Desconfiança

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 28 de Maio, o website de Hong Kong “hk.apple.nextmedia.com” divulgou uma notícia, onde se fazia saber que a polícia local induzia pessoas libertadas sob fiança a desistirem do direito de processar o Governo e a Polícia de Hong Kong, por não terem sido reembolsadas do dinheiro pago pelas respectivas fianças.
Podemos ler na Wikipedia a seguinte definição de fiança, “……a fiança é um depósito material ou uma garantia dada a um Tribunal a fim de requerer a libertação de um detido, no pressuposto de que o indivíduo voltará a apresentar-se para ser julgado. Em alguns casos o dinheiro da fiança pode ser restituído no final do julgamento, se o réu se apresentar em Tribunal sempre que solicitado, independentemente de ser considerado inocente ou culpado das acusações……”
O Sr. Liu é o protagonista desta nossa história. A 25 de Maio o Sr. Liu apresentou-se na esquadra da polícia, de acordo com as condições impostas pela libertação condicional – apresentava-se sempre com regularidade. Nesse dia pediram-lhe que assinasse um documento de três páginas. Tratava-se de uma declaração, onde se podia ler,
“Decido processar / não processar a Polícia e o Governo de Hong Kong, por não ter sido reembolsado do dinheiro pago pela minha fiança, no valor de 20.000 HKD, e peço / não peço uma indemnização.”
O documento que o Sr. Liu recebeu para assinar já tinha as palavras “processar” e “peço” riscadas com uma cruz. O Sr. Liu sentiu que os seus direitos tinham sido infringidos e, como tal, mostrou o documento aos jornalistas e o caso foi tornado público.
No início de Maio, foi roubada da esquadra de Polícia de Wanchai, Hong Kong, uma soma de 1milhão e 70 mil HKD. A polícia local suspeitou de um dos seus agentes.
Na medida em que se tratava de um caso de roubo, a investigação foi imediata e a mulher do agente suspeito foi interrogada. Na altura afirmou que o marido não ia a casa já há alguns meses. Por outras palavras, não se conseguiu apurar nada a partir das declarações da mulher. Mas a polícia tinha algumas perguntas que ficaram sem resposta. Por exemplo, o suspeito era um agente. Não existia qualquer registo interno de que ele tivesse dividas. Além disso, se se tivesse reformado, teria recebido um valor de cerca de 1 milhão de HKD, pelo que 1milhão e 70 mil HKD, não lhe adiantava de muito. Mesmo assim alguns meios de comunicação avançaram que ele teria contraído créditos junto de algumas instituições bancárias, mas estas afirmações não ficaram provadas.
No entanto, a polícia de Hong Kong tem aparentemente um controlo muito apertado sobre os fundos de fiança à sua guarda. Os valores são colocados num cofre dentro da esquadra. O detentor da chave do cofre deve sujeitar-se previamente a testes de personalidade. O detentor da chave não pode ter dividas. Para além disso, enquanto estiver na posse da chave, este agente não pode sair da esquadra (nas horas de serviço, entenda-se). Se quiser lanchar, só pode ir à cantina, não pode ir ao “café da esquina”. Estas medidas evidenciam o rigor dos procedimentos.
Alguns meios de comunicação anunciaram que o suspeito estaria actualmente em Macau, mas mais uma vez, nada ficou provado.
O documento assinado pelo Sr. Liu foi alvo de duras críticas. Se o dinheiro das fianças desapareceu dentro da esquadra, é um problema, apenas e só, da polícia de Hong Kong. Mas ao vermos este documento, percebemos que a polícia tentou dividir responsabilidades com a pessoa que pagou a fiança! É um caso de injustiça óbvio. O primeiro problema foi o dinheiro ter desaparecido da esquadra, mas, tentar dividir responsabilidades com o cidadão comum, que não tem qualquer culpa do sucedido, passou a ser o segundo problema. É sem dúvida uma situação em que a polícia não “ficou bem na fotografia”.
Os motivos desta actuação são, contudo, bastante evidentes. A hipótese de recuperar o milhão e 70 mil dólares é diminuta. Mesmo que o suspeito venha a ser apanhado, o dinheiro pode já ter sido gasto. Se o dinheiro não for recuperado, a polícia de Hong Kong será responsável pelas indemnizações. Por isso, levar os lesados a desistirem do reembolso da fiança, e a não levantarem um processo, parece ser, de momento, a única saída que resta à polícia de Hong Kong.
Na sequência das duras críticas de que foi alvo, a corporação anunciou a dia 28 de Maio, que o caso não se voltará a repetir. Também foram apresentadas desculpas ao Sr. Liu pelos incómodos causados.
Ficou ainda claro que os reembolsos das fianças estarão assegurados e que caso não seja possível recuperar a soma roubada, a Polícia de Hong Kong será responsável pela sua reposição.
Não há dúvida que foi um acontecimento muito desagradável, a que ninguém gostaria de ter assistido. No entanto, a Polícia de Hong Kong é a fiel depositária do dinheiro das fianças, e, como tal, deve assumir todas as responsabilidades. Embora tenha havido polémica, as desconfianças foram acalmadas com os esclarecimentos posteriormente prestados. Esperamos que o suspeito seja encontrado o mais rapidamente possível e que o dinheiro possa ser recuperado, senão na totalidade pelo menos em parte significativa. Nessa altura o caso ficará encerrado.
Esta fuga de verbas duma esquadra não deixou de ser uma excepção. Os procedimentos de guarda de valores à responsabilidade do Governo continuam a ser eficazes.

David Chan
Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau


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