José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasQuestões climáticas na ordem do ano de Porco Terra [dropcap]O[/dropcap] número 36, Ji Hai (己亥) é o nome do ano no ciclo de 60 anos (60 Jia Zi, 六十甲子), Ano do Porco Terra. Ji (Ki, 己) nos 10 caules celestes (10 Tian Gan 天干) corresponde ao elemento Terra yin e Hai (Hoi, 亥, que na simbologia dos 12 animais está ligado com porco) nos doze ramos terrestres (12 Di Zhi 地支) é Água yin. Dentro de Hai encontram-se dois caules celestes, ren (água yang) e jia (madeira yang). Como água faz nascer madeira que alimenta o fogo, sob cuja influência ainda nos encontramos, a Água yin, proveniente de hai, não é suficientemente forte para controlar o fogo, o que significa que vai continuar a vaga de incêndios ocorrida em todo o mundo nos últimos anos. Desde o Verão de 2014 que o mundo está em fogo e a dupla Terra de 2018, colocou o fogo sobre pressão, tendo morrido muita gente famosa e havendo grande turbulência: tremores de terra, vulcões sem esquecer a guerra comercial. As questões climáticas (e não as de política, nem as de economia) são o foco principal e o grande problema para este ano de 2019 pois, ainda em ciclo de fogo, a água não é suficiente para o acalmar, logo o confronto entre estes dois elementos primordiais, que criam todas as coisas, provocará recordes nunca antes alcançados nos tremores de terra, tsunamis, vulcões e nos grandes tufões. Mas com o aparecimento do Elemento Água pode-se prever ser um ano melhor do que o anterior pois, esta arrefece a mente e coloca as pessoas a pensar melhor. No entanto, o poder da água apenas chegará após o Verão e continuará pelos próximos dois anos. Assim, ao entrar no ano do Porco Terra parece ter-se chegado a um oásis no deserto. Mudanças reforçadas Para os geomantes, quando o ano termina em 9 representa mudança, a preparar o início de um novo ciclo, do renascer e sendo hai, que inclui a estrela Yi Ma, a mudança é redobrada. Por isso, um ano de viagens, para emigrar, mudar de casa e de carreira. O ano que terminou foi de extremos, sem lugar para ir, parado, tendo tudo ficado por resolver: o comércio entre a China e EUA, as relações destes com a Coreia do Norte, assim como o muro com o México. A administração americana em suspensão, o Brexit, Barcelona e Venezuela, tudo por definir. Prevê-se para 2019 um ano moderado, de cooperação, de paz e o que ficou em suspenso terá uma resolução. De 4 de Fevereiro a 5 de Março – O começo da Primavera traz o renascer e o aparecimento de boa energia. As Bolsas estão sobre o efeito de grandes oscilações, e pequenos desastres ocorrem. De 6 de Março a 4 de Abril – Um mês de boa fortuna e artístico, e o que estava planeado começa a dar frutos. De 5 Abril a 4 de Maio – Sendo este um bom ano para investir em propriedades, de repente algo de imprevisível poderá ocorrer. Ganhar algo, dentro das oscilações, não será facilmente e só se conseguir agarrar no momento certo as voláteis oportunidades. De 6 de Maio a 5 de Junho – Propício a problemas de estômago, assim como assuntos a terem de ser resolvidos em tribunal. Proteja-se dos perigos que espreitam. De 6 de Junho a 6 Julho – Probabilidade de desastres com aviões; emoções ocupadas pela tristeza. De 7 de Junho a 7 de Agosto – Os tufões matam pessoas; fácil sofrer AVC’s. Todo o movimento traz pequenos problemas. De 8 de Agosto a 7 de Setembro – Mudanças políticas, grandes movimentações bolsistas, mas a fortuna é grande se conseguir agarrar o momento certo, a oportunidade aparece de repente e tão depressa vem, como vai. De 8 de Setembro a 7 Outubro – Mês de boa fortuna (sorte), bom para o amor, tanto para casados como solteiros. De 8 de Outubro a 7 de Novembro – Mês de morte. Problemas de coração. Bom culturalmente. De 8 de Novembro a 6 Dezembro – Um enorme tufão e grandes variações no mercado bolsista. AVC’s levam a vida. De 7 Dezembro a 5 de Janeiro – Mês difícil para as mulheres que vão dar à luz. Problemas de saúde sobretudo para os seres femininos. 6 de Janeiro a 3 Fevereiro – Normalidade melhor do que especial. A fortuna (sorte) aparece de novo mas, a saúde é tudo. Sabores do ano Ji, Terra yin, está ligado ao sentido do paladar, logo complementa-se com Macau, pois a gastronomia do território é património mundial da humanidade. Por outro lado, cuidado com o estômago: coma moderadamente e não seja tentado constantemente por carne vermelha e marisco, a facilmente criar problemas de ácido úrico e AVC’s, que este ano se encontram na primeira linha das hipóteses de ocorrer. Cuide do seu estilo de vida e ande a pé em vez de usar o carro. Lembre-se estarmos ainda sob a forte influência do Elemento Fogo, conectado com os transportes (como aviões, comboios, carros, metro) e por isso, com grande probabilidade de sofrer acidentes. Existem também grandes hipóteses de ataques terroristas, sendo entre meados de Junho e de Julho o período mais propício para ocorrerem. As manifestações reivindicativas continuarão em força. Hai representa mudanças e movimento e quando ligado com a saúde está relacionado com os membros inferiores do corpo e assim é aos pés que se deve dar especial atenção, pois estão propensos a terem problemas. Para quem nasceu entre 4 de Fevereiro e 5 de Maio e entre 8 de Novembro e 6 de Dezembro, deverá tomar especial cuidado com a saúde, sobretudo os elementos do sexo feminino. Sendo um ano cego não é bom para casar, mas para fazer compromissos. Os próximos três anos, a contar com o de 2019, são anos de água, o que significa para os nascidos no Verão, entre 5 Maio e 7 Agosto, haver muita sorte. Quem nasceu no Inverno, de 8 de Novembro a 3 de Fevereiro, nos próximos três anos deverá ter cuidado com tudo e não contará com grande evolução. Melhor manter seguro o que já tem e não procurar avançar. As questões climáticas estão nas prioridades de 2019 e a preocupação irá para os catastróficos desastres naturais, pois é um ano de grandes tremores de terra, que atingirão um grau nunca antes alcançado. Haverá nove grandes tufões a causar problemas no Japão, EUA e Taiwan, sendo de esperar três fortes para Macau. Dentro dos signos dos 12 simbólicos animais, este ano os nativos de dragão são os mais bafejados, enquanto os de serpente e rato devem-se manter calmos e fazer apenas uma vida simples. Pelas características do porco, animal sensível, sensual, pacífico, trabalhador incansável, com instintos puros, o ser humano poderá contar este ano para desembaraçar situações difíceis que se têm avolumado neste milénio e reabrir as portas da esperança ao mundo, cada vez mais fechado na tecnologia da máquina. Ano para conquistar maturidade.
José Simões Morais h | Artes, Letras e Ideias Previsões do Ano do PorcoAs previsões para o Ano do Porco Terra Pelo calendário lunar, 5 de Fevereiro de 2019 foi o primeiro dia do Ano Novo Chinês e começa o ano do Porco Terra, que terminará a 24 de Janeiro de 2020, e como nele não consta a Festa solar da Primavera (LiChun), será um ano cego. Já para o Fengshui, usando o calendário solar, o ano de 2019 começou a 4 de Fevereiro e termina a 3 Fevereiro de 2020, servindo-nos aqui de guia as previsões feitas por Lei Koi Meng (Edward Li). O Deus do Ano de Porco Terra é o Grande General Xie Tai (谢太), ligado à integridade e honestidade, que viveu durante a dinastia Ming, sendo auspicioso aos nativos de Porco irem ao templo no oitavo dia do primeiro mês lunar, 12 de Fevereiro, oferecer sacrifícios ao Deus do Ano, para por ele ficarem protegidos. Este ano irá ser melhor do que o anterior. A água na segunda metade do ano vai acalmar o fogo e a esperança renascerá, trazendo uma nova vitalidade ao mundo. As questões climáticas estarão em cima da mesa e sentir-se-á que os olhos dos governantes para aí estarão focados. Mas será que essa atenção não vem demasiado tarde? Não, aos olhos de Buda, tal como aceitou deixar o porco pertencer aos doze animais do zodíaco, apesar de ter chegado depois da hora. Porco – 88 pontos [dropcap]O[/dropcap]s nativos deste signo encontram-se num ano de dupla mudança. Têm as estrelas da sorte Tian Jie (天解) e Jie Shen (解神) a resolver os problemas, significando que ao precisar de ajuda consegue-a e por isso, só tem de conquistar os seus inimigos e transformá-los em amigos; não se esqueça que o mundo é redondo. Pela poderosa estrela da sorte Ba Zuo (八座), relacionada com a progressão na carreira e a possibilidade de atingir uma posição de comando, terá essa grande hipótese este ano, mas será bom fazer um plano para dez anos e lembrar-se que quanto mais difícil for o ano, mais alto chegará. Sejam quais forem as dificuldades, não desista. Devido a três más estrelas Jian Feng (剑锋, relacionada com operação clínica), Fu Shi (伏尸, corpo morto, a representar desastre) e Xue Ren (血刃, fio da lâmina com sangue) percebe-se que algo de inesperado ocorrerá, como um desastre ou acidente. Conte ainda ter alguém nas suas costas a dizer mal de si, como indica a má estrela Zhi Bei (指背). Os seus problemas e trabalhos surgem de nunca admitir o que faz de mal, isto é, não dar a mão a torcer, pois não quer perder a face. Este ano experimentará todos os sabores: doce, amargo, salgado, ácido e picante e não importa se gosta ou não, somente quando experimentar todos terá a possibilidade de controlar a sua vida. O Céu indica ser um bom ano para os nativos de porco. Carreira: Os nativos deste signo quando se focam num objectivo querem rapidamente alcançá-lo e farão tudo para que isso aconteça. Não se esqueça que tem este ano poder para o fazer, mas, coloque o cinto de segurança pois o caminho não será nada fácil. Amor: Este ano, até no amor vai encontrar situações difíceis, especialmente para os casais. Não tome decisões bruscas e não enfraqueça a relação a ponto de cortar a hipótese de a restabelecer. A Felicidade não está segura, se a perder vai-se arrepender e só perceberá tarde de mais. Para as pessoas singulares nativas de porco, não é ano para investir. Saúde: Ano susceptível de haver problemas, como uma queda ou operação. Faça análises para antecipar alguma doença que espreita, especialmente para quem nasceu em 1959 e 1983. Equilibre o trabalho e o descanso pois, se ganha na carreira e perde saúde, de nada vale esse ganho. Dinheiro: Terá diferentes modos de o conseguir, mas com tantas maneiras não saberá como e qual escolher. Contará com dinheiro extra fora do espectável. 1971 – Receberá uma ajuda poderosa, sendo o mais favorecido dentro dos nativos na carreira e no dinheiro. Entrará num novo patamar e é o momento de se fazer notar. 1983 – Mantenha a calma e não se vanglorie para não atrair invejas. 1959 – Encontrará um ano cheio de competição, por isso, antes de ter uma imagem clara da situação não se precipite; conheça-se bem e aos outros para tomar controlo dos acontecimentos. Faça uma festa de aniversário para celebrar os 60 anos e conseguir grande Felicidade. 1947 – Activo nas relações sociais, especial cuidado com o que come pois, os problemas de saúde provêm do estômago. 1995 – Sem grandes problemas no estudo e no trabalho, terá uma boa hipótese de mostrar as suas qualidades, contando com a ajuda de pessoas mais velhas. Rato 65 pontos Os nativos de rato devem contar com um ano nada fácil, talvez o pior dos signos para este ano. A má estrela Bing Fu (病符, sinaliza doença) levará a perder confiança em si e a sentir-se sem energia para fazer algo, vazio e fatigado, só com vontade de dormir. Já a má estrela Wang Shen (亡神), por pequenos actos ilegais pode ter problemas na justiça e acabar na prisão, por isso, não pense procurar um caminho fácil e rápido para conseguir algo e não se esqueça de cumprir as regras. Não seja tentado por pequenas coisas que levarão a perder um todo maior. Com a estrela Mo yue (陌越) a amplificar a má estrela Tun Xian (吞陷, significa ser engolido), deverá dizer não às acções arriscadas, em especial quando viaja. Como não gosta de planear, mas de viver o momento, não sendo um ano auspicioso, deve, para evitar problemas, seguir passo a passo. Apesar de tão más estrelas, não desanime pois conta com a estrela da sorte, Tian Yi Gui Ren, (天乙贵人, ligada à criatividade), a dar-lhe esperança e a visão de espaço para prosseguir. Carreira: Com a ajuda da criatividade ligada à estrela da sorte, Tian Yi Gui Ren, será reconhecido pelos seus superiores que o ajudarão. Mas primeiro terá de se preparar, estudar mais e valorizar os seus conhecimentos. Também não deve querer mais do que lhe oferecem. Ano para trabalho interior, sem questionar os ganhos e o que consegue. Amor: Quem já namora continuará nesse patamar; para os casais, se tiver a esposa ou o marido do signo rato, conte com ela/ele a tratar melhor os amigos do que a família, por isso dê-lhe liberdade, sendo essa a melhor forma de manter a relação emocionalmente estável. Para os solteiros continuarão sem par. Saúde: Com tantas más estrelas deverá relaxar e evitar estar sempre em alta pressão. Não serão só problemas de saúde física, mas também os emocionais a desequilibra-lo. Pense nas coisas boas e esqueça rapidamente as más. Trate de cuidar do fígado, o repositório do humor, para restaurar a alegria no viver e retirá-la/o da depressão. Os nativos nascidos no Outono e no Inverno devem fazer um controlo de saúde e se ficar doente, use roupas de cor vermelha para activar o Elemento Fogo. Dinheiro: Receberá o salário normal e não terá almoços grátis. Para ganhar mais, terá que trabalhar arduamente e só deve consegui-lo de uma maneira legal e não através de jogos de sorte e azar. 1984 – Criativo, saiba fazer as coisas com boa apresentação, levando a sua carreira a desenvolver-se e a proporcionar-lhe mais dinheiro. Está no topo dos nativos de rato. 1960 – Com imensas ajudas dos amigos, entrará no espaço de semi-reformada/o, conseguindo tempo para fazer o que gosta e gozar a vida. Uma festa de aniversário é necessária para adquirir energias positivas. 1972 – Modere-se na vida nocturna e não faça tantas noitadas. Não entre em excessos e afaste-se de relações complicadas. A sua idade chegou à ponta do nariz e se aí tiver algum sinal, ou alguma ferida antiga, deve ir a 12 de Fevereiro ao templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano e ao seu. 1996 – Com esperança na carreira, deve tentar diferentes caminhos, mas é um ano para trabalhar arduamente, sem pedir ganhos. 1948 – Bom ano para tratar dos problemas de saúde. Manter-se em casa tranquilamente e calma/o é melhor do que vir para a rua. Continue com a sua vida social e não será um ano aborrecido. Búfalo 68 Pontos Vai estar bastante ocupado e terá de viajar muito. Parece ter já tudo preparado, mas de repente terá de refazer tudo, pois este ano está sobre a influência da estrela Yi Ma (驿马), mudança. Não é apenas na carreira, mas também na família que ocorrerão grandes mudanças. Se o nativo nasceu no Verão, a mudança servirá para deitar fora as coisas más, mas se nasceu no Outono ou no Inverno precisa de tomar cuidado, pois na saúde aparecerão problemas. Devido à má estrela Tian Gou, (天狗), a representar gastos monetários imprevisíveis, ser enganado por alguém e ter discussões com o seu parceiro, familiar ou de negócio, o nativo sente-se cansado da sua vida. Procura mudança, no emprego, de casa, ou emigrar, mas esses desejos ficam só pelo pensar. Já a má estrela Diao Ke 吊客, relacionada com a morte de um familiar, indica que deve ter mais atenção para com os seus e passar mais tempo com eles. Contará com a estrela da sorte Tai Ji Gui Ren, (太极贵人), que significa ter alguém a ajudá-lo, mas não será o suficiente. O defeito dos nativos de búfalo é serem obstinados e facilmente continuarem a caminhar por uma via cada vez mais estreita até ficarem sem possibilidade de prosseguir e terem de regressar. Por isso, terá de empreender uma viagem para encontrar um novo caminho e assim resolver o problema. Carreira: Os nativos deste signo trabalham sempre arduamente e este ano, em especial, terá de fazer o trabalho contando apenas consigo e não depender dos outros. Haverá muitas coisas para fazer e tomar conta, mas no fim parece que esteve a perder tempo e energia, pois nada conseguiu. Lembre-se que deve eliminar a sua teimosia. Amor: Para os solteiros, este ano é como um lago sem água, por isso deverá colocar ramos de pessegueiros na parte Noroeste da sua casa. Facilmente encontrará entre estrangeiros novos amigos e namoradas/os durante as suas viagens. Saúde: Ano, nem bom nem mau. A maior parte dos problemas serão emocionais e por isso aproveite reuniões com os amigos e familiares para deitar fora a pressão e assim relaxar. Os nascidos no Outono e no Inverno deverão dar atenção aos problemas de bexiga e do intestino grosso. Dinheiro: Precisará de arranjar dinheiro para pagar as suas obrigações dos já investimentos já em curso e para tal, terá de arranjar mais trabalhos. Assim, não é ano de amealhar dinheiro e se não o perder já é uma boa notícia. 1985 – As diferentes vias para desenvolver a carreira, não lhe trazem grandes resultados, no entanto, continuará a ter retorno fora do seu emprego. Boa conversação e boa apresentação atrai os outros. 1961 – Contará com pessoas a propor-lhe novos negócios, que lhe darão grande trabalho e enormes gastos, acontecendo por vezes gastar mais do que ganha. Por isso, antes de os aceitar deve estudar bem os processos, para evitar perder tempo e dinheiro. 1973 – Facilmente terá discussões e problemas criados nas suas costas por amigos, com rumores contra si e por isso, não é ano de fazer planos. Bom para pensar na saúde e ganhar estabilidade emocional. 1949 – Ano para convívio com os amigos e empreender viagens com eles. Deverá ter cuidado com os transportes que usa e com as questões financeiras. Será bom fazer uma festa de aniversário. 1997 – Sob pressão no trabalho e na carreira, deverá ajustar a sua vida para conseguir tempo para relaxar. Evite tentar ganhar migalhas, quando vai perder muito. Terá a mente clara sobre o seu caminho e como deve mantê-lo seguro. Tigre 92 pontos Os nativos de tigre, signo que combina com o de porco, vão ter um bom ano sempre sorridente e tudo poderá ser negociado. Mas também devido a essa relação, serão afectados por inimigos. Mesmo assim, este ano estará nos três signos mais bafejados do ano. Com três estrelas da sorte, o ano não contará com complicações, conseguindo realizar tudo o que quiser, pois terá Tian De (天德) e Fu Xing (福星) a proteger e limpar o caminho e Fu De (福德), a dar segurança e a trazer riqueza material. O tigre adquire asas e onde quer que esteja será o foco de atenção e amizade. Já as más estrelas, Juan She (卷舌, alguém a falar mal de si), Jie Sha (劫煞) e Jiao Sha (绞 煞), colocam os nativos propensos a acidentes e a sofrer estragos; pormenores que não afectam a sua boa sorte. Se quiser ajudar os outros, o melhor é esquecer as afirmações negativas e olhar positivamente para eles. Elogiar é o melhor caminho. Carreira: Com um ano forte, terá apoio de muita gente e grande quantidade de patrocinadores. Importante é fazer, pois ganhará sempre. Será bem-vindo nas relações sociais e a sua boa reputação e posição poderosa (política e social), levará a que alcance um nível mais alto e a conseguir recuperar tudo o que perdeu no ano anterior. Amor: Dentro dos seis signos que se combinam, os nativos de tigre tornam-se muito simpáticos para quem com eles convive. Parabéns aos solteiros, pois é ano de encontrar a pessoa indicada para a sua vida. Deve acreditar na sua intuição e não seguir o que os amigos e a família dizem. Para os casais, é boa altura para ter um filho. Saúde: Impecável para os nascidos no Verão, mas para quem nasceu no Outono e Inverno facilmente terá problemas de colesterol e de bexiga. No entanto, sem grandes maleitas. Dinheiro: Com uma boa carreira, dinheiro seguramente não faltará. 1962 – A sua posição e fama levarão a atingir um novo patamar. 1974 – Ano criativo, com dinheiro a chegar por todos os lados, poderá rir desde o início até ao fim. 1950 – Activas relações sociais. Com base no que já tem, poderá ainda desenvolver uma nova Primavera. 