José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasOs diamantes da Condessa [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]eixamos o final da história da Madame Paiva para, envolvendo o período de tempo da vida de Pedro Alexandrino da Cunha, rematar os acontecimentos ocorridos no século XIX na Europa. A estadia em Paris de Thérèse Esther Blanche Lachmann (1819-1884) ocorreu durante a governação da França por Louis-Philippe I (Luís Filipe de Orleães, 1830-1848) e Napoleão III (1852-1870), que em 1840 ao tentar depor Luís Filipe foi preso. Terceiro filho de Luís Bonaparte e sobrinho de Napoleão Bonaparte, fugindo da prisão regressou a França após a Revolução de 1848, restabelecendo o Império em 1852. Com a chegada ao poder, Napoleão III nomeou em 1852 Georges Eugène Haussmann, o Barão Haussmann, como Perfeito do Seine para modernizar Paris. Ano em que Thérèse vivia com o suposto marquês, Albino Paiva de Araújo o seu segundo marido, a quem dera dinheiro em troca do seu grau nobiliário, quando numa noite de ópera foi apresentada, pelo cônsul alemão Félix Bamberg, ao conde Henckel von Donnersmark. “Herdeiro duma antiga família, com valiosas minas de zinco, ferro e carvão na Silésia [subúrbios de Munique], este belo e jovem de 22 anos, onze anos mais novo do que ela, logo caiu de amores pela deslumbrante marquesa”, assim refere o Padre Manuel Teixeira. Esta, a princípio com ele jogou, divertindo-se com a sua enfatuação. Guildo, desesperado, fugiu para Berlim e ela, reconhecendo o ambiente de segurança financeira que este lhe poderia oferecer, foi ter com ele. Daí “foram para Neudeck, regressando a Paris, onde, em 2 de Dezembro (1852), o príncipe Luís Napoleão recebeu o título de Imperador Napoleão III”, segundo Flectwood-Hesketh, que refere, em 1853 estar já o Paiva fora da vida de Thérèse, “Ela partilhava com Henckel o entusiasmo pela música, sobretudo de Richard Wagner, assíduo visitante”, da sua casa em Paris no lugar de S. Jorge. Em 11 de Julho de 1855, a Madame Paiva “comprou por 406 640 francos a área 25 da Avenida des Champs Elysées. Este distrito estava, sob Haussnann, a suplantar o Faubourg St. Germain como centro da moda”. Então “contratou Pierre Maugin como arquitecto com uma hoste de pintores – Ernest Hébert, Gérome, Eugène Thirion e Paul Baudry; escultores – Barrias, Dalou, Carrier-Belleuse; e decoradores – para adornar” o interior do que ela pretendia que fosse a casa mais sumptuosa de Paris, segundo Flectwood-Hesketh, que refere ter-se mudado para lá só em 1866, “inaugurando-a com uma calorosa recepção que incluía toda a vida literária, artística, política e diplomática de Paris”. Em 1867, ou no ano seguinte, ainda o casal comprou uma casa de campo em Pontchartrain. Após a guerra franco-prussiana “Sabe-se que aquela aventureira – tão famosa no bosque de Bolonha como na fria Avenida de Lichtenthal – pôs em jogo os mais hábeis artifícios da táctica feminina e representou um papel de primeira ordem na obra tenebrosa de investigação clandestina e permanente que os alemães praticaram em França durante a época em que governava Badinguet (…). E sabe-se mais, que no seu faustoso palacete dos Campos Elísios se centralizou o serviço de espionagem alemã”, segundo refere Pinto de Carvalho, em Lisboa d’ Outros Tempos. “Como era alemão e amigo de Bismarck, Guido teve de ir para a sua terra durante a guerra [franco-prussiana] de 1870, e Teresa, envolvida em intrigas políticas, foi com ele”, segundo Flectwood-Hesketh, que adita, “A sua hostilidade à França durante a guerra havia tornado Guido e Blanche antipáticos em Paris; por isso, retiraram-se para a Alemanha, para o seu castelo de Neudeck, que eles haviam feito reconstruir à maneira francesa por Hector Lefuel, arquitecto de Louvre”. Jorge Forjaz refere “Ainda viveram algum tempo retirados na Silésia, mas assinada a paz franco-prussiano, ele foi nomeado governador da Alsácia-Lorena. Regressando à vida social, impôs a amante nos salões de Estrasburgo e Paris, e provocou um escândalo tal, que ia levando a um conflito diplomático. Em 1875 resolviam o problema, casando na Prússia”. Ano que não se ajusta, pois então não seria já necessário a anulação pelo Vaticano do seu segundo casamento, devido a ser ela desde 1872 pela segunda vez viúva. Nas palavras do Padre Manuel Teixeira, “Tendo obtido do Santo Ofício a anulação do seu casamento com o <Marquês> de Paiva (segundo Flectwood-Hesketh a 16 de Agosto de 1871) a aventureira consorciou-se pela terceira vez com o Conde Henckel de Donnesmark” em 28 de Outubro. Guido Georg Friedrich Erdmann Heinrich Adalbert Graf Henckel von Donnesmark, nascera a 10 de Agosto de 1830 em Breslau e morreu em Berlim a 19 de Dezembro de 1916. Foi um nobre alemão, magnata industrial e um dos homens mais ricos do seu tempo. Esther Blanche Lachmann casada em terceiras núpcias com o conde Donnesmark, em 1875 saiu de Paris para o seu castelo de Neudeck, perto de Tarnovitz, na Silésia. Entre 1878 e 1883 Blanche fez grandes investimentos em jóias, gastando uma imensa fortuna na Casa Boucheron, tendo uma dessas peças, com quinze diamantes e outras tantas esmeraldas, em 2007 sido leiloada por um milhão e novecentos mil euros, o que veio reavivar o interesse sobre esta obscura personagem. Com 72 anos, dizem uns, e com 58, diz o marido, “morreu em 1885, no seu Castelo de Newdeck – rica e condessa, mas os jornais parisienses ao noticiarem o acontecimento lembraram que, por de trás daquele título nobiliárquico, estava a famosa Madame de Paiva, que enchera as colunas sociais de Paris com o seu nome do casamento com um macaense rico e infeliz”, segundo Jorge Forjaz. Já Flectwood-Hesketh refere, “Blanche morreu lá em 21 de Janeiro de 1884 duma doença de coração e de cérebro, ‘rica e respeitada’ por alguns, mas considerada por outros como aventureira baixa e sem princípios (possivelmente até uma espia), que só adorava o dinheiro; e ainda que consciente do seu sex appeal para os homens, não possuía humor e era fria. No entanto, guardou até à morte o sentimento de adoração pelo seu terceiro marido. Pontchartrain foi vendida logo após a Guerra Franco-Prussiana, mas não a casa de Paris, que Guildo tencionava remover, pedra por pedra, para Berlim, por razões sentimentais, projecto que não se materializou. Após a morte da sua amada, Guildo casou com Catarina de Slepsow, 32 anos mais nova do que ele, de quem teve dois filhos. Vendeu em 1893 o Palácio Paiva nos Champs Elysées a Soloschin, banqueiro de Berlim” e “em 1900, Cubat, cozinheiro-chefe do Kaiser, montou lá um restaurante, mas não deu resultado”. A proposta para aí se instalar a Câmara do 8.º Arrondissement não se materializou e em 1901, ano em que Guido ficou príncipe, foi vendido” e acabou por fim nas mãos do Travellers’ Club de Paris, fundado por um grupo de ingleses ali residentes, que em 1904 tornaram o Palácio Paiva na sua sede. Esta história termina no Castelo de Newdeck com Guido, então de novo casado, a permanecer durante longas horas num dos quartos, que ele mantinha sempre fechado. Certa vez, esquecendo-se da chave na fechadura, a sua esposa curiosa, ao entrar, deu um salto ao deparar-se com o corpo da Madame Paiva, a famosa judia, bastarda, espia, três vezes casada, muitas outras amancebada e esbanjadora de fortunas, ali guardado em formol.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasPedro Alexandrino da Cunha | Governador de Macau por 37 dias [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]edro Alexandrino da Cunha nasceu a 31 de Outubro de 1801 na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa e com um percurso promissor de estudante feito no Colégio da Luz, após terminar o curso em 1819, logo iniciou a carreira militar. Assentou praça na Brigada Real da Marinha onde, a 22 de Março de 1821 passou a Alferes, mas integrado nos quadros do Estado-Maior do Exército. Estudava Matemáticas na Academia da Marinha quando a 30 de Abril de 1824, por ser um convicto liberal, durante a perseguição miguelista foi preso com outros oficiais no Forte de Peniche. Após nove dias na prisão, foi libertado e voltando à Academia terminou o curso, inscrevendo-se logo de seguida na Academia de Fortificação, onde em Julho de 1827 foi promovido a Tenente, ficando no Regimento 13 de Infantaria. Devido a D. Miguel ocupar a Coroa de Portugal em 1828, Pedro Alexandrino da Cunha emigrou, como tantos outros oficiais, para Inglaterra. Encontrando-se Portugal dominado pelos absolutistas, ocorre uma guerra civil, estabelecendo os liberais o seu quartel-general na Ilha Terceira, nos Açores. Para aí seguiu Pedro Alexandrino a reparar as fortificações e integrar o governo liberal da Terceira e onde na Batalha da Praia em Janeiro de 1829 os realistas são derrotados. Ingressou na Armada em 1831 e rapidamente subiu de posto enquanto vai comandando alguns navios de guerra. Preparou no Porto a chegada de D. Pedro, que regressava do Brasil para lutar contra o irmão D. Miguel pela Coroa, organizando aí as guarnições ligadas à Marinha. Na arrojada expedição ao Mindelo veio ele igualmente, fazendo parte da esquadra libertadora, comandada pelo Vice-Almirante R. G. Sertorius. Após a vitória dos liberais em 1834, Pedro Alexandrino da Cunha navegou até ao Brasil e seguiu depois para África, onde passou cinco anos. Mais tarde, a 6 de Setembro de 1845 tomou posse como Governador de Angola, ficando com o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra. Encontrava-se no Brasil, numa missão comercial, quando por decreto de 5 de Novembro de 1849 foi nomeado para o cargo de Governador de Macau, altura em que fica a saber ter o seu amigo, o Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral sido assassinado pois, esse decreto também exonerava o Capitão Feliciano António Marques Pereira do Governo interino de Macau, que substituíra o falecido Governador. Após Ferreira do Amaral (1846-1849), Pedro Alexandrino da Cunha viria a ser o segundo Governador-Geral de Macau pois, pelo decreto do Governador da Índia, José Ferreira Pestana (1844-51), em 20 de Setembro de 1844 dera-se a criação da Província de Macau, Timor e Solor. O Governador dessa nova província ficou independente da jurisdição do Governo de Goa, que deixava de o nomear, passando ele a residir em Macau, e Timor, com Solor, tinha um governador seu subalterno. Ataque de cólera