tem a “Lei de Combate ao Crime Informático”. Se o caso da Escola Primária Heep Woh aqui tivesse acontecido, haveria forma de lidar com o assunto. Em breve irão realizar-se exames nas escolas primárias e secundárias e também provas de admissão às Universidades. Haverá necessidade de promulgar legislação especial para punir quem divulgue as perguntas dos exames?

 

Conselheiro Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

9 Abr 2019

Tratado de Extradição III

[dropcap]Q[/dropcap]uem tem vindo a acompanhar os artigos sobre esta matéria, sabe que o pedido de extradição apresentado por Taiwan a Hong Kong esteve relacionado com um crime cometido naquele território por um cidadão de Hong Kong. Após cometer o crime o suspeito fugiu e o Governo de Taiwan apresentou um pedido de extradição ao Governo de Hong Kong.

Este incidente esteve na origem da proposta de emenda à Lei dos Criminosos em Fuga (FOO sigla em inglês), feita após consulta pública. No espaço de dois meses, a sociedade de Hong Kong pronunciou-se através da sua comunidade empresarial e da Ordem dos Advogados, mas também se fizeram ouvir opiniões da American Chamber of Commerce e da União Europeia, que manifestaram diferentes pontos de vista sobre as emendas a introduzir na FOO. As emendas a um conjunto de leis de Hong Kong foram analisadas e comentadas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, o que é algo com que a maior parte das pessoas não teria ousado sonhar.

A comunidade de Hong Kong manifestou diferentes opiniões a este respeito. Dezanove associações profissionais, como a “Faithful Relief” e a “Xinglin Awakened” emitiram um comunicado conjunto expressando a sua preocupação sobre a possibilidade das emendas deixarem os habitantes de Hong Kong desprotegidos, sem direito a um julgamento justo.

Sublinharam ainda que a comunidade internacional pode vir a encarar o sistema jurídico independente de Hong Kong como parte do sistema jurídico da China continental. Na perspectiva destas associações profissionais o Governo de Hong Kong deverá limitar o alcance das emendas.

Para já, pretende que o Tratado de Extradição se limite a Taiwan, ficando de fora a China continental e Macau.

Além disto, de forma a evitar mais polémica sobre os casos de extradição, que podem inquietar os suspeitos e aumentar as possibilidades de fuga, o Governo de Hong Kong propõe que o Conselho Legislativo suspenda a discussão do assunto. As associações profissionais acreditam que este problema pode ser resolvido pela prisão preventiva do suspeito, antes que o Conselho Legislativo leve a matéria a debate.

Lin Jianyue, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, pensa que a emenda não deve abarcar crimes económicos. Lin Jianfeng, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, defende que os crimes económicos deve ser tratados separadamente dos crimes violentos.

No passado dia 7, a American Chamber of Commerce declarou junto do Governo de Hong Kong, que nutre “sérias reservas” em relação a estas emendas. A American Chamber of Commerce sublinha que as alterações à lei podem permitir que o Governo da China continental peça a extradição de empresários internacionais, que vivam ou estejam de passagem em Hong Kong, e que tenham sido acusados de crimes económicos no continente. Esta possibilidade iria desvalorizar a imagem de Hong Kong como cidade cosmopolita. A American Chamber of Commerce salientou ainda que, implementar ou não esta emenda, poderá ser um factor decisivo no estabelecimento e manutenção de grandes empresas internacionais em Hong Kong. A competitividade de Hong Kong poderá vir a ser afectada.

No passado dia 23, Kano, Director do Gabinete da União Europeia em Hong Kong, declarou numa entrevista à RTHK, que tinha expressado ao Governo de Hong Kong a sua preocupação sobre o impacto destas alterações à lei nos cidadãos europeus, e que tinha solicitado que o Governo consultasse os estatutos da UE sobre Tratados de Extradição em Hong Kong. Kano propôs também que se dilatasse o período de revisão da legislação.

Shi Shuming, membro executivo da Ordem dos Advogados de Hong Kong, salientou que se o Governo excluir um certo número de crimes em respostas às necessidades de alguns sectores, tornando impossível a extradição de certas pessoas, muita gente ficará demasiado “à vontade”. E nesse caso, porque não ter também em consideração as preocupações de outros sectores? Porque motivo há-de existir um tratamento diferenciado? É óbvio que existirão sempre stuações injustas.

Tang Yingnian, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, acredita que o Conselho Legislativo irá discutir em detalhe a questão da repatriação nos casos de crimes não violentos como é o caso dos crimes fiscais e dos crimes económicos. No entanto defende as emendas a esta lei. Hong Kong não pode ser refúgio para quem quer fugir ao braço da lei.

