O hóspede do Hing Kee

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ercorridas pelo centro da cidade as estreitas ruas cimentadas, desde a Visconde de Paço d’ Arcos, no Porto Interior, até à Praia Grande, podia na escassa luz de um primeiro dia de estadia Camilo Pessanha visualizar a extensa baía com árvores plantadas, sombreando o mar, a murmurar no granito da muralha. O aterro, que estendera a Praia Grande até ao Bom Parto, fora realizado em 1869 e a rua arborizada. Árvores que seriam derrubadas por ventos tufónicos em 1883.

Na altura era Governador de Macau, Tomás de Sousa Rosa (1883-1886) que, ao Director das Obras Públicas, Capitão de engenharia José Horta e Costa, deu ordem para ser refeito o paredão da marginal e, no passeio, plantar de novo as árvores. Em 1894, ainda estas não haviam adquirido grande porte, sendo a Baía da Praia Grande o lugar europeu de Macau, com três fortes, uma série de esplêndidas mansões e onde se situavam as sedes de muitas das companhias comerciais, bem como o Palácio do Governo e outras repartições, entre elas os Correios.

A Rua da Praia Grande estava dividida por duas freguesias: a de S. Lourenço e a da Sé. Começa na Rua do Chunambeiro e até à Calçada de Santo Agostinho pertence a S. Lourenço. Seguindo daí, já na paróquia da Sé, chega à Estrada de S. Francisco. Apesar de toda a rua ter 55 casas, perdera em vinte anos algumas na freguesia de S. Lourenço, mas ganhara outras na Sé. Tal deveu-se ao seu prolongamento desde a Rua do Campo, onde em 1874 começava a Rua do Passeio, nome que desapareceu a favor da Rua da Praia Grande, quando esta a ocupou até à Estrada de S. Francisco.

À Rua da Praia Grande vinha dar, junto a São Francisco, o cano real, que começava no antigo Hospital de S. Rafael. O eng. Sousa Horta e Costa escreve num Boletim da Província de Macau e Timor de 1886:

“(…) fiz no novo bairro da Horta da Mitra, onde os canos cruzando-se como uma rede, e aumentando sucessivamente de secção, vão desaguar no cano geral da rua Thomaz Roza, que recebe também directamente as águas da parte da montanha do hospital, e vai levá-las ao grande cano, que passa na rua do Campo, que urge modificar, e que é um dos mais importantes de Macau.”

Da Colina de Santo Agostinho para Sul, chega-se à Rua da Praia Grande por transversais calçadas e travessas provenientes da Rua Central, o núcleo comercial da cidade. A meio da baía e próximo do Fortim de S. Pedro repousava o Hotel Hing Kee. Era um prédio urbano, com a fachada principal virada a Leste para a Rua da Praia Grande e o número de porta 65, dando as traseiras para a Rua da Sé, com a porta de serventia no número 8.

Não sabemos se ainda era assim ou se o edifício já contava com dois andares, de varanda corrida e vinte e quatro arcos e dez janelas gradeadas de ferro nos gudões (armazém, adega) com duas portas juntas uma à outra e uma porta lateral, tudo na Praia Grande, e uma porta traseira que dava para a Travessa Nova, que parte do Largo das Flores e situa-se na Rua da Sé.

Hospedado no Hing Kee até ao final do ano de 1895, pagava então Camilo Pessanha “quarenta patacas por mês – cama, roupa e mesa, mas sem direito a vinho, que, conforme conta a seu pai, custava um quarto de pataca por garrafa”, como refere Luís Andrade de Sá, que segue, “um preço suficientemente tentador para ter convencido também colegas de Pessanha, chegados com ele a Macau, como os professores de Geografia e de Francês”. João Pereira Vasco, o professor de Geografia, chegará mais tarde.

Este hotel, nos finais do século XIX inícios do seguinte, está para o Hotel Metrópole dos anos 80 e 90 do século XX, pois aí ficaram a residir muitos dos requisitados à Metrópole, até alugarem casa. “E o que mais encantava aos ‘exilados’ era justamente o sortilégio de certas noites, em que as águas se polvilhavam da farinha branca do luar e a brisa do sul trazia indefinidos odores tropicais”, segundo palavras de Emílio de San Bruno [pseudónimo literário de Filipe E. Paiva (1871-1954), Oficial da Armada], no seu romance O Caso da Rua Volong, cuja acção decorre em Macau nos primeiros anos do século XX. E com ele continuando, “Não era um Hotel de luxo, mas havia em todos os seus serviços, o conforto sólido, sadio, disciplinado e limpo do Hotel inglês”.

Registo de um hotel

Sobre o hotel, Henrique de Senna Fernandes no seu livro Mong-Há escreve um capítulo com o nome Hotel Riviera. Puxando da memória, pois só nos lembramos das coisas quando estas desaparecem, refere:

“Um dos edifícios sacrificados ao camartelo dos construtores civis foi o decrépito Hotel Riviera e não foi sem tristeza que o vimos cobrir-se de andaimes e da ola da demolição, os dobres finais duma morte inglória. É que, para o velho residente da terra e para os seus naturais, aquele edifício hoteleiro estava irmanado a muito evento social e histórico e todas as figuras importantes dos últimos cem anos pisaram os seus salões, ponto obrigatório onde antigamente convergiam todos os estrangeiros e todos aqueles que vinham da Metrópole ou doutras partes do Ultramar prestar serviço a estas paragens.

“Quando se inaugurou o hotel? (…)  posso afirmar que o casarão, ali pelas alturas de 1880, mais ano menos ano, começou por ser Hing Kee’s Hotel, sob a direcção de Pedro Hing Kee…”

Pelo registo de propriedade de 23 de Junho de 1883, ficamos a saber que o chinês Fong Rong Xi, negociante residente nesta cidade, apresentou a escritura de 21 do corrente mês lavrada nas notas do tabelião e ser este edifício de um andar, com um pátio à entrada na Rua da Sé e com um jardim para o lado da Praia Grande, contendo nove janelas no andar superior e um terraço no centro e quatro quartos com a frente para a Praia Grande.

Ainda nesse ano, a 17 de Setembro sobre o hotel escreve o Eng. Adolfo Loureiro:

“Fiquei hoje definitivamente instalado nos meus aposentos que são completamente independentes e mobilados conforme as minhas indicações. Na varanda coberta lá estão as frescas e cómodas cadeiras de rota; no salão, uma grande mesa para estender plantas e desenhos, estantes, secretárias, pequena mesa para quando quiser almoçar ou jantar no meu quarto, etc., no quarto de cama, um leito enorme de armação, mesas, toilettes, guarda-roupas, cabides; finalmente, uma pequena galeria envidraçada, dando para um pátio interior, e nela uma fresca sala de banho, com uma daquelas banheiras chinesas de barro, com esmaltes, que fazem lembrar as antigas tinas de banho gregas ou romanas. Estou optimamente instalado, e encontro no dono do hotel, que é um china cristão, o maior desejo de me ser agradável.

“(Pedro Hing Kee,) o bom chinês, com o seu ar muito prazenteiro, cara redonda e cheia, olhos pequenos e vivos, linguagem estranha e curiosíssima, mostrou o melhor desejo de ser-me agradável e de condescender com todas as minhas exigências. Foi ele também que se incumbiu de mandar fazer a minha equipagem.

“Ninguém em Macau anda a pé. Há as cadeirinhas da praça, com tarifas aprovadas pela câmara que, em Macau, se apelida Leal Senado. Uma pessoa que se preza tem, porém, a sua cadeirinha, com os seus dois culis uniformizados. A minha devia ser esplêndida com vidraça e stores, e os meus culis teriam cabaias e calções brancos, orlados de azul, com os seus grandes chapéus de palha de bambu também pintados de azul e branco. Já se vê que o meu hospedeiro era todo patriota, com decidido fraco pelas cores nacionais. (…) “Este serviço custar-me-ia: a boa cadeirinha 10 patacas, o fardamento dos dois culis outras 10; e o salário destes dois homens não passaria também de 10 patacas por mês, e a seco! (…) O jantar foi servido com profusão, com boa ordem e com uma cozinha, meio inglesa, meio portuguesa, que me não desagradou”.

Vivia-se muito bem no Hotel de Pedro Hing Kee em 1883. Mas onze anos depois, quando Camilo Pessanha, outro funcionário metropolitano, ali se hospeda, durante um ano e meio, pouco sabemos do que mudara. Pedro Hing Kee continua à frente do negócio, o edifício terá já mais um andar, quando o poeta ocupa um dos seus trinta quartos, mas… sem principescas mordomias auferidas pelo engenheiro Adolfo Loureiro, que se encontrava em Macau a fazer estudos sobre a viabilidade da construção de um dique, para obrigar as águas a deslocarem-se para um curso mais restrito, empurrando a corrente para norte da Ilha Verde e daí, rio abaixo, para a foz.

Com a construção do Istmo da Ilha Verde, em 1890, parecia ficar resolvido o problema do assoreamento no Porto Interior que, em vinte anos tinha perdido metade da sua profundidade, atingindo em 1883 apenas 1,7 metros. Agora, em poucos anos, volta a assorear..

Pessanha no Hing Kee

Luís Andrade de Sá escreve:

“O negócio do chinês Pedro Hing Kee assentava ainda numa política de baixos preços que inviabilizava outros projectos de co-habitação, tentados por funcionários deslocados em Macau, como o sistema de república – onde não se vive mais barato, pois a única que existe, onde estão os sobrinhos do Carvalhais, o Praça e um empregado da Fazenda, vai dissolver-se vindo todos viver para o Hotel por em casa gastarem muito mais, comenta Camilo Pessanha em carta dirigida a seu pai. O Hing Kee com as suas atracções, como um cravo, que Pessanha pensa excedentário de algum convento, e tigres-bebés, comprados pelo patrão, permite ainda ao descendente do almirante genovês uma efémera trégua nas agruras que, desde o início, se lhe deparam em Macau. As moiras esbeltas, acompanhadas dos maridos com turbante, um pintor austríaco que todos os dias partia, de cavalete às costas, para a Gruta de Camões, as valsas dançadas ao som do velho cravo, tornaram-se as referências que com maior simpatia descreve dos seus primeiros tempos de Macau. (…)

“Camilo Pessanha chegou a queixar-se dos grupos de ingleses que, embriagados, se punham ‘às patadas’ no chão dos quartos não o deixando dormir. A barulheira acontecia aos sábados quando os ingleses vinham de Hong Kong e Cantão para o fantã mas ao poeta também era permitido desfrutar dos favores de uma ou outra pi pa chai [pêi-pá-t’chai ou cantadeira: mulher geralmente jovem e bonita que tocava um instrumento de cordas (pi-pa ou pei-pa) e cantava nas casas de chá e bares de Macau] no conchego do seu quarto. (…)

“Para os não frequentadores do Clube União, mais tarde (em 1902) Clube de Macau, ou do Grémio Militar, era ali, no hotel, o centro do cavaco e dos boatos, das intrigas palacianas e ‘chuchumequices’ dos bairros, na pasmaceira colonial do cabo do mundo. Havia comensais, um ou outro estrangeiro que arribava à aventura, os old China hands, título dado aos ingleses com pelo menos doze anos de experiência e actividade comercial na China, oficiais de marinha ou do exército solteiros quando não viviam em ‘repúblicas’, algum funcionário público metropolitano, ainda desgarrado e sem vida instalada. Os macaenses, em geral, preferiam as comodidades do serão e da cozinha em suas casas, e os boémios, os mistérios e os eflúvios do Bazar”.

Quando mais tarde, em 12 de Maio de 1894, João Pereira Vasco chega a Macau, também aí se instala. E continuando com Luís Andrade de Sá: “como chega a vir a público na imprensa de Macau – ‘o próprio padre Narciso, jogando uma noite no Hotel do Hing Kee (no Hotel do Hing Kee, notem!) não a manilha ou o solo mas a batota (até às três da madrugada, notem mais!) ganhou ao Sr. João Pereira Vasco umas setenta patacas!’. Com batota ou sem ela, era uma casa familiar a hospedaria do Hing Kee, embora nem sempre bem vista devido à sua frequência”.

No final do ano de 1895, Camilo Pessanha deixa o Hotel pois este vai entrar em obras de ampliação. Estas ocorrerão em 1896 e, devido à morosidade dos trabalhos, muitos dos hóspedes resolvem mudar-se. As descrições, feitas por Adolfo Loureiro em 1883 e Emílio de San Bruno nos primeiros anos do século XX, estão separadas por vinte anos e, nesse espaço temporal, o Hing Kee sofreu transformações, tanto internas como externas. Por isso, só ajustando todas essas imagens, incluindo as fotográficas, se consegue imaginar como era no período em que Camilo Pessanha ali esteve hospedado.

No Registo de propriedade número 1291, no Averbamentos n.º 1 de 24 de Julho de 1899 é referido:

“É de dois andares x(mais)x varanda corrida com vinte e quatro arcos de dois andares e dez janelas gradeadas de ferro nos gudões com duas portas juntas uma à outra, uma porta lateral um número, tudo na Praia Grande e uma porta traseira que dá para a Travessa Nova e confronta de norte com a villa xxx da casa número sessenta e sete xxx com a Tesouraria do edifício dos Correios xxx do mesmo 15 da Praia Grande, de Leste com a rua da Praia Grande e do oeste com a Travessa Nova. 24 de Julho de 1899. Mendes xxx.”

Por volta de 1900, encontra-se no Tourist Book de Hong Kong o seguinte anúncio:

“Macao Hing Kee’s Hotel – A perfectly new Building – 30 bedrooms – A confortable family Hotel – Five Minutes from the Wharves steamer – Every thing of the Best – Charges very moderate.”

Como é normal em Macau, Abril dá início à estação das chuvas, apresentando um céu permanentemente encoberto. No entanto, em 1894, quando Camilo Pessanha chega, encontra dias abrasadores e a cidade a sofrer de seca, consequência da falta de chuva, não havendo água nas fontes e na maior parte dos poços.

Segundo relata o jornal Echo Macaense, a água chega a vender-se a cinco avos por pinga (dois baldes ordinários). A monção, que no tempo da vela permitia navegar num mês de Malaca para a China, entre Abril e Agosto, nesse ano de 1894 tarda e a espera está difícil de aguentar. Só em meados de Maio aparece a chuva, acompanhada de trovoadas, o que leva “as fontes e poços a começarem a prover-se de água”.

28 Jul 2017

Primeiro olhar de Pessanha sobre Macau

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o riquexó, puxado por um cule que agarrava os varais para levantar a cadeira pelo eixo das rodas, Camilo Pessanha prepara-se agora para partir da Rua do Visconde de Paço d’ Arcos, assim chamada desde 15 de Novembro de 1882, quando até então era designada apenas por Rua Marginal do Porto Interior. A vontade era de continuar para Sul, pois os aterros, desde as Portas do Cerco até ao Largo do Pagode da Barra, foram feitos entre 1867 e 1869, quando a uma parte dessa marginal rua foi dado o nome de Avenida António Sérgio.

Um dos lados da via tinha uma berma num dos ramos do Rio Oeste e na outra edifícios de dois andares, cujo rés-do-chão se encontrava recuado. Eram, normalmente lojas ou armazéns, quase todos relacionados com os negócios marítimos, ficando o andar superior destinado a residência. Em túnel, esse passeio permite aos transeuntes resguardarem-se da chuva e aos comerciantes exporem fora das lojas os produtos. Tal arquitectura, dos finais do século XIX, é conhecida por Kei Lau, sendo especial da área de Lingnan, que compreende as províncias de Fujian, Guangdong, Guangxi e Hainão, no Sudeste da China.

A Pessanha não faltaria a vontade de seguir pela tão apelativa estrada marginal, onde desembarcara vindo de Hong Kong, encontrando-se próximo o cais do barco de Cantão, seguido por um outro, onde se descarregavam as mercadorias provenientes da província de Guangdong. Terá imaginado essa idílica viagem, quando está ainda na Rua do Visconde de Paço d’ Arcos, que em 1882 tinha 26 prédios, começava na Rua do Guimarães e acabava na Rua do Miguel Ayres. Já o Cadastro de 1906 refere esta rua, conhecida em chinês por Pa-su-ta-ni-ku-kae, na freguesia de Santo António, com 34 prédios, a começar e acabar na Rua do Guimarães, onde ficavam os cais dos vapores Mao-cheong, do Ying-king, do Fat-on, do Ung-cheong, do Tai-on e do Hong-sam. Mental viagem a circundar pela marginal até à Praia Grande, só em 1910 poderá realizar.

Plano para mais tarde

O percurso que Pessanha estava prestes a começar a fazer, já a 1 de Novembro de 1890 estava descrito no jornal O Macaense:

“Quem desembarca do vapor de Hong Kong, no porto interior, e quer vir à Praia Grande, tem de atravessar um dédalo de ruas estreitas e imundas, orladas por casas de paredes escuras e tristes. Há principalmente uma travessa muito estreita, junto à Rua de Felicidade por onde têm de passar todos os que quiserem transitar em jenrickshas. É tão estreita que um homem de braços abertos não pode passar por ela. É ela a Travessa do Tintureiro (Tai Pang Hong), ou Travessa do Falcão, com menos de cem metros que, começando no Largo do Senado, termina na Rua dos Mercadores.

Houve em tempos um projecto bastante grande de fazer uma larga avenida, que partindo do Largo de Caldeira no porto interior, viesse acabar na Praia Grande, passando pela frente do edifício do Leal Senado. Para esse fim seria preciso expropriar um bom número de casas chinesas, e uma parte da casa que é actualmente o Hotel Hing-kee, e calculava-se que seriam necessários $30 000. Não pedimos agora tão grandiosa obra. Por enquanto talvez bastaria modificar a Rua de Felicidade, alterando-a gradualmente desde o seu começo na Rua Marginal (Rua do Visconde de Paço d’ Arcos), para torná-la transitável para jinrickshas, que agora não podem subir a ladeira que a vem ligar com a Rua dos Cules. Os prédios da Rua de Felicidade pertencem a uma sociedade de negociantes abastados, que são bastante condescendentes. Não será difícil persuadi-los a converter, as que hoje servem de lupanares, em lojas mais asseadas e com frontarias mais alegres, com o que eles virão finalmente a lucrar. Essa transformação não poderá deixar de ser lentamente feita, mas se o governo melhorar aquela rua de modo que a torne mais frequentada, os proprietários por seu próprio interesse irão transformando os prédios, enxotando dai os lupanares.”

O capitalista chinês Vong Loc formara uma Companhia, a 绍昌堂 (Shao Chang Tang), que adquiriu a Fábrica de Processamento de Chá Pereira, com a frente para a Rua da Alfândega e traseiras situadas junto à água, e comprou as antigas casas em redor do Beco de Matapau e por aterro, no início dos anos 60 do século XIX foi construída a Rua Nova da Felicidade Abundante, em chinês Fok Long San Kai.

Nessa nova zona do Porto Interior, que compreendia a Rua da Felicidade, Beco, Travessa e Pátio da Felicidade, Pátio do Aterro, Rua da Caldeira, Travesso do Bazar Novo, Rua do Bocage, Travessa das Virtudes, Travessa do Auto Novo, foram construídas mais ou menos 160 lojas. Em 1864, a Companhia desfez-se devido aos sócios estarem desanimados, pois as lojas continuavam vazias e Vong Loc comprou-as todas, mudando o nome à Companhia para 集成堂 (Ji Cheng Tang), tornando-se então o maior proprietário de Macau.

Trinta anos depois, à estreita Rua da Felicidade, de casas com portas de espaldar e tijolos cinzentos, virá Camilo Pessanha com ela iluminada pelos candeeiros vermelhos a indicar os coulaus (restaurantes) para apreciar a música das pei pa tchai, mulheres assim chamadas por tocarem pei pa (pipa), um instrumento musical de quatro cordas e cantarem pela noite dentro. Vestindo um qipao (túnica), eram preparadas para agradar aos comensais.

Segundo o que o Engenheiro Director das Obras Públicas Augusto Abreu Nunes descreve a 11 de Fevereiro de 1903:

“As ruas mais importantes que cortam o Bazar e estabelecem a ligação entre ele, a rua Marginal e o centro da cidade, na direcção Leste/Oeste são: a Rua da Felicidade e a Rua das Estalagens, duas ruas estreitas, tortuosas, tendo em alguns pontos a máxima largura de 6,5 metros! Estas ruas são ligadas transversalmente por outras, em piores condições ainda: a Rua dos Mercadores, a do Mastro, a do Aterro Novo, etc., chegando nestas travessas a haver largura de 3 metros e não sendo a maior nunca superior a 7 metros. Resulta deste estado do Bazar, uma aglomeração enorme de casas de negócio, e portanto de gente e carros pelas ruas, que se atropelam constantemente, dificultando o trânsito e o comércio. A estes inconvenientes acresce, como consequência, que as condições higiénicas daquele recanto são deploráveis, isto é: uma falta de ar e luz em todas as habitações, becos e ruas, e um fétido insuportável por toda a parte”.

Para chegar ao Largo do Senado

A Rua do Visconde Passos d’ Arcos tinha à sua frente a oblíqua Rua do Corte Real (Co-ti-li-ha-kai), que termina junto à Rua Nova do Comércio no cruzamento com a Rua do Guimarães. Fosse essa a opção, logo na Rua do Guimarães começa a Rua do Matapau, que permite atingir a Rua dos Mercadores e daí seguir depois pela Travessa dos Tintureiros até à Praça do Senado, cruzamento com a Rua da Cadeia. Se escolhesse prosseguir um pouco para Sul, pela Rua do Visconde Passos d’ Arcos, até onde acaba a Rua do Guimarães, poderia entrando pela Rua da Caldeira, pequeno porto (caldeira) aterrado em 1875, prosseguir pela Rua da Felicidade e cortando para a esquerda, a Rua do Aterro Novo, onde virando para a direita, encontra a Rua do Matapau (a dos marceneiros), para chegar à Rua dos Mercadores.

Fora de hipótese era escolher ir para Norte, pois o percurso era bem mais longo e ficava fora de mão. Mas se tal ocorresse, encontrava a Rua da Madeira, que depois de cruzar com a Rua do Guimarães e com a Rua Nova de El-Rei (actual 5 de Outubro), um pouco mais adiante apareceria as travessas da Cordoaria e do Pagode, seguindo até à Rua do Mastro. Também para aí chegar havia, antes do Largo de Matapau, a Rua do Pagode, que seguia paralela à Rua da Madeira. Já da Rua do Mastro para chegar à Rua dos Mercadores havia para quem circulava pela Rua do Pagode, desviando um pouco para a direita, a Travessa das Portas, sendo no entanto muito estreita e por isso, só a pé tinha passagem. Duas outras estreitíssimas travessas faziam a ligação da Rua do Mastro para a Rua dos Mercadores, a dos Becos e a Travessa dos Mercadores.

Outro percurso era continuar ainda mais para Norte pela Rua do Guimarães, seguir até ao Largo do Matapau (Largo do Pagode do Bazar onde se encontra o Templo de Hóng Kông e começa a Rua Nova de El-Rei, actual Cinco de Outubro) e daí, pela relativamente larga para a época Rua das Estalagens, seguir até à dos Mercadores. A ligar a Rua dos Mercadores com o Largo do Senado, existia a Rua da Palha, que dá ao Largo de S. Domingos, onde se situa o Quartel com o mesmo nome, instalado no antigo Convento. Contíguo a esse largo está o Largo do Senado.

De referir, como o Padre Manuel Teixeira nota, que o Bairro de S. Domingos iria em breve ser totalmente remodelado pelo Director das Obras Públicas eng. Abreu Nunes. Na altura, ainda se estava à espera do projecto para o Mercado de S. Domingos, devorado por um incêndio a 15 de Novembro de 1893 e para o qual só em 19 de Julho de 1904 foi aberto concurso para a obra de construção. A venda dos produtos era desde então feita na Travessa do Soriano, que estava transformada num lugar imundo, um depósito de detritos orgânicos, um verdadeiro foco de infecção.

Do Senado para a Praia Grande

A viagem, feita em corrida num passo miúdo e cadenciado, avança por entre outros carros, sendo usada a voz como buzina. Camilo Pessanha, ao cruzar pelo triangulado e aprazível Largo do Senado, já não verá o “grandioso, soberbo e extraordinário urinol dos cupidos, que com tanta arte e perfeição aí existira. Era uma obra pitoresca, admiravelmente arquitectada”, que daí tinha sido acabada de retirar, como refere um jornal de 31 de Março de 1894.

Já toda a zona ocupada pelos edifícios da Santa Casa da Misericórdia (Igreja Visitação de Nossa Senhora, Cartório e Casa dos Expostos, que em 1883 estavam em risco de ruína) no Largo do Senado, em 1888 tinha sido remodelada. Foram abertas ruas, construído um novo Cartório e renovadas as casas de habitação com rés-do-chão e primeiro andar aí existentes, onde em 1893 e durante cerca de um ano no n.º 14 do Largo do Senado teve Sun Yat-sen o seu consultório.

Do Largo do Senado havia duas vias para chegar ao Hotel Hing Kee, na Praia Grande. Entrepunha-se no caminho um pequeno outeiro a partir da Travessa dos Anjos e subindo passava pelo Largo da Sé até ao início da Rua Central, de onde mais íngreme nascia um cortinado de colinas trepando para Sul, atingindo o ponto mais alto na Colina da Penha. Pertencia essa cadeia montanhosa ao corpo do Dragão da cidade.