Como Governador, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Alexandrino da Cunha, desembarcou em Macau a 26 de Maio de 1850 e tomou posse a 30 deste mês. Após um mês de governação, “com a tomada de uma porção de neve (gelados de creme e de limão e em seguida geleia e whisky)” a gastrenterite crónica de que padecia agravou-se. Tomás José de Freitas auscultou-o pela primeira vez a 5 de Julho e tratou-o durante a doença, mas esta “degenerou num fulminante e insidioso ataque de cólera, que, dentro em poucas horas, o privou inteiramente de vida.” No relatório do Serviço de Saúde de 1862, o Dr. Lúcio Augusto da Silva escreveu: “A doença do Governador Pedro Alexandrino da Cunha começou por abundante diarreia, vómitos, sede, ansiedade e abatimento geral. O facultativo assistente observou na sua primeira visita: prostração, voz rouca, vómitos e dejecções de um líquido escuro e fétido, pulso filiforme, suor copioso e frio, resfriamento nas extremidades e dores nos joelhos. Mais tarde teve o doente dejecções de líquido amarelo claro, turvo e inodoro, resfriamento pronunciado e quase geral, lábios arroxeados, sede ardente, língua esbranquiçada, pouco húmida e não fria, dor intensa no epigastro. Depois supressão de evacuações, excepto a urinosa, pulso imperceptível, voz rouca, palavra difícil, conservando porém intacta a inteligência, olhos encovados, pálpebras entreabertas, feições alteradas, sem contudo ocultar de todo a fisionomia; finalmente suores viscosos, respiração curta, cianose em diferentes partes do corpo, sendo mais pronunciada nas mãos e nos pés, alguma magreza e o estado rugoso da pele, foram os sintomas que completaram aquele quadro e que o acompanharam até o fim da existência. Estes sintomas e muitos casos que então apareceram com eles fazem acreditar que houve efectivamente uma epidemia de cólera-morbus em Macau no ano de 1850.” Mas porquê esta dúvida? Num opúsculo sobre <Pedro Alexandrino da Cunha>, o autor Joaquim Duarte Silva diz <que a morte súbita de Pedro Alexandrino despertou desde logo, em Macau, suspeitas de que ele fora envenenado>. Tal tese devia-se ao pouco conhecimento da existência em Macau de casos de cólera, que começaram a grassar na cidade nesse ano. O seu cadáver foi autopsiado por cinco cirurgiões militares e da armada que no relatório descreveram minuciosamente todas as lesões anátomo-patológicas, classificando a doença de gastroenterite. O relatório da autópsia termina: <A causa da morte seria simplesmente gastroenterite ou, concorreria também alguma influência meteorológica? Não sabemos! Contudo é possível admitir-se a existência de alguma causa especial que actuasse na produção dos sintomas mais graves, que ao mesmo tempo dirige a sua influência sobre muitos indivíduos, atendendo a aparição de três casos quase análogos a este, que tiveram a mesma terminação, e de outros muitos que têm continuado a aparecer com sintomas tão graves e que não têm sido fatais>. O Dr. Peregrino da Costa em Relatórios das Epidemias de Cólera de 1937 e 1938 refere, <Estas considerações dão a impressão de que estando-se em plena epidemia de cólera, embora no seu início, como mais tarde se veio a confirmar, os médicos da época – os cinco cirurgiões militares e médicos da armada que assinam o relatório da autópsia e no qual aliás as lesões anátomo-patológicas são minuciosamente descritas, ou não quiseram aceitar logo a evidência dos factos, para não atemorizar a população já alarmada com o assassinato de Ferreira do Amaral, ou pretenderam então afastar, por razões políticas, a ideia de o Governador ter sido vítima de cólera>. Governador de Macau por 37 dias, Pedro Alexandrino da Cunha faleceu com 48 anos de idade pelas três e meia da tarde do dia 6 de Julho de 1850 e foi uma das primeiras vítimas da epidemia de cólera, que grassou na cidade. Sepultado no Cemitério de S. Paulo em Macau, segundo o Padre Manuel Teixeira, é “provável que os seus restos mortais fossem removidos com outros para o Cemitério de S. Miguel, construído quatro anos depois, mas hoje desconhecesse o local onde eles repousam.” Pagas as dívidas do finado e deduzidas as custas e despesas legais, o produto líquido dos seus bens foram introduzidos no Cofre da Fazenda Pública de Macau. Se em Macau Pedro Alexandrino da Cunha não teve tempo para governar, ficam os seus relevantes serviços prestados a Angola como Governador-Geral, cargo que exerceu de 31 de Maio de 1845 a 18 de Fevereiro de 1848, a justificar a sua estátua na cidade de Luanda.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO Governador de Angola Pedro Alexandrino da Cunha [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]omeado a 31 de Maio de 1845 Governador-Geral da Província de Angola, Pedro Alexandrino da Cunha tentando “harmonizar as leis da metrópole com a prática colonial, conseguira que a administração portuguesa em Angola deixasse de depender dos direitos alfandegários que incidiam sobre as exportações ilegais. Ao mesmo tempo, Luanda e Benguela abriam-se à navegação estrangeira, tornando-se já visível a modificação da estrutura das trocas, com o crescimento e a diversificação das exportações de produtos de colheita directa e da caça, como a urzela (musgo com aplicação na tinturaria) e o marfim. Mas não tardaria que o tráfico, banido dos portos principais, fosse reimplantar-se noutros pontos do litoral, como Ambriz e Moçâmedes, procurados pelos comerciantes luso-brasileiros para escapar às alfândegas e ao patrulhamento britânico”, como se refere no Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, [que constava não existir, pois perdido entre documentos microfilmados do Arquivo Histórico de Macau]. “A burguesia colonial de Angola era constituída não só pelos agentes directos dos poderosos mercadores residentes no Brasil e por alguns negociantes emigrados de Portugal, como pelas grandes famílias crioulas, bem implantadas e adaptadas ao clima, mantendo ligações estreitas com Portugal e com o Brasil e desenvolvendo, ao mesmo tempo, um bom relacionamento com os Africanos. Chegou a afirmar-se que, nesta altura, Angola mais parecia uma colónia brasileira que portuguesa e não foram raras as tentativas no sentido de uma união com o Brasil com vista a garantir a manutenção do tráfico, mas que a Inglaterra sempre conseguiu contrariar. Apesar de tudo, os indícios de mudança continuavam a manifestar-se e era já muito clara a importância económica que as colónias africanas iam assumindo para alguns sectores da sociedade portuguesa”, segundo Maria Manuela Lucas, que refere Angola representar “o baluarte mais sólido do poderio português em África”. A 6 de Setembro de 1845, na mesma altura em que tomou posse como Governador-Geral da Província de Angola, Pedro Alexandrino da Cunha foi promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra. Bons préstimos “A arte agrícola foi aqui [Angola] quase sempre abandonada pela autoridade, e nesta parte, curto é o espaço para descrever o muito que devemos ao Exmo. Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, que se esforçou, quanto cabia nas forças humanas, para o seu desenvolvimento” e seguindo com o Boletim Oficial, “Os talentos administrativos deste Governador chegaram mesmo a exceder o que dele se esperava, e para desviar todas as suspeitas de parcialidade, repetirei o que a própria Câmara Municipal de Luanda se abalançou a dizer ao seu sucessor naquele governo-geral. Presságio de maior desgraça “A exoneração do governo de Angola foi dada ao Sr. Pedro Alexandrino por Decreto da 18 de Fevereiro de 1848, reservando-se Sua Majestade a colocá-lo em lugar de não menos conveniência pública, como prova dos valiosos e aturados serviços, dizia o mesmo Decreto, por ele prestados nas Possessões portuguesas de África Ocidental além do Equador. A saída do Sr. Pedro Alexandrino de Angola para a Ilha de Luanda, foi um verdadeiro e irrefragável testemunho da sua boa conduta, por lhe ser dado espontaneamente pelos habitantes de Luanda, no mesmo momento em que ele deixava de todo o poder: alas de archotes se lhe fizeram até ao cais, duas bandas de música o acompanharam, e multiplicados abraços se lhe deram no acto do seu embarque misturados de repetidos vivas. Chegado a Lisboa o bordo do brigue Audaz, em 12 de Dezembro de 1848, depois de uma nova estada em Angola de cinca anos, Sua Majestade, por Galardão dos seus relevantes serviços, e não menos por consideração às recomendações que por mais de uma vez o governo britânico tinha feito de tão distinto empregado, o condecorou com a Comenda da Torre e Espada, e o Governo o nomeou, em 1849, Comandante da nau Vasco da Gama, mandada em comissão ao Rio de Janeiro. Já defronte da barra daquela Capital um violento pampeiro (vento) arrasou a mesma nau, levando-lhe o pano, e partindo-lhe os mastros pelas enoras. Este contratempo, presságio de maior desgraça, encheu dos mais cruéis dissabores o coração do Sr. Pedro Alexandrino; o seu temperamento, sempre no mais alto grau melancólico, e agravado não menos com a notícia do trágico fim que tivera em Macau o seu particular amigo, o Conselheiro João Maria Ferreira do Amaral, tornava-se cada vez mais sombrio, e pouco comunicativo. Tudo isto reunido com as infundadas apreensões que concebera, quando recebeu a nomeação de sucessor daquele distinto Oficial, quase lhe cortaram de todo a existência que apenas lhe chegou para, do Rio de Janeiro, seguir viagem para o lugar do seu novo destino a bordo da corveta D. João I, que aportara a Macau a 26 de Maio do corrente ano (1850), tomando posse do respectivo governo o Sr. Pedro Alexandrino”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO trabalho de Pedro Alexandrino em Angola [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m 1834, após as batalhas de Almoster, em Fevereiro e de Asseiceira, em Maio, ainda nesse mês foi eleita uma Câmara Constitucional e logo uma semana depois, o monarca absolutista D. Miguel abdicou, tendo-se exilado em Itália. O Rei D. Pedro IV vencia o seu irmão e pela vitória liberal, a burguesia recupera o poder no Estado, quando se realizou em Junho eleições para formar as Cortes. Segundo refere Luís Filipe Torgal, “O sufrágio era masculino, indirecto e censitário: só os maiores de 25 anos ou de 21 anos, conforme o estado civil e o estatuto profissional, detentores de um rendimento anual líquido não