José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasEnsino da Língua Portuguesa em Macau [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]amilo Pessanha chega a Macau a 10 de Abril de 1894 e, no dia seguinte, o Echo Macaense traz um artigo com o título O Estudo da Língua Nacional, que refere: “O ALVITRE que apresentamos para tornar obrigatório, ou ao menos facultativo, nos três primeiros anos dos cursos do liceu, o estudo de latim simultaneamente com as outras duas disciplinas consignadas no mapa da distribuição das disciplinas ora em vigor para os liceus em geral, tem despertado a atenção pública sobre o assunto, e mereceu da parte do nosso amigo Z o bem elaborado artigo que abaixo se lê. “O nosso amigo manifesta a sua descrença sobre a probabilidade de ser adoptado esse alvitre, embora reconheça a sua utilidade porque, como ele bem o diz, nos tempos que correm dá-se mais importância às aparências do que à realidade e o que querem são os diplomas legais dos exames e não os conhecimentos sólidos da verdadeira ciência. “Se é verdade que existe essa tendência nociva, cumpre-nos o dever de reagirmos contra ela, para não irmos de mal a pior. “Para os alunos do futuro liceu de Macau, os documentos de exames serão quase inúteis, se não forem acompanhados de uma instrução sólida e real. “Para os que quiserem seguir os cursos superiores no reino, não poderá haver maior calamidade do que irem daqui mal preparados na instrução secundária, pois ficarão desapontados e muito prejudicados no seu futuro, porque, ou não poderão prosseguir nos seus estudos superiores, ou terão de estudar de novo a instrução secundária. Para os que quiserem seguir a carreira do comércio nestas paragens, ainda serão mais inúteis esses diplomas legais de exames, porque no decurso da sua vida ninguém perguntará por eles, e só terá valor o que eles na realidade souberem. “É por isso que nos parece necessário adoptar medidas que obriguem os alunos do liceu a estudarem a valer, e virem a saber bem as disciplinas que cursarem. “Em primeiro lugar é preciso que eles saibam bem o português; portanto se, para o desenvolvimento deste estudo, se tornar preciso que eles estudem o latim, não deve haver dúvida alguma em lhes impor a obrigação de estudarem mais esta disciplina, o que, como já temos demonstrado anteriormente, se pode fazer sem se afastar da legalidade. No mais, parece não haver discrepância entre o nosso alvitre e as considerações muito sensatas do nosso amigo Z.” Instrução pública em Portugal O programa de estudos a ser seguido em todos os liceus de Portugal traz o problema de não dar horas suficientes à língua portuguesa para os alunos do liceu de Macau, na sua maioria deficitários pois em casa não têm o costume de a falar. Continuamos pela carta do amigo Z publicada no Echo Macaense de 11 de Abril de 1894. “Sr. Redactor, seu artigo prendeu-me a atenção pela importância da matéria e também pela sensatez do alvitre que apresenta para remediar o mal de que V. Exa. se queixa, e que muito receia se agrave com a criação do liceu. A importância da cultura da língua nacional é uma coisa incontroversa, já pela sua extraordinária influência no desenvolvimento intelectual, já por ser um dos principais característicos de qualquer nacionalidade, chegando muitas vezes a ser, por assim dizer, a única força de coesão dos diversos elementos étnicos que entram por vezes na formação duma nação. Ninguém, pois, duvida da importância do estudo da língua nacional, que deve sobrelevar ao de qualquer outra disciplina. (…) Sendo assim, é realmente para causar a todos sérias apreensões o receio que V. Exa. manifesta de que, com a organização do liceu, este estudo se torne ainda mais deficiente de que o é já, apesar dos esforços da Escola Central e do Seminário, pela redução que se terá de fazer no tempo e por conseguinte na matéria do ensino. Para este mal, propõe V. Exa. como remédio o estudo simultâneo, por três anos, do latim com as outras disciplinas que constituem o curso de liceu, pensando, e bem, que por essa forma se iria inculcando insensivelmente e solidamente o conhecimento da língua portuguesa, que, como todos sabem, é derivada da latina, afora outras vantagens intelectuais que o estudo desta língua inquestionavelmente proporciona. “Se admiro por um lado o interesse que V. Exa. toma pelo progresso intelectual, legítimo e sólido dos filhos desta terra, por outro lado admiro a ingenuidade, desculpe-me a franqueza, com que V. Exa. lança em circulação uma lembrança, sensata é verdade, mas que vai de encontro às tendências desta nossa sociedade fin de siècle, em que só se pensa nas aparências, que valem tudo, seja qual for a realidade, que é coisa de que ninguém se importa. Isso é assim em tudo, e a essa influência não escapa a instrução pública. “É conhecido, confessado, reprovado, e quem sabe se amaldiçoado, por todos, publica e particularmente, o estado mesquinho e caótico da instrução pública em Portugal, pela sua organização, pelo seu método, pelos seus compêndios, pelos seus programas, contra os quais bramam todos, na imprensa, em obras especiais, em conferências públicas, e até no parlamente; e, contudo, todos dão aos seus filhos essa mesma instrução condenada pela voz pública. “E porquê? Porque é que não procuram desviar-se desse rumo que conhecem como errado e que um importante jornal de Lisboa chegou a chamar o caminho da idiotice? “A razão é muito simples: é porque é da época o não se importar com a realidade e a bondade das coisas, e apreciar só a aparência e a conveniência: fiz exame disto, tenho curso daquilo, possuo habilitações legais, e por isso estou no caso de ocupar tal lugar, e… acabou-se! Quanto a saber, pensar-se-á nisso, quando houver vagar e ocasião. Contentamo-nos todos com isto, e como isto basta, é de razão que nos contentemos. É o positivismo, e o positivismo é hoje a lei da vida. Nestas circunstâncias, não parece a V. Exa. que tenho razão em achar adorável a ingenuidade da sua lembrança em querer maçar os estudantes de Macau com um estudo mais sólido do português por meio do latim, quando o programa não exige isso e no próprio Portugal o estudo tanto de português como de latim está em maré baixa? “O curso de português é só dum ano, e eu não quero crer que haja em toda a extensão da monarquia portuguesa um homem tão obtuso, que acredite que, em tão pouco tempo, com um programa tão acanhado, e com livros tão mal engendrados, se possa saber razoavelmente a nossa língua, tão bela, mas tão difícil, quando em França e Inglaterra o estudo da língua nacional leva anos consecutivos no curso secundário com livros preparados na máxima perfeição. Ninguém acredita em tal; mas… a lei diz que isso basta, e basta; e se basta para lá, deixe, Sr. redactor, que baste também para cá.” Estamos em 1894, ainda antes do início do primeiro ano electivo do Liceu. Assunto cuja problemática se arrasta desde meados do século XVIII, quando o primeiro professor régio, José dos Santos Baptista e Lima para ensinar a língua portuguesa muitas vezes necessitava de intérprete para perceber o que diziam os seus alunos.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasTomada de posse e despedida dos Governadores [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ebruçámo-nos já sobre o Bastão de Comando entregue ao Governador e os bastões dos vereadores e ouvidor. Agora prosseguimos, descrevendo a pompa das cerimónias de uma tomada de posse e despedida de Governador. Em 24 de Janeiro de 1851, “o Governador Conselheiro Capitão-de-Mar-e-Guerra, Francisco António Gonçalves Cardoso, nomeado, por decreto de 17 de Outubro de 1850, para suceder ao Conselheiro Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Alexandrino da Cunha, que falecera em Macau [a 6/7/1850, após 37 dias como Governador], veio de Hong Kong, onde se hospedara em casa de Eduardo Pereira, a bordo da corveta D. João I. O desembarque efectuou-se no dia 26, ao meio-dia, no cais chamado do Governador [situado na Praia Grande]. Após a recepção no Palácio do Governo, o novo Governador ouviu missa na capela do Palácio. À noite, às 7.00 horas, realizou-se um jantar com a assistência dos membros do Conselho do Governo e da Câmara Municipal, cônsules, comandantes das corvetas e fortalezas, autoridades e vários empregados públicos. Foi investido na posse do governo desta Colónia, em [3 de] Fevereiro de 1851, pelas cinco horas da tarde, na porta principal da Fortaleza de S. Paulo do Monte, entregando-lhe o [Bispo D. Jerónimo da Mata, Presidente do] Conselho do Governo a chave da dita fortaleza e o bastão e com eles a posse do Governo desta cidade com todas as artilharias e armas, apetrechos e munições de todas as fortalezas da guarnição. Depois da posse, o Governador dirigiu-se à Igreja da Sé, onde depositou o bastão aos pés da Nossa Senhora da Conceição e onde se cantou um solene Te-Deum, seguido de recepção no Palácio do Governo”, segundo Luís Gonzaga Gomes. E com este ilustre macaense, pelas suas Efemérides, continuamos: em 19 de Novembro de 1851, “o Capitão-tenente da Armada Isidoro Francisco Guimarães desembarcou às 15.00 horas, sendo recebido pelo Governador cessante Francisco António Gonçalves Cardoso e demais autoridades. Após a recepção, no Palácio do Governo, o Governador cessante dirigiu-se à Sé, para buscar o bastão que havia depositado aos pés de Nossa Senhora da Conceição, dirigindo-se, em seguida, ao Monte, seguido das autoridades. Após a entrega do bastão e das chaves da Fortaleza e troca de discursos, dirigiram-se os dois governadores para o Leal Senado, a fim de o novo Governador assinar o auto da posse, findo o qual voltou à Sé, para depositar novamente o bastão aos pés da Nossa Senhora da Conceição. Isidoro Francisco Guimarães, durante os anos da sua inteligente e próspera governação, conseguiu restaurar por completo o estado financeiro da província que, encontrando-se em 1852 deficitário, em 48.309 patacas, apresentou, em 1862, um saldo de 104.633 patacas”. Descrição oficial do acto de posse Sobre este mesmo assunto, no Boletim do Governo na “parte não oficial, Macao, Sábado, 22 de Novembro de 1851. No dia 19 do corrente, teve lugar a entrega do Governo de Macau, determinada nos actos oficiais que deixamos transcritos. Às oito horas da manhã desse dia embandeiraram as Fortalezas da Cidade, e próximo às três da tarde desembarcou nestas praias o novo Governador nomeado, o Exmo. Sr. Isidoro Francisco Guimarães Júnior, sendo recebido no cais pelo Governador antigo, o Exmo. Sr. Francisco António Gonsalves Cardoso, Juiz de Direito da comarca, Secretário do Governo, Ajudante de Ordens, Autoridades civis e Militares, Oficialidade do Batalhão Provisório, & c. e pelo Batalhão de Artilharia, formado em parada, que fez a devida continência. A Fortaleza de S. Francisco lhe havia salvado na passagem, bem como a corveta ao sair dela S. Exa. recebeu com a maior afabilidade as felicitações que lhe dirigiam. Depois partiu o Governador Cardoso para a Sé a buscar o Bastão que havia depositado aos pés de Nossa Senhora da Conceição e de lá dirigiu-se para o Monte, seguido das Autoridades, e da mesma forma foi postar-se em proximidade daquela Fortaleza o Batalhão de Artilharia. Depois das quatro horas chegou o novo Governador, acompanhado da Oficialidade do navio que acabava de comandar, a qual lhe queria testemunhar a sua respeitosa afeição seguindo-o de perto, por cujo motivo o mesmo Exmo. Sr. caminhou a pé até ao Monte. À porta da dita Fortaleza teve lugar a entrega do Bastão, pronunciando o Exmo. Dr. Cardoso, estas palavras: <Há nove meses que por ordem de Sua Majestade tomei conta do Governo desta Província, encargo este muito superior às minhas forças. Neste mesmo lugar recebi das mãos do Conselho do Governo este Bastão de Comando e tenho feito até hoje quanto é humanamente possível para desempenho da difícil empresa que me foi confiada e para prosperidade e bem-estar dos honrados habitantes de Macau: que tudo é pouco quanto se faça por este nobre povo. Entrego com muita honra nas mãos de V. Exa. o Bastão e a Chave desta Fortaleza, que me estavam confiados e espero das virtudes e vastos conhecimentos de V. Exa. ajudado de assíduo trabalho, e de coadjuvação dos habitantes desta Cidade, que seja feliz o Governo de V. Exa. e torne próspera a sorte de Macau>. O Exmo. Sr. Guimarães respondeu assim, <Exmo. Sr. Conselheiro Cardoso! Tenho muita honra em receber das mãos de V. Exa. as Chaves desta Fortaleza e este Bastão, insígnia da autoridade superior da Província de Macau, que o Governo de Sua Majestade e Rainha Nossa Augusta Soberana, me confia. Sinto que uma importante Comissão de serviço público, em que o Governo da Rainha tem de empregar a V. Exa. prive os dignos habitantes de Macau da fortuna de continuarem sob o Governo de V. Exa. – Governo a que V. Exa. se tinha dedicado com tanto acerto e tão incansável zelo e actividade. Permita-me V. Exa. que eu o felicite, ou antes a mim próprio e aos habitantes de Macau pelos brilhantes resultados que tem coroado tão nobres esforços como aqueles que V. Exa. tem empregado no melhoramento deste Estabelecimento. Posto que V. Exa. me lega uma empresa muito superior às minhas forças, é de justiça confessar que ela é hoje muito mais leve do que quando V. Exa. a tomou sobre si, neste mesmo lugar, ainda não há dez meses. Agradeço os votos pela felicidade do meu Governo, que V. Exa. acaba de fazer e creio tão sinceros, quanto é verdadeiro o interesse que V. Exa. sente por tudo que tem o nome de Português>. Depois, tornou a entregar as Chaves ao Comandante da Fortaleza dizendo-lhe: <Sr. Major. Entrego a V. Senhoria as Chaves e o Governo desta Fortaleza e estou certo que V. Sa. se haverá na guarda e defesa da Cidade de Macau, como cumpre a um militar bravo e honrado e como convém à honra da Bandeira Portuguesa>. Em seguida foram os dois Governadores e o Leal Senado assinar o auto da Posse; e o Exmo. Sr. Guimarães voltou a depositar na Sé, aos pés da Padroeira do Reino, o Bastão da Governança.” Cinco dias depois, a 24 de Novembro de 1851 o ex-Governador Francisco António Gonçalves Cardoso embarcou na corveta D. João I para Hong Kong, daí seguindo para a metrópole no vapor da mala.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasBastão nas mãos do Santo [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] existência em Portugal do Bastão do Comando dado a um Governador fica-se a saber pelas palavras de D. Pedro de Meneses, na altura em que foi empossado como primeiro Governador da Praça de Ceuta, ainda em Agosto de 1415. Dizia ele perante D. João I: ” ‘Majestade, com este bastão é-me suficiente para defender Ceuta de todos os seus inimigos’; desde aquele instante, um bastão para jogar (Aleo) transformou-se no Bastão de Mando da Cidade, estando actualmente em mãos da Nossa Senhora de África, como Governadora Perpétua da urbe”, informa Gabriel Fernandez Ahumada. “No acto da posse dos governadores da Índia havia a cerimónia da troca do bastão pelo que se guarda no túmulo de S. Francisco Xavier. Esta cerimónia teve origem no facto de ter o Vice-Rei Conde de Alvor depositado ali o seu bastão, entregando ao santo a defesa do Estado quando esteve iminente a invasão pelo Savagy”, segundo se lê na Enciclopédia Luso Brasileira. Tal episódio ocorreu em 1683, após Sambaji (filho e sucessor de Shivaji, fundador do Império Maharathi) a 24 de Novembro desse ano, com um exército de vinte mil soldados, cavalos e elefantes, tomar às portas da cidade o forte da Ilha de Jua (St. Estêvão) e matado toda a guarnição. O Vice-Rei Francisco de Távora (1681-1686), já com o título de Conde de Alvor, atacou-o com quatrocentos homens, mas foi desbaratado. Desesperado, o Vice-Rei, vendo estar Goa perdida devido à supremacia dos maratas (denominação portuguesa para os maharatas), foi à Igreja do Bom Jesus e abrindo o túmulo de S. Francisco Xavier colocou-lhe nas mãos o bastão (símbolo do poder), assim como as patentes (símbolo de tomada de posse) e um papel nomeando-o defensor e protector de Goa e dos portugueses. Com isso esperava a sua ajuda milagrosa, entregando-lhe a responsabilidade da defesa de Goa. E não é que Sambaji inesperadamente retirou, apesar da sua supremacia. Para a crença popular foi um milagre realizado por S. Francisco Xavier, mas o que ocorreu para o súbito abandono da mais que provável conquista de Goa por parte de Sambaji foi este ter de ir defender as suas terras do ataque dos mongóis. A partir de então, muitos dos Governadores e Vice-reis da Índia tomaram posse junto ao túmulo do Santo. Bastões das diferentes autoridades Por alvará de 26 de Abril de 1626, Dom Francisco da Gama, que pela segunda vez ocupava o cargo de Vice-Rei da Índia (1622-28), concedeu à Câmara de Macau o privilégio de prover a vara de Alcaide desta cidade, em homem branco. Alvará mais tarde confirmado pelo Vice-Rei D. Francisco de Távora (1681-1686) e a 30 de Abril de 1689 pelo então Governador da Índia, D. Rodrigo da Costa, sendo a 30 de Dezembro de 1709 pelo próprio Rei D. João V. Uma história em que este bastão é referenciado ocorreu em Macau em 1710. Na altura, 13 de Fevereiro, os vereadores do Senado revoltaram-se contra o Capitão-Geral Pinho Teixeira e essa desobediência levou o Governador a mandar eleger um novo Senado. Os homens bons demitidos pelo Capitão refugiaram-se no Colégio de S. Paulo e o Governador enviou soldados para aí os prender. Os jesuítas reuniram-se com o Ouvidor e os notários na escadaria de São Paulo e aí atestaram os seus privilégios, ficando provado que a entrada forçada de soldados nas suas instalações era inadmissível do ponto de vista legal. O Capitão Geral mandou vir um canhão para despedaçar a porta maciça do seminário, mas como o tiro não conseguiu tal efeito, deu ordens para os canhões do Monte o arrasar, sendo tal evitado pela intercessão do bispo. O conflito continuou e três cidadãos foram consecutivamente eleitos para o lugar vago de juiz mas, assim que eram eleitos, reuniam-se aos seus predecessores, no Colégio, onde também procuravam abrigo muitos cidadãos. Os apelos do clérigo e da classe média resultaram na retirada das sentinelas. No aniversário da invasão holandesa, os senadores, bastão na mão, saíram do seu refúgio e, escoltados por muitos partidários armados de mosquetes, foram a um conselho-geral no Senado, celebrado com o fim de restaurar a tranquilidade pública. No entanto, o conflito só ficou sanado a 28 de Julho desse ano com a posse de um novo Governador, Francisco de Melo e Castro. Ascendência do Senado “Os decretos reais de 1709 determinaram que o Capitão-geral não interferiria na administração política e financeira que, por direito, pertencia ao Senado, e que, em vez de convocar os senadores em qualquer emergência, ele deveria deslocar-se à casa do Senado, onde lhe seria concedido o lugar principal na mesa do conselho que, habitualmente era atribuída ao vereador mais antigo”, segundo Montalto de Jesus, que refere, a “escritura constitucional datada de 1712, definiu a jurisdição política do Senado como abrangendo todos os casos que se relacionassem com o bem-estar e a tranquilidade de Macau, enquanto financeiramente confiava ao Senado o controlo exclusivo dos rendimentos e despesas da colónia [até que pelo Decreto de 20.9.1844 foi instituída uma Junta de Fazenda, tirando da Câmara a administração financeira]. O Capitão-geral, geralmente o orgulhoso filho de alguma família patrícia e histórica, tolerava mal esta ascendência do Senado. Mais a mais, a própria pompa da sua tomada de posse contradizia a sua posição de subalterno. Quando, às portas da cidadela, apresentava a sua carta-patente ao vereador mais antigo eram-lhe em troca entregues um bastão de comando e a chave da cidadela por entre uma salva de vinte e um tiros. Para seu desgosto, contudo, em breve veria a sua autoridade estritamente limitada ao comando de uma pequena guarnição”. Refere Armando A. A. Cação, em “1721, o Governador era investido na posse, na porta principal da Fortaleza do Monte, entregando-lhe o conselho do Governo e chave da dita fortaleza e o bastão e com eles a posse do Governo desta cidade com todas as artilharias e armas, apetrechos e munições de todas as fortalezas da guarnição”. No Senado “às nomeações anuais era anexada uma lista de sucessão. Na circunstância do falecimento de um senador a vaga era preenchida numa tocante cerimónia, na catedral. Os senadores reuniam-se à volta do caixão, o vereador na presidência pronunciava três vezes o nome do falecido, um médico atestava formalmente o óbito, a lista de sucessão era aberta e um substituto nomeado pelo vereador, que lhe entregava solenemente uma vara tirada da mão do falecido, pois cada senador possuía uma fina vara de madeira, insígnia de autoridade”, segundo Montalto de Jesus. Já a carta de 22 de Setembro de 1714, dirigida por Albuquerque Coelho ao Ouvidor Vicente Rosa, que o tinha colocado na prisão, refere a vara de Ouvidor desta Cidade. Como se percebe, para além do Bastão de Comando do Governador, havia também os bastões dos vereadores, do juiz… O que será feito desses bastões de Justiça e Comando? Se ainda existem, por onde andam? Relíquias importantes para serem expostas no Museu de Macau, ou pelo menos réplicas deles.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasBastões de Comando aos pés da Imaculada [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o escrever sobre as grandiosas festas com que a Cidade do Nome de Deus solenizou a proclamação da Imaculada Conceição como sua Padroeira, veio-nos à memória que colocado a seus pés se encontrava o Bastão de Comando. Quando o Capitão-geral, ou depois o Governador, chegava a Macau, na tomada de posse às portas da cidadela, apresentava a sua carta-patente ao vereador mais antigo do Senado e em troca era-lhe entregue o bastão de comando e a chave da cidade por entre uma salva de vinte e um tiros. Depois era o bastão de novo depositado no altar da Padroeira Nossa Senhora da Conceição; no início e até 1856, na Igreja de Nossa Senhora dos Anjos e porque esse templo dos franciscanos ameaçava ruir, desde então na Sé Catedral, colocada no primeiro altar lateral do lado do Evangelho, a contar da entrada. “A esse bastão do comando que se encontrava na Sé Catedral veio-se juntar um outro que a comunidade portuguesa de Xangai ofereceu ao Governador José Rodrigues Coelho do Amaral (1863-1866)”, segundo o Pe. Manuel Teixeira. Luís Gonzaga Gomes refere a data de 10 de Março de 1865, quando o comendador Lourenço Marques, em nome dos cidadãos portugueses residentes em Xangai, ofereceu ao Governador Coelho de Amaral um bastão feito na Inglaterra, para comemorar a sua passagem por essa cidade, em Junho de 1864. O Coronel de Engenharia José Rodrigues Coelho do Amaral, Governador de Macau que a 22 de Junho de 1863 tomara posse e para o qual havia sido nomeado a 7 de Abril desse mesmo ano, como Conselheiro na missão diplomática portuguesa partira a 14 de Maio de 1864 de Xangai para Tientsin (Tianjin). “Acompanha a este (comendador Lourenço Marques) uma caixa contendo um Bastão que a Comunidade Portuguesa de Shanghae ofereceu em 1865 a S. Ex.ª o Conselheiro Joze Rodrigues Coelho do Amaral em demonstração da boa administração de S. Ex.