Para atingir o Largo da Sé, vindo da Rua de S. Domingos, as travessas do Bispo e de S. Domingos e desde o Largo do Senado, através da Rua do Roquete até à Rua da Sé. Do Largo da Sé onde o Paço Episcopal e a Catedral se encontram, descendo pela Calçada de S. João entra-se na Rua da Praia Grande, onde virando para a direita, um pouco adiante estava o hotel. A Calçada de S. João era usada para enviar o peixe aos vendedores que esperavam e ansiavam por um novo Mercado de S. Domingos. A meio da Calçada S. João, à direita de quem desce e na continuação da Rua Formosa, existe o Pátio das Flores, talvez então com ligação à Travessa Nova (situada na Rua da Sé), que servia as traseiras das casas da Praia Grande.

Mas mais rápido para chegar ao hotel era pela Rua do Gonçalo subindo o outeiro até ao começo da Rua Central e nesse cruzamento, onde também vinha acabar a Rua da Sé, descer pela Calçada do Governador para a Rua da Praia Grande.

A opção foi pela Rua do Gonçalo e o riquexó, puxado pelo cule descalço, trepou aquele lanço em declive até ao começo da Rua Central, junção com a Calçada do Governador. Nesse cruzamento, uma patrulha da polícia controla os cules que puxam os jinrickshas pois, não lhes sendo permitido conduzir esses carros com passageiros na subida e descida da Rua Central, os transgressores eram multados. Assim se evitavam os repetidos e contínuos desastres que até 1893 iam ocorrendo em calçadas mais ou menos íngremes. O jornal Echo Macaense, de 29 Agosto de 1893 escrevia:

“Como se sabe, a ordem, que insensatamente havia sido dada para se vedar o trânsito pela Rua Central a indivíduos que fossem de carro puxado por um só chinês, foi afinal, em consequência sem dúvida dos repetidos clamores da imprensa local, modificada no sentido de não se permitir que subam ou desçam aquela rua, senão aos carros que conduzam mais de um adulto, sendo tirado por um cule. Sem embargo, porém, dessa modificação, bastante razoável, continuam a fazer-se ouvir queixas contra a patrulha da Rua Central, sendo raras as reuniões onde se não comente este ou aquele incidente, ocorrido na mencionada rua”.

Na descida da Calçada do Governador, Pessanha encontra de frente o Fortim de D. Pedro. O riquexó, travado pelo cule ao chegar à Praia Grande, desvia para a esquerda e quando atinge o hotel já a luz do dia esmorece. Partira de Hong Kong no vapor Heungshan às duas da tarde e anoitecia quando desce do riquexó completamente extenuado. Tem, no entanto, antes de antes de avançar para a porta do hotel, a tentação de admirar a belíssima baía com a sua graciosa curva de 1300 metros de extensão. Espreitando, não se via passagem para lá do Baluarte do Bom Parto.

21 Jul 2017

Camilo Pessanha desembarca em Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] calendário marcava 10 de Abril de 1894 quando, por volta das cinco da tarde, encostava ao cais do Porto Interior o vapor Heungshan vindo de Hong Kong.

Pouco tempo medeia entre a chegada do novo Governador da Província de Macau e Timor, o Capitão de engenharia José Maria de Sousa Horta e Costa (1858-1927), e do professor do Liceu: apenas duas semanas. Mas se era a primeira vez que Camilo Pessanha vinha a Macau, já o engenheiro Horta e Costa conhecia bem o território, pois fora empossado a 2 de Novembro de 1885 Director das Obras Públicas de Macau, posto que ocupara até 2 de Novembro de 1888. Assim, quando em 24 de Março de 1894 pela primeira vez “assume o cargo de governador, Horta e Costa sabia muito bem quais os interesses locais e os jogos de poder, o orçamento de que dispunha e as ligações político-administrativas que teria de manter com o Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar, sem esquecer a frente diplomática como Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto de Sua Majestade o Imperador da China e Rei de Sião”, segundo refere António Aresta.

Acompanhado pela sua esposa Adelaide Silvano, o Governador, nomeado por decreto de 23 de Dezembro de 1893, partira de Lisboa a 18 de Fevereiro e chegara a Macau entre 22 a 24 (referindo o jornal Echo Macaense, talvez por engano, o dia 27) de Março, sendo transportado pela canhoeira Bengo, que o fora esperar no dia 21 a Hong Kong. Desembarcara no Cais do Governador, fronteiriço ao Palácio das Repartições Públicas, na Baía da Praia Grande, que muito jeito teria dado a Camilo Pessanha, pois o hotel onde iria ficar hospedado era logo ali ao lado. No entanto, o professor, como todas as comuns pessoas, fôra desembarcado no Porto Interior.

A peste em Guangdong

Tivesse Camilo Pessanha chegado em Maio e teria de passar pela inspecção sanitária, feita ainda no próprio barco pois, tal como Cantão, Hong Kong padecia já no pesadelo da peste bubónica, apesar de Macau se ter mantido livre de tal calamidade. O primeiro caso aparecera na última semana de Março num distrito pobre de Cantão, perto da porta Sul e nos primeiros dias de Maio manifestava-se já em Hong Kong. Por isso, todos os passageiros que vinham da então colónia britânica e da província de Guangdong eram inspeccionados na fronteira por um dos dois médicos navais, o dr. Novais ou dr. Homem de Carvalho, ali em serviço diário durante seis horas ininterruptas para fazerem a despistagem da terrível epidemia.

Quem gostava de aparecer para vistoriar as passageiras estrangeiras era Ho-Lin-vong e Hip-Lui-sen que, a 22 de Junho de 1894 “entraram no vapor Heungshan juntamente com o sr. Chefe de Saúde, mostrando a sua autoridade na vigilância da inspecção dos passageiros, serviço de que se acha encarregado o sr. dr. Gomes da Silva. Este estado de coisas não pode continuar. É um desprestígio à autoridade que desempenha este trabalho e um motivo para os preponderantes alegarem serviços que não prestam nem podem prestar. Que vão inspeccionar os flower-boat do rio”, como refere no dia seguinte o jornal O Independente.

De salientar continuarem em vigor em Setembro, as medidas preventivas contra a peste. Ainda em Junho, os chineses de Macau realizavam procissões com as suas divindades, percorrendo as ruas com andores para a cidade se conservar livre da terrível peste. Fôra para debelar um surto de varíola e de cólera, provenientes de Hong Kong que, em 1888, entrara na cidade a divindade Na Tcha. A estátua desse deus criança, um menino travesso dotado de poderes sobrenaturais, passeara pelas ruas de Macau e os residentes, por ele protegidos, dedicaram-lhe dois templos.

Chegadas

Ao desembarcarem no Porto Interior, no cais ponte feita em madeira, logo os passageiros eram apanhados pela frenética actividade e rebuliço do bazar chinês. De lembrar que ainda não existia a Avenida Almeida Ribeiro.

“O comércio dos chineses é principalmente na rua do porto interior e no Bazar; na rua do porto interior faz-se a carga e descarga das inúmeras lorchas e outros barcos que demandam o porto, principalmente do peixe salgado, e no Bazar é onde os chineses tem os seus principais estabelecimentos de comércio, as casas públicas, onde eles tratam os seus negócios, as casas de jogo e colaus [restaurantes] que frequentam diariamente”, segundo refere o director das Obras Públicas, o eng. Augusto Abreu Nunes, também ele recém-chegado a Macau, a 14 de Dezembro de 1893, e ainda nomeado pelo Governador da Província Custódio Miguel de Borja, em 12 de Janeiro de 1894 para o cargo de Inspector de Incêndios.

Depois do eng. Abreu Nunes, chegara a 22 de Janeiro, com a esposa e um filho, o dr. Álvaro Maria Fornelos, que vinha ocupar o cargo de Procurador dos Negócios Sínicos, interlocutor com o governo chinês. Em Fevereiro desse ano, o Administrador do Concelho das Ilhas da Taipa e Coloane e Comandante da Fortaleza da Taipa, o sr. Tenente João de Sousa Carneiro Canavarro era promovido a Capitão graduado.

Os cules, trabalhadores chineses assalariados, em Macau desempenhavam o papel de serviçais ou de criados por conta própria que, desde 1858, estavam integrados numa companhia e organizados corporativamente.

Mal o vapor proveniente de Hong Kong encostava ao cais de madeira, os inúmeros cules, trajados com cabaias gastas e imundas, acocorados na companhia de um cachimbo de bambu esfumando pequenas porções de tabaco durante a espera, num salto levantavam-se e precipitavam-se pelo barco dentro para descarregarem as bagagens dos passageiros. Fora, outros cules junto aos seus alugados, velhos e sujos riquexós, esperavam na praça o cliente, na esperança de conseguir a maquia suficiente para passar o resto do dia a trabalhar em lucro, refeição e jogo.

Descendo do barco, com o corpo ainda a ondular, os assarapantados passageiros eram logo envolvidos pelos cules que, na tentativa de encontrar quem transportar, alimentavam o reboliço e a algazarra no Porto Interior.

Os riquexós

O cule coloca os varais no chão para permitir a Camilo Pessanha sentar-se na cadeira do riquexó e, após este instalado, levanta-os, preparando-se para partir. Provavelmente a bagagem era transportada noutro riquexó, por outro cule, já que nesse tempo em Macau ainda não havia automóveis. Existia a zorra, um carro baixo, com quatro rodas pequenas e grossas, para transportar objectos pesados. Em vias de desaparecer estavam as cadeirinhas, sem rodas, pois, para além do preço ser mais caro, eram mais vagarosas e desconfortáveis.

Os riquexós, na linguagem oficial eram denominados jerinxá, ou jinrickshas, o nome japonês de onde a ideia deste tipo de transporte deve ter aparecido. No Japão, eram esses “carrinhos de duas rodas e varais ligeiros, puxados em corrida vertiginosa por homens designados por koruma”, como refere Ladislau Batalha.

Em Macau, os riquexós surgiram na primeira metade de 1883 e desde então começaram a substituir as cadeirinhas, pois traziam a vantagem pela economia de tempo e dinheiro. Eram puxados por cules e se até 1894 havia vinte e tantos proprietários para os cerca de 280 carros, nesse ano foram eles preteridos, tendo o Senado entregue a um monopólio, que tomou conta desse negócio.

Passa um cule aguadeiro a vender água aos recém-chegados, mas Camilo não se atreve a provar, guardando para mais tarde, quando deixasse a estadia do hotel, beber a água da bica do Lilau (designação então da Fonte do Nilau, ou do Lilau).

A água que a cidade consumia era preferencialmente de três fontes ou, com pior qualidade, a dos poços. À chegada de Camilo Pessanha, em 1894, os poços seriam à volta de 600 particulares, dentro dos muros das habitações, e aproximadamente 140 públicos, ou comuns a muitos moradores, não sendo então ainda obrigatório os poços encontrarem-se com as bocas rodeadas de uma grade de ferro e terminar superiormente em chapa de pequena largura de modo a não servir para alguém aí se sente, ou se ponha de pé, quando tirar água, o que só vai ser legislado pelo Código de Posturas de 1896. Proveniente das fontes do Lilau, da Inveja e da Flora, a água era recolhida e transportada por cules aguadeiros, reunidos desde 30 de Outubro de 1858 numa Companhia, que a entregavam a cada um dos bairros, cobrando dinheiro pelo frete do seu transporte. Já sobre a qualidade da água potável, Macau não vai conseguir resolver esse problema durante a vida de Camilo Pessanha.

Em cima do riquexó e ajustado o preço, que andaria pela dezena de avos até ao Hotel Hing Kee, no outro lado da cidade, num relance terá avistado as águas do Rio Oeste.

Camilo Pessanha não sabia estar na ordem do dia o assunto dos jinrickshas, pois o Leal Senado preparava-se (concurso realizado a 26 de Junho de 1894) para licitar a entrega desse negócio a um monopólio. Os até então proprietários dos carros tinham visto em Janeiro as taxas a pagar ao Leal Senado aumentadas para $23,50 por ano, assim como aparecera publicado no Boletim Oficial a faculdade conferida ao Leal Senado de determinar as dimensões de cada carro.

Queixava-se o repórter do jornal O Independente, de 13 de Janeiro de 1894, “o esquecimento dos ilustres edis de ao mesmo tempo fixarem o máximo do preço do aluguer que os proprietários dos carros têm direito a exigir aos condutores, a fim de que estes não ficassem à mercê da exploração daqueles. Esquecia-se essa postura de publicar a relação das calçadas íngremes que não sejam conduzidas por dois homens. Assim quem ia pagar o aumento da taxa eram os utentes”.

De referir ter sido o aparecimento do projecto do Liceu, ao convidar a câmara a participar com um subsídio, deliberando o Senado dar 5000 patacas, que levou o seu Presidente, o sr. Comendador Basto, a dizer numa das sessões ter chegado a ocasião de apresentar a moção do vereador Victorino sobre o monopólio dos jinrickshas. Assim, quando Pessanha aqui chegou, estava essa entrega a ser preparada, sendo à partida conhecido quem ia ficar com o negócio.

O difícil primeiro contacto com os estrangeiros recém-chegados, pela falta de palavras para se fazer entender e captar o cliente, o cule no levantar a voz espera conseguir, pelos poucos sons reconhecidos, dar os nomes dos hotéis desejados. Fácil quando se tratava de passageiros ocidentais pois eram então apenas dois, o Boa Vista e o Hing Kee.

Os hotéis para estrangeiros

O Hotel Boa Vista era propriedade desde Março de 1891 do inglês William Edward Clarke, capitão do vapor Heungshan. Fora inaugurado a 1 de Julho, após ser ampliada a casa da família Remédios, construída por volta de 1870 e onde esta continuava a residir, servindo também como local de hospedagem para muito do pessoal das companhias estrangeiras que operavam em Macau. Este hotel, situado no Chunambeiro, na Rua do Tanque do Mainato (hoje Rua do Comendador Kou Hó Neng), encontrava-se num morro protegido desde 1622 pelo então já desmantelado (desde 1892) Baluarte de Bom Parto, mas ainda sem ter sido parcialmente destruído, como veio a acontecer em 1910. O baluarte fora construído sobre as ruínas do cemitério dos Agostinhos, onde teriam os missionários espanhóis desta Ordem Religiosa edificado o seu mosteiro em 1586.

Sobre a Praia do Bispo, o Hotel Boa Vista foi gerido até 1894 pela família Remédios, sendo a clientela maioritariamente britânica e era o único (segundo a propaganda) com um estatuto de verdadeiro hotel na cidade. Mas, devido ao progressivo e cada vez mais rápido assoreamento do Porto Interior, após a mudança do vapor Heungshan pelo Kiu Kiang, de menor calado e péssimo serviço a bordo, o capitão inglês William Edward Clarke deixou de poder estar presente no seu hotel e durante as travessias publicitar o Boa Vista, sobretudo aos compatriotas que de Hong Kong vinham passar o fim-de-semana.

Já o hotel concorrente, o Hing Kee, hospedava os portugueses à chegada a Macau mas, após se familiarizarem com a cidade, mudavam-se para as suas próprias casas. No entanto, sabia-se ficar a estadia no hotel mais em conta do que alugar uma casa e nem mesmo nas “repúblicas”, casas alugadas por várias pessoas, os custos eram menores.

Ao escutar “Hing Kee”, essa familiar sonoridade eleva-se sobre o ruído, sobre a barafunda que em frente ao cais do vapor, por momentos se dissolve para de novo se voltar a ouvir. Na postura, os cules captam os clientes e procuram proporcionar-lhes a tranquilidade de alguém ter compreendido os seus desejos. A comunicação é sustentada pela empatia e o esforço de compreender e articular os nomes em português dos lugares normalmente requeridos pelos passageiros a transportar. Camilo Pessanha entrava em Macau e, num ápice, dava por si a rolar.

14 Jul 2017

A viagem de Camilo Pessanha até Macau

Camilo Pessanha chegou pela primeira vez
a Macau no dia 10 de Abril de 1894

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]amilo de Almeida Pessanha, em Coimbra onde nascera, formou-se em Direito em 1892 e após um breve período de advocacia em Óbidos, seguiu para Macau nomeado, por Boletim Oficial de 10 de Fevereiro de 1894, professor do Liceu dessa cidade no Extremo Oriente. Fora um dos 39 professores a concurso, aberto a 19 de Agosto de 1893 pela Secretaria do Ministério da Marinha e Ultramar, para leccionar no Liceu Nacional de Macau ainda por inaugurar pois fôra fundado a 27 de Julho desse ano.

No Echo Macaense de 29 de Agosto de 1893, com o título Echos da Metrópole, refere-se terem as Cortes encerrado a 15 de Julho e depois disso mandado proceder ao concurso para provimento dos lugares de professores do Liceu de Macau. O sr. Silva Bastos, secretário particular do Ministro das Obras Públicas concorreria à cadeira de História, sendo possível vir a ser nomeado secretário do mesmo liceu. Mas esta era uma notícia prematura, escreve o jornal, porquanto a escolha do ocupante desse posto dependia do corpo docente e tinha de ser aprovada pelo Governo de Lisboa, ainda sobre proposta do respectivo Governador de Macau. Desabafa o redactor:

“Oxalá que na escolha dos professores não predominem os empenhos, recaindo a nomeação em indivíduos que não possuem outros merecimentos senão o de serem afilhados deste ou daquele trunfo político.”

José Horta e Costa, então deputado por Macau, advogara a criação do liceu nessa cidade e José Azevedo foi informado que se Pessanha não tivesse participado numa reunião do Partido Progressista (na altura encontrava-se no poder o Partido Regenerador, mas tal não era grave já que os dois partidos tinham um pacto e governavam Portugal alternadamente sobre orientação de Inglaterra) a sua nomeação estava garantida, como conta Daniel Pires.

Ainda assim conseguiu, a 18 de Dezembro, ser um dos quatro escolhidos. Com 26 anos, Camilo Pessanha parte então de Portugal, contratado como Professor do Liceu Nacional de Macau, estabelecimento de ensino que ia abrir as portas para colmatar o espaço vazio das Humanidades, num tempo em que a educação escolar apenas se destinava a preparar os jovens para o mundo do trabalho na área comercial.

Outra notícia do Echo Macaense, de 29 de Agosto de 1893, refere o que se diz em Lisboa acerca do provimento do Governo de Macau, mas as informações não são concordantes pois constara há tempos que ia ser nomeado para Governador o sr. Ferreira de Almeida. No entanto, uma outra versão garantia que “este sr. vai ser nomeado para Macau, mas para dali ser transferido para Cabo Verde e ocupando o seu primeiro lugar o sr. Horta e Costa”.

Este último pertencia nessa altura a uma comissão que estudava as causas da depreciação da moeda de prata na Índia e em Macau. Formularam-se quesitos respeitantes a Macau e Timor para se adoptar como unidade monetária a pataca, subsidiária em prata e cobre, sendo daí calculados os vencimentos dos funcionários públicos. Já quanto à Índia, “não se tomou resolução, aguardando-se o parecer de Inglaterra com respeito aos efeitos da crise da prata nas suas colónias ultramarinas”.

A viagem, a bordo do navio espanhol Santo Domingo, iniciara-se a 19 de Fevereiro de 1894. Depois de cinco dias em Barcelona, o navio levou apenas mais dois até atracar em Port-Said, no Egipto. Cruzando os 162 km do Canal do Suez (inaugurado a 17 de Novembro de 1869), desembocava agora no Mar Vermelho onde, nos umbrais do Oceano Índico, aportou em Adém (na Arábia Feliz, actual Iémen, então na dependência do Comissariado da Província Britânica da Índia). Depois atravessou o Mar Arábico até Colombo, no Sri Lanka, onde permaneceu apenas por duas horas.

O vapor espanhol seguiu então pelo Estreito de Malaca até Singapura e daí para Manila. Camilo Pessanha chegou a Macau no dia 10 de Abril de 1894, mas será pela viagem feita em Janeiro desse ano pelo novo Procurador dos Negócios Sínicos, Álvaro Maria Fornelos, que conseguimos desfazer a dúvida sobre o percurso dos barcos desde Manila até Macau: iam primeiro a Hong Kong e, noutra embarcação, seguia-se até ao porto de Macau, que sofria de um adiantado estado de assoreamento.

Com apenas cinquenta anos, Hong Kong era já o principal porto dos vapores provenientes da Europa.

Viagem de Hong Kong para Macau

Camilo Pessanha, às duas da tarde de 10 de Abril de 1894, embarcara muito provavelmente no vapor Heungshan para Macau. Este barco da Hong Kong, Canton & Macau Steamer Co. Ltd., capitaneado pelo inglês William Edward Clarke, já por várias vezes ficara encalhado no Porto Interior devido ao assoreamento e por isso nos jornais da época era publicada pelo secretário da Companhia, T. Arnord, a tabela das horas de partida de Hong Kong para Macau nos meses de Maio a Agosto do referido vapor.

Para se perceber o insólito e excepcional procedimento que a companhia Hong Kong & Macau Steam Boat tinha com os habitantes de Macau, o jornal político e noticioso O Independente, cujo redactor principal era José da Silva, apelava a 25 de Julho de 1891 que esta reconsiderasse a sua atitude:

“Já não é pouco a elevada tarifa de passagem entre Macau e Hong Kong, uma distância de 38 milhas, por 3 patacas, se a compararmos com o mesmo preço para a passagem entre Hong Kong e Cantão, que é mais do que o duplo da distância. (…) Note-se que entre Macau e Hong Kong o principal elemento servido pela companhia é português, enquanto no outro trajecto não o é. Este tratamento diferencial é já por si só injustíssimo e repugnante. A companhia é inglesa. Como regra, paga aos seus empregados portugueses menos do que aos empregados ingleses. Se quisermos fazer sobressair esta grande diferença, basta lembrar que pagava ao seu secretário português, Costa, umas 300 patacas por mês, enquanto ao seu sucessor, o inglês Arnhold, que não vale mais do que valia o Sr. Costa, paga 700 patacas mensalmente. Assim a poderosa companhia quando paga a um português, paga menos, quando recebe de um português, exige mais, com a circunstância agravante de que ela sabe muito bem, até pelos jornais da colónia, onde tem a sua sede, que se fartam de o dizer que os portugueses estão pobres. É talvez por isso que os explora, porque, em geral, é à custa dos desgraçados e infelizes que os avarentos argentários se opulentam. Sobre esta injustíssima exploração lembrou-se ainda de proibir aos seus empregados o encargo de pequenas encomendas, como é uso fazer-se em todos os navios mercantes que traficam na China, para cobrar, ela, em seu proveito, uns 10 avos por cada pequeno pacote. Ainda neste caso foi só em Macau e portanto, e especialmente, no elemento português que a companhia quis acertar, o que é sobre maneira revoltante. (Não esquecer que os mais antigos aliados de Portugal, os ingleses em 11 de Janeiro de 1890 tinham-lhe feito um Ultimatum, o que provocara um protesto nacional pelo roubo das terras africanas entre Angola e Moçambique.) Não pedimos aos directores portugueses, que há na companhia, que exerçam a sua influência a fim de que se acabe com este procedimento injusto e até vexatório, porque bem sabemos que, em se tratando dos seus compatriotas, são aqueles senhores directores lusitanos os primeiros a atacá-los e amesquinhá-los…”

Macau à vista

Pessanha mergulha nas primeiras imagens de Macau: são de montes e são de praias que, num iniciático momento, se misturam, pois ainda desconhece os nomes do que avista do barco ao contornar a península.

Mais tarde saberia o nome daqueles lugares e assim, apresentando a primeira visão, apareceu-lhe, ao passar pela Enseada das Portas do Cerco, a Praia da Areia Preta, então usada para piqueniques pela nata da sociedade macaense. Uma escondida e pequena ilha demarcava-se, enquanto o barco seguia a Sul e se postava o forte edificado, em 19 de Fevereiro de 1852, na Colina de D. Maria II, sobranceiro à Praia de Cacilhas.

Vagueando o olhar e terminada a praia, situada na base do Ramal dos Mouros, dava agora pelo Monte da Guia e, sempre a trepar, até à parte mais alta do cume, dentro da Fortaleza depara com a plataforma onde um provisório farol de madeira aproveita o antigo aparelho de iluminação, enquanto espera ser um dia reconstruído e retomar a sua traça original.

Em baixo, sob a Praia da Guia, a Chácara do Leitão, onde por vezes Pessanha, na companhia do proprietário, Francisco Filipe Leitão, haveria de espairecer. Levantando os olhos, no alto da Colina de S. Januário, observa o Hospital Militar Conde de S. Januário, inquilino recente a ocupar o lugar do Baluarte de S. Jerónimo, construído por volta de 1622 pela muralha proveniente da Fortaleza do Monte e que nesse local fazia uma mudança da trajectória para Sul. Então já demolido, restava parte da muralha a descer até à Fortaleza de São Francisco (a ocupar o lugar do convento franciscano demolido em 1864), ao nível do mar.