inferior a cem mil réis, poderiam votar nas assembleias paroquiais. Os escolhidos nestas, possuidores de um rendimento a partir de duzentos mil réis, reuniam-se depois nas capitais de província e elegiam, por sua vez, os deputados.” D. Pedro IV reinou até Setembro de 1834, quando faleceu, subindo assim ao trono de Portugal a sua filha D. Maria II (1834-53). Pedro Alexandrino da Cunha, comandando a Corveta D. Isabel Maria saiu de Lisboa a 9 de Dezembro de 1836 e após se dirigir para as Ilhas de Cabo Verde, dali seguiu viagem para Pernambuco, estacionando na Baía com o fim de prestar auxílio aos súbditos portugueses aí residentes. “Algum tempo depois passou ao Rio de Janeiro para tomar mantimentos, e continuar na sua comissão para a Costa de África Ocidental, para onde seguiu viagem”, segundo o Boletim Oficial de 1851, cujo redactor era então Carlos José Caldeira. “Nas possessões portuguesas da África atlântica, a realidade evoluía de forma peculiar pois estava muito dependente do mercado brasileiro. O impulso que Sá da Bandeira imprimira aos negócios do ultramar a partir de 1835-1836 começava a ter os primeiros efeitos, sobretudo em Angola”, segundo Maria Manuela Lucas. “Abolido o monopólio do comércio do marfim, em 1834, e autorizada a colheita da urzela, ensaiam-se novas plantações, que incluem a cana e o café, com base no trabalho escravo”, como refere Maria Manuela Lucas, que complementa, “Desenvolvia-se agora o comércio dito legítimo, ao mesmo tempo que persistia a prática do tráfico de escravos, ilegal desde 1836 e cada vez mais severamente ameaçado, não obstante a luta dos negreiros contra o poder central e contra os seus próprios concorrentes, que utilizavam localmente a referida mão-de-obra”. Das mudanças Pedro Alexandrino da Cunha, que chegara a Angola entre finais de 1836, ou início de 1837, aí esteve em comissão durante perto de cinco anos. “As primeiras décadas do liberalismo português coincidiram, em Angola com um período de transição histórica, no fim do qual a maioria dos principais habitantes da colónia tinham sido forçados, finalmente, a abandonar o comércio de escravos para o Brasil e a entrar numa nova relação económica com Portugal, baseada na exportação de outros produtos. Esta mudança verificava-se principalmente através das pressões de interesses e acontecimentos internacionais, e só muito parcialmente através de esforços metropolitanos para racionalizar as relações coloniais com Angola a partir dos anos de 1820. As tentativas feitas por sucessivos governos nacionais entre 1820 e 1850, no sentido de acabar com o comércio de escravos e de aproximar a colónia de Angola à metrópole, criando uma dependência económica e política mais estreita, foram fortemente resistidas pelos vários grupos de interesses de que se compunha a sociedade colonial. A violência e os conflitos políticos que caracterizavam a história daquela colónia neste período derivavam, basicamente, de divergências socioeconómicas profundas entre Angola e Portugal, e de uma confrontação clássica entre grupos de interesse coloniais e metropolitanos”, segundo Jill R. Dias, em A Sociedade Colonial de Angola e o liberalismo português (c.1820-1850), que segue referindo, “O carácter e a estrutura da sociedade da colónia angolana nos anos de 1820 reflectiam o seu envolvimento de longa data com o comércio de escravos para a exportação. Desde o século XVII, o comércio externo de Angola tinha sido principalmente um comércio de escravos, canalizado quase exclusivamente para as plantações e minas do Brasil e das Américas. As exportações legais de escravos a partir de Luanda e Benguela para o Brasil tinham aumentado regularmente ao longo do século XVIII. Este fluxo de mão-de-obra de Angola e de outras partes da África colonial portuguesa formava a base produtiva de todo o sistema comercial luso-brasileiro e das suas relações com a Europa do Norte, das quais dependia a prosperidade de Portugal nos princípios de 1800. Contudo, os mercadores metropolitanos eram excluídos em grande parte da participação directa no comércio de escravos angolano nesta data. O controlo financeiro estava centralizado principalmente nas mãos dos mercadores estabelecidos no Brasil. Eram eles que tratavam da exportação para Angola dos produtos europeus e asiáticos usados para comprar escravos, derivando o seu domínio de circunstâncias históricas, reforçado pela proximidade geográfica e pelos favoráveis ventos e correntes do Atlântico Sul”. Do trabalho Regressando ao Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, “Os importantes serviços que então [Pedro Alexandrino] prestou em Angola, já na repressão do tráfico da escravatura, e já no miúdo exame, que foi fazer à Costa do Sul de Benguela, são bem notórios, e se acham consignados, tanto nos seus Ofícios, dirigidos ao Ministério da Marina, como nas publicações que deles se fizeram nos Jornais Marítimos e Coloniais, e da Estatística das Possessões Ultramarinas, na parte que diz respeito a Moçâmedes, e que quase se pode dizer ele novamente descobriu, sendo causa da importância e impulso que hoje tem, e que por ventura virá a ter no futuro. Desta comissão de Angola, que durou perto de cinco anos, voltou ele ao Reino em 1841, sendo depois nomeado para Membro de diferentes Comissões. Eleito Deputado às Cortes pela Província de S. Tomé e Príncipe nelas tomou assento em 3 de Janeiro de 1843; mas sendo pedido à Câmara dos Deputados para uma nova comissão de serviço, saiu outra vez para Angola em 27 de Abril a bordo da Corveta Urunia que comandava. Chegando a Luanda, assumiu o comando de toda a Estação Naval, criando lá, (na Ilha chamada de Luanda) um pequeno Arsenal que no seu género podia servir de modelo a semelhantes estabelecimentos, e sem o qual não era possível manter a sobredita Estação. Durante este serviço foi promovido a Capitão-de-Fragata por Decreto de 14 de Fevereiro de 1844. Em 31 de Maio do seguinte ano passou a Governador-Geral da Província de Angola, (lugar do que tomou posse aos 6 de Setembro), sendo então promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra. Pouco depois Sua Majestade o honrou com o título do seu Conselho, e a comutação da Comenda da Ordem de Cristo para a de Aviz”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasPedro Alexandrino da Cunha na Ilha Terceira [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Junta Provisória do Porto, que tinha criado um governo revolucionário contra o regresso à monarquia absolutista instaurada em Março por D. Miguel, declarara em 18 de Maio de 1828 lealdade a D. Pedro, à sua filha D. Maria II e à Carta Constitucional, outorgada a 29 de Abril de 1826. O autoproclamado Rei D. Miguel conseguiu o desmancho da Junta e reprimir essas rebeliões liberais, que se tinham estendido a outras cidades e alastravam pelo país numa guerra civil, levando à prisão milhares de liberais, muitos condenados à morte, tendo outros escapado para Espanha e Inglaterra. “A instauração miguelista não ocorre sem reacções de vulto ao nível de personalidades e de dados estratos sociais urbanos (Belfastada, 1828), que se traduziu pela primeira grande vaga de expatriamento político”, segundo Joel Serrão. O decidido partidário das doutrinas liberais Pedro Alexandrino da Cunha foi para Inglaterra a bordo do Paquete. No Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851 lê-se, “A emigração apresentava-se com o sombrio carácter de larga duração era portanto necessário manter a Ilha Terceira para que seguros pudessem os emigrados nela recolher-se, e com estas vistas saiu de Inglaterra a Fragata brasileira Isabel, que em fins de Setembro de 1828 deitou na referida Ilha a primeira porção de Oficiais, entre os quais se contava o Sr. Pedro Alexandrino. Apenas desembarcado passou a ser incumbido da reparação das baterias e fortificações do Castelo de S. João Baptista do Monte Brasil, emprego a que a respectiva Junta Provisória juntou depois as funções de Director de uma Imprensa, que ele próprio montou, e pôs em acção; Imprensa que o Marquês de Palmela para ali mandara para as Publicações Oficiais do Governo”. A 29 de Março de 1829, os exilados liberais desembarcaram na Ilha Terceira e venceram os miguelistas na Batalha da Praia, sendo no ano seguinte aí constituído o Conselho da Regência Liberal, presidido pelo marquês de Palmela. “A Regência da Terceira abalançara-se à temerária empresa da expedição às Ilhas de Oeste, muito dificultada pela extrema necessidade que havia de Oficiais de Marinha. Foi então que a aptidão, que para tudo se tinha sempre encontrado no Sr. Pedro Alexandrino, e a regularidade dos seus estudos, o fizeram lembrado a um seu íntimo e particular amigo, que junto da Regência servia na qualidade de seu Secretário. As repetidas instâncias que este alto Empregado em nome do Governo lhe fez, reunidas aos rogos e empenhos de amizade, que também lhe apresentara e sobre tudo a sua natural dedicação ao serviço do país, puderam finalmente vencer a repugnância que mostrara em passar do exército de terra para a força do mar, passagem que desinteressadamente aceitou no Posto de Segundo Tenente que se lhe conferiu por Decreto de 25 de Fevereiro de 1831, mais pela ideia de servir a causa constitucional, que abraçara, e de ser útil à pátria, cujo amor ninguém nutria com intenções mais puras, nem no mais alto grau possuía, do que por motivo de engrandecimento próprio, ou de preterir qualquer dos Oficiais da Armada, como tão injustamente alguém tem pensado, e bem claramente se mostra ainda hoje pelo pequeno Posto que se lhe concedera”, segundo o Boletim do Governo de 1851. Rápida promoção na carreira Em 7 de Abril de 1831, o Imperador D. Pedro I abdicou da coroa do Brasil em favor do seu filho D. Pedro II, na altura com cinco anos e veio para a Europa, a fim de assumir a regência de Portugal em nome de sua filha D. Maria II, então com treze anos. Aportando em Inglaterra, apesar de não ser muito bem recebido pelos liberais mais radicais, organizou uma expedição militar destinada a desembarcar em Portugal e dirigiu-se para os Açores, onde no exílio se encontrava o governo liberal. A esquadra liberal com cinquenta navios e oito mil homens partia da Ilha Terceira a 27 Junho de 1832 e para apanhar desprevenidas as forças miguelistas desembarcou um pouco a Norte do Porto, na Praia do Mindelo a 8 de Julho. Quinze