Estudo da WWF defende fim dos mercados ilegais de animais

[dropcap]U[/dropcap]m estudo ontem divulgado feito no sudeste asiático indica que 90% dos entrevistados apoiam o encerramento de mercados ilegais de animais selvagens, ligando-os à actual pandemia covid-19. O estudo foi divulgado pela organização ambientalista “World Wide Fund for Nature” (WWF), que em conjunto com a empresa GlobeScan inquiriram 5.000 pessoas em Hong-Kong, Japão, Mianmar, Tailândia e Vietname.

Dos resultados concluiu-se que 82% das pessoas estão muito preocupadas com a atual situação de pandemia, devido ao novo coronavírus que provoca a doença covid-19, e que já matou mais de 70.000 pessoas. E 93% apoia ações dos governos para eliminar mercados ilegais não regulados.

A covid-19 é uma doença zoonótica (transmitida de animais para seres humanos), tal como outras das maiores epidemias recentes, como a SARS (2002 – síndrome respiratória aguda grave), MERS (2012 – síndrome respiratória do Médio Oriente) e Ébola (também doença causada por vírus), todas com origem num vírus que passou de animais para pessoas. A covid-19 terá começado num mercado de animais na China, estando agora espalhada por todo o mundo.

“É hora de perceber a ligação entre o comércio de animais selvagens, a degradação ambiental e riscos para a saúde humana. Agir agora é crucial para a nossa sobrevivência”, diz Marco Lambertini, diretor da WWF Internacional, citado num comunicado hoje divulgado pela Associação Natureza Portugal (ANP), que em Portugal trabalha com a WWF, uma organização presente em mais de uma centena de países.

A covid-19 surgiu em dezembro passado na China, onde o Governo já proibiu o consumo de animais selvagens. Ângela Morgado, diretora da ANP, diz, também citada no documento, que o Vietname se prepara para proibir a caça, comércio, transporte e alimentação de animais selvagens, acrescentando: “Todos os países do mundo deverão juntar-se às vozes destas populações que estão a pedir aos governos asiáticos para encerrar mercados ilegais ou não regulados de animais selvagens de uma vez por todas, para salvar vidas e ajudar a evitar a repetição da perturbação social e económica que enfrentamos hoje em todo o mundo”.

Na informação divulgada hoje pela WWF salienta-se que o comércio insustentável de animais selvagens é a segunda maior ameaça direta à biodiversidade em todo o mundo, depois da destruição de habitats.

“As populações de espécies de vertebrados na Terra caíram em média 60% desde 1970, e um relatório de 2019 da Plataforma Intergovernamental de Ciência e Políticas sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES) concluiu que atualmente, em média, 25% das espécies globais estão ameaçadas de extinção”, alertam os responsáveis.

Lembrando que as actividades humanas alteraram significativamente três quartos da terra e dois terços dos oceanos, os responsáveis dizem que este processo, que aproxima o Homem à vida selvagem, facilita a propagação de novas estirpes de vírus e bactérias.

“O comércio ilegal e descontrolado de animais selvagens vivos cria oportunidades perigosas de contacto entre os seres humanos” e as doenças que os animais possam ter. “Não é por acaso que muitos surtos recentes tiveram origem em mercados que vendem uma mistura de mamíferos domésticos e selvagens, aves e répteis, criando as condições para o desenvolvimento de novas e antigas zoonoses”, alerta-se no comunicado.

Num relatório publicado em março pela WWF-Itália já se salientava a evidente ligação entre os impactos os ecossistemas provocados pelo Homem e a disseminação de doenças. Agora os ambientalistas da WWF dizem que este é o ano e a oportunidade para reequilibrar o relacionamento do Homem com a natureza.

No inquérito, 09% dos entrevistados disse que eles próprios ou alguém que conheciam tinham comprado animais selvagens nos últimos 12 meses, num mercado. Mas 84% disseram não ser provável, ou ser pouco provável, que compre animais selvagens no futuro.

