Refeição fatal

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 24, o website “www.theguardian.com” publicou a notícia do falecimento de Paul Wilson. A morte deveu-se a choque anafilático. A definição de “choque anafilático” pode ser encontrada em www.webmd.com/allergies/guide/anaphylaxis e é a seguinte,
“Anafilaxia é uma resposta alérgica, potencialmente fatal que se caracteriza por inchaço, urticária, quebra de tensão arterial e dilatação dos vasos sanguíneos. Nos casos mais graves o paciente entra em choque. Pode ser fatal se o tratamento não for efectuado de imediato.
Paul Wilson tinha acabado de ingerir um caril que continha amendoins. Em Janeiro de 2014, no Restaurante Indian Garden, comeu uma dose de galinha tikka nasala. A seguir à refeição foi encontrado caído na casa de banho.
No decurso da investigação criminal, a polícia descobriu que no cimo da nota de encomenda de Paul estava escrito “sem frutos secos”. O gerente do Indian Garden admitiu o facto.
Como a nota de encomenda tinha sido clara, a polícia passou a investigar outros aspectos. Mais tarde foi encontrada na cozinha do Indian Garden, uma embalagem de extracto de amendoim. A partir desta descoberta o caso esclareceu-se. Era este pó que explicava a presença de amendoim na comida.
Mohanmmed Zaman é o proprietário do Indian Garden. Tem 52 anos, é casado e pai de quatro filhos. Nasceu no Bangladesh e emigrou para o Reino Unido quando tinha 15 anos. Começou por trabalhar para o tio no ramo da restauração e acabou por se tornar dono de uma cadeia de seis restaurantes. Os seus estabelecimentos são recomendados pela British Catering Association e já foi agraciado com prémios da British Curry Awards.
A polícia também apurou que Zaman tem uma dívida de 300.000 libras. Para reduzir custos, no Indian Garden só era utilizado extracto de amendoim. Zaman também empreava trabalhadores ilegais.
Três semanas antes da morte Paul Wilson, Ruby Scott, uma jovem de 17 anos, já tinha sofrido uma forte reacção alérgica ao caril. Mas neste caso a jovem recuperou.
Mohammed Zaman foi acusado do homicídio de Paul Wilson por negligência grosseira. “Homicídio por negligência grosseira” é uma das classificações de homicídio no Reino Unido. Significa que o réu provocou a morte da vítima, não intencionalmente, mas por descuido grave. Ao ignorar o seu aviso e, permitindo que se usasse extracto de amendoim no caril, foi responsável por homicídio por negligência grosseira.
O procurador Richard Wright, afirmou,
“Mohammed Zaman foi avisado por diversas vezes de que estava a pôr a saúde dos clientes em risco e eventualmente as suas vidas. Infelizmente para Paul Wilson, Mohammed Zaman não aproveitou nenhuma dessas oportunidades e ignorou todas as chamadas de atenção que lhe fizemos.”
“Foi uma atitude irresponsável e aventureira, que nós, a acusação, só podemos designar como negligência grosseira.”
“Por repetidas vezes ignorou o perigo e não protegeu os clientes. As provas irão demonstrar que Mohammed Zaman colocou o lucro à frente da segurança e que optava sempre por fazer as coisas da maneira mais fácil.”
O juiz Simon Bourne-Arton disse que Zaman ignorou completamente o facto de ser arriscado usar amendoins num restaurante de forma indiscriminada.
Mohammed Zaman foi condenado por homicídio por negligência grosseira e sentenciado a uma pena de seis anos de prisão.
Este caso não levanta dúvidas. Em primeiro lugar, verificamos que a responsabilidade legal de homicídio por negligência grosseira se aplica a todo o pessoal do Indian Garden, desde o proprietário ao empregado de mesa. No início do inquérito, a polícia investigou os “frente de casa” – o gerente e o empregado de mesa. Na medida em que estes indicaram na nota de encomenda que a refeição não poderia conter frutos secos, demonstraram terem sido cuidadosos, logo não lhes poderá ser atribuída qualquer responsabilidade. Por isso, se o dono e o cozinheiro não provarem que agiram em consciência, terão de apresentar explicações. No artigo não ficou claro porque é que o cozinheiro não tinha sido responsabilizado. Se a indicação tinha sido dada de forma expressa, não existe desculpa para o cozinheiro a ter ignorado. No entanto a pergunta seguinte diz respeito ao “conhecimento” do cozinheiro. Saberia o cozinheiro que o extracto de amendoim pertence à categoria de “frutos secos”? A resposta a esta pergunta não se encontra no relatório. Não podemos fazer mais comentários.
A responsabilização legal feita desta forma tem os seus méritos. Assegura que todos os profissionais deverão exercer as suas funções em consciência. Se não existirem procedimentos escrupulosos, em caso de acidente pode haver responsabilização. Zaman é disso o melhor exemplo.
Outro ponto a analisar é a natureza da acusação feita a Zaman. Foi, como sabemos, “homicídio por negligência grosseira”, e não qualquer outra acusação relacionada com segurança alimentar. Ao contrário dos países continentais, os britânicos têm um “Código Legal” que contém toda a legislação relevante num só livro. É provável que o homicídio esteja previsto na Lei da segurança alimentar. Mas no sistema da Lei Comum, a classificação é diferente. O homicídio não está previsto na Lei de segurança alimentar. Deverá por isso ser tratado como um crime à parte. Não interessam as circunstâncias em que ocorreu o crime, tanto faz ser um caso de segurança alimentar ou um assalto, a partir do momento em que a Procuradoria considera que a acusação de homicídio é adequada, o réu será acusado desse crime.
Paul Wilson morreu. Mas este caso interessa a todos e, em particular, a quem trabalha em restauração. Quem costuma frequentar restaurantes sabe que é raro encontrar avisos sobre segurança alimentar. Também é difícil vermos o restaurante pedir para ser informado caso o cliente sofra de alguma intolerância alimentar. Não há dúvida que essa responsabilidade é em primeiro lugar do cliente. Mas afixar um anúncio nesse sentido funciona como um lembrete para todos, do perigo potencial. Não é uma questão legal, mas sim uma boa prática, que beneficia todos: o dono, o pessoal e os clientes.

30 Mai 2016

Refresco enganador

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 5 deste mês, o website “money.cnn.com” divulgou uma notícia onde se fazia saber que um homem chamado Stacy Pincus tinha processado a Starbucks e reclamava uma indemnização de 5 milhões de US dólares. O caso estava relacionado com as bebidas geladas servidas por esta cadeia de cafés.
A história conta-se em poucas palavras. O homem alegava que “A Starbucks anuncia no menu o tamanho dos recipientes, e não a quantidade das bebidas…. e desta forma induz os clientes em erro.”
Para dar um exemplo, o menu anuncia que o refresco Venti tem cerca de sete decilitros, mas, na verdade, a bebida em si não chega aos quatro, o resto é gelo.
O porta-voz da Starbucks, Jamie Riley veio contrapor:
“Os nossos clientes compreendem que o gelo é um componente essencial de qualquer bebida “gelada”. Se um cliente não estiver satisfeito com a nossa forma de preparar uma bebida temos todo o prazer em refazê-la.”
Em 1992, um cliente que se queimou com um café servido no McDonalds, processou a empresa alegando que o café estava muito mais quente do que deveria estar. Acabou por ganhar o processo.
Este caso também não deixa dúvidas. O queixoso alega que a quantidade das bebidas não está devidamente anunciada. O volume do recipiente não é variável, e sobre esse ponto não existe qualquer questão. Contudo, Stacy Pincus afirma que se a Starbucks serve um refresco num recipiente com sete decilitros, o volume da bebida tem de corresponder ao que está anunciado, ou seja sete decilitros. Como o gelo não vem referido no menu, não se pode considerar parte da bebida. Como gelar uma bebida, já é outra questão, mas esta queixa não deixa margem para dúvidas. A contra-argumentação da Starbucks também é compreensível. Uma bebida sem gelo não é gelada e, depois de se deitar o gelo na bebida, o seu volume corresponde ao que vem anunciado, não existindo por isso qualquer deturpação.
Mas antes de continuarmos, deveremos compreender o significado de deturpação. “Deturpação” é um termo legal, e aplica-se quando, antes de um contrato ser celebrado, uma das partes faz uma afirmação que não corresponde à verdade. O objectivo desta afirmação enganadora é levar a outra parte a assinar o contrato. Ou, por palavras simples, Pedro mente a João para o levar à certa.
A deturpação pode ser classificada em três tipos, a saber: deturpação fraudulenta, deturpação negligente e deturpação inocente. No caso da Starbucks parece ser deturpação fraudulenta, porque ao informar o cliente sobre o volume da bebida, já está a contar com o gelo.
Para além de alegar deturpação de informação, é muito provável que o queixoso processe a empresa baseado nos requisitos da “venda por descrição do produto”. A “Venda por descrição do produto” é um caso particular dos contratos de venda de produtos. Significa que o cliente compra produtos porque confia na descrição que deles é feita. Logo, se existir uma falha na descrição, não importa se intencional ou não, o cliente pode exigir uma compensação; por exemplo, reembolso, devolução dos produtos ou mesmo uma indemnização monetária. É por isto que o porta-voz da Starbucks, Jamie Riley, afirmou:
“Podemos preparar-lhe outra bebida.”
O queixoso só poderá processar a Starbucks por “deturpação” ou por falha na “descrição do produto”. Não pode processar pelas duas vias e pedir uma dupla indemnização.
Baseados nesta discussão, não nos parece pouco razoável reclamar que um refresco que é suposto ter sete decilitros, os tenha efectivamente. Esta linha de pensamento vai totalmente ao encontro dos requisitos da “descrição do produto”; e não da “deturpação”. Mas se não adicionarem gelo à bebida, como é que ela vai ficar gelada? Possivelmente o queixoso afirmará que esse efeito se obtém se for colocada no frigorífico. Não importa quão fria esteja, porque a quantidade de frio não vem especificada no contrato de venda de produtos.
Este caso da Starbucks é sem dúvida peculiar. Não devemos dar muito crédito ao queixoso. Os motivos para levar a questão a Tribunal são duvidosos. E casos duvidosos, não interessam a ninguém. Esperemos que de futuro estas situações não se repitam.

23 Mai 2016

Confidencialidade ou segurança

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]semana passada o website “Yahoo” publicou um artigo sobre a companhia aérea alemã “Germanwings(GmbH), do qual extraímos o texto que se segue:
“A GmbH, sediada em Colónia e subsidiária da Lufthansa, é uma companhia aérea alemã low-cost.
“A 24 de Março de 2015, o Airbus A320-211, com a chapa D-AIPX, no decurso do Voo 9525, de Barcelona para Dusseldorf, despenhou-se no sul de França, perto de Digne-les-Bains, tendo morrido todos os ocupantes do aparelho. O voo transportava 144 passageiros, dois pilotos e quatro assistentes de bordo. O procurador francês, as autoridades aéreas, francesa e alemã, e o porta-voz da GmbH foram unânimes em afirmar que o desastre tinha sido intencionalmente causado pelo co-piloto, Andreas Lubitz de 27 anos de idade.
A 29 de Março de 2015, Phil Giles, investigador aposentado da Agência Britânica de Investigação de Acidentes Aéreos, em declarações ao Independent, afirmou que a GmbH (logo a Lufthansa) teria de dar satisfações sobre o estado de saúde mental do co-piloto. Lubitz esteve de baixa durante vários meses enquanto fazia a sua formação de voo e a Escola de Formação de Pilotos teve conhecimento que, em 2009, o co-piloto sofreu uma depressão grave. Antes de ter ingressado nesta Escola, Lubitz recebeu tratamento por ter evidenciado tendências suicidas.
A seguir ao acidente, a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA) passou a recomendar que deveriam estar presentes no cockpit, sempre, dois funcionários autorizados. As diversas companhias aéreas do grupo Lufthansa, em consonância com as autoridades para a aviação, outras companhias e a Associação para a Indústria da Aviação, daquele País, adoptaram um protocolo no sentido de ser obrigatória a presença no cockpit de dois funcionários autorizados, em todas as circunstâncias.”
O website Yahoo sugeria ainda que, para prevenir a ocorrência de outros casos semelhantes, todos os pilotos deveriam ser submetidos a exames clínicos mais sérios e que os relatórios médicos não deveriam ser confidenciais. Caso se detecte que um piloto sofre de qualquer perturbação psicológica a companhia aérea deverá ser informada.
Embora esta medida se proponha assegurar, na medida do possível, a integridade dos passageiros, levanta-se a questão da privacidade dos pilotos. Até que ponto é que as companhias aéreas deverão ter acesso à informação clínica dos seus pilotos? Não é uma questão fácil. À partida poderemos pensar que qualquer perturbação física ou psicológica, que afecte a capacidade de dirigir um avião, deverá ser comunicada. Por outras palavras, a companhia aérea deve ter acesso à informação clínica relevante, não a toda a informação. Neste caso, a informação relevante, como o seu nome indica, é apenas aquela que se prende com a capacidade de o piloto exercer em pleno as suas funções. Caso não esteja capaz, a companhia terá obrigação de o substituir.
E que tipo de médico deverá seguir um piloto? Um médico de família? O médico da companhia aérea? Um clínico privado? Só se a companhia aérea for responsável pelo seguimento clínico dos pilotos se poderá ter a certeza que vai estar a par da informação relevante.
Do ponto de vista ontológico, estará o médico autorizado a quebrar o sigilo profissional? Não nos podemos esquecer que as questões relacionadas com a saúde são de âmbito privado. À partida, sem a autorização expressa do doente, o médico não tem autorização para revelar a sua ficha a terceiros. Para que esta sugestão seja implementada é provável que a companhia aérea venha a ter de inserir uma clausula no contrato de trabalho, que salvaguarde ser necessário prova de que os pilotos gozam de boa saúde física e mental, quando assumem os comandos de um avião. Nesse caso a companhia deverá ter médicos que certifiquem a saúde dos pilotos. Estes deverão sujeitar-se a exames médicos, digamos, uma vez por ano.
Este acordo deverá ser feito entre a companhia aérea, o médico e o piloto. Não é necessário acrescentar qualquer emenda à Lei. O dever de sigilo profissional dos médicos não será no geral afectado por esta medida, porque à partida os pilotos concordam que os problemas de saúde, susceptíveis de influenciar o voo, deverão ser comunicados à companhia.
Agora, fazemos outra pergunta. Que outros ramos de actividade poderão adoptar o mesmo procedimento? Todos aqueles que possam directamente pôr em risco a vida das pessoas. As companhias rodoviárias poderão pertencer a esta categoria. Lembramos que em Setembro de 2010, em Junho e em Novembro de 2012, ocorreram em Hong Kong acidentes graves com autocarros, causados por problemas de saúde dos motoristas.
A seguir aos acidentes a maior parte dos membros do Conselho Legislativo recomendou que se fizessem exames clínicos mais sérios aos condutores. A recomendação nunca foi implementada.
Se a esta sugestão seguir em frente, será bom considerar estendê-la a todas as profissões que envolvam risco à integridade das pessoas. Não se trata de cuidar da saúde do individuo B ou C, trata-se de uma questão de segurança pública.

* Consultor Legal da Associação de Promoção do Jazz em Macau

21 Mar 2016

ATV, encerrar ou não, eis a questão!