dias depois, a 23, os miguelistas cercaram o Porto. Em Julho de 1832 foi Pedro Alexandrino da Cunha “mandado servir a bordo do Brigue Conde de Vila Flor, donde em 4 de Setembro desembarcou para tomar o comando interino da Corveta Vila da Praia, fundeada no Rio Douro, achando-se já neste tempo na patente de Primeiro-Tenente, a que fora promovido por Decreto de 28 de Agosto do mesmo ano 1832. Em 25 de Outubro seguinte foi no Porto mandado servir às ordens do Ministro da Marinha, donde passou a Comandante Geral das praças de marinhagem, destacadas nas diversas baterias daquela Cidade, tornando a ser depois nomeado para servir às ordens do Ministro da Marinha, em 28 de Fevereiro de 1833. Em 18 de Julho deste mesmo ano passou a comandar a Charrua Maia Cardoso, que D. Miguel armara em Fragata, e que por essa causa foi apresada pela Esquadra Libertadora na famosa acção naval de 5 de Julho, tendo cruzado com ela na costa do Algarve, veio a entrar em Lisboa três dias depois da morte de sua mãe, que falecera de um fulminante ataque de cólera-morbus. Em Outubro de 1833 foi de guarnição para a Fragata D. Pedro, que de Lisboa saiu para Inglaterra”, levando “informações ao Capitão Elliot sobre os sucessos do movimento liberal em Portugal. De regresso ao reino participou na tomada de algumas cidades”, segundo o referido no livro Os Governadores de Macau, da Editora Livros do Oriente. E voltando ao Boletim do Governo de 1851, “Na sua volta se conservou sobre a Costa de Portugal para cooperar na tomada de Caminha, Viana, Praça de Valença e Figueira. A bordo desta Fragata tornou a sair para o bloqueio da Madeira, onde fora encarregado do governo da Fortaleza do Pico, e regressando a Lisboa em Agosto de 1834, foi por Decreto de 22 de Outubro deste mesmo ano promovido a Capitão Tenente com a antiguidade de 5 de Julho do ano anterior”. [De salientar que D. Miguel fora derrotado no regresso a Lisboa, após perder a esperança de conquistar o Porto e a paz foi declarada em Maio de 1834, sendo D. Miguel expulso de Portugal, restaurando D. Pedro a Carta Constitucional.] Pedro Alexandrino tornou a Inglaterra “em Janeiro de 1835 para se unir às forças que se mandaram pôr às ordens do Príncipe D. Augusto, primeiro Esposo de Sua Majestade, e de lá voltou acompanhando o Vapor Monarch, que para este Reino transportou o referido Príncipe [D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha, que em 1835 casou com a Rainha D. Maria II]. Como imediato ao Comandante da Fragata Duquesa de Bragança seguiu nela viagem para o Mediterrâneo, tocando nos diversos portos da Espanha até à Costa da Itália onde cruzou por algum tempo com o fim especial de vigiar e prevenir quaisquer intentos hostis, que contra Portugal houvesse por parte de D. Miguel, e tendo estado em Spezia e Liorne, novamente regressou ao Reino. Por este tempo o Governo o encarregou de várias comissões, sendo uma delas a de visitar e examinar os diferentes Arsenais de Inglaterra. Comandando a Corveta D. Isabel Maria, de Lisboa saiu a 9 de Dezembro de 1836, dirigindo-se às Ilhas de Cabo Verde”, segundo o que refere sobre a vida de Pedro Alexandrino da Cunha o Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasPedro Alexandrino da Cunha preso pelos miguelistas [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o artigo da semana passada, deixamos o nosso biografado Pedro Alexandrino da Cunha, nascido em Outubro de 1801, já como alferes do Exército a trabalhar no Arquivo Militar, então com vinte anos. Encontrava-se o Rei D. João VI ainda refugiado no Brasil, quando em Portugal o movimento revolucionário de 1820 instalou as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa a 26 de Janeiro de 1821, que veio suspender a Monarquia Absolutista, entrando o regime numa Monarquia Constitucional. Esse parlamento liberal tinha como principal tarefa elaborar uma Constituição escrita. “A revolução de 1820 aconteceu numa Europa onde a memória da Revolução Francesa de 1789 e o revivalismo religioso tinham criado um ambiente pouco propício a revoluções. As grandes potências prometiam intervir em qualquer país onde fosse ameaçado o poder das dinastias (era o princípio da legitimidade). Por isso, no seu manifesto à Europa, os novos governantes em Lisboa tiveram o cuidado de adoptar um ponto de vista tradicionalista, semelhante ao dos liberais espanhóis. Explicaram assim que não os movia um filosofismo absurdo, desorganizador da humanidade, nem sequer o amor de uma liberdade ilimitada, inconciliável com a verdadeira felicidade do homem. O seu único objectivo era melhorar a forma do governo em Portugal através da restituição das suas antigas e salutares instituições, embora, claro está, corrigidas segundo as luzes do século e as circunstâncias políticas do mundo civilizado. Desejavam o poder limitado por leis sábias, e repudiavam a tirania, fosse ela exercida por um ou por muitos. Daí a revolução não ter vertido uma só gota de sangue”, como refere Rui Ramos. Com a chegada de D. João VI a Lisboa, logo nesse dia 4 de Julho de 1821 o Rei jurou as bases da Constituição e substituiu a regência por um novo ministério. “E assim começou em Portugal o exercício efectivo da monarquia constitucional, onde o rei é chamado a desempenhar um novo papel e os cidadãos passam a poder intervir mais activamente, através dos seus representantes nas cortes”, segundo Isabel Nobre Vargues. Com a monarquia em França restaurada desde 1814, após Napoleão Bonaparte (com o título de Imperador Napoleão I, 1804-1814) ser derrotado por uma força aliada de ingleses, russos, austríacos e prussianos, subiu ao trono o monarca Louis XVIII, da dinastia de Bourbon e preparou-se uma intervenção militar para restabelecer em Espanha o governo de Fernando VII, o que ocorreu a 7 de Abril de 1823 e a ocupação sem resistência de Madrid em 23 de Maio. Os liberais em Lisboa enviaram um regimento de Infantaria para a fronteira, mas este revoltou-se e logo em Vila Franca de Xira o infante D. Miguel a ele se juntou, incitando os portugueses a libertar o rei de umas Cortes que <em lugar dos primitivos direitos nacionais, deram-vos a sua ruína>. A 31 de Maio, o Rei D. João VI chegou a Vila Franca e demarcou-se do regime que segundo ele <tinha despedaçado o Brasil, provocado uma guerra civil e com o envio de tropas para Espanha iria levar o reino a ser invadido>. Segundo Joel Serrão, “Em 1823, a Vila-Francada põe termo, com surpreendente facilidade, à primeira fase do liberalismo português, ou seja, impede que a prática da Constituição de 1822 vá além de um breve estertor de moribundo. Regressa-se, oficialmente, ao Antigo Regime, que, aliás, não chegara a ser abalado nos seus sólidos fundamentos, mas pensa-se, pela primeira vez, na hipótese de uma carta constitucional capaz de apaziguar tensões e de evitar o pior, mediante um compromisso entre a tradição e a inovação considerada possível”. Foi então D. Miguel (1802-1866) promovido a comandante-chefe do exército. Abrilada “D. João VI desconfiava de D. Carlota Joaquina [sua esposa] e de D. Miguel, muito chegado à mãe. Por isso, em Maio de 1823, tentara inicialmente manter as Cortes, e só as abandonou quando isso lhe pareceu o único meio de retirar a iniciativa ao infante. Para a Inglaterra, que não queria ver Portugal outra vez na órbita de Madrid, e também para a França, desgostada com a dureza de Fernando VII, o infante e a sua mãe pareciam demasiado sintonizados com a corte espanhola. Finalmente, era preciso contar com todos aqueles que esperavam ainda uma reconciliação com o Brasil. Sendo o Brasil uma monarquia <liberal>, um Portugal <absolutista> poria fim a essa esperança”, segundo refere Rui Ramos. Quando D. Miguel, como comandante-chefe do exército, a 30 de Abril de 1824 levantou os regimentos de Lisboa e tomou o poder, sequestrando o pai, o Rei D. João VI, num golpe que ficou conhecido por Abrilada, encontrava-se Pedro Alexandrino da Cunha a estudar na Academia da Marinha. Por ser um convicto liberal foi nesse mesmo dia preso com outros oficiais no Forte de Peniche. Pela acção dos embaixadores, inglês e francês, foi o D. João VI, O Clemente, libertado e a bordo de um navio inglês, em 9 de Maio demitiu D. Miguel do comando do exército. Após esses nove dias na prisão, devido à perseguição miguelista, Pedro Alexandrino foi libertado e voltando à Academia, terminou o curso de Matemáticas, inscrevendo-se logo de seguida na Academia de Fortificação. Aí se encontrava quando em Julho de 1827 foi promovido a Tenente para o Regimento 13 de Infantaria. Tinha já D. João VI falecido, o que ocorrera a 10 de Março de 1826 e o sucessor, seu filho D. Pedro, no Brasil outorgou a 29 de Abril desse ano a Carta Constitucional, que seguia o modelo francês de Luís XVIII. O então Imperador do Brasil D. Pedro I abdicou do trono de Portugal a favor da sua filha D. Maria II, mas, como esta ainda só tinha oito anos, numa tentativa de reconciliação entre absolutistas e liberais, nomeou D. Miguel para lugar-tenente e Regente do Reino. No entanto, para tal acontecer teria D. Miguel de aderir ao regime constitucional, o que aceitou e assim, pôde regressar da Áustria onde se encontrava exilado. Chegou a Lisboa em 26 de Fevereiro de 1828 e teve uma estrondosa recepção, com muito povo e sobretudo pelos seus partidários. De referir que, os absolutistas controlavam as áreas rurais, sendo apoiados pela aristocracia e camponeses, enquanto os liberais tinham a sua base numa parte significativa dos militares e na classe média a viver nas cidades, sobretudo no Porto e Lisboa. D. Miguel, segundo filho de D. João VI, logo a 13 de Março de 1828 dissolveu a Câmara dos Deputados e a 3 de Maio convocou os três Estados, declarando nulo o juramento da Carta Constitucional. A eleição em Santarém dos Procuradores às Cortes ocorreu a 16 desse mês e estas, a 11 de Julho reconheciam D. Miguel como rei absoluto. A violência do regime contra os liberais levou por razões políticas a milhares de portugueses emigrarem. Segundo Joel Serrão, “De 1828 a 1832, dentro e fora do País, tudo se encaminha para a guerra civil, e ela eclode com a instalação no Porto de um pequeno exército de exilados e soldados açorianos. É então que Mouzinho da Silveira lança na fogueira da confrontação nacional os seus decretos destinados a desmontar a estrutura do Antigo Regime e a alicerçar o