Tracy Choi, Realizadora: “Os meus tópicos são as mulheres”

Tracy é uma das principais vozes do cinema local. Porta estandarte de uma nova geração, terminou há pouco a rodagem do seu primeiro filme, “Sisterhood”, que conta com Gigi Leung no principal papel. Nesta conversa ficamos a saber as suas motivações, o processo que a trouxe aqui e até como a cultura portuguesa influencia a história

[dropcap]C[/dropcap]omo começou este projecto?
Há muito, muito tempo. Começou quando escrevi o guião, num projecto de curso, estava ainda a estudar em Taiwan. Depois voltei para Macau para trabalhar na TDM quase um ano, como apresentadora, e depois fui para Hong Kong onde fiz o mestrado em cinema. E foi aí que conheci ai o meu produtor (Ding Yuin Shan) que era também o meu orientador. O guião foi o meu projecto de curso e desenvolvi a história. Depois surgiu o concurso do Instituto de Cultural e tive sorte e consegui o milhão e meio para iniciar o projecto.

Sorte, ou o projecto era mesmo bom?
(risos) Sorte porque o concurso foi anunciado à pressa e não nos deu muito tempo de preparação. Mas eu já tinha o trabalho feito… por isso consegui concorrer. Com esse dinheiro fui ter com o meu professor para ver se ele conseguia o resto. Ainda esperámos mais ou menos um ano pelas respostas de produtoras de Hong Kong porque os meus produtores queriam que o filme pudesse ser visto lá mas também na Ásia. Daí que seria melhor para mim ter uma empresa de Hong Kong a investir. Foi aí que surgiu a One Cool Film a dizer que sim.

Quanto mais dinheiro foi necessário?
Cerca de cinco ou seis milhões. Ao princípio pensava que mais um ou dois milhões chegavam mas como temos uma equipa completamente profissional, mais viagens e estadias, não era possível.

A história passa-se em Macau mas parte das filmagens foram feitas em Taiwan. Porquê?
Porque vivi lá quatro anos para estudar mas principalmente porque se parece muito com a Macau antiga. É mais lento, as pessoas são muito simpáticas umas com as outras…

Então quer dizer que Macau hoje não é lento nem agradável…
Está a mudar (risos). Também aconteceu porque a personagem principal do filme, apesar de ser de Macau, casou-se com um taiwanês e mudou-se para Taiwan após 1999. Ela não tinha voltado a Macau desde então e quando regressa encontra uma cidade completamente diferente que mal consegue reconhecer.

Tracy ChoiO que pretende dizer com este filme?
O título em inglês agora é “Sisterhood” e é uma história de amor entre duas raparigas mas também uma reflexão sobre as mudanças ocorridas em Macau. Como sinto a cidade hoje e como a sentia antes. Acho que antes Macau era mais romântica, as pessoas estavam mais juntas. Na realidade, o filme não fala de casinos mas a sua existência tornou a cidade mais frenética, as pessoas distanciaram-se mais. Espero que o filme consiga mostrar isso.

Acha que é um caminho sem regresso?
Acho que sim. Mas, tal como o final do filme, apesar de Macau ter mudado a personagem acaba por ficar porque é a terra dela, o que é um sentimento meu também pois em Macau sinto-me em casa.

O que a motiva a fazer filmes?
Tenho um monte de sentimentos que pretendo expressar mas ou não sou muito faladora ou de fácil aproximação às pessoas. Mas através dos filmes, ou dos documentários, consigo comunicar de uma forma mais fácil.

Tem um tema principal?
Mulheres (risos).

Porquê?
Mulheres e questões relacionadas com género. Acho mesmo que o meu maior interesse são as mulheres. O ano passado também fiz um documentário sobre três autoras de Macau que têm uns 60 anos. Os meus tópicos são mulheres, género…

O que se passa com o género?
Tenho um documentário sobre lésbicas em Macau. É uma história sobre mim e a minha amiga e as famílias. Como elas reagem, especialmente as mães, ao facto das filhas serem homossexuais. E, de uma forma geral, também me interessa saber a reacção dos pais a este assunto.

Acha que Macau é uma cidade que aceita bem a homossexualidade?
Macau é uma cidade muito interessante. As pessoas não objectam muito em relação ao assunto mas também não falam disso. Porque quando queremos levantar questões relacionadas com os direitos das pessoas gay ninguém se mostra muito interessado em debater.

Acha que é por uma questão de vergonha?
Não acho que seja isso. É um bocado como algumas questões políticas. As pessoas de Macau normalmente não gostam de falar do assunto. Talvez seja o mesmo com a homossexualidade.

Talvez porque toda a gente conhece toda gente?…

Isso! Acho que é mesmo por aí. Alguns amigos meus dizem-me que não se assumem por essa razão. Uma vez que um amigo sabe, toda a gente sabe. Por isso as pessoas retraem-se.

tracy choiCom vê o panorama das indústrias culturais, especialmente no que respeita ao cinema ?
É um bocado difícil para Macau construir uma indústria porque não temos audiência que chegue, mas talvez possa apostar mais em co-produções. Não apenas com Hong Kong mas também com a China, a Europa… porque Macau é muito diverso culturalmente, talvez seja esse o caminho.

Que papel o governo deveria assumir no apoio aos cineastas locais?
Não apenas disponibilizar um fundo mas tentar estimular ligação com produtores. Uma série de amigos meus têm boas histórias, projectos, mas não conseguem encontrar produtores nem fundos de co-produção e isso limita. Claro que podemos fazer filmes independentes, mas quando as ideias requerem mais meios, ou pretendemos tentar algo novo, isso não é possível. Ligar os nossos cineastas a outros países, produtores e fundos seria o ideal.

Acerca deste seu filme, que pode dizer em relação ao elenco? A escolha final foi sua ou nem por isso?
Tive escolha mas também porque é uma produtora comercial não podia usar apenas actores desconhecidos. A Gigi Leung, por exemplo, surge pois é reconhecida em Hong Kong e foi sugerida pela produtora. O que também reconheço ter sido bom para mim.

Como realizadora pela primeira vez de uma longa metragem, como se sentiu a trabalhar com uma estrela como Gigi?
Ela é muito simpática. Além disso não trabalhava há algum tempo porque foi mãe recentemente e este filme marca o seu regresso. Estava muito bem preparada e disponível para o papel e foi mais fácil lidar com ela do que pensava. Claro que é uma estrela e, comparada com os outros actores desconhecidos, precisa de mais apoio da produção. Mas, no fundo, é muito fixe.

Até agora, qual foi a melhor parte neste processo de construção do filme?
A possibilidade de trabalhar nesta escala. Como estava a habituada a fazer filmes praticamente sozinha onde tinha de fazer quase tudo, trabalhar assim é uma grande diferença. Além disso, dispor de uma equipa profissional com designer de produção, produtores, etc. permitiu-me concentrar mais em dirigir os actores e no diálogo com a directora de fotografia. Deu-me mais tempo, mais possibilidades de me concentrar, facilitou-me a vida.

Em que fase está o filme agora?
Estamos a montar. Aliás, quem está a montar é a Teng Teng (Harriet Wong). Esperamos ter a primeira montagem no final de Abril. Depois temos de decidir onde vai ser feita o resto da pós-produção. A correcção de cor e o som. Se aqui, se em Taiwan ou em Hong Kong.

E quando espera ter tudo pronto?
Lá para Setembro ou Outubro.

Se tivesse de aconselhar as pessoas a verem este seu filme que diria?
Traz um ponto de vista diferente sobre Macau porque somos locais, tanto eu como a Directora de Fotografia (Simmy Cheong). Crescemos ambas aqui, por isso conseguimos aperceber-nos bem das mudanças e do dia a dia da vida em Macau.

Acha que existe algo da influência portuguesa no seu conceito, na abordagem ao filme ou nem se nota?
Existe um pouco porque um dos personagens é macaense e surge na parte de 1999. Mas é uma cena muito curta. Para além disso, o próprio estilo de vida penso que vem daí. A forma mais relaxada de viver. Essa óptima forma de viver…

Um dia, um homem chinês disse-me que a forma de vida dos portugueses é vista como “gaa fe man faa” (咖啡文化), a cultura do café. No sentido de que arranjamos sempre um pretexto para interromper o trabalho e ir tomar um café…
(risos) Pode ser. Na realidade, repare como recentemente a geração mais nova está a voltar a esse padrão. Por isso têm aberto tantos cafés. É uma forma de resistência à velocidade de Hong Kong porque queremos ter uma vida, não apenas trabalho e dinheiro. Mas por causa dos casinos e todo esse mundo à volta começa a ser difícil relaxar em Macau.

31 Mar 2016

mART | Nova publicação online divulga cultura de Macau, Portugal e não só

“mART” dá nome à publicação que se dedica exclusivamente à cultura, de cá e de lá, dando o pontapé para a inovação da comunicação na área. É a nova revista digital criada por três residentes da RAEM: Luciana Leitão, Sofia Jesus e Sérgio Rola

Macau dispõe agora de uma nova publicação totalmente virada para a cultura da casa e não só. Chama-se “mART” e, segundo Luciana Leitão, co-fundadora do projecto, a ideia terá nascido de um desejo partilhado com Sofia Jesus de criar uma revista cultural que abrangesse de uma forma diferente as actividades da região. Não contentes com a restrição geográfica, viram em “mART” um projecto capaz de ser uma ponte de partilha com o que se vai passando em Lisboa e daí passaram para a Europa e outras partes do mundo, representado a capital portuguesa uma “metáfora”.
Se, numa fase inicial a edição em papel estava em cima da mesa, a edição em formato digital foi ganhando pontos pelas vantagens que apresentava, não só a nível prático e custos inerentes, como enquanto plataforma capaz de uma maior acessibilidade e partilha. E também como portadora de uma maior diversidade de linguagens, incluindo conteúdos multimédia. A esta ideia veio juntar-se Sérgio Rola, a “cara” gráfica da “mART”.

Primeiros passos

Estando ainda num processo embrionário, que Luciana Leitão apela de “teste”, a publicação ainda é predominantemente preenchida com conteúdos de Macau, onde residem os seus fundadores, mas já com alguns “pozinhos de Lisboa”. O objectivo é um futuro crescimento com a possibilidade de uma equipa maior e em que uma divisão equitativa entre a proveniência de conteúdos seja possível. Ainda acerca desta fase, Luciana sublinha ao HM a satisfação perante a aceitação do público, não só português mas também fornecida pelo feedback dos leitores chineses. A responsável salienta que os mesmos têm referido o aspecto inovador da publicação, não só a nível de forma como também de conteúdo dado o carácter único na região.
O barómetro das reacções neste momento é, essencialmente, o Facebook, visto que a “mART” é uma coisa nova “e ainda não entrou na rotina das pessoas”. Assim, a rede social serve de referência pelo progressivo aumento de partilhas e seguidores.
Acerca da opção por uma publicação em Inglês, Luciana Leitão adianta que numa fase inicial o objectivo até seria uma abordagem trilingue – Chinês, Português e Inglês – mas, dadas as dificuldades nomeadamente no que respeita à qualidade de conteúdos em Chinês, optaram por atingir todo e qualquer público que entenda o Inglês e que abrange também uma comunidade cada vez mais internacional que também reside em Macau.
Umas das características distintivas da “mART” prende-se com a colaboração bilateral entre artistas portugueses e de Macau. Relativamente a esta iniciativa de carácter trimestral e materializada pela rubrica “showcase” é impulsionada a interactividade entre os intervenientes, bem como entre os diferentes agentes culturais. Neste sentido é lançado, pela edição, um tema para o qual são convidados artistas a fazer uma pequena “amostra” do seu trabalho tendo como referência a ideia proposta.
Para o futuro, para além da continuação do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, é ambição da “mART” dar forma a uma secção do site que albergue perfis de artistas, associações e agentes culturais, capaz de, quem sabe, vir a servir de base de dados de modo a confluir numa maior interacção e comunicação. Novidades para breve passam também pela criação de uma newsletter e de uma agenda online.
Fazem parte da equipa da “mART”, para além dos fundadores, Maria Caetano e Clara Tehrani e a publicação está disponível em https://martmagazine.net/.

30 Mar 2016

Centro de Ciência acolhe exposição de dinossauros

[dropcap style=’circle’]”[/dropcap]Dinossauros em carne e osso” já podem ser vistos no Centro de Ciência de Macau. Uma exposição “espectacular e única”, como indica a organização, que tem como objectivo dar uma melhor compreensão ao público sobre esta espécie que terá assumido o domínio do planeta durante cerca de 160 milhões de anos e cujo desaparecimento ainda hoje permanece envolto em controvérsia.
Esta é a oportunidade de entrar em contacto com as diferentes espécies, com o seu comportamento e habitat, bem como com o papel que desempenharam nesta era geológica – a Mesozóica. Para o efeito estão à disposição dos visitantes 14 réplicas mecânicas de dinossauros, jogos interactivos de realidade virtual e realidade aumentada, 72 modelos de dinossauros em escala reduzida e livros electrónicos referentes à exposição.
Para enriquecer a experiência, o Centro de Ciência de Macau alarga ainda o leque de actividades oferecidas, sendo que tem preparadas diferentes acções tendo em vista um público de todas as idades. Entre elas destacam-se a organização de palestras como a colaboração com escolas locais, palestras científicas, workshops para famílias, visitas guiadas dramatizadas, teatro científico e concursos de desenho e de escrita.
Em destaque está um convite de regresso ao passado com a exibição do filme premiado na cúpula do planetário – “Dinossauros ao Entardecer: as origens do voo 3D” convida o público a acompanhar a vida e extinção destes “míticos” seres.
A organização sublinha ainda a realização do Concurso Multimédia e o Concurso de Pintura de Dinossauros enquanto forma de promoção da exposição, em que terão sido superadas as expectativas com a recepção de 1500 trabalhos dos mais pequenos através da participação de 47 escolas primárias locais e cujos vencedores estão expostos no átrio do Centro. Outra novidade vai para os guias da exposição, em que o visitante pode ser surpreendido com a companhia de estudantes locais com idades compreendidas entre os 8 e 12 anos dentro da iniciativa formativa de “Pequenos Comunicadores de Ciência”.
A exposição estará patente até 11 de Setembro.

 

29 Mar 2016

Marco Mueller, director do Festival Internacional de Cinema de Macau

Frequenta a China desde os 16 anos e já dirigiu os Festivais de Veneza e de Roma, criou o de Pesaro e colaborou com o Rota da Seda e o de Pequim. Já tentou organizar festivais aqui sem nunca ter sido possível. Mais de 20 depois este chega finalmente. Um festival que promete ter “apostas imprevisíveis” e que Marco Mueller espera ser uma missão histórica para Macau

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]um poliglota. Aprendeu em pequeno, mas como?
(risos) Fui criado em Roma, a minha mãe era brasileira e parte da família grega. Saíram com o início do fundamentalismo muçulmano. A família do meu pai tem origens na Lorena e quando a região passou para a Prússia mudaram-se para a Suíça por ser multicultural. Daí falar Francês, Alemão, Português e Italiano. No primeiro ano do liceu decidi acabar com as línguas da casa e fui estudar Chinês.

Por que razão alguém pretende estudar Chinês nessa época?
Nunca fui marxista leninista, mas fui marxista “desleninista”. Era o tempo dos movimentos estudantis e das filosofias orientais. Lia Mao Tse Tung e os sutras budistas em Chinês, no original.

Mao Tse Tung aparecia como um herói para um jovem como o Marco?

Claro. Mas também os bodhisattvas e os mestres do desenho chinês.

E veio para a China com 16 anos.
Como estudante de Chinês, mais tarde ou mais cedo isso iria acontecer. Ainda por cima a Itália foi dos primeiros países ocidentais a estabelecer relações diplomáticas com a China. Fui para Pequim no primeiro grupo de estudantes bolseiros.

Com a Revolução Cultural em curso, como foi o impacto?
Não havia nada. Os estrangeiros não podiam entrar nas bibliotecas e 90% dos livros eram proibidos para nós. Então comecei a ver dois filmes por dia.

Dos que podia arranjar…
Sim, claro. Policiais romenos, melodramas da Coreia do Norte, grandes espectáculos históricos albaneses… Não tinha alternativa.