1986 – Cheio de energia, quer experimentar tudo. Lembre-se apenas de uma coisa, nada de forte e duradouro se alcança rapidamente. Não é apenas com um passo que se atinge o Céu. 1998 – Bom ano para preparar o que virá. Necessita de aprender como estar na vida social para conseguir desenvolver as boas relações e criar uma base maior, para ter mais possibilidades. Coelho 72 pontos Coelho combina com Cabra e Porco e como este ano o signo do porco tem sobre si o Deus do Ano, terão os nativos de Coelho boas relações e apoio dos seus superiores. Mas conte com a influência de uma das mais fortes más estrelas, Bai Hu (白虎, Tigre Branco) cujos dois significados representam, o seu patrão não combina consigo e um ser feminino traz-lhe problemas. Por uma outra má estrela, Zhi Bei (指背) sentirá pelas costas um dedo acusador e com rumores a falar mal de si ao seu patrão, e pode ser levado a tribunal. Assim, se por um lado terá os amigos a ajudar, também haverá pessoas a tentar denegri-lo, levando a que não possa dar um passo, nem para a frente, nem para trás. Carreira: Comparando com a excelência do ano anterior, neste, deverá resguardar-se e manter-se num lugar seguro, sem dar muita nas vistas; trabalhe mais e fale menos. Evite dar qualquer palavra de garantia e em grupo não se chegue à frente para ser o representante. Antes de tomar alguma iniciativa deve estudar e planear com muito detalhe e ter a atenção todos os pormenores. É como realizar um mau lance numa partida de xadrez cujas repercussões o acompanharão até ao fim do jogo. Por isso, controle bem o que já tem e não tente conseguir mais e em especial, não arranje relações complicadas com mulheres. Amor: Facilmente atrai os outros e como um ditado chinês diz, os coelhos normalmente têm nove casas e escolhem-nas pelo olfacto. Mas este ano poderão aparecer complicações com pessoas que o amam e ao não serem correspondidas irão trazer-lhe grandes e graves problemas com chantagens emocionais. Essas difíceis relações emocionais são devidas à estrela do Tigre Branco, a afectar em especial os nascidos em 1987 e 1999. Assim deverá ter muito cuidado. Os casais deverão pensar ter mais um filho ou, fazer uma nova viagem de lua-de-mel. Saúde: Este ano o mais importante é cuidar da sua saúde. Os nascidos na Primavera estarão expostos a maiores perigos. O ser feminino nativo de coelho, se não for pelo nascimento de um filho poderá ter que fazer uma operação cirúrgica. Para os nativos masculinos, muito cuidado ao conduzir e evite qualquer discussão, pois trará problemas. As pessoas idosas deverão dar atenção à bexiga e próstata. Dinheiro: A maneira de conseguir dinheiro deverá ser a normal e poderá ter boas surpresas se fizer algo por fora, mas para ter sucesso, não se vanglorie, nem anuncie a sua glória alto e bom som. 1951 – Conseguirá ter ajuda na carreira e em questões monetárias de uma superpoderosa pessoa, mas lembre-se, o caminho do meio é o mais compensador e os excessos são prejudiciais. 1963 – Terá na carreira um cargo de posição diferente, mas conte com falatórios e disputas. Por isso, coloque-se numa posição de sombra, sem atrair atenções. Felicidade deve ser o objectivo e o nada acontecer é uma boa notícia. 1975 – Deve estudar e aprender, o que lhe dará novas hipóteses na carreira e tendo a possibilidade de ganhar dinheiro rapidamente, deve ter cuidado. Mantenha-se firme pois não terá um ombro amigo para se apoiar. 1987 – O ser feminino deve ter especial cuidado com a saúde, pois é ano de grandes oscilações. Mesmo com imensas ideias para a sua carreira, deverá trabalhar e manter-se calada/o e não entrar em disputas com os outros. 1999 – Na sua vida social mostre-se modesto e com vontade de aprender; seja respeitador e educado. Dragão 95 pontos No topo de todos os signos. Os nativos deste signo no ano passado encontravam-se em oposição ao Deus do Ano, e não importa se foi um bom, ou mau ano, de certeza houve mudanças. Neste, estão no topo. O dragão sobe ao Céu, pois é o primeiro e mais bafejado dos signos. As estrelas da sorte Zi Wei (紫微) e Long De (龙德) representam conquistar poder e ser promovido, fazendo-o progredir na carreira e assim, com a ajuda destas duas poderosas estrelas, ascenderá ao lugar de chefia. Haverá na sua vida uma completa mudança e uma rápida evolução. Na parte emocional com a ajuda da estrela da sorte Hong Luan (红鸾, Sorte no Amor) conseguirá os frutos não só de relações harmoniosas, mas encontrar o parceiro para casar e na carreira vai chegar a um novo patamar. Este é o ano perfeito da sua vida. Mas, quanto maior é a árvore mais o vento a fustiga e por isso, deve contar ter, devido à má estrela Bao Bai (暴败, perdedor, falhar), mudanças que não pode controlar, servindo tal para fortalecer a paciência e conseguir perdoar. Devido à incontrolável má estrela Tian E (天厄, Catástrofes provenientes do Céu) deve evitar lugares perigosos e desportos de alto risco. Com tão grande e rápida progressão na sua vida terá de contar com a inveja dos outros e assim sendo, tenha atenção aos rumores que contra si se criam, proporcionados pela má estrela Wang Shen (亡神). É difícil atingir o lugar, mas mais difícil é segurá-lo. Para este ano, o trabalho é aprender a manter-se na posição de topo, e isso exige-lhe um profundo conhecimento e muito estudo. Carreira: Tudo o que ao longo dos tempos andou a preparar, chegou o momento de o mostrar, sem precisar de pensar muito e não serão os pequeninos problemas a criar obstáculos, pois facilmente se desenvencilha deles. É ano para chegar ao lugar que lhe pertence, pois tem habilitações e poder para atingir tal; não duvide de si, vá em frente! Amor: Mesmo sendo um ano cego, isto é sem a Festa da Primavera, não haverá problemas para os solteiros pois a estrela da sorte e do amor Hong Luan (红鸾) trará a pessoa certa para se casar. A esposa para o ser masculino, representa dinheiro e assim ao contrair matrimónio contará com dinheiro da sorte. Para o ser feminino, ao casar-se o marido ajuda-a a promover a sua carreira. Ano de harmonia para os casais. Saúde: Evite trabalhar arduamente e pratique desporto. Os nascidos no Outono e Inverno devem tomar cuidado com a saúde nos meses de Março e Abril. Dinheiro: Não precisa de pensar como conseguir dinheiro, mas como o investir. 1964 – Este ano voará até ao Céu. É um ano afortunado. 1952 – Será dono da oficina e reconhecido com a medalha de honra. Ano de confirmação das suas capacidades, com a riqueza a manter-se. 1976 – Vai-se tornar patrão na sua área de trabalho. Claro que tudo começa com árduo esforço, que servirá para desdobrar o que consegue. 1988 – Irá evoluir passo a passo, mas o futuro é promissor. Ano para ampliar o seu grupo e tornar as fundações mais estáveis e seguras. 2000 – Com bom aproveitamento escolar, pode investir no desenvolvimento de novas áreas de conhecimento e capacidades; procure novas experiências. Serpente 70 pontos No ano do Porco, a serpente está a colidir com o Deus do Ano, o que traz grandes mudanças à vida dos nativos deste signo para os próximos doze anos. Não conta com estrelas da sorte a ajudar, significando ser um ano trabalhoso e cansativo. Precisa de se preparar para conseguir aguentar o embate, pois não faltarão más estrelas a influenciar o ano. A estrela Yi Ma (驿马, mudança) combinada com a oposição ao Deus do Ano amplia as mudanças e assim, deverá contar com grandes transformações, a definir os próximos doze anos da sua vida. Mudar de casa, de emprego, ter de emigrar e todas estas importantes decisões deverão ser cuidadosamente pensadas, pois ditarão o que virá. Com características de perspicácia e adaptativos, os nativos conseguem sempre encontrar nas mudanças novas oportunidades. Se nasceu no Verão, essas mudanças dar-lhe-ão uma nova energia e reforçarão as suas qualidades. Mas se nasceu no Inverno, deve tomar cuidado e dar especial atenção à saúde, o mais importante que tudo o resto. As más estrelas Da Hao (大耗, gastar uma fortuna) e Lan Gan (阑干, barreira, vedação) levam a que se quiser fazer algo para a sua carreira deve ter muito cuidado pois só lhe trará prejuízo e à sua frente só encontrará problemas. As más estrelas Yue Kong (月空, mês vazio) e Po Sui (破碎, separação) colocam-no a não conseguir pensar bem durante as decisões e a não ter uma visão clara do momento. Já as más estrelas Yang Ren (羊刃, operação cirúrgica com sangue) e Pi Tou (披头, deixar solto o cabelo) avisam para cuidar da saúde, a sua e a da sua família, e evitar acções de alto risco. Carreira: Não desanime pelas inúmeras más estrelas. Talvez seja a grande hipótese de abrandar a velocidade e arranjar espaço para estudar e ganhar experiência, conseguindo assim reorganizar-se para o embate dos próximos doze anos. Amor: Por ser um ano emocional instável, entre os casais haverá discussões constantes, logo, lembre-se de ter mais paciência e evitar chegar a um ponto de ruptura, sem possibilidade de voltar para atrás. Os solteiros, ao querer controlar, mais rapidamente perdem, logo siga o yuan fen (缘份, casuais encontros do destino) nas suas relações. Saúde: A 12 de Fevereiro deve, sem sombra de dúvida, ir ao Templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano. Cautela na condução e seja calmo e paciente. Em caso de precisar de ser submetido a uma operação cirúrgica, não tenha medo e vá com fé. Dinheiro: O que paga é muito mais do que recebe e terá de gastar as suas poupanças; logo, ao assistir às perdas e ao ver o dinheiro a voar da sua conta deve suspender imediatamente os investimentos e cortar nos gastos. 1965 – Comparado com todos os nativos deste signo, não estará muito mal pois contará com a ajuda de outras pessoas para ultrapassar este período difícil. Gastará mais dinheiro do que o normal. Seja paciente e escute mais os outros. 1953 – Cuidado com a saúde. O trabalho árduo pode trazer-lhe o oposto que deseja. Deverá resolver as suas relações sociais, reparando as disputas e conflitos que facilmente ocorrerão este ano. 1977 – Ano de muita acção. Altura para experimentar novas coisas, mas apenas em lugares seguros. Controle o seu temperamento. 1989 – Vida social activa, que apenas o ajudará a consolidar as suas bases. Cautela na condução para evitar acidentes. Se encontrar algo que não consegue resolver, peça ajuda e não tente resolver por si próprio. 1941 – Cuide da saúde. Não se comprometa este ano a dar garantias aos outros. 2001 – Vai-se confrontar com o ter de escolher. Para ganhar novos campos de actuação converse com outras pessoas de diferentes áreas, evitando ficar num caminho estreito e sem saídas. Cavalo 75 pontos A simpática estrela da sorte Yue De (月德) levará os nativos a serem carinhosos e a tomar conta dos que à sua volta estão. Também a sua disposição para este ano é de calma, de bondade e harmonia, sem o habitual temperamento impulsivo que o caracteriza. O trabalho voluntário, caritativo e filantrópico, trará boa energia e sorte e complementando com a estrela da sorte Lu Shen (禄神), propiciadora de um bom rendimento e boas relações públicas, terá diferentes vias para conseguir dinheiro e espera-o uma vida confortável. Normalmente é encantador e atraente, mas a má estrela Liu Xia (流霞), poderá levá-lo a relacionamentos rápidos e quentes. Precisa de ter cuidado para não se queimar. Devido à má estrela Xiao Hao (小耗), irá gastar algum dinheiro e por isso, antes que tal aconteça, deve primeiro oferecer algum para obras de caridade, e anular a má influência desta estrela. As más estrelas Jie Sha (劫煞) e Shi Fu (死符) representam acidentes, ou algo a sair de controlo; assim evite viajar em zonas de direcção Sudoeste e Nordeste, sobretudo para os nativos nascidos no Inverno. Carreira: Tem oportunidade de a desenvolver e para isso, foque-se nos negócios normais de agrado geral e não invista em novidades esquisitas, como novos artigos ainda não consolidados pelo gosto popular. Com inúmeras ideias para novos projectos, não esqueça ser este um ano apenas para planear e preparar o seguinte. Amor: Os nativos solteiros não terão de se preocupar, o problema está nas muitas e variadas escolhas. Em Março e Outubro poderá encontrar a pessoa correcta para iniciar relações afectivas. Os nascidos em 2002 deverão tomar cuidado e proteger-se de superficiais relacionamentos amorosos. Já os casais deverão cooperar e transitar o bom relacionamento para outros campos, de negócios e carreira. Saúde: Este ano poderá surgir uma doença que dentro de si se desenvolvia, mas que desconhecia. Os nativos nascidos no Outono e Inverno devem controlar o que comem. Agosto e Dezembro são meses de grande risco e quando fizer viagens e conduzir, tenha muito cuidado. Se ficar doente, coloque seis e oito moedas de cobre a Sudoeste e a Nordeste da casa. Dinheiro: Não precisa de trabalhar arduamente, pois o que recebe fica inalterável. Despenda dinheiro com a família e amigos, é o estilo de vida para este ano e assim harmoniza o seu estar. 1954 – Diferentes viagens de negócios aparecerão a trazer bons rendimentos. 1966 – Parece um cavalo voador, não importa se no pensamento ou no trabalho. Conseguirá atingir os seus propósitos. Apesar do trabalho ser árduo, fá-lo com prazer e por isso, com ele se diverte e não lhe pesa nada. 1978 – Cheio de competição, faça passo a passo o caminho. O ser masculino deve evitar relacionamentos extraconjugais e por isso, é bom realizar uma festa de celebração para firmar o seu casamento. 1990 – Recebe encorajamento e aprovação de toda a gente e o seu caminho está em completa transformação, em renovação da sua pessoa. Se trabalhar arduamente conseguirá ajuda para atingir um novo patamar. 2002 – Terá riqueza material e hipóteses de se tornar um líder na sua classe, mas não se deixe tentar e proteja-se de relacionamentos amorosos superficiais. Cabra 90 pontos Dentro dos três signos que combinam (Coelho, Cabra, Porco), os nativos de Cabra entram num ano harmonioso e tranquilo. A estrela da sorte San Tai (三台, quem tem o Carimbo) é excelente para fortalecer a carreira, levando a um novo e mais alto patamar. Por isso precisa de se preocupar com a inveja de muitos, devido à sua rápida e grande ascensão. As três estrelas da sorte, Fu Xing (福星, protectora a limpar o caminho), Tai Ji Gui Ren, (太极贵人, alguém a ajudar) e An Lu (暗禄, dinheiro sombra, ou da sorte), representam ter muita gente a patrocinar e a ajudá-lo. O dinheiro virá ter consigo sem ter que fazer algo. Pelas más estrelas, Wu Gui (五鬼, Cinco fantasmas, pessoas a fazerem-lhe mal pelas costas), Zhi Bei (指背), Guan Fu (官符, cuidado e não coloque como garantia a sua palavra) e Fei Fu (飞符), a inveja das pessoas causam-lhe problemas e trazem armadilhas, desconcentrando-o dos seus propósitos. Claro, em tão alto lugar deve contar haver setas virada contra si em cada passo que dá. Não deve perder o discernimento e ter muito cuidado com as palavras, a fim de evitar dar trunfos aos que se transformaram em seus inimigos. Já a má estrela Tian Ku (天哭) trará algo que o leva a ficar muito triste. Carreira: Mesmo sem precisar de ajuda exterior, este ano os nativos conseguirão solucionar os múltiplos problemas surgidos e ficar à frente. Mas quanto mais alto, mais frio, pois não tem a companhia dos outros, significando ter por vezes de fazer uma pausa e esperar pelos que deixou para trás, até estes o alcançarem, para em conjunto reatar o caminho. Este ano ao assinar um contrato tome cuidado para evitar problemas na justiça. Amor: Os solteiros não devem esperar muito e será fácil encontrar alguém a colocar obstáculos entre os casais ou namorados. Mantenha-se com a mente clara e deslumbre o rosto que se esconde por detrás das máscaras. Terá de aprender a guardar o tesouro que tem e não o desbaratar com situações conflituosas. Saúde: Como está num ano pleno de actividade, gostando de viagens e de fazer exercícios físicos, deverá tomar cuidado com os acidentes. Com um temperamento emocional, ao ser confrontado com relações complicadas entra facilmente em depressão. Para as nativas femininas este ano pode ter que realizar uma operação cirúrgica e por isso, evite as direcções Sudoeste e Nordeste, sendo Noroeste a auspiciosa direcção. Dinheiro: Não precisa de se preocupar. 1955 – Bom ano para a carreira e dinheiro. Se for professor/a vai tornar-se famoso/a na disciplina que lecciona e terá uma condecoração. 1967 – Os seus planos e ideias conseguem vingar este ano, mas debaixo de pressão precisa de harmonizar a sua vida. 1943 – Mesmo na reforma, vai-se tornar consultor/a. Oferecer ideias para as pessoas realizarem a acção, é melhor do que provar e ser você mesmo a fazer. Cuide da saúde. 1979 – No mesmo patamar encontrará imensa competição e precisa de separar as pessoas entre as que poderão ajudar e as interessadas apenas em usurpar. Cuide da saúde dos seus familiares. Necessário festejar o aniversário. 1991 – Criativo e com ajudas, consegue atingir o que quiser. Terá um ano feliz e cheio de riqueza. Macaco 85 pontos Os nativos deste signo este ano são magoados pelo Deus do Ano, significando ter perdas, ou em dinheiro, ou na saúde, ou na carreira, mas tal não se deve a si. São os outros a levá-lo a ficar envolvido e a ser afectado, no entanto, sem grandes problemas pois, para os solucionar contará com muitas estrelas da sorte. Primeiro, a súper estrela Tai Yin (太阴, boas relações sociais) e a estrela da sorte Di Jie (地解, tudo pode ser discutido e negociado) levam a solucionar os problemas. Com a protecção das quatro estrelas da sorte, Jin Yu Lu (金舆禄, grande fortuna), Ci Guan (词馆, perfeitas palavras), Guo Yin Gui Ren (国印贵人, alto oficial a ajudar) e Tian Yi Gui Ren, (天乙贵人, criatividade), a aguçar a sua inteligência e a torná-lo poderoso na carreira terá bases, como dinheiro, para o que aí vem. As más estrelas, Gu Chen (孤辰, estar sozinho) e Wang Shen (亡神, pequenos actos ilegais a causar problemas e perder algo de si), levam os nativos a poder ter processos na justiça; por isso, quando desenvolver alguma actividade seja delicado e evite discussões. Já as más estrelas, Guan Suo (贯索) e Gou Jiao (勾绞, armadilha) representam obstrução, que pode levar a acabar com os seus planos. Carreira: Os nativos prepararam-se para o que aí vem, mas ocorrerá algo de imprevisto e assim, importante é serem decididos na resolução a tomar para resolver os problemas. Prefira uma acção com delicadeza, a uma tomada forte de posição. No entanto, não importa o que aparece, o ano traz múltiplas hipóteses de ter sucesso de uma maneira graciosa e diferente. Amor: Afectados pela má estrela Gu Chen, os nativos, orgulhosos de si mesmos, colocar-se-ão à parte, vaidosos e distantes dos outros. Facilmente entram em discussão. Deverá mostrar aos outros empatia perante as dificuldades que atravessam e simpaticamente dar-lhes reconhecimento e compensar-lhes o esforço, ajudando-os a ultrapassar esse mau momento. Saúde: Cuidado com os acidentes, como quedas. Ao ser confrontado com a justiça, emocionalmente encontra-se sob pressão e por isso, deverá no início do ano ir ao Templo fazer sacrifícios ao Deus do Ano. Como vai trabalhar arduamente, ao deparar-se com problemas que não consegue resolver é melhor sair e empreender uma pequena viagem, ou fazer exercícios físicos para clarificar a sua mente. Mais convívio social traz-lhe mais saúde, tanto física como emocional. Dinheiro: Não se esqueça que não deve trabalhar isoladamente e por isso é fundamental criar um grupo, mas terá que tomar conta de tudo. Ano de árduo trabalho para poder receber bons proveitos. 1992 – Conseguirá ser promovido e ter mais dinheiro. Irá dominar na área da sua carreira. Festeje o seu aniversário para lhe trazer mais sorte. 1980 – Contará com inúmeros apoios e pessoas a ajudar, aparecendo muitas mais a gostar de si. Bom ano para provar novas coisas, aprender imenso e os conhecimentos assim adquiridos dão-lhe a possibilidade de se mostrar. 1968 – Vida social activa. A sua carreira deverá seguir numa base estável para ter grande progresso. Quanto mais duro trabalhar, mais rendimentos terá. 1956 – Um novo emprego aparecerá e seguirá numa nova direcção. Trabalhará arduamente e por isso, deve interromper trabalho com lazer para o excesso de trabalho não lhe retirar saúde. 