Portugal renovado com que sonhavam os liberais moderados que se reuniam em torno de D. Pedro: um país europeizado mediante as práticas de deixai produzir, deixai circular”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO liberal Pedro Alexandrino da Cunha e a sua época [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]edro Alexandrino da Cunha sucedeu como Governador de Macau ao Conselheiro e Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral, após este seu amigo ter sido assassinado a 22 de Agosto de 1849, por sete chineses junto à povoação de Mong Há. Um Conselho do Governo, composto pelo Bispo Jerónimo da Mata, o Juiz Joaquim de Morais Carneiro, Ludgero de Faria Neves, Miguel Pereira Simões, José Bernardo Goularte e o Procurador Manuel Pereira, tomou conta da Administração da Colónia até que, por decreto de 22 de Outubro de 1849, o Capitão Feliciano António Marques Pereira foi nomeado para o Governo interino de Macau. Seria exonerado a 5 de Novembro de 1849, quando por decreto foi nomeado o novo Governador, Pedro Alexandrino da Cunha, que na altura andava pelo Brasil numa missão comercial. Tomou ele posse em Macau a 30 de Maio de 1850, mas logo veio a falecer por doença trinta e sete dias depois. No dia seguinte, 7 de Julho de 1850 foi nomeado um Conselho de Governo, constituído pelo Bispo D. Jerónimo José da Mata (presidente), o novo juiz de Direito Sequeira Pinto, o Presidente do Senado José Bernardo Goularte, o Procurador Lourenço Marques, o Comandante da corveta D. João I Isidoro de Guimarães, o Tenente-coronel António Tavares de Almeida e como Secretário António José de Miranda. Este Conselho esteve à frente da Administração da cidade até 26 de Janeiro de 1851, quando desembarcou em Macau o novo Governador, o Conselheiro Capitão-de-Mar-e-Guerra, Francisco António Gonçalves Cardoso, nomeado, por decreto de 17 de Outubro de 1850. Veio de Hong Kong a bordo da corveta D. João I, a mesma que anteriormente transportara Pedro Alexandrino da Cunha e apesar de esta ter fundeado na Rada na sexta-feira, dia 24, só dois dias depois este desembarcou em Macau no cais do Governador. Francisco Gonçalves Cardoso também apenas exerceu as suas funções por um curto espaço de tempo, entre Fevereiro e Novembro de 1851, a que se lhe seguiu em 19 de Novembro desse mesmo ano Isidoro Francisco Guimarães, Governador de Macau até 1863. Brilhante estudante Pedro Alexandrino da Cunha, nascido a 31 de Outubro de 1801 na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa, era “filho único de D. Rita Tiburcia da Costa e do Primeiro Tenente da Armada, Jacinto Peres da Cunha, que em 1801 falecera em Argel das feridas mortais que recebera dos mouros, na ocasião em que por eles foi tomada a Fragata Cisne, onde se achava embarcado. Em Outubro do referido ano”, poucos meses depois da morte de seu pai, nasceu Pedro Alexandrino. Com 14 anos entrou no Colégio da Luz (Colégio Militar), onde foi um distinto aluno, “sobrepujando a todos os seus condiscípulos e camaradas, pelo transcendente talento de que a natureza o dotara para tal ordem de matérias”, como ficou referido no Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, nessa altura redigido por Carlos José Caldeira e de onde retiramos muitas das informações aqui transcritas sobre a vida de Pedro Alexandrino da Cunha. Após completar o curso de estudos em 1819, logo iniciou a carreira militar e assentou praça na antiga Brigada Real da Marinha, onde por Portaria de 22 de Março de 1821 passou a Alferes integrado nos quadros do Estado-Maior do Exército, ficando a trabalhar no Arquivo Militar. Em 1820 ocorrera em Portugal a Revolução Liberal e o Rei D. João VI encontrava-se no Brasil, para onde fugira em Novembro de 1807, na altura ainda como regente de D. Maria I, quando as tropas napoleónicas e espanholas comandadas por Junot se encontravam às portas de Lisboa. Durante treze anos ficou no Brasil, refugiado com a família real e toda a corte portuguesa, fazendo do Rio de Janeiro a capital de Portugal e de onde tratava os assuntos do império. Contra os invasores exércitos de Napoleão Bonaparte, em Agosto de 1808 a Inglaterra enviara um corpo expedicionário em auxílio a Portugal, a quem também fez um grande empréstimo de dinheiro e por Carta Régia foi o comércio nos portos brasileiros aberto aos países amigos. “Napoleão obrigara à mudança da corte portuguesa para o Brasil, transferindo-se, assim, a sede da monarquia portuguesa em 1808 e transformando-se nos anos subsequentes a antiga colónia em metrópole. Tal atitude veio a ser referendada com a sua elevação a reino em 1815 (o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves), medida curiosamente sugerida a D. João (VI) por um dos seus avisados conselheiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, em parecer de Abril de 1814, e também sugerida a Palmela por Talleyrand em Viena. O antigo pacto colonial entre Portugal e Brasil fora também alterado com a abertura dos portos brasileiros e com os tratados celebrados com a Inglaterra em 1810, o que permitiu um crescimento económico diferente para o Brasil, ao contrário de Portugal. Era um mal-estar económico-social que invertia os termos da balança do Poder. Por outro lado, a partir de 1808 amplia-se uma situação de miséria económica em Portugal, com as fábricas em declínio, a agricultura em decadência, o que provocava nos anos entre 1808 e 1820 um colapso nas rendas públicas, que arrastava consigo a miséria, o desemprego e os atrasos nos pagamentos ao funcionalismo e aos militares. A esta situação acrescia o imobilismo governativo de uma regência deixada em Lisboa: os governadores do reino procuravam gerir uma nação empobrecida, desmoralizada e em situação de domínio militar sob a tutela britânica, depois de ter estado sob a tutela proteccionista francesa”, segundo Isabel Nobre Vargues, que refere “O pronunciamento militar de 24 de Agosto de 1820 deu origem a um dinâmico movimento de mudança na sociedade portuguesa, que pôs em causa as estruturas de um Estado de Antigo Regime e que é consagradamente conhecido sob o nome de Revolução ou Regeneração de 1820”. (…) “Com a instalação do primeiro parlamento liberal em Portugal – as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa -, a 26 de Janeiro de 1821, estava firmado o primeiro objectivo do movimento revolucionário de 1820”. D. João VI, ainda no Brasil em Fevereiro de 1821, foi obrigado a jurar a sua adesão ao movimento liberal e como em Portugal Continental, o governo vintista chamava “a atenção para a influência que exerceria na nação portuguesa a presença de uma personagem real”, então o Rei por fim decidiu regressar, entrando em Lisboa a 4 de Julho de 1821. Três dias antes da sua partida, em 22 de Abril de 1821 nomeou como regente para governar o Brasil o filho D. Pedro. Com o regresso do Rei e de toda a Corte, perdeu o Rio de Janeiro toda a animação e o estatuto de capital do Reino, assim como voltava de novo o Brasil a ser apenas numa simples colónia. Segundo o que previa Silvestre Pinheiro Ferreira, <a partida do rei implicava a separação do Brasil>. Então, D. Pedro, filho sucessor do Rei e o único da família real que aí ficara, abraçando a causa liberal proclamou a Independência do Brasil em 7 de Setembro de 1822 e a 12 de Outubro desse ano foi aclamado D. Pedro I, Imperador do Brasil. No entanto, Portugal apenas reconheceu a independência do Brasil a 15 de Novembro de 1825, só para que fosse possível aos mercadores portugueses de novo aí permanecerem.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasA meretriz Blanche Lachmann [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]uitas são as versões fantasiosas e contraditórias da história de Madame Paiva, a mais bem sucedida cortesã parisiense do século XIX, que encheram as páginas dos jornais parisienses, “menos atarefada nos assuntos grávidos da política, da indústria e da sã moral”, segundo Camilo Castelo Branco. Esther Blanche Lachmann (1819-1884) era filha de pais polacos judeus exilados na Rússia (pois, após este país anexar a Polónia em 1815, muitos foram os judeus que para aí se mudaram), apesar do historiador Padre Manuel Teixeira dizer ser “filha bastarda do Grão-duque Constantino, da Rússia”. Em Moscovo, com 17 anos casou-se com um alfaiate francês a 11 de Agosto de 1836, de quem no ano seguinte teve um filho Antoine. Afundada na pobreza, sem horizontes, numa monótona vida dura e de dificuldades, resolveu fugir e por volta de 1840, abandonou para sempre o marido e filho. Apareceu em Paris, instalada junto à igreja de Notre Dame de Lorette, onde se introduziu no milieu da prostituição, com o nome de Thérèse. A sua esbelta figura abriu caminho de capital em capital e em Berlim terá começado a actividade de espia ao serviço da Alemanha, passando por Viena e Istambul, onde foi a favorita do local Sultão. Por volta de 1841 chegou à estância alemã de Ems, onde encontrou Heinrich Herz, ela com 22 e ele 35 anos. Entre 1841 e 1847/8 viveu em Paris amancebada com esse famoso pianista e compositor e através do salon Herz, por ele anteriormente criado, ingressou no meio musical e intelectual, convivendo com artistas como Berlioz e Offenbach, tendo aí patrocinado a estreia de muitos jovens profissionais. Conheceu Franz Liszt e Richard Wagner e escritores como Théophile Gautier e Emile de Girardin, sendo então uma das mulheres mais atraentes de Paris. Influenciada por esse ambiente, aprendeu a tocar piano e com Henri teve uma filha, Henriette. Escondida como senhora Herz, aventurou-se a “sentar-se entre as duquesas nos saraus de Luís Filipe”, até que certo dia, ao chegar a um evento ouviu: <A madame enganou-se na porta>. Percebeu ter sido desvelado o segredo da sua concubinagem, sendo “expulsa afrontosamente dos círculos também falsamente carimbados de honestidade”, nas palavras de Camilo Castelo Branco. Este episódio terá acordado nela a voragem para as suas extravagâncias, com que lapidou a pequena fortuna de Herz. Tal obrigou-o em 1848 a partir numa tournée pelos Estados Unidos, que durou cinco anos, altura em que os pais de Herz a colocaram fora de casa. Com os milordes em Londres Sozinha e sem dinheiro ainda pensou em se suicidar, não fosse a ajuda de Teófilo Gautier, do jornalista Jules le Comte e da amiga Ester Guimont, que a apresentou ao famoso modista Camilo. Este aconselhou-a a ir para Londres e colocou-lhe à disposição toda a indumentária. Outra versão refere-a já na capital do Reino Unido, instalada numa pensão que hospedava mulheres da sua condição, mas sem grande sorte com os clientes. As parcas economias rapidamente desapareciam e mal alimentada, doente e desesperada, tomou como solução suicidar-se. Valeu-lhe a dona da estalagem, que lhe propôs adiar tal acto e ofereceu-lhe um camarote na ópera para aí se expor. Se não resultasse, teria o dia seguinte para o realizar. Assim, à sua fulminante formosura ajuntou um vestuário de espaventos e sentou-se langorosamente num camarote de Covent-Garden, onde logo conseguiu dez fortunas a seus pés. Esse período em que esteve em Londres, de aproximadamente um ano, por volta de 1848-49, é vagamente descrito pelos autores que sobre ela escreveram e do qual Camilo Castelo Branco refere, “fez que o rio Pactolo, representado por alguns milordes, lhe lambesse os pés com as suas ondas de ouro”. O primeiro deles foi Edward Stanley, o 2º Barão Stanley de Alderley, seu amante por algum tempo, seguindo-se-lhe um diplomata e político francês, Antoine Alfred Agenor, que mais tarde se tornou o 10.