Ficou desiludido?
Sim. Tinha-me formado em Antropologia, especialidade em Musicologia, e pensava que ia fazer a pós-graduação no Instituto de Ciências Sociais. Era um ninho de demónios feudais, disseram-me, e deram-me a possibilidade de estudar literatura de massas na Manchúria. E fui. Só havia um professor, mas era óptimo. Ensinava estética tradicional, uma disciplina perigosa, de vanguarda, e foi que ele quem me explicou como a estética da poesia tradicional pode entrar no cinema. Em Janeiro de 77 comecei a poder ver cinema de género dos anos 50 e 60. Incrível. Foi como descobrir um continente submerso e decidi continuar.

Como aconteceu isso?

Quando terminei o doutoramento houve um princípio de abertura no regime e distribuíram mais de cem filmes.

Casou-se também na China.
É verdade, em Julho de 76. Sui generis. Frente a um comité revolucionário. Os estrangeiros apenas podiam casar-se no Comité do Bairro de Chaoyang. Corria a campanha contra a liberalização burguesa, por isso não havia táxis, apenas autocarro, e a cerimónia foi só a assinatura. Nem fotos eram autorizadas e festa nem pensar. Fizemos uma clandestina, claro. Comprámos umas coisas em segredo, como uma garrafa de champanhe soviético.

TA02Quando saiu da China?
Em 77. Mas voltei em 78 e desde então tenho voltado regularmente. O programa universitário obrigava-me a escolher outro país mas recusei, saí da universidade e organizei o meu primeiro festival de Cinema, o de Pesaro, um dos grandes festivais do cinema novo e a primeira vez que um lote de filmes chineses foi mostrado na Europa. Como a selecção era demasiado diplomática decidi desenvolver uma retrospectiva do cinema chinês. Pequim não enviava cópias, então fui à procura. Em Havana descobri uma sala, na Chinatown, chamada Aguila de Ouro, onde tinham uns 30 filmes dos anos 30. Depois, no teatro chinês de São Francisco, o World Cinema Theatre que aparece no final do filme do Orson Wells “A Dama de Xangai”, encontrei mais uma enorme colecção.

Que descobriu nesse espólio?
Uma mescla entre o cinema social e Hollywood. Sempre foi assim. O cinema de Xangai nos anos 30 era isso: a Hollywood do Oriente.

Acha que está tentar voltar a ser?
Sim. Estão a tentar mas o meu primeiro amigo entre os cineastas chineses, Xie Jin, falecido há quatro anos (suspira), e uma pessoa com uma cultura completa de cinema, tinha um sonho: juntar o cinema soviético com o de Hollywood.

Porquê?
Porque adorava o cinema de género e entendia que o cinema devia ser popular, entretenimento antes de ser outra coisa qualquer.

É a sua visão também?

Sim, gosto da ideia de que não devemos dar muitos passos à frente do público. Devemos deixá-lo acompanhar. Andar um ou dois passos à frente, tudo bem. Muito mais não.

Esteve como consultor do Beijing International Film Festival (BJIFF) mas deixou. O que correu mal?
O sistema das quotas. Era muito difícil obter qualquer tipo de resposta. Não entendo a razão e isso não funciona. Mas gostei da experiência e foi, com certeza, uma oportunidade de perceber os hábitos do público chinês.

Anos antes do BJIFF dizia que este se podia transformar num hub comercial. Não é possível…
Não é. A grande diferença entre Pequim, Xangai, o Rota da Seda e o Festival de Macau é aqui podermos ter uma relação normal com os distribuidores. Se ele quiser mesmo o filme vai discutir por uma quota. Em Pequim era muito difícil porque a decisão não era nossa, era política.

Também fala de Macau como plataforma para o mercado chinês. Todavia, o sistema de quotas ainda lá está. Que muda, como vai funcionar essa plataforma?
Os distribuidores não tinham ligação com os eventos e com a distribuição comercial mundial. Então a excitação em relação aos nossos planos aqui é podermos convidar os grandes distribuidores de filmes chineses da China e da região. É o local ideal para organizar uma mostra menos previsível do que aquilo a que estão habituados.

Para quem viu a China nesses idos anos 70, nomeadamente as restrições da Revolução Cultural, e a vê agora acha que existe alguma recuperação desse passado neste momento?
O ano passado em Pequim não foi muito difícil. Existiam três níveis de censura e conseguimos aprovar 90% dos filmes seleccionados. Não senti grandes dificuldades, mas claro que estou a par das notícias.

Como veio parar a Macau?
A primeira vez em 94, era Luís Mergulhão então presidente do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual). Convidou o Paulo Branco e depois a mim por conhecer o meu trabalho sobre o cinema português. Viemos a Macau com a ideia de inventar um festival de cinema. Nunca aconteceu pois na altura ou havia aeroporto ou havia festival. Voltei com o Peter Lam, estava já no Festival de Veneza. Ele queria uma relação entre o Festival e o Venetian mas, para mim, isso era diplomaticamente muito difícil. A terceira vez foi quando Pansy Ho me convidou para organizar um evento de cinema na Torre de Macau. Depois a ideia não continuou.

Qual a visão para este festival?
Um ponto focal. A política da China precisa de uma diferenciação com pólos distintos. Macau tem uma herança cultural que se coaduna com os objectivos. Um exemplo: os suíços-italianos. Vejo-os como mediadores entre culturas que não se relacionavam. As pessoas de Macau são isso também: mediadores.

Acha que este festival pode vir a ser mais importante do que o de HK, Pequim ou Xangai?
Não quero saber disso. Estou mais preocupado em colaborar. O Golden Horse (Taiwan), por exemplo, está a fazer um excelente trabalho com o workshop de projectos e também queremos fazer um semelhante. Por isso propusemos que o nosso seja um sumário de todos os workshops feitos na área. Decididamente, quero alguém do festival de Hong Kong no comité de selecção. Vamos ter programações diferentes e pretendemos colaborar com todos estes festivais.

Que tipo de programação podemos esperar para Macau?
Cinema de género, filmes populares, mas originais. Bastante vanguardistas, cutting edge.

Que legado o festival deixará para a cidade?
Tentar juntar os diferentes grupos de espectadores da cidade com uma oferta menos previsível. Oferecer filmes que não aparecem no circuito comercial da região. Por isso vamos ter uma retrospectiva onde dez dos melhores realizadores asiáticos de género vão seleccionar um filme que não seja nem americano nem da Ásia Oriental. Há dias falava com dirigentes do Centro Nacional do Filme Francês e diziam-me que nos anos 80 e 90 existiam filmes franceses em Hong Kong e mesmo na China, mas nos últimos anos não vendem nem um. Temos de mudar isso.

Diversidade cultural?
Sim, mas no universo do cinema popular. Vai ser uma oportunidade única nesta cidade tão especial, tão vocacionada para servir como plataforma de trocas e contactos em todas as direcções. Um festival que funciona tem de ter como lema “em frente a todo o gás mas em todas as direcções”. Se quisermos sentir profundamente o que se passa à nossa volta temos de agir assim.

Vai ser a tempo inteiro?
Vou dedicar a maior parte do meu tempo ao festival, sim, mas há algo que nunca deixarei de fazer: dar aulas. É a única forma dialogar com os mais jovens, de perceber o que eles vêem, se vão ao cinema ou não, ou quando decidem ir. O mês passado levei a minha turma de 75 à fronteira entre a Itália e a Suíça onde temos a melhor sala do país para vermos o último do Tarantino (“Hateful Eight”), uma produção em 70mm. Aí eles perceberam a diferença que é ir ao cinema. Perguntava-lhes quantos pagavam 12 francos para irem ao cinema. E daquele grupo praticamente nenhum ia. Depois de verem o “Hateful Eight” no grande ecrã perceberam a diferença para os ecrãs pequenos.

Não existe uma indústria em Macau. Para os que aqui fazem filmes que tipo de relação devem esperar com este festival?
Muito próxima. Quando falo nos workshops que vão sumarizar tudo que foi feito durante o ano na região também temos de abordar a experiência local. A Tracy (Choi), por exemplo, está a filmar, não sei quem acabará primeiro se ela, se a Emily [Chan] ou o Ivo [Ferreira]. Mas facto de existir mais do que um filme, alguns já filmados, e vários grandes documentários tranquiliza-me porque senão seria um suicídio tentar organizar uma operação num lugar que fosse desprovido de cineastas, de cinema. O filme da Tracy, por exemplo, junta profissionais de primeira categoria, de Taiwan, Hong Kong… Ela própria estudou em ambos os lados mas não deixa de ser uma história de Macau. Por isso, a ideia que de todos estes talentos se vão religar em Macau é um sinal muito positivo.

A razão pela qual os cineastas locais devem ficar satisfeitos com este festival é essa possibilidade de contacto?

Sem dúvida. O facto dos Asian Film Awards terem vindo a ser apresentados em Macau é mais um sinal para a indústria que Macau não serve apenas para jogar. Na condição, claro, que se acredite na possibilidade de fazer remixes num lugar como este.

Que terá de acontecer no final do festival para dizer que correu bem?
Três coisas: os cinemas estiveram cheios, caso contrário não faz sentido e é uma das razões pelas quais quero assumir este desafio. A noção que vários filmes entraram no caminho certo para o reconhecimento num mercado mais vasto e sermos capazes de aumentar o interesse em Macau de forma a que cumpra o seu papel histórico de atingir mercados como os do Japão, Coreia, Índia e Sudoeste Asiático.

Daqui a cinco ou seis anos quando as pessoas se referirem ao festival de Macau que gostaria que dissessem?
Hoje todos dizem que Cannes é o festival a não perder na Europa. O mesmo acontece com Toronto, nas Américas. Macau pode vir a ser o lugar onde se vem para resumir o ano. Um festival em Dezembro não significa apenas que acontece após as grandes convenções do sector na Ásia mas também que podemos anunciar coisas para o novo ano.

Que significará para um cineasta receber um prémio aqui?
Que o filme teve um reconhecimento mais vasto em termos de mercado e de audiência. Mesmo os prémios de Cannes às vezes são escondidos pelos distribuidores porque têm medo que passe a ideia de ser um filme difícil, mais um arthouse… É por isso que estamos a construir um escritório da indústria aqui.

Como tentou fazer em Roma?

Sim, é uma coincidência mas fiquei contente em saber que a Lionsgate, os produtores dos “The Hunger Games”, está a preparar algo para Macau nos próximos dois anos. Mas, disseram-me eles, a melhor experiência num festival foi comigo, em Roma, quando lhes arranjámos sete mil fãs para a estreia do “Catching Fire”.

Vai voltar a fazer um filme?
Não me parece.

Nem como actor?
Isso pode acontecer amanhã (risos). Como figurante, talvez (mais risos). Voltar a produzir não. Tiro muito mais gozo com os potenciais efeitos multiplicadores que um festival pode criar do que tiraria a fazer filmes.

29 Mar 2016

UM | Conferência sobre inteligência artificial

Depois do sucesso do programa AlphaGo da Google, a inteligência artificial (IA) está na ordem do dia. Na passada semana, o professor Lionel Ni, vice-reitor da Universidade de Macau (UM), deu uma palestra onde explicou o fenómeno. Para o académico, por muito inteligente que as máquinas sejam, os humanos não precisam de ter medo delas. Mas reconhece que milhões de empregos vão desaparecer

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]arecia mais um acontecimento trivial, mas quando o AlphaGo derrotou o tricampeão Europeu de Go a comunidade científica começou a perceber que as mudanças que se esperavam bem mais para frente vão começar bem mais depressa. Apenas meses antes vários especialistas entendiam que precisaríamos de mais uns dez anos para tal ser possível. Para se ter uma ideia, o Go é um jogo muito mais complexo que o xadrez, com cerca de 10¹⁷⁰ posições possíveis no tabuleiro (no universo existem apenas 10⁸⁰ átomos). A grande diferença nestes sistemas de IA é terem por base o que se chama Deep Neural Networks, uma espécie de cérebros humanos, o que permite às máquinas aprenderem de uma forma estonteante. Tal como nós, as máquinas agora aprendem por associação de conceitos a imagens e situações com a vantagem de terem acesso directo à designada Biga Data. Basicamente esta define-se por toda a informação que vamos produzindo e colocando online diariamente. Para se ter uma ideia do volume que isso representa, um estudo de 2013 elaborado pela SINTEF (a maior organização independente de pesquisa da Escandinávia) estima que 90% de toda a informação no mundo tenha sido criada nos dois anos anteriores, sendo duplicada a cada ano e meio. Estas notícias fazem muitos temer pelo futuro robótico que se anuncia, onde as máquinas irão substituir os humanos, quiçá, ameaçar a nossa a existência. Mas em relação a isso, o prof. Lionel Ni tem uma postura tranquila garantindo que “as máquinas não vão causar problemas aos humanos” afirmando mesmo que, “com a tecnologia actual, as máquinas não vão suplantar a inteligência humana”.

Milhões de empregos em risco

A IA vai, todavia, destruir milhões de postos de trabalho e nesse aspecto o professor não discorda. Quando confrontado com o exemplo do sistema “Amélia” da IPsoft, em beta testes em várias grandes empresas mundiais e que irá substituir todos os serviços de assistência ao cliente e de telefonistas, estimando-se na ordem dos 250 milhões de postos de trabalho a serem extintos em todo o mundo quando estiver em pleno funcionamento, o catedrático ironiza dizendo que “pode ser que tenhamos todos mais tempo para ir de férias e passar tempo com as famílias”. Segundo o académico, apenas os empregos “low tech” estão em risco e aponta a inovação como o caminho a seguir.

Novo motor a vapor

“As maiores empresas estão a contratar todos os que podem para trabalhar nesta área. Os meus alunos nos Estados Unidos estão todos empregados,” disse à audiência que enchia o auditório da UM confirmando a grande procura de profissionais para a área da IA. “É um grande avanço tecnológico”, diz o professor, “como a invenção do motor a vapor”, garante, o que diz bem do potencial revolucionário desta nova tecnologia. “É claramente uma nova ferramenta” diz o académico mas reforça que “a inovação tecnológica deve ajudar a humanidade e a pesquisa científica não deve trazer desastres nem a máquina deve tornar o homem inútil” reconhecendo, todavia, que os “computadores não erram” pois não têm emoções como nós. Mas será que podem vir a ter já que podem aprender, quisemos saber, mas Lionel recusa-se a acreditar nisso.

Salário para não trabalhar

A propósito das potenciais rupturas que esta tecnologia pode vir a criar nos sistemas sociais pelo mundo fora, vários cientistas, onde se inclui o Andrew Ng, Cientista Chefe da Baidu e fundador do projecto de Deep Learning “Google Brain”, Andrew Ng, defendem que os governos devem começar a pensar seriamente na possibilidade de criarem um rendimento garantido para toda a população. “Existe uma forte possibilidade de que a IA vá criar desemprego massivo”, disse Ng na última Cimeira de Deep Learning realizada já este ano. Em relação a esta solução Lionel Ni vai adiantando que “é um problema dos políticos” mas reconhece que “impostos mais altos para a indústria para distribuir mais dinheiro pelas pessoas poderão ter de vir a ser considerados”. Contrariamente a outros seus colegas que entendem que os avanços tecnológicos a partir de agora serão parabólicos e não lineares, o professor Lionel Ni entende que “as mudanças irão ser graduais”.

29 Mar 2016

Matilde Campilho, poeta: “A escrita tem muitos caminhos”

Com “Jóquei”, Matilde Campilho fez uma revolução na poesia e na sua própria vida. Dois anos depois da sua publicação, a poeta portuguesa vive com um pé entre a sua Lisboa e o Rio de Janeiro que a levou a escrever. Assume que tem de se distanciar do seu primeiro livro e todos os dias rabisca palavras, mas não sabe sequer se vai publicar novamente. “Não tenho pressa nenhuma”, assegura

Comecemos por “Jóquei”. Mudou imenso a sua vida. Alguma vez pensou que o livro teria este impacto?
Não, o livro mudou absolutamente tudo. Nunca pensei que teria este impacto, porque o primeiro livro fazemo-lo sem pensar sequer em publicar. É boa a inocência do primeiro livro e se calhar nunca há mais nenhum como esse, fazemos porque temos de o fazer, porque é o nosso trabalho. Mas tudo o que surgiu depois disso foi completamente inesperado.