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s últimas notícias sobre a ATV deixaram de ser novidade já há algum tempo. No dia 1 de Abril de 2015, o Conselho Executivo de Hong Kong deu à ATV um prazo de um ano para cancelar a licença de emissão de Televisão Digital Terrestre, que até aí lhe tinha sido cedida gratuitamente. Mal esta data expire deixaremos de poder assistir às emissões da ATV.
Logo após o anúncio do Conselho Executivo, começaram a ser ventilados vários casos relacionados com a estação e que nada abonavam a seu favor. A ordem de liquidação provisória foi dada em Tribunal, no passado dia 4, e a notícia de despedimento dos 300 funcionários foi emitida pelo executor Deloitte. O despedimento foi geral.
Uma ordem provisória de liquidação determina o fim da actividade de uma empresa e antecede a sua extinção legal. O executor provisório é apontado pelo Tribunal para levar a cabo a liquidação. Quer a ordem quer o executor têm um carácter temporário. Só poderão ser confirmados após reunião dos credores da ATV na qual sejam decididos os termos da liquidação.
Sem perda de tempo, logo no dia 5 deste mês, a China Culture Media International Holdings Limited (o novo accionista) readmitiu 160 dos 300 funcionários despedidos, para manterem a estação a funcionar. Foi-lhes proposto trabalharem até ao próximo dia 1 de Abril, recebendo dois salários por um mês de trabalho.
Não parece uma má proposta receber um mês a dobrar. No entanto a ATV ainda devia a estes funcionários os salários de Janeiro e de Fevereiro, pelo que esta proposta apenas resolvia parte do seus problemas.
Acresce ainda que o novo accionista estipulou condições contra os direitos legais destes trabalhadores. Ficaram impedidos de reclamar o pagamento dos salários em atraso antes de dia 3 de Abril. Por outras palavras, os 160 trabalhadores não podem processar, nem a ATV nem a Deloitte, pelos salários em falta antes desta data. No entanto estão autorizados a apresentar queixa ao Fundo de Insolvência para Protecção de Salários, para tentarem recuperar o valor em falta.
O Fundo de Insolvência para Protecção de Salários foi criado pelo Governo da RAEHK. As empresas que operam em Hong Kong são obrigadas a pagar 250 HKD por ano pela sua licença comercial. Estes valores são depositados num Fundo que cobre o pagamento de salários quando as empresas ficam impossibilitadas de o fazer. Qualquer valor que os empregados recuperem posteriormente do seu empregador deverá ser restituído ao Fundo. O Fundo funciona como um intermediário entre patrões e empregados e é um garante para os trabalhadores. Em caso de falência, pelo menos parte dos salários em falta será devolvida.
Em Macau não foi criado um Fundo similar.
E agora pergunto eu, se o meu caro leitor estivesse na pele de um destes 160 funcionários, aceitaria ou não a proposta que lhes foi feita?
Bem, do ponto de vista financeiro não me parece que lhes reste outra alternativa senão aceitarem. Com um passivo de dois meses de salário em atraso e, evidentemente, com vidas para gerir, que mais podem fazer? Por um mês de trabalho recebem dois ordenados, estão à espera de quê?

Do ponto de vista legal, serão legítimas as condições estipuladas pelo novo accionista, ou seja, que os trabalhadores abdiquem dos seus direitos legais até dia 3 de Abril?
Em Hong Kong as leis que regem o emprego orientam-se por um princípio básico que defende que nunca deve haver qualquer limitação dos direitos dos trabalhadores. Mesmo que os trabalhadores concordem com essas limitações, continua a ser ilegal. E isto porque os acordos entre patrões e empregados não se sobrepõem aos requisitos estatutários. A Lei deverá ter sempre a última palavra.
No entanto este acordo não priva propriamente os trabalhadores dos seus direitos, apenas os adia. O facto de se absterem de qualquer acção até 3 de Abril, não reduz em nada os seus direitos, portanto aparentemente não se verifica uma transgressão da Lei do Trabalho de Hong Kong.
Mas o efeito de “adiar o exercício dos direitos legais” pode ser prejudicial. Está fora de questão pôr em causa o dever que o empregador tem de pagar os salários aos seus funcionários. Mas nesta situação esse dever é intencionalmente adiado, não lhe parece?
É evidente que o novo accionista terá as suas razões para agir desta forma. A transferência das quotas dos accionistas originais da ATV para os actuais leva tempo. A aprovação do Governo de Hong Kong é necessária. Sabemos pelos media que esta transferência ainda está em curso. Logo se a transferência ainda não está efectivada, de momento os novos investidores são estranhos à ATV, ainda não são accionistas de pleno direito. Não têm direito a pronunciar-se. Além disso como a licença da ATV não vai ser renovada, o seu futuro ainda é um grande ponto de interrogação. Ninguém sabe dizer se depois de 3 de Abril
a ATV vai continuar a emitir. Para já a estação precisa de investimento. No caso de haver um encerramento, todo o dinheiro que os novos investidores já injectaram será desperdiçado.
Podemos pensar que o acordo feito com os 160 funcionários é melhor que nada. A nova vida da ATV vai depender dos novos accionistas e da sua equipa.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

10 Mar 2016

Corrupção de alto nível

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]sta semana as atenções focaram-se na prisão do antigo Procurador-geral Ho Chio Meng (Ho), por alegada fraude.
O website “macaodailytimes.com.mo” fez notícia do assunto no passado dia 27 de Fevereiro, divulgando que Ho estava “sob investigação do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) por alegado envolvimento em negócios ilegais. Estas operações fizeram movimentar cerca de 167 milhões de patacas e tiveram lugar entre 2004 e 2014, período durante o qual Ho chefiou o Ministério Público.”
Segundo o comunicado de imprensa do CACC, emitido no sábado à tarde, “destas transacções, os suspeitos deverão ter recebido em luvas pelo menos 44 milhões de patacas.”
O caso ainda está sob investigação. Notícias de última hora davam conta que o Tribunal rejeitou o habeas corpus interposto por Ho.
“Habeas Corpus” significa literalmente em latim “Que Tenhas o Teu Corpo”. Consiste basicamente num pedido de restituição de liberdade.
O website “wikipedia” informa que Ho foi o primeiro Procurador-geral da Região Administrativa Especial de Macau, a ser designado para três mandatos, em 1999, 2004 e 2009.
Em 1983, Ho doutorou-se em Direito pela Universidade de Direito e Ciências Políticas Southwest, na China. Entre 1987 e 1990 foi Juiz Assistente, Juiz e Presidente do Tribunal do Povo da província de Guangdong. Voltou a Macau em 1990. Pouco depois foi para Portugal, para a Universidade de Coimbra, com o objectivo de aprofundar os seus conhecimentos de Português e de Direito. De regresso a Macau obteve o bacharelato em Direito pela Universidade da cidade.
Já em Macau, em 1998, frequentou um curso de formação destinado a funcionários públicos seniores, no Instituto Chinês de Administração Nacional, e completou o doutoramento em Direito Económico na Universidade de Pequim em 2002.
Com este currículo, não admira que tenha sido designado para o cargo de Procurador-geral da RAEM
Confrontados com este caso, não podemos deixar de nos lembrar de outro, o de Ao Man Long (Ao). Ao foi preso a 8 de Dezembro de 2006 na sequência de uma investigação do CCAC, e tornou-se o mais alto funcionário a ser preso em Macau. Alegadamente, Ao tinha dado preferência em projectos governamentais a certas empresas, em negócios que montaram a 804 milhões de patacas. A 30 de Janeiro de 2008, Ao foi considerado culpado de 40 acusações de suborno passivo, entre outras, e foi condenado a 27 anos de prisão.
Se Ho for condenado, irá tornar-se o segundo funcionário de patente mais elevado a ser preso em Macau.
Existe um ponto comum nos caos de Ho e de Ao – os cargos elevados que ocupavam. Foi apenas há cerca de 16 anos que a transferência de soberania de Macau foi efectuada, mas neste espaço de tempo um funcionário superior foi preso por suborno e outro está preso sob suspeita. A imagem do Governo de Macau é afectada por estas situações.
De qualquer forma, o CCAC desempenhou bem as suas funções e os comunicados de imprensa que emitiu transmitiram a mensagem correcta. Estas medidas poderão ajudar a repor a boa imagem do Governo macaense.
Mas é vital que a longo prazo se possa impedir que casos como estes voltem a acontecer. Por exemplo, não será preferível que o Governo tenha apenas um departamento para coordenar todos os contratos? Independentemente da natureza do que estiver a ser negociado e de quem for o seu responsável, este departamento único desempenharia a função de regulador das boas práticas negociais, evitando que se possam cometer fraudes com facilidade.
Mas de qualquer forma é necessário que haja uma investigação a fundo do caso Ho. Se efectivamente foi cometido um crime, é indispensável que seja feita uma acusação. Se o crime não ficar provado, Ho deve ser libertado. Um procedimento correcto e independente é indispensável, não só para que seja feita justiça, mas também para que o público compreenda que todos são iguais perante a Lei, seja qual for a sua posição social e as suas relações com o poder.
Os casos de Ao e Ho já ocorreram. O importante é evitar que outros semelhantes voltem a acontecer.

*Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

7 Mar 2016

A sete chaves

[dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uinta-feira passada, o website Yahoo de Hong Kong publicou uma notícia retirada de um artigo do jornal “Sing Tao newspaper”, onde se fazia saber que a Apple Inc. (Apple) se tinha recusado a criar um código de segurança universal para os Iphones5c., rejeitando a decisão do Tribunal que deliberara nesse sentido.
O terrorista Syed Rizwan Facook, utilizou um Iphone5c no ataque de San Bernardino em 2015. O ataque aconteceu a 2 de Dezembro último e provocou 14 mortos e 22 feridos graves. No ataque participou também Tashfeen Malik, companheira de Syed Facook. Eram ambos islamitas sunitas.
O casal fugiu após o tiroteio. Quatro horas mais tarde foram cercados pela polícia, acabando por ser mortos nos confrontos que se seguiram. O FBI desencadeou um processo de investigação. A 6 de Dezembro, quatro dias depois do ataque, Barack Obama anunciava que o ataque tinha sido um acto de terrorismo.
No website Wikipedia podia ler-se,
“… o FBI obteve uma ordem do Tribunal a exigir que a Apple criasse uma forma de os serviços secretos poderem contornar o controlo de segurança do Iphone usado por um dos terroristas envolvido no ataque e. poder aceder aos seus conteúdos. A Apple alegou que esta ordem representa um ataque às liberdades fundamentais que o governo deve defender.”
A Apple ficou perante um dilema. Se, para ajudar na investigação, a Apple obedecer à ordem judicial, terá de criar uma nova versão do iOS, contornando várias especificações de segurança de extrema importância, para que venha a ser instalada neste iPhone. Mas, desta forma, esta nova versão pode ficar disponível. Ao contrário do “Yahoo”, do “Google” e do “Facebook”, cujas receitas advêm principalmente da publicidade, a Apple factura a partir da venda dos seus produtos. Se o público passar a desconfiar da segurança do Iphone5c, a imagem da empresa será afectada. O volume de vendas dos produtos da Apple pode vir a baixar.
Embora o FBI garanta que só iria usar este programa nesta situação, a Apple mantem-se inflexível. Compreende-se facilmente que se este programa puder desbloquear o Iphone do terrorista, também pode ser usado para desbloquear qualquer outro. É colocar em risco a segurança da informação. Esta é mais uma razão pela qual a Apple se recusa a cumprir a ordem.
Não há dúvida que a Apple está a proteger as liberdades e a privacidade do público, mas também está a ir contra uma ordem do Tribunal. Se a Apple mantiver esta posição, um dos seus responsáveis, por exemplo, o Presidente ou o Director Executivo, pode vir a ser preso. Também pode ser acusada de ignorar a segurança nacional. É como se fizesse vista grossa ao perigo que ameaça o país. Em última análise os consumidores poderão deixar de comprar produtos da Apple. Neste perspectiva os lucros da Apple também podem vir a baixar.
O Iphone pode desempenhar várias funções. pode ser usado para enviar emails e mensagens, pode tirar fotografias e fazer vídeos. Fazendo o download de certas aplicações, como o Whatsapp e o Wechat, o Iphone pode ainda desempenhar outras tarefas. Sabemos que este litigio entre a Apple e o FBI se vai arrastar. Os recursos irão suceder-se até ao limite do possível. Podemos antever um processo com uma duração de três a cinco anos. A bem da investigação deste caso, seria preferível o FBI passar por cima da Apple e procurar a informação de que precisa noutras fontes. Por exemplo, vários repórteres chamaram a atenção para o facto de os terroristas terem publicado informações relacionadas com o ataque no Facebook. Também é possível que tenham usado uma conta do Yahoo para enviar e receber emails relacionados com este acto criminoso. A Apple pode não estar disposta a colaborar com o FBI, mas não quer dizer que as outras empresas não estejam. Como já referi, o Facebook e o Yahoo vão buscar a maior parte das suas receitas à publicidade, estas empresas não podem deixar de colaborar com o FBI. Se esta colaboração se vier a verificar, deixa de ser tão importante encontrar a “chave para abrir” o Iphone5c de Syed Rizwan Facook.
Mas voltemos à litigação. A questão entre o FBI e a Apple é muito simples – como conciliar a segurança nacional com a liberdade e a privacidade da informação? Os cidadãos americanos não querem que o governo invada a sua privacidade, o que é compreensível. É também óbvio que a maioria das pessoas é pacífica. Não vão ver-se a braços com a justiça e, portanto, não querem que o governo tenha acesso aos seus dados. No entanto o Iphone5c de Syed Rizwan Facook, guarda os dados pessoais de… Syed Rizwan Facook. Poderá o FBI aceder à informação armazenada no Iphone5c de Syed Rizwan Facook, só porque ele é terrorista? Este caso é excepção?
Ao analisar os factos, o Tribunal vai ter de responder a estas questões. Se o FBI ganhar, a Apple será obrigada a colaborar. Deixa de ser apenas uma ordem para desbloquear um Iphone. Para equilibrar as exigências da segurança nacional com as da defesa das liberdades e da privacidade da informação, o Tribunal pode pedir ao FBI que prove que Syed Rizwan Facook usou o Iphone5c no ataque. Se o Iphone5c tiver sido um instrumento usado para cometer um crime, então o Tribunal pode pedir a “chave para abrir” o Iphone5c. A ordem não é incondicional.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

29 Fev 2016

Máscaras Ilegais

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Fishball Riot (Revolta das Bolinhas de Peixe) teve lugar há mais de 10 dias. Até ao momento, foram presas mais de 60 pessoas pela polícia de Hong Kong e, a maior parte, foi acusada de provocação de “motim” ao abrigo do artigo 18 da Lei da Ordem Pública. Como referi no artigo da semana passada, é previsível que a polícia continue à procura de suspeitos e que estes venham a ser acusados e presos.
No seguimento da Fishball Riot, alguns membros do Conselho Legislativo de Hong Kong sugeriram a criação de uma Lei “anti-máscara”.
No website “Wikipedia” podia ler-se,
“As leis “anti-máscara” são iniciativas legais que pretendem impedir que as pessoas ocultem os rostos, por razões políticas ou culturais.”
Em diversos países, como por exemplo os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Dinamarca, França, Alemanha, Noruega, Rússia, Espanha, Suécia, Suíça, Ucrânia, Reino Unido etc. existem leis anti-máscara. A lei canadiana é muito clara quanto a esta proibição. No artigo 351 (2) do Código Penal canadiano, podemos ler,
“Alguém que, com intenção de cometer um crime, oculte a face com uma máscara, ou de qualquer forma procure tornar-se irreconhecível, incorre numa infracção gravosa punível até 10 anos de prisão”.
Como o nome indica, “infracção gravosa” significa crime grave. No Canadá, implica o pagamento de multas superiores a 5.000 dólares ou prisão superior a seis meses. No entanto existem algumas excepções a esta norma.
Actualmente em Hong Kong não vigora qualquer lei anti-máscara. Se existisse, facilitaria o trabalho da polícia porque a lei proibiria os amotinados de ocultar a sua identidade.
Mas é necessário analisar esta questão mais aprofundadamente. Em primeiro lugar, é forçoso que nos lembremos que andam por aí muitas e variadas doenças. A Síndrome Respiratória Aguda Grave – SARS (do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome) é sem dúvida uma das mais sérias. A SARS propaga-se por via aérea. À semelhança da maior parte das gripes. Todos os profissionais de saúde concordam que o uso da máscara é o método mais simples e eficaz de prevenir o contágio e a propagação do vírus. A criação de uma lei que impeça o uso de máscara, pode tornar-nos vulneráveis a uma série de doenças. Se pensarmos que muitos vírus sofrem constantemente mutações, sem que haja medicamentos eficazes contra a nova estirpe, é necessário pensar cuidadosamente antes de se implementar em Hong Kong uma lei anti-máscara.
Em segundo lugar, a utilidade de uma lei deste tipo é questionável. Se um agitador participa num motim, com intenção de atear fogos ou lançar tijolos para perturbar a paz e, eventualmente, ferir alguém, será que se vai deixar identificar facilmente? A resposta é óbvia. Podemos por isso deduzir que, mesmo havendo uma lei anti-máscara, o seu efeito seria diminuto, ou mesmo nulo, porque o individuo em questão arranjaria sempre forma de se disfarçar. Em termos processuais, esta lei apenas permitiria acusar o réu de mais um crime, o de ocultação de identidade. A função de uma lei anti-máscara não vai além disso.
Na medida em que é difícil identificar os agitadores, como é que a polícia os descobriu tão facilmente? A Lei Básica de Hong Kong conserva o direito comunitário, que ainda está em vigor. Ao abrigo do direito comunitário, a pena será atenuada se o réu cooperar com as autoridades. Por exemplo, se alguém for apanhado pela polícia e for responsabilizado por fogo posto e motim, estará a enfrentar duas acusações. No entanto a polícia quer deter outros culpados, contra os quais não tem provas. Se o detido ajudar a polícia a identificar os outros envolvidos pode ver a sua pena diminuída da seguinte forma:

a. Ser acusado apenas de um crime, em vez de dois
b. Ver a sua sentença atenuada em Tribunal.