º Duque de Gramont, amigo de Louis Napoleon. E continuando pelo que se pode ler no artigo La Païva, colocado na internet, uma ficção da argumentista americana Cornelia Otis Skinner, nascida já a protagonista da sua história tinha morrido, onde narra o episódio (talvez por ela inventado) mais interessante da Mad. Blanche no período da estadia na capital inglesa. Refere-se ao banqueiro Adolphe Gaiffe (apesar de na biografia aparecer como homem de negócios e jornalista político), que apostara com uns amigos conseguir ter relações sem pagar com a dita madame. Blanche aceitou, mas em troca teria ele que queimar vinte notas de mil francos, uma em cada trinta minutos durante a secção de amor. Substituindo-as por notas falsas, mesmo assim não as conseguiu queimar e foi ela quem tal fez, acreditando ser dinheiro verdadeiro. Assim, ganhou a aposta. Com a estadia em Londres, Blanche Lachmann fechou para sempre o seu ciclo de pobreza material, pois diz-se ter aí conseguido presentes que totalizaram 40 a 50 mil libras. Uma prostituta por esposa Agora Thérèse Esther Blanche Lachmann, já 40 vezes milionária, encontrava-se de novo em Paris, a ser galanteada por “um dos cinco mil príncipes russos que dão mobília nova aos bordéis parisienses”, nas palavras de Camilo Castelo Branco. O seu marido, Antoine Hycacinthe Villoing vem de Moscovo para tentar reatar o casamento, mas ela repudia-o e este, num recanto desta cidade, nunca mais interferiu na vida dela, até que faleceu a 15 de Junho de 1849. Continuava Thérèse em vigilante sedução, focada sobretudo nos homens de Estado e políticos, atenta aos deslizes confessionais escancarados por carnais desejos, a servirem a sua actividade de espia a favor da Alemanha. A esse mundo, encoberto pelo trabalho de prostituta, faltava apenas um título para conseguir dignidade na sociedade e por isso, já viúva, casou-se a 5 de Junho de 1851 com Albino Francisco de Paiva de Araújo. No dia seguinte à noite de núpcias ela disse-lhe: <queria dormir comigo, e conseguiu-o fazendo-me sua mulher; deu-me o seu nome, eu absolvi-me a noite passada; portei-me como uma mulher honesta – queria uma posição e consegui-a, mas tudo o que tem é uma prostituta por esposa. Não me pode levar a lado nenhum; não pode apresentar-me a ninguém. Por isso, devemos separar-nos; regresse a Portugal que eu fico aqui, usando o seu nome e continuando a ser uma meretriz>. Não terão sido essas palavras, se realmente ela as pronunciou, que o levaram a dar o tiro pois, só vinte anos mais tarde, a 8 de Novembro de 1872 é que Albino, o boémio macaense, se suicidou em Paris, no patamar das escadas do prédio n.º 11 da Rue Neuve des Mathurins, onde então morava. Carregado de dívidas percebeu não ser mais necessário à diva o seu falso título de marquês, pois ela era já condessa, devido ao casamento um ano antes com um verdadeiro Conde, Henckel von Donnermarck. A luxuriante Paris das luzes já não tinha mais espaço para o Paiva. Triste destino, que então também estava a acontecer a Macau, com o aparecimento de Hong Kong.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasPor coincidência, falso marquês [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual teria sido a finalidade de Madame Blanche Lachmann se casar com Albino Paiva? Num anterior artigo referimos as famílias ligadas à nossa personagem principal, mas faltou falar da descendência proveniente do casamento de Francisco José de Paiva com Inácia Vicência Marques. Os avós do lado materno de Albino Francisco de Paiva de Araújo tiveram oito filhos e se aqui apenas nos interessa Mariana, uma das cinco filhas e mãe do nosso biografado, já o seu tio, Francisco José de Paiva filho (1801-1849) foi o elemento da família mais distinto e quem deu o nome à Travessa do Paiva. Sobre ele haveremos de tratar em próxima ocasião. Outra filha deste casal, que mais adiante irá aparecer nesta história, é D. Antónia Maria de Paiva, nascida na freguesia de S. Lourenço a 22 de Dezembro de 1816 e que casou em Lisboa com Francisco Rebelo de Albuquerque de Mesquita e Castro, 2.º Visconde de Oleiros, segundo informações de Jorge Forjaz no livro Famílias Macaenses. Em Paris, sobre Albino Francisco de Paiva de Araújo, Flectwood-Hesketh diz ser “marquês de Paiva Y Aranja com quem [Thérèse Blanche Lachmann] se casou em Passy em 5 de Junho de 1851. Paiva era primo do embaixador português. Aparentando ser muito rico, ele estava na realidade profundamente endividado; as grandes propriedades em Portugal, de que ele se dizia herdeiro, eram inteiramente fictícias. Ele vivia do dinheiro de Teresa; primeiro ficaram na rua Rossini, depois numa casa curiosa no Lugar de S. Jorge, de escultura gótica, construída em 1840 pelo arquitecto Renaud. Em troca do seu grau nobiliário, ela deu dinheiro a Albino, mas só o mínimo da bênção nupcial; e durante um ano uma nova luz navegou na sua órbita.” A informação de Albino Paiva de Araújo ter o título de Marquês não é verdadeira, nem tão pouco o de ser primo do embaixador português em Paris, o Visconde de Paiva. No entanto, é espantosa a coincidência pois encontrava-se em Paris na mesma altura Francisco José de Paiva (1819-1868), 1.º barão em 1853 e 1.º visconde de Paiva em 1858, como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário de Portugal em Paris. Este era filho de D. Ana Sofia Thompson e de José Caetano de Paiva Pereira, fidalgo cavaleiro da Casa Real e membro do Supremo Tribunal de Justiça. Casado com Carlota de Oliveira Maia a 19-12-1838, foi eleito par do Reino em 1862. Em Paris contraiu enormes dívidas, que não conseguia pagar e por tal foi transferido para Berlim e aí se enforcou de profundo desgosto em 1868. Interessante paralelismo com a história do nosso boémio, Albino Francisco de Araújo, que também se suicidou e cujo avô e tio tinham o mesmo nome do embaixador português em Paris. O final de Paiva de Araújo Foi pelo título (falso) de marquês que Blanche Lachmann se casara com Albino de Paiva de Araújo, pois, já 40 vezes milionária desde que viera de Londres, faltava-lhe apenas um título para adquirir dignidade na sociedade, condizente com a sua opulência e assim, passou a apresentar-se com o seu marido, o marquês de Paiva. O padre Manuel Teixeira refere, “Ainda vivia com este suposto marquês, que era o seu segundo marido, a quem dera dinheiro em troca do seu grau nobiliário, quando foi apresentada, pelo cônsul alemão Félix Bamberg numa noite de ópera em 1852, ao conde Henckel von Donnersmark”. Segundo Camilo Castelo Branco: “Dobaram-se alguns anos em que nada averiguei; até que, em 1873, li nos jornais portugueses que Paiva Araújo se suicidara em Paris. Conversando a tal respeito com António Augusto Teixeira de Vasconcelos, em Lisboa, por 1874, me disse o famoso escritor, que o conhecera muito em Paris, e tinha exactas informações da sua morte. O marido indigente de mad. de Paiva procurou congraçar-se com a sua marquesa, que vivia opulentamente no seu palácio de Pont-Chartrin, o das 365 janelas, decorado por Paul Baudry, ligada ao conde Henckel de Donnesmark. Ela repeliu-o. Paiva manteve-se algum tempo de empréstimos, e pequenos donativos talvez da mãe com que ia disfarçando a sua pobreza aos olhos de outros a quem tencionava recorrer”. O Padre Manuel Teixeira refere, “Tendo obtido do Santo Ofício a anulação do seu casamento com o <Marquês> de Paiva a aventureira consorciou-se pela terceira vez com o Conde Henckel de Donnesmark, rei do cobre da Silésia”. Peter Flectwood-Hesketh dá as datas, “Em 16 de Agosto de 1871, o casamento de Blanche com Paiva foi anulado pelo Vaticano e em 28 de Outubro ela casou com Henckel na igreja evangélica da Confissão de Augsburg na Rua Roquépine, Paris. Paiva vivia no n.