O que fazia nessa altura para além de escrever poesia?
Tive vários empregos, antes de me dedicar só à escrita. Digo sempre que a escrita é o meu trabalho mas tenho muitos empregos. Antes do livro, antes de me focar só nisso, desde que saí da faculdade, trabalhei sobretudo em televisão e em publicidade, mas sempre muito ligada à escrita e à parte criativa.

O que a levou a ir para o Rio de Janeiro?
Quando acabei o curso fui viver para Madrid, fiquei lá uns anos, e depois decidi voltar para Portugal, porque Madrid não tinha mar e isso dava-me uma certa angústia. Mas ao fim de um ano já estava meio inquieta e decidi ir ver o Rio de Janeiro, do qual toda a gente me falava. Tinha um bocadinho de medo de querer ficar e não estava pronta para ficar em lado nenhum ainda. Mas foi isso que aconteceu, fui para ficar 15 dias e fiquei três anos. E depois disso nunca mais parei de ir e vir. Já vivo em Lisboa há dois anos mas continuo a ir muitas vezes ao Rio de Janeiro, é muito casa. 24316P10T1

O Brasil mudou a sua percepção de escrita?
Sem dúvida. Em parte por eu ser estrangeira. E já tinha isso em mim, o facto de ser estrangeira num lugar tão distante. Apesar de parecer tão semelhante, é distante fisicamente e em muitas coisas: gestos no dia-a-dia… e quando somos estrangeiros estamos mais atentos, por um lado, às coisas pequenas e mais focados no que somos. Por um lado há mais espanto e novidade, mas por outro há mais silêncio por dentro, porque não temos os gestos e amigos habituais. Houve um conjunto de circunstâncias que me levaram a focar naquilo que se tornou no meu eixo.

Escreve poesia de forma diferente, usando três linguagens diferentes. Acredita que trouxe algo novo à forma como se pode escrever poesia?
Não sei, é difícil para mim ser tão crítica de mim mesma. Fiz o que pude e o que consegui fazer. Acho que ajudou o facto de ser estrangeira e de não estar ligada a nenhum grupo, porque hoje em dia, apesar de ser menos visível, continua a haver nas cidades grupos de gente que escreve e acaba muitas vezes por usar o mesmo tipo de linguagem, mesmo ao nível das artes plásticas. E eu estava a fazer o caminho mais sozinha, mas por outro lado estava a receber influências de vários lugares diferentes. E talvez tenha sido isso que levou a que a voz poética seja tão misturada com tantas coisas e lugares e dialécticas. É uma grande mistura de muita coisa que já existia.

Essa mistura de linguagens, do Português de Portugal, do Brasil e do Inglês, surgiu espontaneamente?
Surgiu disso, das influências dos vários lugares, dos poetas portugueses, dos meus poetas, dos escritores brasileiros, da América Latina, com os quais eu começava a tomar muito contacto. Ao mesmo tempo começava a ler os norte-americanos e os ingleses e tudo isso se misturou tudo neste livro (“Jóquei”). Foi quase como se nos sentássemos todos à mesa e eu os tivesse chamado para conversar.

Há inclusivamente um poema que faz referência a Walt Whitman. Mas que outros nomes, portugueses ou brasileiros, a inspiram para escrever, ou que são uma referência?
A pergunta das referências é sempre complicada porque, primeiro, as minhas influências agora talvez já não sejam as mesmas, porque este livro, na verdade, já o publiquei em 2014 e já estava terminado em 2013. Já passaram esses anos, e trabalho todos os dias, e as influências mudam muito. Há umas muito firmes. Volto sempre ao [T.S.] Elliot, [Walt] Whitman e há poetas portugueses que andam sempre no meu bolso, como o Rui Belo, o António Franco Alexandre, o Fernando Assis Pacheco, o Mário Cesariny. Depois na minha geração há gente a fazer coisas boas, os contemporâneos. Só que isso é um fluxo contínuo, há uns que ficam e aos quais voltamos sempre, mas há outros em que já estamos diferentes e eles dizem-nos outras coisas. Mas continua, por outro lado, a existir a influência da rua. Estou aqui, na Ásia, e tudo isto me influencia, ainda ontem fiz uns rabiscos sobre as luzes dos casinos. Ainda são só notas, mas a influência da rua é talvez a mais importante.

Macau será então uma influência para o próximo livro ou, pelo menos, para alguns poemas.
Não faço ideia, está a ser influência no hoje, no agora, mas o que isso vai dar em termos de poesia feita e fechada, não sei. Às vezes pode até ser invisível, porque quando falo em influência da rua, muitas vezes as referências não são assim tão claras. Posso ter Macau no meu subconsciente e sair um poema sobre uma praça em Lisboa.

Uma das críticas publicadas no livro diz que “Jóquei” é um álbum de Verão. A sua poesia é leve, fala do amor mas não de uma forma pesada, por exemplo. Concorda?
Acho que é um livro que tem várias camadas e talvez a primeira que se veja seja essa, das bofetadas da alegria. Mas na verdade mesmo quando um poema termina com a palavra alegria, para chegar até ali muitas vezes passa por cavernas de breu. A questão é o que queremos apresentar no “big picture”. Escolhi apresentar-me no livro de uma maneira mais luminosa, não deixando de dizer toda a escuridão que foi preciso atravessar para chegar ao fim dele. Como a vida mesmo. No dia-a-dia a vida acontece-nos, a maneira como reagimos às coisas somos nós que decidimos. Isso foram todas decisões, de ir pela via mais suave, mas sem esquecer tudo o resto.

Porquê o nome “Jóquei”?
Essa vai ser uma resposta muito longa. Foi difícil chegar ao nome do livro, porque acompanhou-me durante muito tempo e teve nomes muito diferentes. Foi como aqueles nove meses em que uma mãe conversa com o pai para decidir o nome do bebé. Sabia que seria o nome que o iria acompanhar para sempre, porque é o meu primeiro livro. Mas tudo isso antes de publicar, eu queria dar um nome aquilo que estava a fazer. Há várias razões para se ter chamado “Jóquei”. Uma vez estava a falar com um amigo sobre um poema americano que falava de um cavalo e fiquei com aquilo na cabeça. Nem há referências a cavalos nesse livro. A outra razão é que há um jóquei no Rio de Janeiro e outro em Lisboa, um Jóquei clube, também há aqui. Gostava muito do jóquei clube do Rio de Janeiro, passei muito tempo sentada naquelas bancadas vazias a ver aquelas montanhas. Depois há uma explicação mais longa e foi essa que me levou a decidir “ok, é isto”. O Jóquei, que monta o cavalo, na minha ideia quando começa a correr é para ganhar. E com o tempo, quanto mais corridas se fazem, vamo-nos apaixonando pelo cavalo e não por vencer ou perder, mas sim pelo correr. E então a poesia acaba por ser um cavalo. Apaixonei-me pela poesia, pelo cavalo, e a questão já não era só ganhar ou perder, mas fazer a corrida.

Como são os seus rituais de escrita?

A escrita tem muitos caminhos. Tenho estado aqui e tenho tirado muitas notas, no telefone, num guardanapo. Tenho um ritmo de trabalho que implica acordar de manhã, às sete da manhã, beber café, ficar a ler e começar a escrever uma ou duas horas depois. Sendo que há a influência da rua e de dentro, nos livros, é depois à mesa que isso se mistura. O exercício de escrita, com o tempo, revelou-se uma questão de limpeza e não de acrescentar. Tirando, tirando, até ficar só aquilo.

É uma poesia mais trabalhada.
Por outro lado já fiz poemas inteiros na rua que é aquilo e está fechado. Mas isso é mais raro.

Decerto já está a trabalhar no segundo livro? Como é que será?
Não faço ideia, nem sei se estou a trabalhar para o segundo livro. Escrevo, mas não faço ideia quando haverá o livro.

Pode não haver?
Por enquanto estou só a viver e a trabalhar, é cedo ainda. Preciso de me distanciar um pouco mais dele, a minha voz mudou muito nos últimos anos, está a mudar muito, e assim como demorei muito até fechar este livre e sendo que a minha vida mudou tanto depois dele…

Tem que se separar de “Jóquei” para seguir em frente.
Não só de “Jóquei”. A minha linguagem mudou, a minha escrita, o meu tipo de vida. Até encontrar de novo uma voz que eu diga “ok, és tu” vou continuar a trabalhar. Não tenho pressa nenhuma.

O facto de ser o primeiro livro não ajudou ainda a definir essa voz?
A nossa voz muda muito, todos os dias. Mesmo quem não escreve… estamos em constante mutação. Os temas são outros, a maneira de viver é outra, e estou a fazer as coisas muito devagar.

24 Mar 2016

AFA | Época de exposições abre com fotógrafos locais

A Art for All Society (AFA) abre a sua temporada de exposições no próximo dia 30 de Março, com “Paisagens Escondidas”, que integra imagens da dupla de autores da terra Season Lao e Tang Kuok Hou. Pelas 18h30, a exposição “Paisagens Escondidas” reúne fotografias de Macau e do Inverno de Hokkaido com trabalhos da série “Dialects”, de Lao.
Ao falarem de si, os autores – apesar das proximidade etárias – consideram que assumem estilos artísticos francamente diferentes. Lao, que vive neste momento no Japão, apresenta trabalhos que visam essencialmente a natureza numa perspectiva “zen”- Já Tang, graduado pelo Departamento de Sociologia da Universidade de Macau, terá optado pelo trabalho artístico debruçando-se nos conceitos identitários, temporais e referentes aos problemas culturais.
“Paisagens Escondidas” é também percepcionada de forma diferente por ambos. Lao, que visitou Hokkaido enquanto estrangeiro, terá ficado absolutamente fascinado pelas paisagens naturais da região bem como pelas suas florestas brancas de neve, o que o terá levado à ânsia de fotografar cada um destes cenários. Por outro lado, Tang procede a uma abordagem da actual Macau, numa tentativa de captura de cenários distintivos locais, longe do estilo Las Vegas, mas antes em busca do silêncio da cidade.
Apesar das diferenças, ambos estão no encalce de uma paisagem que se esconde na sua mudez e beleza. A exposição estará patente ao público até 30 de Abril e tem entrada livre.

24 Mar 2016

Sound & Image Challenge | Abertas inscrições para 7ª edição

Já começaram os preparativos para aquele que será o sétimo Sound & Image Challenge, numa iniciativa da Creative Macau e de cariz internacional rumo à promoção local da criação audiovisual. As inscrições para a recepção de filmes e videoclipes estão abertas e dia 2 de Abril já há um evento

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]stão abertas as inscrições para que aconteça entre 6 e 11 de Dezembro mais uma edição do festival de curtas de Macau Sound & Image Challenge, organizado pela Creative Macau. Com uma periodicidade anual, este é o momento local de excelência dedicado às curtas-metragens em que se pretende estimular a produção cinematográfica, bem como incentivar os produtores do exterior a competir em Macau. Por outro lado é também seu intuito promover de modo geral a cultura audiovisual .
Para isso, são realizados dois concursos: o “Shorts”, que incorpora quatro categorias principais – ficção, documentário, publicidade e animação, bem como filmes que integrem os valores de Macau dentro dessas mesmas categorias – e o “Volume” para a produção de vídeos musicais de bandas de Macau.
As submissões para o concurso estão abertas, sendo que o período termina no próximo dia 16 de Junho. Para os participantes do Volume, está disponível a lista de canções de bandas locais através do site do concurso (www.soundandimagechallenge.com.mo), sendo que os interessados poderão ainda utilizar temas à sua escolha desde que sejam de Macau. Farão parte do júri profissionais da indústria audiovisual e vídeo-musical.
No “Shorts”, o júri da pré-selecção é constituído por Alice Kok, artista e curadora, António Caetano Faria, realizador e produtor, Emily Chan, realizadora e argumentista, Lorence Chan, realizador, e João Cordeiro também membro do júri de pré-selecção.
Cada concorrente poderá participar com um máximo de três filmes originais, sendo que as respectivas produções terão que ter data de término entre 1 de Janeiro de 2015 e 16 de Junho de 2016.

Palcos especiais

Esta edição conta novamente com a utilização de dois espaços privilegiados de Macau: o Teatro D. Pedro V, que será o espaço das “honras da casa” e acolherá a recepção das cerimónias de abertura e entrega de prémios, a mostra das curtas finalistas, para votação da audiência para o prémio “Melhor Filme do Público”, extensões, estreias e será ainda o lugar de encontro com os realizadores internacionais que virão a Macau expressamente para o Sound & Image Challenge.
O outro espaço eleito foi a Cinemateca Paixão, conhecida pela sua dedicação à divulgação da cultura cinematográfica em Macau, onde irá decorrer entre 10 e 11 de Dezembro um programa mais concentrado na mostra de filmes e videoclipes musicais, tanto finalistas com premiados. Será também o palco de encontro entre os realizadores internacionais e locais.

Sucesso em números

Segundo a organização, o festival terá sido um “tremendo sucesso” em 2015, com destaque para a “qualidade representada nos 680 filmes submetidos, com proveniência de 65 países, não descurando a participação na área musical com a recepção de 45 videoclipes”. E como sem público não há “festa”, a organização salienta também o interesse crescente da população local.

Simpósio no MAM

O dia 2 de Abril é a data marcada para um simpósio acerca de filmografia, já inserido no âmbito do SIC 2016. O encontro a ter lugar no Museu de Arte de Macau convida os oradores Joyce Yang, crítica de cinema e membro da FSCHK, Sam Ho, curador do festivais de cinema e escritor, Albert Chu, realizador e produtor, e João Cordeiro, designer de som e animação, sendo moderado por Alice Kok e Benjamin Hodges, professor de produção de vídeo e multimédia.

Categorias e prémios

Melhor Evento do Festival – 20 mil patacas
Melhor Ficção – 10 mil patacas
Melhor Documentário – 10 mil patacas
Melhor Animação – 10 mil patacas
Melhor Publicidade – 10 mil patacas
Melhor Local – 10 mil patacas
Identidade Cultural de Macau – 10 mil patacas
Prémio do Público – 3 mil patacas
Melhor VOLUME – 10 mil patacas

23 Mar 2016

Luís Patraquim, escritor : “A sede de conhecimento em Moçambique é grande”

Luís Patraquim é de conversa fácil, mas não de conversa mole. Preocupado com o estado de insegurança no país, deseja paz, mais compreensão para a importância da cultura e traz-nos novas de um povo com uma enorme ânsia de aprender. O convidado do Rota das Letras rejeita paternalismos, desconfia dos tolerantes e não percebe por que os cidadãos ainda não circulam livremente pela CPLP

[dropcap]O[/dropcap] que o motiva a estar vivo?
Aconteceu-me estar vivo, portanto tenho de fazer o melhor possível. O Reinaldo Ferreira (poeta moçambicano) tem um verso que dizia “ai de mim que não pedi para nascer e sou forçado a viver”, mas ele era pessimista. Não chego a esse ponto, sei que isto é tudo um absurdo, mas também tem coisas com piada pelo meio. O projecto dele era “Um voo cego a nada”. Um belíssimo poeta que morreu demasiado novo, filho do famoso Repórter X, da I República.

E na sua obra? O que o motiva a investigar, a escrever, a pensar?
Julgo ser a curiosidade das coisas. A necessidade interior de dizer coisas que já foram ditas. Mas cada um diz à sua maneira. Porque não sou pretensioso, direi que existe algo de maravilhamento no mundo, apesar das tragédias pessoais e colectivas que sabemos. Há esse maravilhamento a que nos compete ficar atentos.

Como por exemplo…
Uma criança que corre a rir pela rua fora.

Dizer o que já foi dito. Vivemos num incessante círculo vicioso?
Tem dias (risos). Mas passa por aí. Daí o mito do labirinto. A descoberta, aquele desafio do desconhecido para depois resgatar algo que, no fundo, é algo dentro de nós, que não conhecemos, para depois produzir um sentido qualquer. Os sentidos inventamos nós a cada momento, não é? A linguagem e a música são os primeiros dessa invenção de sentidos que fomos inventando ao longo da histórias em várias culturas e sociedades.