1944 – Continua super activo, com uma mente clara. Terá um bom retorno monetário. Galo 78 pontos A sua energia da sorte vai ser menor do que a do ano anterior. A estrela Yi Ma (驿马), a trazer mudança, leva os nativos a estar sempre em viagem e fazerem a casa em muitos locais, ou a mudar de casa, ou de emprego. São mudanças sem fim e tão ocupado estará que, nem terá tempo para respirar. A estrela da sorte Di Jie (地解, Terra e abrir o cadeado) leva os problemas a ficarem solucionados. Devido às estrelas da sorte, Wen Chang (文昌, Deus dos Letrados) e Tian Chu (天厨, Cozinha do Céu), os nativos adorarão estudar e saborear boa comida, levando-os a aprender tudo o que está relacionado com cozinhar. Se os nativos gostarem de viajar, praticar desporto e estudar, sobretudo assuntos sobre gastronomia, terão um ano relaxante. As más estrelas Gu Chen (孤辰, estar sozinho), Di Sang (地丧) e Sang Men (丧门), representam perda de confiança no que vem e colocar-se em alta pressão, proveniente de si e não do exterior. Facilmente se fecha dentro si e cai em ondas emocionais de altos e baixos. Lembre-se, o Paraíso e o Inferno estão apenas no seu pensar. Carreira: Ano de mudança, logo necessita de gastar tempo a torná-las apropriadas para si. A sua carreira encontra-se numa situação desfavorável, por isso, deverá manter-se calmo, trabalhar arduamente sem se preocupar com os resultados, mas invista no estudo para encontrar novas soluções. O trabalho ocupa-o, mas não se esqueça de dar espaço a assuntos do coração. Amor: Devido à má estrela Gu Chen e Yi Ma, as relações encontram-se com grandes flutuações, significando que, se pode manter o que tem, não está mal, mas não procure ir mais longe. Os nativos devem entender existir sempre dois lados e por isso, não seja teimoso em só aceitar a sua posição. Há um dizer que este ano se coaduna com os nativos de Galo: se planear fazer crescer uma flor, ela não floresce, mas, ao atirá-la fora, a semente crescerá e tornar-se-á numa bonita flor. Saúde: Com um ano de trabalho árduo, trate de cuidar do que tem e não baixe a guarda sobre os pequenos problemas de saúde, para que estes não se transformem em casos sérios. Cuide igualmente da saúde da sua família. Ano emocionalmente forte, cuidado para não entrar em depressão e quando sentir estar nas cercanias, procure novos interesses para dela desviar a atenção. Dinheiro: Saúde é a sua riqueza. Num ano em que não se encontra bafejado pela sorte, coloque a sua vida relaxada e confortável; esse é o caminho. 1981 – Seguindo o caminho da carreira do ano transacto, continuará a avançar e a ter apoio. É o nativo com mais sorte do signo do Galo. 1957 – Não terá muitos problemas com a carreira, pois aparecem-lhe novos projectos para prosseguir. Estará em competição e terá um trabalho árduo. 1969 – No trabalho, precisa de tratar de tudo sozinho, o que o coloca sob grande pressão, mas entrará numa nova e importante etapa da vida. Muito cuidado com a saúde; talvez tenha de ser operado. Festeje o seu aniversário para conseguir boas energias. 1993 – Ano para criar bases. Deve manter-se calmo e falar pouco, ou melhor, mantenha-se em silêncio. Evite correr grandes riscos em desportos radicais. 1945 – Ano relaxante e confortável; irá desenvolver novos e interessantes projectos e conseguirá apoios. Cão 82 pontos Os nativos deste signo continuarão com a sorte a favorecê-los. A yang super estrela da sorte Tai Yang (太阳) coloca-o com muito boa energia, que deita fora a má sorte, significando tranquilidade e solução para todos os problemas. Já a auspiciosa super estrela Tian Xi (天喜, Virtude Celeste) traz-lhe um bom relacionamento com diferentes estratos sociais e coloca-o cheio de confiança no que está para vir. Grandes hipóteses de sucesso, tanto na carreira como no amor. A estrela da sorte Tai Ji Gui Ren, (太极贵人, alguém a ajudá-lo) permitirá estender com mais força as suas redes de amizade e isto dar-lhe-á uma boa plataforma para o futuro. Assim, para este ano, os nativos apenas precisam de abrir o coração e sentir o ano de sucesso. Terá grande orgulho de si mesmo. A má estrela Gu Chen (孤辰, estar sozinho) aparece e facilmente o leva a entrar em discussões, sobretudo entre os casais e os nativos masculinos devem ter cuidado com o seu temperamento impulsivo. Já a má estrela Tian Kong (天空, Vazio Céu) coloca a sua mente ocupada com incertezas e cheia de dúvidas e preocupações, levando-o facilmente a mudar de ideias. Já a má estrela Jie Sha (劫煞) representa acidentes e o aparecimento de problemas inesperados. Carreira: Ano cheio de brilho e não só com muitas ajudas, mas também com muitas pessoas a cooperar consigo. Mostre amor e caridade pelo próximo e o que conseguir dessas alianças deve oferecer de retorno. Assim fica fora de problemas e amacia os seus inimigos, que lhe ganham respeito. Amor: As boas estrelas Tai Yang e Tian Xi indicam haver grandes hipóteses de os solteiros encontrarem a pessoa certa e casarem, sendo os meses propícios para tal Junho e Dezembro. Os casais deverão fazer uma grande festa. Os nascidos em 1982, cheios de aventuras amorosas terão grandes problemas, precisando de aprender a dizer não. Saúde: Pleno de energia e muito activo, fora de portas jogue sempre pelo seguro. Quanto mais actividade, mais saúde terá e deve evitar ficar sozinho em casa, especialmente para quem nasceu no Outono e Inverno. Vá apanhar sol e goze a vida em convívio com os outros. Dinheiro: O que consegue ganhar não é só dinheiro, mas também estatuto e reputação. 1982 – De repente torna-se famoso/a e conseguirá uma posição de poder. Na carreira e dinheiro é o mais bafejado dentro dos nativos do signo de Cão. 1970 – Com uma boa rede de amizades, continuará o seu progresso e fama a evoluir para outro patamar; por isso continue no seu processo criativo. Este é um ano memorável para a sua vida. 1994 – Bom ano para se apresentar. Receberá dinheiro, tanto pela via normal como pela sorte. 1958 – A orientação para este ano é manter o que tem, pois estará sobre competição acérrima. Vá devagar e evite evoluções rápidas. 1946 – Activo e cheio de poder, cuidado para não ir além do que pode controlar. Terá bom desenvolvimento se seguir passo a passo e guarde tempo para relaxar.
José Navarro de Andrade h | Artes, Letras e IdeiasAterrar em segurança [dropcap]S[/dropcap]abes que se te virares a extensão do que ficou para trás já é suficientemente vasta para que o horizonte se desvaneça em brumas. Longe vão os alvores da aurora e por diante encadeia-te a direito o ocaso – quando levantará o mocho que voa ao crepúsculo? Mas é preferível não fazeres como a mulher de Lot, exemplo do que pode suceder a quem olha para trás. Mesmo de olhos fechados – sobretudo de olhos fechados – percebes que são mais os escombros, as lavras inacabadas, as casas abandonadas, os caminhos que derrocaram ou deram em impasses, do que o edificado capaz de subsistir um pouco para além de ti. Verás também que ao cabo de tanto som e de tanta fúria, e de tão pouca consequência que tiveram, é estreita e marcada de acasos a vereda por onde chegaste até aqui. Já sabias, contudo, que assim era, ninguém te iludiu ou prometeu outra paisagem, diferente desfecho. Bem avisado foste por tantos dos que te precederam e tiveram a generosidade de contar o que sentiam e verificaram em face daquilo que se lhes deparava – está tudo pintado, cantado, escrito ou filmado. Mas tal como a memória é um epifenómeno ou uma circunstância do esquecimento, porque se o cérebro não deslembrasse a vida seria impossível, de tão angustiosa e paralisada, também a sabedoria nunca há-de convencer mais do que a experiência e por esta é limitada. Não se sabe verdadeiramente quanto dói um choque eléctrico antes de se enfiar o dedo na ficha, por mais que a metafísica queira converter em “tristeza” e “felicidade” o que é sempre vivido como simples e pequenos desgostos ou alegrias. Chegaste, portanto, aqui prisioneiro das tuas próprias quimeras, sobretudo daquela que te fez crer ser a marcha sempre para diante, equivocado por todas as pontas soltas que faltam atar (nunca nada se atará), pelo encantamento do que de novo te instiga como alternativa à rota batida em que vinhas posto. E deliberadamente, como todos antes de ti, julgando-te tu tão sagaz, confiaste que não seria igual contigo, que a qualquer hora o recomeço é provável e está ao alcance da mão. Por outro lado é mesmo para trás que deves olhar. O teu domínio não está no que virá, mas no que foi, no que à tua volta se foi esquecendo e só tão poucos como tu recordam. Conversas mais com os mortos do que com os vivos, porque é nos mortos que descobres maior sabedoria e novidade. Nunca foi tão bom como agora – dizem e reconheces – nunca houve tanta escolha e diversidade, nunca tantos se empenharam tanto em tantas coisas. Todavia há um rumor surdo e persistente, a película superficial vai ganhando espessura, o ruído é cada vez mais sólido, a maré traz na frente mais espuma que demora mais a borbulhar sobre as coisas – serão os teus ouvidos ou será isto que declina? Finalmente percebes. Todos estes clarões que à tua volta deflagram, a imporem-se com a vaidade e a certeza das coisas descobertas, como se fossem causas e tivessem futuro, não passam de meras consequências, fogachos ténues do que no passado já houvera sido imaginado. Não os incomodes nem desiludas; se lograrem atingir o revolto cabo que ora dobras, logo saberão ser normal contarem-se menos os triunfos do que os desaires, e que a repetição prevalece sobre a diferença. Ao fundo, no fundo, o tédio. Não incomodes, não te atravesses, tenta não seres grotesco. Doravante seguirás na esteira do carro da sorte, visto que já recolhido foi o espólio da tenacidade e do merecimento que eventualmente houve e nada mais tens a receber. Aperta o cinto de segurança, em breve acender-se-á a luz de aviso e uma voz te informará do tempo e da temperatura lá em baixo. Boa aterragem.
Valério Romão h | Artes, Letras e IdeiasDeixem-me vos levar pelas mãos até ao sítio das perguntas [dropcap]T[/dropcap]omo Venlafaxina LP 150mg há cerca de 20 anos. À altura, antes dos genéricos, o nome comercial era Effexor XR e uma embalagem de 30 comprimidos custava mais ou menos 50 euros. Uma pequena fortuna mensal, sobretudo para um estudante cronicamente desprovido de cheta. Antes da Venlafaxina tomei outros medicamentos antidepressivos – moléculas mais rudimentares – e até um pertencente à famigerada classe dos inibidores da monoamina oxidase, ou IMAO, responsáveis por tantos efeitos secundários e interacções medicamentosas e alimentares que tomá-los comportava um risco quase tão elevado como não o fazer, sobretudo nos primeiros dias. Não tendo nunca feito alarido do meu regime químico, nunca fiz questão de o esconder. Não tenho vergonha de depender de comprimidos para ter uma vida minimamente normal. Às vezes algumas pessoas que se tornam mais próximas perguntam-me: “já experimentaste parar de tomar?”, ao que eu respondo afirmativamente. “E o que é que acontece?” Acontece a merda inominável de cada posição do plano existencial valer exactamente o mesmo que qualquer outra. É uma coisa pela qual a maior parte da população nunca passou, felizmente. No reverso dessa bênção reside a desfortuna de sermos portadores de uma experiência incomunicável, mediante a qual os outros nos olham com o desdém de nos acharem, no mínimo, frágeis e, no limite, mimados. Como vos fazer perceber a todos que uma depressão não é (apenas) uma tristeza tão profunda como a fossa das Marianas mas também (e sobretudo) um estado no qual todas as possibilidades dispostas no xadrez da existência têm valor residual e equivalente? Comer é igual ao litro. Sair à noite é igual ao litro. Trabalhar é igual ao litro. Amar é igual ao litro. A escolha entre infinitos zeros é ilógica. E perdemos a capacidade de escolher, de facto – fazemos quase tudo por obrigação – mas não perdemos a lucidez de nos vermos a nós próprios acantonados num deserto de sombras. Acresce a este inferno o peso de verificar que para os outros, nada mudou. E isto consigo exemplificar-vos. É o que acontece num luto: o mundo, que devia parar em solidariedade para com o enlutado, continua como se nada fosse. Talvez o luto seja a melhor imagem de que disponho para conceber o que pode ser uma depressão, embora no luto exista o conforto – que não é de somenos – de existir um motivo para o baixio sem fim. E a depressão é só uma pequena fatia do bolo da saúde mental. Temos ainda todas as esquizofrenias, todos os distúrbios obsessivo-compulsivos, todos os desvios da personalidade, os distúrbios alimentares, as manias, o autismo e o seu guarda-chuva generoso de manifestações, as deficiências cognitivas e o resto do DSM-V que me baldo de sintetizar. São muitas pessoas, demasiadas pessoas que, além de se encontrarem numa situação de carência e desfavorecimento, ainda têm de se justificar perante os outros como se os seus comportamentos fossem resultado de caprichos evitáveis e como se os medicamentos acabassem por ser uma espécie de placebos para a criança impossível de que escolheram não se ver livres. A maior parte de nós, doentes mentais, deixaria agora mesmo de tomar os antidepressivos, os antipsicóticos, os ansiolíticos e tudo mais. Não somente porque significaria que melhoráramos como assim evitaríamos os efeitos secundários que decorrem da sua toma continuada e os efeitos sobre os quais não temos ainda dados de longo prazo. Deixem de perguntar às pessoas que conhecem se já experimentaram deixar a medicação. Deixem de lhes aconselhar desporto, meditação, passeios a pé, mascotes e sexo (de preferência não em conjunto). Já demos com os burrinhos nessas águas todas e se acabámos num consultório ou numa urgência não foi – a maior parte das vezes – por não termos imaginação suficiente para contemplar a panóplia de banalidades que se oferece como escolha ao deprimido quando o problema da depressão é, ele mesmo, um problema de escolha. Querem ajudar um doente mental? Não sejam paternalistas. Não sejam – infundadamente – assertivos. Mesmo que acabem por perceber que o auxílio é um processo complicado e longo do qual não querem tomar parte – e isso não tem mal nenhum, a vida é só uma e o seu tempo é contado –, pelo menos despem-se do preconceito sobre o qual radicam todas as asneiras que vos ouvimos dizer.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasCinestesias III [dropcap]A[/dropcap]travessamos a rua, com cuidado. Olhamos para a esquerda e depois para a direita. De facto, estamos a pensar noutra completamente diferente. Sim: apressamos o passo. Movemos a cabeça no tempo certo. Chegamos ao outro lado do passeio. Mas estávamos fora do plano da realidade ou da percepção da realidade. Não por completo. É evidente. De outro modo, não conseguiríamos controlar o corpo para atravessar a rua em segurança. Por outro lado, o descuido, a distracção, leva ao acidente. A distração da realidade pode significar uma concentração num conteúdo de pensamento: uma reflexão, uma memória, uma antecipação, uma fantasia, seja lá o que for. Mas podemos também estar absortos, como dizemos. Ha realidade cria uma pressão sobre nós, uma pressão de cuidado ou de preocupação com o perigo, com o que pode acontecer. Se estiver completamente apagada, estamos à solta num mundo de pensamentos, habitualmente, um mundo interior, mas no qual nos encontramos tão espalhados e dispersos como no mundo da realidade. O mundo da realidade enquanto um mundo de preocupação, cuidado, medo, necessidade de segurança e também de segurança, preocupação resolvida, etc., etc., é um mundo tão interior como os outros mundos. Transitamos com maior ou menor dificuldade entre um mundo aparentemente não coincidente com o da realidade perceptiva e um mundo que antecipa uma preocupação ou um conteúdo cheio de esperança, entre o mundo do passado e o mundo do futuro, entre realidades e fantasias ou imaginações. A alteração entre um mundo virtual, só da “minha” cabeça e um mundo partilhado por outros implica várias interpretações. Também o mundo aparentemente só nosso é um mundo partilhado por outros que aparecem nas cenas do passado, do presente imaginado, do futuro do desespero ou da esperança. São verdadeiros actores e agentes de emoções por direito próprio. Não invento um guião no meu interesse. Não consigo. Os outros lá, são os que inspiram cuidado, aqueles de quem nos ocupamos, com quem nos preocupamos, de quem temos medo ou com quem fazemos experiência da esperança. O próprio mundo da realidade pode ter a realidade pessoal dos outros controlada, se assim se pode dizer: é o que sempre pensamos deles e do modo como se nos inculcam nas nossas vidas, como aí estão. Mas a transição entre o mundo da realidade e o mundo da interioridade dá-se no exterior, na relação extática em que nós nos encontramos tanto no mundo de uma “matrix” que produz cenas irreais mas preocupantes, que não sabemos se acontecem, aconteceram ou acontecerão, mas que irradiam uma eficácia e uma actualidade que não conseguimos despedir. Do mesmo modo a realidade pode estar fechada, mesmo em situações de perigo, como quando atravessamos a rua, guiamos um automóvel com trânsito na cidade ou a alta velocidade na auto-estrada. O mesmo acontece quando na prática de desporto, na dança por lazer, em qualquer actividade motora e somática, nós vemos a realidade no interior de um espaço estrutural onde as coisas acontecem. O ringue, o campo, a pista, o “green”, a piscina, todos os espaços são vistos estruturalmente, habitados pela relação específica, com interrogações e respostas que são dadas, por uma solicitação do próprio desporto: a braçada, o passo de dança, a tacada, a raquetada, o directo, etc., etc.. Nas mais diversas actividades em que nos encontramos podemos estar em atitudes somáticas completamente diferentes. Podemos correr e imaginar-nos na praia em Agosto a apanhar sol. Podemos estar estendidos na praia a apanhar sol e a imaginar um voo de parapente. Podemos estar no verão e imaginar que estamos a refrescar-nos no inverno. Podemos estar no outono e sonhar com a primavera. De dia, antecipamos a noite e de noite, o dia. Achamos que o que vai acontecer é A da maneira “a” e o que acontece é B à maneira de b. Em todas estas circunstâncias sentimos o gosto da vida na nossa imaginação: sentimos a doçura e amargura, o amparo e a desolação, a companhia e o isolamento. Todos os sentimentos da nossa vida são o resultado de cenas que nos situam nos mais diversos contextos em mundos que transitam da percepção para a fantasia, da antecipação para a lembrança. A percepção da realidade só aparentemente não tem um sentimento, porque a sua média, o habitual em que habitamos, nos habituou a uma mesma vibração, nada parece acontecer. É dessa média que acontece o que não esperávamos que fosse acontecer, que o apaga ou intensifica, que trás expectativas preenchidas ou ultrapassadas. A transacção da realidade para cenas imaginadas produz mundos diferentes, mundos que são paralelos uns aos outros, são criados sucessivamente ou coexistem entre si. E o nosso corpo altera-se completamente consoante nascem formas de vida diferentes irrompendo por mundos também eles diferentes. Nós somos essa variedade complexa de mundos e formas de vida. Mas todos estes mundos e formas de vida, toda a nossa imaginação e fantasia que quer apagar possibilidades más e fazer nascer possibilidades boas, tudo é uma propriocepção, uma apercepção do próprio que conecta mundos e vidas numa única vida, com uma duração que permite a transitoriedade de mundos entre si e de fantasias para realidades e de realidades para fantasias. Nós somos este “a ser aberto” de onde saem formas de vida umas fora das outras e onde entram formas de vida para dentro umas das outras, onde coexistem mundos irreconciliáveis e contraditórios, e eus tão diversos que formam a compreensão de todas as formas de vidas possíveis e biografias e decisões. Haverá um sentido para toda esta diversidade que permita a conexão numa única pessoa onde extacticamente eu sou o meu eu pré-natal, infantil, jovem, adulto, velho, ulterior? Haverá um sentido que nos ligue a cada um de nós a todas as outras pessoas que existem aí connosco?
