Insensibilidade a bordo

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 24, a estação televisiva TVB, de Hong Kong, transmitiu uma notícia onde se relatava o caso vivido pelo Sr. Zhang, passageiro de um avião da China Southern Airline.
Zhang é jornalista. No dia 9 de Novembro, seguiu no voo (CZ6101) de Shenyang para Pequim, China. Cinco minutos, após o avião ter levantado voo, Zhang começou a sentir dores de estômago. As dores eram tão intensas que acabou por não se conseguir mexer e teve de pedir ajuda aos assistentes de bordo. Os assistentes informaram o comandante e foi pedida uma ambulância, que deveria estar no aeroporto, mal o avião aterrasse.
Mas foi aqui que começaram os problemas. A seguir à aterragem, os passageiros tiveram de esperar 50 minutos com a porta do avião aberta. Primeiro, entraram dois socorristas, mas não traziam maca. Também não transportaram Zhang para a ambulância. Em vez disso, travaram-se de razões com os assistentes de bordo – a questão seria, determinar quem é que devia levar Zhang para a ambulância!
O website “news.mydrivers.com” relatou a situação. Um dos socorristas era médico e, terá dito aos assistentes de bordo:
“Têm de levar o paciente para a ambulância.”
Ao que estes responderam:
“Porque é que nós pedimos a vossa ajuda? Se vocês não transportam o doente, quem é que o vai transportar?”
O médico retorquiu:
“As escadas são muito escorregadias, no caso de cairmos, quem é que se responsabiliza pelas consequências?”
Os assistentes responderam:
“O que é que podemos fazer? Se pedirmos uma escada rolante, vamos ter de esperar meia hora. Os senhores são muito irresponsáveis”
O médico voltou à carga:
“Porque é que nos está a chamar irresponsáveis? Este assunto não é connosco.” (Querendo com isto dizer que, como o paciente estava no avião, a responsabilidade de o transportar até à ambulância seria dos assistentes de bordo).
A discussão estava acesa e imparável. Por fim, Zhang já não conseguiu aguentar mais. Acabou por declarar, aos gritos:
“Eu desço pelo meu pé!”
Depois desta declaração de Zhang, fez-se silêncio e a discussão acabou. Zhang só conseguiu ouvir alguns passageiros, que lhe iam dizendo:
“Tenha cuidado.”
“Consegue andar?”
“As escadas estão tão escorregadias.”
Acreditam que estes comentários encorajaram Zhang?
Mas continuava a não haver quem transportasse Zhang para a ambulância.
Zhang efectivamente não conseguia andar. Arrastou-se pelas escadas abaixo até à ambulância. Quando finalmente lá chegou, o primeiro socorrista ter-lhe-á dito:
“Consegue entrar sozinho? A maca é tão pesada” (quer isto dizer que, se Zhang conseguisse entrar sem ajuda na ambulância, então melhor seria para os socorristas.)
Os nossos leitores conseguem facilmente adivinhar que Zhang acabou por entrar sozinho.
Já na ambulância, o primeiro socorrista levou uma boa meia hora a desancar os assistentes de bordo. Segue-se a transcrição da troca de palavras entre ele e Zhang.
“Os assistentes de bordo eram irresponsáveis. Viajava sozinho?”
“Sim.”
“Quer que alguém da China Southern Airlines o acompanhe ao hospital?”
“É melhor, porque não consigo andar sozinho.”
A ambulância parou imediatamente e, começou mais uma interessante troca de palavras,
“O paciente requer, peremptoriamente, que alguém da China Southern Airlines o acompanhe ao hospital. Está insatisfeito com a actuação da companhia.”
“Porque é que a ambulância parou?”

“Temos de esperar que chegue alguém da companhia. Se não o fizermos, eles não mandam ninguém.”
“O que é preciso é salvarem-me a vida, já. Se a companhia quiser mandar alguém para me acompanhar, óptimo. Se não, esqueçam.”
“Certo, fazemos como quiser.”
Passados 10 minutos, o primeiro socorrista informou Zhang que a companhia se recusava a enviar um funcionário para o acompanhar.
Finalmente Zhang chegou ao hospital e o médico diagnosticou-lhe uma apendicite. Após a operação, Zhang recuperou.
Alguns dias depois, a China Southern Airlines anunciou que tinha apresentado um pedido de desculpas a Zhang e que tinham sido enviados funcionários para o visitar. Este acontecimento foi alvo de uma investigação interna. Inicialmente apurou-se que, à data do incidente, o trem de travagem de um outro avião se tinha avariado. O avião teve de esperar que chegassem veículos para o deslocar. A companhia devia aprender, com este tipo de acontecimentos, a melhorar o seu serviço de apoio aos passageiros.
Como já foi referido, um dos socorristas era médico. O que transcrevemos foi o relato do website, não fazemos ideia se é ou não verdade. Em caso afirmativo, temos de colocar a seguinte questão: Qual deve ser a conduta profissional dum médico?
O primeiro dever de um médico é salvar vidas. Essa deve ser sempre a sua prioridade. Se um médico insiste para que outra pessoa transporte um paciente, só porque quer evitar os riscos envolvidos, será que está a ter uma conduta profissional correcta?
Mas, gostaríamos de saber o que pensa o administrador de uma companhia aérea, no caso de alguns dos seus funcionários se terem recusado a ajudar um passageiro que sofria de doença grave, e que efectivamente precisava de ajuda.
Uma pessoa encontra na rua alguém que aparenta sofrer de doença grave e que não se pode mover. Se o leitor fosse essa pessoa, teria ajudado o doente a chegar à ambulância? Será que os nossos códigos morais não nos obrigam a ajudar quem precisa?
Imaginem que Zhang tinha morrido durante a discussão entre os socorristas e os assistentes de bordo, estaríamos perante um caso de homicídio? Quem teria sido o homicida? Quando estavam a discutir, será que não pensaram nisso?

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

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