ª como Governador desta Província, e ele o vota a SSma. Virgem perpetuamente; V. Rma. o colocará no altar de Nossa Senhora da Conceição a par do outro Bastão”, de um documento transcrito pelo Padre Benjamim Videira Pires, que refere ter o Governador Coelho do Amaral recebido o bastão em 19 de Janeiro de 1866 e o colocou no “altar, <a par do outro que serve nos actos solenes da posse dos Governadores desta Cidade>, à semelhança do que se fazia para a coroa real, em Vila Viçosa. Desaparecida, hoje, desse altar a estátua e o painel (hoje no Museu) da Imaculada e substituídos por outra estátua da Senhora da Conceição, da Medalha Milagrosa, os antigos bastões da tomada de posse do Governador e de Coelho do Amaral (não do Juiz, como se pensava) encontravam-se, até à última remodelação da Catedral em 1961”, no lado direito da própria estátua de Nossa Senhora de Fátima, no seu altar do transepto. “A cerimónia simbólica da entrega do bastão à Padroeira interrompeu-se com a República, em 1910”, sendo a partir de então apenas entregue a chave da cidade ao novo governador. De referir que em 1840 na Igreja paroquial de S. António em Macau se principiou também a venerar a Imaculada, sob o título de Nossa Senhora da Conceição da Medalha Milagrosa. Segundo Benjamim Videira Pires “É sabido que a Imaculada, com a forma duma medalha de duas faces, apareceu em 27-11-1830, em Paris, a Santa Catarina Labouré”. Insígnia de dignidade senhorial Esse Bastão de Comando, ceptro de insígnia real, tinha como paralelo na China o Gui, um objecto de jade usado apenas pelo imperador, ou pelos reis, durante a cerimónia de oferendas de sacrifício ao Céu (Ji Tian). Segundo Ana Maria Amaro, “A bengala, ou bastão, 權 (kun) (权杖, em mandarim quanzhang), é símbolo de honrarias e insígnia de dignidade, sendo homófono de cássia, árvore emblemática dos letrados também, um emblema de Shou Xing Gong (寿星, Shou Xing a divindade estelar da Longevidade) Divindade da Longa Vida, um dos três Puros, uma das Três Estrelas ou Três Augustos Imperadores, uma tríade muito popular também entre os tauistas, o grupo das Três Supremas Venturas, Fu, Lu, Shou, Felicidade, Prosperidade e Longa Vida.” O bastão dos Governadores da Província era chamado Bastão do Comando e simbolizava o supremo mando, serviu desde os primeiros tempos nos actos solenes da posse dos Capitães-gerais e dos Governadores de Macau até que, com a implantação da República, deixou de ser feita esta cerimónia. Esta vara era outorgada pelo Rei a um seu servidor, para o representar na governação de um território do seu vasto império e por isso denominada Bastão de Comando. Traz ele uma ancestral História, aparecendo sempre associado com os chefes e dirigentes do povo e como cajado ligado à pastorícia, sendo primitivamente usado como arma de defesa contra o ataque dos animais, ou como bengala de suporte ao corpo. Como insígnia, o bastão do comando terá a sua proveniência nesse cajado usado pelos pastores para conduzir os seus rebanhos, ou no ceptro, que era um bastão usado outrora pelos reis e generais. Na entrada <Bastão>, a Enciclopédia Luso Brasileira refere que nas investigações em cavernas e nos túmulos foram encontrados objectos pré-históricos classificados pelos especialistas como bastões do comando. Se há quem pense que estes são insígnia de chefes, outros crêem serem primitivas varas do condão que os feiticeiros usavam. “Os chefes egípcios, árabes e hebreus usaram bastões, assim como pessoas de consideração em Babilónia, como refere Heródoto. No teatro grego os actores, quando mimavam um pedagogo, um camponês ou um velho, usavam um bastão rústico, e uma bengala ou vara direita e adornada quando representavam uma personagem rica ou elegante. Nos primeiros monumentos cristãos aparecem trazendo bastão o arcanjo Gabriel, na Anunciação; Cristo na ressurreição de Lázaro, o Bom Pastor, Cristo descendo ao Limbo; Moisés ferindo o rochedo; S. Pedro entre os Apóstolos, etc. Na liturgia cristã o báculo é símbolo da autoridade espiritual e descende do bastão.” Esse pau grosso com a extremidade superior arqueada era usado pelos bispos. “No cerimonial antigo figura o bastão como insígnia de dignidade senhorial.” Tal ficou registado durante a viagem da primeira Embaixada Japonesa Cristã à Europa, promovida pelo Visitador dos Jesuítas no Oriente, Padre Alexandre Vaglinano. Em Roma, encontrando-se hospedados os quatro jovens embaixadores japoneses na Casa da Companhia de Jesus, aí compareceu no dia 29 de Maio de 1585, o senador mais velho, Horácio de Benedictis, em representação do povo e Senado Romano, com um grande aparato, usado em actos públicos, precedidos de vinte e quatro oficiais com varas douradas na mão, e seguidos de muitos cavaleiros e cidadãos romanos, todos ricamente vestidos. O bastão de Comando, símbolo do poder temporal e o báculo da autoridade espiritual, representavam em conjunto a autoridade do saber, que mais tarde se perdeu, esquecida como ficou a autoridade natural, sendo agora apenas de autoridade estatutária.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasOs primeiros festejos à Padroeira (1647) [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]rendo suficientes os dois artigos publicados sobre a Imaculada Conceição para deixar por um ano este tema, apareceu-nos um texto de 1648 escrito pelo jesuíta Nicolau da Costa e reproduzido por Benjamim Videira Pires S.J., relatando as primeiras celebrações em Macau em honra da Padroeira, que não resistimos em transcrevê-lo, tal a riqueza e opulência, contrária ao despojo material da filosofia franciscana. “A ordem real sobre a consagração do Leal Senado de Macau à Imaculada deve ter chegado à Cidade do Nome de Deus, na monção da Primavera de 1647. Imediatamente se organizaram <desde Dezembro desse ano até aos 22 de Fevereiro de 1648, muitas festas somenos, como carreiras e várias encamisadas, nas quais vinham os homens principais da cidade a cavalo, luzidiamente trajados ao modo sínico, ora ao japónico e às vezes à moirisca, outros em trajos de outros reinos estrangeiros, com grande número de tochas acesas nas mãos e da mesma maneira os seus pajens e escravos, todos vestidos de diferentes librés. E porque neste tempo estavam ainda aqui os navios da Índia, os moradores de Cochim, por darem mostras da alegria que sentiram em seus piedosos peitos, foi também a sua encamisada com pandorga [música desafinada e sem compasso], coisa que muito contentou a todos e em que gastaram bem de prata, porque vinham grão número de figuras que representavam os diversos passos, com muitas tochas e outras luminárias. Porém, os naturais e filhos desta cidade e os japões levaram (vantagem) aos demais, porque numa segunda-feira de manhã arvoraram em um mastro, na rua direita da cidade, uma formosa bandeira, de campo, andaram muitos cavaleiros com outra bandeira, em cujo campo vermelho estava numa das bandas uma esfera e na outra uma águia pintada, correndo as ruas por onde havia de passar a sua, que chamavam, procissão, com tambores, pífaros, lançando em muitos lugares à gente que se ajuntava vários ditos galantes, versos e epigramas em louvor da Virgem. À noite, vieram com sua procissão pelas ruas, os ditos tangendo diante, também, pífaros, trombetas com charamelas, a visitar as principais igrejas da cidade. Após os instrumentos, vinham, por sua ordem, o deus Marte a cavalo, Neptuno sobre um delfim, com o deus Pan sobre outra alimária, cada um destes deuses no coice do seu esquadrão; e diante de cada um do qual ia uma formosa bandeira em que iam escritos vários versos e motes com figuras, tudo em louvor e com glória da Senhora; e os de cada esquadrão, que eram de 20 em 20, (seguia) cada um com sua tocha acesa na mão. Detrás das companhias dos 3 deuses, cujos soldados e vassalos com seus criados vinham (vestidos) da mesma libré que o seu deus, se seguiam as deusas Ceres, Diana e Minerva, cada uma no fim de seu esquadrão, assentada em rico trono, posto sobre um carro triunfal, dos quais carros o primeiro era puxado por duas serpentes por cordões de seda; o segundo por dois veados e o terceiro era levado por dois cavalos ricamente vestidos, ao modo com (o) trajo de cada uma das deusas. Junto ao derradeiro carro, vinha uma capela de cantores de excelentes vozes, com tangedores que, de quando em quando, tocavam diversos instrumentos, descantando muito a ponto, o que acabado ao som da viola, davam sua música com variedade de cantigas e toadas, tudo em louvor da Virgem; e nos terreiros das igrejas principais, descansavam, foliavam e bailavam de terreiro, com aplauso da muita gente que se ajuntava, por eles serem muito destros. Em nosso terreiro (da Igreja da Madre de Deus ou S. Paulo) se esmeravam mais, para mostrarem o reconhecimento aos nossos (i. é, jesuítas), que eles ensinaram (i. é, ensaiaram) e a escola onde aprenderam o que sabem. Tudo acima foram prelúdios das festas, com que se solenizou o dia determinado…>” A 8 de Dezembro “<Para que fosse mais célebre e em tudo com perfeição, diziam os homens ser necessário ajudarmos nós; e aí vieram a este Colégio (de S. Paulo) os Vereadores, como cidadãos principais, pedir encarecidamente aos Superiores (da Companhia de Jesus) os ajudassem…, pois eles, por si sós, não podiam sair com coisa boa. E como a petição era tão justa e para glória de Deus e louvor da Senhora, não se lhes pôde negar. O que se lhes deu para a procissão foi a figura da Fama, que ia a cavalo, com um pendão da Virgem, de glorioso bastidor em campo branco, cujas duas pontas levavam dois cavaleiros, galantemente vestidos, e os cavalos (em que iam montados) com ricos jaezes. Três danças – uma de anjos, outra de pastores, outra de soldados, com uma folia, indo os meninos em oiro, pedras preciosas, pérolas e aljofres. Deram-lhes (os Jesuítas) mais as figuras seguintes: a Graça, que ia em um carro triunfal, levando a seus pés presos o demónio e o pecado, pelo qual carro puxavam as Virtudes – scilicet: Castidade, Prudência, Justiça e Fortaleza. Para puxar o segundo carro em que ia a Senhora, os 4 Patriarcas: Abraão, Jacob, Isaac e Joaquim (pai da Virgem). Por quanto havia três arcos triunfais, antes de chegar a S. Francisco (onde na sua igreja de Nossa Senhora dos Anjos havia uma capela e um altar dedicado à Imaculada Conceição. A Confraria, estabelecida pelos anos de 1572-1580, estava encarregada do culto da Imaculada e zelava a celebração da festa da Padroeira do Senado, de todo o Reino e seus domínios, no dia 8 de Dezembro) fez-se-lhes um diálogo, que se representou junto do primeiro (arco), que estava na rua, abaixo da porta principal da nossa igreja, donde a procissão saiu, em que entraram a Graça, o Pecado e o Diabo. No segundo (diálogo), falou o Anjo Custódio, oferecendo à Senhora o seu arco em nome da cidade. No terceiro (diálogo), saiu a Confraria da Senhora, pedindo-lhe quisesse aceitar aquelas amostras de amor, à qual respondia a Alegria, que posta num alto fingia vir do Céu, para ajudar a festejar este dia de tanto gozo para a Virgem… Isto o principal com que este Colégio (de S. Paulo) concorreu para a festa (da Padroeira)…, afora os ornamentos ricos, que se emprestaram aos frades franciscanos para todos os altares e as mais capas que iam na procissão de todos os clérigos e nossos Padres e Irmãos… Não trato das custosas charolas (i é, andores) dos Santos que levava, nem das muitas invenções e outros passos de prazer que na procissão iam, nem do ornato das ruas e palanques que havia, nem dos engenhosos jogos e outras muitas festas e folguedos que 8 dias contínuos houve… por não ser este o lugar. O que se apontou acima foi por ser coisa que este Colégio (de S. Paulo de Macau) fez, em serviço da Virgem, de que os homens muito se edificaram, assim como folgaram…>, (da Relação do jesuíta Nicolau da Costa). Eis uma imagem pálida e parcial das grandiosíssimas festas com que a Cidade do Nome de Deus solenizou a proclamação da Imaculada Conceição como sua Padroeira”, segundo transcreve Benjamim Videira Pires.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasImaculada Conceição padroeira de Macau [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]or engano, na última semana saiu o artigo correspondente ao dia de hoje, 1 de Dezembro, que comemora o início da Restauração da Independência de Portugal em 1640, então sobre o domínio de Filipe III de Portugal e o IV de Espanha. Este rei jurou e fez jurar a todas as Corporações eclesiásticas, Universidades e Catedrais dos seus domínios, o defender o Mistério da Conceição Imaculada. Com Portugal independente, “a 25 de Março de 1646, a Corte e os representantes dos três Estados (clero, nobreza e povo) sob proposta de D. João IV, proclamaram a Senhora da Conceição como Rainha e Padroeira de Portugal e juraram defender sempre esse privilégio augusto e celebrar com muito particular afecto e solenidade a sua festa”, segundo Benjamim Videira Pires, que complementa: “Em 11 de Setembro desse ano, expediram-se cartas para todas as Câmaras da metrópole e do Ultramar, a fim de que as respectivas autoridades, com o clero, a nobreza e o povo, ratificassem e repetissem o acto da Corte e dos três Estados, elegendo também e proclamando Padroeira deste Reino, a Virgem Nossa Senhora da Conceição”. É natural que esta ordem real chegasse a Macau, apenas em 1647 e daí ser feriado no próximo dia 8 de Dezembro. Serve este para venerar a Imaculada Conceição, um dos quatro padroeiros que Macau já teve, a par de S. João Baptista, Santa Catarina de Sena e S. Francisco Xavier, tendo espelho no quinto, o Santo Nome de Deus, assim chamada pelos portugueses a cidade no início. Juntam-se a estes, como protectores para a comunidade chinesa, Kum Iam (Guan Yin), comparável a Nossa Senhora, Á-Ma (Mazu) para os marítimos e Na Cha, contra a peste. Antigamente começava hoje (1 de Dezembro) a celebração do oitavário à Imaculada Conceição e a 8 de Dezembro a sua festa, com missa e procissão. O culto Os monges franciscanos tinham sido “os primeiros que no século XIII professaram em público, de viva voz e por escrito, a crença da Conceição Imaculada e estabeleceram a festa deste augusto Mistério em todas as suas igrejas. Vários doutores e teólogos desta Ordem se tornaram célebres por seus escritos na defesa desta crença, contra alguns que a impugnavam, quase todos pertencentes à Ordem dominicana e difundindo-a com incansável zelo e ardor, e sendo imitados por insignes e piedosos varões, foram seguidos com entusiasmo, não só pelo comum dos fiéis, como pelas corporações mais sadias e distintas então existentes na Europa”, do Boletim do Governo do século XIX. Se a Imaculada Conceição foi a última padroeira a ser consagrada em Macau, o seu culto é tão antigo quanto o estabelecimento dos portugueses e “nos primeiros tempos o Senado, ou Governo, fazia à sua custa a festividade da Conceição em 8 de Dezembro, mas seguindo-se de perto ao estabelecimento (em 15/11/1579) da ordem franciscana em Macau, a instituição, na Igreja dela, da Confraria da Conceição, de cujo culto aquela ordem era zelosa propugnadora, o Governo daí em diante só concorria, ainda em 1844, com a prestação de 100 patacas para ajuda dos gastos da dita festividade, que ficou a cargo da referida Confraria, ainda hoje existente, e que esteve ricamente dotada”, como referido nesse Boletim do Governo. A Confraria da Conceição, que rendia o seu culto à Mãe de Deus, estava encarregada da organização destes festejos. “A 23-XII-1781, o Senado assentou ficar (perpetuamente) Presidente da Confraria de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Macau, a pedido da mesma Confraria, que se via impossibilitada de arcar com as despesas da festa”, segundo Benjamim Videira Pires, que refere, “visto ser o Protector, que concorre anualmente com vinte taéis”. No início, as celebrações à Imaculada Conceição eram realizadas no Convento de S. Francisco até que, com esse templo arruinado, em 1850 passaram para a Sé Catedral. Já como Padroeira, a festividade ocorria com uma extraordinária solenidade, havendo missa cantada acompanhada a órgão, com assistência das autoridades políticas, religiosas e os principais moradores da cidade e onde todos os vereadores do Senado comungavam. Após a missa, ao som de uma salva feita desde a Fortaleza do Monte, saía em procissão, à roda do largo da Catedral, o andor de Nossa Senhora da Conceição, seguido do Santíssimo Sacramento conduzido pelo Bispo Diocesano, sendo acompanhada em cortejo com a guarda de honra, que incorporava em peso a própria guarnição e o Governador, pegando os vereadores da Câmara nas varas do pálio. Estátuas da padroeira A imagem da Imaculada Conceição de Maria encontra-se em muitas igrejas de Macau, assim como logo desde 1640 no frontispício da Igreja da Madre de Deus. “Após a Restauração, a desejo do Rei D. João IV, por volta de 1647/48 o título da Igreja e do Colégio mudou-se para Colégio e Igreja da Imaculada Conceição”, segundo Benjamim Videira Pires que segue dizendo, “A igreja do mosteiro das Clarissas era também dedicada à Imaculada; e os Franciscanos, na sua Igreja de Nossa Senhora dos Anjos ou da Porciúncula, possuíam um altar à mesma evocação”. Já Luís Gonzaga Gomes refere que em 1936 foi demolida a antiga Igreja da Imaculada Conceição e nesse lugar construída a nova Igreja de S. Clara, em estilo gótico. No Salão Nobre do edifício do Leal Senado, encontra-se um oratório com as estátuas de Nossa Senhora da Conceição no centro do altar e à esquerda a de S. João Baptista, ambos Padroeiros da Cidade e onde outrora, todos os Senadores ouviam Missa e comungavam nas festas de cada um dos 4 Padroeiros. Para construir (ou reconstruir) esse oratório foi pedida autorização pelo Senado a 31 de Dezembro de 1818, sendo deferido por Dec. Régio de 28 de Setembro de 1819, que manda nesta ocasião declarar ao Bispo Diocesano para que ele haja de conceder as licenças necessárias para a erecção do pretendido Oratório, onde antes da Ordinária Vereação dos Sábados, se haja de celebrar Missa. E continuando com P. Manuel Teixeira, o Oratório ainda hoje existe, mas já não se celebra ali Missa, nem sequer se reza antes das sessões camarárias. Na Igreja do Seminário de S. José há o altar dedicado à Imaculada e no alto da Colina da Penha encontra-se a sua estátua, assim como na gruta aí existente. A “17-9-1871 Bernardino de Sena Fernandes convocou os subscritores do Colégio da Imaculada Conceição, para tratar do encerramento deste estabelecimento de educação e instrução, por se terem retirado da Colónia as professoras que regiam esse colégio”, segundo Gonzaga Gomes, que refere ainda, a “19-2-1906 devido aos esforços do Bispo Dom João Paulino de Azevedo e Castro, chegaram os padres salesianos Luís Versiglia, Ludovice Olive e João Fergnani, acompanhados dos mestres de oficinas Feliz Boresto, Luís Carmagnala e Gaudêncio Rota, para fundarem o Orfanato da Imaculada Conceição, para crianças chinesas”. No feriado oficial de 8 de Dezembro, em honra da Padroeira de Macau Imaculada Conceição, já sem oitavário a anteceder, ocorrerão na próxima sexta-feira apenas duas missas na Sé Catedral, às 11 horas em português e às 17 horas em inglês.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasImaculada Conceição padroeira de Macau [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 1 de Dezembro comemora-se o início da Restauração da Independência de Portugal, então sobre o domínio da Espanha dos Filipes, ocorrida em 1640, data da colocação da estátua em bronze de Nossa Senhora da Assunção no frontispício da Igreja da Madre de Deus. Também começava hoje o oitavário da Imaculada Conceição, elevada em 1646, por desejo do Rei D. João IV, a padroeira de Portugal e no ano seguinte de Macau, sendo por isso o dia 8 de Dezembro feriado oficial. Era a única dos quatro padroeiros de Macau que tinha oitava, tendo já deixado de se realizar, e a última a ser consagrada padroeira da cidade. Começamos hoje por escrever sobre a origem deste culto, que remonta aos primeiros séculos do Cristianismo, tendo a Igreja oriental “instituído as primeiras festa da Virgem e especialmente as da Anunciação, Assunção e Conceição e a celebração desta última é também antiquíssima naquela Igreja e muito anterior à da sua prática na do ocidente. Jorge, Bispo de Nicomedia, que floresceu pelos anos de 616 a 641, dá esta festa como muito antiga e célebre no oriente, e é certo que já em 1180 se celebrara como festa de guarda pelos Imperadores de Constantinopla”, segundo o Boletim do Governo da Província de Macau, Timor e Solor, que refere ainda a sua História em Portugal e aqui transcrita. “Afirmam alguns autores que o Sr. Rei D. Afonso Henriques, fundador da Monarquia, já se distinguira na devoção à Imaculada Conceição de Maria, e que em Alcobaça fizera erigir uma Igreja para o seu culto, no qual continuaram seus descendentes na coroa. É porém fora de toda a controvérsia histórica que em 1320, no tempo do Sr. Rei D. Dinis, o Bispo de Coimbra D. Raimundo instituiu na sua diocese a festa da Conceição Imaculada, a instâncias da Rainha Sta. Isabel, a qual no Mosteiro da Trindade, que fez edificar em Lisboa, erigiu uma capela em honra da mesma Conceição. De Coimbra passou aquela festa a ser praticada na diocese de Lisboa, e no resto do reino. Anos depois, o insigne e heróico condestável D. Nuno Álvares Pereira fez construir a Igreja da Conceição de Vila Viçosa, que é tida por uma das mais antigas e veneradas de toda a Hespanha, e os seus sucessores, Duques de Bragança, e os Reis desta Augusta Casa, imitando o exemplo de seu ilustre progenitor, se esmeraram sempre em a engrandecer, celebrando nela com devoção e pompa a festividade da Conceição Imaculada, e entre os Duques a todos se avantajaram D. Jaime, D. Teodósio e D. João. O Sr. Rei D. Manuel mandou purificar a antiga sinagoga dos judeus em Lisboa, e a dedicou à Conceição de Maria. É a Igreja a que chamam da Conceição Velha, cuja fachada é um belo monumento do estilo da arquitectura gótica em Portugal. O Sr. Rei D. João III instituiu uma confraria ou irmandade, a que chamaram da Corte, em honra da Conceição da Virgem, debaixo de cujo nome fundou na Vila de Almeirim uma Igreja e hospital. Em 1634, a diocese da Guarda reunida em Sínodo prestou juramento de defender a Imaculada Conceição, e também a de Braga em 1637, e a de Coimbra em 1639. Foi porém o Sr. Rei D. João IV quem, com singular piedade, em Portugal mais exaltou o culto à Mãe Santíssima. A 25 de Março de 1646, dia da festa de Ramos, na capela real de Lisboa, estando os três Estados do Reino congregados em Cortes, depois do Dr. Pedro Vieira da Silva, secretário de Estado, ler o piedoso decreto datado deste dia, jurou o dito Rei, e fez jurar a todos os seus súbditos, a confissão da Imaculada Conceição de Maria; a tomou por Protectora do seu Reino e senhorios, com feudo obrigatório de 50 cruzados em ouro por ano à Igreja da Senhora da Conceição de Vila Viçosa, assento ducal dos Duques de Bragança, dos quais ele herdou esta devoção; e acrescentou que ele Rei e todos os seus sucessores e de seus vassalos, ficariam obrigados a propugnar a excelência da Imaculidade da Soberana Virgem, até expor as vidas e derramar o próprio sangue. Em conformidade com esta resolução e assento de Cortes, todas as catedrais; corporações eclesiásticas e civis; as Universidades de Évora e Coimbra, e mais academias dos Reinos de Portugal, tomando a Virgem Imaculada por Padroeira do Reino, se obrigaram solenemente com juramento, a defender a pureza da sua gloriosa Conceição, e por isso também nas salas de todos os Paços Municipais, Episcopais, e Tribunais do Reino, se levantaram desde então Imagens da Senhora, o que ainda hoje religiosamente se observa. Na Universidade de Coimbra ainda actualmente, [século XIX] não se confere algum grau académico, sem que preceda o juramento de defender a Conceição Imaculada. Seguidores do piedoso exemplo do Sr. Rei D. João IV, têm sido até ao nosso tempo os Monarcas da Augusta Casa de Bragança. O Sr. Rei D. Pedro II fez ricas dádivas à Conceição de Maria, e com real piedade protegeu as ordens religiosas da Conceição estabelecidas em Portugal; como a de Braga, instituída pelos anos de 1625; a Congregação da Conceição de Oliveira do Douro, em 1679; a dos Marianos Conceicionistas, estabelecida em Chacim, na Província de Trás-os-Montes, em 1754; e outras extintas em Portugal em 1834, na ocasião em que o foram as demais ordens religiosas. O Sr. Rei D. João V foi em devota romaria à Basílica de Vila Viçosa em 1716, para se desempenhar de uma sua promessa, e fez riquíssimos donativos àquela Igreja. Em 1717, decretou que em todas as Catedrais da Monarquia Portuguesa, se celebrasse com a maior pompa a festividade da Conceição. Em 1720, criou a Academia real de história portuguesa, em honra e debaixo da protecção da Senhora Imaculada, e quando em 1733, a 15 de Dezembro, reunida aquela célebre Academia na capela dos Paços da Casa de Bragança, onde fazia suas sessões, jurou solenemente defender a Imaculada Conceição, também o Sr. Rei D. João V, e o Príncipe seu filho prestaram devotamente o mesmo juramento. O Sr. Rei D. José I se distinguiu em semelhante devoção. No seu reinado, depois do terramoto de 1 de Novembro de 1755, que arrasou a cidade de Lisboa e muitas terras de Portugal, se instituiu no Convento de Jesus da Terceira Ordem da Penitência daquela cidade, sob a protecção da Santíssima Virgem, a Academia Mariana, à qual presidiu primeiro o erudito e afamado Dr. Manoel do Cenáculo, Arcebispo de Évora, assaz notável pela sua devoção, e em preciosos escritos em honra da Imaculada Conceição de Maria. O Sr. Rei D. João VI pediu e obteve da Sé Apostólica diferentes Bulas, que aumentaram os antigos e extraordinários privilégios de que já gozava a real Igreja de Vila Viçosa. A 6 de Janeiro de 1818, para solenizar o dia da sua inauguração ao trono, e manifestar que na devoção à Imaculada Conceição seguia as pisadas dos seus predecessores, criou a Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, cujas insígnias, pendentes de fita azul e branca, tem no centro as iniciais A. V. M., que significam – Ave Virgem Maria, – e em roda a lenda – Padroeira do Reino”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO Crisântemo no Duplo 9 e no Japão [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]lor de Ouro, o crisântemo é símbolo de amizade e jovialidade, representando o Outono, pois normalmente aparece durante esta estação e dura até começarem as geadas. Segundo uma lenda ligada com o primeiro imperador da Dinastia Qin, foi levada para o Japão por um