7 Abr 2020

Covid-19 | Shenzhen proíbe permanentemente a criação e consumo de animais selvagens

[dropcap]U[/dropcap]ma das mais prósperas cidades chinesas, Shenzhen, emitiu hoje a proibição mais abrangente até à data de criação e consumo de animais selvagens, num esforço para evitar um surto futuro do coronavírus.

A covid-19 foi detectada pela primeira vez na cidade de Wuhan, centro da China, em dezembro passado, entre pacientes relacionados com um mercado da cidade que vendia animais selvagens, incluindo pangolim e civeta, além de carnes mais convencionais, como frango e peixe. O consumo de animais selvagens é sobretudo popular no sul da China, onde Shenzhen está situado.

Situada na fronteira com Hong Kong, Shenzhen tornou-se num centro global para fabrico de componentes eletrónicos e sede das principais firmas tecnológicas do país. Em 2002, o surto da pneumonia atípica, ou SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), foi inicialmente disseminado por pessoas que consumiam ou criavam e vendiam animais selvagens em áreas próximas de Shenzhen.

Os regulamentos estipulados pelas autoridades da cidade proíbem permanentemente o comércio e o consumo de animais selvagens, o que vai além da proibição temporária emitida pelo Governo central, em fevereiro passado, após o início do surto.

Para além de cobras, lagartos e outros animais selvagens, a diretriz, que cita razões humanitárias, proíbe ainda o consumo de carne de cão e gato, que são há muito tempo especialidades locais.

A proibição prevê multas a partir dos 150 mil yuans, valor que aumentou consideravelmente, dependendo da quantidade de animais apreendidos.

A medida não restringe a criação de animais selvagens para fins medicinais, que tem sido criticada como cruel e perigosa para a saúde pública, embora o consumo desses animais para alimentação passe a ser proibido.

2 Abr 2020

Hábitos alimentares

[dropcap]A[/dropcap] semana passada, o Governo chinês tomou uma decisão de vital importância no combate ao novo coronavírus. Esta decisão poderá efectivamente travar a propagação do vírus, mas irá mudar os hábitos alimentares ancestrais dos chineses.

Desde a antiguidade, que a China acredita que “a comida tem um carácter divino”, e que a sua gastronomia é intocável. O segredo desta cozinha, mais do que na técnica, está nos ingredientes; devem ser usados os animais mais raros para preparar os pratos mais requintados.

Os chineses têm um ditado que diz: “Podem comer-se todos os animais que voltem a coluna para o céu”, como esquilos, doninhas, javalis, elefantes, civetas, pangolins, etc. É por este motivo que os chineses têm o hábito de comer animais selvagens. Existem muitas lojas na China onde se vende caça. Segundo uma notícia publicada a 28 de Fevereiro, a fim de combater a propagação do vírus, mais de 350.000 destas lojas vão ser encerradas. Foram detectados 690 casos de violação da legislação, encontraram-se 2.919 utensílios ilegais e apreenderam-se 39.000 animais selvagens.

O surto da síndrome respiratória aguda grave (SARS sigla em inglês) em 2003, ficou a dever-se a uma bactéria transmitida sobretudo por civetas e morcegos. O costume de comer estes animais pode ter estado na raiz do problema. Depois do surto desta infecção ter sido ultrapassado, os hábitos alimentares ancestrais foram retomados por muitas pessoas. Com o aparecimento deste novo vírus, o Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo (CPCNP) decidiu por ponto final a esta situação. Mas será que uma folha de papel pode acabar com os hábitos de milhares de chineses?

No dia 24 de Fevereiro, o CPCNP implementou a “Decisão de Banir Definitivamente o Comércio de Animais Selvagens e Eliminar o Hábito de Comer sua Carne, para Salvaguardar Eficazmente a Vida e a Saúde do Povo Chinês”. Esta Decisão deverá ter efeitos imediatos. Segundo este documento os animais são divididos em duas categorias. Na primeira encontram-se os que podem ser consumidos como peixe, porco, vaca, cabrito, ovelha, etc. Em relação ao consumo da carne de animais como o pombo e o Coelho, vai haver um conjunto de regulamentos. Os conteúdos mais significativos desta Decisão são os seguintes:

Em primeiro lugar, animais marinhos selvagens, como o peixe, marisco e moluscos não são proíbidos.
Segundo, a criação de porcos, vacas, ovelhas, cabritos, galinhas, patos, gansos e outros animais de capoeira, passará a obedecer à legislação consagrada nos Regulamentos da “Lei da Pecuária” e da “Lei da Prevenção de Epidemias de Origem Animal”.