Gisela Casimiro Estendais h | Artes, Letras e IdeiasUma gota de glitter (continuação) [dropcap]C[/dropcap]arey tem sentido de humor e como tal teve gémeos, tem um alter ego, dois álbuns a lutar pelo primeiro lugar e será das artistas com maior número de colaborações de sempre, o que demonstra a sua generosidade e adaptabilidade não apenas social mas também musical. De Luther Vandross a Boyz II Men, de Skrillex a Slick Rick (a quem todo e qualquer rapper terá ido buscar alguma coisa) e Ty Dollar Sign (no mais recente e delicioso álbum, Caution) a Pharrell Williams, Sean “Puffy” Combs, Jermaine Dupri e Mobb Deep nos primórdios da sua carreira, sem esquecer a mítica e disruptiva colaboração com Ol’ Dirty Bastard, Mariah fez e cantou de tudo e com todos, destacando sempre o seu amor por Wu Tang Clan e o quanto aprendeu com Bone Thugs-n-Harmony. Anitta, a actual mandante do funk brasileiro, inspirou-se no look de Carey que agracia a capa de Rainbow para sua fantasia do Carnaval que aí vem, à guisa do que Beyoncé tem feito com as suas homenagens a Lil’ Kim ou Toni Braxton no Instagram. Beyoncé, que será talvez a única das cantoras actuais que Carey menciona em entrevistas, afirma, “Diva is a female version of a hustler”. Quando lhe perguntaram sobre Jennifer Lopez, Carey respondeu “I don’t know her”, o que ao longo do tempo se tornou uma piada e até merchandising, tomando agora a forma de “I still don’t know her”, cortesia de antigas disputas causadas por supostos roubos de ideias para canções da Columbia Records já depois da saída de Carey, e para beneficiar Lopez. A eterna rainha do Natal, talvez tudo o que Carey queira este ano seja esse reconhecimento como autora/escritora. Cantora de origens mistas, filha de um casal em que o pai era negro com raízes venezuelanas e a mãe branca, com origens irlandesas, Mariah (a terceira filha de um casamento mal visto pela sociedade da altura, cujo preconceito criaria tensões que levariam ao divórcio) nunca se considerou branca, embora tenha lidado, nem sempre bem, com essa one drop de sangue negro, e embora tivesse lutado para aceitar-se e ser aceite, quando a sua aparência branca com voz negra foi usada para mass appeal. Quando se libertou finalmente, a borboleta de Nova Iorque pôde mostrar as suas influências, que iam desde Jimmy Hendrix a Def Leppard ou à sua mãe, cantora de ópera. O que é um ídolo? Pode Mariah, a cantora que mais me ensinou sobre gangster music, que chegou a alguns número um primeiro nos tops de R&B, antes das demais tabelas, ser definida como um ídolo pop, quando tem canções para todos os sentimentos e situações possíveis, abrangendo uma miríade de géneros? Definitivamente, não. Receamos sempre o dia em que os nossos ídolos vão deixar-nos. Tal como outros, também chorei Cohen, Bowie, Prince. Mas quando desapareceram Jackson e Houston, foi pela obsessivamente perfeccionista Carey que temi. Se estivermos vivos tempo suficiente, tudo pode, eventualmente, acontecer-nos. Carey não falhou as polémicas do playback, dos colapsos nervosos em público, dos casamentos falhados, dos dramas familiares, das cirurgias e flutuações de peso, dos excessos que um sucesso fora de série parece sempre acarretar, numa proporção assustadora de tão directa. Mas também não falhou a redenção que We belong together ou seu aclamado papel em Precious ou lhe trouxeram. A par de Britney, com a devida salvaguarda do que as diferencia, mas que continua a ter fãs eternos e também passou por um escrutínio que quebraria o mais forte de nós, Mariah será talvez um dos poucos casos de real morte e ressurreição nesta indústria que esquece, permite e perdoa tão mais e mais rapidamente a homens, geralmente com agravantes bem mais negros do que os que estas duas figuras alguma vez poderão ter (veja-se Chris Brown ou R. Kelly e os recentes comportamentos preocupantes de Drake em relação a menores). Falando em comparações, recordemos o que disse a saudosa Houston (com quem poderíamos fazer um paralelismo com Amy Winehouse ou Lady Gaga): “Mariah is Mariah”, e talvez isso seja a única e a melhor coisa que alguém pode esperar de si mesmo e dos outros. Haverá luta mais dura, importante e recompensadora do que a de nos conhecermos e superarmos? Talvez a humanidade e a imperfeição sejam, a par do carisma e da centelha divina das suas vozes, o que faz um ícone. Como diz o ditado, it takes one to know one e, se Houston é The Voice, Carey é The most. Agora, se me dão licença, vou voltar a João Barrento, um outro tipo de ícone, pois ainda tenho muito que aprender.
Luís Carmelo h | Artes, Letras e IdeiasA ilusão e as asas da perdiz [dropcap]A[/dropcap] brincadeira de excelência da minha gata tem o nome dos predadores: coloca as patas da frente em posição de recolher a presa e depois marca os dentes. Não magoa nada, mas passa o tempo nesta ribaldaria. Ela sabe quem é (e ao que vem) e raramente se ilude, mesmo quando anda atrás de um lápis e o coloca em imparável movimento sobre o soalho. Nós, humanos, somos diferentes. Gostamos mais daquilo que não somos e andamos uma vida inteira a tentar perceber quem somos. O desejo profundo de nos iludirmos, o afinco pelo ‘trompe l’oeil’, a entrega àquilo que não somos ficam-se sobretudo a dever ao facto de conhecermos a nossa condição de mortais, facto que inexoravelmente escapa à minha gatinha. Da ilusão provém quase tudo o que carregamos no nosso marsúpio existencial: deus, cinema, net, televisão, futebol, literatura, games, fantasias, meta-ocorrências e, às vezes, até as amizades. Estas astúcias que adoram misturar ‘aquilo que é’ com ‘aquilo que não é’ fazem os embriões mais profundos da nossa espécie rejubilar. Nascemos convencidos de que uma árvore pode ser uma ideia e de que o bater de asas de uma perdiz pode ser um sinal. Curiosamente, no mundo pré-moderno, as sociedades viam-se ao espelho através de uma única imagem. As palavras de ordem convergiam e o altar das nações providenciava deveres estritos e claros. A ilusão gravava o rosto do imperador, a crucificação de cristo ou uma imagem da “História” muito bem cimentada e o sentido das coisas ficava assim inscrito. Todos nós provimos deste tipo de mundos. As genealogias ficam registadas na pele. Em criança foi nestas atmosferas que vivi e não foi assim há tanto tempo. Por lá habitava quase tudo o que hoje condenamos e consideramos desprezível, enquanto comunidade. Nas sociedades abertas da actualidade não há mais espaço para diagnósticos únicos. A visão que uma sociedade tem de si baseia-se em inúmeras imagens não sobreponíveis, por vezes incongruentes, e não numa uniformidade ideal. O que resultará desta liberdade é fabuloso, mas o que decorre da imprecisão remete, por vezes, para o teor da fábula (entendendo-se por fábula uma história possível que apenas existe na minha cabeça em estado volátil, contrapondo-se à ideia de uma narrativa bem definida que poderíamos designar por enredo). Nesta transição de mundos, a idealidade foi perdendo espaço, mas o mundo da fábula e da errância ganhou terreno (os meus alunos, em fim de licenciatura bolonhesa, mal sabem distinguir a primeira da segunda grande guerra mundial). Em alternativa, também se poderá dizer que a idealidade foi adquirindo novas formas, transpondo-se da imagem única que antes era dada a partir do vértice (damos como exemplo a exposição do mundo português de 1940) para uma espécie de ziguezague, ou de zapping, que tenta preencher os muitos vazios deixados pelo caminho. É por isso que, nas últimas três décadas, surgiram formas de agir totalmente novas que passaram a integrar o mundo quase como uma norma (ou seja; surgiram e trouxeram consigo uma adenda de ‘dever ser’): o mundo dos ginásios, os corpos perfeitos, as utopias ecologistas, os hábitos alimentares, o culto do património, as correcções do género e dos costumes, a perdição da instantaneidade, o mito da interacção, o consumo pelo consumo, os caprichos do chamado “tempo real”, etc., etc. Neste volte-face em que se perderam referências (os media passaram a reduzir as escalas de tempo à medida dos acontecimentos frugais) e formas de dever rigorosas, ganhou-se em pluralidade e em individualidade, mas nem sempre em subjectividade, pois a formatação e o fluxo permaneceram enquanto medida. Se lermos os romances que integram a Tetralogia Lusitana de Almeida Faria, escritos entre o início dos anos sessenta e o início dos anos oitenta (Paixão, Cortes, Lusitânia e Cavaleiro Andante), percebemos como os grandes acontecimentos nunca saíam de cena (eram realmente referências), apesar de serem sempre desafiados pelos pequenos acontecimentos do dia-a-dia. Esta tensão, no nosso tempo, quase se eclipsou, apesar de o acesso (aparente) aos acontecimentos que escapam à nossa experiência pessoal ter aumentado imenso no último século. Em contrapartida, a natureza dos acontecimentos pouco variou em proporção. Ainda que, felizmente, as nossas sociedades tenham desistido de caminhar no sentido de um clímax ou de um ponto ómega da “História”, o desejo profundo de nos iludirmos terá praticamente atingido o seu auge. A nossa condição de mortais, a tal condição que escapará à minha gatinha, parece hoje viver apenas na net e na televisão, lá onde têm lugar as guerras, seja noutras áreas reais do planeta real, seja sobretudo nas séries ficcionais mais aplaudidas. Como se tudo fosse feito da mesma massa. A felicidade é, muitas vezes, uma ilusão generosa que é vivida até aos limites sem que estes se dêem claramente a ver. Antes isso, pois a felicidade absoluta, tal como os gatos com asas de perdiz, é coisa que não existe. Nem nunca existirá.
António Cabrita Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasA inocência e a plenitude 27/01/2019 [dropcap]U[/dropcap]ma rede de olhares mantém unido o mundo, não o deixa cair. As palavras são forcas onde aos poucos penduro a razão. Pago em goles de sangue pela respiração. Temos sede, pressa e golpeamos com o osso de uma flor na treva. O cervo vai a beber e na água aparece o reflexo de um tigre: o cervo bebe a água e a imagem e torna-se igual ao seu inimigo; só damos vida ao que odiamos. Todos os que têm pontos de referência no espírito, quero dizer de certo lado da cabeça, em zonas bem delimitadas do cérebro, todos os que dominam a sua linguagem, todos aqueles para quem as palavras têm sentido, quantos crêem que existem alturas na alma e correntes no pensamento, os que são o espírito da época e assim designaram essas correntes de pensamento, penso nos seus trabalhos precisos e nesses guinchos de autómato que a todos os ventos empresta o seu espírito – são uns porcos. Esta rede de versos e estrofes de diversos poetas que traduzi e que montei acima é a minha rede de caboclo que não deixa cair o meu mundo. Durante dois ou três anos traduzi dezenas de poetas e várias línguas, só para não me exasperar e recuperar o humor nas flutuações da minha vida em Maputo: os poemas funcionam como respiradores. Um terço deles, num volume de quase duzentas páginas, onde antologio vários dos meus poetas hispânicos, vai conhecer edição, pela Letra Livre, que agora me propôs isso. Foi um bom convite. Aqui deixo dois poemas transcriados por mim e de que gosto muito. O primeiro é de José Ángel Valente: ÚLTIMA REPRESENTAÇÃO A parlar d’ira, a ragionar di morte. Rime:CCCXXXII Os deuses/ desta Primavera/ não me foram propícios/ e cautelosamente os execro, mãe/ incógnita, blasfémia, fonte do rogo.// Dispuseram os seus praticáveis negros/ sobre o tablado./ Começa o espectáculo,/ mas só um final se representa. // Ao centro da cena, um homem/ ou a figura de um homem/ de macilentos zigomas ostenta/ uma pesada cornadura./ Por cada um dos cornos/ faz beber sujos detritos líquidos/ à sua exânime estirpe.// Excremental o homem./ Nada / com ele nem nele podia/ crescer, multiplicar-se./ Nem sequer o pranto./ Povoai a terra./ Oh deuses,/ desatino sem fim, sem fundo, o deste sonho. // Fita as lamparinas, deslumbrada,/ a mulher nua que alumia/ com uns límpidos e ofuscados olhos o nada. // Começa a cair o pano./ A sombra/ ameaça cair outra vez sobre a sombra. // Só eu aplaudo, na sala apinhada/ de espectadores mortos. O segundo é de um tremendo poeta flamengo, Hugo Claus: Sexta, 14 de Novembro, aniversário de Dante,/ laureava no meu jardim, o crepúsculo estava clemente,/ e cismava em Dante. /Sou assim feito, penso em Dante sem parar./ Tenho qualquer coisa dele, acho. Em moderado.// Então chegaram os dogues voadores numa nuvem de enxofre/ penas e ganidos, mesmo aos meus pés. /Vazados, como num fragmento de Canto, / essa corja abateu-se sobre o meu relvado / e pôs-se a esgaravatar e a gralhar num chavascal / odioso, um verdadeiro pesadelo,/ as penas espalhavam-se ao quintal dos vizinhos/ entre os seus moinhos miniatura e os seus gnomos./ Depois, de repente, eclipsaram-se. Uma verdadeira visão de Dante.// Escutem, eles deviam evidentemente ter-se contido./ Acreditem-me, uma fúria daquelas,/ aquela crepitação de garras e asas, mais a berraria / e o pivete que se entranhou por semanas no vestuário,/ não, como erudito, aquilo agradou-me pouco.// Sobretudo, e é disso que se trata, que o meu móbil / tenha passado por um momento tão indigno, que digo eu,/ eles chamaram-lhe um figo – tragaram-no.// Tinha-o construído eu mesmo, à Calder, airosa e / ingenuamente suspenso em cores primárias,/ um triângulo, um círculo e um quadrado: eis tudo,/ que era também, por acaso, o tudo/ a que eu chamava o meu “Universo”, /pois não simboliza o triângulo o corpo/ físico, oral e mental, / e não é o quadrado a água o ar e o fogo e a terra, / e não é o círculo, digo bem, o círculo, unicamente / a realidade terminal? / Aos três elementos, ligados por um esvoaçante fio de ferro,/ tinha-os pintado de rosa, a dar para o salmão, /com o seu quê de elegante.// Como eu disse aos polícias: «Essa bicheza / comezinha e irresponsável não apenas demoliu / e se empanturrou com uma obra onde eu in-ves-ti / anos de trabalho manual, mas também com a projecção da minha alma e da minha ética./ E quem, meus Senhores, me poderá alguma vez indemnizar?»// «Caro Senhor», disseram os polícias, «o infinito / contém em si múltiplos elementos informes».// Eles anotaram a minha queixa. Queixa /contra uma grandeza desconhecida /de digestão infinita. / Odeio a minha mulher e os meus rebentos./ Dante é a minha única consolação. 28/01/2019 Escreveu Paul Auster: «Aquilo que admiro em Perec é a rara combinação, na sua obra, de inocência e de plenitude. É raro encontrar estas duas qualidades juntas num mesmo autor. Cervantes possuía-as, Swift e Poe também; e há vislumbres delas em Dickens e Kafka. Por inocência entendo uma pureza de intenção absoluta. A plenitude traduzo-a por uma fé absoluta na imaginação. É uma literatura caracterizada pela efervescência, um riso demoníaco, a alegria. Não é a única experiência que podemos obter com os livros, mas é a experiência fundamental, aquela que rende possível todas as outras», e eis, aliás, o que eu gosto nos dois. E é o sentimento de termos logrado esta feliz combinação que pode tornar jubilosa a conclusão de um romance. Foi o que me aconteceu agora com A Porta Entornada, o romance que dei por terminado, onde pela segunda vez julgo ter conseguido criar um mundo autónomo, com personagens à altura dessa dimensão “marciana”. Estou um pouco arrombado, mas feliz.
Nuno Miguel Guedes Divina Comédia h | Artes, Letras e IdeiasA amizade que se perde [dropcap]E[/dropcap]ra um daqueles dias que Lisboa costuma oferecer em Janeiro: um sol de Inverno esplêndido, um azul límpido e com um gume doce que contraria qualquer assomo de tristeza. Estava sentado na esplanada do café do costume com um velho amigo, observando em silêncio quem passa. A amizade antiga tem esta coisa maravilhosa: não se inquieta com o silêncio do outro; compreende-o e partilha-o sem questões ou ansiedades. E assim nos mantínhamos, resistindo ao frio que se fazia sentir até a menina Marina – a sábia do bairro – disparar de forma inatacável: «Está frio». Pois estava, concordámos nós de forma estremunhada, o silêncio quebrado. Mas o meu amigo pareceu aproveitar a boleia das palavras da menina Marina e sem aviso perguntou-me: – Conheces alguma canção sobre a perda de um amigo? – Sobre a morte de um amigo?, indaguei surpreendido. – Não. Sobre o fim da amizade. Sobre a morte de um amigo mas em vida, amigos que deixam de o ser, que se zangam. Conheces? Aqui tenho de fazer uma pausa para explicar o porquê do enunciado da pergunta. Gosto e conheço muitas canções devido a, entre outras coisas, ter o inócuo defeito de ver a vida também como um musical – cada emoção, cada situação que enfrento é passível de ter banda sonora apropriada. Esta convicção já me levou a ter de suportar olhares reprovadores em lugares públicos quando começo a trautear baixinho, sobretudo em repartições de Finanças. Enfim, mais uma vez divago. Adiante. De forma apressada respondi com duas canções, uma mais conhecida do que outra: o auto-explicativo We Used To Be Friends, dos Dandy Warhol; e o famoso canto de separação de Lennon e McCartney, Two Of Us. Em ambos os casos são expressões dolorosas, a primeira mediana e a outra genial – mas ambas com um fundo negro de dor por sarar. E foi só depois de exibir mais uma vez o breviário de conhecimentos inúteis que me habita que percebi: o meu amigo estava a sofrer. Tinha perdido uma amizade que julgava – como tantas vezes julgamos – ser para a vida. Uma zanga por motivos que para aqui não interessam deitou fora um património acumulado de anos, que nada nem ninguém podem substituir. Sei do que escrevo, sei como o olhei porque me reconheci: a perda de uma amizade – essa flor de cristal que exige uma terna vigilância – pode ser e muitas vezes é mais sentida do que qualquer amor. Já me aconteceu, infelizmente, e mesmo enquanto escrevo esta crónica tenho de enfrentar demónios que julgava desfeitos. A perda de uma amizade não é fácil justamente pela raridade que é tê-la e mantê-la. Muitas vezes dói mais do que a separação amorosa. Num texto magnífico, escrito no século XVII , D. Francisco de Portugal explica a diferença entre amizade e amor: «O amigo pretende para o que sempre ama, e o amante para o que pode deixar de amar. Um cuida de si, outro descuida-se de si». E deixa esta verdade bela como a neve: « (…) a amizade é uma afeição reverente, ou um amor envergonhado, que tem mais de prazer do que desejo.». Isto, quando se vai em vida, é insubstituível. Para os amigos que partem deste mundo teremos sempre a saudade e o fraco consolo de termos sido vítimas de uma lei que um dia também nos irá condenar. Mas a amizade que se perde por afastamento intencional não dói pela distância: magoa pela proximidade, pela impossibilidade de chegarmos ao que já esteve em nós e está agora tão perto. E fica sempre um grão de culpa – improvável, rasteira, insidiosa culpa. O dia pareceu ficar mais frio. Ouvi os lamentos do meu amigo sem saber o que responder pela simples razão de que nenhuma resposta iria servir. Ao despedirmo-nos, abraçámo-nos sem uma palavra embora ao mesmo tempo estivéssemos a dizer “não me deixes, que a vida já é o que é”. Sim, deveria haver mais canções sobre isto.