Será possível formular uma pergunta que nunca lhe tenha sido feita? Algo que você desejasse falar e nunca tenha tido oportunidade?
Por exemplo, com quantas gajas é que andou? (gargalhadas) Mas, como sou cavalheiro, não digo.

Os brasileiros têm a expressão “abaixo do equador não existe pecado”. Em Moçambique também é válida?
Isso são aquelas frases meio folclóricas mas, num certo sentido, é verdade. O pecado é da ordem do religioso. A ética é da ordem da filosofia. Eu não me revejo em nada que tenha a ver com pecado, mas sim em tudo o que tenha a ver com ética.

Como é a vida em Moçambique?
Não é fácil. Tem ilhas de tranquilidade de um viver ainda tradicional e antigo e a emergência deste conflito que está no começo mas que pode vir a ser perigoso. Tem cidades, como Maputo, que começam a ser uma grande confusão. Alta velocidade, interesses, o dinheiro, o dinheiro, o dinheiro… Mas tem outros espaços absolutamente aprazíveis onde se pode viver sem stress como, por exemplo, a cidade de Inhambane.

Em Maputo descobrem-se muitos sinais de Portugal, da culinária a símbolos como o dos clubes… Existe uma nostalgia?
Já passaram 40 anos. Os moçambicanos já fizeram muitas coisas, boas e más. Há isso sim, uma espécie de reconciliação com aquele pai que foi preciso matar, no sentido freudiano, e agora há uma percepção de que o mundo é vasto, algumas heranças ficam e as sociedades aproveitam o que acham melhor de cada cultura seja ao nível que for. Não será bem nostalgia. É talvez uma forma de trazer à memória afectiva ou “desafectiva”, se calhar mais “desafectiva”, uma presença que esteve lá de forma colonial mas também com muitas outras facetas, sem o conflito e essa necessidade de afirmação que existia antes de voltar a conviver com uma série de heranças.

Há sempre uma ideia em Portugal que fomos sempre tolerantes, amigos dos povos nativos…
Ah… isso é tudo uma mitologia desgraçada.

Agora vemos a presidência portuguesa da CPLP contestada por vários países, Moçambique incluído…
É os resultado de anti-colonialismos primários. Coisa que para o Brasil então não faz sentido nenhum. Angola e Moçambique ainda vá, porque a descolonização [foi recente]. Seria absurdo, mas podíamos tentar perceber. Para mim é uma questão política de hegemonia. Se calhar o Brasil quer tomar o comando. Se bem que o Brasil se esteja a marimbar para o tal mundo da lusofonia – eu não gosto deste termo mas ainda não se descobriu outro -, quer ter uma influência maior ou então não dá para perceber. Mas a própria CPLP foi mal construída, a partir do vértice da pirâmide e está a custar muito a descer à base.

Melhor explicado…
Os chefes de estado resolveram criar aquilo com uma noção um bocado corporativa. Conferências Ministeriais, reuniões de Associações de Advogados, de empresários, de associações disto e daquilo, mas nada chega cá abaixo, ao povão. Na prática dos povos o que interessa é o dia a dia, o chão das coisas. Uma política fácil de vistos entre estes países, por exemplo.

Faria sentido uma comunidade de livre trânsito?

Fazia mas Portugal está amarrado a Schengen. Cabo Verde propôs há muito, mas nenhum dos outros países aceitou: era uma espécie de cidadania lusófona. Uma forma diplomática, consular, que permitisse às pessoas circularem. Não apenas as corporações mas também o Zé dos Anzóis, as famílias (o resultado destas ligações que ficaram) poderem viajar sem estes entraves todos.

Há dias, Luiz Ruffato dizia ao HM que “o português de Portugal vai acabar por ser um dialecto do Brasileiro”.
Tenho de discordar. Em termos linguísticos não há dialectos. São línguas. Falava-se em dialecto quando o poder colonial se referia às línguas dos países africanos. Moçambique tem 11 grupos linguísticos, todos de raiz banta, Angola tem outros tantos. Falar em dialectos é uma espécie de menorização dos estatutos linguísticos. Hoje a linguística não vê a questão assim. Não se trata de dialecto absolutamente nenhum. O que vai acontecer são variantes da Língua Portuguesa, aliás já classificadas assim. A variante europeia não é única, porque naquele território tão pequeno, o léxico, alguma sintaxe e até a pronúncia sofrem tantas mutações… vai haver um português de Moçambique, os linguistas já fazem estudos nesse sentido, em Angola idem… O que o Luiz, se calhar, queria dizer é que pela dimensão geográfica e demográfica, o Brasil é o gigante que é.

Neste contexto, que sentido faz um acordo ortográfico?
Não faz muito. O problema da língua não está aí mas na sintaxe. O léxico não é problema porque as línguas são organismos vivos que se inventam a si próprios, depois a literatura gera uma espécie de padrão, a gramática analisa e cria um conjunto de regras que, logo a seguir, podem ser mudadas e são. Não há um proprietário da língua e qualquer Estado que julgue poder legislar a esse nível está absolutamente equivocado.

O que falta a Moçambique para que as pessoas se entendam?
As elites não se esquecerem do melhor do discurso de libertação – salvo algumas arrogâncias, a matriz não começou bem – que sejam menos arrogantes e menos ambiciosas. Estou a dizer o óbvio, mas pronto… que coloquem o interesse nacional acima dos interesses partidários.

O interesse nacional é um conceito vago…
É definido pelas classes hegemónicas que chegam ao poder, é assim em todo o lado. No caso moçambicano, é o de que se não existir juízo a própria unidade do território pode estar em causa. O país precisa de uma política que tenha em conta a distribuição da riqueza, capaz de criar condições para mais riqueza a partir da agricultura e distribuí-la pela população. Isso não está a acontecer. Vive-se de galinhas dos ovos de ouro – daí a emergência do novo conflito-, do gás natural, um ouro que está ali a luzir e a perturbar as cabeças de alguns.

Há meia dúzia de anos vi em Maputo a capa de um jornal com a fotografia de uma figura pública e a manchete “O regresso do grande pateta”, arrojado em muita democracias. Tendo em conta o momento actual, como está a liberdade de imprensa em Moçambique?
Nesse aspecto existe, de facto. De uma forma geral, a liberdade de imprensa mantém-se mas tem dias. Às vezes não é bem utilizada mas por uma questão puramente técnica. Há jornais e jornais, só por isso. A liberdade de imprensa é um dos pilares do jogo democrático, é saudável pela capacidade crítica, de criação de massa crítica, pela formação de opinião e a necessária difusão de informação que todas as sociedades precisam.

Em Macau a discussão da independência do poder judicial está na ordem do dia. Qual a situação em Moçambique?
Isso é da definição básica da coisa pública. (risos) Teoricamente existe. Praticada por um ou outro juiz mais consciencioso, também existe. Mas como sistema não existe, infelizmente, porque a teia dos interesses, dos favores, das pequenas ou grandes corrupções é de tal ordem que, de uma maneira ou de outra, as coisas estão instrumentalizadas. Às vezes aparece uma pérola caída não sei de onde como o caso do professor Castelo Branco. A consciência, a tal ética, não é?

Aconteceu-me entre Inhambane e Maputo: numa venda de estrada um grupo de crianças pedia-me livros. Existe outra utilidade para os livros ou aquelas crianças tinham mesmo necessidades de leitura?

Há uma grande curiosidade. As pessoas sacrificam-se muito para estudarem. Há uma sede de conhecimento muito grande, isso é verdade. O sistema de ensino é que tem muitas falhas. E, nessa zona, a necessidade ainda é maior porque a escassez de oferta é grande.

Que se poderia fazer para resolver essa necessidade?

Precisamos de uma rede de bibliotecas, de meios para distribuir livros pelo país. Mas a situação volta a estar difícil neste momento.

A tensão é assim tão grande?

Começamos a viver uma situação de insegurança. Já há colunas militares a acompanhar os carros pela estrada número um… Já começa a ser parecido com há uns anos atrás.

E a sociedade civil moçambicana ainda não tem força para se opor a esse “estado de sítio”?
Manifesta-se muito, faz muitas coisas, comunicados mas, no limite dos limites, não tem ainda o poder para se opor com veemência ao que está a acontecer.

Como está vida cultural em Moçambique?
Está viva. O teatro, até o cinema, mais caro, produzem. Na literatura edita-se muito, com maior ou menor qualidade. E a cultura é um sector olhado com prestígio, o que não é mau. Não existem ainda é políticas governamentais que entendam que a cultura (para além de fortalecer a moçambicanidade plural, a unidades e os chavões que se quiserem) também pode acrescentar valor ao PIB.

Hoje fala-se é de diplomacia económica.
E só se fala em diplomacia económica. A cultura é sempre vista como algo menor. O poder político tem de perceber que a cultura não são apenas umas festas para consolidar a implantação do partido nesta ou naquela região, como é o caso do famoso Festival Nacional de Canto e Dança, ou do Cultural Nacional. É preciso criar dinâmicas: uma verdadeira associação de autores, subsídios para o teatro e para o cinema, que não há. Formas de investimento para atrair públicos, gerar massa crítica e educar o gosto. Edições subsidiadas pelo governo, dos grandes mestres como se está a fazer em Itália. Mas em Moçambique, de uma forma geral, só se pensa no luxo, no papel couché e coisas dessas.

Nestes últimos anos tem-se assistido à entrada de muitas empresas chinesas em Moçambique. Como tem sido a relação com os locais?
Há um problema de comunicação. Uma coisa são os chineses e macaenses que estão lá há mais de cem anos, a outra são estas empresas, na maioria estatais, que chegam agora. Contratam os locais para lugares menores, querem tudo na velocidade chinesa e o moçambicano não é assim. Não quer dizer que seja preguiçoso, mas tem outro ritmo. E se pagassem decentemente, também ajudaria.

E de um ponto de vista mais geral? Há benefícios claros para a população?
Hoje começa é a questionar-se o modelo de cooperação chinesa com África. Há benefícios claros porque se abriu a estrada ‘x’ ou ‘y’ mas depois não há interacção. A empresa chega, monta o estaleiro, propicia um trabalho sazonal não muito bem pago, não há grandes convívios, a obra acaba, vão-se embora. Um ou outro escapa e fica mas são casos pontuais. É um esquema de cooperação um bocado disfuncional.

Fala-se muito da responsabilidade do mapa cor-rosa por parte dos problemas de África. Que ideia tem sobre isso?
É o ultimo argumento de um novo olhar europeísta sobre África, que seria o mais perigoso. Querer isso para África agora seria a desgraça total e completa. Aquando da conferência de criação da Organização da Unidade Africana, em 1963, foi acordado deixar tudo como está. Quando há conflitos graves, há estudos sobre isso, as causas, normalmente, não são étnicas mas derivadas da injustiça na distribuição da riqueza, da falta de criação de oportunidades, de poderes políticos nepotistas.

Tenho a ideia que, para si, a palavra ‘tolerância’ não tem a conotação de bondade que normalmente lhe atribuímos. É mesmo assim?
Lá para trás foi boa quando o John Locke escreveu o “Ensaio sobre a Tolerância”, quando existiam as guerras religiosas na Europa. Fazia todo o sentido e continua a fazer um certo sentido, claro. Mas uma pessoa que se diz tolerante é um bocado arrogante. Que categoria tenho eu para ser tolerante ou deixar de ser tolerante? Ou tenho opiniões ou não tenho. A minha posição deve ser a do discurso, da discussão com o outro, para ver se chegamos a acordo, ou não, mas cada um com as suas ideias ou cultura. Não é preciso guerra por isso.

Um dia foi exilado…

(interrompendo) Exilado é uma palavra muito fina para mim porque fui um refractário. Exilados são os políticos. (risos)

Como aconteceu?
Não queria participar na Guerra Colonial e queria ir para a luta de libertação. É tão simples como isso.

Porquê a Suécia?
Por contactos. Porque havia lá uma base dos três movimentos de libertação: Frelimo, PAIGC e MPLA com base na CONCP (Conferência da Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) criada em Rabat logo a seguir ao início da guerra em Angola.

O que gostava que um dia fosse o seu legado? A recordação do seu trabalho como jornalista, escritor, activista?
Não gostava de nada porque nessa altura já cá não estou. (risos). Mas sim, gostava que recordassem um trabalho sério e rigoroso.

Que trabalho será esse?
Algumas propostas para o maravilhamento do mundo.

Um desejo para Moçambique
Paz.

23 Mar 2016

Unitygate | Portugal, Macau e Taiwan unidos numa dança sem barreiras

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]segunda criação sino-lusa da Amalgama e da Unitygate tem data marcada para os próximos dias 25 e 26 Março pelas 20h00, no pequeno auditório do Centro Cultural de Macau. “Reflections” é um trabalho conjunto da “reconhecida” coreógrafa portuguesa Alexandra Battaglia e da directora artística local Stella Ho, que irão liderar os bailarinos de Portugal e Macau num caminho de cultura e lembrança. “Ambas têm mostrado um empenho especial no que abrange as trocas culturais entre Portugal e Macau sendo que, através deste projecto, pretendem representar as mesmas no seu trajecto já longo e assíduo, se bem que também muito diverso”, indica a organização.
Na mira de uma terceira perspectiva foi ainda convidada a jovem coreógrafa de Taiwan Peng Hsiao-yin com a sua companhia Dancecology, cuja participação se insere numa terceira visão da situação actual de Macau, dando ênfase às fronteiras da dança numa mescla de três espaços físicos.
Segundo a organização, o espectáculo terá o intuito de “depurar a beleza e a tristeza do destino através da linguagem física numa reinterpretação das emoções e da memória e no ‘abraço’ que se estabelece entre os lugares que as preconizam”.
Mais ainda, diz a organização, “é também a representação da purificação espiritual através da dança num reconhecimento interno de nós através do reflexo nos outros, inter-relacionados ou não. Esta viagem usa simbolicamente o movimento e o som para convidar todos a entrar pelo mar adentro, mar portador de memórias, o mar que une e separa.”
Os bilhetes para o espectáculo já se encontram à venda e custam 120 patacas.

22 Mar 2016

Angelo R. Lacuesta, escritor: “A história dos filipinos está cheia de drama”

O escritor que começou por ser poeta revela uma predisposição para o conto e diz-se incapaz de escrever sobre o amor quando diariamente as pessoas do seu país enfrentam dificuldades económicas. Angelo R. Lacuesta esteve em Macau a convite do Festival literário Rota das Letras, naquela que foi a primeira vez que se falou da literatura filipina. Lacuesta diz estar muito ligado à política do seu país, esperando mudanças na luta contra a pobreza e corrupção

[dropcap]E[/dropcap]sta é a primeira vez que este Festival Literário aborda a literatura filipina. Como se sente a participar neste evento?
Sinto-me muito sortudo por estar aqui, por ser o primeiro escritor a representar a literatura filipina. Vim com a minha mulher, que é poetisa (Mookie Katigbak-Lacuesta). É um festival impressionante, sempre ouvi falar de Macau como uma cidade de turismo, mas nunca pensei que pudesse ser uma cidade de encontro de literatura. Nas Filipinas também somos oriundos de várias culturas, americana e espanhola, e então existem algumas semelhanças com Macau. Aqui não existe apenas a cultura portuguesa mas há uma ligação com outras culturas asiáticas e é isso que considero ser especial e único.

Disse uma vez numa entrevista: “Sempre tive uma preferência por contos”. Que histórias pode transmitir num conto que não o pode fazer num romance?
Adoro contos. Na verdade comecei como poeta, mas penso que os contos conseguem transmitir melhor as nossas histórias. Penso que é a melhor forma de contar a nossa própria história. O conto, comparando com o romance, é mais relevante, pode ler-se em menos de uma hora, carrega momentos enigmáticos e mistério. Um romance pode fazer muitas outras coisas, mas há algo de especial no conto.