Tan Huizhu afirmou que qualquer assistência jurìdica mútua deve implicar quatro condições:

1. O crime na base do pedido de extradição, deve ser reconhecido nos dois locais;
2. O crime não pode ter, aos olhos da lei, diferenças óbvias entre os dois locais;
3. A existência de prova suficiente;
4. O crime deve ser encarado aos olhos da lei da mesma forma, antes e depois da transferência de soberania,

Tan Huizhu salienta que as pessoas do mundo dos negócios não têm motivo para receios.

Independentemente das várias opiniões, e quer estejamos ou não de acordo com elas, este assunto vai levar algum tempo a discutir até se conseguir um consenso, de forma a que a revisão da lei possa ser bem sucedida. A avaliar pelo estado das coisas, a entrada em vigor da emenda à lei não parece estar para breve.

A função básica de qualquer lei é proporcionar equidade e justiça social. Nesta perspectiva, como lidar com o pedido de extradição de Taiwan para o suspeito da morte da jovem Poon Hiu-wing? A bem da justiça, não deveria a sociedade de Hong Kong pôr de lado as diferenças, concordar com esta extradição a título excepcional e, em seguida, colocar o assunto à discussão?

Mas também podemos depreender pelas discussões que têm ocorrido no seio da comunidade de Hong Kong, que não existe nenhuma preocupação com o sistema jurídico. Será possível conseguir que Hong Kong e Macau assinem um Tratado de Extradição?

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

26 Mar 2019

Lei do investimento estrangeiro

[dropcap]A[/dropcap] agência noticiosa chinesa Xinhua publicou no passado dia 15 uma notícia sobre a aprovação da Lei do Investimento Estrangeiro (sigla em inglês FIL), que teve lugar durante a segunda cimeira do 13º Congresso Nacional do Povo. O Presidente Xi Jinping assinou o Decreto No. 26 e promulgou a FIL.

As reformas económicas na China têm vindo a decorrer ao longo dos últimos 40 anos. Nos finais de 2018, estavam registados 960.000 investidores estrangeiros na China, totalizando o capital investido 2,1 triliões de dólares americanos. Considerando a relevância destes investimentos, é adequado criar uma emenda à lei de forma a facilitar e encorajar a aplicação de capital estrangeiro na China.

A China atribui a maior importância à promulgação desta nova lei. A primeira discussão da proposta da nova lei teve lugar a 23 de Dezembro de 2018, durante o 7º encontro do 13º Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo (CPCNP). Em Janeiro de 2019, o CPCNP reviu a proposta de lei. A progressão legislativa da FIL estava obviamente a ser acelerada. A 15 de Março, o CPCNP passou finalmente a lei, demonstrando uma elevada eficácia na resolução deste assunto.

A FIL é composta por seis capítulos e 42 artigos, e vai entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2020. O artigo 42 estipula que a implementação desta lei abolirá a “Lei do Empreendimento Conjunto Sino/Estrangeiro” , a “Lei das Empresas com Fundos Estrangeiros” e a “Lei das Empresas Sino/Estrangeiras”. Estas três leis tinham vindo, até à presente data, a regular os investimentos estrangeiros na China.

A FIL vai regular o investimento estrangeiro e abarca os seguintes casos:

  • Investidores estrangeiros que criem, sozinhos ou em parcerias, empresas sediadas na China
  • Investidores estrangeiros que adquiram acções, equidade, propriedade, ou outros direitos semelhantes em empresas chinesas
  • Investidores estrangeiros que apliquem capital, sozinhos ou em parcerias, em novos projectos a realizar na China
  • Legislação administrativa ou outros métodos de investimento prescritos pelo Conselho de Estado

A FIL não se aplica em Hong Kong, Macau ou Taiwan. Desta forma, para os empresários de Hong Kong, Macau e Taiwan o que está em causa é perceber se podem continuar a ser considerados investidores estrangeiros, se quiserem aplicar capital na China. O primeiro-ministro chinês Li Keqiang afirmou que, na medida em que o capital oriundo de Hong Kong e de Macau representa 70% do investimento estrangeiro na China continental, o assunto é considerado da maior importância:

“O investimento vindo de Hong Kong, Macau e Taiwan tem cabimento no quadro da nova lei, hoje aprovada. Alguns dos nossos acordos institucionais de longa data e das nossas práticas governativas, continuarão a ser aplicados. Queremos beneficiar e atrair os investidores de Hong Kong, Macau e Taiwan.”

Li Keqiang sublinhou que o continente vai manter as fronteiras e os free ports de Hong Kong e Macau, e criar condições preferenciais para os empresários de Taiwan que queiram investir na China continental.

Para reforçar as palavras do nosso primeiro-ministro, há que salientar que até agora os empresários de Hong Kong, Macau e Taiwan foram sempre considerados investidores estrangeiros. Esta prática não deverá ser alterada após a implementação da nova lei.