º 11 da Rue Neuve des Mathurins. Em 8 de Novembro de 1872 ofereceu aos seus credores um jantar particular na Maison Dorée, o qual ele não podia pagar. Voltando a casa nessa noite, pôs termo à vida com um tiro de revólver no peito, tendo 45 anos de idade”. Mas segundo escreve Camilo Castelo Branco, “Um dia, em grande apuro, escreveu pedindo 2000 francos a um rico e antigo conviva dos seus desperdícios, e, juntamente com a carta, meteu na algibeira do fraque coçado um revólver. A carta foi, posta interna, ao seu destino, e a resposta, no dia imediato, foi entregue ao porteiro do hotel. Quando voltou a casa e leu a resposta negativa, ainda subiu alguns degraus, e, no primeiro patamar, caiu moribundo com um tiro no peito. Se bem me lembro, foi o ministro português quem pagou o carro que conduziu o cadáver ao Pére La Chaise. Depois, a viúva que, até esse dia, se chamava marquesa, pelo seu segundo marido, casou com o terceiro, que realmente a fez condessa. Não duvido que Paiva Araújo se intitulasse marquês em França. Jeronymo Collaço também se intitulava conde, e, a falar verdade, não carecia d’esse ridículo para se distinguir. Só duas palavras mais a respeito da mãe de Paiva Araújo. Há-de haver oito anos que a sua casa, ricamente ornamentada, foi à praça para pagamento de dívidas. Ela tinha sacrificado quase toda a sua meação para salvar o filho. Pagou as dívidas, e retirou-se com umas sobras mesquinhas para um pobre casebre rural, nos arrabaldes do Porto. Não tenho a certeza de que ela já gozasse a suprema felicidade de morrer”. Assim termina Camilo Castelo Branco a sua crónica publicada no Jornal da Manhã de 13 de Julho de 1885, mas no livro Boémia do Espírito, editado no Porto em 1886, acrescenta em nota duas cartas que recebera no entretanto de amigas da macaense Senhora Paiva para o esclarecer. Interligando essas duas cartas, pois o conteúdo repete-se, fica-se a saber que “Vivia no Porto, na rua de Santa Isabel [próximo do jardim Arca d’ Água], recebendo uma pequeníssima mesada [proveniente de Lisboa] que lhe davam a irmã [D. Antónia Maria Paiva] e sobrinha, viscondessa dos Olivais e viscondessa de Oleiros, mesada que mal chegava para viver debaixo da maior economia” e na outra carta se refere, “A infeliz macaense faleceu no dia 26 de Maio último (1885) com 88 anos, (…e…) está enterrada na Lapa, da qual foi uma grande benfeitora” e regressando à primeira carta, “Foi aquela Irmandade que lhe fez o enterro gratuitamente, como lembrança de algumas esmolas que ela, em tempo, deu àquela Irmandade”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO final da boémia vida de Albino Paiva [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m artigo anterior, deixamos a história de Albino Francisco de Paiva de Araújo após o regresso da viagem a Portugal que fizera com a sua esposa, a Thérèse Blanche Lachmann, aliás Madame Paiva. Camilo Castelo Branco referia, “A polaca regressou a Paris, e como o seu marido constituía um empacho aos seus embelecos e astúcias, requereu a separação e regressou ao exercício profissional do galanteio”. Tal visita desmente as versões a circular sobre o dia seguinte ao casamento ocorrido a 5 de Junho de 1851 e que teve como uma das testemunhas o escritor Theophile Gautier. Segundo diz Viel-Castel, nas Memórias de Conde Horace, no dia seguinte a casar a nova Madame Paiva entregou ao marido uma carta em que punha termo ao casamento. Já sobre o que ocorreu em Paris, Peter Flectwood-Hesketh refere, “Na ópera com Florentino [o jornalista napolitano Angélico Florentino], uma noite, em 1852 (ano seguinte a se ter casado com o Paiva), o cônsul alemão, Félix Bamberg, apresentou-a a Guido, conde Henckel von Donnersmark, austero mas belo jovem de 22 anos. Apesar de ser 11 anos mais novo do que ela, Guido ficou imediatamente cativo pela deslumbrante marquesa. A princípio ela apenas se divertia com a sua enfatuação; depois jogou com ele um jogo caprichoso de gato e rato. Só quando ele, desesperado, fugiu para Berlim, ela reconheceu em si uma afeição real por ele. Ela seguiu-o e lá começou uma relação que, acrescentada ao ambiente de segurança financeira que oferecia, aproximou-se mais do amor e do romance do que qualquer outra na sua vida calculada e egoísta, durante e até ao fim. Guido era herdeiro duma antiga família, cuja principal propriedade era Neudeck, perto de Tarnovitz, na Silésia [subúrbios de Munique], com valiosas minas de zinco, ferro e carvão. De Berlim foram para Neudeck, regressando a Paris, onde, em 2 de Dezembro, o príncipe Luís Napoleão recebeu o título de Imperador Napoleão III”. (…) “Ela partilhou com Henckel o entusiasmo pela música, sobretudo de Richard Wagner, assíduo visitante. A princípio evitava familiaridades com Guildo; mas quando o teve seguro, submeteu-se a este silencioso e apaixonado alemão. A adicionar a esta resposta amorosa, a sua experiência e habilidade nos negócios ajudou-o imensamente e ganhou a sua devoção e a gratidão durante toda a vida”. E continuando com Flectwood-Hesketh, “A casa de Teresa no Lugar de S. Jorge tornou-se mais uma vez o popular ponto de reunião do círculo literário, musical e artístico com grande desgosto da princesa Matilde, prima do imperador, que via naquilo uma invasão na sua área reservada, bem como da respeitável sociedade parisiense, que olhava para Teresa como pária intocável. Entre os habituais frequentadores de Teresa, quase todos do sexo masculino, contavam-se Paul de Saint-Víctor, León Gozlan, Émile de Girardin, Jacob Ponsard, Émile Augier, os irmãos Goncourt, Arsène Houssaye, Théophile Gautier, Sainte-Beuve e o austeno Taine. Entre os seus amigos havia também financeiros, que a ajudavam com conselhos salutares”. Regresso a Portugal Albino Francisco de Paiva de Araújo, após se separar da judia polaca, continuou por mais algum tempo na vida de boémia em Paris, onde gastou o que lhe sobrava da herança, que Camilo Castelo Branco referia, “uma fortuna de 400 contos de réis, que nessa época estariam reduzidos à décima parte” e veio para o Porto já endividado. E continuando com este escritor, que diz ter Albino Araújo abandonado a sua esposa dois anos decorridos, “mais ou menos espontaneamente, a um dos cinco mil príncipes russos que dão mobília nova aos bordéis parisienses, e regressou a Portugal com bastantes malas inglesas, uma dúzia de floretes, outras tantas caraças e manchetes, afora algumas dívidas. A mãe pagou-lhe as letras, e perdoou-lhe o casamento e a dissipação do património”. E continuando com Camilo Castelo Branco, “Durante quatro ou cinco anos, Paiva viveu muito recolhido no Porto, mas frequentando pouco a convivência da mãe. Habitava uma casinha de duas janelas, situada na extremidade do jardim. Saia de noite, recolhia de madrugada, e passava o dia a comer e a dormir. Um escudeiro levava-lhe em tabuleiro coberto o almoço e o jantar da cozinha da mãe, que ele raras vezes procurava. Era-lhe odiosa, porque lhe não dava dinheiro para sair de Portugal, e apenas lhe enviava mensalmente o necessário para dignamente se tratar na sociedade pacata, frugal e económica do Porto. Em 1855 e 56 encontrei-o muitas tardes nos pinhais e carvalheiras da Prelada e de Lordelo, passeando com uma francesa de muita vista, escultural, com a trança dos cabelos louros desatados sob as amplas abas d’um chapéu de palha azul ondulante de fitas escarlates. Se eu procurasse o nome dela na sepultura para lh’o dizer, não o acharia, porque a francesa, d’um espírito raro, morreu na obscuridade da pobreza, e d’uma velhice que redime e pede perdão para os delitos da juventude. Dessa época lembram-me dois episódios de Paiva Araújo. A Macaense dera azo a que se soubesse cá fora que o filho a quisera matar com veneno, para empolgar a herança. O Jornal do Porto dera a notícia com discreta prudência; mas Paiva foi insultar com ameaças de azorrague o honrado proprietário daquele jornal, que desviou de si a responsabilidade da notícia, aliás verdadeira. O outro caso, mais cómico pelas consequências, foi um duelo à espada, por motivos melindrosamente caseiros, com um fidalgo portuense chamado D. António Peixoto Pinto Coelho Pereira da Silva Padilha de Sousa e Haucourt, simplesmente. Se bem me recordo, Paiva Araújo desarmou, com pouca efusão de sangue, o contendor, D. António, alucinado com o êxito do duelo, atirou-se da ponte Pensil sobre… um barco rabelo de batatas que vinha mansamente descendo o Douro. E saiu sem contusão de entre as batatas que, de certo, não eram tão macias e flácidas como as almadraques de um kalifa de Córdova. (…) Em 1860 encontrei Paiva Araújo em Braga, leccionando francês no colégio da Madre de Deus, no palácio dos Falcões, onde uma família estrangeira tentava inutilmente a fortuna. O marido de Branca Lachmann, nesse ano, trajava menos que modestamente. O seu casaco e chapéu, em tais condições, não lhe os aceitaria um dos seus antigos criados”. Jorge Forjaz refere, “Depois da separação, Paiva Araújo voltou a Portugal, conservando-se algum tempo no Porto. Mais tarde ainda tornou a Paris, de onde / de quando em quando vinha ao Porto visitar a mãe. Lutava já com os últimos recursos, completamente esbanjada, não a legítima como a própria herança paterna. Entretanto, Blanche Lachmann já fisgara um novo amante – desta vez tratava-se do Conde Henckel von Donnermarck, magnata de cobre na Silésia e primo de Bismarck”.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasMarquês por coincidência de apelido [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o escrever sobre um macaense, logo os seus apelidos mostram uma teia de casamentos que nos obriga, para dar um enredo coerente, a desmultiplicar as pesquisas por uma série de gerações e famílias. Assim, como a maior parte delas tem parentescos entre si, não faltará em Macau, por muito que custe, quem seja familiar de Albino Francisco de Paiva de Araújo (1824-1872). O Padre Manuel Teixeira refere, “Era filho de Mariana Vicência de Paiva, de raízes beirãs, e de Albino Gonçalves de Araújo, de raízes brasileiras. A sua genealogia entronca com macaenses ilustres, oficiais do Exército e da Armada” e sobretudo ligadas ao comércio, sendo nessa altura o ópio a mercadoria mais importante e de maior valor, que levou nos séculos XVIII e XIX ao enriquecimento dos muitos europeus a viver em Macau. A mãe, Mariana Vicência nascera a 22-7-1802 na “Cidade do Santo Nome de Deus”, sendo filha de Inácia Vicência e de Francisco José de Paiva. O pai do nosso biografado era Albino Gonçalves de Araújo, natural do Rio de Janeiro, Brasil, da freguesia de Nossa Senhora de Candelária, (e segundo Jorge Forjaz nascera em 1797), vindo a falecer em Macau a 24 de Janeiro de 1842, sendo filho de José Gonçalves de Araújo, natural da Ribeira da Pena e de Ana Francisca de Araújo, nascida em Rio Pardo, Rio Grande do Sul, Brasil. Albino José Gonçalves Araújo foi inspector encarregado da aferição dos pesos e medidas e da taxação dos géneros alimentícios, o “almotacé da Câmara em 1824 e irmão da Santa Casa da Misericórdia, eleito a 9 de Abril de 1829” e “era proprietário do navio Conde de Rio Pardo, que fazia viagens para o Rio e Lisboa. Deixou uma grande fortuna, que foi depois criteriosamente administrada e aumentada por sua mulher”, D. Mariana Vicência de Paiva, com quem se casara “no oratório das casas de seu sogro (freguesia de S. Lourenço) a 7 de Novembro de 1823”, segundo Jorge Forjaz quando fala da família Araújo, mas, ao tratar sobre os Paiva refere a data de 8 de Janeiro de 1823. Já o Padre Manuel Teixeira indica que a 7 de Janeiro de 1823 foram casados pelo Frei João de Sto. António, O.F.M., comissário da Terra Santa e Vigário de S. Lourenço, tendo como testemunhas o conselheiro Manuel Pereira e o comendador Domingos Pio Marques. As famílias Paiva e Marques A mãe do nosso