A “Atenuação” é um procedimento a ter em conta durante um julgamento. Se a polícia informar o juiz que o réu foi cooperante a sentença será atenuada.
Em alternativa, o Governo de Hong Kong poderá considerar a implementação de uma lei semelhante à Portaria para a Concorrência. Esta portaria entrou em vigor a 14 de Dezembro de 2015 e o Comité para a Concorrência é responsável pela sua criação. Como todos sabemos, é muito difícil apurar as negociatas feitas “por baixo da mesa”, e que muitas vezes determinam os preços com que os produtos são lançados no mercado. O Comité para a Concorrência beneficia qualquer pessoa envolvida, desde que ajude a “abrir o jogo”.
A prática processual referida não é uma lei, a polícia pode mudar de ideias sempre que quiser. Mas se o Governo de Hong Kong produzir uma lei semelhante à Portaria para a Concorrência, garantindo alguns benefícios (ex. retirar algumas acusações, atenuar a sentença, etc.) à pessoa que estiver disposta a ajudar a identificar outros agitadores, pode ajudar eficazmente o trabalho da polícia.
Posto isto, a lei anti-máscara pode ser parte da solução, mas a sua utilidade também é questionável. A actual política de acusação criminal pode não dar garantias suficientes a um detido, de forma a que este se decida a ajudar a identificar outros agitadores. E a identificação dos agitadores continua a ser um problema para o Governo de Hong Kong.
Talvez seja preferível perceber as causas da Fishball Riot. Esta é melhor maneira de solucionar os problemas sociais. Neste sentido, Hong Kong deve aprender com Macau. Macau não tem uma lei anti-máscara e não acha de bom tom deixar os criminosos impunes. Mas Macau é uma cidade sossegada e pacífica.

*Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

22 Fev 2016

Confrontos em Hong Kong

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 8 de Fevereiro, o primeiro do Ano do Macaco no Calendário Chinês, ocorreram tumultos violentos em Hong Kong. Os acontecimentos ficaram conhecidos como a Revolta das Bolinhas de Peixe (Fishball Riot)”. O website “wikipedia” fez um relato detalhado, do qual iremos analisar alguns excertos que servirão de base à nossa reflexão:
“No passado dia 8 de Fevereiro, o primeiro do Ano Novo Chinês, funcionários do Departamento de Higiene Alimentar e Ambiental (FEHD) tentaram encerrar bancas de comida ilegais, instaladas nas ruas de Mong Kok. O movimento Hong Kong Indigenous (HKI) convocou de imediato a população através das redes sociais, para proteger os vendedores ambulantes e, por volta das 21.00h, estavam reunidas algumas centenas de pessoas que começaram por agredir verbalmente os agentes da FEHD.
Por volta das 22.00h, um táxi que vinha a entrar na Portland Street, atropelou acidentalmente um idoso. Os manifestantes bloquearam a rua e impediram o taxista de sair do local. Entretanto a polícia chegou e rodeou a viatura, avisando as pessoas para não se aproximarem. Seguidamente a polícia retirou-se, regressando pouco tempo depois, por volta das 23.45, com um estrado portátil, o que provocou a fúria da multidão. À meia-noite, estalaram confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes, quando os agentes da autoridade pretendiam desimpedir as ruas. A polícia, equipada com capacetes e escudos, lançou-se sobre os manifestantes com bastões e gás pimenta. Por seu lado alguns manifestantes, equipados com escudos improvisados, óculos de protecção, capacetes e luvas, arremessaram sobre os polícias garrafas de vidro, tijolos, vasos e caixotes do lixo.”
Por volta das 2.00 da manhã, na Argyle Street, um agente da polícia querendo proteger um colega ferido, caído no chão, disparou dois tiros para o ar.
“Às 4.00 da manhã, o primeiro de diversos fogos ateados nessa madrugada, desencadeou-se na Sai Yeung Choi Street South, seguido de outros três que viriam a deflagrar nessa mesma rua. Alguns manifestantes lançaram fogo a contentores de lixo, na zona que circunda a Shantung Street e a Soy Street, e que inclui os cruzamentos da Fife Street com a Portland Street e da Nathan Road com a Nelson Street. Os fogos foram apagados pela polícia e pelos bombeiros. As duas transversais da Nathan Road foram cortadas a sul da Argyle Street e a estação de Metro de Mong Kok foi encerrada.
Às 7h 15m, depois de um longo impasse, os manifestantes foram retirados da Soy Street, perto da Fa Yuen Street, após a chegada ao local dos agentes especiais da Unidade Táctica de Polícia. Os manifestantes foram dispersando gradualmente, por volta das 8.00 da manhã. Às 9.00h as ruas de Mong Kok estavam calmas e a estação de Metro reabriu às 9h 45m.”
Nos confrontos ficaram feridos cerca de 90 agentes da polícia. Um jornalista de Ming Pao queixou-se de ter sido agredido pela polícia apesar de ter mostrado a identificação. Jornalistas da RTHK e da TVB ficaram igualmente feridos nos confrontos.
Até sexta-feira, a polícia tinha prendido 65 pessoas, com idades compreendidas entre os 15 anos e os 70. O porta-voz da HKI, Edward Leung Tin-kei, também foi detido. Edward Leung Tin-kei é candidato pelo movimento New Territories East, às eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong. É previsível que mais pessoas venham a ser detidas, ao abrigo da “Lei da Ordem Pública”, acusadas de “provocação de tumultos”. A pena máxima pode chegar aos 10 anos de cadeia
Lançar tijolos contra pessoas pode provocar danos graves. Se o agredido morrer, estamos perante um crime de homicídio. Este tipo de comportamento é obviamente irracional. Alguém que queira expressar uma opinião, deve fazê-lo pacificamente. Se uma pessoa for atingida na sequência de confrontos desta natureza, é vítima de “expressão de opinião violenta”. Será esta uma forma correcta de nos expressarmos? E será justo para a vítima?
A polícia de Hong Kong tem muito auto-controlo. Nunca agem de forma emocional. Mesmo quando são provocados diversas vezes pelos manifestantes, só usam o gás pimenta para manter a ordem. Nunca disparam nem usam gás lacrimogénio. Os simpáticos e corajosos agentes da polícia de Hong Kong saíram desta situação com uma boa imagem.
No entanto a polícia Hong Kong deve prestar mais atenção à forma como usa o equipamento de protecção, especialmente os escudos. Como a maior parte dos agentes foi ferida por tijolos que caiam de cima, verificou-se que os escudos não foram eficazes. Ao contrário da Força Policial de Macau, podem usar escudos para proteger o corpo todo e a cabeça. Desta forma podem impedir ferimentos provocados por objectos que sejam lançados de cima. Estes cuidados adicionais deverão ser considerados.
Ponderemos agora sobre os efeitos a curto prazo da Revolta das Bolinhas de Peixe. Nesta situação será que os turistas desejam visitar Hong Kong? Se pensarem na sua segurança, a resposta é obviamente “não”. Se verificarmos as taxas de ocupação dos hotéis de Hong Kong, constataremos que à data dos acontecimentos, as lotações não estavam completas. Os preços baixaram para atrair mais clientela. No primeiro dia do Ano Novo Chinês, a diária num hotel de quatro estrelas, era de apenas 400 HK dólares. Estes tumultos violentos destruíram a economia de Hong Kong. Não se espera que possa haver uma recuperação a curto prazo. Estamos perante um caso de “lançar achas para a fogueira”.
Os vendedores ambulantes sem licença são um problema para o Governo de Hong Kong. Alguns manifestantes envolvidos nestas rixas afirmavam que quando lutaram contra o comércio paralelo, houve um decréscimo de turismo em Hong Kong, e mesmo assim venceram. Agora, se o Governo de Hong Kong permitir que os vendedores ambulantes sem licença continuem com os seus negócios em Mongkok, estes manifestantes ficarão com a impressão de ter “vencido” de novo. Se, por um lado, o Governo de Hong Kong perseguir os vendedores ambulantes, estes poderão ver o seu modo de vida posto em causa. Mas também se corre o risco de vir a haver uma segunda “Revolta das Bolinhas de Peixe”. Estas questões podem colocar o Governo num dilema.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

15 Fev 2016

Acordo de extradição

[dropstyle=’circle’]D[/dropstyle]urante este fim de semana, o website de Hong Kong “https://the-sun.on.cc” publicou uma notícia relacionada com o caso que envolveu Steven Lo Kit Sing, (Lo) e Joseph Lau Luen Hung, (Lau). O recurso apresentado por ambos foi finalmente recusado pelo Tribunal de Macau, de acordo com o website “macaonews.com.mo”, num artigo publicado a 22 de Janeiro.
“Os dois arguidos foram condenados à revelia, por um tribunal local, a cinco anos e três meses cada, por terem, alegadamente, pago 20 milhões de HK dólares ao então Secretário dos Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, actualmente a cumprir uma pena de 29 anos de prisão por corrupção, abuso de poder, lavagem de dinheiro e outros crimes.”
A recusa do apelo significa que o caso está encerrado. Se não for apresentado mais nenhum recurso, ambas as condenações serão definitivas. Deverão cumprir pena de prisão em Macau.
A questão do cumprimento da pena também foi abordada no artigo. Como não existe entre Hong Kong e Macau um acordo de extradição (Pacto), a decisão do Tribunal de Macau poderá não ser validada em Hong Kong. Se os arguidos permanecerem em Hong Kong, a sentença decretada em Macau pode nunca vir a ser cumprida.
No entanto o Macaonews (https://www.macaunews.com.mo/images/stories/macaunews/20150122p.jpg) adiantava que “A Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan Hoi Fan, declarou quarta-feira, que o governo local vai tentar, por todos os meios firmar um acordo legal de assistência mútua com Hong Kong, ainda este ano.”
Alguns dias antes, em entrevista à estação televisiva de Hong Kong TVB, o Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, informou que o acordo está a avançar e que será aplicado a todos os casos, independentemente da data das ocorrências.
Por estas afirmações poderemos deduzir que o acordo terá efeitos retroactivos.
E o que são efeitos retroactivos? Voltemos ao artigo do Macaunews, onde se pode ler,
“Retroactividade significa que o acordo abrangerá casos anteriores à sua entrada em vigor, desta forma, quem fugir para uma das cidades para escapar a uma sentença aplicada na outra, poderá ser extraditado e levado perante a Justiça.”
Devemos, pois, concluir que, ao abrigo do acordo, tanto Lau como Lo podem ser reenviados para Macau para cumprir a pena a que foram condenados.
No entanto, neste caso, há alguns pontos a salientar.
Em primeiro lugar, o Pacto é um acordo de extradição, que pretende reenviar o arguido para o local onde o crime foi cometido. No caso de que temos vindo a falar, isso implicará a extradição de Lau e de Lo para Macau. Tradicionalmente, estes Pactos são de natureza internacional e celebram-se entre dois países. Nem Hong Kong, nem Macau são países, são apenas regiões administrativas especiais da China. Só podemos afirmar que o Pacto que regula a extradição entre Hong Kong e Macau, é um “acordo legal de assistência mútua” e não deve ser encarado como um acordo internacional.
Se existir um Pacto, os fugitivos podem ser extraditados. E se não houver, podemos na mesma fazê-lo? A resposta é afirmativa. Em termos internacionais, os Estados costumam celebrar pactos para assegurar a extradição. E isto porque cada um tem as suas regras. Por exemplo, alguns Estados têm sentença de morte. Não é desejável reenviar uma pessoa em fuga para um país onde vá ser executada. Outro exemplo é o caso dos refugiados. Alguns países revelam grande preocupação com os refugiados. A partir do momento em que o estatuto de refugiado é atribuído, é complicado proceder à repatriação. O acordo formal entre dois países pode evitar questões delicadas. O acordo é o resultado final das negociações entre dois Estados, mas, em alguns casos excepcionais, mesmo que não exista pacto, a extradição continua a ser possível.
Em segundo lugar, o Pacto impedirá a fuga de uma cidade para a outra, para escapar a um castigo. Futuramente as duas cidades deixarão de ser esconderijo uma da outra.
Em terceiro lugar, este Pacto com Hong Kong talvez pode ser o primeiro de outros que venham a ser celebrados com outras regiões. Macau é actualmente uma cidade cosmopolita. Se uma pessoa de fora cometer um crime na nossa cidade, e fugir para a sua terra, teremos mais um caso igual ao de Lau e de Lo. Se tentarmos estabelecer, o mais rápido possível, acordos com outras regiões, poderemos evitar estes casos de fuga bem sucedidos. Esta vai ser, seguramente, uma das tarefas que mais desafios irá apresentar ao governo de Macau.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