grupo de crianças que com um mestre do Dao partiram num barco para as ilhas remotas à procura do remédio da Imortalidade. Sabe-se ter o Japão no ano de 750 importado da China esta flor. Refere o Padre Benjamim Videira Pires, S.J. ser o crisântemo o emblema imperial do Japão, quando amarelo e de 16 pétalas, lembrando o sol nascente. “Conta uma antiga lenda japonesa que o crisântemo nasceu de uma astúcia de amor. Há muitos e muitos séculos, um nobre samurai, pouco depois de ter desposado a filha mais nova e mais linda do Imperador, teve de partir para a guerra. Esperava que a expedição fosse por pouco tempo e que a vitória não se fizesse esperar. Para consolar a sua jovem esposa a qual, como todas as japonezinhas bem educadas, engolia corajosamente as lágrimas, dirigiu-se com ela para o seu magnífico jardim e, indicando-lhe uma das flores, disse-lhe o seguinte: <Toma esta flor sob os teus cuidados, porque antes de caírem todas as pétalas, ter-me-ás outra vez aqui junto de ti>. Infelizmente, porém, estava a flor ainda bem fresca quando se propalou a notícia de que o navio, em que seguia o nobre samurai, tinha sido tragado pelas ondas durante uma furiosa tempestade. Todos exortaram a jovem esposa a que se resignasse e a que esquecesse; e o seu pai, o Imperador, começou a projectar-lhe novo casamento com outro cavaleiro, tão nobre e valorosos como o primeiro. Mas a jovem sentiu que não poderia esquecer o seu primeiro amor e por isso pediu e conseguiu que lhe fosse permitido esperar <até que tivessem caído todas as pétalas da sua flor>. Iludindo então a vigilância até das próprias criadas e apoderando-se dum par de tesouras bem afiadas, dirigiu-se numa noite de lua cheia ao jardim e cortou as pétalas da flor em tiras finíssimas, por forma a conseguir um grande número de pétalas. E a sua constância não deixou de merecer o devido prémio. De facto, pouco antes de cair a última pétala da sua nova flor, chegava o samurai que restituía a felicidade à sua esposa. Comovido, o Imperador deu ordens para que a flor passasse a ocupar o lugar de honra nas suas armas e de se converter no símbolo heráldico do seu império. Mas o povo japonês passou a considerá-la também desde então como símbolo do amor. De facto, a oferta dum botão de crisântemo significa <O meu coração está ainda fechado, mas poderá abrir-se para ti, se o quiseres>; um crisântemo que está a desabrochar significa <O meu coração está a abrir-se ao Sol do teu amor> e uma flor aberta significa <O meu coração desabrochou para ti>. Mas, nas terras do Ocidente, essa flor é considerada símbolo dum amor que não tem fim; por isso, é oferecida àqueles que nos foram queridos na terra e nos precederam no Céu, como sinal de recordação perene e afectuoso.” História narrada por alguém que se escondeu no pseudónimo de Franca Perlo. A Ordem do Crisântemo, fundada no Japão em 1876 pelo Imperador Mutsu-Hito, só é conferida aos príncipes, usando uma fita verde orlada a violeta, segundo o dicionário enciclopédico Lello Universal. Um imperador japonês tendo escutado a existência no seu território de um magnífico jardim de crisântemos, talvez o mais belo do mundo, logo ficou interessado em visitá-lo. Enviou um emissário ao proprietário para a possibilidade de lhe conceder a permissão de lá se deslocar. Concordando, o dono do jardim apenas pediu o favor de ser avisado do dia e hora a que o Imperador lá iria. Com a data marcada, chegou o dia e o jardineiro enviou um dos criados para vigiar a saída do imperador do palácio, com ordens para logo que tal acontecesse, vir a correr avisá-lo. Assim foi e já com o Imperador a meio caminho, o jardineiro começou a cortar do jardim todos os pés dessa flor. Chegado o Imperador às portas do recinto, tinha o proprietário à sua espera e conduzindo-o ao seu interior, mostrou a única flor de crisântemo aí existente. Era esta o seu jardim. O vinho Ji Hua no Duplo 9 Na China, no período imperial, a festividade solar do Qingming, cujo significado é Pura Claridade e ocorre no dia 4, ou 5 de Abril, era quando os governantes prestavam homenagem aos Antepassados e ao Imperador Amarelo, unificador das tribos chinesas e primeiro Soberano, Huang Di, considerado o pai do povo chinês. Já no nono dia do nono mês lunar, duplo 9, ou Chong Yang Jie, como é designada a Festividade do Duplo Yang, era a altura do povo oferecer sacrifícios aos seus Antepassados. Se tal acontecia no período imperial, actualmente em ambas as datas o povo chinês vai às campas dos seus antepassados e oferece sacrifícios, queimando em sua honra incenso e dinheiro dos mortos, reunindo-se as famílias à volta da campa, limpando-a e embelezando-a com flores e realizando aí uma refeição. Na Festividade do Aprovisionamento do Princípio Masculino, como também é conhecida a celebração do Duplo 9, a flor mais usada é o crisântemo, não fosse a nona Lua do ano conhecida pela Lua do Crisântemo. Nesse dia as pessoas têm como costume subir à montanha para estarem próximo dos seus Antepassados. Isto poderá ter dois sentidos. No topo da montanha está-se mais próximo do Céu, assim como é nas encostas das montanhas que se encontram os cemitérios chineses. Na Festa do Duplo Nono, quando os crisântemos se encontram em flor, toda a família se reúne num local alto, para beber vinho de crisântemos. Diz-se que esta bebida, Ji Hua protege as pessoas do mal. “Constituía o estuário do Rio das Pérolas um ambiente suigeneris, no qual sucessivas gerações de famílias habitaram em barcos (…). Entre a diversidade de embarcações que se encontravam fundeadas, contavam-se aquelas onde se exercia a prostituição (…). O seu aspecto exterior, para além da lanterna de papel colorido, iluminada, que os anunciava à distância, era marcado por uma ornamentação exuberante, carregada de flores policromas – peónias, dálias e crisântemos, símbolos de amor, fertilidade e felicidade – em que predominava o vermelho, e que se entrelaçavam em frisos, envolvendo-os e emoldurando-lhes as janelas. Era este aspecto garrido que os distinguia, pelo contraste, a sobriedade habitual dos barcos do sul da China”. Retirado do estudo de Isabel Nunes, publicado na Revista de Cultura. Na famosa cozinha de Shunde, Guangdong, as pétalas tubulares do crisântemo são usadas no caldo de cobra quando, colocado na malga para ser servida a sopa, feita, para além da pele e da carne de cobra, com galinha e língua de porco, sendo adicionadas no final, por cima, pétalas brancas dessa flor. Termina hoje, 17 de Novembro, o Festival dos Crisântemos em Kaifeng, onde estiveram expostas em milhões de vasos, assim como ocorreram dezenas de eventos para promover o desenvolvimento da sua indústria nesta cidade da província de Henan, centro da China.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasCrisântemo, a Flor de Ouro do Outono [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] cultura tradicional chinesa tem quatro plantas (si jun zi) como temas usados pelos eruditos (escritores, pintores e calígrafos) nos seus poemas e pinturas pois elas simbolizam quatro respeitáveis características que expressam a sua percepção de vida e os elevam à condição superior do ser humano. A flor da ameixoeira (em mandarim Mei, 梅) representa o Inverno, altura em que floresce e simboliza energia e coragem, renovamento pessoal e perseverança. A orquídea (em mandarim Lan, 兰), escolhida para representar a Primavera, simboliza não ter medo das dificuldades, humildade, autodisciplina e pureza de espírito. O bambu (em mandarim Zhu, 竹), ligado ao Verão, é símbolo de integridade, rectidão, virtude e devoção, paixão pelo estudo, significando firmeza, flexibilidade e resistência. O crisântemo (em mandarim Jü, 菊) está relacionado com o Outono, pois é nessa estação que aparece, quando já as outras flores murcharam e representa comportamento apropriado e ético. Jun Zi servia ainda para significar a categoria de homem distinto e honrado. Conhecida na China por JüHua (菊花 kók fá em cantonense), o nome de Chrysanthemum L. foi-lhe dado na Europa em 1689 por Breynius, devido a chrysos significar ouro, sendo universalizado pelo holandês Linneu. Da família das asteráceas, o crisântemo, que pode apresentar-se em 23 mil diferentes formas, tem na cor amarela a mais comum das suas tubulares (longas e finas) pétalas, apesar de se encontrar com outras colorações, como branco, vermelho escuro e roxo. De cultura fácil, propaga-se por sementes, ou em estacas. É a flor de Outono, pois normalmente aparece durante esta estação do ano e dura até começarem as geadas, simbolizando a longevidade. “Denominada beleza para sempre, representa a jovialidade e amizade e é apreciada pela riqueza das suas cores”, segundo Luís Gonzaga Gomes. No Outono pelo chão O poeta Tao Yuanming (365-427), referido por António Graça Abreu no início do Prefácio do livro Poemas de Han Shan (editado por COD, Macau, 2009), apresentou-se precocemente envelhecido, sereno, sobraçando um ramo de crisântemos quando os deuses da poesia decidiram convidar os maiores poetas da China para um banquete de príncipes e letrados, algures num terraço entre nuvens pendurado numa das montanhas mágicas do velho Império do Meio. Tao Yuanming escreveu sobre os crisântemos e no seu poema “Bebendo vinho”, (retirado do livro Poemas de Tao Yuanming, prefácio e notas de Manuel Afonso Costa, editado por Livros do Meio, Macau, 2013), na sétima parte refere, <Crisântemos de Outono de cores fascinantes / eu vos colho carregadas de orvalho / e mergulho no vinho / para esquecer as mágoas / e os pensamentos do mundo…” Ficcionada por FengMengLong (冯梦龙) durante a Dinastia Ming, a história ‘O vento de Outono fez cair as pétalas dos crisântemos’ reporta-se a duas personagens da Dinastia Song do Norte (960-1127); Su Shi (1037-1101), mais conhecido por Su Dongpo e Wang Anshi (1021-1086), escritor, poeta, oficial civil, três vezes Governador de Nanjing e por duas vezes Primeiro-Ministro. Ainda jovem, Su Shi, após se distinguir nos exames imperiais de Keju e ter o título de Jinshi, ficou a trabalhar na capital Kaifeng sob as ordens do primeiro-ministro Wang Anshi, que gostava dele devido à grande inteligência. Mas Su Shi era muito orgulhoso e não perdia uma oportunidade de se mostrar, considerando os outros inferiores, em inteligência e conhecimento. Wang Anshi, sabendo da falta de modéstia de Su Shi, mandou-o para Huzhou como governador. Após três anos, Su regressou à capital e foi ao palácio visitá-lo, onde o informaram estar o primeiro-ministro a dormir. Convidado a entrar nos aposentos de trabalho de Wang, pois reconhecido pelos funcionários, ali se quedou esperando. Perscrutando o local, vislumbrou sobre a mesa um papel com um poema ainda por terminar, algo invulgar, pois lembrava-se das qualidades do seu superior em escrever de seguida relatórios e grande quantidade de poemas. Lendo-o: <Ontem à noite o vento de Outono atravessou o jardim / fez cair as pétalas dos crisântemos, cobrindo o chão de ouro>. O inacabado poema em estilo shi, que deveria ter quatro versos cada um com sete caracteres, estava com imensos erros, pensou ele, pois, esta flor só abre nos finais do Outono e as pétalas, mesmo no Inverno, nunca caem, podendo apenas ficar a flor seca. Tentação irresistível ao olhar para as duas linhas do poema e numa atitude inconsciente resolveu terminá-lo, escrevendo: “As flores de Outono não caem tão facilmente como as da Primavera / por favor pense com cuidado.” Impulso de que logo se arrependeu. Sem poder emendar o erro, resolveu ir embora. Ao acordar, Wang já no seu estúdio de trabalho reparou na folha escrita e reconhecendo a caligrafia, desabafou não terem chegado três anos para Su aprender a ser modesto. Na audiência com o Imperador, o primeiro-ministro referiu precisar Su Shi de praticar mais para conseguir ser um bom governador e assim, escolheu um pequeno local para o colocar, numa posição mais baixa, destacando-o para Huangzhou, na província de Hubei. Su Shi, percebendo estar a ser punido pela ousadia de ter escrito aquelas verdades no poema do primeiro-ministro, com um sentimento de superioridade, tentou não se importar, pois sabia ser injusta aquela colocação. Antes da partida, Wang convidou-o para um almoço onde referiu Huangzhou como um lugar relaxante e por isso, poderia ler mais livros. Ao ouvir tal provocação, Su Shi ficou interiormente zangado pois fora um dos melhores nos exames imperiais. Chegou a Huangzhou em Novembro de 1079 e após uma série de dias de vento forte, a não permitir sair de casa, no dia seguinte à Festividade ChongYang (Duplo 9) foi visitado por um amigo. Su Shi lembrou-se ter à chegada sido recebido com um crisântemo e por isso, sendo esta a melhor altura para o observar, propôs uma ida a um jardim com essas flores. Ao entrarem, Su Shi apanhou um choque. Viu as pétalas amarelas das flores espalhadas pelo chão, cobrindo-o como que de ouro. Reconheceu então o seu erro e compreendeu a razão de ser para aí enviado. Como o ditado chinês refere, “Por mais que se saiba, devemos permanecer modestos, pois nunca sabemos tudo.” Segundo Luís Gonzaga Gomes, as vestes dos mandarins (oficiais civis) “nas dinastias Ming e Qing eram bordadas com motivos florais como a peónia, ameixoeira, lótus, crisântemo e pássaros”. Também nos bordados xiang, de Changsha, capital da província de Hunan, as figuras mais usadas são o leão, o tigre e o crisântemo. Já o realizador chinês Zhang Yimou no filme de 2006, Man Cheng Jin Dai HuangJin Jia (A Maldição da Flor de Ouro) usa o bordado aliado com o simbolismo do crisântemo, num drama épico que se desenrola nos finais da dinastia Tang. Em Kaifeng, província de Henan, realiza-se todos os anos, entre 18 de Outubro a 18 de Novembro, o Festival dos Crisântemos, que já vai na sua 35.ª edição e onde são expostos milhões de vasos com essa flor.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasXian Xing Hai membro do PCC [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m 1938 Xian Xing Hai encontrava-se já casado com Qian Yun Ling quando chegou a Yanan, na província de Shaanxi, onde terminara a Longa Marcha e o Partido Comunista fizera a sua base. Vinha nomeado director do Departamento Musical do Instituto das Artes e aí leccionou composição e direcção de orquestra. “Desempenhava também funções de orientador de ensaios em muitas actuações musicais importantes. Em Maio do ano seguinte, foi encarregado do Departamento de Música e convidado pela Universidade Feminina de Yanan como professor a tempo parcial”, como refere Wang Ci Zhao. Xian Xing Hai viveu com a sua esposa durante três anos e tiveram apenas uma filha, Xian Ni Na (冼妮娜) nascida a 15 de Agosto de 1939, ano em que se inscreveu no Partido Comunista Chinês, começando “uma nova vida artística. O ambiente de Yanan oferecia melhores condições para a criação. Nesse período, além de compor canções, começou a criar obras musicais de grande dimensão, concluindo grandes ciclos de obras para coro”, segundo Wang Ci Zhao, que refere nessa terceira etapa “As criações realizadas durante a estadia em Yanan, de 1939 a 1940, são sobretudo óperas e grandes ciclos de obras para coro. O estilo tem características bem marcadas que resultam da interacção entre as culturas do Oriente e do Ocidente. O seu conteúdo reflecte a firme vontade do povo chinês em derrotar os invasores japoneses e o seu inflexível espírito de luta”. Para as pessoas tomarem consciência da necessidade de se unirem as diferentes facções chinesas contra o invasor japonês, o famoso fotógrafo Wu Yin Han fez o documentário Yanan Yu BaLuJun (Yanan e a Força Armada Número Oito) e o realizador Yuan Mu Zhi pediu a Xian Xing Hai para compor a música. Como só na URSS existia equipamento para realizar a parte sonora do filme, para aí seguiu uma equipa onde se encontrava Yuan Mu Zhi e Xian Xing Hai. Assim em Maio de 1940 Xian Xing Hai é enviado pelo PCC para a URSS, tendo tomado a última refeição em casa de Mao Zedong. Decorria a II Guerra Mundial e pouco tempo depois da chegada, a 22 Junho de 1941 a URSS foi invadida pela Alemanha nazi e por isso, tiveram que parar a produção do documentário. Nesse ano faleceu Huang Su Ying, mãe de Xian Xing Hai. Este em Moscovo terminou os arranjos da sua Sinfonia nº 1 Emancipação Nacional, ou Libertação Popular, começada em Xangai no Verão de 1935 e cujo esboço inicial da partitura estava concluído no Verão de 1937. No frontispício escreveu: <Esta obra é dedicada ao grande Partido Comunista Chinês, aos membros do Comité Central do Partido e ao Honorável Líder, camarada Mao Zedong>. Também aí terminou a Suite nº 1 para orquestra, ‘Retaguarda’. Vida dura no Cazaquistão Xian Xing Hai e os restantes do grupo, sem nada para fazer em Moscovo, resolveram regressar à China e para tal pretenderam entrar por Xinjiang. Mas Sheng Shicai (1897-1970), que governou essa província entre 1937 a 1944, não permitiu que por aí passassem. Assim, em Setembro de 1941 tiveram que mudar de trajecto e pela República Popular da Mongólia tentaram chegar à China. Também por aí não conseguiram atravessar a fronteira, levando-os a seguir para a capital. Em Ulan-Bator arranjou em 1942 colocação “temporariamente no Clube dos Operários Chineses, onde deu aulas de Teoria Musical, História da Música e Regência de Coro aos chineses ultramarinos amadores de música”, segundo Wang Ci Zhao, que adita, “Além de participar nas actuações musicais do Teatro Central de Wan Bator, dedicava-se entusiasticamente à criação musical”. A 9 de Dezembro de 1942 chegou ao Cazaquistão (na altura integrado na URSS) usando o nome Huang Xun para ter permissão de refugiado político e aí viver. Em Alma-Ata conseguiu sobreviver, contando com a ajuda de alguns músicos da capital e onde compôs uma Sinfonia dedicada ao Exército Vermelho da U.R.S.S. entre muitas outras obras musicais. A 30 de Janeiro de 1944 foi para a cidade Kustanay, no centro Norte do Cazaquistão, levando uma vida muito mais difícil que em Alma-Ata e trabalhando sem parar, compôs entre outras obras, a “Colecção de Canções Cazaquistanesas”. Em Dezembro de 1944 começou a ficar doente e foi internado no Hospital com uma pneumonia. Nesse período de tratamento, entre 27 de Janeiro e 15 de Fevereiro de 1945, compôs a obra para orquestra Rapsódia da China, KuangXiangQu. Mas os tratamentos não estavam a funcionar e o seu estado de saúde piorava dia para dia. Estava a II Guerra a terminar quando o casal Li Li San o encontrou muito mal de saúde e o enviou para o Hospital do Kremlin em Moscovo, onde permaneceu até morrer. Após a morte Depois de uma vida atribulada, rodeada de lutas e privações de toda a ordem, mas de uma intensa actividade criadora, morreu em Moscovo a 30 de Outubro de 1945, com apenas 41 anos de idade. Apesar disso legou aos vindouros uma vasta e valiosa obra de que a música chinesa se pode orgulhar. Das quatro fases de criação, as de maior importância são as compreendidas entre 1935 e 1940. A sua obra abriu novos caminhos e influenciou toda a música contemporânea chinesa. Segundo Veiga Jardim, “Na sua maioria, as obras de Xian Xinghai, nas quais se incluem um concerto e uma sonata para violino, duas sinfonias, duas cantatas, uma ópera e um grande número de canções para coro, são o resultado da combinação da linguagem musical chinesa com a ocidental, com o propósito de reafirmação de um estatuto ideológico definido. Imitada por muitos outros após a sua morte, a sua música tem, no entanto, uma espontaneidade e altitude que a distinguem de uma mera ‘música de regime’ ou ‘música com fins políticos’. As suas obras têm nas autênticas raízes populares folclóricas a razão primeira da sua existência”. Devido ao casal Li Li San, Xian Xing Hai foi sepultado no cemitério público próximo de Moscovo, encontrando-se na lápide o nome Huang Xun – compositor chinês, membro do Partido Comunista. Já Wang Ci Zhao refere, “As cinzas foram guardadas numa velha igreja dos arredores de Moscovo e só viriam a ser transferidas para a China em 25 de Janeiro de 1983, sendo sepultadas oficialmente no Jardim Xing Hai de Lu Hu, nos arredores de Cantão, em 3 de Dezembro de 1985. Devido aos dois anos e meio que Xian Xing Hai estivera refugiado no Cazaquistão, em 1998 o governo desse país mandou construir em Alma-Ata um memorial monumento ao compositor, assim como deu o seu nome a uma rua, cerimónias que contaram com a presença do Presidente da R. P. da China, Jiang Zemin e da filha do compositor, Xian Ni Na. Em 2010 no Cinema Alegria em Macau foi estreado o filme Xing Hai, Estrela do Oceano, tendo como realizadores Xiao Gui Yun e Li Qian Kuan, então director da Fundação do Cinema Chinês. Filme que fala de Xian Xing Hai, nascido em Macau e em cujo quotidiano lacustre viveu a infância nos inícios do século XX. Aí foi realizado parte do filme, que mostra a pobreza da cidade onde muitos chineses viviam e refere ter sido a morte do pai, muito da responsabilidade das autoridades portuguesas.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasXian Xing Hai ao serviço da Revolução [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] génio de Xian Xing Hai (冼星海), como músico e compositor, contrasta com as grandes privações e dificuldades materiais por que passou durante toda a vida e a sua luta quotidiana, levada pela vontade de aprender e de aperfeiçoamento, transmitiu-a pela acção política, aliando-a com a sua obra artística. No artigo da semana passada, escrevemos sobre a sua vida, desde 1905, quando nasceu em Macau, onde passou os primeiros seis anos, até regressar com trinta anos a Xangai, após os estudos feitos em Singapura, Cantão e Pequim e entre 1929 e 1935 em Paris. As criações durante a estadia em França marcaram a primeira das suas quatro fases musicais e “inclinam-se para o recital, o canto e a música de câmara”, como refere Wang Ci Zhao no artigo ‘A Vida e a Obra do Compositor Xian Xing Hai’ (R.C. n.º 26, II Série), de onde retiramos as citações. Já em Xangai, no Verão de 1935 começou a trabalhar no manuscrito que viria a ser a sua primeira sinfonia, terminando dois anos depois o esboço inicial da partitura da obra ‘Emancipação Nacional’, ou ‘Libertação do Povo’. Em 1936, “com o apoio de amigos conseguiu colocação na Companhia de Discos Bai Dai e na Companhia Cinematográfica Xin Hua, como compositor”, segundo Wang Ci Zhao, que adita, “Quando começou a guerra de resistência contra o Japão, em 1937, participou na ‘Associação de Canto para a Salvação Nacional’ de Xangai, como funcionário dos Assuntos Gerais. Deixou Xangai com o ‘II Grupo Ambulante de Teatro no Tempo da Guerra’ e passou por Suzhou, Nanjing, Kaifeng e Luoyang, para chegar em Outubro a Wuhan, centro da resistência”. Veiga Jardim no artigo ‘Três Compositores de Macau’, na Revista Macau de Fevereiro 1994, refere, “Nessa época turbulenta, a sua arma foi a música, através da qual retratava os anseios de liberdade da nação chinesa. Compõe neste período a obra que o tornaria imortal: a Cantata do Rio Amarelo, mais tarde transformada, por membros da Sociedade Filarmónica Central da China, no Concerto para piano do mesmo nome. Após um breve período a trabalhar em estúdios de cinema, em 1938 é apontado director da Academia de Música da cidade de Lu Hsun (Yanan).” Já Wang Ci Zhao diz, “Em Abril de 1938, ingressou na III Repartição do Departamento de Política do Conselho Militar do Governo Nacionalista, dirigida por Guo Moruo [que em conjunto com Lu Xun, pseudónimo literário de Zhou Shuren, entre 1927 e 1928 tinham desencadeado o movimento literário revolucionário] e assumiu, juntamente com Zhang Chu, as responsabilidades do Trabalho Musical da Guerra de Resistência, ao mesmo tempo que se dedica às actividades de criação musical”. Nesta segunda fase, “As criações realizadas durante a estadia em Xangai e Wuhan, de 1935 a 1938, são principalmente adaptações musicais para o cinema progressista e canções de salvação nacional. O estilo é claramente influenciado pela nova música da China, cujo autor mais representativo é Nie Er. O seu conteúdo reflecte o ardor patriótico e as exigências anti-monárquicas e anti-feudalistas”, Wang Ci Zhao. Em Wuhan, conheceu Qian Yun Ling (钱韵玲), filha de Qian Yi Shi (um conhecido membro do Partido Comunista) e a 20 Julho de 1938 celebraram o noivado, tendo Zhou Enlai patrocinado a viagem de lua-de-mel. Assim partiram de Wuhan para Xian e encontrava-se já casado quando chegou a Yanan. “Em Novembro de 1938 aceitou o convite do recém-criado Instituto de Artes de Lu Xun, de Yanan, para onde se deslocou com a mulher para desempenhar as funções de professor do Departamento de Música, assumindo a responsabilidade pedagógica dos cursos principais, nas áreas de Teoria da Composição, História da Música e Direcção de Orquestra”, segundo Wang Ci Zhao. A situação na China Desde a morte de Sun Yat-Sen em 1925, na China vivia-se tempos difíceis, ocorrendo a luta interna no Guomintang, liderado por Chiang Kai-shek (1887-1975), que em 1927 expulsou os comunistas do Partido Nacionalista. A 18 de Setembro de 1931 o exército japonês invadiu Shenyang, ocupando em quatro meses todo o Nordeste chinês (Liaoning, Jilin e Heilongjiang), cometendo graves atrocidades contra o povo chinês. Depois criaram o Estado do Manchukuo (1932-1945), com a capital em Changchun, na província de Jilin e colocaram o antigo imperador manchu Pu Yi, destronado em 1912 pela República de Sun Yat-sen, de novo como imperador, agora da Manchúria. Wang Ming (1905-1974), chefe do Partido Comunista entre 1931 a 1935, era um dirigente pró-soviético e encontrava-se quase sempre em Moscovo. Por isso, em Janeiro de 1935 Mao Zedong ficou como líder do Partido Comunista e do Exército Vermelho. Tal deveu-se aos muitos erros estratégicos de comando em Outubro de 1934, quando o Exército Vermelho teve de retirar-se das províncias de Fujian e Jiangxi, dando-se início à Longa Marcha, que ocorreu até 1936 e durante a qual os comunistas, liderados por Mao Zedong, conseguiram evitar ser aniquilados pelas tropas de Chiang Kai-shek. Dos iniciais 130 mil participantes sobreviveram 30 mil, com quem Mao montou o seu exército. Esperava-se que a Guerra Civil travada na China entre o Partido Nacionalista (GMT) e o Comunista (PCC) fosse suspensa para combater os invasores japoneses, mas tal não aconteceu. Os estudantes, descontentes com a política do Guomintang de não resistência à ocupação japonesa e virado apenas para o combate contra o PCC, a 9 de Dezembro de 1935 saíram em protesto à rua em Beiping (Beijing). Conhecido por Movimento de 9 de Dezembro de 1935, este movimento estudantil, que se estendeu a outras cidades, procurou colocar o foco na resistência à invasão japonesa. Também a tentativa do Partido Comunista, em conjunto com muitos dos líderes do GMT, para terminar com a guerra civil e combaterem juntos os japoneses, foi minada por Chiang Kai-shek. Este, tirando partido dessa aliança, tentou derrotar as forças comunistas em 31 de Outubro de 1936, quando deu ordens aos seus exércitos para atacarem o dividido Exército Vermelho, que em conjunto com as tropas do GMT combatiam os japoneses. Valeu ao Exército Vermelho os generais Zhang Xueliang e Yang Hucheng, à frente do exército nacionalista da região centro, não acatarem as ordens e assim conseguiu sair incólume do episódio conhecido por Incidente de Xian. Em 12 de Dezembro 1936, com a prisão de Chiang Kai-shek (libertado uma semana depois) e outros 12 comandantes, terminou a guerra civil, passando-se então a combater os japoneses. Mas era já demasiado tarde! A 7 de Julho de 1937 os japoneses invadiram Beijing (Pequim) e depois atacaram o resto do país. Em 12 de Novembro de 1937 conquistaram Shanghai (Xangai), tendo morrido 60 mil pessoas e daí dirigiram-se para a capital da China, Nanjing, onde o Guomintang estabelecera a sua capital em 1928. Após um cerco, a 13 de Dezembro a cidade cedeu e deu-se o massacre de Nanjing. Os japoneses ocuparam grande parte da China até ao fim da II Guerra Mundial, quando o Japão se rendeu incondicionalmente em 1945, ano em que faleceu Xian Xing Hai. “Em Novembro de 1938 aceitou o convite do recém-criado Instituto de Artes de Lu Xun, de Yanan, para onde se deslocou com a mulher para desempenhar as funções de professor do Departamento de Música, assumindo a responsabilidade pedagógica dos cursos principais, nas áreas de Teoria da Composição, História da Música e Direcção de Orquestra.” Wang Ci Zhao