Como foi passar da poesia para o conto? Isto porque são géneros diferentes, mas podem ser semelhantes ao mesmo tempo.
Sim. O que mais gosto no conto é que pode conter uma ideia poética, uma imagem. Contudo, a transição da escrita de poemas para os contos é muito difícil. Há muita dor envolvida. Sempre que tentei escrever um poema, acabei por escrever um conto, porque um poema não pode conter o drama de uma situação específica naquele momento. A história dos filipinos, por exemplo. Está cheia de drama, de realidade. É algo que a poesia não consegue expressar.

Falando dos problemas económicos e sociais do seu país. É importante expressá-los na escrita?
Absolutamente. É sempre dever de um artista reflectir sobre a sociedade onde está inserido e penso que posso falar sobre os problemas que a nossa sociedade enfrenta actualmente. Muitas pessoas não podem falar por elas próprias, não têm capacidade de escrever por elas próprias. Temos uma enorme diferença entre ricos e pobres e os pobres não conseguem expressar-se. Então conseguimos compreendê-los melhor quando escrevemos sobre eles. E expomos as falhas da nossa sociedade. Não posso escrever sobre amor quando estas histórias dramáticas estão a acontecer à frente dos meus olhos. Torna-se quase uma missão escrever sobre isso.

Essa diferença entre ricos e pobres faz com que muitos filipinos não tenham acesso à educação. Como é a relação da sociedade com a literatura?
Um último sucesso da literatura a nível nacional deve ser algo que toda a gente consiga ler e compreender. Para mim o mais efectivo na literatura é o sentimento. Quando escrevo, faço-o em Inglês, mas quando escrevo um guião para um filme, faço-o em Tagalog, para que todos o possam compreender e ver. E essa é a missão da literatura, para que todos percebam e criem as suas próprias batalhas contra as injustiças e desigualdade social. Se fizermos uma história para os pobres, para os filipinos que trabalham muito e não têm tempo para ler livros, nem dinheiro para os comprar… não vou dizer que escrevo por eles, mas escrevo para eles e é uma honra ser lido por eles.

Como descreve o mercado literário nas Filipinas? Necessita de ser desenvolvido, de ter mais escritores?
Absolutamente. A literatura está sempre em constrangimento consigo própria e com a sociedade desde sempre, especialmente num país como as Filipinas e numa sociedade como a nossa. Há um constrangimento para as pessoas que querem apenas escrever. Eu tenho um trabalho, tenho uma agência de publicidade, não consigo ser apenas escritor. Tenho de o fazer, apesar de me dar liberdade para escrever. É um paradoxo, porque se me tornar apenas escritor, fico pobre e perco essa liberdade. Vivemos num mundo digital, se pusermos fotografias no Facebook, as pessoas pensam que ganho dinheiro só por ir a festivais literários e não apreciam tanto a nossa escrita. Mas os meios digitais, e os filmes, são muito importantes, tal como a música. São canais para a literatura.

As Filipinas são um dos países mais perigosos para os jornalistas. A censura é ainda algo visível?
Tenho o maior respeito pelos jornalistas, que têm tido um trabalho mais difícil. Há muitos jornalistas assassinados nas Filipinas, mas isso é devido à política local. Não é uma questão de censura, quase não temos censura no nosso país.

Está tudo relacionado com o crime ?
É o crime, se alguém disser algo errado quase que existe a liberdade para matar essa pessoa. Esse é um grande problema porque o resto da sociedade parece não se preocupar, não são jornalistas, e há esse constrangimento na nossa sociedade para deitar a verdade cá para fora e ir contra a corrupção, conspirações, os políticos locais. Mas a luta deve continuar e, por cada morte, pode ser que a sociedade comece a despertar para esse problema.

As próximas eleições presidenciais poderão mudar algo?
Sim e não. Começo por dizer que estou muito ligado à política. Não irá mudar nada, porque, em primeiro lugar, o que precisamos de alterar é a estrutura da sociedade, a diferença entre ricos e pobres, a nossa ideia de capitalismo.

E talvez a ideia que as pessoas ainda têm em relação à corrupção.
Sim. Para mim a ditadura é uma forma de corrupção, mas com o capitalismo é muito fácil ser-se corrupto. O nosso sistema político está preso à ideia de que é preciso ser-se rico para se ser presidente do país. Tivemos uma ditadura durante 30 anos, que abafou os media, torturou jornalistas e pessoas comuns. Hoje podemos dizer o que queremos no Facebook e fazemos queixas e temos a certeza de que os militares não vão bater à nossa porta. Não, o sistema político não vai mudar e ainda há o problema dos muitos ricos que estão a ganhar mais dinheiro e dos pobres que estão cada vez mais pobres. Mas penso que graças às redes sociais, à literatura e ao cinema, as pessoas estão a ficar mais conscientes dessa diferença social e de como podem mudar as coisas. A questão é os filipinos que estão a viver fora do país, como aqui e em Hong Kong: eles são uma das chaves para a mudança. Penso que as coisas vão melhorar. Também sou muito paciente. Levou aos países europeus 300 anos para terem uma democracia absoluta, então nós podemos esperar mais cem anos.

Falando das comunidades filipinas em Macau e Hong Kong, há muitos casos de violação de direitos humanos. O Governo filipino deveria fazer algo em relação a estes casos?
Sim. Acredito que o sucesso para a nossa sociedade e economia seria o facto de toda a gente poder ter um emprego e não ter que sofrer. Não é uma questão de sofrerem com os seus patrões, para ser honesto, conheço muitas pessoas que trabalham no estrangeiro e que são muito bem tratadas. E todos sabemos que se regressarem ao seu país vão fazer menos dinheiro e essa é outra forma de abuso. É responsabilidade do Governo filipino garantir que todos os trabalhadores no exterior vivem e trabalham em boas condições. O facto das pessoas terem de sair para trabalhar é um sinal de fraqueza da nossa sociedade, mas isso também acontece a uma escala global.

Disse-me que não escreve sobre o amor, que escreve sobre questões do seu país. Qual o conto da sua autoria que melhor descreve as Filipinas?
As minhas histórias mais afectivas são sobre os filipinos que estão no estrangeiro. E não são apenas sobre empregadas domésticas, são também sobre os filipinos que vivem na América, por exemplo. Temos uma relação muito difícil com a América, um país que nos ocupou, e o mundo sabe disso. Tenho uma história sobre um filipino que vai para a América, participar numa conferência, e procura uma pintura que quer muito ver, de Edward Hopper. Uma pintura muito americana, sobre a solidão. Então todas as noites esse filipino pensa em ir ver a pintura, até que um dia apanha um autocarro. Mas não percebe que a pintura não é o que ele quer ver. Isso diz muito sobre nós: sabemos onde queremos ir mas nunca sabemos o que queremos fazer.

Os filipinos têm uma relação muito forte com a religião. Porquê?
Cresci num ambiente católico, mas não me considero um católico praticante. Mas é algo raro. Enquanto escritores de repente tornamo-nos humanistas, mais existencialistas. Os filipinos esperam sempre que algo aconteça, depois da ditadura de [Ferdinando] Marcos e, neste momento, quando atravessamos uma difícil situação social. A riqueza nas Filipinas está numa fase de progresso, mas para muitos continua a ser difícil apanhar um autocarro para o trabalho, leva duas horas. Então é fácil ligarmo-nos a Deus. Mas o facto de sermos religiosos faz com que muitas vezes não saibamos quebrar com os problemas da nossa sociedade. Se sofrermos, estamos a fazer bem, vamos para o céu. Eu prefiro dizer: “não vou sofrer mais, prefiro viver no céu aqui”. Se as pessoas são religiosas, não há problema, mas deviam começar a compreender-se melhor.

22 Mar 2016

Armazém do Boi | Festival Internacional de Artes Performativas de regresso

Vai ter lugar nos próximos dias 26 e 27 de Março mais uma edição do Festival Internacional de Artes Performativas de Macau, no Armazém do Boi, com a apresentação de obras vindas da Suíça

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Armazém do Boi organiza mais uma edição do Festival Internacional de Artes Performativas de Macau (MIPAF), sendo também, mais uma vez, o palco de um conjunto de espectáculos que, este ano, contam com a apresentação do trabalho de uma série de artistas contemporâneos suíços. Estes trazem o Espectro dos Sentidos – “Spectrum of SENSES – Swiss Window in Asia Performance Showcase”, numa colaboração com o Swiss Arts Council e curadoria de Stéphane Noël.
Segundo o site da organização, estas encenações representam o cruzamento entre as artes visuais e performativas, em que seis grupos e artistas interpretam trabalhos situados entre a poesia e a política, o movimento e a estaticidade, percorrendo territórios que, apesar de conhecidos, são ainda espaços inexplorados.
Segundo Ann Hoi, co-curadora local deste projecto que falou ao jornal Ponto Final, será objectivo deste espaço “cultivar e reforçar o local como uma plataforma legítima para o intercâmbio de artistas internacionais das artes performativas”. Hoi considera ainda que o Armazém do Boi é o espaço indicado para a apresentação de trabalhos experimentais em coerência com o próprio espaço, uma vez que “é uma forma de arte que se apresenta como o mecanismo perfeito, para catalisar a tensão em torno da independência artística”.
As hostes este ano têm entrada livre e abrem sábado, 26 de Março, às 16h00 com a apresentação de “Vernissage” pela 2B Company. Às 15h00 é a vez de Alexandra Bachzetsis apresentar “Gold” e às 18h00 “Bain brisé” é interpretado por Yann Marussich.
Domingo contará com “The Triumph of Fame” por Marie-Caroline Hominal, com apresentações de 15 minutos entre as 12h00 e as 15h30. Às 17h00 é a vez de “THIS IS A GALA”, performance levada a cabo por Martin Schick, sendo que às 18h00 sobe ao palco “Más Distinguidas” com La Ribot. A edição termina com “Duchesses” por Marie-Caroline Hominal & François Chaignaud às 19h30.
O MIPAF apresenta-se como um dos maiores eventos anuais acolhidos pelo Armazém do Boi, trazendo a Macau artistas de reconhecimento internacional de modo a promover trocas criativas. Esta edição conta ainda com o apoio do Instituto Cultural e da Fundação Macau.

22 Mar 2016

“Macau na construção de uma herança” é tema de palestra no Instituto Ricci

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]erá lugar no próximo dia 29 de Março, às 18h30, a palestra “A construção de uma herança: cultura, agência local e a cidade” no instituto Ricci de Macau. Presidida por  Stephan Rothlin S.J., director do instituto, e proferida por Sheyla Schuvartz Zandonai, investigadora do Departamento de Sociologia da Universidade de Macau e investigadora associada no Laboratoire Architecture Anthropologie (LAA), École Nationale Supérieure d’Architecture de Paris La Villette (França) desde 2014.
A oradora é ainda conhecida pelos seus trabalhos na área do estudo das relações entre a transformação urbana e as políticas económicas do jogo e do turismo, bem com da emergência de práticas e discursos do lugar, herança e pertença em Macau.
Esta apresentação tem subjacente a economia de Macau, que terá passado de um estado “arrastado” para um crescimento galopante com a entrada do século 21 e da liberalização do jogo. As forças de mercado aliadas à indústria  do jogo vão não só aumentar o rendimento e o emprego, como também promover a ascensão do custo de vida e do turismo de massas, num movimento de transformação tanto espacial como da moldura e dinâmica social, indica a organização.
“Nesta transformação a posição dos moradores de Macau terá passado do entusiasmo inicial para o cepticismo e inquietação, ao mesmo tempo a que se assiste ao seu envolvimento em movimentos de descontentamento e contestação, ou mesmo de oposição ao poder dominante do jogo sobre a economia e sociedade de Macau”, pode ler-se.
A palestra incide em como a herança e o património se tornaram um ponto importante enquanto agentes populares rumo à criação de uma outra imagem e experiência de Macau, mais distante do jogo e mais próxima da percepção e entendimento das pessoas acerca da sua cidade. Sob uma perspectiva etnográfica, esta palestra descreve e analisa algumas destas reacções promotoras de uma nova visão e uma nova construção de património por parte dos moradores da RAEM.
A palestra será realizada em Inglês e tem entrada livre, sendo que está condicionada à reserva prévia de lugares.

22 Mar 2016

Rota das Letras anuncia vencedores de Concurso de Contos

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]omens sombrios, diospiros que ainda são verdes e o dia em que Macau mudou de soberania estão no pódio da quarta edição do Concurso de Contos do Rota das Letras. Os vencedores deste ano são Zhong Younghua, de Macau, Darío Bravo, do Brasil e a australiana Jane Camens, nas categorias de Chinês, Português e Inglês. Os vencedores receberam um prémio monetário no valor de dez mil patacas cada e têm os seus trabalhos traduzidos e publicados no livro de contos “Quarto Crescente”, onde constam também textos de autores presentes na edição de 2015 e que foi lançado este fim-de-semana.

Brilho no café

Zhong Younghua conta a história de Mr. Blackrose, homem taciturno de origem chinesa frequentador assíduo de um café em Macau, que transporta consigo uma rosa negra e vários segredos sombrios. A escolha desta história pela aclamada autora chinesa Wang Anyi, é explicada pela mesma: “Escolhi Mr. Blackrose de entre os quatro finalistas por a narrativa possuir um certo nível de talento e estilo, uma história completa, uma estrutura lógica e uma prosa fluida. O espaço ficcional do café cria o ambiente perfeito para o desenrolar da história, sugerindo a transformação romântica de um destino intolerável. Assim, uma existência limitada é finalmente capaz de se abrir, brilhando, ao perseguir valores clássicos”.

Wang Anyi referiu ainda que “a vida em Macau raramente surge representada na literatura, pelo que o valor destes textos reside no facto de abrirem esse caminho”.

Retrato de mestre

Na categoria de Língua Portuguesa, o prémio foi atribuído ao brasileiro Darío Bravo. O conto “Diospiro Verde” relata a história de um homem que lida com o passado e a perda de alguém que amou. O escritor e académico Carlos André considera que este trabalho “surpreende pela riqueza do retrato humano, pelo primor do desenho, pela mestria da palavra, pela força da imaginação” e por tudo isso estar contido num texto curto. “O conto é assim mesmo: breve. E, quando nele cabe tanto, como é o caso de ‘Diospiro Verde’, ser breve é ser tudo”.

Um dia e duas noites

A australiana Jane Camens, que é simultaneamente uma das convidadas da edição deste ano, venceu na categoria de língua inglesa com o conto “Depois da Meia-Noite”, uma história que se desenrola no dia da transferência de soberania de Macau para a China, em Dezembro de 1999.

Yan Ge, membro do júri e autora chinesa, refere que “guiado pela história, o leitor testemunha um dia e duas noites nas vidas de pessoas da época: os correspondentes internacionais, os portugueses, os chineses e os macaenses. A narrativa é perspicaz e genuína, lírica e pungente. Mostra uma imagem abrangente desta grande despedida, bem como uma jornada pessoal de amor e perda. A complexidade e ambiguidade da humanidade nunca devem ser esquecidas, especialmente num momento de transição.”

Esta quarta edição do concurso de contos foi a mais concorrida de sempre, tendo a organização recebido mais de cem trabalhos. O regulamento e prazos para o 5º Concurso de Contos será brevemente anunciado pela organização.

21 Mar 2016

Património de Macau por outras lentes

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]ai ter lugar na próxima quarta-feira, pelas 18h30, no edifício do Antigo Tribunal a inauguração da exposição “O Lugar onde o Património Mundial Brilha – Exposição Fotográfica do Centro Histórico de Macau”, do fotógrafo local Chan Hin Io. Na mostra estarão patentes imagens que pretendem revelar a beleza e a vitalidade do património cultural de Macau, bem como o charme desta pequena cidade”, sob diferentes perspectivas, numa co-organização do Instituto Cultural (IC) e da Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau.
As obras desta exposição incluem fotografias tiradas a elevada altitude e a longa distância, de diferentes ângulos e a diferentes horas do dia, de modo a que o público possa experimentar as diferentes perspectivas de Chan Hin Io sobre o Centro Histórico, bem como a ter a percepção do trajecto do autor.
De acordo com a organização, Chan Hin Io é já uma referência no panorama nacional e um reconhecido fotógrafo em Macau que, nos últimos anos, se tem dedicado à captura dos costumes da terra e das suas paisagens urbanas, o que lhe tem valido várias premiações no mundo da fotografia. Entre as suas obras destaca-se “Bairros de Macau: Fotografia Documental, Memórias dos Ofícios, Negócios Tradicionais de Macau” e “Vida em Macau 2012” .
Acompanha ainda o evento, o lançamento do livro de nome homónimo, numa edição autografada pelo autor. A exposição estará patente de 24 de Março a 16 de Abril, no horário compreendido entre as 10h00 e as 20h00 e tem entrada livre.

