Hábitos alimentares

[dropcap]A[/dropcap] semana passada, o Governo chinês tomou uma decisão de vital importância no combate ao novo coronavírus. Esta decisão poderá efectivamente travar a propagação do vírus, mas irá mudar os hábitos alimentares ancestrais dos chineses.

Desde a antiguidade, que a China acredita que “a comida tem um carácter divino”, e que a sua gastronomia é intocável. O segredo desta cozinha, mais do que na técnica, está nos ingredientes; devem ser usados os animais mais raros para preparar os pratos mais requintados.

Os chineses têm um ditado que diz: “Podem comer-se todos os animais que voltem a coluna para o céu”, como esquilos, doninhas, javalis, elefantes, civetas, pangolins, etc. É por este motivo que os chineses têm o hábito de comer animais selvagens. Existem muitas lojas na China onde se vende caça. Segundo uma notícia publicada a 28 de Fevereiro, a fim de combater a propagação do vírus, mais de 350.000 destas lojas vão ser encerradas. Foram detectados 690 casos de violação da legislação, encontraram-se 2.919 utensílios ilegais e apreenderam-se 39.000 animais selvagens.

O surto da síndrome respiratória aguda grave (SARS sigla em inglês) em 2003, ficou a dever-se a uma bactéria transmitida sobretudo por civetas e morcegos. O costume de comer estes animais pode ter estado na raiz do problema. Depois do surto desta infecção ter sido ultrapassado, os hábitos alimentares ancestrais foram retomados por muitas pessoas. Com o aparecimento deste novo vírus, o Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo (CPCNP) decidiu por ponto final a esta situação. Mas será que uma folha de papel pode acabar com os hábitos de milhares de chineses?

No dia 24 de Fevereiro, o CPCNP implementou a “Decisão de Banir Definitivamente o Comércio de Animais Selvagens e Eliminar o Hábito de Comer sua Carne, para Salvaguardar Eficazmente a Vida e a Saúde do Povo Chinês”. Esta Decisão deverá ter efeitos imediatos. Segundo este documento os animais são divididos em duas categorias. Na primeira encontram-se os que podem ser consumidos como peixe, porco, vaca, cabrito, ovelha, etc. Em relação ao consumo da carne de animais como o pombo e o Coelho, vai haver um conjunto de regulamentos. Os conteúdos mais significativos desta Decisão são os seguintes:

Em primeiro lugar, animais marinhos selvagens, como o peixe, marisco e moluscos não são proíbidos.
Segundo, a criação de porcos, vacas, ovelhas, cabritos, galinhas, patos, gansos e outros animais de capoeira, passará a obedecer à legislação consagrada nos Regulamentos da “Lei da Pecuária” e da “Lei da Prevenção de Epidemias de Origem Animal”.

Terceiro, pombos, coelhos e outros animais que passaram a ser criados para consumo doméstico, estarão incluídos no “Catálogo dos Recursos Genéticos Pecuários e Aviários” ao abrigo da Lei de Criação de Animais, que regulará de forma estrita a sua criação e o consumo da sua carne.

E porque é que o porco, a vaca, o cabrito, a ovelha, a galinha e o peixe não são proíbidos? As bactérias podem afectar tanto os seres humanos como os animais. Algumas doenças desenvolvem-se sobretudo nos animais, mas, em alguns casos, podem ser transmitidas aos humanos. Os animais criados pelo homem para fins alimentares, se forem sujeitos a controle sanitário, não são, à partida, um perigo para a saúde pública.

Mas os morcegos, as civetas, os pangolins, etc. não são criados pelo homem, nem são sujeitos a nenhum tipo de controle sanitário. De facto, não existe qualquer prova científica de que esta carne seja adequada para consumo. A “Lei de Protecção da Vida Selvagem” na China proíbe o consumo de:

a. espécies protegidas;
b. animais caçados ilegalmente
c. outros animais que não tenham sido sujeitos a inspecção.

Os morcegos, pangolins e civetas não são regulados pela Lei de Protecção da Vida Selvagem.
Para além disso, até aqui, não estava proíbido o consumo da carne dos “animais selvagens terrestres de importante valor ecológico, científico e social” nem de outras espécies não protegidas. Assim, esta Decisião veio colmatar as lacunas da lei, proibindo o consumo da carne de animais selvagens. As medidas tomadas nesse sentido são as seguintes:

Primeiro, o consumo da carne de animais selvagens terrestres, regulamentado ao abrigo da Lei de Protecção da Vida Selvagem, está proíbido.

Segundo, é proibido consumir a carne de animais selvagens terrestres, mesmo quando mantidos em cativeiro.

Terceiro, é proibido caçar, comercializar e transportar animais selvagens terrestres, para fins alimentares.
Quarto, a utilização de animais selvagens em laboratório, para pesquisa médica e científica, fica sujeita a aprovação, após terem sido submetidos a inspecção e quarentena.

A julgar pelos conteúdos da Decisão, basicamente, os animais selvagens terrestres, quer tenham sido criados na natureza ou em cativeiro, estão protegidos pela Lei, desde que sejam valiosos, que estejam em perigo, ou sejam necessários para pesquisa económica ou científica. Assim, de futuro, comer animais selvagens na China passará a ser ilegal. A Decisão despertou as consciências para os riscos para a saúde pública e para as questões de segurança, abolindo o mau hábito de consumir carne de animais selvagens e garantindo a segurança dos animais selvagens.

Precisávamos desta lei. Esperemos que esta epidemia torne as pessoas mais conscientes do perigo que este hábito alimentar representa para a saúde pública. Os costumes há muito enraizados não vão mudar de um dia para o outro com um conjunto de leis. Esperemos que com o tempo essa transformação seja possível.

O Departamento de Pescas e Conservas de Hong Kong anunciou no passado dia 28 de Fevereiro, que um cão cujo dono adoeceu devido ao coronavírus também está infectado. Embora não existam provas científicas de que os animais de estimação possam contrair o vírus, esta notícia é preocupante.

Em face do que foi dito, deve o Governo de Macau implementar uma lei para proíbir a caça, comercialização e o transporte de animais selvagens para fins alimentares? Devemos também considerar a forma de tratar os animais domésticos se vierem a ser infectados pelo coronavírus?

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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