À sua frente e sobre as águas, a Bateria 1.º de Dezembro, construída em 1872 e remodelada em 1888. Continuando a estibordo, apresenta-se-lhe a belíssima baía, enfeitada de um elegante casario. Alguém aponta em direcção a um fortim, chamado de S. Pedro, erguido na altura em que se construíram as muralhas da cidade e demolido, tal como a Bateria 1.º de Dezembro, por razões urbanísticas, em 1934, sempre presentes no quotidiano das cinco estadias em Macau de Camilo Pessanha.

À direita do Fortim de S. Pedro está o hotel onde se irá hospedar e, recuando um pouco, a moradia que muito mais tarde virá a ser a sua alugada residência e onde viverá até à morte. Após a passagem da Baía da Praia Grande, que termina na Fortaleza de Nossa Senhora de Bom Parto, aparece a enseada com a Praia do Tanque dos Mainatos, seguindo-se por entre penedos a Baía do Bispo, e contornando a parte Sul da península navegava o vapor bem próximo da Fortaleza da Barra. No entanto, outras fontes referem que a seguir à Baía da Praia Grande havia outras duas, a do Bom Pastor, que da curva de Bom Parto chega à ponta da Santa Sancha e na Praia do Bispo, onde os ingleses do Hotel Bela Vista nadavam, por isso reconhecida também pela formosíssima Praia da Boa Vista.

Na ponta Sul da península, a Fortaleza da Barra ou de São Tiago, e à entrada da Barra do porto interior o antiquíssimo Templo de A-Má, divindade protectora dos mareantes. Por fim, antes do vapor atracar numa das três ponte-cais de madeira, surge a Praia do Tanque do Maniato. Sobe agora o barco pelo Porto Interior, um canal do Rio Oeste entre a Ilha da Lapa e a península de Macau, “por entre uma infinidade de grandes lorchas e de pequenos tankás, entre os quais se via um único vapor, o da carreira de Cantão” – observação de Adolfo Loureiro, seguramente não muito diferente da presenciada por Pessanha, que assim chega, aparentemente, são e salvo a Macau.

Os companheiros de viagem

Entre os perto de quatrocentos passageiros que com Camilo Pessanha viajaram no vapor Heungshan, provenientes do reino, vinham para trabalhar na colónia os senhores António Augusto de Almeida Arez, como delegado do Procurador da Coroa e Fazenda desta Comarca, e Hermano de Castro, farmacêutico, e sua Senhora. Dos nove professores de Liceu nomeados para esta província, chegavam os srs. dr. Horácio Afonso da Silva Poiares, para a 1.ª cadeira, de Língua e Literatura Portuguesa, dr. Camilo de Almeida Pessanha para a 8.ª cadeira, Filosofia Elementar, e o engenheiro civil Mateus António de Lima, para a 2.ª cadeira, Língua Francesa. Este último, pouco tempo depois seria também nomeado Condutor das Obras Públicas, após a exoneração do condutor de segunda classe, o Tenente António Mendes da Silva. Já o quarto professor do Liceu para leccionar a 7.ª cadeira, Geografia e História, João Pereira Vasco, só chegou a Macau a 12 de Maio de 1894, tomando posse dois dias depois.

Os restantes cinco professores encontravam-se em Macau pois, pelo Artigo 7.º, “Os lugares de professores das 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª e 9.ª cadeiras serão providos em indivíduos, funcionários do Estado em Macau, de reconhecida aptidão para as disciplinas que hajam de professar, sendo preferidos os que tiverem já prática do magistério das mesmas disciplinas”.

Viajava também com os três professores do Liceu o Cónego Francisco Pedro Gonçalves, ex-reitor do Seminário de S. José, mas este, oito dias depois, a 18 de Abril seguiu para Singapura no cargo de Superior das Missões.

Após três horas de navegação, encosta o vapor no cais ponte da carreira de Hong Kong. Haveria alguém à espera de Camilo Pessanha e dos outros dois professores? É provável que sim, mas desconhecendo esse facto, pois que ninguém a isso se refere, terão sido tratados do modo como ocorreria ao comum passageiro.

7 Jul 2017

O Seminário-Liceu de Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] instituição de ensino secundário Liceu foi criada em Portugal no reinado de D. Maria II pelo então ministro Passos Manuel, em Novembro de 1836. Resolução para colmatar a lacuna existente nos cursos secundários, anteriormente quase exclusivamente ministrados pelas Ordens e Congregações Religiosas, mas extintas em Portugal por decreto de 28 de Maio de 1834 de Joaquim António de Aguiar e em Macau, só a 19 de Setembro de 1835. Repetia-se o que se passara por ordem do Marquês do Pombal com a expulsão da Companhia de Jesus, efectivada em Macau no ano de 1762 e que veio fechar os estabelecimentos jesuítas como a Universidade, no Colégio de S. Paulo e o Seminário de S. José, fundado em 1728 e onde funcionava o ensino primário e secundário. D. Frei Alexandre de Gouvea, eleito Bispo de Pequim e sagrado em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1783, veio para Macau e ao passar por Goa visitou o Seminário de Chorão, então regido pelos lazaristas, onde convidou dois padres da Congregação da Missão para irem dirigir o Seminário de S. José em Macau, ficando este assim restabelecido em 1784 e confiado aos lazaristas como Colégio de S. José.

No advento do Liberalismo, os lazaristas aderiram ao constitucionalismo, mas este movimento em 23 de Setembro de 1823 foi substituído pelo conservador Conselho de Governo, presidido pelo Bispo de Macau, Frei Chacim e os lazaristas protestaram, sendo presos em 4 de Outubro três professores do Colégio de S. José. Joaquim Afonso Gonçalves e Luís Álvares Gonzaga fugiram para Manila, regressando poucos anos depois, talvez em 1825, onde continuaram a leccionar como seculares no Real Colégio de S. José (o antigo Seminário), que agora tinha na direcção o Padre Nicolau Rodrigues Borja. O Colégio voltou a funcionar, mas sem a regularidade anterior, contando com novos padres vindos de Portugal. Por aí passou Jerónimo José da Mata, primeiro, em 1826 como aluno, onde terminou os seus estudos e nos anos trinta do século XIX como professor. Eram as “grandes reformas do Liberalismo, com a introdução de órgãos mais especializados de supervisão do ensino. Início do ensino secundário, público e privado, em Macau”, segundo Aureliano Barata que adita, “O Seminário de S. José foi suspenso em 1845, sendo os seus alunos distribuídos pelos diferentes vicariatos da Congregação da Missão de S. Vicente de Paulo ou lazaristas, na China. No Colégio apenas ficou o Padre Joaquim Leite, que continuou a ensinar Latim, vindo a falecer em 1854.

O Colégio de S. José reabriu em 6 de Janeiro de 1857, existindo também aí a instrução primária, que a 3 de Novembro de 1858 o Governador Isidoro Guimarães propôs reunir com a Escola Principal de Instrução Primária, o que não foi aceite. Já a Nova Escola Macaense, idealizada pelo Barão de Cercal, António Alexandrino de Melo e inaugurada a 5 de Janeiro de 1862, contou com três professores contratados na Metrópole, mas, ao terminarem os contratos feitos por seis anos, fechou em 21 de Outubro de 1867.

Já como Bispo de Macau, D. Jerónimo José da Mata ao encontrar no Colégio de S. José apenas um aluno interno e outros oito ou nove externos, em 1862 pediu para voltar este estabelecimento de ensino a receber professores jesuítas, pois em 1814 o Papa Pio VII reabilitara a Companhia de Jesus. Chegaram os padres Francisco Xavier Rôndina e José Joaquim da Fonseca Matos a Macau e em dez anos, com um “escolhido corpo docente” transformaram o Seminário numa das melhores e exemplares escolas de toda a Ásia. Atraídos por bons professores de diversas nacionalidades, a afluência de alunos era grande, apesar de a maioria não fazer intenção de seguir a vida sacerdotal e assim, quando terminaram o curso, muitos ocuparam lugares de destaque na Administração.

Em Macau, o ensino secundário oficial surgiu em 1870, integrado no Seminário de S. José, segundo Aureliano Barata, referindo que no ano seguinte os missionários estrangeiros daqui foram expulsos. Tal criou graves problemas no funcionamento, pois no Seminário “funcionava não só o ensino liceal mas também uma escola comercial, onde estudavam, nomeadamente, os portugueses de Macau. Esta situação despoletou a comunidade macaense a constituir a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), liderada por homens afazendados de Macau e Hong Kong”.

O Seminário-Liceu e a Escola Comercial

Sete anos após a fundação da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (A.P.I.M.), tempo necessário para encontrar professores, em 8 de Janeiro de 1878 foi criada a Escola Comercial, que funcionava no edifício do Seminário de S. José, na Colina de Santo Agostinho. Pedro Nolasco da Silva assumiu o cargo de Director e em 1881 também o de Presidente da Associação. Na Escola Comercial havia a Classe Elementar, onde se ensinava Português, Geografia, Aritmética, Catecismo e Inglês e a Classe Superior, com Português, História e Geografia, Inglês, Aritmética, Álgebra, Escrituração Comercial, havendo ainda língua chinesa escrita e falada, Caligrafia e duas vezes por semana rudimentos de ciências naturais. Para se perceber a eficácia da Escola Comercial, o jornal O Independente de 13 de Fevereiro de 1886 refere: “Ninguém duvida que a causa da instrução pública em Macau ganhou muito, imenso, com a fundação da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses e com a sua Escola Comercial. Preparar a mocidade para a única carreira profissional que a habilitasse a ganhar a vida nos escritórios estrangeiros e nacionais, em Hong Kong, em Xangai, nos diversos portos do tratado do Japão, ou mesmo em Singapura e na Austrália, era sem dúvida uma missão digna de patriotas e de pais de família.” Este grande elogio à importância da Escola Comercial e à APIM aconteceu após formados os primeiros alunos do curso e logo terem conseguido emprego em Macau e nos escritórios no estrangeiro, mas também já se sabia do convénio assinado em Junho de 1885, entre Pedro Nolasco da Silva, como presidente da APIM e o Bispo da Diocese de Macau, José Manuel Carvalho, que estipulava serem as aulas da Escola Comercial dadas nas salas do Seminário de S. José, o que veio a acontecer durante dezasseis anos, até 1901.

Por Decreto de 22 de Dezembro de 1881 os estudos do Seminário de S. José foram reorganizados e com o nome de Seminário-Liceu de S. José de Macau passou a ter também o ensino comercial, mantendo-se aí a serem leccionadas a cadeira de Náutica e as aulas da Escola Comercial. Aureliano Barata refere: “Desta forma, passaram a existir em Macau duas escolas comerciais”. A APIM tomou então a iniciativa de fundir a sua Escola Comercial com a já existente no Seminário-Liceu de S. José. O Macaense de 1891 refere existirem quase todas as cadeiras de instrução secundária, mas dispersas, sem nexo entre elas; o que se precisa é reuni-las e formar um curso. Percebe-se ter fracassado a reforma do ensino secundário no Seminário-Liceu de S. José e para colmatar tal falha, por Carta Régia de 27 de Julho de 1893 voltou o Ensino a ser organizado, com a criação do Liceu Nacional de Macau.

2 Jul 2017

A ideia de construir uma larga avenida

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o primeiro número do hebdomadário noticioso, histórico e literário Ta-Ssi-Yang-Kuo (resposta de Mateus Ricci, para dizer de onde vinha: ‘Grande Reino do Mar de Oeste’) de 8 de Outubro de 1863, nas Notícias Diversas e título Alargamento da Cidade refere António Feliciano Marques Pereira: “Quem é que não tem observado que, no Bazar, há uma acumulação de casas e habitantes, muito e muito além do que o local permite”. Já o estudo de Maria Calado, Clara Mendes e Michel Toussant, refere “tal como no século anterior, a cidade portuguesa permanecia organizada em torno das igrejas e conventos, envolvidos por amplos espaços abertos e públicos, em contraste com a zona chinesa, situada a norte, entre Santo Agostinho, São Paulo e o mar. Esta caracterizava-se por quarteirões de forma alongada, cortados por becos e travessas estreitas, era preenchida por habitações de dois pisos, dos quais o inferior era ocupado por comércio familiar e pequenas unidades industriais de carácter artesanal. Os becos correspondiam, em regra, a espaços de circulação de peões, mas como não tinham saída adquiriram uma certa privacidade…”.

A actividade dos chineses desenrola-se no Bazar, que enquadrava o Convento de São Domingos e integrava as ruas dos Mercadores, dos Ervanários, das Estalagens e da Palha, segundo refere Pedro Dias.

Já o Director das Obras Públicas, o Engenheiro Augusto Abreu Nunes, que chegara a Macau em 1893, pouco tempo antes de Camilo Pessanha, no final da sua comissão arquitectou um plano para “construir uma Avenida larga e espaçosa, que estabeleça uma comunicação directa entre a Rua Marginal do Porto Interior e o centro da cidade, entre estas duas ruas de principal movimento: a rua da Felicidade e a rua das Estalagens; e alargar as comunicações transversais destas três ruas, será sem contestação, um melhoramento de primeira ordem para a Colónia, debaixo de todos os pontos de vista, porque facilitará o comércio e o trânsito e melhoraria as condições higiénicas da cidade, dando ocasião, também, a que se construa um cano colector na Avenida para os esgotos, e canos nas ruas transversais, melhorando assim consideravelmente, o estado deplorável em que se encontra a canalização da cidade. Dado este primeiro passo para o saneamento do Bazar chinês, o que faltará para o pôr completamente em boas condições, efectuar-se-á depois rápida e naturalmente, como consequência deste primeiro melhoramento”.

Expropriações

Na memória descritiva e justificativa, o engenheiro Augusto Abreu Nunes refere o projecto de construção de uma avenida desde o Largo do Senado até à Rua Marginal do Porto Interior e alargamento das ruas dos Mercadores, do Mastro, do Aterro Novo e travessa da Cordoaria.

“As obras que se propõem para realizar este melhoramento consistem pois: na construção de uma Avenida, com 15 metros de largura desde o largo do Senado à rua marginal do porto interior, reservando-se para mais tarde o seu prolongamento até à Praia Grande, por ser mais dispendioso e menos urgente a sua construção, porque são melhores as suas condições de trânsito actual; alargar as ruas dos Mercadores, do Mastro e Aterro Novo, dando-lhes a largura de 10 metros, e prolongar a travessa da Cordoaria até à rua da Felicidade.

Estas obras trarão, ainda, como consequência, (sem outra despesas), o alargamento da rua da Caldeira e da parte das ruas do Matapau, Barca da Lenha e Nova d’ El Rei; a abertura dos becos do Professor, do Paralelo, do Louceiro, do Barbeiro, do Cotovelo, do Poço etc. e ainda, a supressão de muitos pátios, de vários moradores cada um, e que são outros tantos focos de infecção que empestam a cidade pela dificuldade de se exercer nelas a devida fiscalização, além da falta de ar e luz que ali existe”.

“Para se realizar este melhoramento importantíssimo, é necessário fazerem-se importantes expropriações; mas eu entendo que, sendo este melhoramento quase exclusivamente para utilidade dos chineses, deverão ser eles que devem principalmente pagá-lo, evitando onerar os cofres da Fazenda com despesas para o conseguir e reservando a sua receita para outros melhoramentos de que tanto carece a Colónia e cuja importância não é tão fácil fazer recair sobre eles.

“Nesta instrução eu entendi que devia fazer a avaliação das expropriações não tomando por base o rendimento dos prédios, não só porque é completamente desconhecido este rendimento exacto por serem as avaliações das matrizes incorrectas e mal feitas, o que tornaria portanto desigual qualquer avaliação feita sobre este rendimento, mas porque sendo em geral grande o rendimento das propriedades, seria enorme o custo das expropriações calculada sobre esta base. Além disso, esta circunstância poderia impossibilitar o Governo de intentar um melhoramento que sendo de primeira necessidade para o saneamento da Colónia, visitada anualmente pelas epidemias de cólera e peste, traria a meu ver outros prejuízos muito maiores e principalmente para os mesmos indivíduos sobre quem recai estes sacrifícios. Não hesitei por isso em pôr de parte este sistema de fazer as avaliações e limitei-me a fazê-las sobre a base unicamente do valor da construção, como se tem feito até aqui, por motivos análogos.

“Creio que se poderá porém compensar as consequências deste modo de fazer as avaliações das expropriações, dando aos proprietários, a quem se fazem as expropriações, a preferência na aquisição dos terrenos que sobrarem dos melhoramentos projectados.

“Procedendo deste modo, os terrenos que sobram da abertura e alargamento das ruas poderão ser vendidos depois, por um preço muito mais elevado do que o custo das expropriações, como é natural, por isso que ficam marginando avenidas e ruas largas, bem ventiladas e bem canalizadas, e eu suponho que a importância destes terrenos cobrirá todas as despesas da expropriação e ainda da construção do pavimento e canalização das ruas.

“A Avenida projectada, como disse, tem uma largura de 15 metros, mas nesta largura compreende-se a de 2,5 metros que cada lado, as construções devem deixar no pavimento térreo para servir de passeios, cobertos em arcadas, abrangendo as construções estes espaços nos pavimentos superiores, ficando portanto a Avenida com 10 metros de largura para o trânsito de carros entre estes passeios. Para nos convencermos que esta largura é suficiente bastaria dizer que a rua principal, Ducerio Road, em Hong Kong, tem entre os passeios 10,5 metros de largura”.

23 Jun 2017

Riquexós, meio de transporte de Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s jinrichshas surgiram em Macau na primeira metade do ano de 1883 (informação proveniente do jornal O Macaense de 12 de Julho) e dez anos mais tarde, em 1893 o assunto dos Jinrickshas estava na ordem do dia, pois o Leal Senado preparava-se para entregar a um monopólio os cerca de 280 carros de vinte proprietários então existentes. Puxado em cadenciada corrida por cules, vencida a conquista do cliente, o resto do dia era trabalhar para refeição e jogo. Envergando uma cabaia gasta, qual solas dos pés de calcarruar/percorrer travessas estreitas e íngremes ruas, faz o cule o transporte de pessoas e bens, agora ajudado por duas rodas.

Quando Adolfo Loureiro chegou a Macau a 15 de Setembro de 1883, já existiam, como se pode constatar, os riquexós, os carros japoneses ou jinrickshas. No entanto, durante a sua estadia de seis meses na cidade não os menciona no seu diário, que veio a dar o livro No Oriente – De Nápoles à China. Refere sim: “Ninguém em Macau anda a pé. Há as cadeirinhas de praça, com tarifas aprovadas pela Câmara, que em Macau se apelida de Leal Senado. Uma pessoa que se preze tem, porém a sua cadeirinha, com os seus dois cules uniformizados. A minha devia ser esplêndida, com vidraças e stores, e os meus culis teriam cabaias e calções brancos, orlados de azul e branco, com os seus grandes chapéus de palha de bambu também pintados de azul e branco”. (…) “Este serviço custar-me-ia: a boa cadeirinha 10 patacas; o fardamento dos dois culis, outras 10; e o salário destes dois homens não passaria também de 10 patacas por mês, e a seco!…”

No Projecto de postura municipal aprovado pelo Conselho de Província ao consultar o Boletim Oficial da Província de Macau e Timor n.º 42 de 20 de Outubro de 1883 demos conta terem os condutores de jin rik sha, ou riquexó, da praça de tirar uma licença no Senado para os conduzir, custando essa uma pataca. Tinham também de ter a tabela de preços em português e chinês e o número atribuído pela secretaria do Leal Senado afixado ou pintado num lugar visível. Na licença que se passar a cada jin rik sha será designado o local em que deverá estacionar, e a onde deverá estar colocado por modo que não cause embaraço ao trânsito público, alertando para as ruas que tenham menos de cinco metros de largura, nenhum jin rik sha, embora alugado, poderá estar postado à espera de alugado. Transitando dois em sentidos opostos, cada um dá a sua direita, mas de modo que se não toquem. Têm de se apresentar devidamente asseados, e todo o jin rik shas estando na estação, ou sendo encontrado na via pública desocupado, é obrigado a receber e transportar qualquer pessoa, que se apresentar para esse fim, a qualquer hora do dia ou da noite, pelo preço marcado na tabela, devendo circular à noite com uma lanterna acesa. O cule pode recusar transportar pessoas alcoolizadas.

No Boletim Oficial da Província de Macau e Timor n.º 2 de 12 de Janeiro de 1888 refere-se às alterações do regulamento de 1883, entre elas o aumento da licença para 5 patacas e terem os jin rik shas os números escritos tanto na forma portuguesa, como em chinês. Foi neste B. Oficial que ficou proibido os jinrikshas de subirem ou descerem ladeiras ou calçadas íngremes, a não ser se forem conduzidos por dois condutores e estes devem ser homens robustos, que se devem apresentar decentemente trajados. Já quanto à tabela de preços a praticar é a mesma de 1883, isto é, pela primeira hora $0,05 e por cada meia hora mais, $0,05, mas se o percurso de uma hora for para fora da cidade o preço é de $0,10. A única diferença que existe após cinco anos é no transporte de duas pessoas, que em 1883 era aberto mediante o entendimento entre as partes e em 1888, o preço para dois condutores é o dobro.

Para o Projecto do Liceu

Se a palavra jinricksha não chamou a nossa atenção ao passarmos uma vista de olhos por alto aos dez anos de jornais desse período, a partir de meados de 1893 ela tornou-se uma constante, continuando pelo ano seguinte os artigos sobre esse assunto. Aqui deixamos escrito o que neles recolhemos.

O semanário Luso-Chinês Echo Macaense, cujo proprietário e responsável era Francisco H. Fernandes, no dia 1 de Agosto de 1893 publica um artigo com o título Uma Explicação onde refere, “Apresentamos primeiro os motivos que levaram o Leal Senado a dar o passo que deu em monopolizar as licenças para este ramo de indústria que dá uma avultada verba para o orçamento municipal. Há também uns 4 meses o vereador Victorino propôs à câmara o monopolizar essa indústria, se assim se pode chamar, fundando-se nas seguintes razões: 1.º Os carros actuais já estão bem estragados, e a maior parte deles já deviam há muito ter sido condenados. 2.º Estando essa indústria à responsabilidade de um só indivíduo, o serviço de polícia seria mais bem feito. 3.º Os lucros serão o duplo do que actualmente.

Essa moção do ilustre senhor foi posta à discussão, e, sujeita à votação, foi julgada ainda inoportuna alegando o presidente que não via grande necessidade de aumentar os impostos, e por conseguinte que ficava essa moção para ser renovada quando fosse necessário. [O Leal Senado rejeitou a proposta para a concessão do exclusivo das licenças de jinrickshas, mas autorizou a elevação da taxa das mesmas, que passou a ser de $15 anuais, o que resultava o aumento da receita que o LS tinha em vista; era Presidente o secretário-geral Alfredo Lello, sendo o Delegado interino do procurador da Coroa e Fazenda Câncio Jorge, o secretário do Conselho Francisco Filipe Leitão e faziam parte também Domingos Clemente Pacheco e Pedro Nolasco da Silva.]

Passado tempo, apareceu o projecto do Liceu, a câmara foi convidada a dar um subsídio, e o Leal Senado deliberou dar 5000 patacas; foi então que o ilustre presidente o Sr. Comendador Basto, disse numa das sessões que chegou a ocasião de apresentar a moção do vereador Victorino sobre os jinrickshas, e assim se fez. Nessa ocasião se espalhou por fora que o Leal Senado ia avançar as licenças dos carros jinrickshas e logo apresentou-se um requerimento pedindo a avença das referidas licenças oferecendo à câmara a quantia de $6000 por ano, por tempo de cinco anos, sob as condições que o Leal Senado apresentasse. O Leal Senado demorou ainda o despacho desse requerimento dando assim tempo para que se fizesse um estudo mais profundo sobre o pedido. Uma semana depois apresentou-se um outro requerimento dos actuais proprietários dos carros que são uns 20 indivíduos, alegando que lhes constava que a câmara ia monopolizar os carros jinrickshas e pedia que assim não fizesse, porque isso ia prejudicar os seus interesses, e alegou mais, que muitos para adquirir esses carros venderam e empenharam os seus filhos (chamo para esse período a atenção do delegado da coroa) e que conservassem os carros no statu quo; esse requerimento não chegou a ser apresentado por lhe constar que um dos vereadores sabendo desse requerimento tinha dito que o único despacho sério era mandar com visto ao ministério público.

16 Jun 2017

Convento e Igreja de Santo Agostinho

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Frade espanhol Francisco Manrique, da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, trabalhava nas Filipinas desde 1575 e aportou em Macau a 1 de Novembro de 1586, dia da festa de Todos os Santos, acompanhado pelos padres Diogo Despinal e Nicolau Tolentino. Comprou uma casa talvez próximo do local onde foi depois construído o Baluarte de Bom Parto e aí, em honra de Nossa Senhora da Graça fundou o Mosteiro de Sto. Agostinho.