A FIL define os conceitos de “equidade de tratamento” e de “sistema de dispensa”, relativamente aos empresários estrangeiros. “Equidade de tratamento” implica que, perante o mesmo investimento, o tratamento dado aos investidores estrangeiros não poderá ser inferior ao que é dado aos nacionais. O “sistema de dispensa” divide o investimento em três categorias: sem restrição nem proibição, sem restrição, e sem proibição.

  • No primeiro caso, os empresários estrangeiros podem fazer investimentos sem necessidade de qualquer tipo de aprovação.
  • No segundo caso, os empresários estrangeiros têm de obedecer à regulamentação aplicável.
  • No terceiro caso, os empresários estrangeiros não podem investir em projectos relacionados.

Até aqui, os empresários estrangeiros precisavam de obter autorização oficial para fundar uma empresa em solo chinês, que incluia aprovação de contratos, dos estatutos, das actividades corporativas, etc. A seguir precisavam de aprovação do próprio projecto. Finalmente, precisavam de obter uma licença, antes de registarem a empresa. A FIL veio abolir completamente esta longa série de aprovações.

Além disso, a nova lei garante toda uma série de protecções institucionais para investidores estrangeiros, a saber:

  • Criação e aperfeiçoamento de um sistema de apoio ao investimento estrangeiro
  • Garantia que as empresas de capital estrangeiro podem fazer aquisições de forma justa através de OPAs lançadas pelo Governo
  • Garantia de equidade na participação de empresas de capital estrangeiro; providenciar às empresas de capital estrangeiro a oportunidade de participarem na definição dos padrões de participação equitativa
  • Criar um mecanismo de reclamações para as empresas de capital estrangeiro
  • Impedir o uso de mecanismos administrativos para forçar a transferência de tecnologia

A FIL terá efeitos benéficos para a China, Taiwan, Hong Kong e Macau e também para os investidores estrangeiros. No que diz respeito à China, a FIL vem aperfeiçoar a legislação sobre o investimento estrangeiro no país, tornando o contexto empresarial chinês mais legal, internacional e apelativo. Como a FIL prevê a implementação de novas políticas comerciais, depreende-se que esta nova lei é apenas o começo de um novo caminho neste sentido. Em breve, os investidores estrangeiros conhecerão em detalhe que tipo de benefícios poderão obter ao abrigo da FIL e das novas políticas comerciais.

Para os empresários de Taiwan, Hong Kong e Macau, e de outros países, a FIL garante mais benefícios e facilidades. A FIL é uma “lei feliz”.

19 Mar 2019

Sistema Jurídico Integrado II

[dropcap]A[/dropcap] semana passada analisámos alguns dos principais pontos das “Linhas Gerais para o Desenvolvimento de Guangdong, Hong Kong e Macau”. No documento são apontados os vectores de desenvolvimentos das quatro cidades principais, Guangzhou, Shenzhen, Hong Kong e Macau. Hong Kong é o centro financeiro e comercial, centro de exportação e o principal polo de tráfego aéreo da região. Precisa de desenvolver os negócios que fazem movimentar o Renminbi. Deve também aperfeiçoar o funcionamento do Centro Internacional de Gestão de Valores e do Centro de Gestão de Risco, e ainda construir um Centro Internacional de Mediação para a Resolução de Disputas Jurídicas na região Ásia-Pacífico. Desta forma, Hong Kong tornar-se-á uma metrópole competitiva a nível internacional. Macau é um centro internacional de turismo e lazer e uma plataforma para a cooperação comercial entre a China e os países e língua portuguesa. Macau será uma base para o intercâmbio e a cooperação, guiado pelos valores da cultura chinesa, mas num ambiente multi-cultural.

Uma das mais valias de Hong Kong é o Centro Internacional de Resolução de Disputas Jurídicas na região Ásia-Pacífico. Acredita-se que a realização deste ideal de cooperação, será a criação de um escritório de advogados com sócios oriundos de Guangdong, de Hong Kong e de Macau. Até agora, em Hong Kong, um advogado de outra região só pode trabalhar em casos originários da zona onde tem licença para exercer. Ao avançar para um sistema jurídico mais integrado, um advogado que tenha obtido a licença numa destas três cidades pode exercer livremente em qualquer uma das outras, sem qualquer limitação. Por outro lado, a criação de escritórios conjuntos, com sócios vindos das diversas zonas, origina uma complementaridade de competências e uma maior interacção jurídica.

Mas este intercâmbio vai ter implicações ao nível dos impostos. No passado dia 1, no 2º Encontro do Grupo para a Construção do Distrito de Guangdong, Hong Kong e Macau, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, afirmou que os residentes de Hong Kong e de Macau, que trabalhem na Província de Guangdong, podem ser subsidiados por esta Província para o pagamento de impostos. Estes subsídios serão atríbuidos apenas a pessoal altamente especializado, cuja presença na zona seja indispensável.