1 Fev 2016

Crónica dos maus malandros

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e ainda estão lembrados, nos meus artigos de 11 e 23 de Novembro, falei sobre uma notícia publicada por um site de Hong Kong, através da qual ficámos a saber que o Vice-Presidente da Universidade de Lingnan, o Sr. Singh, tinha apresentado uma dissertação de doutoramento plagiada. Singh doutorou-se em 2013, pela Universidade de Tarlac State. Esta universidade está associada à instituição de ensino de Hong Kong, “Lifelong College”. Singh acabou por apresentar a demissão da Universidade de Lingnan.
No entanto, as suspeitas de “plágio” e “creditações suspeitas” não acabaram com a demissão de Singh. Como seria de esperar, várias universidades de Hong Kong procederam a uma averiguação dos curriculos dos seus docentes, e verificaram que diversos deles se tinham formado, quer na Universidade Tarlac, quer na Bulacan, ambas sediadas nas Filipinas. Os websites “apple.nextmedia.com” e “hk.on.cc”, divulgaram a 13 e 17 de Novembro respectivamente, o número de docentes de universidades de Hong Kong graduados pela Bulacan University.
Além de professores universitários, alguns funcionários altamente colocados e também alguns políticos de Hong Kong, receberam educação superior na Universidade de Bulacan. O website “apple.nextmedia.com” anunciava a 12 de Novembro, que um dos membros do Conselho Distrital de Hong Kong tinha frequentado aquela universidade.
Na sequência desta revelação, as partes interessadas empenharam-se em esclarecer a situação, após o que, por algumas semanas, o assunto ficou aparentemente encerrado.
Mas pouco tempo depois o tema voltou à ribalta, e de forma acalorada. O website ‘apple.nextmedia.com’ divulgava, na passada quarta-feira 20, que 17 agentes da polícia tinham sido diplomados pela Universidade Tarlac State. Os agentes frequentaram o ‘Bacharelato em Ciências Criminais’, ao abrigo de um Programa Académico, no qual se inscreveram em Março de 2013.
Segundo o artigo do site ‘hk.apple.nextmedia.com’, em 2012, a comunicação social filipina tinha alertado para a possibilidade de doutoramentos ilícitos na Tarlac State, no âmbito do referido Programa, pelo que a Universidade encerrou as admissões no Programa. Na medida em que as admissões foram congeladas, é de admitir que os referidos agentes tenham forjado a admissão para uma data anterior, para validar a inscrição no Programa.
O website adiantava ainda que um dos agentes, o Sr. Lee, que se tinha inscrito em dois cursos, ‘Relações entre a Polícia e a Comunidade’ e ‘Gestão do Reforço Policial” pode vir a receber um prémio em dinheiro, atribuído pelas Forças Policiais de Hong Kong. O montante do prémio varia entre 100 e 1.050 dólares de Hong Kong.
E porque é que estes agentes que se inscreveram no referido Programa? O website ‘apple.nextmedia.com’ na passada terça-feira, avançava que a resposta se poderá encontrar no envolvimento de um segundo Sr. Lee, um homem de meia idade. Este Sr. Lee foi superintendente da polícia de Hong Kong. Actualmente está reformado, mas tem um negócio próprio. Em primeiro lugar, é consultor do tal Programa. Em segundo lugar, o Sr. Lee é professor sénior de algumas disciplinas em Lipace, a Universidade Aberta de Hong Kong. Em terceiro lugar, o Sr. Lee transferiu para o Programa alguns estudantes, que não se puderam graduar em Lipace. Descobriu-se ainda que, na sequência destes acontecimentos, o Lifelong College pagou comissões a uma empresa privada, a ‘Pacific Gain Consultants Limited’, da qual o Sr. Lee é proprietário.
Após a divulgação destas notícias, o Lipace declarou que irá investigar o caso de imediato. Como seria de esperar, as réplicas das partes interessadas fizeram-se ouvir prontamente.
E porque é que a polícia de Hong Kong forjou créditos académicos? Será que a polícia não sabe que a posse de créditos forjados é crime? Se sim, como é de admitir, porque é que o fazem? A resposta é simples. A força policial faz parte do funcionalismo público. Se um agente júnior quer ser promovido, tem de apresentar um melhor desempenho. Se dois agentes se candidatarem ao mesmo lugar, e partindo do princípio que as competências são semelhantes, aquele que tiver formação académica superior, estará em melhor posição para obter o lugar.
Se um polícia estiver na posse de um certificado académico falso, será que é castigado mais severamente do que um cidadão vulgar? A resposta é ‘sim’. Embora em Hong Kong não exista propriamente uma lei que o estipule, o juiz terá esse factor em consideração. Se o réu for polícia tem mais obrigação do que qualquer outro cidadão de saber que está a infringir a lei, e este aspecto pesa obviamente na decisão do juiz, no sentido de ser aplicada uma pena maior.
Será que podemos prevenir o uso de certificados académicos falsos? Infelizmente a resposta parece ser negativa. Também existe uma lei que considera o homicídio crime. Mas todos os dias pessoas são assassinadas. Uma das funções da lei é definir os comportamentos criminosos, e tentar manter as pessoas afastadas dessas acções. Mas a lei nunca impede o crime. Para parar o crime a educação é essencial.
Como todos sabemos, o funcionalismo público em Macau é um sistema pouco exigente. É possível que no futuro seja indispensável formação académica superior para avançar nas carreiras públicas e, nesse caso, esperemos que a experiência de Hong Kong venha a ser útil.

* Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau

25 Jan 2016

Promessas Virginais

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 6 o website‘news.hsw.cn’ fez saber que numa escola de ensino superior, em Xi An, na China, existe um curso designado por “Qing Chu Wu Hui”. Para frequentar o referido curso, todos as raparigas são obrigadas a assinar numa “Carta de Compromisso”, que reza o seguinte:

Compromisso

Prometo solenemente a mim própria, aos meus familiares, amigos, futuro marido e filhos, que renuncio ao sexo antes do casamento, e renuncio a todas as formas de sexo extra-conjugal, depois do casamento.

Assinatura do Próprio Assinatura da Testemunha

Data Data

Os jornalistas entrevistaram várias estudantes para saberem a sua opinião sobre o assunto.

“A escola tem uma forma muito peculiar de nos controlar. Não têm o direito de assumir o papel de “zeladores da moralidade” e atentar contra a nossa dignidade.”

“Compreendemos que a intenção da nossa escola é boa, mas este ‘Compromisso’ é sem dúvida muito antiquado.”

“Este compromisso pretende resguardar as raparigas que estão em vias de começar a praticar sexo pré-conjugal. Temos sempre uma escolha, podemos assinar, ou não assinar. Mas se o assinarmos, devemos recordar a promessa que fizemos.”

“Muitas estudantes da nossa escola não estão autorizadas a manter esta promessa.”

“Somos chinesas. Devemos manter e respeitar a nossa tradição cultural. Devemo-nos opor ao sexo pré-marital. Daí que, a idade mínima para o casamento deverá baixar para os 14 anos.”

O jornalista também entrevistou um professor desta escola, que declarou o seguinte:

“A intenção da escola é zelar pelos estudantes, mas este ‘compromisso’ levantou uma polémica muito além das nossas expectativas.”

Noutra Universidade, em Xi An, foi criada uma norma designada por “regulamentação para a manutenção da ordem académica”. Esta norma encoraja a denúncia de contactos físicos entre estudantes, que se verifiquem em público. Além disso, também é pedido aos estudantes que tirem fotografias, caso se deparem com situações de intimidade entre colegas. As fotos deverão ser enviadas por mail aos pais dos estudantes “prevaricadores”, culpados dos tais “comportamentos imorais”.

É evidente que as escolas atrás mencionadas tentam lidar com casos de sexo pré-marital e de relações extra-conjugais.

Na sua grande maioria os estudantes universitários são adultos. Embora a maioridade possa variar de país para país, o que o conceito implica é basicamente igual em todo o lado. A partir do momento em que se é adulto, pode fazer-se tudo aquilo que é permitido por lei. Na China a maioridade atinge-se aos 18 anos. Já no que respeita à idade mínima para casar, o caso muda de figura; no caso dos rapazes só é permitido a partir dos 22 e das raparigas dos 20.

E aqui levanta-se uma questão importante:

“Será que existe alguma lei que confira às escolas o direito de impedir os seus alunos de terem sexo pré-marital ou relações extra-conjugais?”

Geralmente temos leis que proíbem aos homens o relacionamento sexual com raparigas abaixo de uma certa idade. O limite pode ser os 18 anos ou inferior, dependendo das disposições legais. Mas é muito improvável que exista uma lei que dê às escolas o poder de impor proibições sexuais aos seus alunos.

Presumindo que não exista tal lei, pode uma escola intitular-se o direito de impor este tipo de ‘normas regulamentares’ restritivas? A resposta é um tanto ao quanto difícil. Na generalidade, os regulamentos académicos pretendem estabelecer alguns padrões de comportamento na escola, mas este “Compromisso” pretende estabelecer padrões de ordem moral. Se os regulamentos escolares entrarem no campo da moralidade, poderá haver dois tipos de consequências. Por um lado, é suposto educar-se os jovens no sentido de serem moralmente exigentes. Por outro lado, os estudantes podem facilmente acusar a escola de ‘restrição à liberdade’, já que são praticamente todos adultos. É por isso normal que vários estudantes considerem que se está perante um atentado à sua dignidade e, consequentemente, tomem medidas para processar as escolas.

Em terceiro lugar, o “Compromisso” apenas faz incidir as suas restrições sobre as raparigas. E os rapazes? Também não deveria a escola preocupar-se com eles? Se uma regulamentação se destina apenas às raparigas, não estamos perante um caso de discriminação sexual?

Já sabemos que a escola quer restringir o sexo pré-marital e as relações extra-conjugais. É uma questão de ordem moral. Quem os praticar não está fora dos limites legais. No entanto estes relacionamentos não são bem vistos na China. A melhor forma de manter a moral é através da educação. Não será preferível explicar aos estudantes porque é que o sexo pré-marital e as relações extra-conjugais não são bem aceites na sociedade chinesa? Qual é a melhor forma de lidar com estes relacionamentos? Estas questões são matéria da pedagogia. A intenção da escola é boa, do ponto de vista da sociedade chinesa, mas a escola também deve ter em consideração a sensibilidade dos estudantes.

18 Jan 2016

Fraude Académica

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]esta coluna, como devem estar lembrados, já tive ocasião de divulgar alguns casos de exames fraudulentos. Hoje, vou partilhar com o leitor mais algumas destas histórias.
No passado dia 27 de Outubro, o website “chinapress.com” fez saber que a empresa Goldman Sachs tinha despedido 20 empregados chineses por terem “copiado no exame de contabilidade”. A maior parte trabalhava nas sucursais sediadas em Nova Iorque e Londres.
O artigo adiantava ainda que outras 10 pessoas tinham sido afastadas da filial nova-iorquina da empresa JP Morgan Chase & Co. (JP Morgan) por alegada fraude no exame de matemática.
O porta-voz da JP Morgan declarou que este tipo de comportamento é inaceitável e que a empresa encara estas situações com grande seriedade.
É fácil depreender que estas pessoas não puderam pedir à empresa que lhes pagasse a viagem de regresso à China.
É óbvio que fazer “batota” nos exames não é novidade. Mas, de alguma forma, as declarações do porta-voz da JP Morgan não deixam de ser surpreendentes.
“A fraude nos exames de admissão à empresa é prática corrente. Mas torna-se notícia quando o examinando é tonto ao ponto de se deixar apanhar.”
Se fizermos uma busca rápida sobre esta matéria, podemos encontrar um artigo, datado de 8 de Julho e divulgado pelo website “lx.huanqiu.com”, que nos conta uma situação ocorrida na Índia. No seguimento da notícia, 40 pessoas morreram sem razão aparente. Uma das vítimas era jornalista. Na foto que ilustra o artigo, vemos imensas pessoas a treparem pelas varandas de um edifício. Eram pais dos alunos que estavam a ser examinados no interior. O propósito dos “alpinistas” era passar as respostas aos filhos através das janelas.
Mas voltemos à China. O website “edu.qq.com”, publicou uma notícia há cerca de duas semanas, onde relatava que, no dia 26 de Dezembro, alguns candidatos às provas de inglês do “Graduate Student Entrance Examination”, tinham informado o governo sobre uma fuga das respostas dos exames. O departamento da Educação investigou o assunto de imediato.
Mas antes de prosseguirmos, é preciso salientar que o Código Penal chinês recebeu uma emenda há cerca de dois meses. A nova versão entrou em vigor a 1 de Novembro de 2015 e estipula que a fraude nos exames é considerada crime. Quem vender as respostas dos exames é condenado a três anos de prisão. Mas se a situação for considerada muito grave, a pena pode ir até aos sete anos.
E é aqui que se levanta uma questão. Se a venda das soluções dos exames é considerada crime, porque é que ainda se mantém? Penso que o artigo publicado no website “chinesetoday.com”, no último dia de 2015, responde claramente a esta pergunta.
Pelo artigo ficamos a saber que, em 2012, tinha havido fuga nos exames de política, matemática, e medicina do “Graduate Student Entrance Examination”. O departamento de Educação investigou o caso e ficou apurado que os responsáveis eram funcionários governamentais. Para além disso, Qi Hang, funcionário do colégio particular “Qi Hang Jiao Yu Ji Tuan ChangSha Fen Xiao” foi também acusado.
No entanto, Qi Hang não parece ter sido muito afectado. Tornou-se até bastante popular entre os alunos. Em alguns materiais promocionais podíamos ler,
“Fugas de Qi Hang, podes crer.”
Continuando a nossa leitura, ficamos a saber que o colégio também não foi muito incomodado. Antes pelo contrário, passou a informar os estudantes que os seus exames eram dignos de confiança. Do ponto de vista do estudante, mais vale gastar algum dinheiro para comprar as respostas do que trabalhar arduamente. É uma forma simples e eficaz de ter boas notas.
Dado que o mercado funciona desta forma, a Lei não parece ser suficiente para travar a compra e venda de perguntas e respostas dos exames.
Para reduzir a fraude nos exames, a educação deve ter um papel central. Através da educação, as pessoas têm de perceber que estes comportamentos são desonestos. Se as mentalidades não forem alteradas, independentemente das consequências previstas na Lei, a sociedade não evolui.
É preciso ter presente, que parte das normas legais são medidas para avaliar o comportamento humano. Se o seu comportamento estiver aquém dos requisitos legais, você deverá ser considerado culpado. Mas não podemos concluir que a Lei exclui o crime. Por exemplo, o homicídio é crime. Mas, no entanto, continua a ser praticado. A Lei pode facultar o padrão de comportamento desejável, mas não pode impedir o delito. Para travar a infracção, é necessário sensibilizar as pessoas e chamá-las à razão. A Educação pode ensinar a distinguir o certo do errado, mas leva tempo.

* Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau

11 Jan 2016

Sondar desejos

[dropcap style=’circle]N[/dropcap]o passado sábado, dia 2, o website de Hong Kong “Yahoo” publicou uma sondagem efectuada pelo APM (Sondagem 2016). O objectivo era determinar as expectativas dos habitantes de Hong Kong para 2016.
O APM é um centro comercial, muito conhecido em Hong Kong. A sondagem realizou-se a partir de 520 entrevistas. Metade dos entrevistados tinha menos de 27 anos. As principais conclusões foram as seguintes:

Afirmações
5% O desempenho geral de Hong Kong em 2016 será melhor do que em 2015.
59% O desempenho geral de Hong Kong em 2016 será semelhante ao de 2015.
31% O desempenho geral de Hong Kong em 2016 será pior do que em 2015.

O Apm comparou os dados da Sondagen 2016 com a homóloga de 2015, e revelou:

Percentagem de entrevistados Afirmações
43% O desempenho geral de Hong Kong em 2015 será melhor do que em 2014.
35% O desempenho geral de Hong Kong em 2015 será semelhante ao de 2014.
21% O desempenho geral de Hong Kong em 2015 será pior do que em 2014.

A recente sondagem revelou que o primeiro desejo dos habitantes de Hong Kong é a prosperidade económica, o segundo a paz social, sendo o terceiro o pleno emprego.
Até certo ponto, a Sondagem 2016 indica a forma de pensar de algumas pessoas de Hong Kong. Após a luta política, para o cargo de Chefe do Executivo em 2014, as opiniões ficaram mais polarizadas. Ninguém estava interessado em escutar as opiniões do adversário. A contenda deu origem a uma desconfiança mútua. Sem essa confiança e sem relações de alguma proximidade, não é de estranhar que as pessoas se preocupem com a paz social. O resultado das eleições para o Conselho Distrital, realizadas há já alguns meses, foram também inesperados. Muitos dos membros mais experientes do Conselho Distrital e alguns conselheiros, que também eram membros do Conselho Legislativo, não foram eleitos. O resultado indicou claramente que os jovens querem ter uma “voz” que os represente. E essa mensagem foi passada de forma muito clara.
Outra questão social muito sensível é a da habitação. Através dos números publicados recentemente pelo Governo da RAEHK, percebe-se perfeitamente que os terrenos disponíveis são limitados e que, portanto. será impossível solucionar o problema da habitação a curto prazo. Considerando este cenário, os resultados da Sondagem 2016 parecem ser compreensíveis.