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasInício de vida do compositor Xian Xing Hai [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ormalmente acontece a quem se dedica de alma e coração a uma causa, ou a um ideal, passar enormes sacrifícios e privações, tendo geralmente a saúde afectada e uma morte prematura. A maioria, após passar esta vida permanecerá incógnito e só poucos atingem o reconhecimento. Tal ocorreu com o mundialmente conhecido compositor Xian Xing Hai, autor da Sinfonia Rio Amarelo, que nasceu em Macau em 1905. O nome de Xian Xing Hai só apareceu em 1978, quando o Partido Comunista Chinês traduziu o seu nome pelo sistema hanyu pinyin (alfabeto fonético chinês vulgarmente denominado mandarim; um sistema de romanização dos caracteres da língua chinesa feito a partir da sonoridade das letras do alfabeto em língua inglesa e que a China após algumas reformas arranjou em 11 de Fevereiro de 1958). Até então e durante toda a sua vida, Xian Xing Hai fora sempre conhecido por Sinn Sing Hoi, pois era traduzido pela sonoridade do pinyin cantonense. Sinn Sing Hoi, descendente duma família de pescadores oriundos de Pan Yu (Poon Yu, em cantonense), nasceu a 13 de Junho de 1905 na Praia do Manduco, em Macau, já o pai, Xian Xi Tai (冼喜泰) falecera. Durante seis anos viveu na casa do avô feita em palafita sobre o Rio do Oeste (Xijiang) com a mãe Huang Su Ying (黄苏英) e este. Após a morte do avô e para garantir a subsistência da família, em 1911 ambos emigraram para Singapura. Aí, enquanto a mãe trabalhava como empregada doméstica, o jovem com dez anos recebeu a sua primeira educação em troca de pequenos trabalhos que realizava para a escola estabelecida pelos ingleses. Já em 1916 “entrou para a Escola Yang Zheng, mantida pelos Chineses do Ultramar, que estava sob a tutela da Universidade de Ling Nan. Nesta escola recebeu a primeira educação musical. Aprendeu a tocar instrumentos, tais como oboé e piano, sob a influência do professor Ou Jian Fu”, como refere Wang Ci Zhao. Aos 14 anos, Xian Xing Hai, acompanhado pela mãe, veio para Cantão na esperança de poder, com melhores condições, completar os estudos secundários, o que ocorreu dois anos mais tarde. Assim, em 1920 entrou na Escola Secundária da Universidade de Ling Nan em Cantão, onde depois frequentou o curso propedêutico da Universidade, enquanto dava aulas como professor para pagar os estudos e trabalhava como dactilógrafo para o sustento da família. Conseguia ainda tempo para a sua grande paixão, a música. Estudava e aprendia a sério o seu instrumento preferido, o violino, enquanto participava no grupo de sopros da escola, sendo também maestro. Afirmação como músico A viragem na vida de Xian Xing Hai ocorreu quando decidiu deixar Cantão e ir já sem a mãe para Pequim estudar música, composição e violino. Segundo Veiga Jardim, “Com poucos recursos, em 1926, viaja até Pequim, onde, através de amigos consegue obter uma melhor instrução musical bem como aulas de violino no já extinto Colégio de Artes de Pequim”. Já Wang Ci Zhao refere, “Estudou violino sob a orientação de Tuno, famoso professor russo, na Escola Nacional Especial de Arte de Pequim, dirigida por Xiao You Mei. Em Setembro de 1928, ingressou no novo Conservatório Nacional de Xangai, especializando-se em violino, mas frequentou também os cursos de Teoria Musical e Piano.” Trocando “Pequim por Xangai, onde se matricula no tradicional e rígido Conservatório de Música” (…) “após um curto período, é expulso, em função do seu envolvimento no movimento nacionalista estudantil de 1929”, segundo refere Veiga Jardim. Nesse ano, “publicou no periódico do Conservatório, um artigo intitulado A Música Universal, onde apresentava pela primeira vez a sua posição sobre a música, que viria a manter por toda a vida. Defendia: (…) <Do que a China necessita não é da música privada ou da nobreza, mas sim da música universal. (…) A pessoa que aprende música [deve] assumir a importante responsabilidade de salvar a China enfraquecida>. Durante a estadia em Xangai, conheceu o dirigente do Movimento de Teatro Progressista e participou nas actividades teatrais da Sociedade do País Meridional”, como diz Wang Ci Zhao, subdirector do Conservatório Central de Pequim à data da publicação do seu artigo sobre a vida e obra de Xian Xing Hai. Desgostoso com a expulsão do Conservatório de Xangai e sentindo necessidade de alargar os seus conhecimentos musicais, sendo apoiado por amigos, no Inverno de 1929, o jovem músico, então com 25 anos, resolveu emigrar para a Europa. Em Paris, viveu cinco anos em condições muito difíceis de sobrevivência, nada que já não estivesse habituado, pois logo desde nascença assim fora o seu fado. Veiga Jardim refere ter ele aí exercido “um sem-número de actividades que lhe garantiam o provimento para a sua subsistência, entre as quais se contam as de baby-sitter, telefonista e copista de partituras”. Conseguiu matricular-se no Conservatório Superior de Música no curso de violino com o famoso professor Paul Oberdoeffer, composição com Vincent D’Indy, teoria musical com Noel Gallon e direcção de orquestra com Labey. Mais tarde, em 1934, aperfeiçoou-se na arte de compor, quando “ingressou por meio de exame na classe superior de Composição do famoso compositor Paul Dukas. Em 17 de Maio de 1935, Dukas faleceu subitamente. Xian Xing Hai foi obrigado a interromper os estudos e regressou ao seu país no Outono do mesmo ano. Aquando da estadia em Paris, compôs a obra ‘Vento’, para soprano, oboé e piano e a Sonata para Violino em Ré Menor. ‘Vento’ foi apresentada em Paris, onde recebeu crítica muito positiva”, segundo Wang Ci Zhao. Datam ainda desta época várias peças para piano solo. “Após sete anos em França, e num estado de extrema pobreza que, em absoluto, não o impediu de continuar a compor abundantemente, decide, em 1935, retornar à China, no desejo de encontrar novas oportunidades”, como refere Veiga Jardim. Após concluir os seus estudos regressou à China em 1935 e em Xangai ao ver o seu país a ser invadido pelos japoneses, juntou-se à luta de resistência. Veiga Jardim refere, “A opressão pela qual passava o seu povo, fizeram com que viessem à tona as memórias do tempo das revoluções estudantis em Xangai. A partir de então, movido por um altíssimo espírito patriótico, engaja-se no movimento emancipador escrevendo uma série de obras de cariz nacionalista”. Escreveu durante esta época mais de 300 canções, na maioria música de intervenção de cariz patriótico contra os invasores nipónicos. Com um grupo de teatro de que ele foi um dos impulsionadores, viajou para várias partes da China levando a mensagem de conforto e encorajamento à população na sua luta contra a dominação japonesa.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasExames de ingresso ao Liceu [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma onda de assaltos à mão armada com revólver realizada por malfeitores, “que fugindo talvez dos antros de Tai Ping Xan de Hong Kong e que vem pagar o abrigo que lhe damos contra a peste negra, cometendo depredações e semeando terror nos ânimos da população chinesa, que está sobressaltada pela impunidade que os criminosos têm até aqui gozado desde o assalto feito à casa do jogo de fantan no Tarrafeiro”, como refere a 4 de Junho de 1894, o Echo Macaense. Tal parece não afectar a comunidade portuguesa, mais preocupada com a ameaça sobre Macau da peste bubónica e em Julho, os jornais, desviando atenções, referem ser importante conhecer as datas dos exames de admissão ao Liceu, para o grande número de jovens a preparar-se, mais se concentrar nos estudos. Os exames finais de instrução primária, que dão acesso ao Liceu, efectuam-se nos dias 10 e 11 de Setembro de 1894 no edifício do antigo Convento de Santo Agostinho. “Funcionaram duas mesas, sendo uma composta do professor do Liceu, o Reverendo Cónego Falleiro, presidente, e dos professores de instrução primária, Rev. Pe. Alves e José Vicente Jorge e a outra, de Sr. João P. Vasco, professor do Liceu, presidente, e dos professores de instrução primária, Rev. P. Costa e Sr. Constâncio da Silva. Foram examinados e admitidos 29 rapazes e quatro raparigas”, segundo o Echo Macaense, que a 10 de Outubro de 1894 refere com o título Os Exames do Liceu, “Depois da instalação do Liceu, vários jovens que tinham feito os seus estudos no Seminário de S. José, requereram para fazer exames no novo estabelecimento escolar, pagando as propinas marcadas na lei. Verificaram-se os exames de algumas disciplinas, sendo uns examinandos aprovados, e outros adiados, sem dar isto lugar a queixa alguma. Aconteceu infelizmente no exame de português, 1.ª parte, que a maior parte dos examinandos foram reprovados, incluindo dois jovens que tinham sido aprovados com distinção e premiados no Seminário de S. José no 2.º ano desta mesma disciplina”. Tal resultado levou os jovens a ficarem “descontentes com este veredictum do júri, que eles classificaram de injusto. Este facto despertou em nós a curiosidade, e levou-nos a ir assistir aos exames da segunda turma. Podemos asseverar que as perguntas feitas pelo júri nem eram difíceis nem caprichosas, e dos três examinandos a cujos exames assistimos, pareceu-nos que dois responderam satisfatoriamente, titubeando às vezes, como era de esperar no estado nervoso em que estavam, mas revelando conhecimento suficiente da matéria; e, com certeza, sabiam muito mais de português do que os examinandos de inglês, a cujos exames também assistimos, sabiam desta língua. A impressão que nos ficou destes dois exames a que assistimos foi, que a aprovação no exame do Liceu, tanto em português como em inglês, não tem nenhuma importância prática como garantia de que os indivíduos ai aprovados saibam qualquer destas línguas. (…) A explicação do texto e a composição são pois os critérios por onde se pode aquilatar bem o conhecimento que um indivíduo tem de qualquer língua; mas nos exames de português a que assistimos não se recorreu a estas duas provas práticas, contentando-se o júri com perguntas acerca das definições e regras de gramática e com a análise gramatical e lógica de um trecho. (…) O exame, pois, é todo teórico. Quanto ao exame de inglês, ficámos ainda mais tristes com o que vimos. (…) Basta dizer que os examinandos nem sabiam ler as palavras mais fáceis, tanto assim que o professor cónego Falleiro não cessava de corrigir a pronúncia a cada momento; e contudo foram aprovados! Foi essa injustificável indulgência no exame de inglês, e no de filosofia, que concorreu muito para exacerbar os ânimos, quando se conheceu do resultado desastroso do exame de português, porque a equidade pedia que não houvesse dois pesos e duas medidas. (…) Se é este o sistema seguido modernamente em Portugal, fique então isto de prevenção para os jovens macaenses, a fim de que, no futuro, se quiserem ser aprovados, tratem de decorar e decorar muito, até que possam repetir como papagaios, que só assim conseguirão ser aprovados, embora não tenham digerido o que decoraram”. Camilo Pessanha, ainda antes de chegar a Macau, já a 10 de Janeiro de 1890 criticava severamente o sistema de ensino português: <Cretinizados pelo medo à palmatória e pelo medo ao lente. Cretinizados por um livro abominável em que pretenderam ensinar-nos a ler, e depois pelo trabalho deprimente a decorar os compêndios à pressa, no fim do ano, para ficarmos distintos nos exames>. Frequência feminina no Liceu A 28 de Setembro de 1894 é o Liceu inaugurado pelo Governador, mas sem cerimónias solenes devido à família real se encontrar de luto, e começa com 33 alunos, “admitidos 29 rapazes e quatro raparigas”, segundo o Echo Macaense. Após quatro anos de instrução primária, ao aluno que ingressa no Liceu espera-lhe quatro anos para completar o curso geral, que lhe permitirá seguir a carreira comercial, mas se quiser prosseguir os estudos e entrar na Universidade, estudará mais dois anos no curso de letras, ou ciências. Desde 1894 a 1906 a frequência de alunos a estudar no Liceu variou entre 15 e 37 e segundo António Aresta, “com as cadeiras de língua e literatura portuguesa, língua francesa, língua inglesa, língua latina, matemática elementar, física, química e história natural, geografia e história, filosofia elementar e desenho. Para que as meninas tivessem acesso ao Liceu foi necessário efectuar uma sábia engenharia administrativa que consistiu nisto: fundir duas escolas do sexo feminino, nas freguesias da Sé e de São Lourenço, dando lugar a uma nova Escola Central do Sexo Feminino que ministrará a instrução primária elementar, a instrução primária complementar, as línguas inglesa e francesa, português, aritmética, história e geografia. Só assim tiveram acesso a esse novo patamar de escolaridade, o ensino liceal”. No Quartel da Guarda Policial em S. Francisco, a 20 de Outubro de 1894 é inaugurada a Biblioteca da Polícia, criada por uma comissão de oficiais e aprovada pelo Governador Horta e Costa. Já a Biblioteca Nacional de Macau, anexada ao Liceu em 1895, funciona numa sala do decrépito edifício do antigo Convento de Santo Agostinho. O Reitor Dr. Gomes da Silva ao olhar aquelas instalações desadequadas para albergar salas de aulas, o gabinete de física, a biblioteca e o museu…, sem protestar, suporta porque lhe dizem ser provisórias. Mas aconselha a prudência que a mudança de edifício se faça o mais rápido possível.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasA Pharmacia Popular [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]ários assuntos atravessam a estadia em Macau de Camilo Pessanha e a construção da Avenida Almeida Ribeiro é um deles. Imaginariamente delineada já nos jornais desde 1890, essa avenida só fará a ligação do Porto Interior com a Praia Grande em 1926, está a falecer o poeta. A história da Avenida Almeida Ribeiro, por vezes mal contada pois dá-a como terminada em 1915, mas tal só acontece do Porto Interior ao Largo do Senado. Cinco anos para construir essa parte da via, demorando do Senado à Praia Grande mais dez, e só quando o morro é destruído, com grande contestação da comunidade chinesa de Macau, é a ligação em linha recta feita até à Praia Grande. Para remediar o corte da Rua da Sé, que fica sem a parte tomada pela Avenida Almeida Ribeiro, é pensada uma ponte, mas a Rua Central, ganhando uma boa centena de metros, começa agora a um nível mais baixo, na Avenida Coronel Mesquita, que da Rua da Praia Grande vai até ao Cinema Apolo. Daí o Largo do Senado onde, para Oeste se liga a Avenida Almeida Ribeiro, que em 1926 estende o nome e ocupa a então Avenida Coronel Mesquita; e nessa transferência de nomes passa a Avenida Coronel Mesquita a designar uma via na parte Norte da cidade. Percorre também toda a estadia em Macau do poeta a história das obras do porto, desde o desassoreamento do Porto Interior à construção do novo Porto Exterior para albergar navios de maior calado. Já para a Lotaria da Santa Casa da Misericórdia de Macau não há aqui espaço. Luz eléctrica na cidade Entre 1898 a 1919 apenas funciona no Liceu Nacional de Macau o curso geral, sem o complementar e como o currículo é parecido com o do Seminário de S. José e do Colégio Feminino de Santa Rosa de Lima, o Liceu tem uma fraca frequência de alunos. Por isso é o Instituto Comercial de Macau fundado pela Portaria n.º 59 de 10 de Agosto de 1901, ficando anexo ao Liceu e tutelado pelo Leal Senado. Tal dura apenas até 1903, pois dissolvido é em 7 de Outubro integrado no Liceu. Sobre um museu para a cidade, Pessanha, nas suas cinco estadias em Macau, escuta e fala sobre a sua criação, mas o único que conhece é o de História Natural criado no Liceu em 1895 pelo Reitor Dr. Gomes da Silva. Ano da existência da Pharmacia Popular, fundada a 5 de Dezembro na Rua da Praia Grande, comprada em 1910 pela família Nolasco. Quando Camilo Pessanha vai para Portugal em Agosto de 1905, está por inaugurar o sistema de iluminação eléctrica em Macau, o que ocorrerá em Fevereiro de 1906 e a verá ao regressar em 18 de Fevereiro de 1909, para a sua quarta estadia que se desenrolará até 10 de Setembro de 1915. No dia seguinte à chegada, a 19 de Fevereiro de 1909 Camilo Pessanha reassume o cargo de Conservador do Registo Predial e a 11 de Março é nomeado professor de Economia Política e de Direito Comercial, tomando posse a 2 de Junho do cargo de professor de Noções de História Universal, História da China e especialmente das suas relações políticas e comerciais e História Pátria. Em 29 de Junho de 1910 vê ser inaugurado o novo farol da Guia, sendo a altura sobre o nível do mar de 105,7 metros e cuja torre de 14,5 metros passou a ser circular, tendo no topo o novo aparelho luminoso de terceira ordem, uma aparelhagem moderna de rotação que veio de Paris, com uma distância focal de 0,375 metros e uma intensidade de luz cujo alcance era de 25 milhas. No mesmo ano é aberta a Avenida da República e dá-se início ao projecto de abertura da Avenida Almeida Ribeiro. Carestia O jornal Vida Nova de 2 de Janeiro de 1910 refere que “a construção de habitações na parte da Colina da Penha levou ao desviar de alguns veios de água que alimentavam a fonte do Lilau e devido também à exploração de várias pedreiras na referida montanha secaram algumas pequenas nascentes; “de modo que os habitantes daquela zona da cidade que dantes se utilizavam da água daquela fonte e nascentes, hoje vêem-se na necessidade de servir-se da água da Fonte de Inveja que, segundo dizem, já não é tão abundante como noutros tempos. Dizem também que o corte das árvores daquela montanha influiu para o desaparecimento de algumas nascentes”. De Macau, Pessanha ausenta-se de 19 a 22 de Novembro de 1911 para ir a Cantão à procura de objectos de arte chinesa, segundo Daniel Pires que refere, no final do Verão de 1912, Pessanha mora num casarão antigo do século XVII ou XVIII de alvas varandas, cerca do Hotel da Boa Vista e “em cujas espaçosas salas e largos corredores se desenrolava a suave e ridente fantasmagoria do seu museu chinês…”, observação de Alberto Osório de Castro. À falta do inebriante absinto consumido em Portugal, Camilo Pessanha em Macau substitui-o pelo ópio, que sente falta na sua estadia na metrópole e o faz regressar a 21 de Maio de 1916. No dia seguinte, a Pharmacia Popular muda-se para a casa n.º 16 do Largo de Senado, onde Beatriz Basto da Silva refere ter estado a antiga Farmácia e Drogaria Franco e Companhia. Nessa quinta estadia em Macau de Camilo Pessanha e última, o jornal O Progresso (Semanário independente, Dedicado à Propugnação dos Interesses Portugueses no Extremo-Oriente, com redacção e tipografia na Rua do Hospital n.7 e Director Luiz Nolasco) de 1 de Outubro de 1916, num artigo de fundo, na primeira página a prolongar-se à seguinte, com o título Carestia da Vida revê os preços dos produtos de primeira necessidade entre 1910 e 1916, num trabalho de curiosa caturrice. Durante esse período, “a carne de vaca aumentou 33%, a de porco 80%, o arroz 44%, peixe 60%, galinha 100%, pombos 125%, batatas 100%, laranjas 25%, pão 60%,carvão 54%, petróleo 72%, lenha 60%, açúcar 88%, leite de lata 48% e biscoitos de soja 38%. Toda a gente berrava contra a carestia de vida, mas em geral ignorava-se quantas vezes, em números…”