Além disso, a política praticada em Qianhai e em Hengqin, para subsidiar os trabalhadores altamente especializados, passará a vigorar nas nove cidades que integram a Área da Grande Baía. Esta medida deve-se à vontade do Governo local de atrair talentos, estando por isso disposto a compensar a carga fiscal resultante do trabalho em dois sítios diferentes.

Se um destes profissionais, vindo de Hong Kong, de Macau ou de outra cidade, trabalhar na China continental mais do que 183 dias por ano, precisa de pagar impostos localmente.

As políticas fiscais anunciadas no 2º Encontro do Grupo para a Construção do Distrito de Guangdong, Hong Kong e Macau, vão no sentido de conservar os diferentes sistemas fiscais de cada uma das cidades, mas, para apoiar o desenvolvimento da Área da Grande Baía, serão implementados ajustes nos diferentes sistemas de impostos. Sob esta perspectiva, podemos verificar que a Área da Grande Baía é um plano holístico orquestrado pela China. Este mega Distrito não vai destruir os sistemas de cada província, nem das regiões administrativas especiais. Ao contrário, vai conectar os diversos sistemas e torná-los mais eficazes. É um projecto entusiasmante.

Com a inclusão de Hong Kong e de Macau na Área da Grande Baía, a integração das leis é inevitável. No entanto, é preciso salientar que na China continental vigora um sistema jurídico de cariz socialista, em Hong Kong o sistema da Common Law, e em Macau o sistema da Civil Law. Os sistemas da China continental e de Macau são relativamente semelhantes, mas o de Hong Kong apresenta grandes incompatibilidades. Como é que a integração vai ser possível?

Este mega Distrito, também conhecido como Distrito de Dawan, inclui cidades que não distam entre si mais do que uma hora de viagem. Uma pessoa que trabalhe em Hong Kong, pode viver em Shenzhen ou em Zhongshan. Da mesma forma, alguém que trabalhe em Macau pode morar em Zhongshan. Também vai ser fácil ir de carro, ou de autocarro, de Macau para Hong Kong e vice-versa. O intercâmbio de pessoas trará inevitavelmente a integração da legislação civil e comercial. A legislação civil e comercial inclui a Lei da Família, a Lei da Sucessão, a Lei Comercial, a Lei Empresarial, etc. E estas são, precisamente, as leis mais determinantes na vida do dia a dia. A integração desta legislação vai certamente facilitar a vida e o trabalho na Área da Grande Baía. A integração da legislação civil e comercial é o primeiro passo no sentido da integração jurídica da Área da Grande Baía. Mas, devido às diferenças dos vários sistemas, este passo terá de ser dado através de alguns acordos. Há algum tempo atrás, celebrou-se um CEPA (Closer Economic Partnership Arrangement) para a criação de uma relação comercial de maior proximidade entre a China continental, Hong Kong e Macau. Este tipo de acordo é uma das melhores referências. O CEPA é a melhor forma de implementar futuramente a integração na área de Grande Baía.

É previsível que o segundo passo para a integração passe pela fusão de Lei Criminal. Hong Kong está em processo de revisão da sua lei de extradição. O motivo imediato desta revisão foi o crime praticado em Taiwan por um residente de Hong Kong. As emendas a esta lei permitirão extraditar pessoas entre a China continental, Hong Kong e Macau. Se houver um ajuste na legislação da China continental e de Macau, a extradição entre estes locais vai deixar de ser um problema.

A integração da legislação na Área da Grande Baía é uma questão complexa. Envolve três jurisdições diferentes. Precisamos de apelar à nossa sabedoria jurídica para resolver os problemas.

12 Mar 2019

Sistema Jurídico Integrado I

[dropcap style≠‘circle’]N[/dropcap]o dia 18 do mês passado, o Conselho de Estado da China lançou as “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento de Guangdong-Hong Kong e Macau”. Guangdong, Hong Kong e Macau, incluem Guangzhou, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, as Cidades de Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen, Zhaoqing, a Região Administrativa Especial de Hong Kong e a Região Administrativa Especial de Macau.

 

As Linhas Gerais são compostas por onze capítulos. As quatro maiores cidades, Guangzhou, Shenzhen, Hong Kong e Macau são encaradas como os centros de desenvolvimento, e a cada uma é dado um papel diferente.

 

Hong Kong é o centro internacional a nível financeiro, de exportação, comércio e tráfico aéreo. Precisa de desenvolver as transacções que, a nível internacional, fazem movimentar o renminbi. Deve também aperfeiçoar o funcionamento do Centro Internacional de Gestão de Valores e do Centro de Gestão de Risco, e ainda construir um Centro Internacional de Mediação para a Resolução de Disputas Jurídicas na região Ásia-Pacífico. Desta forma Hong Kong tornar-se-á uma metrópole competitiva a nível internacional.