A 9 de Agosto de 1589, Filipe II de Espanha ordenou a retirada dos religiosos espanhóis de Macau e assim, logo treze dias depois Fr. Miguel dos Santos aqui fundou os agostinhos portugueses, sendo-lhe então entregue o mosteiro. Já em 1591 foi o convento transferido para o actual local, na Colina de Sto. Agostinho, sendo ao lado construída a igreja. Os Agostinhos aí se mantiveram até serem colocados fora de Macau devido ao Legado Pontifício para a China, o Patriarca de Antioquia Charles Thomas Maillard de Tournon, que após publicar em Nanjing a 25 de Janeiro de 1706 um decreto condenando os Ritos de Confúcio sobre o culto dos Antepassados, foi expulso pelo Imperador Kang Xi. Também os religiosos que missionavam na China e comungavam as ideias de Tournon, muitos vieram para Macau e assim, no Império Celeste só se mantiveram os jesuítas. Regressado a Macau em 30 de Junho de 1707, o Patriarca Tournon quis que fosse aplicado aqui o seu decreto, mas o Bispo de Macau, D. João de Casal não só se recusou a publicá-lo, mas ordenou às autoridades eclesiásticas que negassem obediência ao Patriarca. Tal levou a um conflito com troca de excomunhões, colocando-se os Agostinhos e os Dominicanos ao lado de Tournon. “O Cardeal Tournon hospedou-se no convento de Sto. Agostinho de Macau e aqui faleceu a 8 de Julho de 1710”, segundo Benjamim Videira Pires, que refere, “Por isso, os Agostinhos principiaram a perder, desde essa data, o seu prestígio junto do Bispo, do Governador e da população patriota de Macau [todos eles excomungados pelo Patriarca], até serem daqui expulsos em 15 de Janeiro de 1712”. Nessa data, por ordem do Vice-Rei de Goa D. João Rodrigo da Costa, foi retirado aos frades o Convento de Santo Agostinho e a igreja, sendo eles deportados para a Índia em 1717. Por ordem do Rei D. João V, o convento foi devolvido aos Agostinhos em 1721.

Batalhão aquartelado

“Em Janeiro de 1808, solicitava-se para a corte medidas para a organização de um Batalhão de Infantaria, com exercício de Artilharia, para Macau, com um total de 376 homens, entre oficiais e soldados” segundo Jorge de Abreu Arrimar. Tal se devia à defesa da Colónia contra os piratas e também pelas tentativas dos ingleses de com a pretensão de proteger Macau contra os franceses tentarem ocupá-la. Assim, o Batalhão Príncipe Regente foi criado a 13 de Maio de 1810 e “os soldados que o compõem, são para ali enviados da Capital da Ásia Portuguesa, os quais, sobre serem os piores que produz aquela Região, se tornam, pela mudança do clima, de uma repugnante nulidade”, segundo o Tenente-coronel José Guimarães e Freitas. Essa guarnição militar de 39 praças, enviada da Índia pelo Vice-Rei, chegou a Macau a 15 de Junho de 1823 e foi aumentada com a mocidade macaense para um número próximo dos 400. Tinha também o cargo de polícia da cidade, ou melhor, a Polícia servia-se desses militares.

O Bispo de Macau colocou dificuldades para ser o aquartelamento instalado no edifício do antigo Colégio de S. Paulo, desocupado pela pombalina expulsão dos jesuítas e por sugestão do Senado, aprovada pelo Rei, foram colocadas duas Companhias no antigo quartel e outras duas, na Fortaleza do Monte. No amplo Convento de Santo Agostinho, devido aos poucos frades que nele residiam, foi aquartelado o Batalhão Príncipe Regente, provocando em 30 de Março de 1829 um protesto da parte do provincial da Ordem em Goa. Mas aí ficou ainda aquartelado por mais dois anos, pois a 14 de Abril de 1831 encontrando-se o Convento em estado de ruína, passou o Batalhão para o Colégio de S. Paulo, <tanto por ser Edifício da Real Fazenda, como nenhum edifício se oferece melhor>. A 26 de Janeiro de 1835, devido ao incêndio no Colégio de S. Paulo, que devorou todo o edifício e a igreja, restando apenas a fachada, voltou o Batalhão a ocupar o Convento de Santo Agostinho.

Com a definitiva vitória dos Liberais em 1834 e o decreto de Joaquim António de Aguiar a extinguir as Ordens e Congregações religiosas do território português e o sequestro de todos os seus bens, em Macau deu-se o abandono dos conventos pelos frades em Setembro de 1835. O Governo apossou-se do Convento de Sto. Agostinho, para onde voltou o Batalhão, mas a 13 de Maio de 1837, o seu comandante queixava-se que dentro do convento chovia <como na rua, em todas as Companhias>.

A escola

No Convento de Sto. Agostinho esteve até 1846 o Batalhão Príncipe Regente, tendo o Bispo de Macau Jerónimo José da Mata a 5 de Julho de 1845 solicitado a concessão do edifício para nele estabelecer uma casa de educação para a mocidade do sexo feminino. Por se encontrar esse edifício hipotecado ao fundo do Recolhimento de Santa Rosa, por vinte mil patacas, o Governador achou por bem fazer essa transacção <que desse o duplicado resultado de constituir o dito Recolhimento possuidor daquele edifício, com o fim indicado, e de ficar a Fazenda aliviada do encargo correspondente ao valor dele>. Assim, a 10 de Agosto de 1846 o Convento de Sto. Agostinho foi transformado em escola de meninas. O Recolhimento de Santa Rosa de Lima em 21 de Dezembro de 1848 passou a ter na direcção as Filhas de Caridade de S. Vicente de Paula e como estava destinado à educação das meninas órfãs, aí se juntou com a escola feminina, até que em 1857, o Recolhimento e os seus rendimentos foram transferidos para o Mosteiro de S. Clara. Com essa saída, o Convento de Sto. Agostinho albergou em 1857 o Corpo de Polícia, onde se encontrava também o Hospital Militar, que aí esteve até à inauguração do Hospital Conde de S. Januário, em 6 de Janeiro de 1874. O Corpo de Polícia manteve-se no Convento, até que em 18 de Janeiro de 1879, o Governador Carlos Eugénio Correia o dissolveu e criou em seu lugar a Guarda Policial de Macau, ficando aí aquartelada a 1.ª Divisão. O Convento em 1886 foi de novo reparado devido à sua péssima construção, permanecendo a 1.ª Divisão da Guarda Policial até 4 de Outubro de 1893, quando se mudou para o Quartel de S. Francisco, preparando-se o antigo Convento para servir de instalações ao Liceu.

Em 1894, o Liceu de Macau, apesar de provisoriamente instalado no Convento de Sto. Agostinho, nele ficou até ao final do ano lectivo de 1899/1900, sendo em meados de 1900 transferido para a Calçada do Governador (hoje do P. Luís Fróis, S.J.).

Em ruínas, o Convento de Santo Agostinho foi depois comprado por Artur Basto (1873-1935, filho primogénito de António Joaquim Basto), que o transformou em sua residência. Com a sua morte (a 11 de Março de 1935) foi adquirido pela Companhia de Jesus e serviu de casa de repouso aos jesuítas sobre o nome Residência de Nossa Senhora de Fátima, actual Vila Flor.

9 Jun 2017

Os diamantes da Condessa

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]eixamos o final da história da Madame Paiva para, envolvendo o período de tempo da vida de Pedro Alexandrino da Cunha, rematar os acontecimentos ocorridos no século XIX na Europa.

A estadia em Paris de Thérèse Esther Blanche Lachmann (1819-1884) ocorreu durante a governação da França por Louis-Philippe I (Luís Filipe de Orleães, 1830-1848) e Napoleão III (1852-1870), que em 1840 ao tentar depor Luís Filipe foi preso. Terceiro filho de Luís Bonaparte e sobrinho de Napoleão Bonaparte, fugindo da prisão regressou a França após a Revolução de 1848, restabelecendo o Império em 1852. Com a chegada ao poder, Napoleão III nomeou em 1852 Georges Eugène Haussmann, o Barão Haussmann, como Perfeito do Seine para modernizar Paris. Ano em que Thérèse vivia com o suposto marquês, Albino Paiva de Araújo o seu segundo marido, a quem dera dinheiro em troca do seu grau nobiliário, quando numa noite de ópera foi apresentada, pelo cônsul alemão Félix Bamberg, ao conde Henckel von Donnersmark. “Herdeiro duma antiga família, com valiosas minas de zinco, ferro e carvão na Silésia [subúrbios de Munique], este belo e jovem de 22 anos, onze anos mais novo do que ela, logo caiu de amores pela deslumbrante marquesa”, assim refere o Padre Manuel Teixeira. Esta, a princípio com ele jogou, divertindo-se com a sua enfatuação. Guildo, desesperado, fugiu para Berlim e ela, reconhecendo o ambiente de segurança financeira que este lhe poderia oferecer, foi ter com ele. Daí “foram para Neudeck, regressando a Paris, onde, em 2 de Dezembro (1852), o príncipe Luís Napoleão recebeu o título de Imperador Napoleão III”, segundo Flectwood-Hesketh, que refere, em 1853 estar já o Paiva fora da vida de Thérèse, “Ela partilhava com Henckel o entusiasmo pela música, sobretudo de Richard Wagner, assíduo visitante”, da sua casa em Paris no lugar de S. Jorge.

Em 11 de Julho de 1855, a Madame Paiva “comprou por 406 640 francos a área 25 da Avenida des Champs Elysées. Este distrito estava, sob Haussnann, a suplantar o Faubourg St. Germain como centro da moda”. Então “contratou Pierre Maugin como arquitecto com uma hoste de pintores – Ernest Hébert, Gérome, Eugène Thirion e Paul Baudry; escultores – Barrias, Dalou, Carrier-Belleuse; e decoradores – para adornar” o interior do que ela pretendia que fosse a casa mais sumptuosa de Paris, segundo Flectwood-Hesketh, que refere ter-se mudado para lá só em 1866, “inaugurando-a com uma calorosa recepção que incluía toda a vida literária, artística, política e diplomática de Paris”. Em 1867, ou no ano seguinte, ainda o casal comprou uma casa de campo em Pontchartrain.

Após a guerra franco-prussiana

“Sabe-se que aquela aventureira – tão famosa no bosque de Bolonha como na fria Avenida de Lichtenthal – pôs em jogo os mais hábeis artifícios da táctica feminina e representou um papel de primeira ordem na obra tenebrosa de investigação clandestina e permanente que os alemães praticaram em França durante a época em que governava Badinguet (…). E sabe-se mais, que no seu faustoso palacete dos Campos Elísios se centralizou o serviço de espionagem alemã”, segundo refere Pinto de Carvalho, em Lisboa d’ Outros Tempos.

“Como era alemão e amigo de Bismarck, Guido teve de ir para a sua terra durante a guerra [franco-prussiana] de 1870, e Teresa, envolvida em intrigas políticas, foi com ele”, segundo Flectwood-Hesketh, que adita, “A sua hostilidade à França durante a guerra havia tornado Guido e Blanche antipáticos em Paris; por isso, retiraram-se para a Alemanha, para o seu castelo de Neudeck, que eles haviam feito reconstruir à maneira francesa por Hector Lefuel, arquitecto de Louvre”. Jorge Forjaz refere “Ainda viveram algum tempo retirados na Silésia, mas assinada a paz franco-prussiano, ele foi nomeado governador da Alsácia-Lorena. Regressando à vida social, impôs a amante nos salões de Estrasburgo e Paris, e provocou um escândalo tal, que ia levando a um conflito diplomático. Em 1875 resolviam o problema, casando na Prússia”. Ano que não se ajusta, pois então não seria já necessário a anulação pelo Vaticano do seu segundo casamento, devido a ser ela desde 1872 pela segunda vez viúva. Nas palavras do Padre Manuel Teixeira, “Tendo obtido do Santo Ofício a anulação do seu casamento com o <Marquês> de Paiva (segundo Flectwood-Hesketh a 16 de Agosto de 1871) a aventureira consorciou-se pela terceira vez com o Conde Henckel de Donnesmark” em 28 de Outubro.

Guido Georg Friedrich Erdmann Heinrich Adalbert Graf Henckel von Donnesmark, nascera a 10 de Agosto de 1830 em Breslau e morreu em Berlim a 19 de Dezembro de 1916. Foi um nobre alemão, magnata industrial e um dos homens mais ricos do seu tempo.

Esther Blanche Lachmann casada em terceiras núpcias com o conde Donnesmark, em 1875 saiu de Paris para o seu castelo de Neudeck, perto de Tarnovitz, na Silésia. Entre 1878 e 1883 Blanche fez grandes investimentos em jóias, gastando uma imensa fortuna na Casa Boucheron, tendo uma dessas peças, com quinze diamantes e outras tantas esmeraldas, em 2007 sido leiloada por um milhão e novecentos mil euros, o que veio reavivar o interesse sobre esta obscura personagem.

Com 72 anos, dizem uns, e com 58, diz o marido, “morreu em 1885, no seu Castelo de Newdeck – rica e condessa, mas os jornais parisienses ao noticiarem o acontecimento lembraram que, por de trás daquele título nobiliárquico, estava a famosa Madame de Paiva, que enchera as colunas sociais de Paris com o seu nome do casamento com um macaense rico e infeliz”, segundo Jorge Forjaz. Já Flectwood-Hesketh refere, “Blanche morreu lá em 21 de Janeiro de 1884 duma doença de coração e de cérebro, ‘rica e respeitada’ por alguns, mas considerada por outros como aventureira baixa e sem princípios (possivelmente até uma espia), que só adorava o dinheiro; e ainda que consciente do seu sex appeal para os homens, não possuía humor e era fria. No entanto, guardou até à morte o sentimento de adoração pelo seu terceiro marido.

Pontchartrain foi vendida logo após a Guerra Franco-Prussiana, mas não a casa de Paris, que Guildo tencionava remover, pedra por pedra, para Berlim, por razões sentimentais, projecto que não se materializou. Após a morte da sua amada, Guildo casou com Catarina de Slepsow, 32 anos mais nova do que ele, de quem teve dois filhos. Vendeu em 1893 o Palácio Paiva nos Champs Elysées a Soloschin, banqueiro de Berlim” e “em 1900, Cubat, cozinheiro-chefe do Kaiser, montou lá um restaurante, mas não deu resultado”. A proposta para aí se instalar a Câmara do 8.º Arrondissement não se materializou e em 1901, ano em que Guido ficou príncipe, foi vendido” e acabou por fim nas mãos do Travellers’ Club de Paris, fundado por um grupo de ingleses ali residentes, que em 1904 tornaram o Palácio Paiva na sua sede.

Esta história termina no Castelo de Newdeck com Guido, então de novo casado, a permanecer durante longas horas num dos quartos, que ele mantinha sempre fechado. Certa vez, esquecendo-se da chave na fechadura, a sua esposa curiosa, ao entrar, deu um salto ao deparar-se com o corpo da Madame Paiva, a famosa judia, bastarda, espia, três vezes casada, muitas outras amancebada e esbanjadora de fortunas, ali guardado em formol.

2 Jun 2017

Pedro Alexandrino da Cunha | Governador de Macau por 37 dias

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]edro Alexandrino da Cunha nasceu a 31 de Outubro de 1801 na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa e com um percurso promissor de estudante feito no Colégio da Luz, após terminar o curso em 1819, logo iniciou a carreira militar. Assentou praça na Brigada Real da Marinha onde, a 22 de Março de 1821 passou a Alferes, mas integrado nos quadros do Estado-Maior do Exército.

Estudava Matemáticas na Academia da Marinha quando a 30 de Abril de 1824, por ser um convicto liberal, durante a perseguição miguelista foi preso com outros oficiais no Forte de Peniche. Após nove dias na prisão, foi libertado e voltando à Academia terminou o curso, inscrevendo-se logo de seguida na Academia de Fortificação, onde em Julho de 1827 foi promovido a Tenente, ficando no Regimento 13 de Infantaria. Devido a D. Miguel ocupar a Coroa de Portugal em 1828, Pedro Alexandrino da Cunha emigrou, como tantos outros oficiais, para Inglaterra. Encontrando-se Portugal dominado pelos absolutistas, ocorre uma guerra civil, estabelecendo os liberais o seu quartel-general na Ilha Terceira, nos Açores. Para aí seguiu Pedro Alexandrino a reparar as fortificações e integrar o governo liberal da Terceira e onde na Batalha da Praia em Janeiro de 1829 os realistas são derrotados. Ingressou na Armada em 1831 e rapidamente subiu de posto enquanto vai comandando alguns navios de guerra. Preparou no Porto a chegada de D. Pedro, que regressava do Brasil para lutar contra o irmão D. Miguel pela Coroa, organizando aí as guarnições ligadas à Marinha. Na arrojada expedição ao Mindelo veio ele igualmente, fazendo parte da esquadra libertadora, comandada pelo Vice-Almirante R. G. Sertorius.

Após a vitória dos liberais em 1834, Pedro Alexandrino da Cunha navegou até ao Brasil e seguiu depois para África, onde passou cinco anos. Mais tarde, a 6 de Setembro de 1845 tomou posse como Governador de Angola, ficando com o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra. Encontrava-se no Brasil, numa missão comercial, quando por decreto de 5 de Novembro de 1849 foi nomeado para o cargo de Governador de Macau, altura em que fica a saber ter o seu amigo, o Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral sido assassinado pois, esse decreto também exonerava o Capitão Feliciano António Marques Pereira do Governo interino de Macau, que substituíra o falecido Governador.

Após Ferreira do Amaral (1846-1849), Pedro Alexandrino da Cunha viria a ser o segundo Governador-Geral de Macau pois, pelo decreto do Governador da Índia, José Ferreira Pestana (1844-51), em 20 de Setembro de 1844 dera-se a criação da Província de Macau, Timor e Solor. O Governador dessa nova província ficou independente da jurisdição do Governo de Goa, que deixava de o nomear, passando ele a residir em Macau, e Timor, com Solor, tinha um governador seu subalterno.

Ataque de cólera

Como Governador, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Alexandrino da Cunha, desembarcou em Macau a 26 de Maio de 1850 e tomou posse a 30 deste mês. Após um mês de governação, “com a tomada de uma porção de neve (gelados de creme e de limão e em seguida geleia e whisky)” a gastrenterite crónica de que padecia agravou-se. Tomás José de Freitas auscultou-o pela primeira vez a 5 de Julho e tratou-o durante a doença, mas esta “degenerou num fulminante e insidioso ataque de cólera, que, dentro em poucas horas, o privou inteiramente de vida.” No relatório do Serviço de Saúde de 1862, o Dr. Lúcio Augusto da Silva escreveu: “A doença do Governador Pedro Alexandrino da Cunha começou por abundante diarreia, vómitos, sede, ansiedade e abatimento geral. O facultativo assistente observou na sua primeira visita: prostração, voz rouca, vómitos e dejecções de um líquido escuro e fétido, pulso filiforme, suor copioso e frio, resfriamento nas extremidades e dores nos joelhos. Mais tarde teve o doente dejecções de líquido amarelo claro, turvo e inodoro, resfriamento pronunciado e quase geral, lábios arroxeados, sede ardente, língua esbranquiçada, pouco húmida e não fria, dor intensa no epigastro. Depois supressão de evacuações, excepto a urinosa, pulso imperceptível, voz rouca, palavra difícil, conservando porém intacta a inteligência, olhos encovados, pálpebras entreabertas, feições alteradas, sem contudo ocultar de todo a fisionomia; finalmente suores viscosos, respiração curta, cianose em diferentes partes do corpo, sendo mais pronunciada nas mãos e nos pés, alguma magreza e o estado rugoso da pele, foram os sintomas que completaram aquele quadro e que o acompanharam até o fim da existência. Estes sintomas e muitos casos que então apareceram com eles fazem acreditar que houve efectivamente uma epidemia de cólera-morbus em Macau no ano de 1850.” Mas porquê esta dúvida?

Num opúsculo sobre <Pedro Alexandrino da Cunha>, o autor Joaquim Duarte Silva diz <que a morte súbita de Pedro Alexandrino despertou desde logo, em Macau, suspeitas de que ele fora envenenado>. Tal tese devia-se ao pouco conhecimento da existência em Macau de casos de cólera, que começaram a grassar na cidade nesse ano. O seu cadáver foi autopsiado por cinco cirurgiões militares e da armada que no relatório descreveram minuciosamente todas as lesões anátomo-patológicas, classificando a doença de gastroenterite. O relatório da autópsia termina: <A causa da morte seria simplesmente gastroenterite ou, concorreria também alguma influência meteorológica? Não sabemos! Contudo é possível admitir-se a existência de alguma causa especial que actuasse na produção dos sintomas mais graves, que ao mesmo tempo dirige a sua influência sobre muitos indivíduos, atendendo a aparição de três casos quase análogos a este, que tiveram a mesma terminação, e de outros muitos que têm continuado a aparecer com sintomas tão graves e que não têm sido fatais>. O Dr. Peregrino da Costa em Relatórios das Epidemias de Cólera de 1937 e 1938 refere, <Estas considerações dão a impressão de que estando-se em plena epidemia de cólera, embora no seu início, como mais tarde se veio a confirmar, os médicos da época – os cinco cirurgiões militares e médicos da armada que assinam o relatório da autópsia e no qual aliás as lesões anátomo-patológicas são minuciosamente descritas, ou não quiseram aceitar logo a evidência dos factos, para não atemorizar a população já alarmada com o assassinato de Ferreira do Amaral, ou pretenderam então afastar, por razões políticas, a ideia de o Governador ter sido vítima de cólera>.

Governador de Macau por 37 dias, Pedro Alexandrino da Cunha faleceu com 48 anos de idade pelas três e meia da tarde do dia 6 de Julho de 1850 e foi uma das primeiras vítimas da epidemia de cólera, que grassou na cidade. Sepultado no Cemitério de S. Paulo em Macau, segundo o Padre Manuel Teixeira, é “provável que os seus restos mortais fossem removidos com outros para o Cemitério de S. Miguel, construído quatro anos depois, mas hoje desconhecesse o local onde eles repousam.” Pagas as dívidas do finado e deduzidas as custas e despesas legais, o produto líquido dos seus bens foram introduzidos no Cofre da Fazenda Pública de Macau.

Se em Macau Pedro Alexandrino da Cunha não teve tempo para governar, ficam os seus relevantes serviços prestados a Angola como Governador-Geral, cargo que exerceu de 31 de Maio de 1845 a 18 de Fevereiro de 1848, a justificar a sua estátua na cidade de Luanda.

26 Mai 2017

O Governador de Angola Pedro Alexandrino da Cunha

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]omeado a 31 de Maio de 1845 Governador-Geral da Província de Angola, Pedro Alexandrino da Cunha tentando “harmonizar as leis da metrópole com a prática colonial, conseguira que a administração portuguesa em Angola deixasse de depender dos direitos alfandegários que incidiam sobre as exportações ilegais. Ao mesmo tempo, Luanda e Benguela abriam-se à navegação estrangeira, tornando-se já visível a modificação da estrutura das trocas, com o crescimento e a diversificação das exportações de produtos de colheita directa e da caça, como a urzela (musgo com aplicação na tinturaria) e o marfim. Mas não tardaria que o tráfico, banido dos portos principais, fosse reimplantar-se noutros pontos do litoral, como Ambriz e Moçâmedes, procurados pelos comerciantes luso-brasileiros para escapar às alfândegas e ao patrulhamento britânico”, como se refere no Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, [que constava não existir, pois perdido entre documentos microfilmados do Arquivo Histórico de Macau].

“A burguesia colonial de Angola era constituída não só pelos agentes directos dos poderosos mercadores residentes no Brasil e por alguns negociantes emigrados de Portugal, como pelas grandes famílias crioulas, bem implantadas e adaptadas ao clima, mantendo ligações estreitas com Portugal e com o Brasil e desenvolvendo, ao mesmo tempo, um bom relacionamento com os Africanos. Chegou a afirmar-se que, nesta altura, Angola mais parecia uma colónia brasileira que portuguesa e não foram raras as tentativas no sentido de uma união com o Brasil com vista a garantir a manutenção do tráfico, mas que a Inglaterra sempre conseguiu contrariar. Apesar de tudo, os indícios de mudança continuavam a manifestar-se e era já muito clara a importância económica que as colónias africanas iam assumindo para alguns sectores da sociedade portuguesa”, segundo Maria Manuela Lucas, que refere Angola representar “o baluarte mais sólido do poderio português em África”.
A 6 de Setembro de 1845, na mesma altura em que tomou posse como Governador-Geral da Província de Angola, Pedro Alexandrino da Cunha foi promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra.

Bons préstimos

“A arte agrícola foi aqui [Angola] quase sempre abandonada pela autoridade, e nesta parte, curto é o espaço para descrever o muito que devemos ao Exmo. Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, que se esforçou, quanto cabia nas forças humanas, para o seu desenvolvimento” e seguindo com o Boletim Oficial, “Os talentos administrativos deste Governador chegaram mesmo a exceder o que dele se esperava, e para desviar todas as suspeitas de parcialidade, repetirei o que a própria Câmara Municipal de Luanda se abalançou a dizer ao seu sucessor naquele governo-geral.