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasDr. Gomes da Silva – Primeiro Reitor do Liceu [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Bispo Diocesano de Macau, D. António Joaquim de Medeiros pediu ao governo da metrópole para ser criado nesta cidade o Liceu e no Parlamento, em Portugal, o deputado por Macau Horta e Costa advogou a sua fundação. Assim o Liceu Nacional de Macau, com projecto aprovado a 30 de Junho pelo Governo de Portugal, foi criado a 27 de Julho de 1893 para ministrar a instrução secundária geral e equiparado aos liceus nacionais do reino. O Governador de Macau Custódio Borja (1890-1894) calculou a quantia de sete contos e duzentos mil réis anuais para financiá-lo e a 4 de Maio de 1893, no Palácio do Governo reuniu com o Presidente do Senado, António Joaquim Basto e o Presidente da APIM, Pedro Nolasco da Silva. Foi então acordada a verba que cada uma das instituições poderia disponibilizar, pagando o Governo de Macau três contos e setecentos mil réis, o Senado três contos de réis e a APIM só quinhentos mil réis, pois já tinha encargos com a Escola Comercial. O Liceu em Macau iria ficar instalado no Quartel da Guarda Policial na Colina de Santo Agostinho, paredes-meias com a Igreja de Nossa Senhora da Graça, edifício construído em 1591 como convento pelos frades agostinhos. Devido à péssima construção, por várias vezes foi reparado e para albergar o Liceu, as obras efectuaram-se desde Março de 1893 e custaram $1400 mil réis. Já a mudança da Guarda Policial do Quartel de S. Agostinho para o Quartel de S. Francisco ocorreu a 4 de Outubro de 1893. O Senado, para arranjar as cinco mil patacas do subsídio ao Liceu e como era preciso dinheiro para essa e outras despesas, recorreu então à arrematação do monopólio dos Jinrickshas e do Petróleo. Os nomeados O Independente de 6 de Janeiro de 1894 referia, “Pelo que vimos em alguns jornais do Reino, devem já ter sido nomeados definitivamente professores do novo Liceu de Macau os seguintes cavalheiros: O Sr. Wenceslau José de Sousa Moraes, Capitão-tenente da Armada [o Echo Macaense de 21 de Fevereiro refere ter sido o Imediato do Capitão do Porto promovido a Capitão de Fragata], para reger a cadeira de Matemática; o Sr. João Albino Ribeiro Cabral, Tesoureiro geral da Província, para a cadeira de Latim; o Sr. Augusto César d’ Abreu Nunes, Director das Obras Públicas [Major de engenharia que chegara a Macau em 14 de Dezembro de 1893], para a cadeira de Desenho; o Sr. José Gomes da Silva, Chefe do Serviço de Saúde, para a cadeira de Introdução [lecciona a 6.ª cadeira, Física, Química e História Natural]; e o Reverendo Cónego Baltazar Estrocio Falleiro para a de Inglês”. Estes professores foram escolhidos entre os habitantes de Macau. José Gomes da Silva nascera em 1853 no Porto, onde se formou pela Escola Médico-cirúrgica e a 17 de Dezembro de 1877 assentava praça no corpo de Marinheiros da Armada. Nomeado por Decreto de 4-8-1881 facultativo de 2.ª classe do Quadro de Saúde de Macau e Timor, tomou posse do cargo em Macau a 5 de Janeiro de 1882, tendo chegado acompanhado pela sua esposa Casimira Esperança Douguel Branca, nascida em 1851 em Bordeaux, França, de quem terá onze filhos. O Governador Horta e Costa, enquanto Director das Obras Públicas de Macau entre 1885 e 1888, muito ficara a dever aos conselhos do médico José Gomes da Silva, então Director dos Serviços de Saúde, investindo no saneamento dos bairros infectos da cidade. A estreita colaboração com o Engenheiro terá levado à nomeação do médico Dr. José Gomes da Silva, por Portaria de 14-4-1894, como Reitor interino do Liceu. Lugar que ocupa dois dias depois no Palácio do Governo, quando o Governador Horta e Costa dá também posse aos professores e funcionários do Liceu. O último professor do Liceu a chegar a Macau e um dos quatro a vir de Portugal, João Pereira Vasco, segundo o Echo Macaense apenas desembarcará no sábado, 12 de Maio de 1894, tendo com ele viajado de regresso da metrópole João Nolasco da Silva, filho de Pedro Nolasco da Silva e Carlos Cabral, filho de João Albino Ribeiro Cabral. Como professor da 7.ª cadeira, Geografia e História, toma posse logo na segunda-feira seguinte. A Peste Negra em Macau A peste bubónica não atingira Macau em 1894 graças às medidas tomadas especialmente pelo chefe do Serviço de Saúde, Dr. José Gomes da Silva. Com dois meses no lugar de Reitor do Liceu, ao ser contado o tempo de serviço é-lhe concedido um ano de licença pelos oito anos de residência na Província. Substituído no cargo de Reitor do Liceu por João Albino Ribeiro Cabral, (professor da 4.ª cadeira, Língua Latina), parte Gomes da Silva a 10 de Setembro via América para Lisboa com a sua esposa D. Branca e filha D. Heloisa e no mesmo dia viaja também, com licença da Junta de Saúde, o Sr. António Marques de Oliveira, Juiz de Direito. Encontra-se de férias o Dr. Gomes da Silva, quando a 24 de Março de 1895 entra em Macau a temível peste, espalhando-se como epidemia na segunda semana de Abril e permanece até meados de Maio. A 15-5-1895, Gomes da Silva reassume as funções e a chefia do Serviço de Saúde, que ficara a cargo do Dr. Pinheiro de Almeida, e por sua sugestão antecipa-se o final do ano lectivo, que termina a 20 de Maio de 1895. Dias depois, João Pereira Vasco é exonerado como professor do Liceu. Após a morte da sua esposa Casimira Esperança Douguel Branca, que ocorre na Vila Branca a 9 de Dezembro de 1895, Gomes da Silva, a 19-7-1896 ainda é nomeado presidente de uma comissão <para coligir todos os documentos anteriores ao ano de 1834, que existam nos arquivos das repartições do governo, bem como os que houverem pertencido a tribunais, repartições e estabelecimentos do Estado actualmente extintos, e não forem necessários ao serviço e expediente daqueles em cuja posse estejam, a fim de ser tudo recolhido no real arquivo da torre do tombo>. Tudo terá de estar pronto para ser remetido pelo transporte África, que de Macau parte para Lisboa a 28-11-1896. Já em 1898, é nomeada para uma comissão cujo objectivo é reunir os recursos de Macau e os elementos de produção artística e industrial para expor na Exposição Universal de Paris de 1900. A 1 de Novembro de 1905, às 16:15, com 52 anos de idade também na Vila Branca morre o Coronel-médico Dr. José Gomes da Silva, tendo passado 22 anos em Macau, segundo o Padre Manuel Teixeira, que refere, “distinto médico português tanto em Macau como em Timor, publicou estudos únicos sobre as Floras dessa Província e em 1896 introduz no formulário do hospital o uso de plantas medicinais de ambos os locais”. Dá início ao Boletim Necrológico e cria o primeiro museu em Macau, dentro do Liceu o Museu de História Natural, <…uma utopia. Nem na prática se podia realizar: durante as aulas perturbariam os alunos; fora delas, o liceu ficava fechado>, murmura um jornal e assim ficou Macau sem Museu.
José Simões Morais h | Artes, Letras e Ideias MancheteOs primeiros passos [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]amilo Pessanha veio para Macau “na sequência do seu desencontro amoroso com Ana de Castro Osório”, como refere num dos iniciais estudos Daniel Pires. Contudo, já na Fotobiografia do poeta, usando como fonte Francisco de Carvalho e Rego, afirma ser Madalena Canavarro a única paixão que se lhe conhece e como o seu amor não foi correspondido. Com a alma combalida, “uma grave doença nervosa impede-o de se matricular na Faculdade de Direito, neste ano lectivo” de 1888-89. Por uma carta ao primo José Benedito percebe-se como pode esse episódio ter marcado o salto do seu génio de escritor: “nas férias grandes passadas me luziu a ideia de duas séries, uma de prosa outra de verso, que deixavam a perder de vista todos os meus feitos de até então.” Ao mesmo primo escreve, já em 1893, dizendo encontrar-se extremamente deprimido “com esta tristeza que me vem das pequeninas misérias, das restrições deprimentes da vida, e da minha própria fraqueza, que me condena a um isolamento, em que por mim próprio me vou afundando sem remédio”. Assim, se o estado de alma de Camilo Pessanha, já de si uma figura amargurada, ao chegar de Portugal com uma mágoa de amores não correspondidos, o espírito daquele início de Verão, sem chuva e de um calor sufocante, ainda mais o atormenta, ampliando-lhe a depressão. Como se não bastasse, apenas com doze dias de Macau, recebe uma carta do pai a dizer que a mãe está a falecer. Camilo entra em desespero e desabafa as suas amarguras em carta ao amigo Alberto Osório de Castro, que deposita na Repartição do Correio, a funcionar desde 12 de Janeiro de 1885 na Praia Grande, no edifício contíguo ao Hotel Hing Kee. Aí conhece o director Ricardo de Sousa que, desde 1869, acolhera na sua casa, situada na Rua do Campo, nº. 1, o serviço dos Correios. Contudo, após a mudança em 1885, passou a contar também com uma estação postal na Ilha da Taipa. No tempo de Camilo Pessanha, há outras duas caixas postais distribuídas pela cidade: uma no edifício da Junta de Fazenda e a outra na Capitania dos Portos, cem como caixas postais móveis, colocadas a bordo dos vários vapores da carreira Macau-Hong Kong, fazendo-se já o serviço de permuta das malas postais com Hong Kong e directamente com Cantão. As depressões de Pessanha poderão ter inspirado Ricardo de Sousa, que exercera pequena clínica em Hong Kong, a ser um dos sócios fundadores da Pharmacia Popular, inaugurada a 8 de Dezembro de 1895, na Rua da Praia Grande. Nessa altura, está Camilo Pessanha a deixar o Hotel Hing Kee. Em Macau não existe luz eléctrica e a noite é iluminada pelas lanternas alimentadas a azeite (azeite de luzes, de várias qualidades e por vezes também usado na comida), ou a petróleo, que começa a ser mais utilizado devido ao preço barato. Está o assunto sobre o monopólio do petróleo na ordem do dia, apesar de este ter sido entregue no dia 1 de Abril de 1894. Ainda não passara quinze dias e já os compradores se queixam dos abusos do arrematante e pedem às autoridades para o obrigar a entrar no caminho da legalidade, pois serve-se de estratagemas muito ousados para aumentar os seus lucros, sem olhar a meios. Um dos expedientes conhecidos é o de trazerem para Macau latas de petróleo sangradas em Hong Kong, que continham menos quantidade de produto do que as anteriormente vendidas ao público. Tomada de posse Quatro dias depois da chegada a Macau de Camilo Pessanha, por Portaria do Governo provincial de 14 de Abril de 1894, é nomeado Reitor do Liceu o sr. dr. José Gomes da Silva, Chefe do Serviço de Saúde desta província e professor da 6.ª cadeira (Física, Química e História Natural) do mesmo liceu que, além de médico, é um homem cultíssimo. Fica também determinado que lhe seja entregue o edifício do extinto Convento de Santo Agostinho para aí ser instalado esse estabelecimento de ensino secundário e é marcada para 16 de Abril a tomada de posse dos professores e funcionários do Liceu. No dia seguinte, Domingo, realiza-se no Seminário Diocesano um sarau literário e musical em homenagem ao Reverendo D. António Joaquim de Madeiros (desde 1884 Bispo Diocesano de Macau, que engloba Timor, fora Reitor do Seminário de S. José e virá a falecer em Timor em 7-1-1897) tendo estado presente nessa festa o Governador Horta e Costa, com sua esposa, o subalterno Governador de Timor, José Celestino da Silva, com esposa e filhas, os vereadores da Câmara, os Juízes de Direito, o Procurador dos Negócios Sínicos e Delegado da Comarca, Coronel António J. Garcia, bem como os professores do Liceu Nacional, os do Seminário e da Escola Central, Administrador Pacheco, Major Costa Campos e outras pessoas. Seis dias após chegar a Macau, a 16 de Abril, vê-se Camilo Pessanha a sair do hotel: figura franzina e esguia, aprumada e trajando a rigor para a cerimónia de tomada de posse, (com tamanho calor levaria colete e casaca?), rosto resguardado pelo chapéu e na mão (traria já a bengala?). Caminha pela Rua da Praia Grande até ao Palácio do Governo, projecto do arquitecto macaense José Agostinho Tomás de Aquino, construído em 1849 pelo Barão do Cercal e, desde o Governador Tomás de Sousa Rosa (1883-1886), sede do Governo de Macau. Conhecido por Palácio da Praia Grande, com o Governador Januário Correia de Almeida (1872-74) foi acrescentado um corpo central saliente à residência oficial dos governadores, que mais tarde veio a ser o Palácio das Repartições – Economia, Fazenda, Tribunal e Administração Civil e hoje representado pelo edifício do antigo Tribunal, em frente à estátua de Jorge Álvares – que aí apareceram, já toda esta história há muito acabara. Nesse dia o Governador Horta e Costa dá posse aos professores e funcionários do Liceu, excepto a João Pereira Vasco, um dos quatro professores do Liceu que vieram de Portugal e o único que não chegara ainda a Macau. O Dr. Gomes da Silva substitui, no Conselho Inspector de Instrução Pública, o Director da Escola Central, o Sr. Patrício José da Luz, cargo que passa a pertencer ao Reitor do Liceu. Ali se encontram, talvez pela primeira vez, o poeta Camilo Pessanha e o prosador Wenceslau de Moraes. Dois dias depois, o Echo Macaense, junto das notícias oficiais do acto, refere: “Mandou-se entregar ao Leal Senado da Câmara de Macau os edifícios, mobílias e mais pertences das escolas da instrução primária do sexo feminino e dos chineses”. O período lectivo vai já muito adiantado e, por isso, as aulas só irão começar em Setembro: “todavia os professores não estão em ociosidade, porque foram incumbidos de elaborar o regulamento, indispensável para se determinarem os diversos detalhes quanto ao ensino e as atribuições dos empregados”, como refere O Independente de 21 de Abril de 1894. Camilo Pessanha ficou de elaborar o regulamento do Liceu, que virá a ser aprovado a 14 de Agosto. Em carta de 28 de Maio, confidencia ao pai que nos primeiros três anos não deverá ter nenhuns alunos. A sua adaptação consolida-se: “Quase já estou animado a escrever sobre coisas do Oriente. A vida, por aqui, é cheia de impressões novas cada dia, ou eu me finjo que é, em um delírio artificial de grandezas, que me serviu de coragem para partir, e ainda me vai servindo para não esmorecer de todo”, segundo a transcrição de Daniel Pires que observa: “Especial ênfase deve ser dado à sua empatia pela civilização chinesa, em sincronia com outros escritores europeus do século XIX, que mistificaram o Oriente” e, ainda não decorrera um mês de estadia, já Camilo Pessanha tem um professor chinês para lhe ensinar a falar e escrever a língua usada pela maioria da população de Macau, que andará pelas 76 mil pessoas, sendo 3500 portugueses. Durante as trovoadas de Maio, os advogados da cidade mostram não ver com bons olhos Camilo Pessanha exercer aqui advocacia. A Colina de Sto. Agostinho No início, quando hospedado no Hotel Hing Kee, o percurso para o Liceu é curto, mas íngreme, até ao cimo da Colina de S. Agostinho, o pólo cultural de Macau. Camilo sai do hotel e, pela Rua da Praia Grande, segue até à Calçada de Sto. Agostinho que, numa árdua subida em linha recta, o leva após cruzar a Rua Central a chegar à Rampa de Sto. Agostinho. De um lado vislumbra o Teatro D. Pedro V, em frente encontra-se o Liceu. Outro possível trajecto seria caminhar até à esquina do edifício do Hing Kee, entrar logo na Calçada do Governador (actual P. Luís Fróis, S.J.) e subindo o morro, chegar a um cruzamento de quatro ruas. Em frente, descer pela Rua do Gonçalo leva ao Largo do Senado. Para Norte, pelo morro alonga-se a Rua da Sé, ao nível da natural muralha qual osso do dragão, a dar para o Largo da Sé, onde a Catedral e o Paço Episcopal têm por trás o jardim a prolongar-se, descaindo para a Rua Formosa e Pátio das Flores. A Rua da Sé acaba onde começa a Rua Central, no cruzamento com a Calçada do Governador e Rua do Gonçalo (hoje Beco, pois a rua ficará mutilada com a abertura de Almeida Ribeiro) e daí, início da subida, a Rua Central termina na Igreja de S. Lourenço, construída entre 1558 e 1560 e conhecida pelos chineses por Fong Son Ton. Então a principal artéria de comércio da cidade, a Rua Central, que os chineses designam por Lông Sông Cheng Cái (Rua Central do Cume do Dragão), serve de divisória: para Leste a zona rica europeia, a Baía da Praia Grande onde também já alguns chineses moram e, virada para Oeste, uma vasta área no Porto Interior aterrada, onde se concentra o Bazar chinês. As Zonas Baixas, como no livro A Diocese de Macau, compilação de D. Domingos Lam refere, “a Baía da Praia do Manduco (Há Van), ou Baía Baixa onde se encontravam as pontes-cais para os pescadores, a Praça de Ponte e Horta (Si Ta Hau, i.e., a Entrada da Alfândega) e a parte central da Rua do Visconde Paço de Arcos, onde ficavam as pontes-cais para os vapores que ligavam Macau a Hong-Kong, Guangzhou (Cantão) e outros portos no Rio das Pérolas”. Nesse percurso, ainda sem horário para chegar ao Liceu, a atenção de Pessanha distraí-se no exotismo e diversidade, encontrada igualmente por Adolfo Loureiro em 1883 quando escrevia: “Entrei em muitas boticas, como ali se chamam as lojas e casas de comércio, para fazer aquisição de diversos objectos, papel, fatos brancos de linho ou de seda…”. O interesse de Pessanha pela arte chinesa poderá ter surgido nessas lojas de parses, muçulmanos, cristãos e chineses, com um comércio de produtos a captar-lhe a atenção, pois até então, muitos deles nunca os vira. Assim, com ligeiras mudanças às impressões de Adolfo Loureiro sobre o burgo macaense, onze anos depois, Camilo Pessanha encontra ainda os chineses a trabalhar ao domingo e “nus da cintura para cima, se entregavam com ardor aos trabalhos da sua profissão, tomando de vez em quando a sua taça de chá. Pelas ruas encontrava-se muita gente, mas quase tudo chineses, que se parecem todos e vestem quase da mesma forma. Os europeus eram em pequeno número e trajando quase todos uniformes militares. O nosso militarismo manifestava-se ali pela farda, pelas fortalezas, pelas sentinelas, e pelos toques de corneta. Parecia uma verdadeira praça de guerra!”, como refere Adolfo Loureiro. Em frente à Calçada de Santo Agostinho, numa volta de 180º começa a Rampa de Santo Agostinho com degraus, que virá a ser a Calçada do Teatro e logo de frente, o antigo convento dos frades agostinianos a preparar-se, numa solução provisória, para albergar o Liceu. Chega Pessanha ao topo da colina, onde se encontra o Largo de Santo Agostinho, dividido entre as paróquias de S. Lourenço e da Sé. Ao lado do edifício do antigo Convento, a Igreja de Nossa Senhora da Graça, ambos ali edificados em 1591, tendo sido a igreja reconstruída em 1875, de onde vem a estrutura actual. No largo, Pessanha pode apreciar o Teatro D. Pedro V, cujo risco do projecto e a direcção da obra iniciada a 1859 é de Pedro Germano Marques, sendo a fachada, projectada pelo Barão do Cercal e edificada entre os anos 1873 e 1879. O Conde de Arnoso, nas Jornadas pelo Mundo, referiu-se ao Teatro D. Pedro V, indicando que em 1887 era uma pequena mas elegante sala de espectáculos, onde os europeus tinham instalado o Clube União. Havia ainda um prédio, pertença desde 1872 de Francisco Manuel da Cunha e cujo registo o dava no Campo de Santo Agostinho, conhecido por Horta Superior, situado a Leste do Teatro, que Luís Gonzaga Gomes questionará se não seria a actual entrada do Clube. O Clube União, fundado para organizar festas no teatro, teve os estatutos elaborados pelo seu presidente, Pedro Nolasco da Silva, aprovados por portaria de 13 de Abril de 1887. Mais tarde, sem dinheiro para festas, a direcção do Clube União pretendeu hipotecar o edifício do Teatro, mas os sócios fundadores tal não permitiram, o que os levou a criar uma nova Associação, a dos Proprietários do Teatro D. Pedro V, enquanto os outros membros formaram a Associação do Clube União. Pessanha terá comentado ainda no salão do Hing Kee a subdivisão do Club União em duas Associações distintas, pois esta só é aprovada em 1896. Já em 1902, durante uma festa dançante, um tenente porta-se indignamente e, ao ofender a Sra. Canavarro, levanta um tal problema que se fecha o União e surge o Clube Macau. Na vertente do Mato Mofino, encontra-se o Seminário de S. José, fundado em 1728 pelos Jesuítas, com a função de preparar missionários para a China e então a albergar também o secundário da Escola Comercial; a casa de Sir Robert Ho Tung a ser (em 1894) construída (actual Biblioteca) e a antiga casa da missão espanhola, nessa altura Procuradoria da Missão Dominicana Espanhola e hoje a Casa Ricci, onde se encontra a Caritas. Após as aulas, Camilo Pessanha tem três vias para se aventurar pela cidade. Voltar à Rampa de Santo Agostinho e pela Rua Central seguindo para Sul passar à Colina do Bom Jesus e ir até à Penha ou, descendo pela Calçada de Sto. Agostinho, desmbocar na Praia Grande, junto ao Palácio do Governo. Se, à saída do Liceu virar para a direita, encontra a Rua dos Cules, por onde entra no Bazar chinês. Já pela Rua do Tronco Velho, (nome ligado à prisão existente até 1754 numa casa ao lado do Convento de St. Agostinho), logo à entrada apresenta-se um edifício que, mais tarde reconstruído, albergará a Escola Comercial, actual sede do Banco Delta Ásia. Descendo-a, entronca com a Rua da Alfândega, entra na Rua da Cadeia, (que em 1937 receberá o nome de Rua Dr. Soares), para chegar ao centro municipal da cidade, o Largo do Senado.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO hóspede do Hing Kee [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ercorridas pelo centro da cidade as estreitas ruas cimentadas, desde a Visconde de Paço d’ Arcos, no Porto Interior, até à Praia Grande, podia na escassa luz de um primeiro dia de estadia Camilo Pessanha visualizar a extensa baía com árvores plantadas, sombreando o mar, a murmurar no granito da muralha. O aterro, que estendera a Praia Grande até ao Bom Parto, fora realizado em 1869 e a rua arborizada. Árvores que seriam derrubadas por ventos tufónicos em 1883. Na altura era Governador de Macau, Tomás de Sousa Rosa (1883-1886) que, ao Director das Obras Públicas, Capitão de engenharia José Horta e Costa, deu ordem para ser refeito o paredão da marginal e, no passeio, plantar de novo as árvores. Em 1894, ainda estas não haviam adquirido grande porte, sendo a Baía da Praia Grande o lugar europeu de Macau, com três fortes, uma série de esplêndidas mansões e onde se situavam as sedes de muitas das companhias comerciais, bem como o Palácio do Governo e outras repartições, entre elas os Correios. A Rua da Praia Grande estava dividida por duas freguesias: a de S. Lourenço e a da Sé. Começa na Rua do Chunambeiro e até à Calçada de Santo Agostinho pertence a S. Lourenço. Seguindo daí, já na paróquia da Sé, chega à Estrada de S. Francisco. Apesar de toda a rua ter 55 casas, perdera em vinte anos algumas na freguesia de S. Lourenço, mas ganhara outras na Sé. Tal deveu-se ao seu prolongamento desde a Rua do Campo, onde em 1874 começava a Rua do Passeio, nome que desapareceu a favor da Rua da Praia Grande, quando esta a ocupou até à Estrada de S. Francisco. À Rua da Praia Grande vinha dar, junto a São Francisco, o cano real, que começava no antigo Hospital de S. Rafael. O eng. Sousa Horta e Costa escreve num Boletim da Província de Macau e Timor de 1886: “(…) fiz no novo bairro da Horta da Mitra, onde os canos cruzando-se como uma rede, e aumentando sucessivamente de secção, vão desaguar no cano geral da rua Thomaz Roza, que recebe também directamente as águas da parte da montanha do hospital, e vai levá-las ao grande cano, que passa na rua do Campo, que urge modificar, e que é um dos mais importantes de Macau.” Da Colina de Santo Agostinho para Sul, chega-se à Rua da Praia Grande por transversais calçadas e travessas provenientes da Rua Central, o núcleo comercial da cidade. A meio da baía e próximo do Fortim de S. Pedro repousava o Hotel Hing Kee. Era um prédio urbano, com a fachada principal virada a Leste para a Rua da Praia Grande e o número de porta 65, dando as traseiras para a Rua da Sé, com a porta de serventia no número 8. Não sabemos se ainda era assim ou se o edifício já contava com dois andares, de varanda corrida e vinte e quatro arcos e dez janelas gradeadas de ferro nos gudões (armazém, adega) com duas portas juntas uma à outra e uma porta lateral, tudo na Praia Grande, e uma porta traseira que dava para a Travessa Nova, que parte do Largo das Flores e situa-se na Rua da Sé. Hospedado no Hing Kee até ao final do ano de 1895, pagava então Camilo Pessanha “quarenta patacas por mês – cama, roupa e mesa, mas sem direito a vinho, que, conforme conta a seu pai, custava um quarto de pataca por garrafa”, como refere Luís Andrade de Sá, que segue, “um preço suficientemente tentador para ter convencido também colegas de Pessanha, chegados com ele a Macau, como os professores de Geografia e de Francês”. João Pereira Vasco, o professor de Geografia, chegará mais tarde. Este hotel, nos finais do século XIX inícios do seguinte, está para o Hotel Metrópole dos anos 80 e 90 do século XX, pois aí ficaram a residir muitos dos requisitados à Metrópole, até alugarem casa. “E o que mais encantava aos ‘exilados’ era justamente o sortilégio de certas noites, em que as águas se polvilhavam da farinha branca do luar e a brisa do sul trazia indefinidos odores tropicais”, segundo palavras de Emílio de San Bruno [pseudónimo literário de Filipe E. Paiva (1871-1954), Oficial da Armada], no seu romance O Caso da Rua Volong, cuja acção decorre em Macau nos primeiros anos do século XX. E com ele continuando, “Não era um Hotel de luxo, mas havia em todos os seus serviços, o conforto sólido, sadio, disciplinado e limpo do Hotel inglês”. Registo de um hotel Sobre o hotel, Henrique de Senna Fernandes no seu livro Mong-Há escreve um capítulo com o nome Hotel Riviera. Puxando da memória, pois só nos lembramos das coisas quando estas desaparecem, refere: “Um dos edifícios sacrificados ao camartelo dos construtores civis foi o decrépito Hotel Riviera e não foi sem tristeza que o vimos cobrir-se de andaimes e da ola da demolição, os dobres finais duma morte inglória. É que, para o velho residente da terra e para os seus naturais, aquele edifício hoteleiro estava irmanado a muito evento social e histórico e todas as figuras importantes dos últimos cem anos pisaram os seus salões, ponto obrigatório onde antigamente convergiam todos os estrangeiros e todos aqueles que vinham da Metrópole ou doutras partes do Ultramar prestar serviço a estas paragens. “Quando se inaugurou o hotel? (…) posso afirmar que o casarão, ali pelas alturas de 1880, mais ano menos ano, começou por ser Hing Kee’s Hotel, sob a direcção de Pedro Hing Kee…” Pelo registo de propriedade de 23 de Junho de 1883, ficamos a saber que o chinês Fong Rong Xi, negociante residente nesta cidade, apresentou a escritura de 21 do corrente mês lavrada nas notas do tabelião e ser este edifício de um andar, com um pátio à entrada na Rua da Sé e com um jardim para o lado da Praia Grande, contendo nove janelas no andar superior e um terraço no centro e quatro quartos com a frente para a Praia Grande. Ainda