João Paulo Cotrim h | Artes, Letras e IdeiasDe Gritos Horta Seca, Lisboa, 20 Janeiro [dropcap]C[/dropcap]hegou há dias, mas só agora consigo lamber a cria: «Desenhos em Volta de Os Passos de Herberto Helder», que reúne os desenhos da Mariana [Viana] feitos a partir do célebre livro «em contramão», na feliz expressão da posfaciadora, Diana Pimentel (capa algures na página). Neste volume, o primeiro em parceria com a Imprensa Nacional, incluímos ainda frases soltas, deliciosamente manuscritas pelo Luís [Manuel Gaspar], e carta de HH acerca do trabalho, com que se maravilhou, e na qual confessa o desagrado com «Os Passos em Volta», afinal, com a sua obra, «que, se me ponho a perscrutar, me vai cada vez menos satisfazendo.» Alguns dos bichos da Mariana esticam os pescoços à maneira retrátil dos velhos telescópios. Ora este seu livro resulta do mesmo expediente, estica para surrealizantes imagens o texto incandescente de HH. Apesar dos espelhos aqui e ali, não procura tanto reflectir o texto, mas interpretá-lo. À maneira de uma encenação, que inclui cenários, falas, gestos e luz. Levou ao limite a animalidade que os contos – ou capítulos de romance, segundo alguns – contêm e escolheu o corpo como matéria. O cão virou marinheiro, mas não se deixou ficar na mera antropomorfização. A genética visual permite as mais díspares combinações e o geneticista enlouqueceu. A copa da árvore pode agitar cabeças de cão, com elegância. Mas os passos da aranha perturbam na sua semelhante com um bebé. De um mamífero pode sair simplesmente um peixe, mas logo dar-se uma obscura transmutação em ser do indizível. Corpos cruzam corpos, mergulham uns nos outros, voam como se se atravessassem, abolindo as matérias, as diferenças entre carne e céu, entre água e exosqueleto, entre ramos e pele. As cenas, apesar de soltas, estão prenhes de energia, movimento e som. Impossível ser assim no silêncio. Nem nos sonhos. Ecoa a frase, que naquela grafia de minúcias parece agora locomover-se: «Serei um colecionador de gritos?» Instituto Camões, Lisboa, 21 Janeiro Chego atrasado à sessão dobrada em C, de Camões e Cervantes, mas ainda a tempo de ouvir o Luis [García Montero], director do Instituto Cervantes, primeiro, e logo depois o Helder [Macedo] fazerem o elogio do mau comportamento. Mais: reclamando a sua urgência. As figuras maiores de ambas as culturas foram brigões, sofreram no corpo os combates, enfrentaram as leis, civil e religiosa, experimentaram a prisão, viveram aventurosamente, conheceram a miséria. Opinaram e escreveram, se não contra, apesar da maioria e do seu tempo. Camões anunciou o direito à felicidade na terra. Para desenhar o humano, Cervantes fez da escrita o que lhe deu na gana. A assembleia nem pestanejou, as afirmações não fizeram risco na solenidade. O pretexto eram dois volumes, «Cervantes Y Portugal – Historia, Arte y Literatura», sob organização de Aurelio Vargas Díaz-Toledo, José Manuel Lucia Megías (Ed. Estratégias Criativas), compilando as actas de colóquio de 2016, e «Camões e Cervantes – Contrastes e Convergências» (ed. Institutos Cervantes e Camões), com dois ensaios de Helder Macedo e Carlos Alvar. Do lado castelhano, Alvar recolhe os indícios da relação de Cervantes com Lisboa, sobretudo a partir do seu póstumo «Os Trabalhos de Persiles e Sigismunda. História Setentrional», relato de uma peregrinação, que começa em mortífera ilha, no Círculo Ártico, e se insere em tradição peculiar e com ecos em certo trabalho que estamos prestes a editar, por coincidência. Não se alonga, Cervantes, mas basta para apresentar os portugueses como grandes na escrita de epitáfios e na morte por amor. Sobra ainda extraordinário pintor capaz de em um dia compor tela… épica. Faz-se hábito, o brilhantismo do Helder nas sínteses, somando como poucos a erudição e o pensamento desafiante. Volta a acontecer neste «Luís de Camões: os opostos complementares», que acaba perguntando se a ilha bárbara de Cervantes, nesta novela póstuma, não será «o reverso infernal da iniciática “ilha angélica, pintada” n’ Os Lusíadas». Mas a correspondência conceptual entre Os Lusíadas e Don Quixote encontra-a, está bem de ver, na utopia. «A épica – ou anti-épica – camoniana remete para o seu oposto arcádico numa idealizada Idade de Ouro recuperável num imaginado futuro. A anti-épica – ou épica – cervantina deriva de uma idealizada ética cavaleiresca que recuperasse valores equivalentes aos arcádicos num presente imaginado.» Apesar destas leituras refrescantes, até em ambiente institucional, cada 10 de Junho parece afastar-nos mais da Ilha dos Amores. Mymosa, Lisboa, 22 Janeiro Algumas desatenções podem resultar em explosiva surpresa. Trazendo o assunto Antero para a mesa dos projectos, imaginado futuro que nos dai hoje, sou apresentado pela Manuela [Rêgo] ao Andrea Ragusa. Não tinha dado pelo lançamento destes «Pensamentos», do Giacomo Leopardi (ed. Edições do Saguão), e inopinadamente recebo-os da mão do tradutor (com Ana Cláudia Santos). Folheio-o e logo ressalta que «o mundo é uma liga de malandros contra os homens de bem, e de vis contra os generosos». Apoiados nestas reflexões curtas, entramos, qual caminhantes, em plena natureza humana. Descrição de costumes, observação aguda, digestão da experiência, reflexão livre, eis perfume do que se encontra nestas páginas bilingues e tratadas que nem jardim barroco. Contrariando alguma filosofia, tropeçamos no tédio, apresentado como «o mais sublime dos sentimentos humanos», já que «o não poder contentar-se com nenhuma coisa terrena, nem, por assim dizer, a terra inteira; considerar a amplidão inestimável do espaço, o número e a mole maravilhosa dos mundos, e achar que tudo é pouco e pequeno para a capacidade do próprio espírito […] – parece-me a mim o maior sinal de grandeza e de nobreza que se possa ver na natureza humana.» Chega o Carlos [Morais José] e evoca, de imediato, a cena do «Amarcord» onde a comparação de Leopardi com Dante se faz frase de engate. Valha-nos S. Fellini, padroeiro das grandes verdades! E depois encontram-se pérolas de auto-ajuda (editorial). «Diz la Bruyére uma grande verdade: que é mais fácil um livro medíocre ganhar fama em virtude de uma reputação já adquirida pelo autor, do que um autor ganhar reputação por meio de um livro excelente. A isto pode acrescentar-se que talvez a via mais directa para adquirir fama é afirmar com segurança e pertinácia, e de todas as maneiras possíveis, tê-la adquirido.”
Carlos Morais José Antropofobias h | Artes, Letras e IdeiasA utilidade do min tói [dropcap]“N[/dropcap]ão sei. Falta-me um sentido…”. E é com esta frase de Álvaro de Campos a martelar-me as têmporas que me afasto do tempo irreal dos cronómetros insensíveis à real passagem das horas. Tenho para mim que é inútil a reza fria e sem sabor nas papilas gastas e, por isso, pouco temerosas. A língua enrola as palavras, desdobradas em suspiros, sombras destacadas de paredes de quartos interiores. Ajoelho-me, contudo. Não para meditar que sou ossudo e pouco afoito à concentração. Menos ainda em súplicas ou lamentos, estranha disciplina de mulheres, arrojadas nos templos mas temíveis nas brigas. Ajoelho-me enquanto me dirijo a um sítio perfeitamente conhecido, não vá o sentido esvair-se também do próprio quotidiano. Faço-o em silêncio, enquanto gracejo para o lado. E reservo para mim, só para mim, essa “oscura noche”. E com que deleite me repito: “Não sei. Falta-me um sentido…” Pagaria caro, neste momento, a menor ousadia, o corpo calibrado de medo, ajoelhado, vergado, verdascado e — porque não? — sangrento. Rio-me, contudo, dessa minha odisseia de atravessar ruas, calcorrear passeios, olhar para dentro de lojas afáveis, servir-me dos gestos alheios para compor um mundo. Só os outros me fazem o sentido, na certeza plena de cada gesto. Não pensam e são belos como os gatos, respiram e são pujantes ainda que a sua respiração seja roufenha, desde que não saibam que respiram e assim escapem à repugnância de duas frases articuladas e com sentido ainda que vago. Vagueio e só assim advém o esquecimento, pelo cansaço dos músculos e a acção lenta do frio (“Não sei. Falta-me um sentido…”), até me recolher nos braços tépidos de algum min tói.
Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasAlgodão na lua [dropcap]A[/dropcap] China inaugura com êxito a sua era espacial. O lado oculto da Lua, esse recanto galáctico que alude à sua própria redundância, é no entanto uma expressão inglesa que remonta a 1959 nos anais da expansão espacial e quando a nave Lune 3, “darque side”, uma sonda soviética transmitiu as primeiras imagens de um ângulo lunar nunca visto na Terra. A China chegou agora a esse local ainda não transmitido e levou já peculiares visitantes como sementes de algodão. É efectivamente um momento de relevo pela audácia de pensar um solo plantável, e pela analogia do algodão, algidez, brancura, maciez… É um convite a coisas idênticas e inaugurais estes primeiros flocos de branco lunar. Vivemos hoje um tempo com vias de transporte desconcertantes, pois que é mais barato ir de avião ao norte da Europa em duas horas do que apanhar um comboio para o Porto, ou mesmo apanhar um táxi em Lisboa, ou ir de barco até Cacilhas. Como o dinheiro, e sobretudo o dos jovens, é sempre pouco, eles preferem, e bem, ir para longe. As redes de transporte são tentáculos maciços que dão já a volta ao mundo em modo subterrâneo e aéreo e dos excessos acolchoados tão do agrado de uma inativa meia idade, parece também agora esmorecerem neste labirinto onde entre céu e subsolo nos encontramos a preços módicos e até confortáveis. São temas que devem ser concertados com a inaugural viagem da China ao lado oculto da Lua, e o seu talento rápido de colocar em marcha uma fonte produtiva. Ela, que sempre nos pareceu um gigantesco útero sem perfil expansionista, é sem dúvida neste instante o nosso mais formidável luar de Janeiro. «Minha pequenina décima oitava irmã tu és a chuva no meio do céu», canção popular chinesa; dezoito é mesmo número de Lua e parece-nos já daqui uma vasilha de água cristalina prateada com flocos de algodão no nosso céu de antanho tão parecido com o que está para vir. Voltaremos à parábola do semeador, um roteiro previsto pela voz de Isaías (terceiro de Isaías 10-11): «a palavra do Senhor é semente». Vejo então hoje que a semente morreu. As condições não estão ainda preparadas para a nova seiva e é preciso uma nova componente que prepare estes chãos para lançarmos os bens da Arca. A China não tardará a recuperar a marcha destas descobertas com sucessos tão garantidos como as árvores trepadeiras, e a facultar uma aceleração de acordo com a urgência humana, pois que os desígnios terrenos a prepararam para nobres missões. Juntas, vão outras, para iniciar a do algodão que não resistiu ao frio da noite lunar. A algidez das suas sombras oculta desassossegos, e os seres vivos precisam da sua fonte de calor e alguma travessia nos levará de ora em diante a outros sóis. Da lã, nem falar por enquanto. A natureza dela exige comunidades agrárias bem mais estruturadas e modelo animal em rebanhos, mas deixemos que se instalem outros frios para que um ovular bicho da seda se misture algures nas dobras planetárias de locais remotos. E que poderemos fazer então num corpo vazio de ocultos labirintos? Ainda não se sabe bem, e o que não se sabe só a ciência dirá como contornar. A Lua, essa, terá sempre no imaginário os dons dos feiticeiros e dos xamãs do mundo que reservam as suas fases para o equilíbrio dos campos energéticos. O país do Sol Nascente estará menos preparado para esta alba onde não nasce a alvorada? Não está. Penso que estará a transformar as condições de uma possível fonte de progresso onde imóvel perante críticas saberá desenvolver os campos futuros a desocultar. Talvez campos de arroz e enxertos de cerejeiras, o que levaria em trafego, anos luz de produção em série para a outrora faminta humanidade escravizada sob o peso da necessidade. As fomes neste estado são outras, e a capacidade de as governar, um trunfo sem igual. Peregrinaremos sempre em torno de qualquer coisa, ora inspecionando, ora tirando dividendos da conquista, e se a Terra já treme é muito bom que se preparem as bases da partida e da escalada mais larga pois que giramos em torno a nós como um mecanismo cego. Sentada numa tartaruga, a China chegou bem mais longe que a Lebre que se vê agora a braços para dar sentido ao movimento de um novíssimo propósito. Enrolada no labirinto dos dogmas e pouco audaz em escalar etapas, começa a soçobrar a um excesso de diálogo de surdos em várias línguas espalhadas, que em coro, produz o ruído que afugentará os fazedores. O futebol é uma missão remissiva nos tempos vindouros, o jogo acabará breve, e os campos vazios falarão de nós bem mais que a política, bem mais que a saturada economia que numa ânsia de fome lunar desertificou o que havia de vida e de doce algodão também aqui na camada terrestre. Por isso a Terra se cobre da sua seiva e nos convida agora a ir deixando de mansinho os seus beirais. Para 2020, a China preparou um satélite de iluminação oito vezes superior ao brilho da Lua e ela sempre estará nestes anos conectada com o satélite que a fará desdobrar-se à sua quimérica natureza de multiplicadora de factos e de condições. Se as alcateias correrem para lá o seu escarlate terá efeitos mais sombrios pois que duas Luas progredirão para um coro demasiado bravio num presente onde se escuta já o ribombar dos tambores.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasEmigração chinesa sob monopólio britânico [dropcap]A[/dropcap]ntes de ocorrer a proibição da emigração contratada por Macau, marcada pelo Governador Visconde de S. Januário para 27 de Março de 1874, nos três primeiros meses desse ano embarcaram colonos, não para Havana, mas para o Peru. Seguiram 1905 chineses para Callao de Lima, a Superintendência da emigração repatriou 371 e 127 colonos foram retirados pelos parentes. Os corretores, já sem conseguir com facilidade colocar nas entrevistas substitutos dos culis raptados e assim iludir as autoridades da emigração, somaram a cifra de 17 punidos por abusos contra os regulamentos e 432 colonos preferiram ficar por Macau, em vez de serem repatriados. Até à proibição do tráfico de cules, “calcula-se terem saído de Macau nesse quarto de século 500 mil cules, o que rendeu enormes fortunas”, refere A. Corvo. “Hong-Kong felicitou Macau pela suspensão dos abusos e calamidades e, tendo assegurado o controlo exclusivo do tráfico, dispensou as drásticas regulamentações, que foram então substituídas por uma ordenança consolidada. A partir daí emigrantes chineses contratados e baratos foram praticamente monopolizados para o desenvolvimento das colónias britânicos perante a perspectiva de Macau retomar o tráfico na mesma linha que Hong-Kong, mas com estalagens para cules em vez de barracões. Enquanto o cônsul britânico em Cantão comunicava o facto ao seu ministro em Pequim, o vice-rei de Cantão enviou um funcionário militar a Macau com a ameaça de que, se os barracões fossem restabelecidos como estalagens, enviaria canhoneiras e tropas com ordens para destruir tais estalagens e trazer para Cantão as pessoas implicadas, para castigo – ao que o Visconde de São Januário, Governador de Macau, respondeu sarcasticamente que, em caso de tal eventualidade, as tropas portuguesas cooperariam na supressão do ilícito tráfico. Espantosamente, todos os clamores humanitários cessaram por completo, como por magia, com a completa supressão do odioso tráfico em Macau, como se fosse apenas ali que os cules passavam mal…”, segundo Montalto de Jesus (MJ), que refere, “A hipocrisia não podia esconder uma verdade evidente. Independentemente dos abusos no tráfico de cules de Hong-Kong, posteriormente caracterizado também por frequentes raptos de mulheres, podia-se igualmente ter averiguado se os plantadores cubanos, cujo interesse era manter os cules saudáveis, conseguiriam ser mais empedernidos do que os senhorios de Hong-Kong, cujo sistema de rendas exorbitantes levava a classe dos cules a viver como manadas, em abominavelmente superlotadas e insalubres espeluncas, viveiros dos subsequentes horrores das pragas; e se a escravidão nas plantações de cana-de-açúcar das Antilhas, ou mesmo nos depósitos de guano das Ilhas Chincha, era mais deplorável do que a ruína física e moral infligida pelos antros de ópio de Hong-Kong, ou mais lastimável que o trabalho, próprio de mulas, dos cules das cadeirinhas, de vida curta, que arfando e transpirando transportavam a sua carga humana pelos montes de Hong-Kong acima …” Tratado com a China Após a proibição da emigração contratada por Macau, “a Espanha procurou defender os seus direitos, obtidos por tratado, de contratar trabalhadores chineses para as colónias espanholas e a China foi aconselhada a reconsiderar cuidadosamente o assunto”, segundo MJ. O Governo Qing, para substituir a Convenção de 1866, celebrou em 1874 convenções com o Peru (independente em 1826, que entre 1849 e 1874 recebera 90 mil cules) e com a Espanha para Cuba, [ambas ratificadas em 1877] e desde então, todos os países para recrutar emigrantes chineses eram obrigados a assinar acordos com o governo chinês, que para aí enviava representantes diplomáticos para proteger os seus cidadãos. Segundo Victor F. S. Sit, têm eles no local de destino o apoio dos serviços consulares chineses, onde os havia, e de Portugal para os procedentes de Macau. O Independente em Maio de 1874 relatava a estranha amizade do Governador Visconde de S. Januário com o agente peruano Sr. Nicolas Tanco Armero, que pelo Regulamento dos Passageiros Asiáticos e seu Transporte pelo Porto de Macau, se preparava “para continuar a fazer a emigração e se escudava no artigo 11.º que diz: – O capitão do navio assinará um termo obrigando-se a apresentar ao cônsul português do porto do seu destino, se o houver, etc..” Outros artigos desse Regulamento de 1874 referem não ser permitido aos navios destinados ao transporte de passageiros asiáticos estarem munidos de grades, cadeias, ou de quaisquer aparelhos com o fim de encerrar ou de tolher a perfeita liberdade aos passageiros e o artigo 9.º diz dever o número de passageiros regular-se à razão de 3 m³ para o alojamento de cada passageiro adulto, ou para dois menores até 12 anos. Em 1883, O Correio de Macau refere: “… a reabertura da emigração livre por Macau abre na imaginação vastos horizontes de movimento comercial e de prosperidade para esta colónia. A ser realizável a emigração livre, não há dúvida que os projectos, hoje imaginários vinguem um dia. É necessário ter em vista a oposição acintosa que a China fará à emigração por Macau”. Ministro plenipotenciário na China, Japão e Sião, Tomás de Sousa Rosa tomou posse como Governador de Macau a 23 de Abril de 1883 e segundo Fernando Correia de Oliveira, “Após análise da situação que foi encontrar, Sousa Rosa conclui que ela era insustentável e podia, de um momento para o outro, colocar Portugal numa posição muito crítica. A questão de um tratado com a China era uma premência absoluta. Foi ajudado pelas circunstâncias. Robert Hart visita Macau em 1886. Tendo desistido momentaneamente do projecto da compra do território [de Macau] aos portugueses, estava agora mais interessado, como inspector-geral das alfândegas chinesas, em controlar o tráfico de ópio para o continente e da mão-de-obra chinesa para as Américas. Também a ele, agora, interessava convencer Beijing a assinar um tratado em letra de forma com Portugal. [Com ele, o Governador conseguiu as bases desse futuro tratado com a China]. Além disso, circulavam boatos de um acordo secreto entre Portugal e a França (a grande rival da Inglaterra) sobre a troca de Macau e da Guiné portuguesa por território do Congo sob soberania francesa.” Lembrar terem os franceses conquistado a Cochinchina em 1862. Ainda Governador, Sousa Rosa acedeu ao pedido do Vice-rei de Cantão para Portugal se manter neutral caso a França entrasse em conflito com a China e tentasse atacar Cantão. Exonerado de Governador a 12/3/1886, tomava posse do cargo a 7 de Agosto de 1886 Firmino José da Costa, mas ao contrário do que era normal, em vez do Governador de Macau foi em 1887 Tomás de Sousa Rosa nomeado Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário em Missão especial à Corte de Pequim. Após longas e penosas negociações, assinou a 1 de Dezembro de 1887 um novo Tratado de Comércio e Amizade com a China, onde era reconhecida a perpétua ocupação e governo de Macau por Portugal.