21 Mar 2016

Vhils, artista urbano: “O graffiti é um cancro visual”

É um dos mais internacionais artistas urbanos de Portugal e, desde há uns meses para cá, tem andado ocupado na produção de uma exposição encomendada pela Fundação de Arte Contemporânea de Hong Kong. Alexandre Farto – ou Vhils – é conhecido, entre outras coisas, por criar imagens com explosivos. A sua grande intenção é questionar o status quo. Vai intervir em Kowloon e Hong Kong, onde apresenta agora a exposição “Debris”

Em meados dos anos 90 entrevistei uma das primeiras crews portuguesas de graffiti que me dizia que a melhor forma de pintar sem ter problemas com a polícia era fazê-lo de dia. Que mudou entretanto?
De certa forma ainda se pode pintar durante o dia, e há quem o faça, tudo depende do local e da ousadia de quem o faz. No entanto, é certo que a forma como o graffiti é visto, seja em Portugal ou noutros cantos do mundo, mudou muito desde então. Enquanto na altura era ainda uma prática meio desconhecida, que tinha tido pouco impacto junto da sociedade, a popularização do fenómeno e a saturação visual do espaço público que daí resultou veio aumentar a hostilidade com que é hoje encarado. Por um lado, é natural que assim o seja, pois é uma prática polémica e transgressora por natureza que joga com a reapropriação do espaço visual da cidade sem olhar a terceiros. Por outro, está na origem de uma nova vaga de criação artística que tem transformado o mundo.

Em que medida sente que o seu trabalho é uma acção de intervenção?

A reflexão que tenho desenvolvido com o meu trabalho visa questionar sobretudo os pontos negativos presentes no modelo de desenvolvimento vigente, o modo como as transformações das últimas décadas têm afectado a identidade, quer das pessoas e comunidades, quer dos espaços que estas habitam. Este novo paradigma global tem trazido benefícios – temos estreitado o contacto e a interacção entre os povos do mundo. Mas, ao mesmo tempo, tem imposto uma crescente uniformização que tem erodido aquilo que nos distinguia e nos tornava únicos. Tem sido igualmente responsável por uma profunda descaracterização dos espaços que habitamos, das nossas cidades. Esta homogeneização tem afectado culturas diferentes de forma semelhante, afectando a identidade de todas. Interessa-me explorar esta fricção, este choque entre o global e o local, ao mesmo tempo que me interessa contactar com culturas de várias latitudes de modo a entender o processo e ajudar a divulgar algumas das suas consequências para com estas pessoas e comunidades.

Agora é conhecido como um dos grandes artistas desta área. Mas teve alguma fase em que pintava às escondidas? Se sim, quer contar algum episódio ou descrever essa fase?
Sim, pintei graffiti ilegal às escondidas durante anos. Vivia obcecado com a pintura de comboios, faltava à escola, saía de casa à noite às escondidas, deixava de almoçar para guardar dinheiro para comprar tinta. Passava literalmente horas a estudar os movimentos de entrada e saída de comboios nos locais onde eram guardados. Apontava tudo num caderno, era um trabalho sério e rigoroso que me permitia controlar o tráfego, os pontos de fuga, os locais onde se podia pintar sem problemas evitando os seguranças, pessoal ferroviário ou a polícia. Quando comecei a transitar para um tipo de trabalho mais figurativo com base no stencil e fui deixando o graffiti mais vandalístico de parte, continuei a pintar na rua às escondidas, mas era uma coisa muito mais suave. Mesmo quando já expunha em galerias e era convidado para eventos institucionais, continuava a pintar às escondidas. Mas hoje em dia tenho outra vida e poucas oportunidades para o fazer.

Que é que a sua arte traz de novo ao mundo?
Não sei se traz algo de novo ao mundo, mas gosto de pensar que poderá contribuir de uma forma ou outra para uma reflexão sobre alguns aspectos inerentes às sociedades urbanas contemporâneas e ao modelo de desenvolvimento globalizante que lhes dá forma. De uma forma geral, o trabalho procura reflectir sobre questões de identidade, sobre o modo como indivíduos e comunidades são hoje afectados pelas forças e estímulos presentes num meio que, à escala global, impõe padrões e condutas cada vez mais uniformes. Gosto de levantar questões, de chamar a atenção para determinados assuntos que considero importantes, mas não tenho a pretensão de oferecer respostas e soluções.

Se não fosse artista era o quê?

Não sei.

Veio para Hong Kong recentemente. Porquê essa decisão?

A decisão veio na sequência de um convite para trabalhar com a Fundação de Arte Contemporânea de Hong Kong (HOCA), numa exposição individual que irá abrir no próximo dia 21 de Março (no Cais 4). Há algum tempo que tinha uma inclinação para assentar aqui durante alguns meses e desenvolver trabalho e esta exposição veio justificar esta deslocação.

Hong Kong não é uma cidade pródiga em manifestações de intervenção urbana ao nível pictórico. Praticamente nem são vistos tags. Como tem sido a sua relação com a cidade, com os artistas, com as autoridades?
Tem sido muito boa com todos, mas o trabalho que tenho desenvolvido tem sido com base na sua maioria por comissões em contextos institucionais. Apesar de ter pouca presença de arte no espaço público, é uma cidade muito interessante em vários outros aspectos. Tem marcado muito a minha percepção do espaço urbano e o meu trabalho.

Porquê a escolha da RAEHK e não de Macau?
Pelo motivo que apontei acima. Tudo partiu do convite da HOCA para expor individualmente em Hong Kong. Teria todo o gosto em fazer o mesmo em Macau.

Tem planos para fazer algum tipo de intervenção por cá?
Planos e vontade tenho, tenho andado a sondar várias hipóteses mas ainda não se concretizaram. Gostava muito de o conseguir, vamos ver.

Quais são os seus projectos actuais e futuros? Tem algum grande objectivo por concretizar?
Objectivos tenho imensos. Alguns tenho conseguido concretizar, mas uma vez resolvidos dão lugar a outros por resolver. É isso que me faz andar em frente e querer fazer mais e melhor. Neste momento estou muito ocupado com a produção para esta exposição que abre dia 21 no Cais 4 em Hong Kong Central. Tem por título “Debris” e é a maior e talvez mais ambiciosa que já realizei. Apesar de ter vários outros projectos em diferentes fases de desenvolvimento, de momento toda a energia e recursos estão concentrados neste.

Como surgiu a ideia de utilizar explosivos na sua arte? E, já agora, quantas paredes foram abaixo até descobrir a carga certa?
Em termos materiais, o uso de explosivos pode ser visto como uma progressão natural da técnica de esculpir paredes e outras superfícies. Em 2010 andava à procura de um processo que fosse ainda mais destrutivo que me permitisse desenvolver uma reflexão sobre o modo como a crise económica que eclodiu em 2008 conseguiu fazer implodir aquilo que tínhamos como seguro nas sociedades prósperas (e sobretudo na Europa), dos valores éticos e sociais às instituições que nos regulam, trazendo à superfície todos os antagonismos e conflitos que pensávamos estarem enterrados há décadas. O conceito surgiu-me como resposta intuitiva a esta ideia de implosão, expressando o facto de que em alturas de crise económica e social basta uma pequena fagulha para trazer à superfície todas as camadas que pensávamos estarem soterradas sob o verniz da civilização. O processo de desenvolvimento da técnica foi interessante, mas muito exigente. Tinha uma ideia que queria pôr em prática, mas nem sabia se seria possível. Pedi ajuda a uma equipa de especialistas em pirotecnia, que também não tinha ideia se iria resultar porque ninguém tinha pensado em usar cargas explosivas desta forma. Para desenvolver o primeiro projecto em 2010 levámos cerca de oito meses para afinar o processo e chegar às cargas certas. No final conseguimos, mas foi o resultado de muitas tentativas e muitos erros. Não deitámos nenhuma parede abaixo, mas danificamos algumas…

Como descreve a estética do vandalismo? Como é que o vandalismo pode ser estético se não for fruto de uma propositada manipulação artística? Ou será apenas uma forma bombástica de descrever um processo, uma expressão de marketing?
Sim, tem tudo a ver com manipulação intencional, mas não é uma expressão de marketing vazio. O conceito de vandalismo estético devo-o ao graffiti. Vem da ideia de que o graffiti é essencialmente uma prática destrutiva, vandalística, sem qualidades ou intenções estéticas. Eu gosto de subverter esta ideia ao trazer para um meio mais institucional muitas das técnicas e processos destrutivos que são empregues no graffiti para marcar e desfigurar superfícies no meio urbano. Uso-os para criar com uma intenção fundamentalmente estética e artística. Ao recorrer a este conceito e prática de criação através da destruição procuro subverter quer o conceito de vandalismo, quer o conceito daquilo que é artisticamente válido. O processo é muito importante no meu trabalho, mais até do que o resultado final, é aí que se concentram as ideias e os conceitos que exploro. Podemos talvez ver este uso de processos destrutivos como uma espécie de manifesto de princípios.

Bansky. Que ideia tem dele como artista? Será que é mesmo apenas uma pessoa?

A sua obra, atitude e os conceitos que explora tiveram um grande impacto em mim quando comecei a explorar a técnica do stencil, por volta de 2003/2004. É um artista inteligente e criativo, que tanto sabe explorar o espaço público como manipular a opinião pública e os media e se tem mantido fiel aos seus princípios. Continuo a admirá-lo pelo que fez e ainda faz. Já trabalhei em alguns projectos com ele, alguns dos quais tiveram um impacto enorme. O contacto é sempre feito através da equipa que trabalha com ele. Há de facto uma pessoa por trás do trabalho, mas este é desenvolvido em equipa, uma vez que ele não dá a cara.

Em que medida é que o secretismo de Bansky e do das velhas crews de graffiti faz sentido nos dias de hoje?
Continua a fazer todo o sentido se as intervenções que se fazem são ilegais. Nesse sentido é natural que se queira preservar o anonimato.

Tags. Que ideia tem sobre eles?
O graffiti é essencialmente um cancro visual gerado por aquilo que o meio urbano oferece, tanto em termos materiais como imateriais. Pode ser visto como algo belo ou hediondo, mas é um fenómeno gerado pelo meio onde existe. Neste sentido pode ser visto como reflexo, ou até uma síntese, daquilo que existe de melhor e de pior nas sociedades urbanas contemporâneas. Analisado de forma neutra, um tag bem executado pode ser visto como um belo e interessante exercício de expressão caligráfica, mas para a maioria das pessoas é algo nefasto que exprime uma ideia de descontrolo. Para mim, quando bem executado, pode valer mais do que um graffiti elaborado, mas é uma apreciação individual. Também entendo o constrangimento que provocam.

Os três melhores murais/pinturas urbanas para si e porquê?

É cada vez mais difícil fazer uma escolha destas, pois hoje em dia há muitos artistas a produzir trabalhos excelentes em todos os cantos do mundo. Não querendo ser demasiado parcial prefiro realçar o excelente trabalho que vários artistas têm feito em Lisboa com o programa de arte pública da Galeria Underdogs.

Um artista urbano que mereça destaque e porquê?
O português AkaCorleone (Pedro Campiche), porque nos últimos anos tem vindo a demonstrar um amadurecimento notável no desenvolvimento do seu trabalho, tanto em peças de galeria como peças murais que pinta no espaço público. Tem desenvolvido uma linguagem visual própria, coerente e facilmente identificável, e tem ganho presença no estrangeiro. É um nome a seguir. No mesmo lote, e pelos mesmos motivos, podia ainda destacar o português Miguel Januário (±MaisMenos±).

Música. Que relação tem com a sua arte e com a sua vida?
Com a arte em si a ligação não é directa, mas quando trabalho estou sempre a ouvir música, é uma companhia constante e importante. Além disso é a melhor forma de bloquear o ruído do martelo perfurador.

Será que a cultura de pintura urbana passou de contra-cultura a uma coisa comportada, quiçá posh e mainstream? Se assim é que espaço fica para a contra-cultura?
É uma questão interessante, mas difícil de responder porque o desenvolvimento do fenómeno tem sido multiforme. A sua crescente popularização e aceitação têm feito com que parte tenha sido absorvida pela cultura dominante, mas há ainda uma outra parte que se mantém selvagem e indomada. O que vemos na galeria, no museu ou a ser aproveitado pelo mercado e pelas marcas é arte produzida por artistas ligados a esse meio das intervenções ilegais no espaço público, mas já deixou de ser arte selvagem de rua. Esta continua a viver na rua e para a rua e tudo indica que continua de boa saúde. Se há pureza tem de ser encontrada aí, naquilo que é feito de forma gratuita e é efémero por natureza.

18 Mar 2016

Holi Festival vai transformar a areia de Hac Sá num arco-íris

No próximo dia 20 de Março, das 14h00h às 17h00 a praia da Hac Sá vai transformar-se num misto de cor, devido a mais uma comemoração do Holi Festival. Apesar da sua origem indiana, dadas as características históricas, culturais, sociais e performativas que o integram, o Holi tem vindo a ser realizado cada vez em mais regiões pelo mundo fora e Macau não é excepção.
Foi Victor Kumar, indiano radicado em Macau, quem arregaçou as mangas para por Hac Sá a festejar uma das mais importantes celebrações indianas. De origens difusas, existem duas versões relativas à génese deste que é um dos cinco principais festivais indianos: alguns acreditam que a origem do Holi é Krishna, que enquanto pequeno e travesso se divertia em atirar água colorida às leiteiras que passavam, a outra abordagem, e talvez a mais divulgada e unânime, é referente à comemoração da vitória do bem sobre o mal personificada na morte de Holika na fogueira.
Reza a lenda que, em tempos, o Hiranyakashipu, rei-demónio dominado pelo egoísmo e sede de veneração, seria por todos bajulado à excepção do seu filho Prahlad, que se manteve devoto de Vishnu. De modo a aniquilar Prahlad, a irmã do rei, Holika, pensando que era imune ao fogo, desafiou o sobrinho para entrarem os dois numa fogueira – contudo, parece que quem morreu carbonizada foi a tia e Prahlab terá saído imune das chamas. Esta victória sobre Holika terá também dado nome ao festival.
Estão em ambas as versões implícitas duas das principais características do Holi: por um lado a fogueira – que ainda hoje abre as festividades e cujas cinzas, se crê, são portadoras de boa sorte – e, por outro, as cores que alegram e são mote de toda a celebração enquanto portadoras de virtudes e agoiros de bom futuro.

Juntos pelo bem maior

O Holi é actualmente, e acima de tudo, um festejar colectivo do bem, da chegada da Primavera e das colheitas que se avizinham, através da cor e da demonstração de amor universal. Curiosamente este é um dos raros momentos em que, na Índia, as pessoas se juntam para além das castas, origens, credos e preconceitos, fazendo do mesmo um grande espaço de encontro.
Segundo a organização, este ano, o número de inscrições já superou as participações do ano passado. Victor Kumar afirma ainda, sob o mote, “acrescenta cor à tua vida”, que o “Holi Festival Macau” para além da recriação dos rituais que estão na sua origem, vai ter ainda muita dança, uma performance especial com características Bollywoodescas coreografadas pelo próprio e uma panóplia de actividades e jogos, em que os vencedores terão direito a prémios. E como nada disto se faz de barriga vazia, a acompanhar as festividades estão comes e bebes adequados à festa.
Não esquecer o dresscode – tudo de branco (top e calça), para que se possa colorir com mais facilidade e participar activamente, “bem como receber as respectivas bênção”.
A entrada está sujeita a registo prévio através do telefone 6393 2002 e custa 150 patacas. A organização admite ainda a possibilidade de alteração de data caso as condições meteorológicas não possibilitem a sua execução.