nesse ano, a 17 de Setembro sobre o hotel escreve o Eng. Adolfo Loureiro: “Fiquei hoje definitivamente instalado nos meus aposentos que são completamente independentes e mobilados conforme as minhas indicações. Na varanda coberta lá estão as frescas e cómodas cadeiras de rota; no salão, uma grande mesa para estender plantas e desenhos, estantes, secretárias, pequena mesa para quando quiser almoçar ou jantar no meu quarto, etc., no quarto de cama, um leito enorme de armação, mesas, toilettes, guarda-roupas, cabides; finalmente, uma pequena galeria envidraçada, dando para um pátio interior, e nela uma fresca sala de banho, com uma daquelas banheiras chinesas de barro, com esmaltes, que fazem lembrar as antigas tinas de banho gregas ou romanas. Estou optimamente instalado, e encontro no dono do hotel, que é um china cristão, o maior desejo de me ser agradável. “(Pedro Hing Kee,) o bom chinês, com o seu ar muito prazenteiro, cara redonda e cheia, olhos pequenos e vivos, linguagem estranha e curiosíssima, mostrou o melhor desejo de ser-me agradável e de condescender com todas as minhas exigências. Foi ele também que se incumbiu de mandar fazer a minha equipagem. “Ninguém em Macau anda a pé. Há as cadeirinhas da praça, com tarifas aprovadas pela câmara que, em Macau, se apelida Leal Senado. Uma pessoa que se preza tem, porém, a sua cadeirinha, com os seus dois culis uniformizados. A minha devia ser esplêndida com vidraça e stores, e os meus culis teriam cabaias e calções brancos, orlados de azul, com os seus grandes chapéus de palha de bambu também pintados de azul e branco. Já se vê que o meu hospedeiro era todo patriota, com decidido fraco pelas cores nacionais. (…) “Este serviço custar-me-ia: a boa cadeirinha 10 patacas, o fardamento dos dois culis outras 10; e o salário destes dois homens não passaria também de 10 patacas por mês, e a seco! (…) O jantar foi servido com profusão, com boa ordem e com uma cozinha, meio inglesa, meio portuguesa, que me não desagradou”. Vivia-se muito bem no Hotel de Pedro Hing Kee em 1883. Mas onze anos depois, quando Camilo Pessanha, outro funcionário metropolitano, ali se hospeda, durante um ano e meio, pouco sabemos do que mudara. Pedro Hing Kee continua à frente do negócio, o edifício terá já mais um andar, quando o poeta ocupa um dos seus trinta quartos, mas… sem principescas mordomias auferidas pelo engenheiro Adolfo Loureiro, que se encontrava em Macau a fazer estudos sobre a viabilidade da construção de um dique, para obrigar as águas a deslocarem-se para um curso mais restrito, empurrando a corrente para norte da Ilha Verde e daí, rio abaixo, para a foz. Com a construção do Istmo da Ilha Verde, em 1890, parecia ficar resolvido o problema do assoreamento no Porto Interior que, em vinte anos tinha perdido metade da sua profundidade, atingindo em 1883 apenas 1,7 metros. Agora, em poucos anos, volta a assorear.. Pessanha no Hing Kee Luís Andrade de Sá escreve: “O negócio do chinês Pedro Hing Kee assentava ainda numa política de baixos preços que inviabilizava outros projectos de co-habitação, tentados por funcionários deslocados em Macau, como o sistema de república – onde não se vive mais barato, pois a única que existe, onde estão os sobrinhos do Carvalhais, o Praça e um empregado da Fazenda, vai dissolver-se vindo todos viver para o Hotel por em casa gastarem muito mais, comenta Camilo Pessanha em carta dirigida a seu pai. O Hing Kee com as suas atracções, como um cravo, que Pessanha pensa excedentário de algum convento, e tigres-bebés, comprados pelo patrão, permite ainda ao descendente do almirante genovês uma efémera trégua nas agruras que, desde o início, se lhe deparam em Macau. As moiras esbeltas, acompanhadas dos maridos com turbante, um pintor austríaco que todos os dias partia, de cavalete às costas, para a Gruta de Camões, as valsas dançadas ao som do velho cravo, tornaram-se as referências que com maior simpatia descreve dos seus primeiros tempos de Macau. (…) “Camilo Pessanha chegou a queixar-se dos grupos de ingleses que, embriagados, se punham ‘às patadas’ no chão dos quartos não o deixando dormir. A barulheira acontecia aos sábados quando os ingleses vinham de Hong Kong e Cantão para o fantã mas ao poeta também era permitido desfrutar dos favores de uma ou outra pi pa chai [pêi-pá-t’chai ou cantadeira: mulher geralmente jovem e bonita que tocava um instrumento de cordas (pi-pa ou pei-pa) e cantava nas casas de chá e bares de Macau] no conchego do seu quarto. (…) “Para os não frequentadores do Clube União, mais tarde (em 1902) Clube de Macau, ou do Grémio Militar, era ali, no hotel, o centro do cavaco e dos boatos, das intrigas palacianas e ‘chuchumequices’ dos bairros, na pasmaceira colonial do cabo do mundo. Havia comensais, um ou outro estrangeiro que arribava à aventura, os old China hands, título dado aos ingleses com pelo menos doze anos de experiência e actividade comercial na China, oficiais de marinha ou do exército solteiros quando não viviam em ‘repúblicas’, algum funcionário público metropolitano, ainda desgarrado e sem vida instalada. Os macaenses, em geral, preferiam as comodidades do serão e da cozinha em suas casas, e os boémios, os mistérios e os eflúvios do Bazar”. Quando mais tarde, em 12 de Maio de 1894, João Pereira Vasco chega a Macau, também aí se instala. E continuando com Luís Andrade de Sá: “como chega a vir a público na imprensa de Macau – ‘o próprio padre Narciso, jogando uma noite no Hotel do Hing Kee (no Hotel do Hing Kee, notem!) não a manilha ou o solo mas a batota (até às três da madrugada, notem mais!) ganhou ao Sr. João Pereira Vasco umas setenta patacas!’. Com batota ou sem ela, era uma casa familiar a hospedaria do Hing Kee, embora nem sempre bem vista devido à sua frequência”. No final do ano de 1895, Camilo Pessanha deixa o Hotel pois este vai entrar em obras de ampliação. Estas ocorrerão em 1896 e, devido à morosidade dos trabalhos, muitos dos hóspedes resolvem mudar-se. As descrições, feitas por Adolfo Loureiro em 1883 e Emílio de San Bruno nos primeiros anos do século XX, estão separadas por vinte anos e, nesse espaço temporal, o Hing Kee sofreu transformações, tanto internas como externas. Por isso, só ajustando todas essas imagens, incluindo as fotográficas, se consegue imaginar como era no período em que Camilo Pessanha ali esteve hospedado. No Registo de propriedade número 1291, no Averbamentos n.º 1 de 24 de Julho de 1899 é referido: “É de dois andares x(mais)x varanda corrida com vinte e quatro arcos de dois andares e dez janelas gradeadas de ferro nos gudões com duas portas juntas uma à outra, uma porta lateral um número, tudo na Praia Grande e uma porta traseira que dá para a Travessa Nova e confronta de norte com a villa xxx da casa número sessenta e sete xxx com a Tesouraria do edifício dos Correios xxx do mesmo 15 da Praia Grande, de Leste com a rua da Praia Grande e do oeste com a Travessa Nova. 24 de Julho de 1899. Mendes xxx.” Por volta de 1900, encontra-se no Tourist Book de Hong Kong o seguinte anúncio: “Macao Hing Kee’s Hotel – A perfectly new Building – 30 bedrooms – A confortable family Hotel – Five Minutes from the Wharves steamer – Every thing of the Best – Charges very moderate.” Como é normal em Macau, Abril dá início à estação das chuvas, apresentando um céu permanentemente encoberto. No entanto, em 1894, quando Camilo Pessanha chega, encontra dias abrasadores e a cidade a sofrer de seca, consequência da falta de chuva, não havendo água nas fontes e na maior parte dos poços. Segundo relata o jornal Echo Macaense, a água chega a vender-se a cinco avos por pinga (dois baldes ordinários). A monção, que no tempo da vela permitia navegar num mês de Malaca para a China, entre Abril e Agosto, nesse ano de 1894 tarda e a espera está difícil de aguentar. Só em meados de Maio aparece a chuva, acompanhada de trovoadas, o que leva “as fontes e poços a começarem a prover-se de água”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e Ideias ManchetePrimeiro olhar de Pessanha sobre Macau [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o riquexó, puxado por um cule que agarrava os varais para levantar a cadeira pelo eixo das rodas, Camilo Pessanha prepara-se agora para partir da Rua do Visconde de Paço d’ Arcos, assim chamada desde 15 de Novembro de 1882, quando até então era designada apenas por Rua Marginal do Porto Interior. A vontade era de continuar para Sul, pois os aterros, desde as Portas do Cerco até ao Largo do Pagode da Barra, foram feitos entre 1867 e 1869, quando a uma parte dessa marginal rua foi dado o nome de Avenida António Sérgio. Um dos lados da via tinha uma berma num dos ramos do Rio Oeste e na outra edifícios de dois andares, cujo rés-do-chão se encontrava recuado. Eram, normalmente lojas ou armazéns, quase todos relacionados com os negócios marítimos, ficando o andar superior destinado a residência. Em túnel, esse passeio permite aos transeuntes resguardarem-se da chuva e aos comerciantes exporem fora das lojas os produtos. Tal arquitectura, dos finais do século XIX, é conhecida por Kei Lau, sendo especial da área de Lingnan, que compreende as províncias de Fujian, Guangdong, Guangxi e Hainão, no Sudeste da China. A Pessanha não faltaria a vontade de seguir pela tão apelativa estrada marginal, onde desembarcara vindo de Hong Kong, encontrando-se próximo o cais do barco de Cantão, seguido por um outro, onde se descarregavam as mercadorias provenientes da província de Guangdong. Terá imaginado essa idílica viagem, quando está ainda na Rua do Visconde de Paço d’ Arcos, que em 1882 tinha 26 prédios, começava na Rua do Guimarães e acabava na Rua do Miguel Ayres. Já o Cadastro de 1906 refere esta rua, conhecida em chinês por Pa-su-ta-ni-ku-kae, na freguesia de Santo António, com 34 prédios, a começar e acabar na Rua do Guimarães, onde ficavam os cais dos vapores Mao-cheong, do Ying-king, do Fat-on, do Ung-cheong, do Tai-on e do Hong-sam. Mental viagem a circundar pela marginal até à Praia Grande, só em 1910 poderá realizar. Plano para mais tarde O percurso que Pessanha estava prestes a começar a fazer, já a 1 de Novembro de 1890 estava descrito no jornal O Macaense: “Quem desembarca do vapor de Hong Kong, no porto interior, e quer vir à Praia Grande, tem de atravessar um dédalo de ruas estreitas e imundas, orladas por casas de paredes escuras e tristes. Há principalmente uma travessa muito estreita, junto à Rua de Felicidade por onde têm de passar todos os que quiserem transitar em jenrickshas. É tão estreita que um homem de braços abertos não pode passar por ela. É ela a Travessa do Tintureiro (Tai Pang Hong), ou Travessa do Falcão, com menos de cem metros que, começando no Largo do Senado, termina na Rua dos Mercadores. Houve em tempos um projecto bastante grande de fazer uma larga avenida, que partindo do Largo de Caldeira no porto interior, viesse acabar na Praia Grande, passando pela frente do edifício do Leal Senado. Para esse fim seria preciso expropriar um bom número de casas chinesas, e uma parte da casa que é actualmente o Hotel Hing-kee, e calculava-se que seriam necessários $30 000. Não pedimos agora tão grandiosa obra. Por enquanto talvez bastaria modificar a Rua de Felicidade, alterando-a gradualmente desde o seu começo na Rua Marginal (Rua do Visconde de Paço d’ Arcos), para torná-la transitável para jinrickshas, que agora não podem subir a ladeira que a vem ligar com a Rua dos Cules. Os prédios da Rua de Felicidade pertencem a uma sociedade de negociantes abastados, que são bastante condescendentes. Não será difícil persuadi-los a converter, as que hoje servem de lupanares, em lojas mais asseadas e com frontarias mais alegres, com o que eles virão finalmente a lucrar. Essa transformação não poderá deixar de ser lentamente feita, mas se o governo melhorar aquela rua de modo que a torne mais frequentada, os proprietários por seu próprio interesse irão transformando os prédios, enxotando dai os lupanares.” O capitalista chinês Vong Loc formara uma Companhia, a 绍昌堂 (Shao Chang Tang), que adquiriu a Fábrica de Processamento de Chá Pereira, com a frente para a Rua da Alfândega e traseiras situadas junto à água, e comprou as antigas casas em redor do Beco de Matapau e por aterro, no início dos anos 60 do século XIX foi construída a Rua Nova da Felicidade Abundante, em chinês Fok Long San Kai. Nessa nova zona do Porto Interior, que compreendia a Rua da Felicidade, Beco, Travessa e Pátio da Felicidade, Pátio do Aterro, Rua da Caldeira, Travesso do Bazar Novo, Rua do Bocage, Travessa das Virtudes, Travessa do Auto Novo, foram construídas mais ou menos 160 lojas. Em 1864, a Companhia desfez-se devido aos sócios estarem desanimados, pois as lojas continuavam vazias e Vong Loc comprou-as todas, mudando o nome à Companhia para 集成堂 (Ji Cheng Tang), tornando-se então o maior proprietário de Macau. Trinta anos depois, à estreita Rua da Felicidade, de casas com portas de espaldar e tijolos cinzentos, virá Camilo Pessanha com ela iluminada pelos candeeiros vermelhos a indicar os coulaus (restaurantes) para apreciar a música das pei pa tchai, mulheres assim chamadas por tocarem pei pa (pipa), um instrumento musical de quatro cordas e cantarem pela noite dentro. Vestindo um qipao (túnica), eram preparadas para agradar aos comensais. Segundo o que o Engenheiro Director das Obras Públicas Augusto Abreu Nunes descreve a 11 de Fevereiro de 1903: “As ruas mais importantes que cortam o Bazar e estabelecem a ligação entre ele, a rua Marginal e o centro da cidade, na direcção Leste/Oeste são: a Rua da Felicidade e a Rua das Estalagens, duas ruas estreitas, tortuosas, tendo em alguns pontos a máxima largura de 6,5 metros! Estas ruas são ligadas transversalmente por outras, em piores condições ainda: a Rua dos Mercadores, a do Mastro, a do Aterro Novo, etc., chegando nestas travessas a haver largura de 3 metros e não sendo a maior nunca superior a 7 metros. Resulta deste estado do Bazar, uma aglomeração enorme de casas de negócio, e portanto de gente e carros pelas ruas, que se atropelam constantemente, dificultando o trânsito e o comércio. A estes inconvenientes acresce, como consequência, que as condições higiénicas daquele recanto são deploráveis, isto é: uma falta de ar e luz em todas as habitações, becos e ruas, e um fétido insuportável por toda a parte”. Para chegar ao Largo do Senado A Rua do Visconde Passos d’ Arcos tinha à sua frente a oblíqua Rua do Corte Real (Co-ti-li-ha-kai), que termina junto à Rua Nova do Comércio no cruzamento com a Rua do Guimarães. Fosse essa a opção, logo na Rua do Guimarães começa a Rua do Matapau, que permite atingir a Rua dos Mercadores e daí seguir depois pela Travessa dos Tintureiros até à Praça do Senado, cruzamento com a Rua da Cadeia. Se escolhesse prosseguir um pouco para Sul, pela Rua do Visconde Passos d’ Arcos, até onde acaba a Rua do Guimarães, poderia entrando pela Rua da Caldeira, pequeno porto (caldeira) aterrado em 1875, prosseguir pela Rua da Felicidade e cortando para a esquerda, a Rua do Aterro Novo, onde virando para a direita, encontra a Rua do Matapau (a dos marceneiros), para chegar à Rua dos Mercadores. Fora de hipótese era escolher ir para Norte, pois o percurso era bem mais longo e ficava fora de mão. Mas se tal ocorresse, encontrava a Rua da Madeira, que depois de cruzar com a Rua do Guimarães e com a Rua Nova de El-Rei (actual 5 de Outubro), um pouco mais adiante apareceria as travessas da Cordoaria e do Pagode, seguindo até à Rua do Mastro. Também para aí chegar havia, antes do Largo de Matapau, a Rua do Pagode, que seguia paralela à Rua da Madeira. Já da Rua do Mastro para chegar à Rua dos Mercadores havia para quem circulava pela Rua do Pagode, desviando um pouco para a direita, a Travessa das Portas, sendo no entanto muito estreita e por isso, só a pé tinha passagem. Duas outras estreitíssimas travessas faziam a ligação da Rua do Mastro para a Rua dos Mercadores, a dos Becos e a Travessa dos Mercadores. Outro percurso era continuar ainda mais para Norte pela Rua do Guimarães, seguir até ao Largo do Matapau (Largo do Pagode do Bazar onde se encontra o Templo de Hóng Kông e começa a Rua Nova de El-Rei, actual Cinco de Outubro) e daí, pela relativamente larga para a época Rua das Estalagens, seguir até à dos Mercadores. A ligar a Rua dos Mercadores com o Largo do Senado, existia a Rua da Palha, que dá ao Largo de S. Domingos, onde se situa o Quartel com o mesmo nome, instalado no antigo Convento. Contíguo a esse largo está o Largo do Senado. De referir, como o Padre Manuel Teixeira nota, que o Bairro de S. Domingos iria em breve ser totalmente remodelado pelo Director das Obras Públicas eng. Abreu Nunes. Na altura, ainda se estava à espera do projecto para o Mercado de S. Domingos, devorado por um incêndio a 15 de Novembro de 1893 e para o qual só em 19 de Julho de 1904 foi aberto concurso para a obra de construção. A venda dos produtos era desde então feita na Travessa do Soriano, que estava transformada num lugar imundo, um depósito de detritos orgânicos, um verdadeiro foco de infecção. Do Senado para a Praia Grande A viagem, feita em corrida num passo miúdo e cadenciado, avança por entre outros carros, sendo usada a voz como buzina. Camilo Pessanha, ao cruzar pelo triangulado e aprazível Largo do Senado, já não verá o “grandioso, soberbo e extraordinário urinol dos cupidos, que com tanta arte e perfeição aí existira. Era uma obra pitoresca, admiravelmente arquitectada”, que daí tinha sido acabada de retirar, como refere um jornal de 31 de Março de 1894. Já toda a zona ocupada pelos edifícios da Santa Casa da Misericórdia (Igreja Visitação de Nossa Senhora, Cartório e Casa dos Expostos, que em 1883 estavam em risco de ruína) no Largo do Senado, em 1888 tinha sido remodelada. Foram abertas ruas, construído um novo Cartório e renovadas as casas de habitação com rés-do-chão e primeiro andar aí existentes, onde em 1893 e durante cerca de um ano no n.º 14 do Largo do Senado teve Sun Yat-sen o seu consultório. Do Largo do Senado havia duas vias para chegar ao Hotel Hing Kee, na Praia Grande. Entrepunha-se no caminho um pequeno outeiro a partir da Travessa dos Anjos e subindo passava pelo Largo da Sé até ao início da Rua Central, de onde mais íngreme nascia um cortinado de colinas trepando para Sul, atingindo o ponto mais alto na Colina da Penha. Pertencia essa cadeia montanhosa ao corpo do Dragão da cidade. Para atingir o Largo da Sé, vindo da Rua de S. Domingos, as travessas do Bispo e de S. Domingos e desde o Largo do Senado, através da Rua do Roquete até à Rua da Sé. Do Largo da Sé onde o Paço Episcopal e a Catedral se encontram, descendo pela Calçada de S. João entra-se na Rua da Praia Grande, onde virando para a direita, um pouco adiante estava o hotel. A Calçada de S. João era usada para enviar o peixe aos vendedores que esperavam e ansiavam por um novo Mercado de S. Domingos. A meio da Calçada S. João, à direita de quem desce e na continuação da Rua Formosa, existe o Pátio das Flores, talvez então com ligação à Travessa Nova (situada na Rua da Sé), que servia as traseiras das casas da Praia Grande. Mas mais rápido para chegar ao hotel era pela Rua do Gonçalo subindo o outeiro até ao começo da Rua Central e nesse cruzamento, onde também vinha acabar a Rua da Sé, descer pela Calçada do Governador para a Rua da Praia Grande. A opção foi pela Rua do Gonçalo e o riquexó, puxado pelo cule descalço, trepou aquele lanço em declive até ao começo da Rua Central, junção com a Calçada do Governador. Nesse cruzamento, uma patrulha da polícia controla os cules que puxam os jinrickshas pois, não lhes sendo permitido conduzir esses carros com passageiros na subida e descida da Rua Central, os transgressores eram multados. Assim se evitavam os repetidos e contínuos desastres que até 1893 iam ocorrendo em calçadas mais ou menos íngremes. O jornal Echo Macaense, de 29 Agosto de 1893 escrevia: “Como se sabe, a ordem, que insensatamente havia sido dada para se vedar o trânsito pela Rua Central a indivíduos que fossem de carro puxado por um só chinês, foi afinal, em consequência sem dúvida dos repetidos clamores da imprensa local, modificada no sentido de não se permitir que subam ou desçam aquela rua, senão aos carros que conduzam mais de um adulto, sendo tirado por um cule. Sem embargo, porém, dessa modificação, bastante razoável, continuam a fazer-se ouvir queixas contra a patrulha da Rua Central, sendo raras as reuniões onde se não comente este ou aquele incidente, ocorrido na mencionada rua”. Na descida da Calçada do Governador, Pessanha encontra de frente o Fortim de D. Pedro. O riquexó, travado pelo cule ao chegar à Praia Grande, desvia para a esquerda e quando atinge o hotel já a luz do dia esmorece. Partira de Hong Kong no vapor Heungshan às duas da tarde e anoitecia quando desce do riquexó completamente extenuado. Tem, no entanto, antes de antes de avançar para a porta do hotel, a tentação de admirar a belíssima baía com a sua graciosa curva de 1300 metros de extensão. Espreitando, não se via passagem para lá do Baluarte do Bom Parto.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasCamilo Pessanha desembarca em Macau [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] calendário marcava 10 de Abril de 1894 quando, por volta das cinco da tarde, encostava ao cais do Porto Interior o vapor Heungshan vindo de Hong Kong. Pouco tempo medeia entre a chegada do novo Governador da Província de Macau e Timor, o Capitão de engenharia José Maria de Sousa Horta e Costa (1858-1927), e do professor do Liceu: apenas duas semanas. Mas se era a primeira vez que Camilo Pessanha vinha a Macau, já o engenheiro Horta e Costa conhecia bem o território, pois fora empossado a 2 de Novembro de 1885 Director das Obras Públicas de Macau, posto que ocupara até 2 de Novembro de 1888. Assim, quando em 24 de Março de 1894 pela primeira vez “assume o cargo de governador, Horta e Costa sabia muito bem quais os interesses locais e os jogos de poder, o orçamento de que dispunha e as ligações político-administrativas que teria de manter com o Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar, sem esquecer a frente diplomática como Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto de Sua Majestade o Imperador da China e Rei de Sião”, segundo refere António Aresta. Acompanhado pela sua esposa Adelaide Silvano, o Governador, nomeado por decreto de 23 de Dezembro de 1893, partira de Lisboa a 18 de Fevereiro e chegara a Macau entre 22 a 24 (referindo o jornal Echo Macaense, talvez por engano, o dia 27) de Março, sendo transportado pela canhoeira Bengo, que o fora esperar no dia 21 a Hong Kong. Desembarcara no Cais do Governador, fronteiriço ao Palácio das Repartições Públicas, na Baía da Praia Grande, que muito jeito teria dado a Camilo Pessanha, pois o hotel onde iria ficar hospedado era logo ali ao lado. No entanto, o professor, como todas as comuns pessoas, fôra desembarcado no Porto Interior. A peste em Guangdong Tivesse Camilo Pessanha chegado em Maio e teria de passar pela inspecção sanitária, feita ainda no próprio barco pois, tal como Cantão, Hong Kong padecia já no pesadelo da peste bubónica, apesar de Macau se ter mantido livre de tal calamidade. O primeiro caso aparecera na última semana de Março num distrito pobre de Cantão, perto da porta Sul e nos primeiros dias de Maio manifestava-se já em Hong Kong. Por isso, todos os passageiros que vinham da então colónia britânica e da província de Guangdong eram inspeccionados na fronteira por um dos dois médicos navais, o dr. Novais ou dr. Homem de Carvalho, ali em serviço diário durante seis horas ininterruptas para fazerem a despistagem da terrível epidemia. Quem gostava de aparecer para vistoriar as passageiras estrangeiras era Ho-Lin-vong e Hip-Lui-sen que, a 22 de Junho de 1894 “entraram no vapor Heungshan juntamente com o sr. Chefe de Saúde, mostrando a sua autoridade na vigilância da inspecção dos passageiros, serviço de que se acha encarregado o sr. dr. Gomes da Silva. Este estado de coisas não pode continuar. É um desprestígio à autoridade que desempenha este trabalho e um motivo para os preponderantes alegarem serviços que não prestam nem podem prestar. Que vão inspeccionar os flower-boat do rio”, como refere no dia seguinte o jornal O Independente. De salientar continuarem em vigor em Setembro, as medidas preventivas contra a peste. Ainda em Junho, os chineses de Macau realizavam procissões com as suas divindades, percorrendo as ruas com andores para a cidade se conservar livre da terrível peste. Fôra para debelar um surto de varíola e de cólera, provenientes de Hong Kong que, em 1888, entrara na cidade a divindade Na Tcha. A estátua desse deus criança, um menino travesso dotado de poderes sobrenaturais, passeara pelas ruas de Macau e os residentes, por ele protegidos, dedicaram-lhe dois templos. Chegadas