Presságio de maior desgraça

“A exoneração do governo de Angola foi dada ao Sr. Pedro Alexandrino por Decreto da 18 de Fevereiro de 1848, reservando-se Sua Majestade a colocá-lo em lugar de não menos conveniência pública, como prova dos valiosos e aturados serviços, dizia o mesmo Decreto, por ele prestados nas Possessões portuguesas de África Ocidental além do Equador. A saída do Sr. Pedro Alexandrino de Angola para a Ilha de Luanda, foi um verdadeiro e irrefragável testemunho da sua boa conduta, por lhe ser dado espontaneamente pelos habitantes de Luanda, no mesmo momento em que ele deixava de todo o poder: alas de archotes se lhe fizeram até ao cais, duas bandas de música o acompanharam, e multiplicados abraços se lhe deram no acto do seu embarque misturados de repetidos vivas. Chegado a Lisboa o bordo do brigue Audaz, em 12 de Dezembro de 1848, depois de uma nova estada em Angola de cinca anos, Sua Majestade, por Galardão dos seus relevantes serviços, e não menos por consideração às recomendações que por mais de uma vez o governo britânico tinha feito de tão distinto empregado, o condecorou com a Comenda da Torre e Espada, e o Governo o nomeou, em 1849, Comandante da nau Vasco da Gama, mandada em comissão ao Rio de Janeiro. Já defronte da barra daquela Capital um violento pampeiro (vento) arrasou a mesma nau, levando-lhe o pano, e partindo-lhe os mastros pelas enoras. Este contratempo, presságio de maior desgraça, encheu dos mais cruéis dissabores o coração do Sr. Pedro Alexandrino; o seu temperamento, sempre no mais alto grau melancólico, e agravado não menos com a notícia do trágico fim que tivera em Macau o seu particular amigo, o Conselheiro João Maria Ferreira do Amaral, tornava-se cada vez mais sombrio, e pouco comunicativo. Tudo isto reunido com as infundadas apreensões que concebera, quando recebeu a nomeação de sucessor daquele distinto Oficial, quase lhe cortaram de todo a existência que apenas lhe chegou para, do Rio de Janeiro, seguir viagem para o lugar do seu novo destino a bordo da corveta D. João I, que aportara a Macau a 26 de Maio do corrente ano (1850), tomando posse do respectivo governo o Sr. Pedro Alexandrino”.

19 Mai 2017

O trabalho de Pedro Alexandrino em Angola

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m 1834, após as batalhas de Almoster, em Fevereiro e de Asseiceira, em Maio, ainda nesse mês foi eleita uma Câmara Constitucional e logo uma semana depois, o monarca absolutista D. Miguel abdicou, tendo-se exilado em Itália. O Rei D. Pedro IV vencia o seu irmão e pela vitória liberal, a burguesia recupera o poder no Estado, quando se realizou em Junho eleições para formar as Cortes. Segundo refere Luís Filipe Torgal, “O sufrágio era masculino, indirecto e censitário: só os maiores de 25 anos ou de 21 anos, conforme o estado civil e o estatuto profissional, detentores de um rendimento anual líquido não inferior a cem mil réis, poderiam votar nas assembleias paroquiais. Os escolhidos nestas, possuidores de um rendimento a partir de duzentos mil réis, reuniam-se depois nas capitais de província e elegiam, por sua vez, os deputados.” D. Pedro IV reinou até Setembro de 1834, quando faleceu, subindo assim ao trono de Portugal a sua filha D. Maria II (1834-53).

Pedro Alexandrino da Cunha, comandando a Corveta D. Isabel Maria saiu de Lisboa a 9 de Dezembro de 1836 e após se dirigir para as Ilhas de Cabo Verde, dali seguiu viagem para Pernambuco, estacionando na Baía com o fim de prestar auxílio aos súbditos portugueses aí residentes. “Algum tempo depois passou ao Rio de Janeiro para tomar mantimentos, e continuar na sua comissão para a Costa de África Ocidental, para onde seguiu viagem”, segundo o Boletim Oficial de 1851, cujo redactor era então Carlos José Caldeira.
“Nas possessões portuguesas da África atlântica, a realidade evoluía de forma peculiar pois estava muito dependente do mercado brasileiro. O impulso que Sá da Bandeira imprimira aos negócios do ultramar a partir de 1835-1836 começava a ter os primeiros efeitos, sobretudo em Angola”, segundo Maria Manuela Lucas.
“Abolido o monopólio do comércio do marfim, em 1834, e autorizada a colheita da urzela, ensaiam-se novas plantações, que incluem a cana e o café, com base no trabalho escravo”, como refere Maria Manuela Lucas, que complementa, “Desenvolvia-se agora o comércio dito legítimo, ao mesmo tempo que persistia a prática do tráfico de escravos, ilegal desde 1836 e cada vez mais severamente ameaçado, não obstante a luta dos negreiros contra o poder central e contra os seus próprios concorrentes, que utilizavam localmente a referida mão-de-obra”.

Das mudanças

Pedro Alexandrino da Cunha, que chegara a Angola entre finais de 1836, ou início de 1837, aí esteve em comissão durante perto de cinco anos.
“As primeiras décadas do liberalismo português coincidiram, em Angola com um período de transição histórica, no fim do qual a maioria dos principais habitantes da colónia tinham sido forçados, finalmente, a abandonar o comércio de escravos para o Brasil e a entrar numa nova relação económica com Portugal, baseada na exportação de outros produtos. Esta mudança verificava-se principalmente através das pressões de interesses e acontecimentos internacionais, e só muito parcialmente através de esforços metropolitanos para racionalizar as relações coloniais com Angola a partir dos anos de 1820. As tentativas feitas por sucessivos governos nacionais entre 1820 e 1850, no sentido de acabar com o comércio de escravos e de aproximar a colónia de Angola à metrópole, criando uma dependência económica e política mais estreita, foram fortemente resistidas pelos vários grupos de interesses de que se compunha a sociedade colonial. A violência e os conflitos políticos que caracterizavam a história daquela colónia neste período derivavam, basicamente, de divergências socioeconómicas profundas entre Angola e Portugal, e de uma confrontação clássica entre grupos de interesse coloniais e metropolitanos”, segundo Jill R. Dias, em A Sociedade Colonial de Angola e o liberalismo português (c.1820-1850), que segue referindo, “O carácter e a estrutura da sociedade da colónia angolana nos anos de 1820 reflectiam o seu envolvimento de longa data com o comércio de escravos para a exportação. Desde o século XVII, o comércio externo de Angola tinha sido principalmente um comércio de escravos, canalizado quase exclusivamente para as plantações e minas do Brasil e das Américas. As exportações legais de escravos a partir de Luanda e Benguela para o Brasil tinham aumentado regularmente ao longo do século XVIII. Este fluxo de mão-de-obra de Angola e de outras partes da África colonial portuguesa formava a base produtiva de todo o sistema comercial luso-brasileiro e das suas relações com a Europa do Norte, das quais dependia a prosperidade de Portugal nos princípios de 1800. Contudo, os mercadores metropolitanos eram excluídos em grande parte da participação directa no comércio de escravos angolano nesta data. O controlo financeiro estava centralizado principalmente nas mãos dos mercadores estabelecidos no Brasil. Eram eles que tratavam da exportação para Angola dos produtos europeus e asiáticos usados para comprar escravos, derivando o seu domínio de circunstâncias históricas, reforçado pela proximidade geográfica e pelos favoráveis ventos e correntes do Atlântico Sul”.

Do trabalho

Regressando ao Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, “Os importantes serviços que então [Pedro Alexandrino] prestou em Angola, já na repressão do tráfico da escravatura, e já no miúdo exame, que foi fazer à Costa do Sul de Benguela, são bem notórios, e se acham consignados, tanto nos seus Ofícios, dirigidos ao Ministério da Marina, como nas publicações que deles se fizeram nos Jornais Marítimos e Coloniais, e da Estatística das Possessões Ultramarinas, na parte que diz respeito a Moçâmedes, e que quase se pode dizer ele novamente descobriu, sendo causa da importância e impulso que hoje tem, e que por ventura virá a ter no futuro. Desta comissão de Angola, que durou perto de cinco anos, voltou ele ao Reino em 1841, sendo depois nomeado para Membro de diferentes Comissões. Eleito Deputado às Cortes pela Província de S. Tomé e Príncipe nelas tomou assento em 3 de Janeiro de 1843; mas sendo pedido à Câmara dos Deputados para uma nova comissão de serviço, saiu outra vez para Angola em 27 de Abril a bordo da Corveta Urunia que comandava. Chegando a Luanda, assumiu o comando de toda a Estação Naval, criando lá, (na Ilha chamada de Luanda) um pequeno Arsenal que no seu género podia servir de modelo a semelhantes estabelecimentos, e sem o qual não era possível manter a sobredita Estação. Durante este serviço foi promovido a Capitão-de-Fragata por Decreto de 14 de Fevereiro de 1844.
Em 31 de Maio do seguinte ano passou a Governador-Geral da Província de Angola, (lugar do que tomou posse aos 6 de Setembro), sendo então promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra. Pouco depois Sua Majestade o honrou com o título do seu Conselho, e a comutação da Comenda da Ordem de Cristo para a de Aviz”.

12 Mai 2017

Pedro Alexandrino da Cunha na Ilha Terceira

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Junta Provisória do Porto, que tinha criado um governo revolucionário contra o regresso à monarquia absolutista instaurada em Março por D. Miguel, declarara em 18 de Maio de 1828 lealdade a D. Pedro, à sua filha D. Maria II e à Carta Constitucional, outorgada a 29 de Abril de 1826. O autoproclamado Rei D. Miguel conseguiu o desmancho da Junta e reprimir essas rebeliões liberais, que se tinham estendido a outras cidades e alastravam pelo país numa guerra civil, levando à prisão milhares de liberais, muitos condenados à morte, tendo outros escapado para Espanha e Inglaterra. “A instauração miguelista não ocorre sem reacções de vulto ao nível de personalidades e de dados estratos sociais urbanos (Belfastada, 1828), que se traduziu pela primeira grande vaga de expatriamento político”, segundo Joel Serrão. O decidido partidário das doutrinas liberais Pedro Alexandrino da Cunha foi para Inglaterra a bordo do Paquete.

No Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851 lê-se, “A emigração apresentava-se com o sombrio carácter de larga duração era portanto necessário manter a Ilha Terceira para que seguros pudessem os emigrados nela recolher-se, e com estas vistas saiu de Inglaterra a Fragata brasileira Isabel, que em fins de Setembro de 1828 deitou na referida Ilha a primeira porção de Oficiais, entre os quais se contava o Sr. Pedro Alexandrino. Apenas desembarcado passou a ser incumbido da reparação das baterias e fortificações do Castelo de S. João Baptista do Monte Brasil, emprego a que a respectiva Junta Provisória juntou depois as funções de Director de uma Imprensa, que ele próprio montou, e pôs em acção; Imprensa que o Marquês de Palmela para ali mandara para as Publicações Oficiais do Governo”.

A 29 de Março de 1829, os exilados liberais desembarcaram na Ilha Terceira e venceram os miguelistas na Batalha da Praia, sendo no ano seguinte aí constituído o Conselho da Regência Liberal, presidido pelo marquês de Palmela.

“A Regência da Terceira abalançara-se à temerária empresa da expedição às Ilhas de Oeste, muito dificultada pela extrema necessidade que havia de Oficiais de Marinha. Foi então que a aptidão, que para tudo se tinha sempre encontrado no Sr. Pedro Alexandrino, e a regularidade dos seus estudos, o fizeram lembrado a um seu íntimo e particular amigo, que junto da Regência servia na qualidade de seu Secretário. As repetidas instâncias que este alto Empregado em nome do Governo lhe fez, reunidas aos rogos e empenhos de amizade, que também lhe apresentara e sobre tudo a sua natural dedicação ao serviço do país, puderam finalmente vencer a repugnância que mostrara em passar do exército de terra para a força do mar, passagem que desinteressadamente aceitou no Posto de Segundo Tenente que se lhe conferiu por Decreto de 25 de Fevereiro de 1831, mais pela ideia de servir a causa constitucional, que abraçara, e de ser útil à pátria, cujo amor ninguém nutria com intenções mais puras, nem no mais alto grau possuía, do que por motivo de engrandecimento próprio, ou de preterir qualquer dos Oficiais da Armada, como tão injustamente alguém tem pensado, e bem claramente se mostra ainda hoje pelo pequeno Posto que se lhe concedera”, segundo o Boletim do Governo de 1851.

Rápida promoção na carreira

Em 7 de Abril de 1831, o Imperador D. Pedro I abdicou da coroa do Brasil em favor do seu filho D. Pedro II, na altura com cinco anos e veio para a Europa, a fim de assumir a regência de Portugal em nome de sua filha D. Maria II, então com treze anos. Aportando em Inglaterra, apesar de não ser muito bem recebido pelos liberais mais radicais, organizou uma expedição militar destinada a desembarcar em Portugal e dirigiu-se para os Açores, onde no exílio se encontrava o governo liberal.

A esquadra liberal com cinquenta navios e oito mil homens partia da Ilha Terceira a 27 Junho de 1832 e para apanhar desprevenidas as forças miguelistas desembarcou um pouco a Norte do Porto, na Praia do Mindelo a 8 de Julho. Quinze dias depois, a 23, os miguelistas cercaram o Porto.

Em Julho de 1832 foi Pedro Alexandrino da Cunha “mandado servir a bordo do Brigue Conde de Vila Flor, donde em 4 de Setembro desembarcou para tomar o comando interino da Corveta Vila da Praia, fundeada no Rio Douro, achando-se já neste tempo na patente de Primeiro-Tenente, a que fora promovido por Decreto de 28 de Agosto do mesmo ano 1832. Em 25 de Outubro seguinte foi no Porto mandado servir às ordens do Ministro da Marinha, donde passou a Comandante Geral das praças de marinhagem, destacadas nas diversas baterias daquela Cidade, tornando a ser depois nomeado para servir às ordens do Ministro da Marinha, em 28 de Fevereiro de 1833. Em 18 de Julho deste mesmo ano passou a comandar a Charrua Maia Cardoso, que D. Miguel armara em Fragata, e que por essa causa foi apresada pela Esquadra Libertadora na famosa acção naval de 5 de Julho, tendo cruzado com ela na costa do Algarve, veio a entrar em Lisboa três dias depois da morte de sua mãe, que falecera de um fulminante ataque de cólera-morbus. Em Outubro de 1833 foi de guarnição para a Fragata D. Pedro, que de Lisboa saiu para Inglaterra”, levando “informações ao Capitão Elliot sobre os sucessos do movimento liberal em Portugal. De regresso ao reino participou na tomada de algumas cidades”, segundo o referido no livro Os Governadores de Macau, da Editora Livros do Oriente. E voltando ao Boletim do Governo de 1851, “Na sua volta se conservou sobre a Costa de Portugal para cooperar na tomada de Caminha, Viana, Praça de Valença e Figueira. A bordo desta Fragata tornou a sair para o bloqueio da Madeira, onde fora encarregado do governo da Fortaleza do Pico, e regressando a Lisboa em Agosto de 1834, foi por Decreto de 22 de Outubro deste mesmo ano promovido a Capitão Tenente com a antiguidade de 5 de Julho do ano anterior”. [De salientar que D. Miguel fora derrotado no regresso a Lisboa, após perder a esperança de conquistar o Porto e a paz foi declarada em Maio de 1834, sendo D. Miguel expulso de Portugal, restaurando D. Pedro a Carta Constitucional.]

Pedro Alexandrino tornou a Inglaterra “em Janeiro de 1835 para se unir às forças que se mandaram pôr às ordens do Príncipe D. Augusto, primeiro Esposo de Sua Majestade, e de lá voltou acompanhando o Vapor Monarch, que para este Reino transportou o referido Príncipe [D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha, que em 1835 casou com a Rainha D. Maria II]. Como imediato ao Comandante da Fragata Duquesa de Bragança seguiu nela viagem para o Mediterrâneo, tocando nos diversos portos da Espanha até à Costa da Itália onde cruzou por algum tempo com o fim especial de vigiar e prevenir quaisquer intentos hostis, que contra Portugal houvesse por parte de D. Miguel, e tendo estado em Spezia e Liorne, novamente regressou ao Reino. Por este tempo o Governo o encarregou de várias comissões, sendo uma delas a de visitar e examinar os diferentes Arsenais de Inglaterra. Comandando a Corveta D. Isabel Maria, de Lisboa saiu a 9 de Dezembro de 1836, dirigindo-se às Ilhas de Cabo Verde”, segundo o que refere sobre a vida de Pedro Alexandrino da Cunha o Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851.

5 Mai 2017

Pedro Alexandrino da Cunha preso pelos miguelistas

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o artigo da semana passada, deixamos o nosso biografado Pedro Alexandrino da Cunha, nascido em Outubro de 1801, já como alferes do Exército a trabalhar no Arquivo Militar, então com vinte anos. Encontrava-se o Rei D. João VI ainda refugiado no Brasil, quando em Portugal o movimento revolucionário de 1820 instalou as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa a 26 de Janeiro de 1821, que veio suspender a Monarquia Absolutista, entrando o regime numa Monarquia Constitucional. Esse parlamento liberal tinha como principal tarefa elaborar uma Constituição escrita.

“A revolução de 1820 aconteceu numa Europa onde a memória da Revolução Francesa de 1789 e o revivalismo religioso tinham criado um ambiente pouco propício a revoluções. As grandes potências prometiam intervir em qualquer país onde fosse ameaçado o poder das dinastias (era o princípio da legitimidade). Por isso, no seu manifesto à Europa, os novos governantes em Lisboa tiveram o cuidado de adoptar um ponto de vista tradicionalista, semelhante ao dos liberais espanhóis. Explicaram assim que não os movia um filosofismo absurdo, desorganizador da humanidade, nem sequer o amor de uma liberdade ilimitada, inconciliável com a verdadeira felicidade do homem. O seu único objectivo era melhorar a forma do governo em Portugal através da restituição das suas antigas e salutares instituições, embora, claro está, corrigidas segundo as luzes do século e as circunstâncias políticas do mundo civilizado. Desejavam o poder limitado por leis sábias, e repudiavam a tirania, fosse ela exercida por um ou por muitos. Daí a revolução não ter vertido uma só gota de sangue”, como refere Rui Ramos.

Com a chegada de D. João VI a Lisboa, logo nesse dia 4 de Julho de 1821 o Rei jurou as bases da Constituição e substituiu a regência por um novo ministério. “E assim começou em Portugal o exercício efectivo da monarquia constitucional, onde o rei é chamado a desempenhar um novo papel e os cidadãos passam a poder intervir mais activamente, através dos seus representantes nas cortes”, segundo Isabel Nobre Vargues.

Com a monarquia em França restaurada desde 1814, após Napoleão Bonaparte (com o título de Imperador Napoleão I, 1804-1814) ser derrotado por uma força aliada de ingleses, russos, austríacos e prussianos, subiu ao trono o monarca Louis XVIII, da dinastia de Bourbon e preparou-se uma intervenção militar para restabelecer em Espanha o governo de Fernando VII, o que ocorreu a 7 de Abril de 1823 e a ocupação sem resistência de Madrid em 23 de Maio. Os liberais em Lisboa enviaram um regimento de Infantaria para a fronteira, mas este revoltou-se e logo em Vila Franca de Xira o infante D. Miguel a ele se juntou, incitando os portugueses a libertar o rei de umas Cortes que <em lugar dos primitivos direitos nacionais, deram-vos a sua ruína>. A 31 de Maio, o Rei D. João VI chegou a Vila Franca e demarcou-se do regime que segundo ele <tinha despedaçado o Brasil, provocado uma guerra civil e com o envio de tropas para Espanha iria levar o reino a ser invadido>. Segundo Joel Serrão, “Em 1823, a Vila-Francada põe termo, com surpreendente facilidade, à primeira fase do liberalismo português, ou seja, impede que a prática da Constituição de 1822 vá além de um breve estertor de moribundo. Regressa-se, oficialmente, ao Antigo Regime, que, aliás, não chegara a ser abalado nos seus sólidos fundamentos, mas pensa-se, pela primeira vez, na hipótese de uma carta constitucional capaz de apaziguar tensões e de evitar o pior, mediante um compromisso entre a tradição e a inovação considerada possível”. Foi então D. Miguel (1802-1866) promovido a comandante-chefe do exército.

Abrilada

“D. João VI desconfiava de D. Carlota Joaquina [sua esposa] e de D. Miguel, muito chegado à mãe. Por isso, em Maio de 1823, tentara inicialmente manter as Cortes, e só as abandonou quando isso lhe pareceu o único meio de retirar a iniciativa ao infante. Para a Inglaterra, que não queria ver Portugal outra vez na órbita de Madrid, e também para a França, desgostada com a dureza de Fernando VII, o infante e a sua mãe pareciam demasiado sintonizados com a corte espanhola. Finalmente, era preciso contar com todos aqueles que esperavam ainda uma reconciliação com o Brasil. Sendo o Brasil uma monarquia <liberal>, um Portugal <absolutista> poria fim a essa esperança”, segundo refere Rui Ramos.

Quando D. Miguel, como comandante-chefe do exército, a 30 de Abril de 1824 levantou os regimentos de Lisboa e tomou o poder, sequestrando o pai, o Rei D. João VI, num golpe que ficou conhecido por Abrilada, encontrava-se Pedro Alexandrino da Cunha a estudar na Academia da Marinha. Por ser um convicto liberal foi nesse mesmo dia preso com outros oficiais no Forte de Peniche.

Pela acção dos embaixadores, inglês e francês, foi o D. João VI, O Clemente, libertado e a bordo de um navio inglês, em 9 de Maio demitiu D. Miguel do comando do exército. Após esses nove dias na prisão, devido à perseguição miguelista, Pedro Alexandrino foi libertado e voltando à Academia, terminou o curso de Matemáticas, inscrevendo-se logo de seguida na Academia de Fortificação. Aí se encontrava quando em Julho de 1827 foi promovido a Tenente para o Regimento 13 de Infantaria.

Tinha já D. João VI falecido, o que ocorrera a 10 de Março de 1826 e o sucessor, seu filho D. Pedro, no Brasil outorgou a 29 de Abril desse ano a Carta Constitucional, que seguia o modelo francês de Luís XVIII. O então Imperador do Brasil D. Pedro I abdicou do trono de Portugal a favor da sua filha D. Maria II, mas, como esta ainda só tinha oito anos, numa tentativa de reconciliação entre absolutistas e liberais, nomeou D. Miguel para lugar-tenente e Regente do Reino. No entanto, para tal acontecer teria D. Miguel de aderir ao regime constitucional, o que aceitou e assim, pôde regressar da Áustria onde se encontrava exilado. Chegou a Lisboa em 26 de Fevereiro de 1828 e teve uma estrondosa recepção, com muito povo e sobretudo pelos seus partidários. De referir que, os absolutistas controlavam as áreas rurais, sendo apoiados pela aristocracia e camponeses, enquanto os liberais tinham a sua base numa parte significativa dos militares e na classe média a viver nas cidades, sobretudo no Porto e Lisboa.

D. Miguel, segundo filho de D. João VI, logo a 13 de Março de 1828 dissolveu a Câmara dos Deputados e a 3 de Maio convocou os três Estados, declarando nulo o juramento da Carta Constitucional. A eleição em Santarém dos Procuradores às Cortes ocorreu a 16 desse mês e estas, a 11 de Julho reconheciam D. Miguel como rei absoluto. A violência do regime contra os liberais levou por razões políticas a milhares de portugueses emigrarem.

Segundo Joel Serrão, “De 1828 a 1832, dentro e fora do País, tudo se encaminha para a guerra civil, e ela eclode com a instalação no Porto de um pequeno exército de exilados e soldados açorianos. É então que Mouzinho da Silveira lança na fogueira da confrontação nacional os seus decretos destinados a desmontar a estrutura do Antigo Regime e a alicerçar o Portugal renovado com que sonhavam os liberais moderados que se reuniam em torno de D. Pedro: um país europeizado mediante as práticas de deixai produzir, deixai circular”.

1 Mai 2017

O liberal Pedro Alexandrino da Cunha e a sua época

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]edro Alexandrino da Cunha sucedeu como Governador de Macau ao Conselheiro e Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral, após este seu amigo ter sido assassinado a 22 de Agosto de 1849, por sete chineses junto à povoação de Mong Há. Um Conselho do Governo, composto pelo Bispo Jerónimo da Mata, o Juiz Joaquim de Morais Carneiro, Ludgero de Faria Neves, Miguel Pereira Simões, José Bernardo Goularte e o Procurador Manuel Pereira, tomou conta da Administração da Colónia até que, por decreto de 22 de Outubro de 1849, o Capitão Feliciano António Marques Pereira foi nomeado para o Governo interino de Macau. Seria exonerado a 5 de Novembro de 1849, quando por decreto foi nomeado o novo Governador, Pedro Alexandrino da Cunha, que na altura andava pelo Brasil numa missão comercial. Tomou ele posse em Macau a 30 de Maio de 1850, mas logo veio a falecer por doença trinta e sete dias depois. No dia seguinte, 7 de Julho de 1850 foi nomeado um Conselho de Governo, constituído pelo Bispo D. Jerónimo José da Mata (presidente), o novo juiz de Direito Sequeira Pinto, o Presidente do Senado José Bernardo Goularte, o Procurador Lourenço Marques, o Comandante da corveta D. João I Isidoro de Guimarães, o Tenente-coronel António Tavares de Almeida e como Secretário António José de Miranda. Este Conselho esteve à frente da Administração da cidade até 26 de Janeiro de 1851, quando desembarcou em Macau o novo Governador, o Conselheiro Capitão-de-Mar-e-Guerra, Francisco António Gonçalves Cardoso, nomeado, por decreto de 17 de Outubro de 1850. Veio de Hong Kong a bordo da corveta D. João I, a mesma que anteriormente transportara Pedro Alexandrino da Cunha e apesar de esta ter fundeado na Rada na sexta-feira, dia 24, só dois dias depois este desembarcou em Macau no cais do Governador. Francisco Gonçalves Cardoso também apenas exerceu as suas funções por um curto espaço de tempo, entre Fevereiro e Novembro de 1851, a que se lhe seguiu em 19 de Novembro desse mesmo ano Isidoro Francisco Guimarães, Governador de Macau até 1863.