 

Macau é um centro internacional de turismo e lazer e uma plataforma para a cooperação comercial entre a China e os países e língua portuguesa. Macau será uma base para o intercâmbio e a cooperação, guiado pelos valores da cultura chinesa, mas num ambiente multi-cultural.

 

Guangzhou deverá ser um centro internacional de negócios, desenvolver as competências como centro integrado de transportes, apostar no desenvolvimento nas áreas da ciência e da tecnologia e da cultura, e tornar-se uma metrópole de dimensão internacional.

Shenzhen deve focar-se no projecto de se tornar uma cidade moderna e internacional, ser inovadora e conquistar influência a nível global.

 

Quanto a Hong Kong, ressalva-se a necessidade da criação de um Centro Internacional de Mediação para a Resolução de Disputas Jurídicas na região Ásia-Pacífico. Como o nome sugere, Hong Kong deve ter o papel de mediador e árbitro, em casos de litigação ou disputas jurídicas. Guangdong, Hong Kong e Macau têm três sistemas jurídicos diferentes. A China continental, Hong Kong e Macau praticam respectivamente, o sistema jurídico socialista , o sistema da Lei Comum e o da Lei Cívil. O papel de mediador e de árbitro de conflitos reduz despesas, faz poupar tempo e evita burocracias, quando os conflitos são inter-regionais,

 

Mediação, arbitragem e litigação são diferentes aos olhos da lei. Na mediação, ambas as partes decidem escolher um“mediador” para ajudar a resolver o conflito. Se a mediação for bem sucedida, os dois lados terão de assinar um acordo. Dependendo da lei da região, este acordo pode asssumir a forma de contrato, ou de um documento que requer a aprovação do Tribunal. Depois da assinatura do acordo, se uma das partes o violar, a outra parte pode accionar um processo em Tribunal e pode pedir uma indemnização. A grande vantagem da mediação é a sua simplicidade e a oportunidade de poupar tempo e dinheiro.

 

A mediação e a arbitragem têm naturezas similares. Os árbitros são versados em casos “controversos” , e têm habitualmente alguma formação jurídica, embora devam ser especialistas na área em debate. Se, por exemplo, as partes em conflitos pertencerem à área da engenharia, o árbitro deve ter formação nesta área. Embora o árbitro não seja advogado, recebe formação jurídica, que se vai acrescentar à sua área de especialidade, neste caso a engenharia. A grande vantagem da arbitragem é a sua capacidade de globalização. Um acordo feito desta forma é reconhecido internacionalmente, enquanto os acordos efectuados através de um mediador apenas têm efeito a nível local. No entanto, é preciso salientar que, em certas regiões, os acordos efectuados através de arbitragem só têm efeito após terem sido reconhecidos em tribunal.

 

A litigação é outra forma de resolver conflitos. Aqui, o caso é levado a tribunal, e competirá ao juiz a decisão final. Este processo tem a desvantagem de ser moroso e dispendioso. Além disso, a maior parte destes processos só tem efeito legal na sua própria área de jurisdição.

 

As sugestões feitas pela Linhas Gerais para o Desenvolvimento são compreensíveis. Em Hong Kong vigora a Lei Comum, pelo que é fácil de entrar em sintonia com outras regiões que usam o mesmo sistema jurídico. O artigo 84 da Lei Básica de Hong Kong estipula que o Tribunal de Última Instância pode considerar precedentes internacionais como referência, durante um julgamento. Este artigo formula claramente que os precedentes internacionais, não são a lei de Hong Kong, mas os tribunais de Hong Kong têm o direito de os referir. Um dos cinco juizes do Tribunal de Última Instância é um juiz não permanente, contratado pela jurisdição geral da Lei Comum e não pelo Governo de Hong Kong. Neste sentido, a lei de Hong Kong é facilmente compatível com as de outras regiões. Além disso, a lei de Hong Kong está escrita em chinês e em inglês, sendo que, actualmente, o inglês é uma língua que não tem fronteiras. O Governo de Hong Kong assinou vários tratados internacionais com outras regiões. Sejam eles tratados de extradição, ou de cooperação civil para assuntos comerciais, estabelecem uma boa base de intercâmbio jurídico. Desta forma, e neste contexto, as Linhas Gerais para o Desenvolvimento focam-se na maximização de uma das presentes mais valias jurídicas de Hong Kong.

 

Mas isto quererá dizer que a mediação e a arbitragem são processos exclusivos de Hong Kong? Não será o caso. Embora Macau não tenha a mesma estrutura jurídica de Hong Kong, é também uma região administrativa especial. O nosso sistema jurídico difere do da China continental e do de Hong Kong. Um profissional que conheça bem a lei de Macau, pode, em caso de necessidade, servir de árbitro ou mediador na resolução de conflitos jurídicos.