Ao desembarcarem no Porto Interior, no cais ponte feita em madeira, logo os passageiros eram apanhados pela frenética actividade e rebuliço do bazar chinês. De lembrar que ainda não existia a Avenida Almeida Ribeiro. “O comércio dos chineses é principalmente na rua do porto interior e no Bazar; na rua do porto interior faz-se a carga e descarga das inúmeras lorchas e outros barcos que demandam o porto, principalmente do peixe salgado, e no Bazar é onde os chineses tem os seus principais estabelecimentos de comércio, as casas públicas, onde eles tratam os seus negócios, as casas de jogo e colaus [restaurantes] que frequentam diariamente”, segundo refere o director das Obras Públicas, o eng. Augusto Abreu Nunes, também ele recém-chegado a Macau, a 14 de Dezembro de 1893, e ainda nomeado pelo Governador da Província Custódio Miguel de Borja, em 12 de Janeiro de 1894 para o cargo de Inspector de Incêndios. Depois do eng. Abreu Nunes, chegara a 22 de Janeiro, com a esposa e um filho, o dr. Álvaro Maria Fornelos, que vinha ocupar o cargo de Procurador dos Negócios Sínicos, interlocutor com o governo chinês. Em Fevereiro desse ano, o Administrador do Concelho das Ilhas da Taipa e Coloane e Comandante da Fortaleza da Taipa, o sr. Tenente João de Sousa Carneiro Canavarro era promovido a Capitão graduado. Os cules, trabalhadores chineses assalariados, em Macau desempenhavam o papel de serviçais ou de criados por conta própria que, desde 1858, estavam integrados numa companhia e organizados corporativamente. Mal o vapor proveniente de Hong Kong encostava ao cais de madeira, os inúmeros cules, trajados com cabaias gastas e imundas, acocorados na companhia de um cachimbo de bambu esfumando pequenas porções de tabaco durante a espera, num salto levantavam-se e precipitavam-se pelo barco dentro para descarregarem as bagagens dos passageiros. Fora, outros cules junto aos seus alugados, velhos e sujos riquexós, esperavam na praça o cliente, na esperança de conseguir a maquia suficiente para passar o resto do dia a trabalhar em lucro, refeição e jogo. Descendo do barco, com o corpo ainda a ondular, os assarapantados passageiros eram logo envolvidos pelos cules que, na tentativa de encontrar quem transportar, alimentavam o reboliço e a algazarra no Porto Interior. Os riquexós O cule coloca os varais no chão para permitir a Camilo Pessanha sentar-se na cadeira do riquexó e, após este instalado, levanta-os, preparando-se para partir. Provavelmente a bagagem era transportada noutro riquexó, por outro cule, já que nesse tempo em Macau ainda não havia automóveis. Existia a zorra, um carro baixo, com quatro rodas pequenas e grossas, para transportar objectos pesados. Em vias de desaparecer estavam as cadeirinhas, sem rodas, pois, para além do preço ser mais caro, eram mais vagarosas e desconfortáveis. Os riquexós, na linguagem oficial eram denominados jerinxá, ou jinrickshas, o nome japonês de onde a ideia deste tipo de transporte deve ter aparecido. No Japão, eram esses “carrinhos de duas rodas e varais ligeiros, puxados em corrida vertiginosa por homens designados por koruma”, como refere Ladislau Batalha. Em Macau, os riquexós surgiram na primeira metade de 1883 e desde então começaram a substituir as cadeirinhas, pois traziam a vantagem pela economia de tempo e dinheiro. Eram puxados por cules e se até 1894 havia vinte e tantos proprietários para os cerca de 280 carros, nesse ano foram eles preteridos, tendo o Senado entregue a um monopólio, que tomou conta desse negócio. Passa um cule aguadeiro a vender água aos recém-chegados, mas Camilo não se atreve a provar, guardando para mais tarde, quando deixasse a estadia do hotel, beber a água da bica do Lilau (designação então da Fonte do Nilau, ou do Lilau). A água que a cidade consumia era preferencialmente de três fontes ou, com pior qualidade, a dos poços. À chegada de Camilo Pessanha, em 1894, os poços seriam à volta de 600 particulares, dentro dos muros das habitações, e aproximadamente 140 públicos, ou comuns a muitos moradores, não sendo então ainda obrigatório os poços encontrarem-se com as bocas rodeadas de uma grade de ferro e terminar superiormente em chapa de pequena largura de modo a não servir para alguém aí se sente, ou se ponha de pé, quando tirar água, o que só vai ser legislado pelo Código de Posturas de 1896. Proveniente das fontes do Lilau, da Inveja e da Flora, a água era recolhida e transportada por cules aguadeiros, reunidos desde 30 de Outubro de 1858 numa Companhia, que a entregavam a cada um dos bairros, cobrando dinheiro pelo frete do seu transporte. Já sobre a qualidade da água potável, Macau não vai conseguir resolver esse problema durante a vida de Camilo Pessanha. Em cima do riquexó e ajustado o preço, que andaria pela dezena de avos até ao Hotel Hing Kee, no outro lado da cidade, num relance terá avistado as águas do Rio Oeste. Camilo Pessanha não sabia estar na ordem do dia o assunto dos jinrickshas, pois o Leal Senado preparava-se (concurso realizado a 26 de Junho de 1894) para licitar a entrega desse negócio a um monopólio. Os até então proprietários dos carros tinham visto em Janeiro as taxas a pagar ao Leal Senado aumentadas para $23,50 por ano, assim como aparecera publicado no Boletim Oficial a faculdade conferida ao Leal Senado de determinar as dimensões de cada carro. Queixava-se o repórter do jornal O Independente, de 13 de Janeiro de 1894, “o esquecimento dos ilustres edis de ao mesmo tempo fixarem o máximo do preço do aluguer que os proprietários dos carros têm direito a exigir aos condutores, a fim de que estes não ficassem à mercê da exploração daqueles. Esquecia-se essa postura de publicar a relação das calçadas íngremes que não sejam conduzidas por dois homens. Assim quem ia pagar o aumento da taxa eram os utentes”. De referir ter sido o aparecimento do projecto do Liceu, ao convidar a câmara a participar com um subsídio, deliberando o Senado dar 5000 patacas, que levou o seu Presidente, o sr. Comendador Basto, a dizer numa das sessões ter chegado a ocasião de apresentar a moção do vereador Victorino sobre o monopólio dos jinrickshas. Assim, quando Pessanha aqui chegou, estava essa entrega a ser preparada, sendo à partida conhecido quem ia ficar com o negócio. O difícil primeiro contacto com os estrangeiros recém-chegados, pela falta de palavras para se fazer entender e captar o cliente, o cule no levantar a voz espera conseguir, pelos poucos sons reconhecidos, dar os nomes dos hotéis desejados. Fácil quando se tratava de passageiros ocidentais pois eram então apenas dois, o Boa Vista e o Hing Kee. Os hotéis para estrangeiros O Hotel Boa Vista era propriedade desde Março de 1891 do inglês William Edward Clarke, capitão do vapor Heungshan. Fora inaugurado a 1 de Julho, após ser ampliada a casa da família Remédios, construída por volta de 1870 e onde esta continuava a residir, servindo também como local de hospedagem para muito do pessoal das companhias estrangeiras que operavam em Macau. Este hotel, situado no Chunambeiro, na Rua do Tanque do Mainato (hoje Rua do Comendador Kou Hó Neng), encontrava-se num morro protegido desde 1622 pelo então já desmantelado (desde 1892) Baluarte de Bom Parto, mas ainda sem ter sido parcialmente destruído, como veio a acontecer em 1910. O baluarte fora construído sobre as ruínas do cemitério dos Agostinhos, onde teriam os missionários espanhóis desta Ordem Religiosa edificado o seu mosteiro em 1586. Sobre a Praia do Bispo, o Hotel Boa Vista foi gerido até 1894 pela família Remédios, sendo a clientela maioritariamente britânica e era o único (segundo a propaganda) com um estatuto de verdadeiro hotel na cidade. Mas, devido ao progressivo e cada vez mais rápido assoreamento do Porto Interior, após a mudança do vapor Heungshan pelo Kiu Kiang, de menor calado e péssimo serviço a bordo, o capitão inglês William Edward Clarke deixou de poder estar presente no seu hotel e durante as travessias publicitar o Boa Vista, sobretudo aos compatriotas que de Hong Kong vinham passar o fim-de-semana. Já o hotel concorrente, o Hing Kee, hospedava os portugueses à chegada a Macau mas, após se familiarizarem com a cidade, mudavam-se para as suas próprias casas. No entanto, sabia-se ficar a estadia no hotel mais em conta do que alugar uma casa e nem mesmo nas “repúblicas”, casas alugadas por várias pessoas, os custos eram menores. Ao escutar “Hing Kee”, essa familiar sonoridade eleva-se sobre o ruído, sobre a barafunda que em frente ao cais do vapor, por momentos se dissolve para de novo se voltar a ouvir. Na postura, os cules captam os clientes e procuram proporcionar-lhes a tranquilidade de alguém ter compreendido os seus desejos. A comunicação é sustentada pela empatia e o esforço de compreender e articular os nomes em português dos lugares normalmente requeridos pelos passageiros a transportar. Camilo Pessanha entrava em Macau e, num ápice, dava por si a rolar.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasA viagem de Camilo Pessanha até Macau Camilo Pessanha chegou pela primeira vez a Macau no dia 10 de Abril de 1894 [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]amilo de Almeida Pessanha, em Coimbra onde nascera, formou-se em Direito em 1892 e após um breve período de advocacia em Óbidos, seguiu para Macau nomeado, por Boletim Oficial de 10 de Fevereiro de 1894, professor do Liceu dessa cidade no Extremo Oriente. Fora um dos 39 professores a concurso, aberto a 19 de Agosto de 1893 pela Secretaria do Ministério da Marinha e Ultramar, para leccionar no Liceu Nacional de Macau ainda por inaugurar pois fôra fundado a 27 de Julho desse ano. No Echo Macaense de 29 de Agosto de 1893, com o título Echos da Metrópole, refere-se terem as Cortes encerrado a 15 de Julho e depois disso mandado proceder ao concurso para provimento dos lugares de professores do Liceu de Macau. O sr. Silva Bastos, secretário particular do Ministro das Obras Públicas concorreria à cadeira de História, sendo possível vir a ser nomeado secretário do mesmo liceu. Mas esta era uma notícia prematura, escreve o jornal, porquanto a escolha do ocupante desse posto dependia do corpo docente e tinha de ser aprovada pelo Governo de Lisboa, ainda sobre proposta do respectivo Governador de Macau. Desabafa o redactor: “Oxalá que na escolha dos professores não predominem os empenhos, recaindo a nomeação em indivíduos que não possuem outros merecimentos senão o de serem afilhados deste ou daquele trunfo político.” José Horta e Costa, então deputado por Macau, advogara a criação do liceu nessa cidade e José Azevedo foi informado que se Pessanha não tivesse participado numa reunião do Partido Progressista (na altura encontrava-se no poder o Partido Regenerador, mas tal não era grave já que os dois partidos tinham um pacto e governavam Portugal alternadamente sobre orientação de Inglaterra) a sua nomeação estava garantida, como conta Daniel Pires. Ainda assim conseguiu, a 18 de Dezembro, ser um dos quatro escolhidos. Com 26 anos, Camilo Pessanha parte então de Portugal, contratado como Professor do Liceu Nacional de Macau, estabelecimento de ensino que ia abrir as portas para colmatar o espaço vazio das Humanidades, num tempo em que a educação escolar apenas se destinava a preparar os jovens para o mundo do trabalho na área comercial. Outra notícia do Echo Macaense, de 29 de Agosto de 1893, refere o que se diz em Lisboa acerca do provimento do Governo de Macau, mas as informações não são concordantes pois constara há tempos que ia ser nomeado para Governador o sr. Ferreira de Almeida. No entanto, uma outra versão garantia que “este sr. vai ser nomeado para Macau, mas para dali ser transferido para Cabo Verde e ocupando o seu primeiro lugar o sr. Horta e Costa”. Este último pertencia nessa altura a uma comissão que estudava as causas da depreciação da moeda de prata na Índia e em Macau. Formularam-se quesitos respeitantes a Macau e Timor para se adoptar como unidade monetária a pataca, subsidiária em prata e cobre, sendo daí calculados os vencimentos dos funcionários públicos. Já quanto à Índia, “não se tomou resolução, aguardando-se o parecer de Inglaterra com respeito aos efeitos da crise da prata nas suas colónias ultramarinas”. A viagem, a bordo do navio espanhol Santo Domingo, iniciara-se a 19 de Fevereiro de 1894. Depois de cinco dias em Barcelona, o navio levou apenas mais dois até atracar em Port-Said, no Egipto. Cruzando os 162 km do Canal do Suez (inaugurado a 17 de Novembro de 1869), desembocava agora no Mar Vermelho onde, nos umbrais do Oceano Índico, aportou em Adém (na Arábia Feliz, actual Iémen, então na dependência do Comissariado da Província Britânica da Índia). Depois atravessou o Mar Arábico até Colombo, no Sri Lanka, onde permaneceu apenas por duas horas. O vapor espanhol seguiu então pelo Estreito de Malaca até Singapura e daí para Manila. Camilo Pessanha chegou a Macau no dia 10 de Abril de 1894, mas será pela viagem feita em Janeiro desse ano pelo novo Procurador dos Negócios Sínicos, Álvaro Maria Fornelos, que conseguimos desfazer a dúvida sobre o percurso dos barcos desde Manila até Macau: iam primeiro a Hong Kong e, noutra embarcação, seguia-se até ao porto de Macau, que sofria de um adiantado estado de assoreamento. Com apenas cinquenta anos, Hong Kong era já o principal porto dos vapores provenientes da Europa. Viagem de Hong Kong para Macau Camilo Pessanha, às duas da tarde de 10 de Abril de 1894, embarcara muito provavelmente no vapor Heungshan para Macau. Este barco da Hong Kong, Canton & Macau Steamer Co. Ltd., capitaneado pelo inglês William Edward Clarke, já por várias vezes ficara encalhado no Porto Interior devido ao assoreamento e por isso nos jornais da época era publicada pelo secretário da Companhia, T. Arnord, a tabela das horas de partida de Hong Kong para Macau nos meses de Maio a Agosto do referido vapor. Para se perceber o insólito e excepcional procedimento que a companhia Hong Kong & Macau Steam Boat tinha com os habitantes de Macau, o jornal político e noticioso O Independente, cujo redactor principal era José da Silva, apelava a 25 de Julho de 1891 que esta reconsiderasse a sua atitude: “Já não é pouco a elevada tarifa de passagem entre Macau e Hong Kong, uma distância de 38 milhas, por 3 patacas, se a compararmos com o mesmo preço para a passagem entre Hong Kong e Cantão, que é mais do que o duplo da distância. (…) Note-se que entre Macau e Hong Kong o principal elemento servido pela companhia é português, enquanto no outro trajecto não o é. Este tratamento diferencial é já por si só injustíssimo e repugnante. A companhia é inglesa. Como regra, paga aos seus empregados portugueses menos do que aos empregados ingleses. Se quisermos fazer sobressair esta grande diferença, basta lembrar que pagava ao seu secretário português, Costa, umas 300 patacas por mês, enquanto ao seu sucessor, o inglês Arnhold, que não vale mais do que valia o Sr. Costa, paga 700 patacas mensalmente. Assim a poderosa companhia quando paga a um português, paga menos, quando recebe de um português, exige mais, com a circunstância agravante de que ela sabe muito bem, até pelos jornais da colónia, onde tem a sua sede, que se fartam de o dizer que os portugueses estão pobres. É talvez por isso que os explora, porque, em geral, é à custa dos desgraçados e infelizes que os avarentos argentários se opulentam. Sobre esta injustíssima exploração lembrou-se ainda de proibir aos seus empregados o encargo de pequenas encomendas, como é uso fazer-se em todos os navios mercantes que traficam na China, para cobrar, ela, em seu proveito, uns 10 avos por cada pequeno pacote. Ainda neste caso foi só em Macau e portanto, e especialmente, no elemento português que a companhia quis acertar, o que é sobre maneira revoltante. (Não esquecer que os mais antigos aliados de Portugal, os ingleses em 11 de Janeiro de 1890 tinham-lhe feito um Ultimatum, o que provocara um protesto nacional pelo roubo das terras africanas entre Angola e Moçambique.) Não pedimos aos directores portugueses, que há na companhia, que exerçam a sua influência a fim de que se acabe com este procedimento injusto e até vexatório, porque bem sabemos que, em se tratando dos seus compatriotas, são aqueles senhores directores lusitanos os primeiros a atacá-los e amesquinhá-los…” Macau à vista Pessanha mergulha nas primeiras imagens de Macau: são de montes e são de praias que, num iniciático momento, se misturam, pois ainda desconhece os nomes do que avista do barco ao contornar a península. Mais tarde saberia o nome daqueles lugares e assim, apresentando a primeira visão, apareceu-lhe, ao passar pela Enseada das Portas do Cerco, a Praia da Areia Preta, então usada para piqueniques pela nata da sociedade macaense. Uma escondida e pequena ilha demarcava-se, enquanto o barco seguia a Sul e se postava o forte edificado, em 19 de Fevereiro de 1852, na Colina de D. Maria II, sobranceiro à Praia de Cacilhas. Vagueando o olhar e terminada a praia, situada na base do Ramal dos Mouros, dava agora pelo Monte da Guia e, sempre a trepar, até à parte mais alta do cume, dentro da Fortaleza depara com a plataforma onde um provisório farol de madeira aproveita o antigo aparelho de iluminação, enquanto espera ser um dia reconstruído e retomar a sua traça original. Em baixo, sob a Praia da Guia, a Chácara do Leitão, onde por vezes Pessanha, na companhia do proprietário, Francisco Filipe Leitão, haveria de espairecer. Levantando os olhos, no alto da Colina de S. Januário, observa o Hospital Militar Conde de S. Januário, inquilino recente a ocupar o lugar do Baluarte de S. Jerónimo, construído por volta de 1622 pela muralha proveniente da Fortaleza do Monte e que nesse local fazia uma mudança da trajectória para Sul. Então já demolido, restava parte da muralha a descer até à Fortaleza de São Francisco (a ocupar o lugar do convento franciscano demolido em 1864), ao nível do mar. À sua frente e sobre as águas, a Bateria 1.º de Dezembro, construída em 1872 e remodelada em 1888. Continuando a estibordo, apresenta-se-lhe a belíssima baía, enfeitada de um elegante casario. Alguém aponta em direcção a um fortim, chamado de S. Pedro, erguido na altura em que se construíram as muralhas da cidade e demolido, tal como a Bateria 1.º de Dezembro, por razões urbanísticas, em 1934, sempre presentes no quotidiano das cinco estadias em Macau de Camilo Pessanha. À direita do Fortim de S. Pedro está o hotel onde se irá hospedar e, recuando um pouco, a moradia que muito mais tarde virá a ser a sua alugada residência e onde viverá até à morte. Após a passagem da Baía da Praia Grande, que termina na Fortaleza de Nossa Senhora de Bom Parto, aparece a enseada com a Praia do Tanque dos Mainatos, seguindo-se por entre penedos a Baía do Bispo, e contornando a parte Sul da península navegava o vapor bem próximo da Fortaleza da Barra. No entanto, outras fontes referem que a seguir à Baía da Praia Grande havia outras duas, a do Bom Pastor, que da curva de Bom Parto chega à ponta da Santa Sancha e na Praia do Bispo, onde os ingleses do Hotel Bela Vista nadavam, por isso reconhecida também pela formosíssima Praia da Boa Vista. Na ponta Sul da península, a Fortaleza da Barra ou de São Tiago, e à entrada da Barra do porto interior o antiquíssimo Templo de A-Má, divindade protectora dos mareantes. Por fim, antes do vapor atracar numa das três ponte-cais de madeira, surge a Praia do Tanque do Maniato. Sobe agora o barco pelo Porto Interior, um canal do Rio Oeste entre a Ilha da Lapa e a península de Macau, “por entre uma infinidade de grandes lorchas e de pequenos tankás, entre os quais se via um único vapor, o da carreira de Cantão” – observação de Adolfo Loureiro, seguramente não muito diferente da presenciada por Pessanha, que assim chega, aparentemente, são e salvo a Macau. Os companheiros de viagem Entre os perto de quatrocentos passageiros que com Camilo Pessanha viajaram no vapor Heungshan, provenientes do reino, vinham para trabalhar na colónia os senhores António Augusto de Almeida Arez, como delegado do Procurador da Coroa e Fazenda desta Comarca, e Hermano de Castro, farmacêutico, e sua Senhora. Dos nove professores de Liceu nomeados para esta província, chegavam os srs. dr. Horácio Afonso da Silva Poiares, para a 1.ª cadeira, de Língua e Literatura Portuguesa, dr. Camilo de Almeida Pessanha para a 8.ª cadeira, Filosofia Elementar, e o engenheiro civil Mateus António de Lima, para a 2.ª cadeira, Língua Francesa. Este último, pouco tempo depois seria também nomeado Condutor das Obras Públicas, após a exoneração do condutor de segunda classe, o Tenente António Mendes da Silva. Já o quarto professor do Liceu para leccionar a 7.ª cadeira, Geografia e História, João Pereira Vasco, só chegou a Macau a 12 de Maio de 1894, tomando posse dois dias depois. Os restantes cinco professores encontravam-se em Macau pois, pelo Artigo 7.º, “Os lugares de professores das 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª e 9.ª cadeiras serão providos em indivíduos, funcionários do Estado em Macau, de reconhecida aptidão para as disciplinas que hajam de professar, sendo preferidos os que tiverem já prática do magistério das mesmas disciplinas”. Viajava também com os três professores do Liceu o Cónego Francisco Pedro Gonçalves, ex-reitor do Seminário de S. José, mas este, oito dias depois, a 18 de Abril seguiu para Singapura no cargo de Superior das Missões. Após três horas de navegação, encosta o vapor no cais ponte da carreira de Hong Kong. Haveria alguém à espera de Camilo Pessanha e dos outros dois professores? É provável que sim, mas desconhecendo esse facto, pois que ninguém a isso se refere, terão sido tratados do modo como ocorreria ao comum passageiro.