18 Mar 2016

Wu Ming-yi, escritor: “Mais importante que o sucesso é a felicidade”

Wu Ming-yi, considera que o lado mais maravilhoso da escrita é poder fazê-lo contra qualquer tipo de pressão existente. Nascido em Taiwan, e convidado do Festival Literário Rota das Letras, Wu Ming-yi debruça-se sobre a necessidade de cuidar do ambiente e fala ainda de como a felicidade é mais importante que o dinheiro

[dropcap]F[/dropcap]alar sobre escrita com Wu Ming-yi é falar em desafios. Sempre que escreve e tenciona publicar alguma coisa, o escritor de Taiwan admite que tem de pensar sempre “se poderá ter algum problema”, ainda que também nos confesse que, na Ilha Formosa, onde nasceu, as coisas não são tão más quanto no continente.

“Os escritores taiwaneses preocupam-se sobretudo com o problema da impressão e em ter leitores. Quando publicamos no estrangeiro queremos ser lidos. Já o Governo chinês dá atenção a muitas coisas e o desaparecimento dos livreiros de Hong Kong trouxe um grande alerta para o público. Queremos sempre que haja liberdade para cada publicação e, enquanto escritores, acreditamos que os leitores são inteligentes e que os maus livros vão ser eliminados com o tempo, pela história. Mas a verdade é que, quando era jovem, também não podia ler certos livros, ainda que os lesse com os meus colegas às escondidas. Os políticos nem sempre conhecem bem a humanidade e isso é um limite”, confessa ao HM.

Wu Ming-Yi gostava de ver a literatura da ilha mais traduzida, de modo a fazer chegar a “cultura muito própria” de Taiwan ao Ocidente, que considera que vê Taiwan como a vê a China. “As pessoas que vivem em Taiwan sabem que não se trata apenas de política, a cultura é muito diferente”, assegura-nos.

O também ambientalista fala-nos da sua ilha, que caracteriza como um território pequeno, com pouco mais de 20 milhões de pessoas e onde “a cultura e a arte têm vindo a desaparecer graças à destruição do ambiente”.

A protecção ambiental, diz-nos, sempre foi “um lado importante” da sua vida e muito popular na juventude de Wu Ming-yi. “Nasci em 1971, a pior fase para a poluição, e acabou por ser natural que temas como a ecologia e a protecção do ambiente fossem abordados nas minhas obras”, diz-nos, admitindo que também enquanto dá aulas, já que é professor, aborda estes temas.

“Dou uma aula onde se criticam as políticas ecológicas e onde todas as semanas discuto os assuntos relacionados com a protecção ambiental com os meus alunos. Soube do caso da construção de um edifício no Alto de Coloane e dou esse exemplo em relação ao que acontece em Taiwan, onde temos grandes cidades, mas onde não podemos ignorar as pessoas que querem manter um estilo de vida simples ligado ao campo. Espero que sejam os residentes a tomar uma decisão e não o Governo”, atira ainda.

Recordar é viver

Não é a primeira vez que está em Macau, porque já cá tinha vindo com a mulher e também para dar aulas. Do tempo que já passou, relembra o território como a “vila piscatória e tranquila” que era, ao invés da cidade barulhenta e moderna em que se tornou. Mas Wu Ming-yi assegura que é possível promover “uma convivência e equilíbrios entre a protecção ambiental e o desenvolvimento” urbano. Também a natureza luxuriante de Taiwan está ameaçada pela poluição e vícios da vida moderna, como diz o escritor, à semelhança da população aborígene e da identidade taiwanesa, temas que marcam, aliás, as páginas de “The Man with the Compound Eyes”, o único livro traduzido para Inglês de Wu Ming-Yi e o quarto que publicou. Inspirado no bucolismo dos antigos poetas chineses, o livro recupera um movimento literário taiwanês dos anos 1980, quando o desenvolvimento industrial despertou uma forte consciência ambiental na ilha.

Em Macau para a sessão deste ano do Festival Literário Rota das Letras, Wu Ming-yi falou com estudantes locais, que se mostraram até curiosos sobre a cultura da Formosa. Mas não é só isto que parece preocupar os nossos estudantes.

“Os jovens de Macau e Hong Kong sentem-se ansiosos em relação ao sistema político ou ao ambiente, os modelos de pensamento nestas regiões são semelhantes. Mas, os pais deveriam encorajar os filhos que querem ser outras coisas, como ser pintores ou artistas de rua. Devem encorajar os seus filhos a encontrar o modelo certo para a sua vida, porque a educação chinesa não é assim. Os pais preocupam-se se os filhos vão ou não ganhar dinheiro. Eu digo sempre aos meus alunos que, mais importante do que ter sucesso, é termos felicidade.”

Ainda que tenha pisado pela quarta vez a RAEM, esta foi a primeira vez que veio como escritor, um trabalho que Wu Ming-yi – cujo escritor preferido é Anton Tchekhov – tem de coadunar diariamente com o papel de professor universitário. “Parte do meu dia é passado a escrever e quero sempre ter sempre tempo livre para escrever, mas tenho um horário muito cheio, sobretudo com o trabalho da universidade. Só posso escrever as minhas obras nas férias ou feriados”, diz-nos.

18 Mar 2016

Ernesto Dabó, músico, escritor e activista: “Qualquer indivíduo é um produto cultural”

Podia ser o Mohamed Dabó, mas para que pudesse ir à escola teve que mudar de nome. Hoje é Ernesto Dabó, convidado do Roteiro Literário, o músico, escritor, jurista, activista cultural e político que deu a conhecer ao Hoje Macau a vida que fez com que faça o que faz

[dropcap]A[/dropcap]s histórias têm um início… a cultura na sua vida, como aconteceu?
Começou em casa. Os meus pais motivaram-me desde muito cedo para o estudo e então começamos todos em casa a relacionarmo-nos com os livros, com outras esferas da cultura e aí por diante. No meu caso particular, desde muito cedo senti que tinha um gosto especial por estas áreas e em determinado momento já estava a fazer música e depois a escrever e assim por diante.

Uma educação motivada para o conhecimento numa família Muçulmana que o pôs a estudar na Missão Católica. Como é que isto aconteceu?

Nasci em Bolama, e o meu pai era um indivíduo que tinha a sua visão da vida, tinhas os seus conceitos e o regime colonial não oferecia muitas escolhas, nomeadamente as estruturas escolares. As mais abertas eram as chamadas missões católicas que davam instrução primária. Mas para ser matriculado nessas escolas, para ser aluno tínhamos que praticar a religião cristã: estudar a catequese, ir às missas e inclusivamente o meu nome Ernesto é uma imposição colonial. Naquele tempo, para ser matriculado tínhamos que ter um nome cristão. O que também aconteceu no meu caso. Quando me fui matricular mostrámos o meu nome e disseram que não era possível, quando chegámos a casa o meu pai pegou no nome Ernesto e disse “o importante é que ele vá para a escola”. Houve ainda a particularidade do meu pai nunca ter pressionado ninguém para a sua fé. Admitiu que nós praticássemos a religião que entendêssemos. E o meu caso foi esse, conheci a religião cristã, evolui na mesma até que cheguei a uma altura em que disse “agora não pratico nada”. Agora penso que há qualquer coisa que gere este universo e respeito muito isso, mas o essencial é praticar tudo aquilo que é a recomendação positiva de qualquer religião. Faço questão de fazer da vida um acto de partilha. Enquanto conseguir isso estou seguro que estou bem .

Também é conhecido pela sua actividade politicamente interventiva, e em plena época colonial, dirigida à independência. Quando a determinada altura foi para Portugal, já tinha esta consciência? Como é que esta problemática ganhou forma?
Quando fui para Portugal ainda não tinha esta consciência, era ainda muito novo, com 13 ou 14 anos. Ela nasce também com a minha família. Na altura estava em Portugal com um irmão meu e ele já percebia o que se estava a passar no país. O meu pai também mais uma vez, foi alguém que estava ligado em Bolama, a essa corrente de pessoas que já estavam a perceber que a libertação nacional era um projecto que tinha que ir para a frente. Associando estas questões comecei a observar o que se passava, a aprender e a ler, e como gostava muito de ler fui aprofundando as coisas. Depois também tive a sorte de ter bons amigos, com quem cresci e que alguns, da classe média portuguesa, eram também gente com uma cultura muito diferente e que me deram muitas dicas no sentido de perceber o que se passava. E depois também era fácil entender que eu era diferente. Sou negro, estou numa sociedade portuguesa, branca, que na altura, por sinal, não era assim tão culta e desenvolvida e juntando o meu carácter e a minha curiosidade em saber o que se estava a passar e porque fui forjando a minha consciência política até ter percebido, “ah, afinal é isto e não tem nada de mal, afinal a prova está aqui e agora compreendemos que afinal estávamos todos no mesmo barco”. Era o fascismo a fazer estragos em Portugal e era o colonialismo a fazer estragos na Guiné e eram combatentes pela democracia em Portugal e combatentes lá também. Gostei imenso de ter vivido este período.

Ainda antes do 25 de Abril, e já com essa consciência política, ingressou no exército, na Armada Portuguesa. Como foi para si estar na “trincheira do inimigo”?
Sim, foi das coisas mais giras que me aconteceram na vida. Fui recrutado, porque na altura era mesmo assim, mas ( vou-lhe revelar aqui algo que nunca revelei) eu já tinha relações com as estruturas que funcionavam da luta pela libertação. E quando entro para a Marinha, vou, e acontece uma coisa milagrosa – ainda há dias tivemos um almoço em Lisboa para celebrar os 45 anos desse encontro – um capelão da unidade resolveu criar um conjunto musical e como vinha com alguma experiência da Escola Agrícola onde tinha estado, convidaram-me para participar no projecto e participei. Aquilo ganha dimensão e o capelão propôs aos comandos da altura da Marinha para que esse conjunto, chamado “Os Náuticos”, começasse a animar no Ultramar, que fizesse uma digressão . Estava no conjunto como vocalista do grupo e lá no fundo disse “ isto vem mesmo a calhar, vou dar tudo por isto e vou fazer uma tropa de música e assim ninguém me põe a fazer guerra contra mim mesmo. E isso foi no fundo o que fiz, mas essa passagem pela vida militar foi ainda uma escola de vida muito importante para mim.

Em que sentido?
No sentido, por exemplo, humano! Estamos num período de guerra e as amizades que ganhei nesse período ainda hoje são as maiores amizades que tenho. Depois do ponto de vista da minha consciencialização, essa digressão em que estivemos na Guiné, Cabo Verde, Angola e Moçambique, foi aí que, finalmente, conclui esse processo “de tomada de consciência”. No contacto com a realidade. Estava fora da Guiné deste garoto e foi um choque brutal, extramamente interessante. Os meus amigos e os meus colegas da tropa que conhecia bem e que tínhamos confidências, também estavam contra a guerra mas não podiam fazer nada. E chego à Guiné e a guerra está a fazer mal às pessoas que não a querem . Foi um drama humano que não sei explicar. Vivi isto de forma dramática, fechava-me no quarto a pensar “mas, caramba, pessoas amigas aqui, ninguém tem nada contra mim enquanto pessoa e depois vês pessoas que o que têm para fazer é matar”. É das coisas mais absurdas que eu já vi na vida e que me marcou profundamente.
Um outro aspecto é que a vida militar permitiu-me amadurecer como homem. Saber que eu devo contar comigo em primeiro lugar. Não tem pai, nem mãe nem irmão, é a tropa. Mas no fundo posso dizer que não me arrependo de nada nessa trajectória porque me valorizou muito. Aliás, em toda a minha vida tenho tido dificuldades e problemas , mas graças a esta escola de vida também tenho sabido saber sair e saber entrar. E tive a sorte de não confundir nada. De separar as águas, por isso é que mantenho as amizades que tenho, que são fraternas.

Em 74 regressa à Guiné, e paralelamente inaugura o mercado musical Guineense com os Djorson e o disco “folclore da Guiné….
Antes de regressar, ainda em Lisboa, com uns amigos em Lisboa criámos esse grupo, ainda na tropa. E gosto de criar, não consigo estar sem criar, e naquela altura disse “temos que ter um disco, Angola tem, Moçambique também, todos têm, nós também vamos ter que ter um disco. Então peguei no projecto, ensaiámos, gravámos e fui ter com o meu mais velho Rui Mingas que já tinha uma carteira de relações, era uma figura respeitada e tinha vários contactos. Ele disse que ia ver o que podia fazer, ligou ao Victor Mamede que foi o produtor do nosso disco e gravámos um single com duas canções e foi o primeiro disco da discografia da Guiné.

Cobiana Djazz, mais que um agrupamento musical, um projecto multifacetado…
Iniciou-se como um agrupamento musical, mas para mim extravasou essa condição, aliás até estou a preparar um ensaio acerca disso que se chamará “ O movimento Cobiana Djazz”. Desencadeou uma série de consequências na nossa vida cultural, quebrou uma série de tabus, o primeiro é que não se cantava em crioulo coisas modernas, uns até diziam que o crioulo não era uma boa língua para cantar e nós começámos a cantar em criolo o que motivou com este projecto a criação de poemas em crioulo e letras para músicas . Os espaços nobres de dança em Bissau alargaram para as periferias, e mais, começou a ser um instrumento de divulgação de várias ideias e influenciou várias coisas da vida da sociedade guineense e pela primeira vez uma cultura urbana estava a ganhar espaço. Passado pouco tempo as canções da Guiné Bissau já estavam a circular pelo mundo fora, transformando-se em mais um veículo da luta que estava a decorrer. Estravazou os limites de uma simples orquestra e tornou-se um movimento cultural.

Da sua relação entre as experiências que foi tendo e o que faz…

Qualquer individuo é um produto cultural, por isso se quiser fazer arte, se quiser produzir cultura, não há outra reserva, a reserva que tem é aquele que temos em nós.

O seu último trabalho escrito “PAIGC: Da Maioria Qualificada à Crise Qualificada” é um um livro político de um homem da política e das artes que (re)olha para o seu país. Como é que o vê, bem como à cultura e à sua importância, nos dias que correm?
As nossas crises têm como fundo a alienação, uma crise cultural. No dia em que a nossa elite política começar a reflectir na cultura nacional e com a realidade nacional, tenho a impressão que vai ser mais humilde e mais responsável. Porque às vezes estão com cargos políticos mas a reflectir como se fossem administradores coloniais, e isso choca.

“Podem tirar o homem da favela mas não podem tirar a favela do homem”, é isto que sente, mas no que respeita a esse pensamento colonial?
É isso! O elemento de dominação mais importante é cultural, faz a pessoa negar-se a si mesma e subjugar-se ao outro, e segui-lo sem saber que tem o seu próprio caminho. E a luta de libertação é um facto de cultura porque rompe com isto e porque permite seguir por ti e para ti.

17 Mar 2016

Cinema | DST leva produtores locais à Filmart e apresenta Festival Internacional

Vem aí o maior festival de cinema, tudo indica, já organizado em Macau e, aproveitando a maré, o Governo levou pela primeira vez uma dúzia de produtores locais ao Hong Kong Filmart. Uma plataforma entre o Ocidente e a Ásia Oriental, o festival e levar os produtores locais a mercados de alto impacto, com Busan e Cannes no horizonte, é do que fala a DST

O já anunciado Festival Internacional de Cinema de Macau teve esta segunda-feira, pela primeira vez, um contacto entre os principais responsáveis executivos e a imprensa. No cocktail organizado pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST), num hotel contíguo ao Hong Kong Filmart, estiveram presentes o director do Festival, Marco Mueller, a própria directora da DST, Helena de Senna Fernandes, Johnny To, conhecido realizador de Hong Kong e padrinho do evento, e produtores locais, entre vários outros convidados do sector de Macau e Hong Kong.
Depois de uma visita ao pavilhão de Macau, onde estiveram, até hoje, os doze produtores locais, Helena de Senna Fernandes falou aos jornalistas explicando que a “HK Filmart é um evento estabelecido, com 20 anos”. Por isso, e por ser de fácil acesso, recaiu nesta feira a primeira aposta do Governo neste tipo de iniciativas.
Senna Fernandes adiantou ainda que a aposta “enquadra-se na estratégia do Governo de impulsionar as indústrias criativas”, adicionando ainda que a ideia da DST é “estimular o contacto entre os produtores locais e as companhias de fora de Macau”.
Questionada se essa não seria uma actividade mais apropriada para o Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau, ou outra entidade dos Serviços de Economia, a directora da DST foi dizendo que “esta é uma acção conjunta entre a DST e o Instituto Cultural (IC)” e admite que, no futuro, possam existir mais parceiros governamentais no projecto.
Será, então, o cinema encarado como um elemento de turismo para Macau? A esta questão, Helena de Senna Fernandes começou por dizer que “não”, emendando rapidamente para um “não só”, explicando: “o cinema de Macau é sempre visto como uma indústria criativa e como é estratégia Governo apoiar o sector, e o Turismo é o Governo, estamos a dar o nosso contributo”.
O pavilhão de Macau foi decorado sob um tema baseado em fotografia, numa linha gráfica reminiscente de tempos passados e algo acanhado para as 12 empresas, o que levou mesmo a organização a retirar um dos objectos da decoração – um cilindro na forma de um rolo de película para Reflex, onde se exibiam os filmes dos produtores. Algo que não feriu a visualização dessas películas, uma vez que existia outro ecrã e, assim, foi dado mais espaço.