Valério Romão h | Artes, Letras e IdeiasAté já, Joana [dropcap]A[/dropcap] minha Joana tinha cerca de quinze anos quando morreu. A Joana era uma gata. Minto. Era “a” gata. Um bicho único. Porventura, e chegado apenas à segunda linha desta crónica, exagero. A minha mãe, que não se cansa de repetir alguns ditados capazes de sintetizar a vida e as suas experiências num conjunto bem medido de palavras, seria lesta a dizer “não há zorra a quem lhe pareça os filhos feios”. Para quem não sabe, zorra é uma raposa velha e matreira. Ao contrário de nós, citadinos, a malta do campo aquilatava a beleza dos animais pelo préstimo. A raposa, típica assaltante de galinheiros, não granjeava a simpatia – estética ou outra – dos donos das galinhas. A verdade é que, embora goste muito dos dois gatos que neste momento me permitem morar com eles, a Joana era especial. O Rim e o Croquete são fantásticos. Tão diferentes um do outro como dois irmãos e capazes de em conjunto exprimir inteiramente a paleta dos comportamentos felinos. Mas a comparação é injusta, Rim e Croquete são dois magníficos exemplares da espécie Felis catus. A Joana era algo mais, estava mais próxima do humano do que dos gatos. Como diria a minha mãe, do alto da sua proverbial sapiência, “só lhe faltava falar.” A Joana teve uma única ninhada de gatos. Gata de apartamento, não saía de casa. O que não impediu um gato Cardinali de entrar pela janela da cozinha (ainda não sabemos como) e de nos trocar a visita de médico por três gatinhos. Há vinte anos, eu tinha o sono muito mais pesado do que agora. A Joana (ainda não sabemos porquê) decidiu parir em cima de mim. Eu estava a dormir e só acordei na terceira e última prenda. E quando acordei, encharcado de líquido amniótico, imaginei por momentos que com 24 anos tinha feito o meu primeiro xixi na cama. Passadas as formalidades de lamber copiosamente os filhotes e de comer a placenta (a Joana, note-se), decidi instalar mãe e filhos numa caixa de cartão ao lado da cama. A Joana, despeitada, passava o dia a levar os gatos pelo cachaço da caixa para a cama. Eu passava o dia a fazer o movimento inverso. Ela, que sempre dormira comigo, não percebia: renegas os miúdos? Quando o Guilherme nasceu (este sim, meu) tive algum receio. É comum falar-se da ciumeira dos animais de estimação em geral e dos gatos em particular. A Joana não ia para nova. “You can’t teach an old dog new tricks”, pensava. Para minha surpresa, a Joana adoptou o Gui. Velava-lhe o sono e avisava-me quando ele acordava. Zangava-se comigo quando eu me zangava com ele. Mordia-me se lhe falava mais alto (também me mordia se cantava, mas isso compreendo muito melhor). A Joana ainda passou por três mastectomias (as vantagens e desvantagens de ter oito mamas). São muitos meses com uma espécie de copo de Dry Martini à volta do pescoço. Felizmente para ela, o óbice de ver mais longe do que o presente estava do meu lado. Para a Joana, o incómodo da situação resumia-se às visitas ao veterinário. Não tinha – exceptuando os derradeiros dias – dores. Apesar de muito humana, não lograva compreender a inelutabilidade do futuro. Os dias da Joana eram os dias de qualquer gato: dezoito horas de sono, repartidas entre o sofá e um vaso desabitado na varanda e meia dúzia de refeições diárias. O papa Francisco esclareceu-nos: um céu sem cães não é propriamente um céu desejável. Ainda não se pronunciou acerca dos gatos. A despeito disso, estou confiante de que, em havendo um quintal supra-terreno, a Joana lá esteja a desperdiçar tempo. Espero que ainda me conheça à chegada. Até já, Joana.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasRedução. Construção. Destruição. 1 [dropcap]H[/dropcap]á tantos métodos quantas as filosofias desde que se pretendeu fazer filosofia, fundar uma filosofia. Mas mais. Ao pretender-se constituir uma filosofia, o constituir uma filosofia é uma formulação que expressa o método, o encaminhamento, o processo que leva à formação de uma perspectiva que dê acesso ao que existe aí no mundo connosco, um mundo de coisas e um mundo de pessoas. Assim, as respostas positivas dos pré-socráticos à pergunta pelo princípio que causa todas as coisas, a pergunta concreta pela forma maciça como o ser e a vida nos confrontam consigo, resultam de métodos, de processos de formação do caminho que procura a genealogia do não ser até ao ser. Se as respostas parecem ser ingénuas: água, ar, fogo, éter ou os quatro elementos em simultâneo, postos em interacção pelo amor e pelo ódio (Empédocles) ou qualquer coisa de indeterminado, apeiron (Anaximandro), a pergunta que as fazem ser dadas não é. A ideia de Platão, a substância de Aristóteles, a representação de Kant, são despistareis concretas que visam a constituição de uma filosofia com os seus métodos próprios e interpretações. Há uma diferença de acesso às coisas que existem na realidade, se as considerarmos que resultam de uma ideia que se projecta sobre elas ou se é nelas que se encontra de forma não explícita a sua essência ou se o nosso acesso ao mundo das coisas e a nós próprios é uma representação de uma representação. Uma coisa é certa: há uma diferença entre o método do que consideramos ser filosofia e do que conhecemos como ciência positiva. As ciências positivas têm como objecto de investigação entes, coisas que existem na realidade. Recortam da realidade por abstracção o seu objecto, o tema específico do seu estudo: espaço, número, tempo, elementos químicos, física, psique, etc., etc.. e consideram-no isoladamente de todas as abstrações possíveis para o porem positivamente sob foco de evidência e estudo. A filosofia de acordo com uma das suas interpretações, a fenomenologia, têm como tema o ser do ente. O ente é compreendido no seu ser, quando se compreende o sentido do ser do ente específico que de cada vez está a ser estudado. O sentido do ente é compreendido a partir do ser que se projecta sobre o ente na sua inteligibilidade. É no ser que tudo aparece. Ser é o aparecimento de tudo o que aparece: sujeito e objecto numa das suas formulações. É a cada um de nós como portador do acesso que o ser aparece. Ao aparecer o ser, aparecemo-nos a nós, uns aos outros, as coisas a cada um de nós. A nossa compreensão das coisas, a própria inteligibilidade das coisas, é dada no ser, isto é, numa das suas formulações na vida. A vida é condição de possibilidade de compreensão da própria existência humana e da inteligibilidade das coisas que existem. Uma das compreensões que temos para “ser” tanto do verbo como do substantivo é precisamente o aparecer, o aparecimento e o desaparecimento de pessoas e coisas, mas também o nosso próprio aparecer em cena na vida e como aparecemos na vida aos nossos olhos e aos olhos dos outros. O aparecer altera a relação que temos com o que aparece. Podemos ter uma antecipação relativamente ao que vai aparecer, enquanto algo ou alguém ainda não apareceu. Ao compararmos esse algo ou alguém no momento em que ainda não apareceram com o momento em que já apareceram e fazem corpo de vida connosco, verificamos que as coisas não são, de facto, como pensáramos que eram. Esperamos sempre por pessoas na vida. Não sabemos se virão ou não, nem quando nem como. Mas há uma diferença entre o pensamento na pessoa possível e a relação concreta que transforma retroactivamente o pensamento e a pessoa pensada ainda abstractamente. A história do aparecimento de alguém joga-se na imaginação entre a realidade e a possibilidade. O mesmo se passa com o agente do aparecimento, quem faz aparecer alguém para nós como possibilidade concreta e também já como realidade transforma-se pela sua própria essência. O ser que faz aparecer altera-se como altera a pessoa a quem faz aparecer alguém e o próprio sentido com que alguém nos aparece. Toda a relação afectiva ou, antes, pessoal é histórica, biográfica, auto-biográfica. É intransponível em certo sentido, mas compreende-se que é em geral assim para o universo humano! A transposição da relação pessoal, da história da nossa vida na vida dos outros, para o mundo dos objetos, altera a sua compreensão objectiva. Mesmo uma “natureza morta” é muito mais do que a realidade objectiva do corpo espácio temporalmente, física e materialmente, determinados. Todos os lugares que antecipamos no seu ser são diferentes, quando lá vamos. Mesmo a própria antecipação em imaginação e fantasia de sítios a que nunca fomos e se calhar nunca iremos nas nossas vidas tem a sua própria estória a sua própria afectividade. Paris antes de lá termos ido existe como ficção literária ou cinematográfica. É diferente de Paris quando lá fomos. Uma qualquer parte da China antes de lá termos ido inunda-nos oniricamente. É completamente diferente da realidade, quando lá estamos. Mas também trazemos em nós os sítios onde vivemos como as pessoas que conhecemos. Algo ou alguém que nos apareceu desaparece para um sítio que é diferente do “sítio” em que se encontravam antes de nos terem aparecido. Mas nem todo o aparecimento é confrontado com o não aparecimento. Nem se perspectiva sempre o aparecer do aparecimento enquanto tal. O ser é agente do aparecer. O aparecer faz que algo ou alguém, todas as coisas e pessoas, simplesmente, sejam, existam, apareçam. O facto de tudo estar desde sempre aberto de alguma maneira faz que tudo nos apareça no contexto específico das nossas vidas singulares. Há diversos contextos ao longo da vida que permitem perspectivas e aspectos diferentes com que cada coisa ou pessoa nos aparece. A situação originária do aparecimento e do desaparecimento é o tempo. O horizonte do aparecimento aparece todo ele por atacado, de uma só vez, e é aí que tudo aparece. Mas é ainda no horizonte em que tudo aparece que tudo desaparece, cai para um plano de fundo. O que se define, perde definição, o que se forma deforma-se, o que aparece desaparece. O horizonte temporal vai-se constituindo à medida que o tempo passa. O tempo que passa, é o tempo que veio antes de ter passado. Antes de termos nascido, na nossa situação pré-natal, como lhe chamaria Platão, éramos já tempo. A “matéria” de que o ser humano é feito, universalmente, é tempo. É do tempo que nascemos, com ele vivemos e com ele morremos. O a priori como lhe chama a filosofia é o anterior não cronológico, mas ontológico que nos antecipa no ser especificamente humano. Mas o que quer dizer que o meu ser era já na sua essência antes de eu ser na minha existência? Há uma predeterminação ou sou livre para ser o que eu quiser? O ser de uma cadeira era já na sua essência antes de uma cadeira, da primeira cadeira ter existido, feita pelo carpinteiro. Mas eu sento-me numa cadeira real e não na essência da cadeira. Mas a compreensão anatómica das ancas em que o tronco se encontra sentado, a compreensão anatómica da possibilidade de nos sentarmos de cócoras ou de pernas cruzadas ou sobre o rabo de pernas dobradas, a possibilidade de nos sentarmos em qualquer sítio que sirva para o efeito dá-nos a condição de possibilidade de pensar a cadeira como uma prótese: sentar e levantar, sentar e levantar dos mais diversos modos possíveis é o ser da cadeira que primeiramente é experimentada a partir do e no corpo próprio. Mas a compreensão da possibilidade está já na morfologia do corpo, a compreensão do seu ser é anterior à primeira vez que nos sentamos? Ser é ser do ente. Tal quer dizer que o ser é co-tematizado, está concomitantemente aberto mas de forma pré temática. O poder sentar-me, o poder da cadeira de deixar sentar-se nela, no assento e no encosto e de deixar levantar-se dela não está dado da mesma forma que os seus componentes materiais, a sua configuração. A cadeira é os seus componentes e a sua configuração e design, mas essas entendidas reais e objectivas por si não fazem o ser do ente que é uma cadeira. As ancas são o que são na sua constituição, mas sem músculos e articulações não poderia actuar sobre elas, o mesmo quando flicto os joelhos e fico de cócoras ou me sento sobre as nádegas ou cruzo as pernas. A possibilidade de actuar anatomicamente implica uma interpretação complexa da possibilidade com que conto, que acciono e activo mas que não está já de forma elementar na consideração meramente anatómica. A redução fenomenológica é a recondução do olhar que vê só objectivamente o ente para chegar até ao seu sentido. O sentido é a manifestação primordial do ser de todo e qualquer ente. A possibilidade é o que possibilita um ente vir a ser o que é. Ela é expressa pelo infinitivo: “a ser”, “para ser”, com que todo e qualquer ente é compreendido na sua inteligibilidade. Quando vejo uma cadeira, não vejo apenas o plano do assento perpendicular ao plano das costas, nem assento e costas de uma cadeira sobre as pernas e eventualmente com braços para apoiar os meus, vejo um ente que é dado na sua possibilidade que me é oferecida: sentar-me e levantar-me, estar sentado e olhar para a cadeira ocupada com alguém que nela está sentado ou livre para que alguém se possa sentar nela. Nós não vemos os infinitivos: levantar e sentar; vemos só o objecto onde nos podemos sentar e de onde nos podemos levantar. Segundo momento do método: construção fenomenológica: projecção do ente para o seu ser e compreensão do ente à luz dessa mesma projecção. Não apenas desvio do olhar do ente, do objecto, da coisa, do corpo para o seu ser, mas compreensão à luz do sentido que se projecta a partir do ser e do sentido do ser sobre o ente assim compreendido. A filosofia está implicada assim em três momentos decisivos (Heidegger). É uma redução, uma construção (projecção) e uma destruição.
Gisela Casimiro Estendais h | Artes, Letras e IdeiasUma gota de glitter [dropcap]T[/dropcap]enho um trabalho de casa e queria que João Barrento o fizesse por mim. Estou a ler o seu conjunto de crónicas, Uma seta no coração do dia, cujo belíssimo título me recorda Huxley e o seu Brave new world: “Words can be like X-rays, if you use them properly – they’ll go through anything. You read and you’re pierced.” Gostaria de pensar que serei uma escritora melhor depois de ler Barrento, cujo A chama e as cinzas aguarda a sua vez na minha pilha de livros, recomendação do meu amigo Ricardo Falcão. Mas não venho falar de Barrento, nem de Huxley, e sim de Mariah Carey, que ouço muitas, muitas, mas mesmo muitas vezes enquanto leio ou faço outra coisa qualquer. Há alguns anos, imaginei uma Batalha dos Advérbios, Aldous Huxley vs Mariah Carey. Huxley: expressionlessly, startlingly, imploringly, inconspicuously, revoltingly, reassuringly, terrifyingly, despairingly, patronizingly, piercingly. Carey: abandonedly, painstakingly, consequently, incessantly, inadvertently, unendingly, threateningly, convincingly, subconsciously, consequently. A meu ver, Carey ganha. Mas talvez porque eu sou uma assumida freak de Mariah Carey, que o é, claramente, de vocabulário. Quem nunca acordou e se preparou energicamente para um novo dia ao som de Emotions ou rodopiou pela cozinha de braços estendidos desafinando melancolicamente I still believe? Quem nunca chorou ao som de Petals, I don’t wanna cry, Love takes time ou se sentiu melhor depois de ouvir Someday, Everything fades away, Obsessed ou Everytime you need a friend? O escritor islandês Sjón disse, numa entrevista: “We should not be afraid to work with the things that impressed us when we were at our most impressionable. (…) Very few of us grow up in a castle and have private tutors who teach us Greek before noon and Latin in the afternoon and then we take piano classes and learn about classical painting or something. All of us come to culture through trash. And there are so many people who are embarrassed about what excited them. If you came to storytelling through the Spice Girls, then this is how you got introduced to storytelling. Work with it.” Eu cresci a ouvir Spice Girls e Sade (The best of Sade é o álbum que ouvi mais vezes em toda a minha vida), mas também Tabanka Djaz, Os Tubarões e Bob Marley. Não sei tocar piano mas gostaria. Carey não cresceu num castelo mas tornou-se a moça pobre por quem um príncipe se apaixona e a leva para o seu reino onde vivem até ela sair da discográfica. E então a moça pode começar a ser feliz quase para sempre e, até, comprar o piano do seu ícone, Marilyn Monroe, cujo nome inspiraria o da sua filha ou versos das suas canções mais recentes. Um dos meus temas preferidos de Carey é Make it happen, poderosamente autobiográfico e inspirador, e um pequeno mantra para todos os dias, os difíceis e os outros, relembrando que persistir é preciso, mas não sem uma fé que por acaso partilhamos, e nos mantém por cá quando tudo se desmorona. Para muitos, os que sabem ou não negam saber quem ela é, Mariah será uma diva pop louca, gasta, irrelevante e irritante, com decotes exagerados e uma obsessão por sapatos (compreensível, para quem conhece a sua história). Para muitos mais ainda, um ícone merecedor de um movimento como o recente #justiceforglitter, empenhados como estavam os seus fãs em fazer chegar ao primeiro lugar um álbum que, após ter sido um fracasso, tal como o filme de que era banda sonora, se tornou um objecto de culto, com a sua vibe de anos oitenta, talvez pensado à frente do seu tempo. Só o amor dos fãs para destronar o álbum mais recente de número um por outro mais antigo. Mariah a vencer Mariah, ou será Bianca, o seu alter ego que encontramos nos vídeos de Heartbreaker com Jay Z e do seu remix com Snoop Dogg no papel de noivo e Da Brat e Missy Elliott como madrinhas? Heartbreaker que, originalmente, foi pensado para ser parte de Glitter, mas cuja inclusão no álbum anterior, Rainbow, se tornou uma benesse na época mais sombria da carreira da cantora, compositora, produtora, actriz e, agora também, mãe. Crescer com Mariah Carey é conhecer Mariah Carey e conhecê-la é, sem dúvida aceitá-la e amá-la até ao fim dos nossos dias, perdoando todas as falhas e celebrando todos os intermináveis sucessos. Num mundo em que já não restam muitas das lendas originais, tendo perdido Aretha Franklin (uma das suas principais influências) ainda tão recentemente, e com as demais figuras míticas tão perto da terceira idade, Carey, que viu partir tantos dos seus talentosos amigos da velha escola, com quem colaborou ao longos de décadas, estará, talvez, aos quarenta e oito anos, a meio caminho de algum lugar (ainda mais) importante. Nomeada, com outra das suas amigas próximas, Missy Elliott, e inspirações, Chrissie Hynde, para o Songwriters Hall of Fame, lutou sempre para ser vista como a escritora de canções que é, sendo que escreveu todos os seus temas, excepto as covers e o dueto com Trey Lorenz, I’ll be there, e When you believe, dueto com Whitney. Temos outras grandes cantoras também autoras de muitos dos seus sucessos (pessoalmente, destaco Tori Amos, Kate Bush, Alanis Morissette e Fiona Apple, esta última creditada por Diddy como uma das que mais o influenciou), mas só Mariah ultrapassou Elvis enquanto artista solo com o maior número de canções a chegar ao primeiro lugar. À sua maneira, lutou para que houvesse esse reconhecimento e multidimensionalidade, a par com o que era dado tão facilmente a outros, bastando que fossem homens ou, sendo mulheres, tocassem regularmente algum instrumento. Ora, Mariah assume tocar mal o piano e poucas vezes a vemos dançar, em palco ou num videoclip. Mas esta é a mulher que uniu o pop com o hip hop e o rap e será, ainda, quem melhor continua a fazê-lo. Num mundo de artistas como Ariana Grande (também capaz de fazer o whistle de Minnie Riperton, que começou a carreira com covers de Carey no Youtube até ser descoberta, assídua colaboradora de Minaj e, infelizmente, também com um atentado terrorista a marcar a sua carreira), não podemos esquecer que foi Carey a primeira grande artista a colaborar com uma ainda pouco conhecida Nicki e a incluí-la no vídeo, antes mesmo de Minaj ter lançado o seu álbum de estreia, e ainda longe do estatuto que depois se lhe atribuiu de rainha do rap, discussões no American Idol à parte. Não podemos esquecer que Mariah teve um mega hit com o título Shake it Off dois anos antes de Taylor Swift, e que só não chegou ao primeiro lugar porque, bem, Mariah já lá estava com a canção que seria a sua segunda a ser considerada canção da década. Nem tão pouco podemos esquecer que Glitter foi lançado no pior dia possível, o dia do atentado contra as torres gémeas, que mudaria o mundo para sempre, e que também Carey lida com doença mental e insónia desde tenra idade, tendo demorado muito para assumir e, consequentemente, tratar a sua bipolaridade. (continua)
António Cabrita Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasÉtica e dignidade [dropcap]E[/dropcap]m 2012, em Navarra (Espanha), no final de uma corrida de corta-mato, o queniano Abel Mutai, que fora medalha de ouro nos três mil metros com obstáculos numa semana anterior, em Londres, estava a pouquíssima distância da meta mas, confuso com a sinalização, parou para posar para as fotos, pensando que já a havia cortado. Mesmo atrás vinha outro corredor, o espanhol Iván Fernández Anaya. E que fez este? Gritou para que o queniano reparasse na sua falta e, como este não entendesse que não havia ainda cruzado a meta, então, o espanhol empurrou-o em direcção à vitória. O fair-play do espanhol foi reconhecido; ninguém esperaria o que se passou depois. Um jornalista perguntou-lhe: “Por que é que o senhor fez isso?”. O espanhol não compreendeu: “Isso o quê?”. Ele não entendeu a pergunta, pois não imaginava que houvesse outra coisa a fazer além do que tinha feito. O jornalista insistiu: “Por que deixou que o queniano ganhasse?”. “Eu não o deixei ganhar. Ele ia ganhar”. O jornalista continuou: “Mas você podia ter ganho! Não estava fora das regras, ele distraiu-se…”. “Mas qual seria o mérito da minha vitória, qual seria a honra do meu título se eu deixasse que ele perdesse?”, continuando: “Se eu ganhasse desse jeito, o que ia dizer à minha mãe?” Quem nos reporta a este episódio maravilhoso é o pensador brasileiro Mário Sérgio Cortella, que lembra que a mãe, como matriz de vida, fonte de vida, talvez seja a última pessoa que se quer envergonhar, e pergunto-me se as mães, pedagogicamente, não poderiam ser recuperadas para a tarefa de esclarecer que o foco obsessivo nos resultados pode não ser o mais correcto. O foro da discussão ética tem sido excessivamente deslocado para a escola, como um tema que esta tem de assumir, quando a ética, antes de tudo, é da alçada da família. Os exemplos nascem em casa – e o ideal é que um dia possamos almejar um tipo de vida comunitária em que a pergunta feita pelo jornalista ao corredor espanhol não seja mesmo entendida. Em tudo o que fazemos na vida quando a ânsia pelos resultados se sobrepõe ao prazer e à especificidade do processo há uma dimensão humana que se perde. Há um filme italiano de 2008, Si Puo fare/ Pode fazer-se, de Giulio Manfredonia, que é muito engraçado e fala deste problema em situação. O filme incide sobre as cooperativas sociais que se organizaram em Itália – em articulação com um novo entendimento para a reforma psiquiátrica – e que integravam doentes mentais. E conta-nos a história de um sindicalista, Nello Treddi, demasiado honesto e demasiado reflexivo que está sempre envolvido em sarilhos e a quem o Sindicato propõe, como última oportunidade, a gestão de uma Cooperativa, a 180, que tem sede num hospital psiquiátrico e cujos membro são todos esquizofrénicos. – “Mas que produz a cooperativa? – pergunta Nello ao director da instituição, o Dr. Del Vecchio. – “O que é que você quer produzir? Para o município, eles colam selos. Para os supermercados, colocam os preços nas azeitonas.” As coisas mudarão com a direcção de Nello. Para Del Vecchio, o director, “a doença mental isola do mundo”, Nello não concorda que os pacientes não sejam capazes de assumir as responsabilidades de um trabalho. A sua posição resume-se assim: “Eu não sou médico, eu não sou um director de hospital, eu estou aqui para executar um trabalho cooperativo, e dado que estou aqui vou tratá-los como trabalhadores.” Nello acidentalmente descobriu que alguns pacientes têm uma capacidade especial para projectar figuras simétricas, e que essas figuras podem ser transformadas numa vantagem para o desenho dos pisos de parquet. Enquanto para o psiquiatra a produção dessas imagens tinha um valor mecânico e compensatório da desordem interna, Nello reconverte-as em desenhos artísticos exclusivos para vender. Tratando-os com dignidade, incitando-os a que tenham prazer no trabalho, Nello consegue transformar a cooperativa num caso de sucesso no ramo do “pavimento artístico”. Em dois anos a empresa dá lucro e resolvem arranjar uma outra sede e sair da tutela do centro psiquiátrico de Del Vecchio. Os membros são instalados numa nova sede, onde agora são os “inquilinos” (e não internos) e outro psiquiatra controla a redução da medicação para 50%. E todos se comprometem em assembleia a viver exclusivamente para “satisfazer o mercado com o seu próprio trabalho, o seu próprio sacrifício e a sua própria capacidade”. A meta da cooperativa é atender a demanda mas oferecendo as diferenças que as habilidades específicas dos “doentes” têm para oferecer ao consumidor e que rompem com os padrões normativos do mercado. A crise começa quando, movido pelo entusiasmo, Nello decide que a cooperativa deve crescer e concorrer a um grande concurso para uma nova estação de metro de Paris. E aí, começando a olhar mais para os resultados, o sucesso no trabalho, do que para as pessoas que os produzem induz a “normatividade” no comportamento do colectivo, com saídas programadas à noite. Do que advém o enamoramento de alguns membros da cooperativa por mulheres de fora daquela pequena comunidade e a breve trecho, o desajuste fatal e o suicídio de um deles. Nello na mira dos resultados, esquecera-se da especificidade de cada um e como não estavam preparados para enfrentar uma decepção. As pessoas – a singularidade de cada uma – devem estar primeiro e ser ponderadas e não abstraídas em função dos resultados, é a lição do filme. Contudo, a ética e a dignidade estão sempre no eixo do filme, que por isso contribui de algum modo para a reflexão sobre a relação entre a política e a subjectividade. Este filme pode ver-se inteiro no Youtube.