Terceiro, pombos, coelhos e outros animais que passaram a ser criados para consumo doméstico, estarão incluídos no “Catálogo dos Recursos Genéticos Pecuários e Aviários” ao abrigo da Lei de Criação de Animais, que regulará de forma estrita a sua criação e o consumo da sua carne.

E porque é que o porco, a vaca, o cabrito, a ovelha, a galinha e o peixe não são proíbidos? As bactérias podem afectar tanto os seres humanos como os animais. Algumas doenças desenvolvem-se sobretudo nos animais, mas, em alguns casos, podem ser transmitidas aos humanos. Os animais criados pelo homem para fins alimentares, se forem sujeitos a controle sanitário, não são, à partida, um perigo para a saúde pública.

Mas os morcegos, as civetas, os pangolins, etc. não são criados pelo homem, nem são sujeitos a nenhum tipo de controle sanitário. De facto, não existe qualquer prova científica de que esta carne seja adequada para consumo. A “Lei de Protecção da Vida Selvagem” na China proíbe o consumo de:

a. espécies protegidas;
b. animais caçados ilegalmente
c. outros animais que não tenham sido sujeitos a inspecção.

Os morcegos, pangolins e civetas não são regulados pela Lei de Protecção da Vida Selvagem.
Para além disso, até aqui, não estava proíbido o consumo da carne dos “animais selvagens terrestres de importante valor ecológico, científico e social” nem de outras espécies não protegidas. Assim, esta Decisião veio colmatar as lacunas da lei, proibindo o consumo da carne de animais selvagens. As medidas tomadas nesse sentido são as seguintes:

Primeiro, o consumo da carne de animais selvagens terrestres, regulamentado ao abrigo da Lei de Protecção da Vida Selvagem, está proíbido.

Segundo, é proibido consumir a carne de animais selvagens terrestres, mesmo quando mantidos em cativeiro.

Terceiro, é proibido caçar, comercializar e transportar animais selvagens terrestres, para fins alimentares.
Quarto, a utilização de animais selvagens em laboratório, para pesquisa médica e científica, fica sujeita a aprovação, após terem sido submetidos a inspecção e quarentena.

A julgar pelos conteúdos da Decisão, basicamente, os animais selvagens terrestres, quer tenham sido criados na natureza ou em cativeiro, estão protegidos pela Lei, desde que sejam valiosos, que estejam em perigo, ou sejam necessários para pesquisa económica ou científica. Assim, de futuro, comer animais selvagens na China passará a ser ilegal. A Decisão despertou as consciências para os riscos para a saúde pública e para as questões de segurança, abolindo o mau hábito de consumir carne de animais selvagens e garantindo a segurança dos animais selvagens.

Precisávamos desta lei. Esperemos que esta epidemia torne as pessoas mais conscientes do perigo que este hábito alimentar representa para a saúde pública. Os costumes há muito enraizados não vão mudar de um dia para o outro com um conjunto de leis. Esperemos que com o tempo essa transformação seja possível.

O Departamento de Pescas e Conservas de Hong Kong anunciou no passado dia 28 de Fevereiro, que um cão cujo dono adoeceu devido ao coronavírus também está infectado. Embora não existam provas científicas de que os animais de estimação possam contrair o vírus, esta notícia é preocupante.

Em face do que foi dito, deve o Governo de Macau implementar uma lei para proíbir a caça, comercialização e o transporte de animais selvagens para fins alimentares? Devemos também considerar a forma de tratar os animais domésticos se vierem a ser infectados pelo coronavírus?

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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3 Mar 2020