Em Junho do ano transacto, dia 23, foi publicado o “Relatório de 2014 Sobre Níveis de Bem-Estar Nacionais”. O relatório usou o método “Gallup-Healthways Global Well-Being Index”, aplicado para medir os níveis de felicidade dos habitantes de 145 países.
O relatório indicava que o Panamá aparecia em 1º lugar”. Hong Kong ocupava a posição 120 e Macau não era mencionado.
O Global Well-Being Index é um barómetro global das percepções individuais sobre o próprio bem-estar e representa o estudo mais recente do género. Os dados foram recolhidos em 145 países e, em 2014, foram entrevistas mais de 146.000 pessoas.
Na altura, comentámos que o fraco posicionamento de Hong Kong no Relatório, demonstrava as muitas insatisfações dos seus habitantes. Podemos identificar os seguintes problemas em Hong Kong:
1. Preços de aluguer de casas elevado, um cidadão comum não consegue comprar a sua habitação,
2. Sistemas de pensões de reforma insatisfatório,
3. A questão do comércio paralelo afecta o relacionamento entre os habitantes de Shenzhen e de Hong,
4. Horários de trabalho muito sobrecarregados, que dificultam muito o lazer,
5. Espaço limitado e altos índices populacionais dão origem a poluição elevada, com consequências negativas para a saúde dos habitantes.
Se compararmos a sondagem 2016 do Apm com o Relatório que temos vindo a comentar, compreendemos que as questões relacionadas com as finanças e o emprego continuam a ser as principais preocupações dos residentes de Hong Kong.
Independentemente dos resultados de sondagens e relatórios, é preciso que o Governo e a população unam esforços para resolver os problemas. Não é uma tarefa fácil. Mas se prometermos a nós próprios, no primeiro dia de 2016, que vamos conseguir, então todos conseguirão.
Resta-nos desejar a todos um excelente 2016.

* Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
Blog: https://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

4 Jan 2016

Caso Injusto

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o dia 25 deste mês, o jornal chinês “Nan Fang Du Shi Bao” publicou um artigo, onde se revelava que a “criminosa”, Qian ren su, tinha sido absolvida. Foi considerada inocente.
O caso relaciona-se com um homicídio ocorrido em Yun Nan Qiao Jia, China. Qian foi acusada de ter morto uma criança num infantário. Na altura foi considerada culpada e condenada a 13 anos de prisão. Durante esse período, apelou e apresentou queixas a diversos departamentos governamentais. Finalmente, o Supremo Tribunal da província de Yun Nan ilibou Qian. Deixou de ser considerada criminosa. Mas continua sem se saber quem é o verdadeiro culpado.
Após a absolvição Qian estava muito feliz. O artigo não indicava claramente se Qian poderá vir a ser indemnizada pelo governo, ou não. Mas nós sabemos que, mesmo se Qian vier a receber um milhão de dólares de indemnização, vai continuar a sentir os efeitos desta situação. Não interessa o valor que Qian possa receber, o dinheiro nunca será compensação suficiente. Em poucas palavras: estaria disposto a trocar 13 anos da sua vida por dinheiro?
E porque é que Qian foi finalmente ilibada? Foi sobretudo devido à acção de um advogado inteligente e diligente. O advogado descobriu que existiam muitas assinaturas diferentes de Qian em diversos documentos legais. Após certificação, percebeu-se que o documento onde Qian admitia a sua culpabilidade, não tinha sido assinado por ela. Tinha sido assinado por alguém que não foi identificado. Na altura da condenação, este documento foi considerado a principal prova para determinar da culpabilidade de Qian.
O artigo apenas revelou que o “desconhecido” era parte envolvida no caso. Não ficou determinado se seria um polícia ou um juiz.
No entanto o artigo ventilava informações vitais, dignas de discussão. Trata-se de uma nova norma legal respeitante aos agentes da polícia e aos funcionários dos Tribunais. A esta norma pretende legislar sobre “Erros de Julgamento Sistemáticos”, e foi emitida pelo Supremo Tribunal da Província de Yun Nan, em 2013, recebendo uma emenda em 2015.
O seu objectivo é determinar a responsabilidade dos funcionários do aparelho legal. O Artigo 3 define a noção de “caso injusto”, como sendo aquele em que funcionários do aparelho judicial agem deliberadamente contra a lei. Nesta circunstância, a “responsabilidade legal” dos funcionários fica determinada para sempre. Por exemplo se, numa determinada altura, um juiz destruir intencionalmente provas, o resultado é identificado como um “caso injusto” e, talvez, deixemos de poder apurar a verdade dos factos. Mas, se dez anos depois, alguém descobrir o que se passou, o juiz passará a ser marcado pela sua falta de “responsabilidade legal”.
A norma considera ainda a “responsabilidade legal” de todos os funcionários. Se a “responsabilidade legal” de um polícia, ou de um funcionário judicial, for posta em causa, pode ser demitido ou transferido para outra posição ou departamento. Se o funcionário já estiver reformado, quando se apurar a sua culpabilidade, a sua pensão pode ser reduzida. No caso de se encontrarem indícios criminosos num “caso injusto”, o funcionário envolvido pode ser sujeito a acusação criminal.
Deveria o polícia ou o juiz do caso de Qian ser responsabilizado ao abrigo desta Norma? Não fazemos ideia. Mas será que se este polícia, ou juiz, for condenado, Qian ficaria feliz? Mais uma vez não temos resposta. No decurso de uma entrevista, Qian afirmou: “Só me detesto por ser inculta.”
Num processo de investigação criminal, o papel desempenhado pela polícia é muito importante. É preciso assegurar que todas as provas encontradas são verdadeiras e precisas. A polícia não pode falsificar provas a bem da Acusação. Em Hong Kong, independentemente de as provas encontradas virem ou não a ser utilizadas pela Acusação, a polícia tem obrigação de informar o réu sobre o que foi encontrado. O réu é livre de decidir se quer utilizar algumas dessas provas em sua defesa.
O juiz também tem um papel muito importante num Tribunal. O juiz tem de usar os seus conhecimentos, para aplicar a lei, entender a disputa em causa, e finalmente determinar a “responsabilidade legal”. No processo de decisão, o juiz tem de exercitar a sua consciência. Justiça e justeza são elementos indispensáveis em cada Tribunal. Caso contrário, as nossas vidas serão dominadas pelo “mal”. Por isso é indispensável que o juiz seja uma pessoa extremamente integra.
Além disso, o juiz goza de “imunidade legal”; ou seja, não responde por um mau julgamento. Se o sistema legal previsse que os juízes teriam de responder por decisões erradas, quem é que quereria ser juiz? Se não existissem juízes como é que iriamos revolver as nossas contendas? A resposta a estas perguntas é óbvia.
É dever da polícia e dos Tribunais manter a ordem, a justiça e a justeza, no seio da sociedade. Se eles quebrarem a lei, então o “vencedor” será o “vencido” e o “vencido” será o “vencedor”. A sociedade deixará de conhecer a ordem, a justiça e a justeza.

28 Dez 2015

Meritíssimo Juiz

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 26, o website “yahoo” de Hong Kong, divulgou uma notícia onde ficámos a saber que um juiz chinês, de seu nome Huang Tao, em serviço na província de Jiang Su, escreveu uma carta à sua amante, Liu Ying. Na carta afirmava que a amava e garantia-lhe que se iria divorciar depois de 1 de Maio deste ano. Wang acrescentava na carta,
“As tuas palavras são ordens para mim.”
No final selou a carta com o timbre do Tribunal.
Wang foi considerado o melhor presidente do Tribunal dos últimos 40 anos da província de Jiang Su. A sua reputação era excelente.
Este caso veio a lume porque Liu teve recentemente problemas financeiros. A sigla IOU (em inglês I owe you, ou seja, devo-te dinheiro) indicava que Wang devia a Liu cerca de 200.000 RMB. Actualmente Liu sofre de cancro e a relação com Wang terminou.
Em resposta, Wang afirmou que a garantia tinha sido produzida por ele, que nunca tinha sido selada com o timbre do Tribunal, que o IOU era falso e que nunca tinha havido tal transacção.
Mencionemos agora um segundo juiz, a Srª. Ng Wai, do Tribunal de Magistrados de Hong Kong. No dia 2 deste mês, a Srª Ng presidia a um julgamento, o réu, o Sr. Hung Kwok Chu, tinha sido acusado de induzir a polícia em erro no decurso de uma investigação.
Em meados de Outubro, Hung contratou os serviços de uma prostituta. Quando estava a tomar banho, a prostituta fugiu com o Rolex de ouro de Hung. Quando Hung descobriu o roubo
tentou alcançar a prostituta, mas não conseguiu. Mais tarde disse à mulher e à filha que tinha sido assaltado.

Durante a investigação a polícia descobriu a verdade e processou Hung.
No julgamento, Ng perguntou a Hung:
“O que é que andou a fazer? Não percebe que agiu contra a sua mulher? Não se sente envergonhado?”
Nessa altura Ng reparou que a filha do casal estava sentada entre Hung e a mulher e disse:
“A sua mulher é a companheira da sua vida. Está triste.”
Ng ordenou ao réu que pedisse desculpa à mulher em voz alta. A mulher aceitou o pedido. Comoveram-se os dois e choraram.
Ng elogiou a mulher do réu, dizendo que tinha sido corajosa ao perdoá-lo. A juíza salientou que os dois deveriam esquecer este assunto e seguir com as suas vidas. Acrescentou que nunca mais deveriam mencionar este caso, mesmo que viessem a ter uma zanga. Para terminar, Ng recomendou a Hung que tomasse conta da esposa, já que esta sofre de uma doença grave.
Hung foi multado em 2.000 dólares de Hong Kong.
Hoje vamos ainda falar de um terceiro juiz, o Sr. Henry Denis Litton. Foi juiz efectivo no Tribunal de Apelação de Hong Kong. Actualmente está reformado.
No passado dia 3, durante um almoço de convívio, Litton fez um discurso, onde afirmava que se estão a viver tempos críticos em Hong Kong.
“Este ano celebramos o 32º aniversário da promulgação da declaração Sino-Britânica. Será também daqui a 32 anos que a Lei Básica de Hong Kong deixará de existir.”

“Hong Kong não possui quaisquer recursos naturais. Actualmente é um centro financeiro a nível mundial, porque a lei em vigor o permite. A Lei protege a economia, o comércio e a terra. Mas não sabemos o que irá acontecer a seguir. É bom que se comece a preparar o mais rapidamente possível as linhas mestras para 2047. Caso contrário, os organismos internacionais não irão depositar confiança em Hong Kong. As grandes empresas podem abandonar Hong Kong.”
Litton também criticou algumas pessoas que tentam processar o governo ao abrigo da Revisão Administrativa.
“A Revisão Administrativa é um procedimento legal que se destina apenas a averiguar se as políticas que o governo pretende implementar preenchem, ou não, os requisitos legais. Não é um instrumento para pôr em causa as políticas governamentais. A sala do Tribunal não é um espaço para debater políticas governamentais. Se toda a gente puder processar o governo, deixa de haver necessidade de terroristas para impedir o governo de funcionar”
Que condições são necessárias reunir para que tenhamos um bom juiz? É possível que cada um de nós tenha uma resposta diferente. No entanto alguns factores são essenciais, como a competência em matérias legais, uma moral irrepreensível, maturidade, etc. Temos normalmente grandes expectativas em relação à figura de um juiz, não porque esperemos que seja um ser perfeito, mas porque é alguém com a responsabilidade de distinguir o certo do errado, não só em termos legais, mas também por vezes, em termos morais. Se um juiz for suficientemente maduro, terá experiência de vida. Essa experiência ajuda-o a identificar, num litigio, quem está certo e quem está errado.

O juiz deve ver-se a si próprio como representante da Lei. É o responsável pela aplicação da Justiça e da justeza. A figura feminina que representa a Justiça é a deusa grega Témis. Ela empunha a espada e a balança como símbolos. Os juízes da actualidade empunham o martelo e o selo do Tribunal. Se a nossa lei for justa, se os nossos juízes deliberarem adequadamente, se todos tiverem igual acesso à Justiça, então viveremos num Estado de Direito.
E como é que identificamos o Estado de Direito? A resposta é simples. Nos nossos corações. Se respeitarmos a lei viveremos num estado de Direito.
Dos três juízes que mencionámos, Huang, Ng ou Litton, qual será o melhor? Por favor, sintam-se à vontade para fazer a vossa escolha.

14 Dez 2015

Insensibilidade a bordo

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 24, a estação televisiva TVB, de Hong Kong, transmitiu uma notícia onde se relatava o caso vivido pelo Sr. Zhang, passageiro de um avião da China Southern Airline.
Zhang é jornalista. No dia 9 de Novembro, seguiu no voo (CZ6101) de Shenyang para Pequim, China. Cinco minutos, após o avião ter levantado voo, Zhang começou a sentir dores de estômago. As dores eram tão intensas que acabou por não se conseguir mexer e teve de pedir ajuda aos assistentes de bordo. Os assistentes informaram o comandante e foi pedida uma ambulância, que deveria estar no aeroporto, mal o avião aterrasse.
Mas foi aqui que começaram os problemas. A seguir à aterragem, os passageiros tiveram de esperar 50 minutos com a porta do avião aberta. Primeiro, entraram dois socorristas, mas não traziam maca. Também não transportaram Zhang para a ambulância. Em vez disso, travaram-se de razões com os assistentes de bordo – a questão seria, determinar quem é que devia levar Zhang para a ambulância!
O website “news.mydrivers.com” relatou a situação. Um dos socorristas era médico e, terá dito aos assistentes de bordo:
“Têm de levar o paciente para a ambulância.”
Ao que estes responderam:
“Porque é que nós pedimos a vossa ajuda? Se vocês não transportam o doente, quem é que o vai transportar?”
O médico retorquiu:
“As escadas são muito escorregadias, no caso de cairmos, quem é que se responsabiliza pelas consequências?”
Os assistentes responderam:
“O que é que podemos fazer? Se pedirmos uma escada rolante, vamos ter de esperar meia hora. Os senhores são muito irresponsáveis”
O médico voltou à carga:
“Porque é que nos está a chamar irresponsáveis? Este assunto não é connosco.” (Querendo com isto dizer que, como o paciente estava no avião, a responsabilidade de o transportar até à ambulância seria dos assistentes de bordo).
A discussão estava acesa e imparável. Por fim, Zhang já não conseguiu aguentar mais. Acabou por declarar, aos gritos:
“Eu desço pelo meu pé!”
Depois desta declaração de Zhang, fez-se silêncio e a discussão acabou. Zhang só conseguiu ouvir alguns passageiros, que lhe iam dizendo:
“Tenha cuidado.”
“Consegue andar?”
“As escadas estão tão escorregadias.”
Acreditam que estes comentários encorajaram Zhang?
Mas continuava a não haver quem transportasse Zhang para a ambulância.
Zhang efectivamente não conseguia andar. Arrastou-se pelas escadas abaixo até à ambulância. Quando finalmente lá chegou, o primeiro socorrista ter-lhe-á dito:
“Consegue entrar sozinho? A maca é tão pesada” (quer isto dizer que, se Zhang conseguisse entrar sem ajuda na ambulância, então melhor seria para os socorristas.)
Os nossos leitores conseguem facilmente adivinhar que Zhang acabou por entrar sozinho.
Já na ambulância, o primeiro socorrista levou uma boa meia hora a desancar os assistentes de bordo. Segue-se a transcrição da troca de palavras entre ele e Zhang.
“Os assistentes de bordo eram irresponsáveis. Viajava sozinho?”
“Sim.”
“Quer que alguém da China Southern Airlines o acompanhe ao hospital?”
“É melhor, porque não consigo andar sozinho.”
A ambulância parou imediatamente e, começou mais uma interessante troca de palavras,
“O paciente requer, peremptoriamente, que alguém da China Southern Airlines o acompanhe ao hospital. Está insatisfeito com a actuação da companhia.”
“Porque é que a ambulância parou?”