Luís Carmelo h | Artes, Letras e IdeiasLer e escrever foram invenções tramadas [dropcap]A[/dropcap] escrita e a leitura são episódios recentes. São invenções que conheceram os seus inícios em meados do quarto milénio a.C.. Ocupam menos de 2 por cento de toda a história do ‘Homo sapiens’ que conta já com cerca de 350 mil anos de vida. A neurocientista Maryanne Wolf escreveu sobre o tema e sublinhou, há uma década, que estas aquisições se ficaram a dever ao uso de potencialidades genéticas originalmente destinadas a processos de outra natureza. A história da escrita e da leitura é, portanto, também, a história do hábil aproveitamento de certas aptidões em benefício de práticas inesperadas. Ler e escrever ter-se-iam transformado, nesta linha de ideias, em dispositivos eminentemente artificiais que, ao contrário da visão, por exemplo, requerem aprendizagens e monitorizações individuais. Maryanne Wolf, directora do ‘Center for Reading and Language Research’ da Tufts University (Boston) tem trabalhado ao longo dos anos com leitores de todas as idades, especialmente com leitores disléxicos, condição que, segundo a autora (em obras de 2007 e de 2018*), comprova que os nossos cérebros nunca foram geneticamente preparados para o acto de ler. Para o conseguir com o sucesso que todos conhecemos, foi necessário fazer uso da extrema plasticidade da mente humana que é capaz de forjar ligações inopinadas, visando sempre novos desafios. Somos, pois, seres geneticamente permeáveis às rupturas e dispomos de uma capacidade ímpar de alterar o que nos é dado por natureza. Daí, também, talvez, termos alcançado o comprovado epíteto de maior predador do planeta. Há, no entanto, uma estranheza nesta descrição de M. Wolf que decorre do facto de uma transformação tão artificial ter acontecido em todo o globo em fracções temporais relativamente próximas. Bastará recordar que as mais distintas culturas e linguagens naturais geraram formas de escrita bem diversas, tendo cada uma delas mobilizado conexões neurais próprias (escritas verticais com vaivéns diferenciados ou escritas horizontais, movendo a atenção da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda). O alcance desta plasticidade foi assim levado aos limites em todo o mundo com uma eficácia estonteante como se existisse, de facto, uma aptidão universal que o justificasse. A questão não deixa de ser fascinante e entronca na discussão sobre os nomes que Platão pôs em marcha entre Crátilo e Hermógenes, o primeiro reivindicando uma origem natural para os nomes e o segundo reivindicando um legado puramente artificial. No caso da escrita e da leitura, as provas que M. Wolf sustenta para demonstrar um cariz artificial falam por si, embora a sua aplicação universal nos faça pensar que a propensão genética para as incorporar não fosse, afinal, tão desconforme. A intimidade e a co-naturalidade entre os humanos e a escrita foi tal que, praticamente em todas as culturas humanas, ela veio substituir as mediações da transcendência que existiam até então. No mundo semítico, a escrita e a leitura proporcionaram aos deuses (ou a um deus único) um discurso próprio e atribuíram-lhe até o papel de emissor e de criador do “verbo”. A escrita e a leitura possibilitaram a normalização da imagem da transcendência e possibilitaram que a memória abandonasse o seu nomadismo no tempo (um ‘passa-palavra’ irregular) para se fixar ou sedentarizar com uma outra regularidade de tipo orgânico. Não deixa de ser curioso que, no mundo judaico, por exemplo, a fixação por escrito do grosso da tradição oral só tenha tido lugar, de maneira sistemática, após o exílio (538 a.C.), ou seja, depois de uma prova de nomadismo forçado. O nosso tempo está vertiginosamente a abandonar toda esta herança. A tecnologia tem-nos fornecido novas aproximações e captações (no tempo e no espaço) e também novas escritas. Se a imagem móvel do século XX vivia da conjunção entre o princípio de persistência retiniana e a ideia de projecção, as imagens digitais, baseando-se em algoritmos e não em originais reduplicados, implicam uma plasticidade sem fim que se aproxima do modo como a mente processa as suas imagens. Esta virtualidade sacraliza a tecnologia, dilui a função clássica da memória orgânica (histórica) e faz do futuro um continente a ser vivido no agora-aqui (sem grande idealidade para os chamados fins últimos). A redenção na nossa era passa pela invenção de capacidades genéticas (tendo o cyborg, para já, como meta) que se adaptem às novas escritas e não o contrário, tal como sucedeu há 5.500 anos. Quando, em 1974, Barry Leiner e Vinton Cerf criaram o protocolo TCP/IP, pouca gente se apercebeu da dimensão histórica do facto. Como Cerf referiria mais tarde: “A única coisa que queríamos era que os bits fossem transportados através das redes, apenas isso”**. O alcance deste protocolo foi, e é ainda hoje, radical e os seus impactos podem ser resumidos em três grandes linhas: proeminência à mobilidade dos dados, garantindo liberdade aos conteúdos e às escritas; dissociação da rede (e das suas escritas) da ideia de propriedade e, por fim, adopção da rede enquanto espaço auto-organizado e vocacionado para o crescimento espontâneo, imprevisível e não-regulado. Estas três linhas persistiram nas transformações que o mundo foi conhecendo nas últimas décadas: a superação das dicotomias ideológicas nos anos oitenta, o optimismo tecnológico dos anos noventa, a ‘quebra de vertigem’ na primeira década do século XXI e a imersão definitiva dos ‘pós-millenials’ no aquário da rede já nesta segunda década. Daí que as futuras gerações vão, com toda a certeza, deixar de se baralhar com a diferença entre escritas naturais e artificiais e ‘lerão’ as investigações de Maryanne Wolf como um estimulante testemunho arqueológico. O que já não seria nada mau. *Vale a pena recorrer às ciberlivrarias para encomendar os dois livros de Maryanne Wolf. O mais conhecido é Proust and The Squid. The Story and Science of The Reading Brain (Harper, New York, 2007) e o mais recente, escrito cerca de uma década depois, é: Reader, Come Home: The Reading Brain in a Digital World (Harper, New York, 2018). **V.G. Cerf and P.T. Kirstein: Issues in Packet Network Interconnection. IEEE Proceedings, Vol.66, No. 11, November 1978, pp. 1386-1408. /30/ L. Evenchick.
Nuno Miguel Guedes Divina Comédia h | Artes, Letras e IdeiasO mito do primeiro amor [dropcap]H[/dropcap]á dias em que o mundo nos exige que paremos, que pousemos as armas e as angústias nem que seja por um instante. Contemplar apenas o que está próximo e, se for necessário, escrevê-lo sem ambições de falar de temas maiores. “Há um certo meio de começar uma crônica por uma trivialidade”, escreveu Machado de Assis aos 38 anos. E depois prosseguia, explicando que bastaria dizer, por exemplo, “Calor! Que desenfreado calor!”. O genial brasileiro escrevia em 1877 sob a canícula do Verão do Rio de Janeiro: percebe-se como a trivialidade se torna essencial naquele momento. Estando muitíssimo (e infelizmente…) longe dos escritos do autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas esta crónica tende a ser trivial. Fala de amor, do amor dito romântico; e o amor é trivial porque é comum e existe. Não porque não seja precioso mas porque não é raro. Pode é não nos acontecer – e isso sim, é tragédia maior. Mas de todas as matizes amorosas que experimentamos na vida – e agora sim, chegamos ao cerne da conversa – a mais sobrevalorizada é a força irrepetível do primeiro amor. A ideia de que não há amor como o primeiro é publicidade enganosa. O primeiro amor é um princípio normalmente titubeante que nos prepara para a montanha-russa das paixões – isto se tivermos sorte. George Bernard Shaw dizia que o primeiro amor é apenas um pouco de tolice e muita curiosidade e o aforismo parece-me que acerta na batata. É verdade que a arte e a literatura em particular ajudaram à difusão deste mito; mas pensem em Romeu e Julieta: será que o desfecho da história seria tão trágico se os amantes tivessem um pouco mais de bagagem amorosa de experiências prévias? E por outro lado: como poderia Camões ter escrito o magnífico soneto “Tanto do meu estado me acho incerto” se não soubesse bem do que falava? Como poderia Sinatra cantar com tanta verdade o que cantou se não tivesse atravessado por inúmeras vezes o coração negro das paixões verdadeiras? Admito que se trate de uma posição radical mas no primeiro amor não vejo inocência e candura – apenas medo do desconhecido e do terrível momento em que tudo se irá esboroar. A revisão nostálgica dessa época que parece perfeita a tanta gente está contaminada por uma idealização que pode aleijar. Num livro de que todos conhecem a magnífica frase inicial (“The past is a foreign country; they do things differently there”), o protagonista de sessenta anos relembra o seu primeiro amor e a consequente perda de inocência que o irá marcar para o resto da sua vida. Não é uma história optimista e romântica – antes pelo contrário. Pela minha parte lembro-me bem do meu primeiro amor correspondido (e generosamente deixo de fora as paixonetas que me consumiram em silêncio até lá chegar). Vejo um rapaz desengonçado e aterrorizado a tentar ganhar coragem no whisky-cola e a falar bastante depressa. Lembro um desespero optimista, um suspiro de alívio mesmo antes do apocalipse. Felizmente chegou o segundo amor e alguns outros depois desse. Foram necessárias várias provações para poder chegar à pequena sabedoria com que hoje vivo: a modesta ambição de quem ama outrem não é ser o primeiro mas o último. E é nisso em que todos os dias me empenho.
João Paulo Cotrim h | Artes, Letras e IdeiasRaízes e copas Web, nenhures, 5 Janeiro [dropcap]O[/dropcap] meloso natalício não muda grande coisa na folhagem das árvores despidas, menos ainda nos múltiplos brancos contidos na neve que nem tomba na cidade. Com a estação chegam os tiques próprios das ditas, como este de comprar a correr disquito ou livrito para oferecer, à falta de melhor. Multiplicam-se as listas dos melhores do ano, fingindo que se lê por cá ou ao menos que se respeitam os livros. Enfim, a miséria habitual, que apesar de costumeira se amisera mais e sem piedade. Contudo, brilham excepções. A mais divertida, atenta e reveladora de extremo amor ao livro encontra-se no blogue do Henrique [Manuel Bento Fialho], «Antologia do Esquecimento»: http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2019/01/o-melhor-dos-livros-em-2018.html A melhor lista dos melhores contém mais de trinta itens confirmando que, para o seu autor, o livro é um mundo a ser abordado de todas as perspectivas, por menores que sejam. Não creio que inclua livros de cujo conteúdo não tenha gostado, mas pega-lhes pelas minúcias do contentor: capas e contracapas, primeira e segunda badana, cortes superior, dianteiro e inferior, lombada, guardas, sobrecapa e cinta, formato e impressão, folha de rosto e índice, cólofon e notas de rodapé, mas também título, texto de contracapa ou epígrafe ou dedicatória ou agradecimento, além de prefácio e posfácio. Isto além das mais tradicionais capas, ilustrações, fotografias, colecções, tradução ou… livro do ano, que no caso foram dois e de imagens. Um divertimento, que nem por isso deixa de desenhar panorama dos mais completos. Horta Seca, Lisboa, 6 Janeiro Falho redondamente, como convém aos anafados, os desejos: descansar e planear. As urgências, ainda elas, muitas que resultam do incumprimento do planeado. Desprezando a electrónica, a minha arrumação assenta em papel, profusos papéis, que desenham do ano ao momento. O electrocardiograma dos meus dias sai em folhas A6, nas quais assinalo rugas, ideias, afazeres, telefonemas, pagamentos, nomes, projectos, gatafunhos. Não seria mais fácil em cadernos, que também frequento? Talvez, mas estes fragmentos são portáteis, podem tanto gritar-me o imediato como sussurrar o horizonte. Consigo juntá-los para harmonizar um mapa, uma hierarquia de prioridades. Embora resulte dissonância, alegre, mas dissonância. Ler os que foram sobrando relembra-me o óbvio. Afinal, não evitam o atropelo ou o esquecimento, menos ainda o acumular de irresolvidos. Pela simples razão de que não esticam o tempo. Quanto perdi com esta inutilidade? Casa da Cultura, Setúbal, 11 Janeiro Esta sessão da «Filosofia a pés juntos» tinha a Justiça por tema e logo a radical arqueologia do António [de Castro Caeiro] revelava uma surpresa. Para o grego, a injustiça resulta da humana ambição de querer ter mais, de fazer disso o seu horizonte. Até ao ponto ganancioso do meu tudo metamorfosear em nada o do outro. Injustiça continha, então e sobretudo, a ideia de denúncia. E pessoal. O processo visava que o injusto entendesse o erro e o confessasse publicamente. Dizê-lo era meio caminho para a resolução. O acento punha-se no trabalho interior do próprio, mais que em acusação externa. Daí a conclusão maior de que melhor seria sofrer uma injustiça do que cometê-la. A conversa expandiu-se, e muito, mas este pensamento-raiz ainda brilha que nem copa. Acácio de Paiva, Lisboa, 12 Janeiro Manhã de sábado em Alvalade, com uma luz de fazer esquecer o frio. Ambiente ideal para espreitar os trabalhos mais recentes do multi-talentoso Simão [Palmeirim]. Não falo agora nem da música, nem das investigações em torno da geometria ou sobre Almada [Negreiros], mas das pinturas. Vi-me em paisagens de tom negro onde o monumental não abafa a minúcia, o gesto, a composição. Entrei no miolo de máquinas, transmudadas do absoluto concreto para um abstracto contido. Cada pasta parecia mala devolvida de mundos por haver. Depois o papel rasgou-se janela, e surgiu um contínuo de umbrais feitos de cor e paciência. A repetição não tem que ser o igual multiplicado. Bebemos longo café e falámos ainda de Philip Glass. Vem aí exposição. Povo, Lisboa, 14 Janeiro Para sessão em torno da «Poesia do KWY», o Alex [Cortez] chamou-me ao microfone. Em ambiente aprimorado pelo Nuno [Miguel Guedes], e comentado propiciamente pelas cordas do [Vítor] Rua, que transliterou e pensou encontrar-se em Bukoswki, ouviram-se as vozes da Paula André enquadrando o relâmpago que foi projecto único, que dizia o portuguesinho Ká Wamos Yndo com letras que não havia, do tonitruante Manuel João [Vieira], brincando com anónimos e o episódico João Garcia de Medeiros, e do Miguel [Feraso Cabral] a evocar Manoel de Castro. Pensando nas contaminações (imagem, palavra, nomes) levei nos lábios para estragar o Helder [Macedo], capaz de descrever como ninguém o que foram aquelas lúcidas noites, o António José Forte, com sorrisos a doer-lhe nos lábios, e o José Manuel Simões: «Um quadro, como um poema, é demasiado pequeno para conter um coração. Por isso ele cresce, ilude os limites estreitos do caixilho, expande-se e fica a flutuar, qual cúpula, globo ou aquário, palpitante e rubro, exposto aos olhares clínicos e turísticos de quem se aproxima e contempla.» Teatro da Rainha, Caldas da Rainha, 15 Janeiro A noite aconteceu, enorme. E lúcida. Os que se afastem do convívio com os palcos (de teatro, que os de concerto são outra música) perdem, sem o saber, contacto com a realidade, com o oxigénio. Por isto. O Henrique [Manuel Bento Fialho] resolveu recomeçar o ciclo lunar do «Diga 33 – Poesia no Teatro» com os supermanos, António [de Castro Caeiro] e José [Anjos]. A singeleza da encenação (foto na página de Graça Ezequiel) potenciou a cumplicidade entre os dois, com leituras, comentários e música. O Henrique manuseou a curiosidade como ferramenta e pôs o António a explicar-nos que o destino se faz corda de ringue nas nossas mãos, sendo o boxe apenas uma das possibilidades, cada qual tendo na mão a escolha de modalidades, combates, até de adversários. Ilustrou depois os versos ditos do Anjos à viola, antes de o fazer com lanterna, no fecho: «um quadrado de terra na cidade/ um verão de amendoeira/ uma flor, uma pedra luminescente no peito/ da igreja/ a respiração ainda quente de uma boca derrotada/ um dia cruel/um gato de sombra que nasceu da invenção/ de uma escada/ e a sombra de um gato que morreu/ como a divisão de uma casa// a dor à volta da qual tudo se constrói.» Horta Seca, Lisboa, 18 Janeiro A Escola de Escritas do Luís [Carmelo] abriu «Crateras», colecção que recolhe textos dos que se vão cruzando aquela ideia. Começou com o «Tenham uma Boa Vida», do Francisco Resende, que evoca experiência do lugar, e a Ana Margarida de Carvalho, que em «Primeira Linha de Fogo», investiga o (sem) sentido das fronteiras em que nos entrincheiramos.