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO Seminário-Liceu de Macau [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] instituição de ensino secundário Liceu foi criada em Portugal no reinado de D. Maria II pelo então ministro Passos Manuel, em Novembro de 1836. Resolução para colmatar a lacuna existente nos cursos secundários, anteriormente quase exclusivamente ministrados pelas Ordens e Congregações Religiosas, mas extintas em Portugal por decreto de 28 de Maio de 1834 de Joaquim António de Aguiar e em Macau, só a 19 de Setembro de 1835. Repetia-se o que se passara por ordem do Marquês do Pombal com a expulsão da Companhia de Jesus, efectivada em Macau no ano de 1762 e que veio fechar os estabelecimentos jesuítas como a Universidade, no Colégio de S. Paulo e o Seminário de S. José, fundado em 1728 e onde funcionava o ensino primário e secundário. D. Frei Alexandre de Gouvea, eleito Bispo de Pequim e sagrado em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1783, veio para Macau e ao passar por Goa visitou o Seminário de Chorão, então regido pelos lazaristas, onde convidou dois padres da Congregação da Missão para irem dirigir o Seminário de S. José em Macau, ficando este assim restabelecido em 1784 e confiado aos lazaristas como Colégio de S. José. No advento do Liberalismo, os lazaristas aderiram ao constitucionalismo, mas este movimento em 23 de Setembro de 1823 foi substituído pelo conservador Conselho de Governo, presidido pelo Bispo de Macau, Frei Chacim e os lazaristas protestaram, sendo presos em 4 de Outubro três professores do Colégio de S. José. Joaquim Afonso Gonçalves e Luís Álvares Gonzaga fugiram para Manila, regressando poucos anos depois, talvez em 1825, onde continuaram a leccionar como seculares no Real Colégio de S. José (o antigo Seminário), que agora tinha na direcção o Padre Nicolau Rodrigues Borja. O Colégio voltou a funcionar, mas sem a regularidade anterior, contando com novos padres vindos de Portugal. Por aí passou Jerónimo José da Mata, primeiro, em 1826 como aluno, onde terminou os seus estudos e nos anos trinta do século XIX como professor. Eram as “grandes reformas do Liberalismo, com a introdução de órgãos mais especializados de supervisão do ensino. Início do ensino secundário, público e privado, em Macau”, segundo Aureliano Barata que adita, “O Seminário de S. José foi suspenso em 1845, sendo os seus alunos distribuídos pelos diferentes vicariatos da Congregação da Missão de S. Vicente de Paulo ou lazaristas, na China. No Colégio apenas ficou o Padre Joaquim Leite, que continuou a ensinar Latim, vindo a falecer em 1854. O Colégio de S. José reabriu em 6 de Janeiro de 1857, existindo também aí a instrução primária, que a 3 de Novembro de 1858 o Governador Isidoro Guimarães propôs reunir com a Escola Principal de Instrução Primária, o que não foi aceite. Já a Nova Escola Macaense, idealizada pelo Barão de Cercal, António Alexandrino de Melo e inaugurada a 5 de Janeiro de 1862, contou com três professores contratados na Metrópole, mas, ao terminarem os contratos feitos por seis anos, fechou em 21 de Outubro de 1867. Já como Bispo de Macau, D. Jerónimo José da Mata ao encontrar no Colégio de S. José apenas um aluno interno e outros oito ou nove externos, em 1862 pediu para voltar este estabelecimento de ensino a receber professores jesuítas, pois em 1814 o Papa Pio VII reabilitara a Companhia de Jesus. Chegaram os padres Francisco Xavier Rôndina e José Joaquim da Fonseca Matos a Macau e em dez anos, com um “escolhido corpo docente” transformaram o Seminário numa das melhores e exemplares escolas de toda a Ásia. Atraídos por bons professores de diversas nacionalidades, a afluência de alunos era grande, apesar de a maioria não fazer intenção de seguir a vida sacerdotal e assim, quando terminaram o curso, muitos ocuparam lugares de destaque na Administração. Em Macau, o ensino secundário oficial surgiu em 1870, integrado no Seminário de S. José, segundo Aureliano Barata, referindo que no ano seguinte os missionários estrangeiros daqui foram expulsos. Tal criou graves problemas no funcionamento, pois no Seminário “funcionava não só o ensino liceal mas também uma escola comercial, onde estudavam, nomeadamente, os portugueses de Macau. Esta situação despoletou a comunidade macaense a constituir a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), liderada por homens afazendados de Macau e Hong Kong”. O Seminário-Liceu e a Escola Comercial Sete anos após a fundação da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (A.P.I.M.), tempo necessário para encontrar professores, em 8 de Janeiro de 1878 foi criada a Escola Comercial, que funcionava no edifício do Seminário de S. José, na Colina de Santo Agostinho. Pedro Nolasco da Silva assumiu o cargo de Director e em 1881 também o de Presidente da Associação. Na Escola Comercial havia a Classe Elementar, onde se ensinava Português, Geografia, Aritmética, Catecismo e Inglês e a Classe Superior, com Português, História e Geografia, Inglês, Aritmética, Álgebra, Escrituração Comercial, havendo ainda língua chinesa escrita e falada, Caligrafia e duas vezes por semana rudimentos de ciências naturais. Para se perceber a eficácia da Escola Comercial, o jornal O Independente de 13 de Fevereiro de 1886 refere: “Ninguém duvida que a causa da instrução pública em Macau ganhou muito, imenso, com a fundação da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses e com a sua Escola Comercial. Preparar a mocidade para a única carreira profissional que a habilitasse a ganhar a vida nos escritórios estrangeiros e nacionais, em Hong Kong, em Xangai, nos diversos portos do tratado do Japão, ou mesmo em Singapura e na Austrália, era sem dúvida uma missão digna de patriotas e de pais de família.” Este grande elogio à importância da Escola Comercial e à APIM aconteceu após formados os primeiros alunos do curso e logo terem conseguido emprego em Macau e nos escritórios no estrangeiro, mas também já se sabia do convénio assinado em Junho de 1885, entre Pedro Nolasco da Silva, como presidente da APIM e o Bispo da Diocese de Macau, José Manuel Carvalho, que estipulava serem as aulas da Escola Comercial dadas nas salas do Seminário de S. José, o que veio a acontecer durante dezasseis anos, até 1901. Por Decreto de 22 de Dezembro de 1881 os estudos do Seminário de S. José foram reorganizados e com o nome de Seminário-Liceu de S. José de Macau passou a ter também o ensino comercial, mantendo-se aí a serem leccionadas a cadeira de Náutica e as aulas da Escola Comercial. Aureliano Barata refere: “Desta forma, passaram a existir em Macau duas escolas comerciais”. A APIM tomou então a iniciativa de fundir a sua Escola Comercial com a já existente no Seminário-Liceu de S. José. O Macaense de 1891 refere existirem quase todas as cadeiras de instrução secundária, mas dispersas, sem nexo entre elas; o que se precisa é reuni-las e formar um curso. Percebe-se ter fracassado a reforma do ensino secundário no Seminário-Liceu de S. José e para colmatar tal falha, por Carta Régia de 27 de Julho de 1893 voltou o Ensino a ser organizado, com a criação do Liceu Nacional de Macau.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasA ideia de construir uma larga avenida [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o primeiro número do hebdomadário noticioso, histórico e literário Ta-Ssi-Yang-Kuo (resposta de Mateus Ricci, para dizer de onde vinha: ‘Grande Reino do Mar de Oeste’) de 8 de Outubro de 1863, nas Notícias Diversas e título Alargamento da Cidade refere António Feliciano Marques Pereira: “Quem é que não tem observado que, no Bazar, há uma acumulação de casas e habitantes, muito e muito além do que o local permite”. Já o estudo de Maria Calado, Clara Mendes e Michel Toussant, refere “tal como no século anterior, a cidade portuguesa permanecia organizada em torno das igrejas e conventos, envolvidos por amplos espaços abertos e públicos, em contraste com a zona chinesa, situada a norte, entre Santo Agostinho, São Paulo e o mar. Esta caracterizava-se por quarteirões de forma alongada, cortados por becos e travessas estreitas, era preenchida por habitações de dois pisos, dos quais o inferior era ocupado por comércio familiar e pequenas unidades industriais de carácter artesanal. Os becos correspondiam, em regra, a espaços de circulação de peões, mas como não tinham saída adquiriram uma certa privacidade…”. A actividade dos chineses desenrola-se no Bazar, que enquadrava o Convento de São Domingos e integrava as ruas dos Mercadores, dos Ervanários, das Estalagens e da Palha, segundo refere Pedro Dias. Já o Director das Obras Públicas, o Engenheiro Augusto Abreu Nunes, que chegara a Macau em 1893, pouco tempo antes de Camilo Pessanha, no final da sua comissão arquitectou um plano para “construir uma Avenida larga e espaçosa, que estabeleça uma comunicação directa entre a Rua Marginal do Porto Interior e o centro da cidade, entre estas duas ruas de principal movimento: a rua da Felicidade e a rua das Estalagens; e alargar as comunicações transversais destas três ruas, será sem contestação, um melhoramento de primeira ordem para a Colónia, debaixo de todos os pontos de vista, porque facilitará o comércio e o trânsito e melhoraria as condições higiénicas da cidade, dando ocasião, também, a que se construa um cano colector na Avenida para os esgotos, e canos nas ruas transversais, melhorando assim consideravelmente, o estado deplorável em que se encontra a canalização da cidade. Dado este primeiro passo para o saneamento do Bazar chinês, o que faltará para o pôr completamente em boas condições, efectuar-se-á depois rápida e naturalmente, como consequência deste primeiro melhoramento”. Expropriações Na memória descritiva e justificativa, o engenheiro Augusto Abreu Nunes refere o projecto de construção de uma avenida desde o Largo do Senado até à Rua Marginal do Porto Interior e alargamento das ruas dos Mercadores, do Mastro, do Aterro Novo e travessa da Cordoaria. “As obras que se propõem para realizar este melhoramento consistem pois: na construção de uma Avenida, com 15 metros de largura desde o largo do Senado à rua marginal do porto interior, reservando-se para mais tarde o seu prolongamento até à Praia Grande, por ser mais dispendioso e menos urgente a sua construção, porque são melhores as suas condições de trânsito actual; alargar as ruas dos Mercadores, do Mastro e Aterro Novo, dando-lhes a largura de 10 metros, e prolongar a travessa da Cordoaria até à rua da Felicidade. Estas obras trarão, ainda, como consequência, (sem outra despesas), o alargamento da rua da Caldeira e da parte das ruas do Matapau, Barca da Lenha e Nova d’ El Rei; a abertura dos becos do Professor, do Paralelo, do Louceiro, do Barbeiro, do Cotovelo, do Poço etc. e ainda, a supressão de muitos pátios, de vários moradores cada um, e que são outros tantos focos de infecção que empestam a cidade pela dificuldade de se exercer nelas a devida fiscalização, além da falta de ar e luz que ali existe”. “Para se realizar este melhoramento importantíssimo, é necessário fazerem-se importantes expropriações; mas eu entendo que, sendo este melhoramento quase exclusivamente para utilidade dos chineses, deverão ser eles que devem principalmente pagá-lo, evitando onerar os cofres da Fazenda com despesas para o conseguir e reservando a sua receita para outros melhoramentos de que tanto carece a Colónia e cuja importância não é tão fácil fazer recair sobre eles. “Nesta instrução eu entendi que devia fazer a avaliação das expropriações não tomando por base o rendimento dos prédios, não só porque é completamente desconhecido este rendimento exacto por serem as avaliações das matrizes incorrectas e mal feitas, o que tornaria portanto desigual qualquer avaliação feita sobre este rendimento, mas porque sendo em geral grande o rendimento das propriedades, seria enorme o custo das expropriações calculada sobre esta base. Além disso, esta circunstância poderia impossibilitar o Governo de intentar um melhoramento que sendo de primeira necessidade para o saneamento da Colónia, visitada anualmente pelas epidemias de cólera e peste, traria a meu ver outros prejuízos muito maiores e principalmente para os mesmos indivíduos sobre quem recai estes sacrifícios. Não hesitei por isso em pôr de parte este sistema de fazer as avaliações e limitei-me a fazê-las sobre a base unicamente do valor da construção, como se tem feito até aqui, por motivos análogos. “Creio que se poderá porém compensar as consequências deste modo de fazer as avaliações das expropriações, dando aos proprietários, a quem se fazem as expropriações, a preferência na aquisição dos terrenos que sobrarem dos melhoramentos projectados. “Procedendo deste modo, os terrenos que sobram da abertura e alargamento das ruas poderão ser vendidos depois, por um preço muito mais elevado do que o custo das expropriações, como é natural, por isso que ficam marginando avenidas e ruas largas, bem ventiladas e bem canalizadas, e eu suponho que a importância destes terrenos cobrirá todas as despesas da expropriação e ainda da construção do pavimento e canalização das ruas. “A Avenida projectada, como disse, tem uma largura de 15 metros, mas nesta largura compreende-se a de 2,5 metros que cada lado, as construções devem deixar no pavimento térreo para servir de passeios, cobertos em arcadas, abrangendo as construções estes espaços nos pavimentos superiores, ficando portanto a Avenida com 10 metros de largura para o trânsito de carros entre estes passeios. Para nos convencermos que esta largura é suficiente bastaria dizer que a rua principal, Ducerio Road, em Hong Kong, tem entre os passeios 10,5 metros de largura”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasRiquexós, meio de transporte de Macau [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s jinrichshas surgiram em Macau na primeira metade do ano de 1883 (informação proveniente do jornal O Macaense de 12 de Julho) e dez anos mais tarde, em 1893 o assunto dos Jinrickshas estava na ordem do dia, pois o Leal Senado preparava-se para entregar a um monopólio os cerca de 280 carros de vinte proprietários então existentes. Puxado em cadenciada corrida por cules, vencida a conquista do cliente, o resto do dia era trabalhar para refeição e jogo. Envergando uma cabaia gasta, qual solas dos pés de calcarruar/percorrer travessas estreitas e íngremes ruas, faz o cule o transporte de pessoas e bens, agora ajudado por duas rodas. Quando Adolfo Loureiro chegou a Macau a 15 de Setembro de 1883, já existiam, como se pode constatar, os riquexós, os carros japoneses ou jinrickshas. No entanto, durante a sua estadia de seis meses na cidade não os menciona no seu diário, que veio a dar o livro No Oriente – De Nápoles à China. Refere sim: “Ninguém em Macau anda a pé. Há as cadeirinhas de praça, com tarifas aprovadas pela Câmara, que em Macau se apelida de Leal Senado. Uma pessoa que se preze tem, porém a sua cadeirinha, com os seus dois cules uniformizados. A minha devia ser esplêndida, com vidraças e stores, e os meus culis teriam cabaias e calções brancos, orlados de azul e branco, com os seus grandes chapéus de palha de bambu também pintados de azul e branco”. (…) “Este serviço custar-me-ia: a boa cadeirinha 10 patacas; o fardamento dos dois culis, outras 10; e o salário destes dois homens não passaria também de 10 patacas por mês, e a seco!…” No Projecto de postura municipal aprovado pelo Conselho de Província ao consultar o Boletim Oficial da Província de Macau e Timor n.º 42 de 20 de Outubro de 1883 demos conta terem os condutores de jin rik sha, ou riquexó, da praça de tirar uma licença no Senado para os conduzir, custando essa uma pataca. Tinham também de ter a tabela de preços em português e chinês e o número atribuído pela secretaria do Leal Senado afixado ou pintado num lugar visível. Na licença que se passar a cada jin rik sha será designado o local em que deverá estacionar, e a onde deverá estar colocado por modo que não cause embaraço ao trânsito público, alertando para as ruas que tenham menos de cinco metros de largura, nenhum jin rik sha, embora alugado, poderá estar postado à espera de alugado. Transitando dois em sentidos opostos, cada um dá a sua direita, mas de modo que se não toquem. Têm de se apresentar devidamente asseados, e todo o jin rik shas estando na estação, ou sendo encontrado na via pública desocupado, é obrigado a receber e transportar qualquer pessoa, que se apresentar para esse fim, a qualquer hora do dia ou da noite, pelo preço marcado na tabela, devendo circular à noite com uma lanterna acesa. O cule pode recusar transportar pessoas alcoolizadas. No Boletim Oficial da Província de Macau e Timor n.º 2 de 12 de Janeiro de 1888 refere-se às alterações do regulamento de 1883, entre elas o aumento da licença para 5 patacas e terem os jin rik shas os números escritos tanto na forma portuguesa, como em chinês. Foi neste B. Oficial que ficou proibido os jinrikshas de subirem ou descerem ladeiras ou calçadas íngremes, a não ser se forem conduzidos por dois condutores e estes devem ser homens robustos, que se devem apresentar decentemente trajados. Já quanto à tabela de preços a praticar é a mesma de 1883, isto é, pela primeira hora $0,05 e por cada meia hora mais, $0,05, mas se o percurso de uma hora for para fora da cidade o preço é de $0,10. A única diferença que existe após cinco anos é no transporte de duas pessoas, que em 1883 era aberto mediante o entendimento entre as partes e em 1888, o preço para dois condutores é o dobro. Para o Projecto do Liceu Se a palavra jinricksha não chamou a nossa atenção ao passarmos uma vista de olhos por alto aos dez anos de jornais desse período, a partir de meados de 1893 ela tornou-se uma constante, continuando pelo ano seguinte os artigos sobre esse assunto. Aqui deixamos escrito o que neles recolhemos. O semanário Luso-Chinês Echo Macaense, cujo proprietário e responsável era Francisco H. Fernandes, no dia 1 de Agosto de 1893 publica um artigo com o título Uma Explicação onde refere, “Apresentamos primeiro os motivos que levaram o Leal Senado a dar o passo que deu em monopolizar as licenças para este ramo de indústria que dá uma avultada verba para o orçamento municipal. Há também uns 4 meses o vereador Victorino propôs à câmara o monopolizar essa indústria, se assim se pode chamar, fundando-se nas seguintes razões: 1.º Os carros actuais já estão bem estragados, e a maior parte deles já deviam há muito ter sido condenados. 2.º Estando essa indústria à responsabilidade de um só indivíduo, o serviço de polícia seria mais bem feito. 3.º Os lucros serão o duplo do que actualmente. Essa moção do ilustre senhor foi posta à discussão, e, sujeita à votação, foi julgada ainda inoportuna alegando o presidente que não via grande necessidade de aumentar os impostos, e por conseguinte que ficava essa moção para ser renovada quando fosse necessário. [O Leal Senado rejeitou a proposta para a concessão do exclusivo das licenças de jinrickshas, mas autorizou a elevação da taxa das mesmas, que passou a ser de $15 anuais, o que resultava o aumento da receita que o LS tinha em vista; era Presidente o secretário-geral Alfredo Lello, sendo o Delegado interino do procurador da Coroa e Fazenda Câncio Jorge, o secretário do Conselho Francisco Filipe Leitão e faziam parte também Domingos Clemente Pacheco e Pedro Nolasco da Silva.] Passado tempo, apareceu o projecto do Liceu, a câmara foi convidada a dar um subsídio, e o Leal Senado deliberou dar 5000 patacas; foi então que o ilustre presidente o Sr. Comendador Basto, disse numa das sessões que chegou a ocasião de apresentar a moção do vereador Victorino sobre os jinrickshas, e assim se fez. Nessa ocasião se espalhou por fora que o Leal Senado ia avançar as licenças dos carros jinrickshas e logo apresentou-se um requerimento pedindo a avença das referidas licenças oferecendo à câmara a quantia de $6000 por ano, por tempo de cinco anos, sob as condições que o Leal Senado apresentasse. O Leal Senado demorou ainda o despacho desse requerimento dando assim tempo para que se fizesse um estudo mais profundo sobre o pedido. Uma semana depois apresentou-se um outro requerimento dos actuais proprietários dos carros que são uns 20 indivíduos, alegando que lhes constava que a câmara ia monopolizar os carros jinrickshas e pedia que assim não fizesse, porque isso ia prejudicar os seus interesses, e alegou mais, que muitos para adquirir esses carros venderam e empenharam os seus filhos (chamo para esse período a atenção do delegado da coroa) e que conservassem os carros no statu quo; esse requerimento não chegou a ser apresentado por lhe constar que um dos vereadores sabendo desse requerimento tinha dito que o único despacho sério era mandar com visto ao ministério público.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasConvento e Igreja de Santo Agostinho [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Frade espanhol Francisco Manrique, da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, trabalhava nas Filipinas desde 1575 e aportou em Macau a 1 de Novembro de 1586, dia da festa de Todos os Santos, acompanhado pelos padres Diogo Despinal e Nicolau Tolentino. Comprou uma casa talvez próximo do local onde foi depois construído o Baluarte de Bom Parto e aí, em honra de Nossa Senhora da Graça fundou o Mosteiro de Sto. Agostinho. A 9 de Agosto de 1589, Filipe II de Espanha ordenou a retirada dos religiosos espanhóis de Macau e assim, logo treze dias depois Fr. Miguel dos Santos aqui fundou os agostinhos portugueses, sendo-lhe então entregue o mosteiro. Já em 1591 foi o convento transferido para o actual local, na Colina de Sto. Agostinho, sendo ao lado construída a igreja. Os Agostinhos aí se mantiveram até serem colocados fora de Macau devido ao Legado Pontifício para a China, o Patriarca de Antioquia Charles Thomas Maillard de Tournon, que após publicar em Nanjing a 25 de Janeiro de 1706 um decreto condenando os Ritos de Confúcio sobre o culto dos Antepassados, foi expulso pelo Imperador Kang Xi. Também os religiosos que missionavam na China e comungavam as ideias de Tournon, muitos vieram para Macau e assim, no Império Celeste só se mantiveram os jesuítas. Regressado a Macau em 30 de Junho de 1707, o Patriarca Tournon quis que fosse aplicado aqui o seu decreto, mas o Bispo de Macau, D. João de Casal não só se recusou a publicá-lo, mas ordenou às autoridades eclesiásticas que negassem obediência ao Patriarca. Tal levou a um conflito com troca de excomunhões, colocando-se os Agostinhos e os Dominicanos ao lado de Tournon. “O Cardeal Tournon hospedou-se no convento de Sto. Agostinho de Macau e aqui faleceu a 8 de Julho de 1710”, segundo Benjamim Videira Pires, que refere, “Por isso, os Agostinhos principiaram a perder, desde essa data, o seu prestígio junto do Bispo, do Governador e da população patriota de Macau [todos eles excomungados pelo Patriarca], até serem daqui expulsos em 15 de Janeiro de 1712”. Nessa data, por ordem do Vice-Rei de Goa D. João Rodrigo da Costa, foi retirado aos frades o Convento de Santo Agostinho e a igreja, sendo eles deportados para a Índia em 1717. Por ordem do Rei D. João V, o convento foi devolvido aos Agostinhos em 1721. Batalhão aquartelado “Em Janeiro de 1808, solicitava-se para a corte medidas para a organização de um Batalhão de Infantaria, com exercício de Artilharia, para Macau, com um total de 376 homens, entre oficiais e soldados” segundo Jorge de Abreu Arrimar. Tal se devia à defesa da Colónia contra os piratas e também pelas tentativas dos ingleses de com a pretensão de proteger Macau contra os franceses tentarem ocupá-la. Assim, o Batalhão Príncipe Regente foi criado a 13 de Maio de 1810 e “os soldados que o compõem, são para ali enviados da Capital da Ásia Portuguesa, os quais, sobre serem os piores que produz aquela Região, se tornam, pela mudança do clima, de uma repugnante nulidade”, segundo o Tenente-coronel José Guimarães e Freitas. Essa guarnição militar de 39 praças, enviada da Índia pelo Vice-Rei, chegou a Macau a 15 de Junho de 1823 e foi aumentada com a mocidade macaense para um número próximo dos 400. Tinha também o cargo de polícia da cidade, ou melhor, a Polícia servia-se desses militares. O Bispo de Macau colocou dificuldades para ser o aquartelamento instalado no edifício do antigo Colégio de S. Paulo, desocupado pela pombalina expulsão dos jesuítas e por sugestão do Senado, aprovada pelo Rei, foram colocadas duas Companhias no antigo quartel e outras duas, na Fortaleza do Monte. No amplo Convento de Santo Agostinho, devido aos poucos frades que nele residiam, foi aquartelado o Batalhão Príncipe Regente, provocando em 30 de Março de 1829 um protesto da parte do provincial da Ordem em Goa. Mas aí ficou ainda aquartelado por mais dois anos, pois a 14 de Abril de 1831 encontrando-se o Convento em estado de ruína, passou o Batalhão para o Colégio de S. Paulo, <tanto por ser Edifício da Real Fazenda, como nenhum edifício se oferece melhor>. A 26 de Janeiro de 1835, devido ao incêndio no Colégio de S. Paulo, que devorou todo o edifício e a igreja, restando apenas a fachada, voltou o Batalhão a ocupar o Convento de Santo Agostinho. Com a definitiva vitória dos Liberais em 1834 e o decreto de Joaquim António de Aguiar a extinguir as Ordens e Congregações religiosas do território português e o sequestro de todos os seus bens, em Macau deu-se o abandono dos conventos pelos frades em Setembro de 1835. O Governo apossou-se do Convento de Sto. Agostinho, para onde voltou o Batalhão, mas a 13 de Maio de 1837, o seu comandante queixava-se que dentro do convento chovia <como na rua, em todas as Companhias>. A escola No Convento de Sto. Agostinho esteve até 1846 o Batalhão Príncipe Regente, tendo o Bispo de Macau Jerónimo José da Mata a 5 de Julho de 1845 solicitado a concessão do edifício para nele estabelecer uma casa de educação para a mocidade do sexo feminino. Por se encontrar esse edifício hipotecado ao fundo do Recolhimento de Santa Rosa, por vinte mil patacas, o Governador achou por bem fazer essa transacção <que desse o duplicado resultado de constituir o dito Recolhimento possuidor daquele edifício, com o fim indicado, e de ficar a Fazenda aliviada do encargo correspondente ao valor dele>. Assim, a 10 de Agosto de 1846 o Convento de Sto. Agostinho foi transformado em escola de meninas. O Recolhimento de Santa Rosa de Lima em 21 de Dezembro de 1848 passou a ter na direcção as Filhas de Caridade de S. Vicente de Paula e como estava destinado à educação das meninas órfãs, aí se juntou com a escola feminina, até que em 1857, o Recolhimento e os seus rendimentos foram transferidos para o Mosteiro de S. Clara. Com essa saída, o Convento de Sto. Agostinho albergou em 1857 o Corpo de Polícia, onde se encontrava também o Hospital Militar, que aí esteve até à inauguração do Hospital Conde de S. Januário, em 6 de Janeiro de 1874. O Corpo de Polícia manteve-se no Convento, até que em 18 de Janeiro de 1879, o Governador Carlos Eugénio Correia o dissolveu e criou em seu lugar a Guarda Policial de Macau, ficando aí aquartelada a 1.ª Divisão. O Convento em 1886 foi de novo reparado devido à sua péssima construção, permanecendo a 1.ª Divisão da Guarda Policial até 4 de Outubro de 1893, quando se mudou para o Quartel de S. Francisco, preparando-se o antigo Convento para servir de instalações ao Liceu. Em 1894, o Liceu de Macau, apesar de provisoriamente instalado no Convento de Sto. Agostinho, nele ficou até ao final do ano lectivo de 1899/1900, sendo em meados de 1900 transferido para a Calçada do Governador (hoje do P. Luís Fróis, S.J.). Em ruínas, o Convento de Santo Agostinho foi depois comprado por Artur Basto (1873-1935, filho primogénito de António Joaquim Basto), que o transformou em sua residência. Com a sua morte (a 11 de Março de 1935) foi adquirido pela Companhia de Jesus e serviu de casa de repouso aos jesuítas sobre o nome Residência de Nossa Senhora de Fátima, actual Vila Flor.