“Temos de esperar que chegue alguém da companhia. Se não o fizermos, eles não mandam ninguém.”
“O que é preciso é salvarem-me a vida, já. Se a companhia quiser mandar alguém para me acompanhar, óptimo. Se não, esqueçam.”
“Certo, fazemos como quiser.”
Passados 10 minutos, o primeiro socorrista informou Zhang que a companhia se recusava a enviar um funcionário para o acompanhar.
Finalmente Zhang chegou ao hospital e o médico diagnosticou-lhe uma apendicite. Após a operação, Zhang recuperou.
Alguns dias depois, a China Southern Airlines anunciou que tinha apresentado um pedido de desculpas a Zhang e que tinham sido enviados funcionários para o visitar. Este acontecimento foi alvo de uma investigação interna. Inicialmente apurou-se que, à data do incidente, o trem de travagem de um outro avião se tinha avariado. O avião teve de esperar que chegassem veículos para o deslocar. A companhia devia aprender, com este tipo de acontecimentos, a melhorar o seu serviço de apoio aos passageiros.
Como já foi referido, um dos socorristas era médico. O que transcrevemos foi o relato do website, não fazemos ideia se é ou não verdade. Em caso afirmativo, temos de colocar a seguinte questão: Qual deve ser a conduta profissional dum médico?
O primeiro dever de um médico é salvar vidas. Essa deve ser sempre a sua prioridade. Se um médico insiste para que outra pessoa transporte um paciente, só porque quer evitar os riscos envolvidos, será que está a ter uma conduta profissional correcta?
Mas, gostaríamos de saber o que pensa o administrador de uma companhia aérea, no caso de alguns dos seus funcionários se terem recusado a ajudar um passageiro que sofria de doença grave, e que efectivamente precisava de ajuda.
Uma pessoa encontra na rua alguém que aparenta sofrer de doença grave e que não se pode mover. Se o leitor fosse essa pessoa, teria ajudado o doente a chegar à ambulância? Será que os nossos códigos morais não nos obrigam a ajudar quem precisa?
Imaginem que Zhang tinha morrido durante a discussão entre os socorristas e os assistentes de bordo, estaríamos perante um caso de homicídio? Quem teria sido o homicida? Quando estavam a discutir, será que não pensaram nisso?

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

30 Nov 2015

Plagiomas

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 11, o website “ejinsight.com”, de Hong Kong, publicou um artigo onde se anunciava que o Vice-Presidente, e Administrador, da Universidade Lingnan, de Hong Kong, o Sr. Herdip Singh, está sob suspeita de plágio. A sua tese de doutoramento, em gestão de empresas, é muitíssimo semelhante a uma tese de mestrado, apresentada pelo estudante chinês Wu Chunshui, na Universidade Sueca de Lund, em 2010.
Singh fez o doutoramento em 2013, na Universidade Tarlac State. Sediada nas Filipinas, a Tarlac State, tem interesses financeiros no “Lifelong College” de Hong Kong. A tese de Singh tem o seguinte título: “Implicações da Gestão Comercial, uma análise dos modelos de gestão de empresas, em Hong Kong e na China Continental”. A tese é composta por 102 páginas. Um repórter do jornal de Hong Kong, “Apple Daily”, colocou os conteúdos da tese de Singh na pesquisa do Googgle. E o que é que apareceu? A tese de Wu.
Posteriormente a apresentação de Singh foi entregue ao Sr. Matts Karreman, que tinha sido orientador da tese de Wu, e que confirmou que este tinha sido seu aluno em 2010. O sr. Matts Karreman utilizou o software para detecção de plágio, da Universidade de Lund, para verificar a tese de Singh. Descobriu que as duas apresentações eram iguais em 96%. Seguidamente, afirmou: “A semelhança é perturbadora”.
Singh recusou-se a prestar declarações ao jornalista do Apple Daily.
A Universidade Lingnan reagiu de imediato a esta situação. Anunciou a criação de um comité para investigar o assunto. No entanto, quinta-feira passada, a Associação de Estudantes, declarou que o comité não é suficientemente independente, porque Singh será investigado pelos seus colegas. A Associação de Estudantes já tinha solicitado a suspensão de funções de Singh e a instauração de um processo de investigação.

Alguns estudantes da Lingnan sentem que esta situação esconde uma farsa, já que o plágio é absolutamente proibido na Universidade.
O caso de Singh é complexo. Na última quarta-feira, dia 11, o website www.post852.com, fez saber que o director do Lifelong College, o sr. Alex Lee Yee Lik, é também um dos directores do Conselho Administrativo da Universidade Lingnan. O Lifelong College está, actualmente, sob suspeita de cometer fraude para atrair mais alunos. Trata-se de falsificar a data de inscrição, antecipando-a largamente, desta forma, o tempo de formação necessário é consideravelmente reduzido.
Só para dar um exemplo, suponhamos que um estudante obteve a sua graduação em Dezembro de 2013 e, que o tempo de formação que aparece no certificado, é de três anos e meio. No entanto, falsificando a data de admissão, o tempo efectivo em que esteve a estudar, pode ter sido apenas, de um ou dois meses. Usando esta técnica, o estudante forma-se num ápice.
Depois da descoberta do caso de Singh, os diplomados da Universidade Tarlac State vão estar sob suspeita. Na quinta-feira, dia 12, o website de Hong Kong “apple.nextmedia.com”, anunciava ter descoberto que Sisley Choi See Pui, 1ª Dama do concurso Miss Hong Kong 2013, se tinha inscrito em Outubro de 2013 na Universidade Bulacan State, nas Filipinas, e que se tinha graduado em… Dezembro de 2013. Como já tinha sido referido, existem interesses económicos entre esta Universidade e o Lifelong College, de Hong Kong. Quando o jornalista foi a casa de Sisley para a entrevistar, a mãe da jovem bateu-lhe com a porta na cara.
O website “apple.nextmedia.com” apurou ainda que, pelo menos, cinco dos professores efectivos da Universidade de Hong Kong, Shue Yan, se terão formado na Bulacan State. Os estudantes experimentam um sentimento de desconfiança.

Obter um doutoramento implica um grande esforço. Requer muito estudo. Mesmo que o tema não seja particularmente complexo, escrever uma tese é sempre difícil. Os critérios objectivos, que permitem ser bem-sucedido, são, muitas vezes, difíceis de identificar. Se o orientador nos diz que a tese não está bem e que, assim vamos chumbar, podemos, simplesmente, não saber como resolver a situação; e talvez tenhamos de reescrever tudo de início, ou mesmo, de desistir. É por este motivo que muita gente considera o doutoramento uma tarefa muito difícil e, como tal, não está disposta a fazê-lo.
Por causa de toda esta dificuldade, muitas pessoas são levadas a cometer plágio. Plagiar é copiar, fazer crer que conteúdos escritos por terceiros, são da nossa autoria. É academicamente desonesto. Plagiar é estritamente proibido, quer seja professor, ou estudante, é uma atitude desonesta e é uma barreira ao desenvolvimento do conhecimento.
A reputação é um factor importante para todos os académicos. Mas, se algum deles se vir envolvido num caso de plágio, certamente que deixará de ter qualquer futuro na Academia. É o tipo de mancha que o dinheiro não consegue lavar.
Neste contexto, a certificação académica, a nota dos exames e, outros documentos relevantes, não parecem reflectir o percurso académico correcto, quer a nível da duração, quer a nível dos resultados. A veracidade destes documentos torna-se duvidosa. É necessário que os envolvidos avancem com uma explicação.
Em Hong Kong, se se provar que o conteúdo de um certificado não é verdadeiro, os envolvidos podem ser acusados de falsificação de documentos. A pena máxima vai até 14 anos de prisão.
É preciso não esquecer, se tiver produzido 99 textos académicos, e apenas um for plagiado, então, todos serão considerados plágios.
É expectável que se venha a saber que muitas outras personalidades de destaque se formaram, quer na Universidade Tarlac State, quer na Bulacan State. Esta caso ainda não está encerrado. Fiquemos atentos aos seus desenvolvimentos.

Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
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16 Nov 2015

Homicídio numa Joalharia II

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 24 publicámos um artigo sobre a história de Miao Chunqi, um turista da China continental, espancado até à morte na sequência de um episódio de coacção ao consumo. O episódio aconteceu em Hong Kong, mais especificamente em Hung Hom. Depois da ocorrência deste crime o governo da Região Administrativa de Hong Kong decidiu acompanhar a situação.
Há dias o Observatório de Turismo de Hong Kong anunciou que iam ser tomadas medidas, de forma a proteger os interesses dos turistas. Aqui ficam alguns exemplos:

1. O Conselho da Indústria de Viagens divulgou o preço normal das viagens da China para Hong Kong. Se as agências forem obrigadas a anunciar o custo das viagens, haverá mais transparência. Os potenciais interessados, que possam consultar as diversas tabelas de preços, estarão melhor habilitados para fazer as suas escolhas. O número de viagens a “custo zero” pode, desta forma, ser reduzido.
2. As agências de Hong Kong ficam obrigadas a fornecer listas com os nomes dos turistas e dos responsáveis pelos grupos, antes da sua vinda, para escrutínio deste Conselho.
3. O Conselho apreciará cada lista e, se verificar que alguns nomes aparecem repetidas vezes integrando grupos diferentes, haverá razões para suspeitar que essas pessoas sejam o que se designa como, “turistas sombra”, indivíduos cuja função é pressionar as outras pessoas a comprar nas lojas para onde são levadas. Nesse caso o Conselho reportará estes nomes às autoridades continentais competentes, para que sejam tomadas medidas adequadas.
4. O Departamento Alfandegário de Hong Kong verificará o itinerário da viagem para prevenir casos de coacção ao consumo.
O comunicado adiantava ainda que o Secretário Para o Desenvolvimento do Comércio e da Economia, Greg So Kam-leung, se deslocará na próxima semana a Pequim, a fim de estudar com a Autoridade Chinesa para o Turismo, um conjunto de medidas que ajude a combater as más práticas que há longo tempo afectam o sector e permitem a coacção ao consumo.
Obviamente que esta deslocação vai ser de vital importância para a resolução do problema. Hong Kong não pode impedir a entrada de pessoas, só porque vêm cá com muita frequência. A cooperação do departamento chinês competente é necessária.
Mas será que estas medidas podem pôr fim à coacção ao consumo? De momento parece prematuro avançar com uma resposta, já que ainda estão em fase de preparação. O Observatório da Indústria Turística e o Governo de Hong Kong estão a trabalhar para a sua implementação. Não é, portanto, altura de discutir a sua eficácia.
Se olharmos para estas medidas com atenção, reparamos que não existe nenhuma alínea que se refira directamente à questão da reputação de Hong Kong. Mas, como parece que a estratégia adoptada pelo Governo e pelo Observatório aponta no sentido de pôr fim à coacção ao consumo, a reputação de Hong Kong fica automaticamente salvaguardada.
Como sabemos, a implementação deste tipo de medidas pede algum tempo. Não podemos esperar que medidas tomadas num dia tenham efeito imediato no dia seguinte. Mas aos poucos os efeitos fazem-se sentir e, por fim, a reputação de Hong Kong será reabilitada. No caso de Miao, houve graves danos, quer para a sua vida, quer para a reputação de Hong Kong. O caso está actualmente a ser julgado e, quando o julgamento terminar, o assunto estará encerrado.
No entanto, o mesmo não se pode dizer dos créditos de Hong Kong. É muito difícil criar uma boa reputação, mas é muito fácil destruí-la. Um dos assassinos de Miao é natural da China continental e o outro de Hong Kong. Como o caso ocorreu em Hong Kong, a cidade foi muito afectada. Se durante a visita do secretário Grey, a realizar na próxima semana, não forem tomadas medidas concretas para proteger a reputação de Hong Kong, a cidade continuará a ser afectada. A imagem que Hong Kong passa para o exterior não vai melhorar a curto prazo.
É provável que a forma mais eficaz de resolver a questão da coacção ao consumo seja voltar a ganhar a confiança dos chineses do continente. É preciso que fiquem a saber que este foi um caso isolado e, que a polícia de Hong Kong prendeu os suspeitos no próprio dia em que Miao foi atacado. Também devem saber que os suspeitos foram acusados de homicídio e que podem ser condenados a prisão perpétua. Esta informação pode, até certo ponto, abrandar a desconfiança e permitir que os continentais voltem a Hong Kong. Também funcionará como um aviso para que os prevaricadores se consciencializem de que estão a ser vigiados. 30_Minutes_or_Less_image Danny McBride and Nick Swardson
O próximo passo passará por implementar todas as medidas atrás mencionadas. Assim que o número de casos de coacção ao consumo seja reduzido a questão da reputação de Hong Kong estará salvaguardada.
O comércio direccionado a turistas é um negócio altamente lucrativo. É muito possível que algumas pessoas estejam dispostas a violar a lei e, que mesmo assim, continuem a participar nestes esquemas de coacção com mira nos lucros que daí podem advir. Acontece o mesmo com o homicídio e com a venda de drogas ilegais, existem leis que os condenam, mas estes crimes continuam a existir.
É possível que a tarefa mais importante do secretário Greg, durante a visita da próxima semana, seja deixar bem claro que o governo de Hong Kong encara muito seriamente o caso de Miao, para além, como é óbvio, de tratar das medidas conjuntas para combater este tipo de problemas. A menos que e, até que, o governo de Hong Kong restaure a confiança dos continentais, a reputação de Hong Kong não poderá ser reabilitada a curto prazo. Se o afluxo de turistas do continente diminuir, não haverá dúvida que a corrente de turistas de Hong Kong para Macau também será reduzida. Podemos assim concluir que, quer a China, quer Hong Kong, quer Macau, acabarão por sofrer os efeitos negativos da coacção ao consumo.

Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau

9 Nov 2015

Homicídio numa Joalharia

[dropcap style=’cirlce’]N[/dropcap]a passada Segunda-Feira, dia 19, um homem foi morto em Hong Kong. Miao Chunqi, um turista da China continental, foi atacado por quatro pessoas e acabou por morrer no Hospital Queen Elizabeth no dia seguinte.
O ataque aconteceu numa joalharia em Hung Hom. Miao e uma companheira, Zhang Lixia, integravam um grupo de 19 turistas de Shenzhen, que tinham chegado a Hong Kong no domingo,dia 18.
No dia seguinte, o grupo foi levado a uma joalharia, em Hung Hom, depois de ter visitado o templo Wong Tai Sin. Zhang não quis comprar nada na joalharia e teve uma discussão com a guia do grupo, Deng Haiyan, de 32 anos de idade. Miao tentou apaziguar a disputa entre Zhang e Deng, que alegadamente se tinham envolvido em confrontos físicos.
Uma fonte policial afirmou:
“A vítima tentou acalmar os ânimos, mas foi alegadamente atacada por um grupo de quatro homens. Investigações preliminares apuraram que foi arrastada para fora da loja e atacada de novo.”
Os quatro atacantes fugiram antes da polícia chegar ao local, onde Miao foi encontrado inconsciente.
Algumas horas depois dois homens foram presos – um natural de Hong Kong e o outro da China continental. Miao morreu menos de 24 horas depois de, alegadamente, ter sido espancado por quatro homens. Os dois detidos – com as idades de, respectivamente, 32 e 44 anos, compareceram ontem no Tribunal de Kowloon e foram acusados de homicídio. A Polícia também deteve as duas mulheres, Zhang e Deng, por terem lutado na via pública. Foram posteriormente libertadas sob fiança e estão sujeitas a posteriores investigações.
O Director Executivo do Conselho da Indústria de Viagens, Joseph Tung Yao-chung, declarou que foi a primeira vez que um turista vindo do continente sofreu um ataque fatal e, demonstrou a sua preocupação por este caso poder demover outras pessoas de visitarem Hong Kong. Acrescentou ainda,
“É sabido que muitos turistas continentais pagam algumas centenas de Hong Kong dólares para fazerem estas viagens. Sabe-se também que os guias recebem comissões das lojas para onde encaminham os grupos.”
O Conselho da Indústria de Viagens, um organismo regulador da actividade, solicitou uma investigação à agência envolvida, Tian Ma International Travel, de Hong Kong. Este organismo tem recebido diversas queixas de turistas continentais que se sentiram pressionados a fazer compras. O responsável afirmou que os guias estão proibidos de coagir os turistas a comprar e que arriscam a licença profissional se forem apanhados a fazê-lo.”
Em 2010, Chen You-ming de 65 anos, um antigo jogador da selecção nacional de ténis de mesa, oriundo da China continental, sofreu um colapso após uma discussão acesa com um guia que estava a pressionar os turistas a fazerem compras durante uma viagem a Hung Hom. Acabou por morrer devido a um ataque cardíaco.
O artigo não revelava se a viagem era gratuita ou se era um viagem de baixo custo. Este é um dos pontos que estão sob a investigação do governo de Hong Kong. É evidente que se os turistas não pagam nada pela viagem, fica por esclarecer onde é que os agentes de viagens e os guias vão buscar os seus honorários. Como é que sobrevivem? A resposta é óbvia. Através das percentagens que recebem das “compras forçadas”. Embora a China e Hong Kong estejam empenhados em impedir este procedimento, os casos ainda existem. E não são só as agências que oferecem viagens grátis, mas também aquelas que oferecem viagens de baixo custo que estão envolvidas. O lucro proveniente das compras forçadas é obviamente alto. As “compras forçadas” são proibidas, quer na China quer em Hong Kong, mas ainda se praticam.
Ninguém quer assistir a este tipo de situações. A morte de Miao fez sofrer a sua família e os seus amigos, mas também fez sofrer Hong Kong. Os familiares e amigos de Miao estão de luto, Hong Kong também está. A reputação de Hong Kong sai prejudicada com este acontecimento. O website “Yahoo, Hong Kong” publicou um poema escrito por uma pessoa que não revelou a sua identidade. Numa parte do poema lia-se,
“Hong Kong é um paraíso de consumo. Mas se não comprares, és enviado para o céu”.
O poema revela uma má imagem do turismo em Hong Kong. Todos os suspeitos deste crime devem ser encontrados e acusados para proteger a reputação de Hong Kong.
O governo de Hong Kong deverá analisar este acontecimento detalhadamente. Pode originar mais uma crise, prejudicial ao relacionamento com a China. Como é que o governo vai lidar com a situação? É tempo dos responsáveis demonstrarem a sua competência política.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