Carlos Morais José Antropofobias h | Artes, Letras e IdeiasSabendo como e porquê [dropcap]N[/dropcap]ão há facilidade em nenhuma escrita que se interrogue, não somente sobre o seu objecto como sobre si própria. E, nessa estranha dança entre formas e conteúdos, joga-se mais que uma vida: um momento de discernimento ou um mergulho na boçalidade. E seja: um momento pode valer por uma eternidade. Aliás, será também a eternidade um momento, por exemplo para Deus, como o é para quem já abandonou este espaço de efemeridades. Tijolo a tijolo, página a página, palavra a palavra, beijo a beijo, aparentemente o tempo passa, embora seja apenas visível no nosso corpo ou na face enrugada da Terra. Valha-nos a invenção da idade para podermos ir compreendendo um pouco mais as coisas, ao mesmo tempo que o saber acumulado se transforma numa espécie de corrida pela cegueira. Crescer significa, afinal, deixar de ver. E, sabendo como e porquê, existe o advento da morte, essas pequenas mortes que diariamente nos rodeiam, as mortes ínfimas. De seres e trajectos. De ideias. De mistérios. Sabendo como e porquê, abandonamos para voltar a encontrar. Existem metamorfoses do descanso no sono insatisfeito. Há um ruído, de dentes rangidos, de onda agigantada para nunca rebentar. Voltaremos a casa e aos espelhos familiares. Ao calor do forno onde se consome a lenha amável. Ao charco fétido, à lama de chocolate onde na infância se reflectia a esguia lua, às cabanas silenciosas, às estradas por asfaltar. A isso tudo voltaremos. Sabendo como e porquê.
Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasVasco de Lima Couto [dropcap]L[/dropcap]embro-me dos desenhos à Cocteau com poemas em pratos brancos e recordo o quanto gostava deles, das frases, dos poemas, de tudo aquilo. Depois, olhei-o, e pareceu-me inesperadamente belo e associando temas musicais soube que era ele. Cocteau parecia-me muito menos interessante e infinitamente menos poético do que este Vasco, com seu perfil daquela portugalidade de homem do seu tempo, como Adriano, de belas cabeças imperiais que passaram entre nós para lembrar que uma cicatriz na beleza define os homens. Ele, que passou quase indelével no registo literário, tinha no entanto uma espécie de instinto admirável pela natureza do acto poético, sabia distinguir a qualidade, o sentimento trágico, e tinha uma disposição progressista num maravilhoso perfil romântico. Foi actor, um actor exigente e prolífero, representou peças de Miller, António José da Silva, Steinbeck, Ionesco, e ainda teve o seu maior êxito no «Mercador de Veneza». Divulgador da poesia contemporânea num programa de rádio chamado «Cantar de Amigo» em Angola, creio que todas elas perdidas numa urdidura em que não achou uma defesa à altura das suas múltiplas capacidades . A sua obra poética deve-o muito ao retiro em Constância onde talvez usufruísse da calma necessária para o diálogo consigo mesmo, parecendo de sólidas amizades e de confiantes dias de camaradagem, é quase sempre um homem afável, porém distante de um centro de reconhecido e justo mérito, o que o deve ter sujeitado a uma tristeza qualquer que ao invés de o azedar adensou a sua rara sensibilidade. A sua obra poética reparte-se por quase uma dezena de títulos, como « Canto de vida e morte» 1980, o «Silêncio quebrado» 1959, «Recado Invisível» 1950, «Bom dia meu amor» 1974, «Deixando discorrer os dias» 1991, já póstumo, e outros, mais antigos, uma vez que o poeta nascera em 1924 no Porto e dele se foi desamarrando aos entraves burgueses de um país severo e parado para a sua ânsia de viver e de expandir. «Um Pássaro contra as grades» ele – que precisava de espaço para ser feliz – um poema belíssimo que só uma alma larga, com asas, pode ter escrito, um legado de liberdade e de respeito por aquilo que são as relações humanas, esses contactos espaciais que por tão rotineiros quase não dão conta da invasão que provocam. E vale a pena transcrever alguns excertos: ter palavras certas no sol do caminho e beber, a rir, o doirado vinho. Misturar a vida, misturar o vento… E, nas madrugadas quando o povo abraço, para estar contigo: PRECISO DE ESPAÇO! Fluía nele também um lado quase religioso sentia-se que não estava deslocado dessa fina teia da indagação teológica que firma os efeitos de uma consciência poética, e são de grande beleza muitas das suas ora indagações, ora gratidão, ora silencioso desespero face ao enigma incognoscível da palavra quando o verso adeja, em Oração, encontramos esta inquietação sempre total: «Senhor, eu não te peço felicidade…seria condenar a minha vida/ a uma inútil graça de ilusão/ nem te peço que faças dos meus versos desejos de cantigas para os outros/ …… O que te peço é que me dês o alento/ das frases que eu não sei se tu disseste! » Coisas estas demasiado belas para esquecermos. Quase que por um trilho na percepção entende uma alegria nova, a Revolução dos Cravos, mantém-se entusiasta e envolvido, mas nem antes nem depois a sua situação de homem melhora, e acaba sempre por viver como pode aceitando os trabalhos que lhe dão, há na nova ordem um descaso que certamente o magoa e entende isso talvez com pesar, por isso morreu cedo, e por isso talvez não tivesse tido ensejo para a manutenção da vida que requer tantas concessões. Viveu como um poeta, pois são estes os poetas, os que correm o risco também de viver poeticamente. É sempre, quando dele nos acercamos, alguém com grande coerência e uma elegância quase desaparecida, aquela parte que faz dos poetas esses seres aristocráticos e estranhos, é um rejuvenescimento, de ternura, de despreendimento. Nós, vamos esquecendo, o tempo apaga, fulmina, estrategicamente encobre…mas o que é bom é sempre subitamente belo, bem o disse Safo. E neste súbito e inaugural renascer ele aparece tão novo como se fosse um propósito por vir: minha mãe, eu canto a noite porque o dia me castiga; minha mãe eu grito a noite, neste amor em que me afundo, porque as palavras da vida minha mãe, já não têm outro mundo, minha mãe eu grito a noite neste amor em que me afundo. Sabemo-lo boémio, amante das noites e dos cantos, sabê-lo por aí, o Fado, mas poucos sabem que passou por aqui, este homem tão especial que deu por concluído o seu testemunho antes mesmo de ter um florescente recomeço. Nestas vidas encontra-se o melhor. Não estão presas a si mesmas e tudo neles parece sempre novo, contemporâneo, quase eterno, agora mesmo o sinto tão próximo como um anjo de asas frescas sussurrando um canto protector: Vive… que eu no pensamento viverei contigo/ Sonha, que no meu sentimento te darei alento/ Sofre… Que no meu sofrimento, terás toda a minha alma, a dizer-te um Poema/ – Mas não penses nunca neste meu dilema! Hoje, estamos plenos de palavras, Vasco, e nenhumas são tão bonitas como aquelas que disseste para que eu as diga de ti neste momento. Não precisamos de muito. Mas temos saudades daquilo que no dizer se imortaliza. Sente-se uma imergência sadia de liberdade e uma zona sempre de espaço alargado no movimento de uma natureza que suporta mal o dirigismo das sociedades, e isso, é a sua marca mais conseguida de homem livre: Outubro de 68 Que Povo é este, que Povo, que é Poeta e se alimenta de tanta maré vazia. no mar que ele próprio inventa? Que Povo é este, que Povo, que tenta um sonho esmagado? …É o Povo de onde venho todo por dentro amarrado! São de Amor todos os poemas.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasFim da emigração por contrato em Macau [dropcap]O[/dropcap] Regulamento de 1872 sobre a emigração fora elaborado por uma comissão composta por Jerónimo Pereira Leite, Júlio Ferreira Pinto Basto, Lúcio A. da Silva, P. G. Mesnier, Hermenegildo Augusto Pereira Rodrigues e J. E. Scarnichia, sendo esse uma compilação de disposições dispersas em portarias e regulamentos, harmonizadas e acrescentadas conforme se julgou mais próprio para combinar a liberdade do emigrante com as garantias que deve dar o contratador. “Macau ficou com o monopólio do fornecimento de trabalhadores chineses para algumas repúblicas americanas; triste e precário resultado, para nós, depois de três séculos de trabalhos e lutas. Uma população numerosa, activa e inteligente, esteriliza-se em especulações sem futuro, vivendo com pouca dignidade à sombra de capitais estrangeiros (espanhóis e peruanos). A instrução pública vai-se anulando porque tais empregos, os únicos que se oferecem, não demandam cultura intelectual, e a população portuguesa de Macau achar-se-á reduzida à mais triste incompetência no dia em que a América disser: Não precisamos de mais cules>. Nesse dia, que todos julgam mui distantes, há-de forçosamente chegar e é tempo que principiemos a tomar precauções. É necessário que a emigração chinesa se torne pouco a pouco a mais insignificante fonte de receita para os habitantes de Macau, desenvolvendo-se quanto for possível os recursos comerciais desta colónia que melhor lhe podem assegurar um futuro estável”, segundo a Gazeta de Macau e Timor. Ainda neste semanário aparece transcrito do jornal The Weekly Herard de New York de 5 de Outubro: Havana, 27 de Setembro de 1872. Quinhentos cules, com $70.000 de suas economias voltaram para os seus lares na China. “Naturalmente estes chineses já terão chegado, ou estão a chegar às suas terras, tendo vindo pelos paquetes da companhia de mala do Pacífico, como já têm vindo muitos outros. Quando ardeu recentemente em Yokohama, o vapor America, se conheceu que muitos passageiros chineses traziam consigo grandes somas de dinheiro, tendo alguns até mais de 3000 patacas. Regressavam eles naturalmente de Havana ou de Peru, tanto assim que um deles era casado com uma peruana. À vista destes factos, se atreverão ainda a dizer que os chineses que vão para Havana e Peru, não voltam mais à sua Pátria?” “Em 1873 fez-se uma emenda a favor dos trabalhadores contratados, reduzindo o prazo do seu contrato de oito para seis anos [e findo este, a condição de terem a passagem de regresso]. Além disso, os cônsules portugueses em Cuba e no Peru comunicavam ao governo de Macau as condições dos emigrantes à chegada e, tanto quanto possível, velavam pelo seu bem-estar lá”, Montalto de Jesus (MJ). “Os governos europeus de Hong Kong e de Macau aperceberam-se claramente da necessidade de acabar com a rede de intermediários e com a satisfação de interesses internacionais assentes na emigração contratada. Os tempos e os modos de reacção foram diferentes, como diferente tinha sido o começo da actividade. Hong Kong proíbe primeiro a emigração por contrato, para fora do Império Britânico, em 1866, confirmando a lei em 1868, 1870 e 1873. Macau mantém por mais uns tempos a situação, disciplinando-a com múltiplas advertências do Executivo”, Beatriz Basto da Silva. Em 1873, o governo de Hong Kong promulgou três portarias, Ordinances “para cortar a ligação de Hong Kong com o tráfico de cules em Macau e para proteger os emigrantes chineses, dos dois sexos, que partiam de Hong Kong”, segundo Liu Cong e Leonor Diaz de Seabra, que referem, “a 24 de Agosto interditou que se abastecessem e equipassem os navios de cules no porto de Hong Kong e ordenou a sua expulsão, levando estes a mudarem-se para Huangpu.” (…) “Até Setembro de 1873, Macau ficou bloqueado pelos navios de guerra chineses e por ordem do vice-rei, todos os navios que entravam e saiam deste porto eram inspeccionados pelos oficiais chineses. Se fossem descobertos cules a bordo, os navios seriam levados para Huangpu.” O Vice-rei de Cantão então proibiu todos os barcos com cules dos países com ou sem tratado de fundearem nesse porto e em Setembro ordenou ao inspector interino da alfândega de Cantão, H. O. Brown, a expulsão de Huangpu de sete navios peruanos e em Outubro, de um belga e outro italiano. Pousadas em vez de barracões A 20 de Dezembro de 1873 o ministro da Marinha e Ultramar, João Andrade Corvo comunicava a proibição da emigração contratada por Macau e a 27, o Governador publicou a portaria fixando para daí a três meses [27 de Março de 1874] o seu termo definitivo. No Boletim de Província de 31/1/1874 foi promulgado o Regulamento dos Passageiros Asiáticos e seu Transporte pelo Porto de Macau, a entrar em vigor a 1 de Abril, por não se poder “negar a nenhum indivíduo em pleno gozo de liberdade, o direito de tomar passagem neste porto para outro qualquer a que se destine, devendo todavia velar pela sua conservação no estado livre e assegurar-se ao mesmo tempo das boas condições a todos os respeitos dos navios que tenham de transportar um crescido número de passageiros”. Em 18 de Março foi extinta a Superintendência da Emigração Chinesa, criada a 30 de Abril de 1860, assim como se acabam com “os depósitos e só serão permitidas para alojamento e pousada de transeuntes chineses, simples hospedarias devidamente licenciadas e registadas na procuratura dos negócios sínicos.” No B.O. dessa data, o Governador Visconde de Sam Januário declara que os denominados corretores, ou quaisquer outros indivíduos chineses que se empregavam na emigração, por acordo feito com o Vice-Rei de Cantão e por sua declaração oficial, “podem voltar livremente ao território chinês sem que sejam perseguidos pelas respectivas autoridades pela intervenção que tiverem tido nos negócios da mesma emigração, até à data do seu acabamento definitivo.” “Todo ou quase todo o pessoal estrangeiro envolvido na emigração desapareceu com a extinção desta”, segundo Almerindo Lessa, “Os 5534 indivíduos que o recenseamento de 1871 mostra terem afluído ao Bazar, em 1878 desaparecem daquele bairro, deixando-o na cifra que tinha em 1867.” MJ refere, “Em Macau, o resultado dessa medida altruísta foi simplesmente catastrófico: várias ramificações de comércio legal extinguiram-se, milhares de pessoas foram atiradas para o desemprego e, face ao êxodo que se seguiu, as propriedades foram seriamente desvalorizadas.” Assim, desde 27 de Março de 1874 estava proibida a emigração por contrato a partir do porto de Macau, mas fora aprovado ainda em 31 de Janeiro um novo regulamento para a emigração livre, julgando o Governador “pôr-se a coberto das graves acusações feitas quando deu o seu consentimento para a emigração para Costa Rica”, como refere José da Silva no Independente. Alguns agentes, escudados por esta nova ordem de coisas, prepararam-se para promover a saída de passageiros asiáticos e restaurar o tráfico de cules, apenas substituindo os depósitos em barracões por estalagens.
José Navarro de Andrade h | Artes, Letras e IdeiasElogio dos filmes longos [dropcap]H[/dropcap]á um famigerado, sacramental e tácito postulado entre os “dealers” e leiloeiros de arte nova iorquinos segundo o qual qualquer quadro terá de caber nos elevadores dos edifícios de apartamentos de Park Avenue. Também no cinema é princípio consuetudinário que a duração dos filmes se inscreva entre os 80 e os 120 minutos. Em ambos os casos o propósito é o mesmo: não afastar consumidores por motivos meramente logísticos. Tanto um filme demasiado curto como um desmedido desorganizam os horários das salas de cinema impedindo-as de realizar a habitual quantidade de sessões às horas do costume. A extensão dos filmes foi o combustível de uma “cause celebre” que definiu de vez a relação de poderes da indústria cinematográfica. Em 1925 o realizador Erich von Stroheim das 85 horas que havia filmado insistiu numa versão final de “Greed” com cerca de 8 horas e o jovem Irving Thalberg, há pouco tempo posto à cabeça dos estúdios da MGM, tirou-lho das mãos, mandou-o remontar sob a sua supervisão e deu à luz uma cópia com 140 minutos. A queda em desgraça do primeiro e o prestígio do segundo consubstanciaram-se com tal desfecho, mas além desta consequência imediata o que definitivamente ficou estabelecido foi assegurar que o produtor é quem na verdade imprime a sua marca no resultado final de um filme. De modo que os filmes longos, muito longos, passaram a ser uma raridade circunscrita a um cinema de distribuição marginal. Até porque, é uma evidência, ninguém tem vida para se enfiar numa sala durante mais de 5 horas – ou bastante mais… Há porém outra e menos referida causa para tal raridade, que não se detém na paciência do espectador, sequer nas dificuldades de produção. Um filme de longa duração exige uma segurança e uma maestria invulgares na manipulação do elemento mais volátil, impertinente, indómito, implacável, unívoco e, no fundo, essencial do cinema – o tempo. Na verdade o rabo é o grande sensor da capacidade de envolvência de um filme, ao qual produtores e realizadores costumam – ou deviam – dar atenção. Quando as sinapses trazem ao cérebro sinais de incómodo do rabo no contacto com a cadeira é porque o enfado está a tomar conta dos nossos sentidos. E o enfado, como se sabe, é irreversível. Quer isto dizer que duração não é demora. Sobram por aí curtas-metragens ditas de autor que abrem num plano estático e por lá ficam. Vasculhamos com o olhar os quatro cantos do enquadramento, tornamos a dar a volta e aquilo ainda ali está sem nada mais para dizer mesmo quando tem árvores batidas ao vento. Ao cabo de um punhado de prolongadíssimos minutos percebe-se que tanta e tão pretensiosa solenidade comparece unicamente para remediar o vácuo, que a coisa tem bazófia de sinfónica, mas é composição de uma nota só. A sensação de morosidade de um filme depende, portanto, da sua redundância, não do comprimento. Fomos acostumados a que os filmes nos exijam concentração e esperteza para seguir as subtilezas do enredo, palpitação emocional para viver as alegrias e tristezas das personagens, contemplação ou deslumbramento perante as vistas e panoramas que ele nos dá a ver. Em troca é suposto devolverem um troço de vida condensada; em 90 minutos podem passar lá dentro décadas de história ou uns intensos momentos de drama. Um filme verdadeiramente longo obriga à disponibilidade de uma viagem de avião intercontinental, sem mais nada que fazer senão estar ali. Ora isto tem potencial para originar um enorme prazer, equivalente ao de uma imersão total num universo paralelo. Estou em condições de afirmar que me custou sair de “Satantango” (1992) de Bela Tarr com 7h30m ou do documentário “Near Death” (1989) de Federick Wiseman com 6h, porque em ambos já me havia integrado neles e acomodado a permanecer ali dentro. Noutros casos são filmes oceânicos, nos quais mergulhamos e vamos nadando durante um tempo, sabendo que não poderemos ir até ao seu fundo nem atravessá-los com as nossas pequenas braçadas – são muito maiores do que nós. A experiência de assistir a “Hitler” (1977) de Syberberg com 7h22m ou de “Le Soulier de Satin” (1985) de Manoel de Oliveira com 6h50m é a de começar a sentir que “aquilo” subsistirá para sempre independentemente de mim. Ver um filme longo, tal como a difícil arte de ficar um ínterim sem fazer nada, oferece-nos um benefício precioso e cabal, que é o de ganharmos uma percepção do tempo doutro modo inalcançável.