Brilhante estudante

Pedro Alexandrino da Cunha, nascido a 31 de Outubro de 1801 na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa, era “filho único de D. Rita Tiburcia da Costa e do Primeiro Tenente da Armada, Jacinto Peres da Cunha, que em 1801 falecera em Argel das feridas mortais que recebera dos mouros, na ocasião em que por eles foi tomada a Fragata Cisne, onde se achava embarcado. Em Outubro do referido ano”, poucos meses depois da morte de seu pai, nasceu Pedro Alexandrino. Com 14 anos entrou no Colégio da Luz (Colégio Militar), onde foi um distinto aluno, “sobrepujando a todos os seus condiscípulos e camaradas, pelo transcendente talento de que a natureza o dotara para tal ordem de matérias”, como ficou referido no Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, nessa altura redigido por Carlos José Caldeira e de onde retiramos muitas das informações aqui transcritas sobre a vida de Pedro Alexandrino da Cunha. Após completar o curso de estudos em 1819, logo iniciou a carreira militar e assentou praça na antiga Brigada Real da Marinha, onde por Portaria de 22 de Março de 1821 passou a Alferes integrado nos quadros do Estado-Maior do Exército, ficando a trabalhar no Arquivo Militar.

Em 1820 ocorrera em Portugal a Revolução Liberal e o Rei D. João VI encontrava-se no Brasil, para onde fugira em Novembro de 1807, na altura ainda como regente de D. Maria I, quando as tropas napoleónicas e espanholas comandadas por Junot se encontravam às portas de Lisboa. Durante treze anos ficou no Brasil, refugiado com a família real e toda a corte portuguesa, fazendo do Rio de Janeiro a capital de Portugal e de onde tratava os assuntos do império. Contra os invasores exércitos de Napoleão Bonaparte, em Agosto de 1808 a Inglaterra enviara um corpo expedicionário em auxílio a Portugal, a quem também fez um grande empréstimo de dinheiro e por Carta Régia foi o comércio nos portos brasileiros aberto aos países amigos.

“Napoleão obrigara à mudança da corte portuguesa para o Brasil, transferindo-se, assim, a sede da monarquia portuguesa em 1808 e transformando-se nos anos subsequentes a antiga colónia em metrópole. Tal atitude veio a ser referendada com a sua elevação a reino em 1815 (o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves), medida curiosamente sugerida a D. João (VI) por um dos seus avisados conselheiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, em parecer de Abril de 1814, e também sugerida a Palmela por Talleyrand em Viena.

O antigo pacto colonial entre Portugal e Brasil fora também alterado com a abertura dos portos brasileiros e com os tratados celebrados com a Inglaterra em 1810, o que permitiu um crescimento económico diferente para o Brasil, ao contrário de Portugal. Era um mal-estar económico-social que invertia os termos da balança do Poder. Por outro lado, a partir de 1808 amplia-se uma situação de miséria económica em Portugal, com as fábricas em declínio, a agricultura em decadência, o que provocava nos anos entre 1808 e 1820 um colapso nas rendas públicas, que arrastava consigo a miséria, o desemprego e os atrasos nos pagamentos ao funcionalismo e aos militares. A esta situação acrescia o imobilismo governativo de uma regência deixada em Lisboa: os governadores do reino procuravam gerir uma nação empobrecida, desmoralizada e em situação de domínio militar sob a tutela britânica, depois de ter estado sob a tutela proteccionista francesa”, segundo Isabel Nobre Vargues, que refere “O pronunciamento militar de 24 de Agosto de 1820 deu origem a um dinâmico movimento de mudança na sociedade portuguesa, que pôs em causa as estruturas de um Estado de Antigo Regime e que é consagradamente conhecido sob o nome de Revolução ou Regeneração de 1820”. (…) “Com a instalação do primeiro parlamento liberal em Portugal – as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa -, a 26 de Janeiro de 1821, estava firmado o primeiro objectivo do movimento revolucionário de 1820”.

D. João VI, ainda no Brasil em Fevereiro de 1821, foi obrigado a jurar a sua adesão ao movimento liberal e como em Portugal Continental, o governo vintista chamava “a atenção para a influência que exerceria na nação portuguesa a presença de uma personagem real”, então o Rei por fim decidiu regressar, entrando em Lisboa a 4 de Julho de 1821. Três dias antes da sua partida, em 22 de Abril de 1821 nomeou como regente para governar o Brasil o filho D. Pedro. Com o regresso do Rei e de toda a Corte, perdeu o Rio de Janeiro toda a animação e o estatuto de capital do Reino, assim como voltava de novo o Brasil a ser apenas numa simples colónia. Segundo o que previa Silvestre Pinheiro Ferreira, <a partida do rei implicava a separação do Brasil>. Então, D. Pedro, filho sucessor do Rei e o único da família real que aí ficara, abraçando a causa liberal proclamou a Independência do Brasil em 7 de Setembro de 1822 e a 12 de Outubro desse ano foi aclamado D. Pedro I, Imperador do Brasil. No entanto, Portugal apenas reconheceu a independência do Brasil a 15 de Novembro de 1825, só para que fosse possível aos mercadores portugueses de novo aí permanecerem.

21 Abr 2017

A meretriz Blanche Lachmann

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]uitas são as versões fantasiosas e contraditórias da história de Madame Paiva, a mais bem sucedida cortesã parisiense do século XIX, que encheram as páginas dos jornais parisienses, “menos atarefada nos assuntos grávidos da política, da indústria e da sã moral”, segundo Camilo Castelo Branco.

Esther Blanche Lachmann (1819-1884) era filha de pais polacos judeus exilados na Rússia (pois, após este país anexar a Polónia em 1815, muitos foram os judeus que para aí se mudaram), apesar do historiador Padre Manuel Teixeira dizer ser “filha bastarda do Grão-duque Constantino, da Rússia”. Em Moscovo, com 17 anos casou-se com um alfaiate francês a 11 de Agosto de 1836, de quem no ano seguinte teve um filho Antoine. Afundada na pobreza, sem horizontes, numa monótona vida dura e de dificuldades, resolveu fugir e por volta de 1840, abandonou para sempre o marido e filho. Apareceu em Paris, instalada junto à igreja de Notre Dame de Lorette, onde se introduziu no milieu da prostituição, com o nome de Thérèse. A sua esbelta figura abriu caminho de capital em capital e em Berlim terá começado a actividade de espia ao serviço da Alemanha, passando por Viena e Istambul, onde foi a favorita do local Sultão. Por volta de 1841 chegou à estância alemã de Ems, onde encontrou Heinrich Herz, ela com 22 e ele 35 anos. Entre 1841 e 1847/8 viveu em Paris amancebada com esse famoso pianista e compositor e através do salon Herz, por ele anteriormente criado, ingressou no meio musical e intelectual, convivendo com artistas como Berlioz e Offenbach, tendo aí patrocinado a estreia de muitos jovens profissionais. Conheceu Franz Liszt e Richard Wagner e escritores como Théophile Gautier e Emile de Girardin, sendo então uma das mulheres mais atraentes de Paris. Influenciada por esse ambiente, aprendeu a tocar piano e com Henri teve uma filha, Henriette. Escondida como senhora Herz, aventurou-se a “sentar-se entre as duquesas nos saraus de Luís Filipe”, até que certo dia, ao chegar a um evento ouviu: <A madame enganou-se na porta>. Percebeu ter sido desvelado o segredo da sua concubinagem, sendo “expulsa afrontosamente dos círculos também falsamente carimbados de honestidade”, nas palavras de Camilo Castelo Branco. Este episódio terá acordado nela a voragem para as suas extravagâncias, com que lapidou a pequena fortuna de Herz. Tal obrigou-o em 1848 a partir numa tournée pelos Estados Unidos, que durou cinco anos, altura em que os pais de Herz a colocaram fora de casa.

Com os milordes em Londres

Sozinha e sem dinheiro ainda pensou em se suicidar, não fosse a ajuda de Teófilo Gautier, do jornalista Jules le Comte e da amiga Ester Guimont, que a apresentou ao famoso modista Camilo. Este aconselhou-a a ir para Londres e colocou-lhe à disposição toda a indumentária. Outra versão refere-a já na capital do Reino Unido, instalada numa pensão que hospedava mulheres da sua condição, mas sem grande sorte com os clientes. As parcas economias rapidamente desapareciam e mal alimentada, doente e desesperada, tomou como solução suicidar-se. Valeu-lhe a dona da estalagem, que lhe propôs adiar tal acto e ofereceu-lhe um camarote na ópera para aí se expor. Se não resultasse, teria o dia seguinte para o realizar. Assim, à sua fulminante formosura ajuntou um vestuário de espaventos e sentou-se langorosamente num camarote de Covent-Garden, onde logo conseguiu dez fortunas a seus pés.

Esse período em que esteve em Londres, de aproximadamente um ano, por volta de 1848-49, é vagamente descrito pelos autores que sobre ela escreveram e do qual Camilo Castelo Branco refere, “fez que o rio Pactolo, representado por alguns milordes, lhe lambesse os pés com as suas ondas de ouro”. O primeiro deles foi Edward Stanley, o 2º Barão Stanley de Alderley, seu amante por algum tempo, seguindo-se-lhe um diplomata e político francês, Antoine Alfred Agenor, que mais tarde se tornou o 10.º Duque de Gramont, amigo de Louis Napoleon. E continuando pelo que se pode ler no artigo La Païva, colocado na internet, uma ficção da argumentista americana Cornelia Otis Skinner, nascida já a protagonista da sua história tinha morrido, onde narra o episódio (talvez por ela inventado) mais interessante da Mad. Blanche no período da estadia na capital inglesa. Refere-se ao banqueiro Adolphe Gaiffe (apesar de na biografia aparecer como homem de negócios e jornalista político), que apostara com uns amigos conseguir ter relações sem pagar com a dita madame. Blanche aceitou, mas em troca teria ele que queimar vinte notas de mil francos, uma em cada trinta minutos durante a secção de amor. Substituindo-as por notas falsas, mesmo assim não as conseguiu queimar e foi ela quem tal fez, acreditando ser dinheiro verdadeiro. Assim, ganhou a aposta.

Com a estadia em Londres, Blanche Lachmann fechou para sempre o seu ciclo de pobreza material, pois diz-se ter aí conseguido presentes que totalizaram 40 a 50 mil libras.

Uma prostituta por esposa

Agora Thérèse Esther Blanche Lachmann, já 40 vezes milionária, encontrava-se de novo em Paris, a ser galanteada por “um dos cinco mil príncipes russos que dão mobília nova aos bordéis parisienses”, nas palavras de Camilo Castelo Branco. O seu marido, Antoine Hycacinthe Villoing vem de Moscovo para tentar reatar o casamento, mas ela repudia-o e este, num recanto desta cidade, nunca mais interferiu na vida dela, até que faleceu a 15 de Junho de 1849.

Continuava Thérèse em vigilante sedução, focada sobretudo nos homens de Estado e políticos, atenta aos deslizes confessionais escancarados por carnais desejos, a servirem a sua actividade de espia a favor da Alemanha. A esse mundo, encoberto pelo trabalho de prostituta, faltava apenas um título para conseguir dignidade na sociedade e por isso, já viúva, casou-se a 5 de Junho de 1851 com Albino Francisco de Paiva de Araújo. No dia seguinte à noite de núpcias ela disse-lhe: <queria dormir comigo, e conseguiu-o fazendo-me sua mulher; deu-me o seu nome, eu absolvi-me a noite passada; portei-me como uma mulher honesta – queria uma posição e consegui-a, mas tudo o que tem é uma prostituta por esposa. Não me pode levar a lado nenhum; não pode apresentar-me a ninguém. Por isso, devemos separar-nos; regresse a Portugal que eu fico aqui, usando o seu nome e continuando a ser uma meretriz>.

Não terão sido essas palavras, se realmente ela as pronunciou, que o levaram a dar o tiro pois, só vinte anos mais tarde, a 8 de Novembro de 1872 é que Albino, o boémio macaense, se suicidou em Paris, no patamar das escadas do prédio n.º 11 da Rue Neuve des Mathurins, onde então morava. Carregado de dívidas percebeu não ser mais necessário à diva o seu falso título de marquês, pois ela era já condessa, devido ao casamento um ano antes com um verdadeiro Conde, Henckel von Donnermarck. A luxuriante Paris das luzes já não tinha mais espaço para o Paiva. Triste destino, que então também estava a acontecer a Macau, com o aparecimento de Hong Kong.

7 Abr 2017

Por coincidência, falso marquês

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual teria sido a finalidade de Madame Blanche Lachmann se casar com Albino Paiva? Num anterior artigo referimos as famílias ligadas à nossa personagem principal, mas faltou falar da descendência proveniente do casamento de Francisco José de Paiva com Inácia Vicência Marques. Os avós do lado materno de Albino Francisco de Paiva de Araújo tiveram oito filhos e se aqui apenas nos interessa Mariana, uma das cinco filhas e mãe do nosso biografado, já o seu tio, Francisco José de Paiva filho (1801-1849) foi o elemento da família mais distinto e quem deu o nome à Travessa do Paiva. Sobre ele haveremos de tratar em próxima ocasião. Outra filha deste casal, que mais adiante irá aparecer nesta história, é D. Antónia Maria de Paiva, nascida na freguesia de S. Lourenço a 22 de Dezembro de 1816 e que casou em Lisboa com Francisco Rebelo de Albuquerque de Mesquita e Castro, 2.º Visconde de Oleiros, segundo informações de Jorge Forjaz no livro Famílias Macaenses.

Em Paris, sobre Albino Francisco de Paiva de Araújo, Flectwood-Hesketh diz ser “marquês de Paiva Y Aranja com quem [Thérèse Blanche Lachmann] se casou em Passy em 5 de Junho de 1851. Paiva era primo do embaixador português. Aparentando ser muito rico, ele estava na realidade profundamente endividado; as grandes propriedades em Portugal, de que ele se dizia herdeiro, eram inteiramente fictícias. Ele vivia do dinheiro de Teresa; primeiro ficaram na rua Rossini, depois numa casa curiosa no Lugar de S. Jorge, de escultura gótica, construída em 1840 pelo arquitecto Renaud. Em troca do seu grau nobiliário, ela deu dinheiro a Albino, mas só o mínimo da bênção nupcial; e durante um ano uma nova luz navegou na sua órbita.” A informação de Albino Paiva de Araújo ter o título de Marquês não é verdadeira, nem tão pouco o de ser primo do embaixador português em Paris, o Visconde de Paiva. No entanto, é espantosa a coincidência pois encontrava-se em Paris na mesma altura Francisco José de Paiva (1819-1868), 1.º barão em 1853 e 1.º visconde de Paiva em 1858, como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário de Portugal em Paris. Este era filho de D. Ana Sofia Thompson e de José Caetano de Paiva Pereira, fidalgo cavaleiro da Casa Real e membro do Supremo Tribunal de Justiça. Casado com Carlota de Oliveira Maia a 19-12-1838, foi eleito par do Reino em 1862. Em Paris contraiu enormes dívidas, que não conseguia pagar e por tal foi transferido para Berlim e aí se enforcou de profundo desgosto em 1868. Interessante paralelismo com a história do nosso boémio, Albino Francisco de Araújo, que também se suicidou e cujo avô e tio tinham o mesmo nome do embaixador português em Paris.

O final de Paiva de Araújo

Foi pelo título (falso) de marquês que Blanche Lachmann se casara com Albino de Paiva de Araújo, pois, já 40 vezes milionária desde que viera de Londres, faltava-lhe apenas um título para adquirir dignidade na sociedade, condizente com a sua opulência e assim, passou a apresentar-se com o seu marido, o marquês de Paiva. O padre Manuel Teixeira refere, “Ainda vivia com este suposto marquês, que era o seu segundo marido, a quem dera dinheiro em troca do seu grau nobiliário, quando foi apresentada, pelo cônsul alemão Félix Bamberg numa noite de ópera em 1852, ao conde Henckel von Donnersmark”.

Segundo Camilo Castelo Branco: “Dobaram-se alguns anos em que nada averiguei; até que, em 1873, li nos jornais portugueses que Paiva Araújo se suicidara em Paris. Conversando a tal respeito com António Augusto Teixeira de Vasconcelos, em Lisboa, por 1874, me disse o famoso escritor, que o conhecera muito em Paris, e tinha exactas informações da sua morte.

O marido indigente de mad. de Paiva procurou congraçar-se com a sua marquesa, que vivia opulentamente no seu palácio de Pont-Chartrin, o das 365 janelas, decorado por Paul Baudry, ligada ao conde Henckel de Donnesmark. Ela repeliu-o. Paiva manteve-se algum tempo de empréstimos, e pequenos donativos talvez da mãe com que ia disfarçando a sua pobreza aos olhos de outros a quem tencionava recorrer”.

O Padre Manuel Teixeira refere, “Tendo obtido do Santo Ofício a anulação do seu casamento com o <Marquês> de Paiva a aventureira consorciou-se pela terceira vez com o Conde Henckel de Donnesmark, rei do cobre da Silésia”. Peter Flectwood-Hesketh dá as datas, “Em 16 de Agosto de 1871, o casamento de Blanche com Paiva foi anulado pelo Vaticano e em 28 de Outubro ela casou com Henckel na igreja evangélica da Confissão de Augsburg na Rua Roquépine, Paris. Paiva vivia no n.º 11 da Rue Neuve des Mathurins. Em 8 de Novembro de 1872 ofereceu aos seus credores um jantar particular na Maison Dorée, o qual ele não podia pagar. Voltando a casa nessa noite, pôs termo à vida com um tiro de revólver no peito, tendo 45 anos de idade”. Mas segundo escreve Camilo Castelo Branco, “Um dia, em grande apuro, escreveu pedindo 2000 francos a um rico e antigo conviva dos seus desperdícios, e, juntamente com a carta, meteu na algibeira do fraque coçado um revólver. A carta foi, posta interna, ao seu destino, e a resposta, no dia imediato, foi entregue ao porteiro do hotel. Quando voltou a casa e leu a resposta negativa, ainda subiu alguns degraus, e, no primeiro patamar, caiu moribundo com um tiro no peito. Se bem me lembro, foi o ministro português quem pagou o carro que conduziu o cadáver ao Pére La Chaise.

Depois, a viúva que, até esse dia, se chamava marquesa, pelo seu segundo marido, casou com o terceiro, que realmente a fez condessa. Não duvido que Paiva Araújo se intitulasse marquês em França. Jeronymo Collaço também se intitulava conde, e, a falar verdade, não carecia d’esse ridículo para se distinguir.

Só duas palavras mais a respeito da mãe de Paiva Araújo. Há-de haver oito anos que a sua casa, ricamente ornamentada, foi à praça para pagamento de dívidas. Ela tinha sacrificado quase toda a sua meação para salvar o filho. Pagou as dívidas, e retirou-se com umas sobras mesquinhas para um pobre casebre rural, nos arrabaldes do Porto. Não tenho a certeza de que ela já gozasse a suprema felicidade de morrer”. Assim termina Camilo Castelo Branco a sua crónica publicada no Jornal da Manhã de 13 de Julho de 1885, mas no livro Boémia do Espírito, editado no Porto em 1886, acrescenta em nota duas cartas que recebera no entretanto de amigas da macaense Senhora Paiva para o esclarecer. Interligando essas duas cartas, pois o conteúdo repete-se, fica-se a saber que “Vivia no Porto, na rua de Santa Isabel [próximo do jardim Arca d’ Água], recebendo uma pequeníssima mesada [proveniente de Lisboa] que lhe davam a irmã [D. Antónia Maria Paiva] e sobrinha, viscondessa dos Olivais e viscondessa de Oleiros, mesada que mal chegava para viver debaixo da maior economia” e na outra carta se refere, “A infeliz macaense faleceu no dia 26 de Maio último (1885) com 88 anos, (…e…) está enterrada na Lapa, da qual foi uma grande benfeitora” e regressando à primeira carta, “Foi aquela Irmandade que lhe fez o enterro gratuitamente, como lembrança de algumas esmolas que ela, em tempo, deu àquela Irmandade”.

31 Mar 2017

O final da boémia vida de Albino Paiva

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m artigo anterior, deixamos a história de Albino Francisco de Paiva de Araújo após o regresso da viagem a Portugal que fizera com a sua esposa, a Thérèse Blanche Lachmann, aliás Madame Paiva. Camilo Castelo Branco referia, “A polaca regressou a Paris, e como o seu marido constituía um empacho aos seus embelecos e astúcias, requereu a separação e regressou ao exercício profissional do galanteio”. Tal visita desmente as versões a circular sobre o dia seguinte ao casamento ocorrido a 5 de Junho de 1851 e que teve como uma das testemunhas o escritor Theophile Gautier. Segundo diz Viel-Castel, nas Memórias de Conde Horace, no dia seguinte a casar a nova Madame Paiva entregou ao marido uma carta em que punha termo ao casamento.

Já sobre o que ocorreu em Paris, Peter Flectwood-Hesketh refere, “Na ópera com Florentino [o jornalista napolitano Angélico Florentino], uma noite, em 1852 (ano seguinte a se ter casado com o Paiva), o cônsul alemão, Félix Bamberg, apresentou-a a Guido, conde Henckel von Donnersmark, austero mas belo jovem de 22 anos. Apesar de ser 11 anos mais novo do que ela, Guido ficou imediatamente cativo pela deslumbrante marquesa. A princípio ela apenas se divertia com a sua enfatuação; depois jogou com ele um jogo caprichoso de gato e rato. Só quando ele, desesperado, fugiu para Berlim, ela reconheceu em si uma afeição real por ele. Ela seguiu-o e lá começou uma relação que, acrescentada ao ambiente de segurança financeira que oferecia, aproximou-se mais do amor e do romance do que qualquer outra na sua vida calculada e egoísta, durante e até ao fim. Guido era herdeiro duma antiga família, cuja principal propriedade era Neudeck, perto de Tarnovitz, na Silésia [subúrbios de Munique], com valiosas minas de zinco, ferro e carvão. De Berlim foram para Neudeck, regressando a Paris, onde, em 2 de Dezembro, o príncipe Luís Napoleão recebeu o título de Imperador Napoleão III”. (…) “Ela partilhou com Henckel o entusiasmo pela música, sobretudo de Richard Wagner, assíduo visitante. A princípio evitava familiaridades com Guildo; mas quando o teve seguro, submeteu-se a este silencioso e apaixonado alemão. A adicionar a esta resposta amorosa, a sua experiência e habilidade nos negócios ajudou-o imensamente e ganhou a sua devoção e a gratidão durante toda a vida”. E continuando com Flectwood-Hesketh, “A casa de Teresa no Lugar de S. Jorge tornou-se mais uma vez o popular ponto de reunião do círculo literário, musical e artístico com grande desgosto da princesa Matilde, prima do imperador, que via naquilo uma invasão na sua área reservada, bem como da respeitável sociedade parisiense, que olhava para Teresa como pária intocável. Entre os habituais frequentadores de Teresa, quase todos do sexo masculino, contavam-se Paul de Saint-Víctor, León Gozlan, Émile de Girardin, Jacob Ponsard, Émile Augier, os irmãos Goncourt, Arsène Houssaye, Théophile Gautier, Sainte-Beuve e o austeno Taine. Entre os seus amigos havia também financeiros, que a ajudavam com conselhos salutares”.

Regresso a Portugal

Albino Francisco de Paiva de Araújo, após se separar da judia polaca, continuou por mais algum tempo na vida de boémia em Paris, onde gastou o que lhe sobrava da herança, que Camilo Castelo Branco referia, “uma fortuna de 400 contos de réis, que nessa época estariam reduzidos à décima parte” e veio para o Porto já endividado. E continuando com este escritor, que diz ter Albino Araújo abandonado a sua esposa dois anos decorridos, “mais ou menos espontaneamente, a um dos cinco mil príncipes russos que dão mobília nova aos bordéis parisienses, e regressou a Portugal com bastantes malas inglesas, uma dúzia de floretes, outras tantas caraças e manchetes, afora algumas dívidas. A mãe pagou-lhe as letras, e perdoou-lhe o casamento e a dissipação do património”. E continuando com Camilo Castelo Branco, “Durante quatro ou cinco anos, Paiva viveu muito recolhido no Porto, mas frequentando pouco a convivência da mãe.

Habitava uma casinha de duas janelas, situada na extremidade do jardim. Saia de noite, recolhia de madrugada, e passava o dia a comer e a dormir. Um escudeiro levava-lhe em tabuleiro coberto o almoço e o jantar da cozinha da mãe, que ele raras vezes procurava. Era-lhe odiosa, porque lhe não dava dinheiro para sair de Portugal, e apenas lhe enviava mensalmente o necessário para dignamente se tratar na sociedade pacata, frugal e económica do Porto.