 

Em certa medida, a mediação e a arbitragem de conflitos são soluções para resolver disputas inter-regionais. Desde que haja um bom apoio e boa preparação, Macau será certamente capaz de poder dar a sua contribuição nesta área.

 

Na próxima semana continuaremos a analisar esta matéria. Obrigado.

5 Mar 2019

Tratado de extradição II

[dropcap]A[/dropcap]semana passada começámos a analisar a proposta do Gabinete de Segurança do Governo de Hong Kong ao Conselho Legislativo, no sentido de ser criada uma emenda à Ordenança de Assistência Mútua para Assuntos Criminais e também à legislação que regula a situação de criminosos internacionais em fuga. Estas medidas foram desencadeadas pelo homicídio cometido em Taiwan. As emendas são necessárias porque, sem base legal, Hong Kong não pode negociar a extradição em caso de crimes fora das suas fronteiras.

Como a Ordenança de Assistência Mútua para Assuntos Criminais e a Ordenança para Criminosos em Fuga não são aplicáveis na China continental, nem em Macau ou Taiwan, o suspeito da morte da jovem Pan Xiaoying não pôde ser extraditado para ser julgado em Taiwan. As emendas propostas sugerem que o Chefe do Executivo pode vir a emitir um certificado que autorize o pedido de detenção provisória. Seguidamente será solicitada ao Tribunal a emissão de um mandato de prisão preventiva. O Tribunal terá de realizar uma audiência e depois tomará a decisão final. O certificado serve apenas para iniciar o processo, mas não tem poder de extradição. O pedido de extradição terá de ser feito pelo Tribunal. O juiz terá de rever o caso cuidadosamente e verificar se todos os requisitos estão presentes. Se as emendas propostas pelo Gabinete de Segurança passarem no Conselho Legislativo, entrará em vigor a assistência mútua e a ordenança para criminosos em fuga entre Hong Kong, a China continental, Macau e Taiwan. Esta medida estará de acordo com o espírito do artigo 95 da Lei Básica de Hong Kong.

 

Ainda não se sabe quando é que a revisão da lei entrará em vigor, mas é necessário fazê-lo o mais rapidamente possível. O suspeito da morte da jovem Pan Xiaoying foi acusado de roubo e de lavagem de dinheiro em Hong Kong. Se for condenado por estes crimes, receberá uma pena de três anos, no máximo. Como já está em prisão preventiva há cerca de um ano, sairá pouco depois do julgamento. Se esta emenda não entrar em vigor ainda este ano, vai ser mais difícil detê-lo depois de ter sido libertado.

 

Esta revisão da lei não se vai reflectir apenas em Hong Kong, também vai ter impacto em Macau e Taiwan. Taiwan aprovou a Lei de Assistência Jurídica Mútua Internacional em 2018, que prevê a colaboração jurídica entre Taiwan, China, Hong Kong, Macau e a comunidade internacional. Contudo, esta assistência mútua limita-se à troca de provas, não incluí a extradição de suspeitos. Se a revisão da lei for bem sucedida, Hong Kong e Taiwan podem extraditar entre si suspeitos em fuga e condenados. Se Taiwan também proceder à revisão da sua lei, os criminosos em fuga deixarão de poder esconder-se quer num lado quer noutro.

 

Estamos apenas no início deste processo. Os conteúdos propostos para revisão vão ser debatidos e, possivelmente alterados, no Conselho Legislativo. Até agora, tem existido um vazio ao nível da cooperação judicial entre Hong Kong e Taiwan, na verdade, muitos suspeitos à espera de julgamento ou já condenados em Hong Kong, fugiram para Taiwan. É possível que o Conselho Legislativo venha a solicitar que as emendas tenham efeito retroactivo. Se isso vier a acontecer, a lei não terá apenas efeito em casos futuros, mas também em casos passados. Os criminosos que fugiram para Taiwan poderão vir a ser extraditados para Hong Kong.

 

Ao abrigo do mesmo protocolo, o Governo de Macau pode emitir pedidos de extradição de suspeitos que aguardem julgamento no território, ou de condenados, que tenham fugido para Hong Kong, após a entrada em vigor da revisão da lei. Uma das bases legais para os pedidos de extradição é o artigo 93 da Lei Básica de Macau:

 

“A Região Administrativa Especial de Macau pode, após consulta dos órgãos legais de outras partes do país, conduzir contactos judiciais e prestar assistência mútua de acordo com a lei.”

 

O Artigo 93 da Lei Básica de Macau é uma das bases legais para o pedido de extradição de criminosos fugidos para Hong Kong. É também a base legal para a promulgação de leis de extradição e a base legal da extradição em si mesma.