Distribuição e Comissão de Cinema

Os produtores locais presentes na Filmart estavam, de uma forma geral, agradados com a iniciativa e pretendem a continuação deste tipo de apoio governamental. Todavia, alguns sugerem aperfeiçoamentos e falam de outro tipo de necessidades.
Para Denise Lau, da Novart, que já no ano anterior tinha apresentado na Filmart um directório de produtores locais e locações (em colaboração com a Associação CUT e o apoio do IC), há falta de “apoios ao nível da distribuição, pois as empresas locais mesmo que produzam uma série, ou outro produto de televisão, não têm forma de escoar”. Campbell McLean, da Aomen.tv, que aproveitou a feira para introduzir um documentário sobre George Chinnery, estava satisfeito com a oportunidade de “estar presente em tão importante feira sem custos de instalação”, como explicou ao HM. O responsável considera ainda que, “no futuro, este tipo de eventos precisa de mais preparação para nos apresentarmos condignamente” – os produtores tiveram cerca de um mês para se prepararem.
“Deveria existir um esquema de financiamento para deslocações a este tipo de eventos para que os produtores escolham os mercados mais indicados para os seus produtos”, ressalvou.
Em termos do papel do Governo, Campbell entende que “Macau deveria ter a sua própria Comissão de Cinema”, que define como “uma entidade focada no financiamento de produções locais e na prestação de serviços de locações e programas de incentivo para equipas estrangeiras filmarem em Macau”. Um facto que o produtor aponta como crucial para o desenvolvimento das capacidades locais.
O mercado local, para McLean, “está mais maduro do que há dez anos” quando se começou. “Há mais pessoas com habilitações, mas precisa-se de mais oportunidades para financiamento”. Uma solução seria a produção local pelo que Campbell refere que, neste âmbito, “a TDM está a perder uma grande oportunidade”.

Palco intercontinental para a sétima arte
Marco Mueller confiante com Macau como hub de cinema

A grande curiosidade da conferência de imprensa que teve lugar esta semana em Hong Kong, onde estiveram uma dúzia de realizadores locais, residia no primeiro contacto com Marco Mueller, o futuro director do Festival de Cinema de Macau.
Futuro, porque tudo ainda está em processo de organização como esclareceu a directora da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), Helena de Senna Fernandes, no discurso de abertura.
“Não tenho muito para dizer sobre o festival porque ainda estamos a montar a estrutura”, revelou, adiantando que Mueller “foi o escolhido para gerir o festival”, o que também vem confirmar a presença forte do Turismo na organização do evento apesar de, oficialmente, ser uma iniciativa de uma associação local, a Macau Films & Television Productions and Culture.
Marco Mueller começou o seu discurso demonstrando confiança “na visão de transformar Macau num hub mundial para a produção de filmes”, ressalvando a importância que a Ásia Oriental tem dado a este sector. O futuro director do Festival de Macau considera ainda o evento como “um ponto focal para dar mais visibilidade aos filmes da Ásia Oriental e do resto do mundo”, numa acção que também visa “incrementar a distribuição e o intercâmbio entre cineastas e produtores”.
A escolha das datas não é feita ao acaso (29 e 30 de Outubro) pois surge, explica Mueller, “no período dos grandes lançamentos”, pelo que o responsável espera ver Macau transformada numa plataforma. “Há necessidade de um hub destes”, diz.
Uma combinação entre competição e galas com especial ênfase para o género asiático que o experiente director de festivais espera venha a ser “uma porta para o mercado Chinês”.
Johnny To, apresentado como o primeiro embaixador do evento, foi, disse Mueller, o grande responsável pela sua visão de Macau por há muitos anos ter feito as apresentações. Num discurso muito breve, To apelou aos cineastas para apoiarem e trabalharem juntos. A madrinha do festival será, também de Hong Kong, a realizadora Ann Hui.

Macau ou Macao?

Corria o cocktail quando um dos empregados de mesa se acerca da nossa reportagem. Pergunta-nos: “este evento não é de Macau?” Respondemos que sim. Homem um pouco para lá da meia-idade, figura típica de Hong Kong, pelos traços, ou pelo jeito, ou pelo sotaque, continuava confuso: “mas Macau não é escrito com ‘U’?”, reinquiria. Explicámos que era a versão inglesa do termo, mas o senhor não ficou mais esclarecido. Continuámos argumentando que, talvez, porque o Turismo fala normalmente para estrangeiros, terá resolvido adoptar essa versão. Riu-se, encolheu os ombros e lá foi abanando a cabeça para mais uma ronda por entre os convivas.

17 Mar 2016

Hong Kong |”Balada de um batráquio” no festival de cinema

O filme de Leonor Teles “Balada de um batráquio” compete este mês na secção de curtas-metragens do Festival Internacional de Cinema de Hong Kong, depois de em Fevereiro ter sido premiado em Berlim.
O filme expõe comportamentos xenófobos em relação a membros da etnia cigana em Portugal, abordando a prática de colocar sapos de cerâmica em lojas, cafés e restaurantes para afastar os ciganos, que têm várias superstições ligadas ao animal.
A curta-metragem venceu a 20 de Fevereiro o Urso de Ouro da competição de curtas-metragens do Festival Internacional de Cinema de Berlim.
Segundo Leonor Teles, que tem raízes ciganas por parte do pai, o filme “não apresenta só uma problemática mas tenta, de certa forma, combatê-la”, uma vez que a própria realizadora sentiu a “urgência” de destruir vários desses sapos em frente à câmara.
O filme de Leonor Teles volta a uma competição internacional já este mês, no festival de cinema de Hong Kong, que arranca na segunda-feira e que integra na programação outros nomes portugueses.
Do programa geral do Festival Internacional de Cinema de Hong Kong deste ano fazem parte “Visita ou memórias e confissões”, de Manoel de Oliveira, a trilogia “As Mil e uma noites”, de Miguel Gomes, e “Cartas da Guerra”, de Ivo Ferreira, que integrou a competição oficial do Festival de Berlim deste ano.
Integram ainda o cartaz de Hong Kong os documentários “Os Olhos de André”, premiado no festival de cinema Indie Lisboa, do realizador António Borges Correia, e “Eldorado XXI”, uma co-produção luso-francesa, realizada por Salomé Lamas.
Todos eles terão duas exibições em Hong Kong dentro da programação do festival, que dura 15 dias.
O cartaz junta mais de 240 filmes de um universo de 66 países e territórios, num alinhamento que a organização do festival define como sendo “o mais eclético de sempre”, contando com 63 estreias mundiais, internacionais e/ou asiáticas.
Fundado em 1976, o HKIFF (na sigla em inglês) é o mais antigo festival de cinema da Ásia e um dos mais reputados.

17 Mar 2016

Rota das Letras | Daniel Pires fala hoje sobre o poeta Bocage

Daniel Pires estará hoje a falar sobre o poeta português na sessão “Lembrando Bocage”, do Festival Rota das Letras. O autor confirma a reedição da obra completa este ano

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Festival Literário Rota das Letras cumpre hoje o seu objectivo de homenagear, a par de Camilo Pessanha, outro poeta português que esteve em Macau: Bocage. Em “Lembrando Bocage”, Daniel Pires, que dirige desde 1999 o Centro de Estudos Bocageanos em Portugal, será um dos oradores.

Ao HM, Daniel Pires falou da curta presença de Bocage no território e das poucas palavras que este escreveu sobre Macau.

“Era oficial da Marinha e foi colocado em Goa, depois em Damão e a seguir desertou e veio parar a Cantão. Em Cantão encontrou um negociante que o trouxe para Macau. E de Macau seguiu para Portugal, por volta de 1790. Cá era muito pouco conhecido, ainda não tinha publicado nenhum livro, daí ter passado despercebido. Mesmo assim escreveu alguma coisa, especialmente uma ode e um elogio às pessoas que o protegeram aqui, porque estava numa situação irregular. E escreveu também um soneto, esse sim talvez mais importante.”

Nesse soneto, “há uma caricatura” de Macau. “Nesta altura Macau estava em profunda decadência e não está muito longe da verdade aquilo que ele disse. Mas ele era uma pessoa extremamente crítica e teve consciência de aquela sociedade estava profunda decadência”.

Daniel Pires garante que a curta passagem por Macau não teve qualquer influência na poesia que Bocage viria a escrever. “Esteve aqui meses, veio para aqui apenas para esperar por um navio que o levasse de regresso ao reino. Não é mais do que isso. Bocage é um grandíssimo poeta, esteve pouco tempo cá mas o suficiente para escrever bem sobre Macau. Passou por dificuldades aqui, encontrou pessoas que o protegeram. Mas não há nada escrito nem documentos oficiais que digam que ele esteve cá. Era um jovem dos seus 24 anos e não deixou rasto nos arquivos”, disse o autor de uma tese de doutoramento sobre o poeta.

Do erotismo

Daniel Pires lançou em Setembro do ano passado a biografia ilustrada de Bocage, e este ano, numa altura em que se comemoram os 250 anos do nascimento do poeta, prepara uma reedição da obra completa em sete volumes, com a publicação da Imprensa Nacional.

O autor, apaixonado por Bocage desde que foi viver para a sua terra natal, Setúbal, considera que há ainda um grande desconhecimento dos leitores sobre a génese da poesia de Bocage e sobre o homem que foi. “Fala-se de Bocage em lugares comuns, sobre o facto de ter sido boémio e associaram Bocage à pornografia, o que não é verdade. Pode e deve ser associado ao erotismo, completamente diferente, mas alguns editores aproveitaram-se para vender livros, publicaram composições pornográficas e por baixo escreveram Bocage. Ele não publicou nenhum poema pornográfico. Depois também se associa Bocage às anedotas. Ele era uma pessoa irónica, mas daí até assinar as anedotas que correm por aí… ele tinha uma extrema sensibilidade e nunca poderia ter assinado esse tipo de anedotas”, rematou.

16 Mar 2016

HK | Eléctrico já circula com pinturas do português Vhils

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m eléctrico intervencionado pelo português Alexandre Farto, que assina como Vhils, começou esta semana a circular nas ruas de Hong Kong, no âmbito da primeira exposição individual do artista na região vizinha. A exposição “Derbis” é inaugurada apenas no dia 21, no Cais 4, mas já é possível apreciar-se a arte de Vhils a circular em Hong Kong, onde o artista português também realizou intervenções em paredes e onde está há a convite da HOCA – Hong Kong Contemporary Art.

Em “Derbis”, que levou “meses de preparação”, Vhils apresenta uma “multidisciplinaridade de trabalhos”, de acordo com informação disponível no site oficial do artista.

Com esta exposição, pretende-se “encorajar os visitantes a explorarem a cidade e reflectirem na natureza do ambiente urbano pela lente do artista”.

Nos trabalhos apresentados, Vhils desconstrói imagens com recurso a várias técnicas, como perfuração, colagens de cartazes, caixas de néon e escultura.

FOTO: José Pando Lucas
FOTO: José Pando Lucas

Alexandre Farto, de 29 anos, captou a atenção a escavar muros com retratos, um trabalho que tem sido reconhecido a nível nacional e internacional e que já o levou a vários cantos do mundo.

A técnica que notabilizou Vhils consiste em criar imagens, em paredes ou murais, através da remoção de camadas de materiais de construção, criando uma imagem em negativo. Além das paredes, já aplicou a mesma técnica em madeira, metal e papel, nomeadamente em cartazes que se vão acumulando nos muros das cidades.

Em Julho de 2014, Alexandre Farto inaugurou a sua primeira grande exposição numa instituição nacional, o Museu da Electricidade, em Lisboa. “Dissecação/Dissection” atraiu mais de 65 mil visitantes em três meses.

Esse ano ficaria também marcado, na carreira do artista português, pela colaboração com a banda irlandesa U2, para quem criou um vídeo incluído no projecto visual “Films of Innocence”, que foi editado em Dezembro de 2014, e é um complemento do álbum “Songs of Innocence”.

No ano passado, o trabalho de Vhils chegou ao espaço. Em Setembro, uma obra do artista esteve na Estação Espacial Internacional (EEI), no âmbito do filme “O sentido da vida”, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.

Foi a primeira vez que um artista português colaborou com a Estação Espacial Internacional, com uma instalação artística que esteve colocada na cúpula da EEI e que retrata o astronauta dinamarquês Andreas Mogensen.

Apesar de trabalhar e expor em todo o mundo, e até fora dele, Alexandre Farto não se esquece de Portugal. Em 2015, criou, entre outros, o rosto de Amália Rodrigues, em calçada portuguesa, em Alfama, Lisboa.

16 Mar 2016

Casa Garden | Exposição “Colour Exchange” até 10 de Abril

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão seis os artistas locais que assinam a exposição “Colour Exchange”, que inaugurou ontem na Casa Garden. Patente até 10 de Abril, são muitas as peças expostas com diferentes traços, próprios de cada autor.
Do grupo de artistas, faz parte Mak Kuong Weng, nascido em Cantão e a viver em Macau. Mak conta no currículo com vários prémios atribuídos, tais como o prémio de pintor de excelência, em Pequim, o prémio da melhor criação de pintura ocidental, em 2011, o prémio especial de melhor criação e melhor criação de pintura tradicional chinesa, em 2015, entre muitos outros. O pintor conta já com cinco participações em livros onde as suas obras são mencionadas.
Leong Yuk Fei é outro pintor que participa na exposição. Em 1979 a sua obra “Descanso Curto” foi escolhida para ser apresentada na exposição das Obras de Belas Artes, na comemoração dos 30 anos da Fundação da República Popular da China. Depois de uma pausa entre 1986 a 2010, para se dedicar à área comercial, o artista retoma a pintura.

Pintura de Mak Kong Weng
Pintura de Mak Kong Weng

O pintor Eugénio Novikoff Sales, nascido em Macau e criado entre Moçambique e Portugal, transpõe as experiências que presenciou no mundo para a sua obra. Na China é conhecido como “artista de características euro/luso/asiáticas” devido “ao seu estilo único de pintura” na qual mistura os três mundos.

A cor do mérito

Lei Wai Wa também se junta ao grupo. Entre óleos e guaches, a arte de Lei tem percorrido o mundo. Foi-lhe atribuído o título honorífico “Artista com Grande Mérito e Virtude”, em 2015.
O “Eremita do Monte Huangyang”, ou seja William Chiu Vai Fu, marca também presença na mostra. Começou a estudar desenho, pintura a óleo, caligrafia e ornamentação de pintura no Instituto de Arte Teórica, em 1975, mas mais tarde dedicou-se à aguarela e à pintura a óleo no Instituto de Arte Chi Wa Tang. As suas obras fazem parte de colecções públicas e privadas do Museu de Arte de Macau, da Fundação Macau, do Centro UNESCO de Macau, da Universidade de Macau, entre outras.
Licenciado em Belas Artes pela Universidade de Xangai, Lam Kin Ian encerra a lista de expositores. Com presença em várias exposições em Macau, o trabalho deste artista local é já bem conhecido pela população.
A mostra tem entrada livre.

16 Mar 2016