Em 1855 e 56 encontrei-o muitas tardes nos pinhais e carvalheiras da Prelada e de Lordelo, passeando com uma francesa de muita vista, escultural, com a trança dos cabelos louros desatados sob as amplas abas d’um chapéu de palha azul ondulante de fitas escarlates. Se eu procurasse o nome dela na sepultura para lh’o dizer, não o acharia, porque a francesa, d’um espírito raro, morreu na obscuridade da pobreza, e d’uma velhice que redime e pede perdão para os delitos da juventude.

Dessa época lembram-me dois episódios de Paiva Araújo. A Macaense dera azo a que se soubesse cá fora que o filho a quisera matar com veneno, para empolgar a herança. O Jornal do Porto dera a notícia com discreta prudência; mas Paiva foi insultar com ameaças de azorrague o honrado proprietário daquele jornal, que desviou de si a responsabilidade da notícia, aliás verdadeira.

O outro caso, mais cómico pelas consequências, foi um duelo à espada, por motivos melindrosamente caseiros, com um fidalgo portuense chamado D. António Peixoto Pinto Coelho Pereira da Silva Padilha de Sousa e Haucourt, simplesmente. Se bem me recordo, Paiva Araújo desarmou, com pouca efusão de sangue, o contendor, D. António, alucinado com o êxito do duelo, atirou-se da ponte Pensil sobre… um barco rabelo de batatas que vinha mansamente descendo o Douro. E saiu sem contusão de entre as batatas que, de certo, não eram tão macias e flácidas como as almadraques de um kalifa de Córdova. (…) Em 1860 encontrei Paiva Araújo em Braga, leccionando francês no colégio da Madre de Deus, no palácio dos Falcões, onde uma família estrangeira tentava inutilmente a fortuna. O marido de Branca Lachmann, nesse ano, trajava menos que modestamente. O seu casaco e chapéu, em tais condições, não lhe os aceitaria um dos seus antigos criados”.

Jorge Forjaz refere, “Depois da separação, Paiva Araújo voltou a Portugal, conservando-se algum tempo no Porto. Mais tarde ainda tornou a Paris, de onde / de quando em quando vinha ao Porto visitar a mãe. Lutava já com os últimos recursos, completamente esbanjada, não a legítima como a própria herança paterna. Entretanto, Blanche Lachmann já fisgara um novo amante – desta vez tratava-se do Conde Henckel von Donnermarck, magnata de cobre na Silésia e primo de Bismarck”.

24 Mar 2017

Marquês por coincidência de apelido

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o escrever sobre um macaense, logo os seus apelidos mostram uma teia de casamentos que nos obriga, para dar um enredo coerente, a desmultiplicar as pesquisas por uma série de gerações e famílias. Assim, como a maior parte delas tem parentescos entre si, não faltará em Macau, por muito que custe, quem seja familiar de Albino Francisco de Paiva de Araújo (1824-1872). O Padre Manuel Teixeira refere, “Era filho de Mariana Vicência de Paiva, de raízes beirãs, e de Albino Gonçalves de Araújo, de raízes brasileiras. A sua genealogia entronca com macaenses ilustres, oficiais do Exército e da Armada” e sobretudo ligadas ao comércio, sendo nessa altura o ópio a mercadoria mais importante e de maior valor, que levou nos séculos XVIII e XIX ao enriquecimento dos muitos europeus a viver em Macau.

A mãe, Mariana Vicência nascera a 22-7-1802 na “Cidade do Santo Nome de Deus”, sendo filha de Inácia Vicência e de Francisco José de Paiva. O pai do nosso biografado era Albino Gonçalves de Araújo, natural do Rio de Janeiro, Brasil, da freguesia de Nossa Senhora de Candelária, (e segundo Jorge Forjaz nascera em 1797), vindo a falecer em Macau a 24 de Janeiro de 1842, sendo filho de José Gonçalves de Araújo, natural da Ribeira da Pena e de Ana Francisca de Araújo, nascida em Rio Pardo, Rio Grande do Sul, Brasil. Albino José Gonçalves Araújo foi inspector encarregado da aferição dos pesos e medidas e da taxação dos géneros alimentícios, o “almotacé da Câmara em 1824 e irmão da Santa Casa da Misericórdia, eleito a 9 de Abril de 1829” e “era proprietário do navio Conde de Rio Pardo, que fazia viagens para o Rio e Lisboa. Deixou uma grande fortuna, que foi depois criteriosamente administrada e aumentada por sua mulher”, D. Mariana Vicência de Paiva, com quem se casara “no oratório das casas de seu sogro (freguesia de S. Lourenço) a 7 de Novembro de 1823”, segundo Jorge Forjaz quando fala da família Araújo, mas, ao tratar sobre os Paiva refere a data de 8 de Janeiro de 1823. Já o Padre Manuel Teixeira indica que a 7 de Janeiro de 1823 foram casados pelo Frei João de Sto. António, O.F.M., comissário da Terra Santa e Vigário de S. Lourenço, tendo como testemunhas o conselheiro Manuel Pereira e o comendador Domingos Pio Marques.

As famílias Paiva e Marques

A mãe do nosso biografado, Mariana Vicência de Paiva nasceu na freguesia de S. Lourenço em Macau a 22-7-1802, segundo o P. Manuel Teixeira, enquanto Jorge Forjaz indica o dia 21, sendo baptizada aos 28 desse mês e morreu no Porto, na Rua de Santa Isabel a 26 de Maio de 1885. Era ela filha legítima de Francisco José de Paiva e de Inácia Vicência Marques, duas das mais influentes famílias de Macau, que enriqueceram com o comércio marítimo. Ambas, os Paiva e os Marques, eram provenientes do lugar de Vila do Mato, freguesia de Midões, concelho de Tábua, Beira Alta e o pai de Inácia Vicência, Domingos Marques chegara a Macau por volta de 1760. Sendo Francisco José de Paiva, o marido de Inácia Vicência, também nascido na mesma localidade (lugar Vila do Mato), parece ter chegado a Macau chamado por Domingos Marques. Assim Francisco José de Paiva, nascido c.1758, viera para Macau por volta de 1780 e casou-se na Sé a 24 de Novembro de 1795 com Inácia Vicência Marques. Foi comendador da Ordem de Cristo e faleceu a 27 de Novembro de 1822, ficando sepultado na Igreja de S. Francisco. E continuando com as informações de Jorge Forjaz, “Depois da sua morte a sua firma passou a denominar-se Viúva Paiva & Filhos e tinha escritórios em Cantão, que eram dirigidos por Joaquim José Ferreira Veiga”.

Inácia Vicência Marques, avó pelo lado materno de Albino Francisco de Paiva de Araújo, era filha de Domingos Marques e de Maria Ribeiro Guimarães, natural de Macau. Domingos Marques, que faleceu em Macau a 12 de Janeiro de 1787, “foi procurador do Senado em 1768, 1783 e 1784 e exerceu ainda os cargos de escrivão do Leal Senado e de juiz e administrador da Alfândega. Em 1774 foi eleito almotacé da Câmara. Deve ter-se dedicado ao comércio, onde certamente realizou capitais substanciais, pois foi proprietário do Mato do Bom Jesus e deixou à Santa Casa da Misericórdia o importante legado de 1015 taéis”, segundo Jorge Forjaz. Já Benjamim Videira Pires refere que Domingos Marques “foi Fidalgo da Casa Real, com brasão de armas, irmão de Marques de Távora, no reinado de D. José I” e daí a nota que Jorge Forjaz dá do testemunho de Alberto Alemão, que diz, “Domingos Marques era estribeiro-mor do Duque de Aveiro e foi envolvido também no caso dos Távoras, tendo chegado a ser interrogado e preso”. (…) “Teria cerca de 28 anos quando se deu o célebre atentado [1758] contra o Rei D. José, que originou a terrível perseguição aos Távoras…”

A família Ribeiro Guimarães

Domingos Marques teve seis filhos de Maria Ribeiro Guimarães, cujo pai era João Ribeiro Guimarães, provedor da Sta. Casa em 1753, sendo tesoureiro e procurador do Senado, quando a 27 de Fevereiro de 1773 foi preso, por ter passado aos mandarins chineses uns recibos para se lhes fazer entrega do inglês Francis Scot, acusado de ter assassinado um chinês. Segundo Jorge Forjaz, João Ribeiro Guimarães nascera em S. Miguel de Freixomil em Braga e era um “rico negociante e proprietário de navios em Macau. Foi procurador do Leal Senado em 1755, 1765 e 1782; almotacé da Câmara em 1763 e provedor da Santa Casa da Misericórdia em 1769”. Este casou-se por duas vezes, tendo da sua primeira esposa, Inácia de Oliveira Paiva, duas filhas, Mariana Francisca Guimarães e Maria Ribeiro Guimarães, que mais tarde aparece com o nome de Maria Francisca dos Anjos Ribeiro Guimarães. Refere Jorge Forjaz, “Há aqui uma qualquer mistificação genealógica que não consigo deslindar. Refiro-me ao facto de um neto deste casal (Domingos Pio Marques de Noronha e Castelo-Branco), no processo de justificação de nobreza que levou à concessão de armas, ter afirmado que a sua avó Maria Ribeiro Guimarães, se chamava… Maria Francisca dos Anjos Ribeiro Guimarães de Noronha e Castelo Branco, conseguindo com isso que lhe fossem concedidos armas destes dois últimos apelidos. Como naquele processo de justificação não provou como é que a avó tinha direito àqueles apelidos (o que, pelos dados disponíveis, não parece crível), estou em crer que estaremos perante uma qualquer tentativa de corrigir a história… <ad usum delfini>!

História diferente da nossa personagem principal, Albino Francisco de Paiva de Araújo, que em Paris se tornou marquês por coincidência de apelido.

17 Mar 2017

O macaense Albino de Paiva de Araújo na Europa

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]emos vindo a escrever sobre a história deste boémio e no último artigo tratamos já sobre uma das principais protagonistas, Blanche Lachmann, a tal Madame Paiva que em segundas núpcias casara com Albino de Paiva de Araújo, para em Paris conseguir um nome e uma dignidade equivalente à sua opulência. Falta agora apresentar o próprio Albino Francisco de Paiva de Araújo, que nasceu em Macau na freguesia de S. Lourenço a 19 de Maio de 1824 e suicidou-se em Paris em 1873. Estas são as datas referidas pelo padre Manuel Teixeira, mas Jorge Forjaz dá outras e se a de 1832 para o nascimento parece estar errada, a da morte, em 8 de Novembro de 1872, cremos ser a ajustada. No entanto, o ano de 1873 é referido pela maior parte dos autores que sobre esta história escreveram e a que Camilo Castelo Branco indica, mas mais à frente diz, “até que em 1873, li nos jornais portugueses que Paiva Araújo se suicidara em Paris”. Segundo Jorge Forjaz, o pai deste, Albino José Gonçalves Araújo nasceu no Rio de Janeiro (Candelária) em 1797 e faleceu em Macau, na freguesia da Sé, a 24 de Janeiro de 1832 (apesar de Manuel Teixeira referir 1842) e a mãe, Mariana Vicência nascera em Macau a 22 de Julho de 1802. Camilo Castelo Branco dá “uns ligeiros traços do perfil do sujeito. Paiva Araújo nascera em Macau e era filho único de um negociante rico, ali falecido por 1842. Quando o pai morreu, Paiva Araújo estava em Paris em um colégio. A viúva veio para a Europa, e para residir escolheu o Porto, onde não conhecia alguém. Mandou edificar uma casa perto da alameda da Aguardente [hoje desaparecida e que se situava no topo da rua do Bonjardim], mobilou-a com muito gosto e selecta riqueza de baixela d’ouro e prata, jarrões japoneses e porcelanas antigas. Fechou-se com o misterioso luxo de fada, sozinha, quase desconhecida de nome e de pessoa. Chamavam-lhe a Macaense. O seu nome era D. Mariana de Paiva Araújo. Sabia-se apenas que era viúva, muito rica e tinha um filho a educar em França. A casa arquitectada pelo risco burguês, trivial no Porto, era de azulejos amarelos com muitas janelinhas de estores brancos, sempre descidos. Tem um jardim com vasto portal gradeado para a rua, tufado de bosquetes de árvores exóticas e miniaturas de montanhas que punham na alma saudades das florestas do Buçaco e Senhor do Monte. Paiva Araújo não frequentou curso algum nem adquiriu noções vulgares em algum ramo de ciência. Aos dezoito anos veio para a companhia da mãe. Sobejava-lhe riqueza à mãe extremosa que dispensasse o seu filho único dos fastios de uma formatura inútil.

Por 1845 apareceu Paiva Araújo no Porto curveteando garbosamente o seu cavalo árabe por aquelas sonoras calçadas. Era um galhardo rapaz trigueiro, alto, com um buço preto encaracolado nas guias, elegante, sem as farfalhices coloridas da toilette dos casquilhos seus coevos. Tinha poucas relações, e dava-se intimamente com Ricardo Browne, o árbitro da moda. Ricardo Browne era tão poderosamente iniciador que até, pelo facto de ser muito surdo, contagiou de surdez fictícia muitos rapazes em condições as mais sanitariamente fisiológicas das suas grandes orelhas. Estes rapazes, assim cavaleiros, figurinos, lovelacianos, esgrimidores, mais ou menos surdos, chamavam-se simplesmente janotas, ou em nomenclatura mais culta – dandys. Não se conhecia ainda em Portugal o peregrino vocabulário de sport, de turf, de sportman, de high-life, de sporting, de gommeux. Ignoravam-se estas inglesias e francesismos da actualidade mascavada de idiomas com que um qualquer modesto noticiarista da travessa de Cata-que-farás, 4.º andar, lado esquerdo, parece que nos está conversando num salão de Regent-Street, a marinhar com as pernas pela espalda de um carmezim, as suas emoções pessoalíssimas de Hyde-Park e Jockey-Club.

O Porto e a vida reclusa de sua mãe deviam ser intoleráveis a Paiva Araújo. Browne saiu para Paris, e ele para Lisboa, onde se notabilizou facilmente pelas prodigalidades das suas despesas. Bulhão Pato, em um dos seus escritos entristecidos pela saudade daqueles tempos, fala do cavalheiro Paiva Araújo. Dava jantares aos rapazes da alta linha, a colmeia do Marrare do Chiado, parte dos quais ainda vive mais ou menos pintada; e, feito o último brinde, quebrava a louça do toast, voltando a mesa como quem ergue a tampa de um baú. Pagava generosamente o prejuízo. O seu vinho, além de reduzir os cristais a cacos, não tinha mais funestas consequências.

Assim que perfez a idade legal, pediu o seu património paterno à mãe, e foi viajar. Recebeu letras no valor de cento e tantos contos. Conheceu então em Baden-Baden a deslumbrante mulher que chegara da exploração dos lords com um pecúlio que lhe permitiu construir um palácio”, segundo Camilo Castelo Branco. Jorge Forjaz dá uma achega dizendo, “Blanche Lachmann deitou as mãos a Albino Araújo e não passou muito tempo estavam a casar, a 5.6.1851, na Capela dos Irmãos da Doutrina Cristão em Passy, Paris”. E continuando com Camilo: “Casou. Se ela morresse de 72 anos, segundo o cômputo de algumas folhas francesas, teria casado aos 39 anos com o nosso compatriota. Deveria ser, portanto, extraordinária e bestificadora a formosura de uma mulher que, em tal idade, ainda viçava flores com frescor e perfume, tendo sido tão cheiradas e mexidas! O certo é que ela tinha 25 anos quando casou em segundas núpcias, 46 nas terceiras, e 58 quando morreu no seu palácio de Newdeck, de uma febre cerebral consequente a um reumatismo cardíaco. Depois de ter entesourado no seu largo peito vinte pródigos conhecidos com os patrimónios correspondentes, ainda lhe restava espaço no coração para alojar um reumatismo! Valente e elástico músculo de polaca!

Paiva Araújo, casado, visitou Lisboa e a mãe, com a esposa. A polaca no Porto, no topo da fétida rua do Bomjardim, com a nostalgia de Paris!… Certas mulheres que viveram em Paris, nas máximas condições de horizontalidade, só lá podem viver”. Interrompemos a crónica de Camilo Castelo Branco que já vai longa, mas acerca da vida em Portugal desta personagem é quem melhor está documentado. Jorge Forjaz adita, “Ainda estiveram juntos em Lisboa, onde ela teve algumas dúvidas sobre o real fundamento da fortuna dele, já então seriamente abalada. Conta Pinto de Carvalho que estando no Hotel Victor em Sintra “. E concluindo com Camilo Castelo Branco, “A polaca regressou a Paris, e como o seu marido constituía um empacho aos seus embelecos e astúcias, requereu a separação e regressou ao exercício profissional do galanteio>”. Encontramo-nos agora com as personagens principais apresentadas.

10 Mar 2017

Blanche Lachmann, a tal Madame Paiva

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o artigo da semana passada, com o título Boémio macaense suicida-se em Paris, focamos a vida de Branca Lachmann através de dois autores, um romancista, Camilo Castelo Branco, que diz ser ela uma polaca de nascimento e outro, o historiador Padre Manuel Teixeira, que a refere como “filha bastarda do Grão-duque Constantino, da Rússia, sendo uma judia polaca” e “favorita do Sultão de Constantinopla, espia da Alemanha e veio a casar com o alfaiate Francisco Hyacinthe Villoing”. É da tradução deste padre historiador, de um artigo escrito por Peter Flectwood-Hesketh e publicado na revista Country Life de 25 de Setembro de 1969, que complementamos com informações mais detalhadas o anterior texto.

“Ester Paulina Blanche Lachmann nasceu em Moscovo, sendo filha de um pobre alfaiate Martins Lachmann e de sua mulher Ana Maria Klein, judeus refugiados da Polónia. Sobre o seu nascimento aparecem duas datas: – uma, a de 7 de Maio de 1826, dada pelo livro Genealogisches Handbuch der Fürslicher Haüser;” outros, como Frederich Loliée (que em 1914 publicou a relação completa da sua vida), “dão o ano de 1819 – uma diferença de 7 anos”, a qual foi usada por Peter Flectwood-Hesketh. (…) “Aos 17 anos, Teresa – nome que adoptou [somente em Paris] em vez de Ester – casou com Antoine François Hycacinthe Villoing, jovem alfaiate francês tão pobre como ela (ainda que no Handbuch aparece como banqueiro), de quem teve um filho. O jovem casal trabalhava longas horas no rés-do-chão mal iluminado dum prédio de Moscovo. No entanto, Teresa convenceu-se que esta vida não era para ela. Resolvida a alcandorar-se um dia ao pináculo mais elevado da riqueza e do triunfo e fixando uma linha de que nunca mais se desviou, ela, numa bela manhã, lançou-se sozinha para o mundo, abandonando o marido e a sua criança.

Dizem que era dotada duma bela figura, pescoço grego, cabelo espesso castanho-aloirado e olhos soberbos. Com estes atributos, uma inteligência astuta, uma vontade indomável e uma energia quase ilimitada, abriu o seu caminho de capital em capital – Berlim, Viena, Constantinopla – e aí por 1841 chegou à estância alemã de Ems. Aqui encontrou Heinrich Herz, pianista e compositor já célebre, e sentiram-se atraídos imediatamente um pelo outro. Ela tinha 22 anos, ele 35 e depressa Teresa passou a viver com ele como sua <esposa> em Paris, cidade dos seus sonhos, ingressando no seu meio musical e intelectual. Teresa tornara-se, no entanto, uma boa música e com Herz ficaram patronos de muitos jovens profissionais que eram convidados a fazer sua estreia parisiense no salon Herz”. [Heinrich Hertz (1803-1888), um dos mais célebres pianistas e compositores do seu tempo, nascera em Viena, na Áustria, mas adoptou a França como seu país, onde fez a sua vida, sendo professor no Conservatório de Paris. Como na Europa os tempos não eram muito propícios para os judeus, escondeu essa sua origem.]

“Herz estava próspero. Fundou uma fábrica de pianoforte [em 1830], construiu uma casa e um salão de concertos [o salon Herz criado em 1838 na rua de la Victoire, onde muitas vezes Berlioz e Offenbach deram concertos], mas nem os seus recursos bastavam à extravagância de Teresa”, segundo Hesketh. Tal levou Henri Herz em 1848 a “fazer uma tournée na América para recuperar a sua fortuna, deixando Teresa com a criança que tinha dele. Esteve ausente cinco anos e nesse intervalo, os seus parentes puseram Teresa na rua, mas ela levou consigo muitas das suas pertenças”.

Aqui ajustamos tais informações com as de Camilo Castelo Branco que refere, “Ligada primeiro a Herz, pianista célebre, sob a falsa estampilha de esposa, chegou a sentar-se entre as duquesas nos saraus de Luís Filipe. Depois, desvelado o segredo da sua concubinagem, foi expulsa afrontosamente dos círculos também falsamente carimbados de honestidade, e fugiu para Londres, deixando ou levando o pianista”. Compreender-se-á pois a razão dos pais de Herz a terem colocado fora de casa, quando o seu filho se encontrava em digressão pela América e por isso, se desfaz a dúvida que Camilo colocou se terá ou não levado o pianista com ela para Londres. Também o que refere Peter Flectwood-Hesketh sobre o filho que teve de Herz parece ser produto de uma confusão pois este, como mais à frente refere, faleceu em 1862 com 25 anos, sendo assim a data de nascimento a de 1837, logo ainda do tempo em que vivia com o alfaiate. A esse filho [Antoine de seu nome] pagou a educação, apesar de nunca mais o ter visto. Como se pode ler mais à frente nesse artigo, a filha que teve com Herz nascera em 1841/42 e viria a morrer em 1854 com 12 anos. No entanto, há fontes que indicam essa filha, Henriette ter nascido aproximadamente em 1847 e falecido a 1859.

Milionária em Londres

Ainda antes de ter ido para Londres, a senhora Villoing (pois o seu esquecido marido apenas faleceu a 15 de Junho de 1849) retornou à “pobreza, estando demais a mais desesperadamente doente. Teófilo Gautier visitou-a e ela ameaçou suicidar-se; mas prometeu que, se recuperasse, havia de construir um dia a casa mais linda de Paris. Outros foram também em auxílio de Teresa. O jornalista Jules le Comte ajudou-a a ingressar no mundo da moda, ao passo que a sua amiga Ester Guimont apresentou-a a Camilo, famoso modista, que, pressentindo uma cliente promissora, colocou à sua disposição toda a sua indumentária”, segundo refere Peter Flectwood-Hesketh.

Agora sim, em Londres sozinha no seu camarote de ópera, “ameaçada por uma segunda catequese de fome, ajuntou a sua fulminante formosura um vestuário de espaventos, sentou-se langorosamente num camarote de Covent-Garden”, como refere Camilo Castelo Branco. “Ornamentada resplendentemente, atraiu depressa a atenção da jeunesse dorée, tirando bom proveito dos amorosos sucessos. Com a confiança restaurada e os cofres repletos, regressou a Paris em 1848”, como refere Flectwood-Hesketh e com ele continuando, “Surgindo novamente como figura conspícua na ópera, Teresa tornou-se objecto de lisonja na imprensa ligeira e entre os seus admiradores não havia nenhum mais devoto do que o jornalista napolitano Angélico Florentino”.

Com a morte do marido, que se estabelecera num recanto de Paris sem nunca interferir na vida dela, faltava agora apenas a Thérèse um título para lhe dar a dignidade, digna da sua opulência. Encontrou tal em Albino Francisco de Paiva de Araújo, que Flectwood-Hesketh diz ser “marquês de Paiva Y Aranja com quem se casou em Passy em 5 de Junho de 1851.”

Mas quem era este macaense, que Thérèse Esther Blanche Lachmann conhecera em Baden-Baden? Os jornais portugueses transcrevendo parte de “notícias, com outras particularidades romanescas e algumas anedotas um pouco boulevardières, revelam não terem obtido perfeito conhecimento do português que deu canonicamente o seu apelido Paiva àquela mundana”, como refere Camilo Castelo Branco.

5 Mar 2017

Boémio macaense suicida-se em Paris

[dropcap]C[/dropcap]om um tal título, penso não faltarem leitores interessados na história, hoje aqui com o seu início, mas não se apresse a concluir que tal aconteceu há pouco tempo. Não, o suicídio de Albino Francisco de Paiva de Araújo ocorreu a 8 de Novembro de 1872 e irá servir-nos para mais tarde podermos introduzir algumas famílias macaenses do século XVIII e XIX. Neste artigo, ainda não iremos focar esta personagem, que em Paris se suicidou, carregado de dívidas e rechaçado pela sua esposa, Madame Paiva. Nascera ele em Macau a 19 de Maio de 1824, segundo o Padre Manuel Teixeira, sendo filho único de um português nascido no Brasil e a mãe, proveniente de uma família rica macaense.