 

Se as emendas propostas pelo Gabinete de Segurança passarem no Conselho Legislativo, quem tenha cometido crimes em Taiwan e na China, já não pode fugir para Hong Kong. A China, Hong Kong, Macau e Taiwan deixarão de ser paraísos para criminosos que tentam fugir às suas responsabilidades, o que até aqui era possível devido a leis diferentes e diferentes sistemas jurídicos.

 

26 Fev 2019

Tratado de extradição I

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 13, o Gabinete de Segurança do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Legislativo no sentido de criar uma emenda à Ordenança de Assistência Jurídica Mútua para Assuntos Criminais e também à legislação que regula a situação de criminosos internacionais em fuga. O documento refere-se especificamente a um caso de assassínio em Taiwan, que ocorreu em Fevereiro do ano passado.

Pan Xiaoying, uma jovem de 20 anos, residente em Hong Kong, viajou para Taiwan a 8 de Fevereiro de 2018. A ideia era ficar alguns dias com o namorado, Chen Tongjia, de 19 anos, para celebrarem o Dia dos Namorados. Entraram em Taiwan por Kaohsiung e registaram-se num Hotel, em Taipei, a 13 de Fevereiro. Durante este período, Chen teve indícios de que a namorada lhe era infiel e que estava grávida de três meses, de outro homem. Suspeita-se que nessa altura tenha morto Pan e escondido o corpo numa mala. As câmaras do hotel mostram que na manhã de 17 de Fevereiro, Chen saiu do hotel com uma grande mala cor de rosa. Apanhou o metro na estação de Zhuyuan, em seguida abandonou o corpo e regressou a Hong Kong. Quando o pai de Pan percebeu que a filha não tinha voltado alertou a Polícia de Hong Kong e de Taiwan. Os agentes de Hong Kong descobriram que o cartão de crédito de Pan tinha sido roubado e prenderam Chen. A 13 de Março, a polícia de Taiwan encontrou o corpo de Pan. A 16 de Março, o Delegado Público do Distrito de Shilin, Taiwan, emitiu um pedido de Assistência Jurídica Mútua, para Hong Kong, para que o suspeito fosse enviado para Taiwan para ser julgado. No entanto, as autoridades de Hong Kong não deram andamento ao pedido.

Qiu Zhihong, porta-voz da Procuradoria do Distrito de Shilin, comunicou em Julho de 2018, que o Departamento Jurídico de Taiwan tinha feito um pedido de extradição:

“Espero que o Governo de Hong Kong envie o suspeito para Taiwan para vir a responder perante a Justiça.”

Qiu Zhihong tem esperança que o Governo de Hong Kong possa vir a criar emendas a esta lei. Embora o suspeito seja natural de Hong Kong, o crime aconteceu em Taiwan e é lá que ficaram as provas. As brechas legais provocadas por crimes de natureza internacional são uma vergonha que afecta todos os povos.

As Leis Básicas de Hong Kong e de Macau regulam sobre a Assistência Jurídica Mútua e sobre a fuga de criminosos internacionais. O Artigo 93 da Lei Básica de Macau estipula:

“A Região Administrativa Especial de Macau pode, após consulta aos orgãos jurídicos de outras partes do País, conduzir contactos judiciais e prestar Assistência Mútua, de acordo com a lei.”

O Artigo 94 estipula:

“Com o apoio e autorização do Governo Central do Povo, a Região Administrativa Especial de Macau pode tomar as medidas apropriadas para prestar Assistência Jurídica Mútua a países estrangeiros.”

Em Hong Kong, a Lei Básica estipula princípios semelhantes nos Artigos 95 e 96.

Para lá do âmbito da Lei Básica, Hong Kong lida principalmente com a extradição de fugitivos estrangeiros ao abrigo da Ordenança para Criminosos em Fuga e da Lei da Assistência Mútua para Assuntos Criminais.

A Ordenança para Criminosos em Fuga entrou em vigor a 25 de Abril de de 1997, e estipula:

1. A extradição é pedida pela Acusação, e / ou
2. Se o sujeito já foi condenado

e será feita para locais fora de Hong Kong com os quais exista acordo de extradição.

A Ordenança de Assistência Mútua para Assuntos Criminais estipula as medidas de Assistência que Hong Kong deve tomar para investigar e levantar processos de acusação a pessoas que se encontrem fora do seu território. A assistência engloba a recolha de provas, investigação, detenção, entrega de materiais, convocação de testemunhas, etc.

Até à presente data, Hong Kong assinou acordos de assistência com 30 jurisdições, assinou acordos de detenção com 19 jurisdições, e acordos de extradição com 15. No entanto, sem um tratado de extradição é impossível a entrega de criminosos internacionais aos países que os reclamam.

