Dividendos em quarentena  

[dropcap]A[/dropcap] 1 de Abril, o Hong Kong and Shanghai Banking Corporation anunciou que, devido ao surto do novo coronavírus, o Banco de Inglaterra tinha emitido uma circular onde se salientava não ser prudente pagar aos accionistas dividendos que excedam os 100 milhões de libras. Na possibilidade de haver uma crise gerada pela dificuldade de cobrança de dívidas à Banca, o HSBC cancelou a distribuição de dividendos do quarto trimestre de 2019. A Administração também anunciou que o HSBC não vai pagar dividendos em 2020 e que vai suspender a compra de acções. Após estes anúncio, o valor das acções do HSBC desceu para HK$39.95, uma queda de cerca de 9%; a queda a pique do valor das acções recorda o tsunami financeiro ocorrido a 9 de Março de 2009, quando o valor das acções do HSBC atingiu o mínimo histórico de HK$33.

O HSBC já tinha confirmado que iriam ser feitos pagamentos dos dividendos do quarto trimestre, no valor de US$0.21 por acção. Este pagamento foi agora cancelado. O “sell-off” das acções e a queda dos preços revela a insatisfação dos investidores. A Agência de Rating Fitch considera que o ranking do HSBC desceu de estável para negativo, o valor das acções a longo prazo permanece no A + e o cálculo do risco previsível é baixo.

Os Bancos comerciais ingleses acataram as instruções do Banco de Inglaterra. Para além do HSBC, o Standard Chartered Bank, o Barclays Bank, entre outros, decidiram cancelar o pagamento de dividendos. Em Hong Kong, alguns investidores consideram que o cancelamento dos pagamentos, após um período de lucro, é injusto para os accionistas e pode resultar em processos legais.

Segundo a Lei Comercial de Hong Kong, a distribuição de dividendos está dependente da decisão dos Conselhos Directivos. Os precedentes indicam que as empresas não têm de pagar dividendos todos os anos, mesmo que tenham tido lucro. Perante esta premissa legal os accionistas têm poucas hipóteses de ganhar uma acção legal, por isso vão ter de aceitar a decisão da Administração do Banco.

“Vem aí o Natal, compre HSBC” foi o slogan comercial que circulou em Hong Kong durante mais de 30 anos, ou seja: comprar acções do HSBC antes do Natal implicava receber os dividendos no sapatinho. O HSBC desempenhou por muito tempo o papel de Banco Central antes da reunificação. Mesmo após a reintegração na China, continuou a ter a responsabilidade da emissão de moeda. Distribuindo dividendos quatro vezes por ano, sempre foi muito estável. A taxa de lucro era relativamente alta, à volta de 5%. Foram estas as razões que sempre levaram as pessoas a comprar acções do HSBC.  Os conselhos do Banco de Inglaterra, a queda do lucro das economias asiáticas e a decisão do HSBC de cancelar o pagamento dos dividendos fez com que os investidores passassem a estar mais atentos à evolução dos efeitos da pandemia, do que propriamente ao desempenho financeiro das empresas. Vale a pena investir em acções altamente cotadas durante este período? Ou deverá o investimento ser direccionado para empresas menos afectadas pelos efeitos da pandemia, como gestão de propriedades e vendas online?

O Banco de Inglaterra aconselhou os bancos comerciais ingleses a reservarem fundos suficientes para poderem responder à crise, reflectindo as apreensões do Governo britânico sobre as possíveis consequências deste surto. A epidemia afecta o fluxo de pessoas, as empresas não têm clientes, as receitas caem e circula necessariamente menos dinheiro. As empresas que contraíram empréstimos à Banca vão ter dificuldade em pagá-los. No final deste ciclo, os bancos e as empresas vão ser as vítimas desta crise. Se os bancos colapsarem sobrevém um desastre que afectará toda a sociedade. Assim sendo, não é para pagar dividendos que os bancos são necessários, mas sim para reforçar as suas reservas, de forma a poderem fazer face à impossibilidade cobrar os empréstimos a muitas empresas que vão falir.

Ao abrigo das políticas monetárias, numa situação como a que vivemos, o Banco Central baixa as taxas de empréstimo dos bancos comerciais, para permitir que haja mais dinheiro a circular nos mercados e que a economia possa ser salva. Na situação actual, os bancos comerciais não pagam dividendos, têm mais fundos e as taxas de empréstimo estão reduzidas. Os custos das operações bancárias também baixaram. O Banco Central está a aplicar mais fundos no mercado para salvar a economia. É uma boa medida para os britânicos.

É claro que tudo depende da diferença entre o montante que iria ser pago em dividendos e o dinheiro que o Banco Central vai injectar na economia, se houver um déficit muito grande será mau para a Banca e para a sociedade em geral.

Como a decisão do HSBC e de outros bancos comerciais britânicos foi determinada pelo Banco de Inglaterra, acredito que seja pouco provável que esta tendência se venha a alargar a outras empresas.

Os accionistas investem a pensar em diferentes retornos, alguns apostam no crescimento do valor das acções e outros fazem apostas mais seguras. Como o HSBC sempre representou um investimento seguro, nunca teve falta de accionistas. A decisão de não pagar dividendos desagradou aos investidores. De futuro, o HSBC vai voltar a emitir títulos no mercado para angariar fundos, a questão que agora se coloca é se se irão voltar a vender bem. Se a maior parte dos seus accionistas também quiserem vender os títulos, o HSBC vai ter dificuldade em angariar findos. Todos estes factores terão de ser considerados em detalhe antes de se tomar decisões.

Macau não tem o seu próprio mercado de acções. Os residentes de Macau que querem investir na Bolsa recorrem normalmente ao mercado de Hong Kong. O não pagamento de dividendos também afecta os investidores de Macau. No entanto as consequências não são as mesmas para os residentes de Hong Kong e para os residentes de Macau. O sistema de pensões de reforma de Macau é melhor do que o de Hong Kong. Cada reformado recebe à volta de 6.000 patacas por mês, o que não acontece em Hong Kong. O sistema de pensões de reforma (o Mandatory Provident Fund – MPF) implementado em Dezembro de 2000, assegura aos residentes de Hong Kong alguma protecção no período da reforma. No entanto, comparado com Macau, fica muito atrás. Para aqueles que compraram acções do HSBC com o objectivo de obter mais alguns dividendos nesta fase da vida, a actual decisão do HSBC representa um corte grave no orçamento. Como os residentes de Hong Kong compreenderam que o MPF não lhes pode dar protecção suficiente, tentaram obter outras garantias; agora o HSBC não vai pagar os dividendos, o que vai obrigar a população de Hong Kong a voltar a repensar o seu sistema de pensões de reforma. O Governo de Hong Kong tomou este ano uma decisão idêntica à do Governo de Macau, planeando atribuir a cada residente a quantia de HK$10.000. Mas, será que Hong Kong também poderá replicar o sistema de pensões de reforma de Macau, orientado pelo princípio de que a segunda geração deve apoiar a primeira, para que os mais velhos possam ter uma vida mais segura?

No mundo da finança todos os sectores se afectam entre si. A epidemia afectou as medidas económicas do Governo britânico, as medidas do Governo afectaram os bancos comerciais; os bancos comerciais afectaram os investidores.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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