Esta história mereceu a atenção de alguns escritores portugueses, como Camilo Castelo Branco, Bulhão Pato em ‘Memórias’, Dr. José de Campos e Sousa no opúsculo ‘O marido de Madame de Paiva’, Pinto de Carvalho em ‘Lisboa de Outros Tempos’ e do historiador Padre Manuel Teixeira, que se focou mais na mãe de Albino Francisco de Paiva de Araújo. Não faltaram ainda estrangeiros, caso de Voltaire, que levado pelo Fr., o crê frade saído da sua comunidade religiosa e lhe chama Fr. Araújo de Paiva. Também jornais estrangeiros sobre ele e a esposa escreveram fantasiosas histórias, assim como muitos são os livros que tratam acerca da vida de Mad. Paiva.

Camilo Castelo Branco usou este título, Mad. Paiva, na crónica que dá início ao livro Boémia do Espírito. Pelas palavras deste grande escritor português, nascido em 1825 na antiga freguesia dos Mártires, actual Santa Maria Maior em Lisboa e se suicidou no ano de 1900 em S. Miguel de Seide, hoje freguesia de Seide, concelho de V. N. de Famalicão, ficamos a saber sobre a atenção com que foi seguindo a vida de Branca Lachmann. A tal Madame Paiva, marquesa, mais tarde, após o terceiro casamento, condessa Henckel de Donnesmark e que fora casada em segundas núpcias com Albino Francisco de Araújo. Refere Camilo, “Eu conhecia dos escritores de há vinte e cinco anos a opulência de mad. Paiva.”

O facto é que Paiva de Araújo era de família rica e com esta polaca e outras como ela dissipou toda a sua fortuna

Eug. Palletan na sua Nouvelle Babylone, derivando com falsa dedução a magnificência das meretrizes em sorte da corrupção de Paris, cita como exemplo a escada de onix do palácio de mad. de Paiva na praça de S. Jorge. Arséne Houssaye, em um dos tomos das Courtisanes du Monde, diz, com estas ou equivalentes palavras, que as senhoras honestas paravam deslumbradas quando viam passar no seu break mad. de Paiva, ao sol de Bois, faiscando as suas constelações de brilhantes. Ele, como era sua visita, disfarçava-se com um pseudónimo. Certo jornal conta que os seus palácios eram o confluente dos homens mais celebrados em artes e letras, velhos e moços, o bibliófilo Jacob, Emile Girardin, Theophilo Gautier, etc.. Não sei se algum destes era um dos grisalhos académicos que bebiam champanhe da tina em que ela se lavava. Não admiro. O asceta Lamennais beijava as plantas de G. Sand, e parece que ela, agradecida, descalçava as meias de seda neste acto devoto.”

A madame Paiva

Camilo Castelo Branco, na crónica Mad. Paiva publicada pela primeira vez no Jornal da Manhã de 13 de Julho de 1885, inicia-a, “A imprensa jornalística parisiense, menos atarefada nos assuntos grávidos da política, da indústria e da sã moral, comemorou, há dias, o trespasse de uma mad. de Paiva, marquesa de seu apelido, e em terceiras núpcias condessa Henckel de Donnesmark. Condensando a necrologia encarvoada de sujos episódios, dizem que esta dama Branca Lachmann, polaca de nascimento, deixara em Moscovo o marido, um alfaiate discreto que lá se ficou na sua terra alinhavando fundilhos de astrakan, enquanto a esposa airada, em Paris, penetrava nas opulências da vida dissoluta pela porta da miséria, que desculpa muitas dissoluções. Ligada primeiro a Herz, pianista célebre, sob a falsa estampilha de esposa, chegou a sentar-se entre as duquesas nos saraus de Luís Filipe. Depois, desvelado o segredo da sua concubinagem, foi expulsa afrontosamente dos círculos também falsamente carimbados de honestidade, e fugiu para Londres, deixando ou levando o pianista. Aqui, ameaçada por uma segunda catequese de fome, ajuntou a sua fulminante formosura um vestuário de espaventos, sentou-se langorosamente num camarote de Covent-Garden, e fez que o rio Pactolo, representado por alguns milords, lhe lambesse os pés com as suas ondas de ouro. Enquanto a onda não fazia a ressaca do costume, deixando-lhe sobre os pés as suas salsugens (N. detritos que flutuam próximo dos portos) imundas, a aventureira de New York regressou a Paris, aí por 1850, e, no ano seguinte, matrimoniou-se, já viúva do alfaiate, com um marquês da primeira fidalguia portuguesa, Fr. Araújo de Paiva, diz o Voltaire. Este marquês que pelo Fr. parece também ser egresso, suicidou-se daí a pouco, afirma outro jornal. A viúva, 40 vezes milionária, casou em terceiras núpcias com o conde Donnesmark, em 1875, ano que saiu de Paris para o seu castelo na Silésia, onde morreu, há dias, com 72 anos, dizem uns, e com 58, diz o marido.”

Quem era Branca Lachmann?

Com este título o Padre Manuel Teixeira refere, “O romancista encontra-se aqui de mãos dadas com o historiador. Que diz a história sobre esta aventureira?

Branca Lachmann era filha bastarda do Grão-duque Constantino, da Rússia, sendo uma judia polaca. Foi favorita do Sultão de Constantinopla, espia da Alemanha e veio a casar com o alfaiate Francisco Hyacinthe Villoing.

Abandonando o marido, amancebou-se com o célebre pianista Herz, começando então a frequentar a corte de Luís Filipe. Descoberta a sua mancebia, refugiou-se em Londres, onde a sua beleza fascinou os nababos britânicos, que lhe fizeram a corte, entre os quais o famoso Stanley.

Tendo falecido o seu marido Francisco Villoing, Branca consorciou-se religiosamente, na capela dos Irmãos da Doutrina Cristão, em Passy, em Paris, com Albino Francisco de Paiva de Araújo, a quem ela apresentava como Marquês de Paiva. Alegava que este gentil-homem, decaído do seu primeiro esplendor de melhor aristocracia portuguesa, a procurara no Palácio de Pont Chartin.

O facto é que Paiva de Araújo era de família rica e com esta polaca e outras como ela dissipou toda a sua fortuna. O casal de boémios desfez-se.

Tendo obtido do Santo Ofício a anulação do seu casamento com o <Marquês> de Paiva a aventureira consorciou-se pela terceira vez com o Conde Henckel de Donnesmark, rei do cobre da Silésia.”

Esperamos ter despertado a curiosidade para o próximo artigo e até lá uma boa semana. Para quem quiser aproveitar e ler o livro Boémia do Espírito (Porto, 1886) de Camilo Castelo Branco, saiba existir apenas um exemplar nas bibliotecas de Macau e esse encontra-se na do Leal Senado e pertenceu ao antigo Liceu de Macau.

24 Fev 2017

Onde pára a estátua de São Tiago?

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]proveitamos um dia solarengo para numa caminhada nos inteirarmos das mudanças registadas na cidade. Desta vez, o objectivo era chegar ao local conhecido por meia-laranja para de novo olhar a estátua de S. Tiago e saber se o iríamos encontrar ainda com as botas enlameadas sobre o altar da capela existente dentro da Fortaleza de São Tiago da Barra. Pelo que refere Montalto de Jesus, “Tal como toda a cristandade, Macau podia vangloriar-se de muitas imagens com atributos maravilhosos. Contava-se que a estátua de S. Tiago, na capela do forte da Barra, gostava de patrulhar a praia à noite – daí encontrarem as botas enlameadas todas a manhãs”. Mas sabemos também que desde 1975 Macau deixara de ter ao serviço soldados portugueses e sem eles para pela manhã engraxar as suas botas, continuaria a estátua de S. Tiago a fazer as suas saídas nocturnas?

Entretanto, apareceu-nos uma história com o título ‘O tributo das botas entre os frades bernardos’, que refere: “segundo o uso, cuja origem se perde nas primeiras dinastias da monarquia, quando algum rei visitava o Convento de Alcobaça, pertencente aos frades bernardos, entregava-lhe o D. Abade um cruzado e um par de botas. Decorriam já longos anos sem que esse costume fosse posto em prática, quando D. João IV (que subiu ao trono a 1 de Dezembro de 1640 e faleceu em 1656) ali foi. Não se contentando o rei com a economia dos frades, exigiu que lhe fizessem a entrega do cruzado e do par de botas, renovando assim o tributo a que a Ordem por tanto tempo se tinha esquivado”.
Hoje aqui passamos ao lado da parte inicial desse passeio pois, já com o artigo escrito, ficamos a saber que a SJM decidiu fechar em Março a Pousada de São Tiago até terminarem as obras do metro realizadas à sua frente. Vai para mais de um ano o constante barulho das máquinas a retirar o sossego e paz aos hóspedes deste hotel de cinco estrelas, que abriu portas nos primeiros anos de 80 do século XX, ocupando as instalações da fortaleza com esse nome.

Fortaleza de São Tiago da Barra

Chegamos à Barra, na parte sul da península de Macau e em frente à fortaleza situada sob a Colina de S. Tiago, ali encontramos a esfera armilar que deixara a praça do Senado e em conjunto com uma reprodução mais pequena da escultura da flor de Lotus integra um monumento inaugurado em 2013 pelo então Bispo de Macau, D. Domingos Lam, de homenagem à diáspora macaense.
A fortaleza de S. Tiago da Barra, muitas vezes chamada apenas Fortaleza da Barra por controlar a entrada do Porto Interior, pois, como refere em 1635 Bocarro, “A Barra desta cidade de Macao era antigamente muito larga porém os Portugueses moradores dela entupiram a maior parte a respeito dos Olandezes não poderem entrar com suas naus se não por um canal que fica ao longe do dito forte de Santiago, coisa de seis braças de largura e com fundo de três, ficando lá dentro em muito mais fundo (… onde) nela estão continuamente seis bancoes (juncos) de chineses da armada que são as suas embarcações que trazem dela para vigiar e saber o que fazem os Portugueses e se metem nações estrangeiras que é o de que mais se receiam e resguardam”. Assim todos os navios que desejavam entrar por esta barra tinham que passar necessariamente à distância de 3 ou 4 lanças (cerca de seis a sete metros) para chegar ao porto interior. O capitão deste baluarte era nomeado directamente pelo rei e apenas por ele podia ser destituído. A fortaleza do Monte era sem dúvida a maior, seguindo-se a de S. Tiago e da Guia.
Segundo o Padre Manuel Teixeira, “Parece que o baluarte da Barra foi construído antes de 1613, mas certo é que já existia antes de 1621 na colina da Barra, um baluarte ou forte e não uma simples bateria e nesse ano aí se colocaram seis canhões comprados em Manila.” O Padre Queiroz menciona dois baluartes na Barra em 1622 e no ano seguinte, o Governador Francisco Mascarenhas mandou ocupá-los com uma companhia de soldados. “Estes baluartes foram ampliados em 1629”, data apresentada num padrão de pedra com as armas de Portugal, que se encontrava no ângulo exterior da Fortaleza de S. Tiago da Barra. Bocarro descreve este forte logo à entrada da barra como tendo “cento e cinquenta passos de comprimento e cinquenta e cinco de largo com que faz uma formosa plataforma que fica levantada do mar cinco braças com um muro fundado em vinte e oito palmos de largo e acabado em dezassete e esta dita altura é até os parapeitos que levantam os três palmos da dita plataforma”. E continuando com o clérigo historiador, “já Bocarro dizia em 1635: “. Logo a data existente na inscrição na passagem coberta que há entre a porta da casa da guarda, refere-se à reconstrução d’ “Estas casas (…) feitas no tempo do Sr. Manuel Pereira Coutinho, Governador e capitão geral d’esta cidade, sendo procurador José Alexandre D’Aragão, que as mandou fazer em 1740.”
Também a Capela de São Tiago deve ter sido construída juntamente com a fortaleza e a data de 1740 que tinha no frontispício refere-se apenas ao ano da sua reconstrução pois, ela “existiu desde o início, sendo o titular da ermida que deu o nome à fortaleza”, como refere Manuel Teixeira que adita, “Venera-se ali a estátua de S. Tiago numa atitude de mata-mouros, revestido de cota e malha com o escudo na mão esquerda e a espada na mão erguida à altura da cabeça.”
Segundo Jorge Graça, “Esta fortaleza sofreu muitas alterações, tanto no traçado como no tamanho. Em 1638 foi descrita como uma fortaleza <muitíssimo boa e resistente tendo a aparência de uma pequena cidade quando vista de longe…” A Fortaleza da Barra actualmente está reduzida a menos de metade do que foi outrora e já nos finais do século XVII se encontrava em ruína. Aí se fizeram obras de reparação mas, no início do século seguinte percebia-se ser ela, devido ao seu traçado e posição, completamente inútil para a defesa da cidade. Voltou ao seu estado de ruína muito devido aos tufões e por isso, em 1889 o Governador Teixeira da Silva pretendeu deitá-la abaixo por dificultar a possibilidade de construir a rede viária em torno da península. Escapou à destruição e conseguiu sobreviver até ser adaptada a hotel. Agora aí entramos e dirigindo-nos à ermida, para voltar a apreciar a estátua de São Tiago, o que encontramos foi um painel com a representação mal conseguida da sua imagem e as botas já não tinham as réstias de lama que na estátua ainda em 2011 tivemos o privilégio de ver. Por onde andará a estátua de São Tiago? Resposta que não obtivemos ao questionar os empregados que serviam na esplanada da Pousada.

17 Fev 2017

Previsão por anos de nascimento no Galo de Fogo

[vc_row][vc_column][vc_column_text][dropcap]A[/dropcap]no emocionalmente complicado, por trazer muitos riscos, que devem ser evitados. Requer um grande esforço pessoal e exige que se saia da zona de conforto, pois refugiando-se aí, será um ano difícil, com desapontamentos e conflitos.

Os quatro signos com melhores previsões para este ano, Galo de Fogo, serão os bafejados pela sorte Búfalo, Tigre, Rato e Serpente. Já os nativos dos signos de Galo, Coelho, Rato e Cão vão ter um ano de grandes mudanças, por se encontrarem num ano Fan Tai Sui, contra o Tai Sui (Deus do Ano), logo podem enfrentar mais problemas, mas há duas diferentes direcções mediante como se encaram as situações. Se forem lidadas positivamente… O caso dos nativos do signo Rato, encontrando-se contra o Tai Sui (Po Tai Sui), mesmo assim não há com que se preocuparem pois têm cinco estrelas da sorte a ajudar nas mudanças e estas, ao contrário do ano passado, vão ser muito positivas.

GALO

Crescer. Só pelo amor, a sua vida fará sentido e encontrará uma direcção. Será um ano de mudanças difíceis por se encontrar contra o Tai Sui.

Para os nativos nascidos em:
1945 – Terá uma vida agradável, sem necessidade de se preocupar com nada e apenas tomar cuidado para não sofrer nenhuma queda.

1957 – O seu pensar traz uma agudeza inteligente, o que lhe permitirá uma posição importante e ser respeitado, tanto socialmente como no trabalho. Por isso, a sua carreira e os proveitos estarão no topo, mas tenha cuidado e não se esqueça da sua cara-metade. Faça planos, pois é bom ano para criar um negócio.

1969 – Se estiver na via cultural e artística terá um ano promissor e com hipóteses de ganhar coisas boas.

1981 – Com a carreia e o dinheiro numa fase estacionária, emocionalmente vai atrair os outros.

1993 – É promissora a sua vida material, mas facilmente lhe pode acontecer um acidente e para conquistar boa energia, celebre com uma grande festa o seu Aniversário.

2005 – Gosta de pensar e é criativo. Terá que ter cuidado ao usar objectos cortantes. O seu sentido de contradição é próprio da idade e dá continuidade ao conhecido por conflito de gerações.

CÃO

Esperar. Não importa trovoada, vento ou chuva, Sol no seu coração é suficiente. É um ano para esquecer.

Para os nativos nascidos em:
1946 – Continuará a ter uma posição que lhe aufere grande respeito. Não necessita de se preocupar com o quotidiano, que não lhe trará problemas, mas cautela com a saúde.

1958 – Vai ser um ano muito activo e com muitos suportes. Aconselha-se aos seres masculinos fazerem uma Festa de Aniversário.

1970 – Com diferentes vias para desenvolver o seu trabalho, tenha cuidado com a saúde e com as lâminas. Faça uma Festa de Aniversário.

1982 – Apresente-se com um bom trabalho e assim a sua posição será confirmada.

1994 – Um ano normal, mas com grande actividade social. Cuidado com os acidentes de viação. Melhor estudar mais.

PORCO

Retornar. O Céu e Terra não são fáceis de mudar, mude-se a si. Será um ano difícil.

Para os nativos nascidos em:
1947 – Com boas relações sociais, terá muitas ideias e sorte nos negócios. Precisa de fazer uma Festa de Aniversário e cuidar da saúde do seu parceiro conjugal.

1959 – Para quem trabalha em assuntos culturais e criativos será um bom ano, materialmente promissor.

1971 – Contará com a estrela da sorte Lu Shen, que trará um bom rendimento e boas relações públicas. Mas terá também uma má estrela Qi Sha e por isso, hipóteses de se magoar, ou ser mal entendido.

1983 – Será um ano estável, sem grandes problemas.

1995 – Ano para se deliciar com divertimentos, mas evite entrar em confronto com os outros.

RATO

Contentamento. Ouça o coração e o mundo mudará. É um bom ano.

Para os nativos nascidos em:
1948 – Tire prazer com a sua existência e cultive uma nova actividade pessoal.

1960 – Boa hipótese de ser promovida/o no trabalho, logo, ganhará mais, mas, não se esqueça da saúde.

1972 – Serão bafejados na carreira e nos rendimentos auferidos pelo trabalho.

1984 – Trabalhando muito, conseguirá boas criações, mas demasiadas relações poderão trazer algo de errado; tenha atenção, não se canse em demasia.

1996 – Pessoas importantes o ajudarão e terá um ano muito criativo; tente algo de novo, negócio ou noutra área de trabalho, pois terá bons resultados.

BÚFALO

Imenso. Encontrando-se no cume, imagina-se a continuar a subir a montanha. Quando está no sopé, imagina-se a nadar no oceano. Juntando os dois, aparece a Sabedoria. Ano promissor.

Para o nativo nascido em:
1949 – A mente estará limpa e os pensamentos fluem-lhe. Ano materialmente rico.

1961 – Estará no topo quanto à carreira e amor. Terá a estrela da sorte Lu Shen a ajudar na sua carreira, o que o levará a chegar a uma nova etapa e por isso, auferir um bom salário.

1973 – Cairá dinheiro nos seus bolsos devido à sua sorte, mas não se esqueça que, no jogo é preciso sempre saber parar.

1985 – O trabalhar árduo levará a ser promovido e para o sexo feminino, cuidado com os acidentes.

1997 – Estudando bem terá reconhecimento dos mais velhos, que admirarão as suas ideias e criações e assim, brilhantemente se prepara.

TIGRE

Florescente. Não seja o número 1, seja Único. Viver coloca-o a voar. Ano muito favorável.

Para os nativos nascidos em:
1938 – Muitas pessoas irão tomar conta de si, não se preocupe com nada mais.

1950 – O seu poder e posição crescerão e muita gente o respeita.

1962 – Coloque no seu coração a carreira e conseguirá tudo o que deseja.

1974 – Muito criativo, mas cansado do trabalho; cuidado com a saúde.

1986 – Muitos planos para este ano e com bastante suporte e apoios; por isso pode investir de uma só vez em todos os lados.

1998 – Será protegido pelos pais, estudará muito bem e de repente, passará a falar muito bem.

COELHO

Espera. Com boa sorte, avance, mas com azar, fique quieto. Vai deixar algo e o novo tomará lugar ao velho. Ano não muito favorável.

Para os nativos nascidos em:
1939 – Continua com uma mente clara e muita gente irá tomar conta de si.

1951 – A estrela da sorte Lu Shen ajudá-lo-á na carreira e por isso, receberá um bom ordenado. Terá uma vida social e emocional activa, o que o expõe e leva as pessoas a falar sobre si, bem ou mal, criando bastante ruído. Assim, quando decidir realizar algo, tome cuidado para não deixar a cauda de fora. Tome atenção à sua saúde.

1963 – Receberá um dinheiro extra. Use este ano para desenvolver um novo projecto, que lhe poderá abrir uma nova porta.

1975 – Com árduo trabalho conseguirá o que precisa, não abuse das horas extras pois precisa de pensar na sua saúde.

1987 – Terá imensas ideias e uma activa vida social; o Deus do Ano (Tai Soi) pode colocá-lo numa nova situação.

1999 – Terá riqueza material e será um bom estudante. Realize uma grande festa de Aniversário para evitar problemas.

DRAGÃO

Paz. Quando olha desde o cume, nada lhe retira a vista; abrindo o seu coração sente a pulsação, sendo daí que provem o Bom ou o Mau. É um bom ano.

Para os nativos nascidos em:
1928 – Muitas pessoas irão tomar conta de si, não se preocupe com nada mais.

1940 – Respeitado pelas pessoas, não realize difíceis e árduos trabalhos.

1952 – Um bom ano para dinheiro e pode ter a sua carreira num novo patamar.

1964 – Apresente as suas habilidades para chefiar a sua carreira; é o centro do grupo.

1976 – É o ano apropriado para criar um novo negócio, pois conta com bastantes suportes; os seres masculinos necessitam de fazer uma festa de aniversário para precaver desastres. Cuidado com a cana do nariz.

1988 – Estude e será promovido pelo seu chefe, o que lhe trará riqueza material.

SERPENTE

Prestígio. Desconstrua a sua imagem para encontrar a verdadeira. Vai ser um excelente ano.

Para os nativos nascidos em:
1941 – A boa estrela Lu Shen significa ter um bom rendimento e boas relações públicas. Cuide da sua vida emocional e não misture os sentimentos.

1953 – Terá dinheiro extra e variados investimentos dar-lhe-ão muitos proveitos.

1965 – Fará um muito bom planeamento e contará com uma boa qualificação para o realizar.

1977 – Com bastantes suportes, será muito criativo na sua carreira e de todos os nativos de Serpente, é quem conseguirá alcançar mais proveitos materiais; festeje o seu Aniversário e convide todos os familiares.

1989 – Muita gente tomará conta de si, não importa no estudo, ou no trabalho, mostrar-se-á em boa forma. Especialmente se trabalhar em arte, ou assuntos culturais, conseguirá fazer uma boa obra; ano que terá muitas coisas boas para comer.

2001 – Rico materialmente é ano para se apaixonar, mas não entre de cabeça na relação pois ainda tem muito para viver e experimentar.

CAVALO

Emocionante. É vencedor se não pensar no que ganha, ou no que perde.

Para os nativos nascidos em:
1942 – Tem a estrela da sorte Zheng Cai, que o ajuda pelo trabalho a ganhar dinheiro. Vida segura e respeitável, assim como um tranquilo desenvolvimento.

1954 – Trabalhará duramente para criar um novo patamar, mas terá de cuidar da saúde, especialmente evitando noitadas.

1966 – Vai ter um novo desenvolvimento na carreira. Uma boa relação suporta-o, com uma vida social rica.

1978 – Muita gente o suportará, estude bem e o Amor é maior que o Céu.

1990 – Faça grande publicidade a si mesmo, pois terá muitos aplausos. Muito cuidado ao praticar desportos radicais. Será conveniente celebrar o seu Aniversário com uma festa.

CABRA

Tranquilo. O valor de uma pessoa não está conectado com o quanto tem, ou ganha, mas, quanto não gasta. Ano sem grandes problemas.

Para os nativos nascidos em:
1943 – Bons rendimentos, tendo os outros a tomar conta de si. Vida estável e sem problemas.

1955 – Grande criatividade e de riqueza material, pois contará com um bom desenvolvimento nos negócios.

1967 – Um grande poder dá-lhe suporte, conseguindo ser promovido. Mas este ano poderá ver um familiar passar desta vida e por isso, deverá fazer uma festa de Aniversário para, pelas boas energias reunidas, evitar que tal aconteça.

1979 – É bom desenvolver o seu talento nas artes e cultura, o que lhe trará novos caminhos e rendimentos, assim como boas refeições.

1991 – Pensará apenas em fazer amizades e ficar apaixonado, mas a mente estará contra tudo o que lhe é proposto, o chamado espírito de contradição produto do denominado conflito de gerações, próprio da idade e que serve para se questionar e ao colocar em causa algo, permite pensar sobre isso.

MACACO

Florescente. Aceite as mudanças e não se prenda com pormenores. Ano razoável.

Para os nativos nascidos em:
1932 – Este idoso macaco é rico e com a sua posição, imensas pessoas continuam a respeitá-lo. Não se esqueça de fazer exames à saúde.

1944 – Criativo, continuará a trabalhar arduamente, mas não até se sentir exausto e tome cuidado para não misturar as suas emoções. Se for solteiro, parabéns, pois terá uma nova relação sentimental.

1956 – Um novo patamar espera por si, com a ajuda dos seus colegas e amigos. Irá criar uma nova actividade/negócio.

1968 – Mostre talento e terá diferentes hipóteses no seu desenvolvimento.

1980 – Com boa apresentação, será promovido e terá um salário mais elevado. Tornar-se-á famoso na sua área, apenas precisando de ter cuidado para evitar acidentes; por isso, guie com cuidado.

1992 – Conseguirá o emprego perfeito como vem desejando.
…..
Neste artigo seguimos as previsões feitas por Lei Koi Meng (Edward Li).
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10 Fev 2017