Na próxima semana iremos continuar a analisar este tema e a ver como as emendas à lei poderão afectar Macau e Taiwan.

19 Fev 2019

Embriaguez assassina

[dropcap]N[/dropcap]os finais de Dezembro do ano passado, o Macao Daily publicou um artigo sobre a decisão tomada pelo Departamento Jurídico de Taiwan relativa à condução sob os efeitos de álcool. Caso a percentagem de álcool no sangue ultrapasse uma determinada medida, o condutor passará a ser acusado do crime de “homicídio intencional de terceiros”.

Esta proposta de emenda à lei é pertinente porque recentemente tem havido muitos acidentes rodoviários em Taiwan. Num dos casos mais graves, um carro que capotou provocando um choque em cadeia, resultaram dois mortos. A investigação apurou que o condutor estava embriagado e era reincidente.

O mérito desta emenda é a introdução do conceito “intencional”. A partir de uma certa quantidade de álcool no sangue o condutor pode ser acusado de homícidio intencional. Assim, se após um acidente, for sujeito a um teste de alcoolemia, e os valores forem elevados, a possibilidade de ser condenado em Tribunal será bastante alta. O resultado do teste passa a constituir prova de culpabilidade.

Quando falamos de provas, temos de considerar em primeiro lugar a sua função. O Artigo 114 do Código Penal de Macau estipula:

“A avaliação das provas é feita a partir das regras da evidência e é adjudicada à entidade competente, excepto nos casos em que a lei estipule em contrário.”

Ou seja, não existem quaisquer restrições na lei, o juiz pode basear-se na sua própria experiência e conhecimentos para aceitar ou rejeitar uma prova que lhe é apresentada.

As provas podem ter naturezas diversas. Podem ser apresentadas por testemunhas, provas de natureza oral, documental etc. No entanto, esta é apenas a primeira classificação. Em Hong Kong, as provas são classificadas consoante os seus efeitos legais. Existem pelo menos três tipos de provas:

O primeiro é a “Prova Conclusiva”. Se esta prova é aduzida por uma das partes em litígio, a parte contrária fica impossibilitada de arrolar qualquer prova que a refute. Ou seja, a “Prova Conclusiva” possui o máximo efeito legal. É disso exemplo o “Certificado Corporativo” de uma companhia limitada. Uma vez que o registo é efectuado, a empresa cumpre todos os requisitos para funcionar com Comp. Lda. Ninguém pode aduzir prova em sentido contrário.

O segundo tipo é a “Prova Suficiente”. Esta prova, quando aduzida por uma das partes, demonstra de forma suficiente a veracidade dos factos que se pretende provar. Podemos indicar como exemplo, os resultados académicos dos estudantes publicados no final do ano escolar. Os estudantes passam ou chubam. Não é necessária mais nenhuma prova para validar este facto. No entanto, nesta situação, a parte contrária é autorizada a aduzir prova para rebater. Mas, se esta nova prova não for suficientemente forte, será muito difícil convencer o Tribunal da sua validade.

O terceiro e último tipo é a “Prova Prima Facie”. Se esta prova for aduzida por uma das partes, a parte contrária tem forçosamente de arrolar provas que a refutem. Caso contrário, a “Prova Prima Facie” será aceite pelo Tribunal e a vitória é atribuída a quem a apresentar.

À semelhança do que estipula o Código Penal de Macau, em Hong Kong o juiz pode basear-se na sua experiência e conhecimentos para aceitar ou rejeitar uma prova que lhe é apresentada.

Se o Departamento Jurídico de Taiwan criar uma emenda que regule a apresentação de provas e passar a considerar a condução sobre os efeitos excessivos de álcool como “homícidio intencional”, e vier a considerar como “Prova Suficiente” o resultado do teste de alcoolemia, a hipótese de os condutores responsáveis escaparem à justiça passa a ser muito baixa.

No entanto, poder-se-ia perguntar: porque é que o teste de alcoolemia não pode ser usado como “Prova Conclusiva”? A resposta é simples. No caso de homicídio provocado por “condução sob os efeitos de álcool”, a acusação precisa de provar que o condutor consumiu álcool de forma voluntária. Se, por hipótese, o condutor tivesse ingerido uma bebida alcoólica sem o seu conhecimento, a sua responsabilidade não poderia ser a mesma do que se a tivesse ingerido de forma consciente. Por este motivo, utilizar o teste de alcoolemia como Prova Conclusiva, para provar a culpabilidade do condutor, é impróprio e injusto.

A lei define os padrões básicos do comportamento em sociedade. Sempre que uma lei é emendada ou revista, é preciso fazê-lo de forma muito cuidadosa. Se houver alguma falha, pode vir a comprometer-se a ideia original dos legisladores que a criaram.

Consultor Legal da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

12 Fev 2019