26 Out 2015

Avaliação de inglês na China

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]a última sexta-feira, dia 16, o jornal de Hong Kong “South China Morning Post” publicou uma notícia sobre o sistema internacional de avaliação da língua inglesa, conhecido por IELTS exam, abreviatura de International English Language Testing System Examination. Este exame é reconhecido a nível internacional. Actualmente, quem desejar estudar no estrangeiro (especialmente na Europa ou nos Estados Unidos) terá que, na maioria dos casos, ser sujeito a um destes testes para avaliar o domínio da língua inglesa.
O artigo avançava que 350 estudantes chineses, que nos últimos três meses tinham sido submetidos ao IELTS exam, viram as suas provas “definitivamente retidas” porque os avaliadores responsáveis concluíram que as regras do exame tinham sido violadas.
Os responsáveis não indicaram claramente que regras tinham sido quebradas. Informaram apenas que encaravam de forma muito séria a responsabilidade de avaliar as provas e divulgar a sua classificação. Os resultados dos exames só são retidos caso haja fortes indícios de desrespeito do regulamento do IELTS exam por parte dos candidatos.
Por obrigação de confidencialidade, os avaliadores responsáveis recusaram-se a fazer mais esclarecimentos. No entanto, era referido no artigo que no continente se adquirem facilmente manuais que contêm as perguntas e as respostas dos testes, o que permite que os estudantes menos honestos façam batota.
Os avaliadores responsáveis afirmaram:
“Nestes casos não podemos garantir que os resultados reflictam fielmente os conhecimentos dos candidatos.”
Nos últimos meses muitos estudantes em Xangai, Nanjing, Changsha e em Chengdu queixaram-se que a divulgação dos resultados dos seus exames de inglês estava a ser deliberadamente atrasada por verificações de rotina. Estes atrasos prejudicaram os estudantes que procuravam obter vistos a fim de se deslocarem para os destinos onde pretendiam prosseguir com os seus estudos.
Um agente chinês, cujo nome não foi divulgado na notícia, afirmou que um grande número de candidatos que se submeteram ao IELTS exam no passado dia 25 de Julho, foram seleccionados para estas verificações mais detalhadas. Os critérios para esta escolha terão sido um aumento significativo de resultados num curto espaço de tempo, ou ainda, um grande desequilíbrio de desempenho nas quatro secções que compõem o teste.
Com base nesta notícia podemos afirmar que os resultados do IELTS exam são, até certo ponto, fiáveis. Pelo menos existe um sistema que permite monitorizar o desempenho dos estudantes nos testes. No caso dos resultados sofrerem alterações súbitas, a autoridade competente pode proceder a uma verificação. Além disso, se existirem fortes indícios de violação das regras, os resultados dos exames serão permanentemente retidos. O sistema de monitorização pode ajudar a estabelecer a confiança da população neste processo.
O artigo referia, como foi dito, a existência de manuais que contêm as perguntas e as respostas certas dos testes do IELTS exam na China continental. Estes manuais podem permitir uma boa preparação para os exames. Mas de onde vêm estes manuais? Quem é o autor? Quanto é que custa cada exemplar? Estas perguntas são relevantes, no entanto o artigo não as esclarecia.
É certamente muito pouco provável que um autor escreva um manual que apenas contenha as perguntas e as respostas exactas dos testes do IELTS exam. O que acontece verdadeiramente é uma venda de cópias das perguntas e respostas dos testes. A maioria dos compradores são os candidatos a estes exames.
Na China existe uma disposição legal que se poderia aplicar nestes casos, a “Norma para Lidar com a Perversão nos Exames”. No entanto, se verificarmos esta Norma, não existe qualquer ponto sobre a compra e venda de soluções de testes, por isso não pode ser evocada para castigar quem tiver este tipo de comportamento.
E o vendedor, quem será? O vendedor poderá ser a pessoa que compilou o manual, ou qualquer outra. Não sabemos. E como é que esta pessoa tem acesso aos testes? Mais uma vez o artigo não esclarece. O pessoal administrativo, por cujas mãos passam os testes, pode ser uma das hipóteses, pois tem acesso privilegiado às perguntas e às respostas exactas do IELTS exam. Estará correcta esta dedução? Ninguém pode saber.
De qualquer forma voltemos à Norma. A secção 13(4) proíbe as pessoas que manuseiam provas de exame de passá-las a terceiros. A secção 14 (3) proíbe as pessoas que supervisionam os exames de criarem um ambiente propício a situações desonestas. Nenhuma destas secções fala directamente sobre a venda de perguntas e respostas de exames. Por outras palavras, mesmo que soubéssemos que o funcionário João vende as provas de exame à candidata Maria, não podemos castigar o João porque a Norma não proíbe directamente a venda de perguntas e respostas de exames.
Além destas duas secções, a secção 2 aponta para um problema mais preocupante. Esta secção estabelece que a Norma só se aplica a:
– Exames de Ensino Geral e Superior,
– Exames de Admissão a Mestrado,
– Exames Ad Hoc ao Ensino Superior
O IELTS exam não cabe em nenhuma destas categorias, pelo que a Norma não pode regulamentar estas provas. Assim, quer o vendedor, quer o comprador, das respostas dos testes podem ignorá-la à vontade.
Para ultrapassar o problema da “compra e venda” das respostas de exames, a Norma deveria sofrer uma Emenda. É, contudo, importante alertar os candidatos para a incorrecção deste comportamento. A Maria poderá comprar as respostas ao João e, portanto, ter um bom resultado no exame. Mas a Maria nunca terá um domínio do Inglês que lhe permita estudar e viver no estrangeiro. Como é que a Maria poderá obter um visto para estudar num País estrangeiro junto da respectiva Embaixada? O resultado do exame é só um certificado que pode ser facilmente alterado, mas a língua que se sabe é aquela que efectivamente se fala. Assim que a Maria falar, toda a gente fica a saber o nível do seu inglês.

19 Out 2015

Donald Tsang

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]ex Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang Yam-kuen, foi formalmente acusado pela Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC) com base em duas ofensas à lei, praticadas durante o período do seu mandato.
Em 2012 surgiram rumores de que Donald Tsang receberia subornos de representantes de grandes interesses económicos. À época foi ventilado que teria feito diversas viagens na companhia de grandes magnatas, nos seus jactos e iates privados, e que tinha alugado um apartamento de luxo em Shenzhen, já a preparar a retirada do governo.
A decisão de levantar o processo surgiu após um período de investigações que se estendeu por três anos. Em Setembro de 2014 o antigo Procurador Geral de Hong Kong, o Sr. Grenville Cross, afirmou que a lentidão da investigação “poderia vir a figurar nos Recordes do Guinness”. O cargo de Procurador Geral, em Hong Kong, está dependente da Secretaria Geral de Justiça. De acordo com o artigo 63 da Lei Fundamental de Hong Kong, a decisão de formalizar uma acusação criminal é, apenas e exclusivamente, da competência da Secretaria Geral de Justiça. Nenhum organismo poderá interferir nas decisões tomadas por esta Secretaria no que respeita a acusações criminais. Na medida em que as relações de trabalho entre o Chefe do Executivo e a Secretaria Geral de Justiça são muito próximas, para que não haja suspeitas desnecessárias, a Secretaria Geral autorizou o Procurador Geral a tomar a decisão de acusar, ou não, Donald Tsang.
Depois de Grenville Cross se ter retirado do cargo, em Junho de 2015, o Sr. Keith Yeung Kar-hung, o actual Procurador Geral, anunciou que a decisão final seria conhecida nos três meses seguintes.
Esta promessa veio efectivamente a cumprir-se. No dia 5 de Outubro de 2015 assistimos à acusação formal de Donald Tsang.
As implicações deste caso são da maior importância, quer para a sociedade civil de Hong quer para os seus funcionários públicos.
Em primeiro lugar, o caso de Donald Tsang constitui um bom exemplo, para fazer recordar a todos os funcionários governamentais de Hong Kong, o significado dos termos “má conduta” e “declaração de conflito de interesses”. Como é do conhecimento geral, em Hong Kong, depois da reunificação, os casos de suborno e corrupção, e outras más condutas envolvendo funcionários públicos, têm vindo a aumentar. O caso de Donald Tsang é o mais “famoso” já que foi Chefe do Executivo de Hong Kong. Ocupou o mais alto cargo oficial. Esta situação é, até certo ponto, um alerta a todos os funcionários públicos para que não lhe sigam o exemplo. É um indicador de que o governo quer manter Hong Kong afastado de casos de suborno e os seus funcionários públicos longe de “más condutas”.
Em segundo lugar, pensando nos residentes de Hong Kong, a formalização desta acusação aumenta a confiança da população. Faz passar, de forma clara, a mensagem de que a Lei se destina a julgar os procedimentos individuais na sociedade. A Lei irá tratar todos por igual, quer o individuo ocupe um importante cargo governamental, ou quer seja apenas um simples cidadão de Hong Kong. Decorre, pois, que a noção de Estado de Direito é uma pedra basilar da sociedade de Hong Kong. O governo permite que sejam as instâncias judiciais a lidar com estes assuntos.
Em terceiro lugar, Hong Kong está actualmente a enfrentar diversos problemas sociais, como por exemplo, aumento de preços, piores condições económicas – devido ao decréscimo de turismo da China continental, etc. O caso de Donald Tsang pode ajudar os cidadãos de Hong Kong a esquecer estes problemas por algum tempo.
Donald Tsang compareceu a tribunal na tarde de 5 de Outubro. Embora o procedimento judicial já se tenha iniciado, Donald Tsang não é obrigado a prestar depoimento perante os juízes no primeiro dia do julgamento. No primeiro dia, o tribunal limita-se a fazer cumprir certas formalidades, que o réu tem de presenciar. A próxima sessão terá lugar a 11 de Novembro.
Se Donald Tsang for condenado, poderá sofrer graves consequências. Pode ver-se privado da reforma de aposentação, à volta de 80.000 dólares de Hong Kong mensais. Além disso, pode também ver fugir o título honorífico “Grand Bauhinia Medal” (GBM) com o qual tinha sido agraciado. O GBM é um título muito prestigiado em Hong Kong. O titular do GBM é convidado pelo governo de Hong Kong para participar em todos os eventos de destaque; por exemplo, a festa promovida pelo governo a 1 de Outubro para celebrar a fundação da República Popular da China. Este título também abre as portas do Primeiro Acesso no aeroporto de Hong Kong. O Primeiro Acesso é uma passagem destinada apenas às elites de Hong Kong. Sempre que a pessoa distinguida com esta honra está a chegar ou a partir de Hong Kong, os serviços de alfândega tratam a inspecção da sua bagagem à parte. Estes benefícios podem ser-lhe retirados se a sua culpa for provada. A decisão de privação de benefícios é da responsabilidade do actual Chefe do Executivo, Sr. Leung Chun-Ying.
Antes da reunificação, Donald Tsang também tinha sido distinguido com o título “Knight Bachelor” (KB). Esta distinção foi herdada do sistema honorífico britânico. O título confere ao seu portador a categoria de “Sir”. No website “Wikipedia” lê-se o seguinte:
“É o degrau mais baixo para quem é armado Cavaleiro pelo Monarca e não pertence a qualquer das Ordens de Cavalaria. Os Knights Bachelor são os Cavaleiros britânicos mais antigos (esta categoria já existia no séc. XIII no reinado de Henrique III), mas os Knights Bachelor encontram-se abaixo de todos os Cavaleiros de outras ordens.”
Se Donald Tsang for condenado perderá o título de Knight Bachelor. Se for o caso, será lamentável porque vai perder tudo.
Será que Donald Tsang vai ser considerado culpado? Ninguém sabe. Só precisamos acreditar que as nossas instâncias judiciais irão proporcionar a Donald Tsand um julgamento justo. Estejamos atentos para ver o que o futuro nos reserva.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

7 Out 2015

A caridade do Pornhub

[dropcap style=circle’]E[/dropcap]m Macau, a atribuição de bolsas de estudo não constitui problema para os nossos estudantes. Diversas empresas estão dispostas a atribuí-las a quem tiver bons resultados escolares. No entanto em Hong-Kong as coisas são diferentes. São concedidas menos bolsas de estudo do que entre nós.
Agora imagine! Se precisasse de uma bolsa de estudo e uma determinada empresa estivesse disposta a concedê-la, ficava contente não é verdade? Mas o que é que acharia se a oferta partisse da empresa “Pornhub”?
Pornhub é um dos maiores websites de vídeos para adultos. Exibe filmes pornográficos. A 3 de Setembro último, o website “discuss.com.hk” publicou uma notícia onde se fazia saber que a Pornhub estava a oferecer uma bolsa no valor de 25.000 dólares americanos. Os requisitos eram simples. Aos candidatos era pedida uma média de 3.2, a apresentação de um texto sobre o tema “Como podemos lutar para fazer os outros felizes?” e a realização de um vídeo com a duração de cinco minutos que “demonstre os méritos do seu trabalho e algo mais que queira apresentar.”
Mais à frente a Pornhub esclareceu que os estudantes que desejassem vir a trabalhar na empresa não precisavam de se candidatar. A Pornhub apenas julga os estudantes pelo valor das suas mentes e dos seus corações. A “pornografia” não era para ali chamada.
O Vice-President da Pornhub, Corey Price, fez saber, via e-mail, que a empresa decidiu atribuir bolsas de estudo por fazer sentido nesta fase do seu percurso. É uma forma de retribuir e proporcionar novas experiências e oportunidades aos fãs da Pornhub.
Críticas favoráveis e desfavoráveis fizeram-se ouvir após este anúncio. Por um lado um comentador sugeriu que representa mais uma bolsa, logo os estudantes terão mais escolhas. Por outro lado, o mesmo comentador, acrescentou que alguns estudantes terão de “fechar os olhos” ao candidatarem-se a esta bolsa. Não vão ter em linha de conta os prejuízos que a pornografia traz à sociedade. Este tipo de bolsa representa mais uma “promoção do negócio” no mundo empresarial.
Independentemente do ponto de vista de cada um, podemos afirmar que, na sociedade chinesa ver pornografia levanta sérios problemas morais. Os jovens estão proibidos de ver este tipo de vídeos, porque os encoraja a ter relações com vários parceiros. É claro que temos também de salientar que hoje em dia a educação é preciosa para a juventude. Como as propinas são muito elevadas, os estudantes com boas médias contam com as bolsas de estudo para os apoiar. Os estudantes com médias mais baixas já não podem contar com estes apoios. É possível que os empréstimos governamentais ou bancários lhes possam valer até certo ponto, mas o problema financeiro persiste. A bolsa da Pornhub pode vir a ajudá-los por um lado, mas também os pode prejudicar, porque é uma forma de promover a pornografia junto deles.
Mas para além da promoção da pornografia, também nos devemos preocupar com o facto de os estudantes poderem vir a tornar-se actores nestes filmes. Em 10 de Outubro de 2010,, o website “hk.apple.nextmedia.com” publicou a história de uma estudante da Arizona State University, Elizabeth Hawkenson. O artigo fez-nos saber que a jovem se tinha tornado actriz de filmes pornográficos. Elizabeth contava que por causa da necessidade de pagar as propinas, que são muito elevadas, precisava de dinheiro e por isso aceitou começar a fazer filmes pornográficos. Só para mostrar que era maior, ela exibia o cartão da Universidade no filme. Despia-se, deixava-se filmar e depois faziam amor. O fotógrafo pagou-lhe 2.000 dólares e garantiu-lhe que o vídeo só estaria disponível para quem quisesse pagar. Ou por outras palavras. Não há dinheiro, não há vídeo!
Este caso foi denunciado por outro estudante que frequentava a mesma Universidade de Elizabeth . Se a queixa for fundamentada, a bolsa de 33.000 dólares, que lhe tinha sido concedida pela Universidade, pode ser confiscada e o resto das mensalidades retirado.
Podemos afirmar que Elizabeth participou num filme pornográfico porque precisava de dinheiro. Este experiência, vinda do outro lado do oceano, pode sugerir-nos outra história. A 18 de Outubro de 2012, o website “nownews” anunciou que Chan Kit Ngan, estudante de Direito da Universidade de Singapura, tinha carregado para o seu blog, um vídeo de cariz sexual. No filme ele simulava violar a namorada. Desafiava ainda o público a comentar o seu desempenho sexual.
Chan Kit Ngan tinha recebido uma bolsa para frequentar a Faculdade de Direito. É evidente que a publicação deste vídeo não foi movida pela necessidade económica Ele próprio afirmou, no decurso da notícia publicada:,
“Como é que a Universidade vai lidar com este caso? Cancelamento ou confiscação da bolsa? Não posso dizer que o assunto não me preocupe, mas se a Universidade for para a frente com o processo, terei de aceitar. Agora já tenho a minha empresa e as minhas poupanças.”
Pela notícia também ficamos a saber que a namorada de Chan Kit Ngan teria afirmado que, mal terminou a Universidade, soube que gostava de se despir da cintura para cima; ou seja, mostrar os seios. Queria ser actriz de filmes pornográficos.
A bolsa oferecida pela Pornhub sugere-nos que, ao aceitá-la, estamos a acrescentar mais um contributo à nossa sociedade, mas, ao mesmo tempo, estamos a aceitar a promoção da pornografia entre nós. Podemos ainda pensar que as propinas elevadas podem dar azo a que os estudantes venham um dia a actuar em filmes pornográficos. Se um caso como o de Elizabeth surgir entre nós, como é que as nossas instituições irão lidar com a situação? Existem, a nível escolar, regras para lidar com estes problemas? Para terminar, como é que as escolas podem lidar com casos como o de Chan Kit Ngan, em que a participação não é movida por necessidades económicas, mas sim por desejos pessoais? Estas são questões que nos merecem alguma reflexão.

* Consultor jurídico da Associação de Promoção de Jazz de Macau
Blog: https://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

5 Out 2015

Será suficiente indemnizar?

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 19 de Agosto, o website de Hong Kong “yahoo.com.hk” publicou uma notícia relacionada com a companhia aérea Kong Dragon Airlines Limited, onde se conta que dois passageiros, o Sr. e a Sra. Wong, desejavam deslocar-se de Hong Kong para Haikou, na China, a 14 de Agosto. Quando chegaram ao aeroporto foram informados pela companhia aérea Hong Kong Dragon Airlines Limited – DragonAir – que, devido a uma grande afluência de passageiros, teriam de embarcar num voo para o aeroporto de Shenzhen e daí apanhar outro avião para o destino final.
A Sra. Wong ficou muito transtornada. O casal tinha-se inscrito numa visita turística à zona de Haikou, China. Se não conseguissem chegar a tempo perderiam a viagem. Apesar disto, os funcionários da Hong Kong Dragon Airlines Limited não lhes deram qualquer resposta. Por fim Wong chamou a polícia e a companhia acabou por arranjar o voo conforme estava planeado.
Mas o caso não ficou por aqui. Quando os Wong chegaram a Haikou aperceberam-se que a bagagem não tinha vindo no avião. As malas tinham “perdido” o avião. A Hong Kong Dragon Airlines Limited enviou a bagagem aos Wong no dia seguinte e voltou a apresentar as suas desculpas.
Um caso semelhante ocorreu com a companhia Cathy Pacific Airline. Uns dias depois, a 22 de Agosto, duas passageiras com bilhetes para a classe “Executiva”, a Sra. e a Menina Lai, foram obrigadas a viajar em “Turística”. As duas senhoras eram mãe e filha. A mãe tinha sido operada a uma perna e precisava de mais espaço durante o voo. Por este motivo a filha comprou bilhetes para a classe “Executiva”, mas acabaram por se ver forçadas a viajar em “Turística”. A Cathy Pacific Airline não só lhes baixou a categoria de “Executiva” para “Turística”, como ainda lhes atrasou a viagem mais de 25 horas. A filha também perdeu uma excursão que tinha marcada.
Não é a primeira vez que casos de sobrevenda de lugares acontecem com a Cathy Pacific Airline. No passado dia 27 de Julho o website “localpresshk”, de Hong Kong, divulgou a seguinte notícia: o Sr. Lai tinha comprado dois bilhetes para viajar de Hong Kong para Jakarta, Indonésia. Devido à sobrevenda de lugares, o Sr. Lai acabou por não conseguir o voo que tinha marcado. O voo acabou por atrasar mais de 7 horas. Recebeu uma indemnização de 1000 dólares, jantar pago, estadia no hotel e o seu bilhete de classe “Turística” transitou para “Executiva” sem custos acrescidos.
Quando o jornalista entrevistou o representante da Cathy Pacific Airline, a companhia respondeu que a sobrevenda é prática corrente nesta actividade. A Cathy Pacific Airline também salientou que a companhia iria fazer o possível para ajustar o número de lugares disponíveis ao número de passageiros que é expectável chegarem a horas ao aeroporto. As compensações serão variáveis conforme o caso.
O termo “sobrevenda” significa que a companhia vende mais bilhetes do que os lugares que tem disponíveis no avião. Por exemplo, se o avião tem 100 lugares, a companhia vende mais de 100 bilhetes. Existem vários motivos para este procedimento. Em primeiro lugar um passageiro, designemo-lo por X, tem a possibilidade de mudar a marcação do seu bilhete com antecedência. Se X não puder voar no dia marcado – dia 1 –, depois de pagar uma taxa, pode mudar o voo para outro dia – dia 2. Neste caso, no dia 1 o seu lugar no avião vai ficar vazio. Se o passageiro B fizer o mesmo que o passageiro X, mas alterar a marcação do dia 3 para o dia 1, então o passageiro B será beneficiado e a companhia usufruirá de um aproveitamento total dos lugares por voo. O lucro da companhia será maximizado desta forma.
Na prática a companhia aérea não só permite que o passageiro mude o dia do seu voo, mas também que possa mudar para outro horário no próprio dia, antecipando ou adiando o voo. Em termos gerais 40 minutos antes da descolagem, se houver lugares vazios no avião, a companhia aceita que o passageiro em causa possa antecipar o seu voo.
Nem todas as companhias permitem fazer a alteração de horário de voo. Com as companhias que vendem bilhetes mais baratos geralmente não é possível. É por isso que este tipo de situação só acontece com as companhias mais conhecidas.
“Ajuste” é a melhor palavra para descrever este fenómeno. Baseia-se, puramente e simplesmente, no “acaso”. No caso das necessidades do passageiro e da companhia se ajustarem, não existirão casos como os dos Wong e dos Lai. No entanto se o ajuste falhar, os passageiros sujeitam-se a atrasos e alterações de voo. Nestes casos deve a companhia aérea indemnizar os passageiros?
Em Hong Kong, a compra e venda de bilhetes é um contrato, e este tipo de transacções é regulada pela Lei da Contratação. O principio básico da compensação em caso de quebra de contrato é a “expectativa”. Em termos gerais, a parte que quebra o contrato só é obrigada a indemnizar na proporção do seu conhecimento da situação. Por exemplo, no momento da venda do bilhete, a companhia apenas sabe que o passageiro o comprou e nada mais do que isso. Quando a companhia entra em quebra de contrato, por exemplo, “despromovendo” o passageiro de “Executiva” para “Turística”, a compensação devida é o reembolso da diferença do preço dos bilhetes.
Se a companhia vende duas vezes o mesmo lugar e o passageiro não pode voar como previsto, a companhia tem de indemnizar o passageiro pelos “custos de demora”, onde são incluídas refeições, estadia, custos de deslocação entre o hotel e o aeroporto, etc. “O Passageiro perdeu o seu tempo” e por este motivo deverá também ser indemnizado. A compensação monetária é necessária, mas o montante varia de caso para caso. A não ser que e, até que, o risco seja demasiado elevado, a companhia não necessita compensar o passageiro com somas elevadas. Se o lucro por vender um bilhete de avião for superior às indemnizações, é fácil perceber porque é que a sobrevenda é prática corrente nesta actividade.
Embora a Lei da Contratação estipule formas de compensação em caso de quebra de contrato, não pode impedir a actuação de quem conhece as consequências do procedimento e tem a capacidade financeira para indemnizar. A menos que haja uma nova lei para regular este tipo de transacções existe sempre o risco de o cliente colaborar com este processo.

21 Set 2015

Veículos Aéreos Não Pilotados (無人機)

[dropcap style=’circle’]([/dropcap]O website “wikipedia.org” define Veículo Aéreo Não Pilotado (VAPN)) da seguinte forma:
“Um VAPN, vulgarmente conhecido por drone e, também designado pela International Civil Aviation Organization (ICAO) por aparelho aéreo comandado à distância, é um aparelho voador sem um piloto a bordo”. O voo é controlado de forma autónoma quer por computadores a bordo, quer por controlo remoto de um piloto em terra ou a bordo de outro aparelho. A ICAO classifica os veículos aéreos não pilotados em duas categorias ao abrigo da Circular 328 AN/190:
 Aparelhos Voadores Autónomos – actualmente considerados não regulamentares devido a questões legais e de segurança
 Aparelhos Pilotados à Distância – sujeitos à regulamentação civil sob a alçada da ICAO e da Autoridade Aeronáutica Nacional em causa.”
Possivelmente os VAPNs não serão muito comuns em Hong Kong nem em Macau, ao contrário do que acontece nos EUA. No passado dia 25 de Agosto, o jornal de Hong Kong “Sing Tao” publicou um artigo onde se referia que nos EUA, em Maryland, três homens tentaram usar um drone para introduzir substâncias ilegais na prisão de Cresaptown.
O caso ocorreu cerca das 20h de 22 de Agosto último. Dois polícias descobriram dois homens do lado de fora da prisão. Estavam a usar um drone para tentar introduzir drogas, material pornográfico (販賣色情光碟) e outro tipo de mercadorias na prisão. Os polícias prenderam os dois homens e desmontaram o esquema dentro da prisão. Os homens foram acusados de tentativa de tráfico de droga, posse ilegal de armas, entre outras.
No entanto este não é o primeiro caso do género nos EUA. A 5 de Agosto deste ano, o website de Hong Kong “apple.nextmedia” já tinha alertado para o facto destes drones, ouVANPs, estarem a ser usados para introduzir drogas e outros produtos na Instituição Correccional de Mansfield (uma prisão no Ohio, EUA).
Este último caso deu-se por volta das 14.30h de 27 de Julho último. Um drone sobrevoou os portões da prisão e largou uma porção de material. Este material era destinado ao prisioneiro A, mas foi recolhido pelo prisioneiro B. Os tumultos desencadearam-se (暴动). Por fim 200 prisioneiros foram submetidos a inspecção de pessoas e bens . Foram encontradas drogas na posse de alguns deles.
A partir destes dois casos, podemos antever que o uso destes drones para fins criminosos poderá vir a ser uma tendência a nível mundial. E porquê? Simplesmente porque no momento da ocorrência o criminoso está a controlar o drone afastado da cena do crime. A polícia pode impedir o drone de perpetrar o crime, mas terá dificuldade em prender o criminoso. A partir do momento em que este descobrir que a polícia interceptou o drone, pode fugir. A possibilidade de fuga dos criminosos aumenta. É por este motivo que estão desejosos de usar drones para introduzir drogas nas prisões. Possivelmente, no futuro, os drones poderão ser usados para cometer crimes mais graves, por exemplo, bombardear instalações governamentais, etc.
Por vezes perguntamo-nos: a lei existia antes do crime, ou o crime já existia antes da lei? A resposta a estas perguntas pode-se encontrar a partir destas duas pequenas histórias. Nestes casos o crime surge antes da lei. De momento não existe uma lei adequada para regular o uso dos drones. E não existir uma lei é problemático para a nossa sociedade. No crime tradicional, por exemplo, assassínio, o criminoso usa uma faca para matar. O criminoso e arma estão juntos. Mas nestes casos que envolvem drones, a arma está longe do criminoso. Existe a possibilidade de o drone ser controlado por mais do que uma pessoa. Para evitar este género de crimes é necessário legislação adequada.
De acordo com a tecnologia actual os VANPs podem ser produzidos a partir de dois processos diferentes, digital e analógico. Na produção digital, cada VAPN tem o seu próprio número de série. O número de série é o Bilhete de Identidade do VAPN. Os controladores remotos emparelham com cada um destes aparelhos. Presume-se que na produção, cada controlo é desenhado para apenas fazer funcionar num único aparelho.
No entanto o ponto crítico pode ter sido ultrapassado. Se o criminoso for suficientemente inteligente pode produzir dois ou mais controlos. Estes vários controlos remotos podem todos emparelhar com o drone e fazê-lo funcionar e, portanto, vários controlos podem fazer funcionar um único VANP. O criminoso pode então distribuir vários controlos por várias pessoas e, se estas pessoas estiverem todas na cena do crime, é muito difícil para a polícia provar quem é que efectivamente cometeu o crime. Se a polícia não puder provar quem é o verdadeiro culpado o caso tem de ser encerrado.
Se o VAPN for produzido de forma analógica é controlado por um comando de sinal análogo. O drone não terá número de série. Supondo que existem dois controlos remotos, X e Y, estarão ambos na mesma frequência eléctrica. X e Y são manipulados por John e Mary respectivamente. Se o sinal emitido pelo comando X for superior ao do comando Y, mesmo que Mary já estivesse primeiro a comandar o drone, John pode privá-la desse controlo, e passar a comandar ele próprio o drone. John pode parar o VANP, colocar droga lá dentro, e controlar o aparelho para introduzir droga na prisão. Como Mary tem o comando Y, e John tem o comando X, podem ambos controlar o drone desde que consigam emitir um sinal mais forte que o outro. Será muito difícil para a polícia afirmar se foi John ou Mary quem introduziu a droga na prisão. A situação pode ainda ser mais complicada do que o caso indicado.
Hoje em dia a maior parte dos VANPs é controlada por sinais digitais e alguns são comandados directamente por telemóveis. Também não será fácil identificar os comandos dos drones nestes casos, já que em Hong Kong e em Macau, não existe registo telefónico obrigatório. Por isso pode ser usado um telefone não registado para controlar um drone.
Podemos portanto concluir que será necessária uma legislação especial para impedir o uso dos drones em actividades criminosas, particularmente, em Hong Kong e em Macau. Estas duas cidades têm muitos edifícios altos e com imensas lojas. Uma das possibilidades passa pela instalação de uma câmara no drone e controlá-lo para sobrevoar as janelas das casas de banho e fotografar o interior. Praticar este tipo de crimes é fácil, mas para a polícia é difícil encontrar os culpados. Se isto se verificar então a nossa sociedade vai estar em apuros.

14 Set 2015