biografado, Mariana Vicência de Paiva nasceu na freguesia de S. Lourenço em Macau a 22-7-1802, segundo o P. Manuel Teixeira, enquanto Jorge Forjaz indica o dia 21, sendo baptizada aos 28 desse mês e morreu no Porto, na Rua de Santa Isabel a 26 de Maio de 1885. Era ela filha legítima de Francisco José de Paiva e de Inácia Vicência Marques, duas das mais influentes famílias de Macau, que enriqueceram com o comércio marítimo. Ambas, os Paiva e os Marques, eram provenientes do lugar de Vila do Mato, freguesia de Midões, concelho de Tábua, Beira Alta e o pai de Inácia Vicência, Domingos Marques chegara a Macau por volta de 1760. Sendo Francisco José de Paiva, o marido de Inácia Vicência, também nascido na mesma localidade (lugar Vila do Mato), parece ter chegado a Macau chamado por Domingos Marques. Assim Francisco José de Paiva, nascido c.1758, viera para Macau por volta de 1780 e casou-se na Sé a 24 de Novembro de 1795 com Inácia Vicência Marques. Foi comendador da Ordem de Cristo e faleceu a 27 de Novembro de 1822, ficando sepultado na Igreja de S. Francisco. E continuando com as informações de Jorge Forjaz, “Depois da sua morte a sua firma passou a denominar-se Viúva Paiva & Filhos e tinha escritórios em Cantão, que eram dirigidos por Joaquim José Ferreira Veiga”. Inácia Vicência Marques, avó pelo lado materno de Albino Francisco de Paiva de Araújo, era filha de Domingos Marques e de Maria Ribeiro Guimarães, natural de Macau. Domingos Marques, que faleceu em Macau a 12 de Janeiro de 1787, “foi procurador do Senado em 1768, 1783 e 1784 e exerceu ainda os cargos de escrivão do Leal Senado e de juiz e administrador da Alfândega. Em 1774 foi eleito almotacé da Câmara. Deve ter-se dedicado ao comércio, onde certamente realizou capitais substanciais, pois foi proprietário do Mato do Bom Jesus e deixou à Santa Casa da Misericórdia o importante legado de 1015 taéis”, segundo Jorge Forjaz. Já Benjamim Videira Pires refere que Domingos Marques “foi Fidalgo da Casa Real, com brasão de armas, irmão de Marques de Távora, no reinado de D. José I” e daí a nota que Jorge Forjaz dá do testemunho de Alberto Alemão, que diz, “Domingos Marques era estribeiro-mor do Duque de Aveiro e foi envolvido também no caso dos Távoras, tendo chegado a ser interrogado e preso”. (…) “Teria cerca de 28 anos quando se deu o célebre atentado [1758] contra o Rei D. José, que originou a terrível perseguição aos Távoras…” A família Ribeiro Guimarães Domingos Marques teve seis filhos de Maria Ribeiro Guimarães, cujo pai era João Ribeiro Guimarães, provedor da Sta. Casa em 1753, sendo tesoureiro e procurador do Senado, quando a 27 de Fevereiro de 1773 foi preso, por ter passado aos mandarins chineses uns recibos para se lhes fazer entrega do inglês Francis Scot, acusado de ter assassinado um chinês. Segundo Jorge Forjaz, João Ribeiro Guimarães nascera em S. Miguel de Freixomil em Braga e era um “rico negociante e proprietário de navios em Macau. Foi procurador do Leal Senado em 1755, 1765 e 1782; almotacé da Câmara em 1763 e provedor da Santa Casa da Misericórdia em 1769”. Este casou-se por duas vezes, tendo da sua primeira esposa, Inácia de Oliveira Paiva, duas filhas, Mariana Francisca Guimarães e Maria Ribeiro Guimarães, que mais tarde aparece com o nome de Maria Francisca dos Anjos Ribeiro Guimarães. Refere Jorge Forjaz, “Há aqui uma qualquer mistificação genealógica que não consigo deslindar. Refiro-me ao facto de um neto deste casal (Domingos Pio Marques de Noronha e Castelo-Branco), no processo de justificação de nobreza que levou à concessão de armas, ter afirmado que a sua avó Maria Ribeiro Guimarães, se chamava… Maria Francisca dos Anjos Ribeiro Guimarães de Noronha e Castelo Branco, conseguindo com isso que lhe fossem concedidos armas destes dois últimos apelidos. Como naquele processo de justificação não provou como é que a avó tinha direito àqueles apelidos (o que, pelos dados disponíveis, não parece crível), estou em crer que estaremos perante uma qualquer tentativa de corrigir a história… <ad usum delfini>! História diferente da nossa personagem principal, Albino Francisco de Paiva de Araújo, que em Paris se tornou marquês por coincidência de apelido.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO macaense Albino de Paiva de Araújo na Europa [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]emos vindo a escrever sobre a história deste boémio e no último artigo tratamos já sobre uma das principais protagonistas, Blanche Lachmann, a tal Madame Paiva que em segundas núpcias casara com Albino de Paiva de Araújo, para em Paris conseguir um nome e uma dignidade equivalente à sua opulência. Falta agora apresentar o próprio Albino Francisco de Paiva de Araújo, que nasceu em Macau na freguesia de S. Lourenço a 19 de Maio de 1824 e suicidou-se em Paris em 1873. Estas são as datas referidas pelo padre Manuel Teixeira, mas Jorge Forjaz dá outras e se a de 1832 para o nascimento parece estar errada, a da morte, em 8 de Novembro de 1872, cremos ser a ajustada. No entanto, o ano de 1873 é referido pela maior parte dos autores que sobre esta história escreveram e a que Camilo Castelo Branco indica, mas mais à frente diz, “até que em 1873, li nos jornais portugueses que Paiva Araújo se suicidara em Paris”. Segundo Jorge Forjaz, o pai deste, Albino José Gonçalves Araújo nasceu no Rio de Janeiro (Candelária) em 1797 e faleceu em Macau, na freguesia da Sé, a 24 de Janeiro de 1832 (apesar de Manuel Teixeira referir 1842) e a mãe, Mariana Vicência nascera em Macau a 22 de Julho de 1802. Camilo Castelo Branco dá “uns ligeiros traços do perfil do sujeito. Paiva Araújo nascera em Macau e era filho único de um negociante rico, ali falecido por 1842. Quando o pai morreu, Paiva Araújo estava em Paris em um colégio. A viúva veio para a Europa, e para residir escolheu o Porto, onde não conhecia alguém. Mandou edificar uma casa perto da alameda da Aguardente [hoje desaparecida e que se situava no topo da rua do Bonjardim], mobilou-a com muito gosto e selecta riqueza de baixela d’ouro e prata, jarrões japoneses e porcelanas antigas. Fechou-se com o misterioso luxo de fada, sozinha, quase desconhecida de nome e de pessoa. Chamavam-lhe a Macaense. O seu nome era D. Mariana de Paiva Araújo. Sabia-se apenas que era viúva, muito rica e tinha um filho a educar em França. A casa arquitectada pelo risco burguês, trivial no Porto, era de azulejos amarelos com muitas janelinhas de estores brancos, sempre descidos. Tem um jardim com vasto portal gradeado para a rua, tufado de bosquetes de árvores exóticas e miniaturas de montanhas que punham na alma saudades das florestas do Buçaco e Senhor do Monte. Paiva Araújo não frequentou curso algum nem adquiriu noções vulgares em algum ramo de ciência. Aos dezoito anos veio para a companhia da mãe. Sobejava-lhe riqueza à mãe extremosa que dispensasse o seu filho único dos fastios de uma formatura inútil. Por 1845 apareceu Paiva Araújo no Porto curveteando garbosamente o seu cavalo árabe por aquelas sonoras calçadas. Era um galhardo rapaz trigueiro, alto, com um buço preto encaracolado nas guias, elegante, sem as farfalhices coloridas da toilette dos casquilhos seus coevos. Tinha poucas relações, e dava-se intimamente com Ricardo Browne, o árbitro da moda. Ricardo Browne era tão poderosamente iniciador que até, pelo facto de ser muito surdo, contagiou de surdez fictícia muitos rapazes em condições as mais sanitariamente fisiológicas das suas grandes orelhas. Estes rapazes, assim cavaleiros, figurinos, lovelacianos, esgrimidores, mais ou menos surdos, chamavam-se simplesmente janotas, ou em nomenclatura mais culta – dandys. Não se conhecia ainda em Portugal o peregrino vocabulário de sport, de turf, de sportman, de high-life, de sporting, de gommeux. Ignoravam-se estas inglesias e francesismos da actualidade mascavada de idiomas com que um qualquer modesto noticiarista da travessa de Cata-que-farás, 4.º andar, lado esquerdo, parece que nos está conversando num salão de Regent-Street, a marinhar com as pernas pela espalda de um carmezim, as suas emoções pessoalíssimas de Hyde-Park e Jockey-Club. O Porto e a vida reclusa de sua mãe deviam ser intoleráveis a Paiva Araújo. Browne saiu para Paris, e ele para Lisboa, onde se notabilizou facilmente pelas prodigalidades das suas despesas. Bulhão Pato, em um dos seus escritos entristecidos pela saudade daqueles tempos, fala do cavalheiro Paiva Araújo. Dava jantares aos rapazes da alta linha, a colmeia do Marrare do Chiado, parte dos quais ainda vive mais ou menos pintada; e, feito o último brinde, quebrava a louça do toast, voltando a mesa como quem ergue a tampa de um baú. Pagava generosamente o prejuízo. O seu vinho, além de reduzir os cristais a cacos, não tinha mais funestas consequências. Assim que perfez a idade legal, pediu o seu património paterno à mãe, e foi viajar. Recebeu letras no valor de cento e tantos contos. Conheceu então em Baden-Baden a deslumbrante mulher que chegara da exploração dos lords com um pecúlio que lhe permitiu construir um palácio”, segundo Camilo Castelo Branco. Jorge Forjaz dá uma achega dizendo, “Blanche Lachmann deitou as mãos a Albino Araújo e não passou muito tempo estavam a casar, a 5.6.1851, na Capela dos Irmãos da Doutrina Cristão em Passy, Paris”. E continuando com Camilo: “Casou. Se ela morresse de 72 anos, segundo o cômputo de algumas folhas francesas, teria casado aos 39 anos com o nosso compatriota. Deveria ser, portanto, extraordinária e bestificadora a formosura de uma mulher que, em tal idade, ainda viçava flores com frescor e perfume, tendo sido tão cheiradas e mexidas! O certo é que ela tinha 25 anos quando casou em segundas núpcias, 46 nas terceiras, e 58 quando morreu no seu palácio de Newdeck, de uma febre cerebral consequente a um reumatismo cardíaco. Depois de ter entesourado no seu largo peito vinte pródigos conhecidos com os patrimónios correspondentes, ainda lhe restava espaço no coração para alojar um reumatismo! Valente e elástico músculo de polaca! Paiva Araújo, casado, visitou Lisboa e a mãe, com a esposa. A polaca no Porto, no topo da fétida rua do Bomjardim, com a nostalgia de Paris!… Certas mulheres que viveram em Paris, nas máximas condições de horizontalidade, só lá podem viver”. Interrompemos a crónica de Camilo Castelo Branco que já vai longa, mas acerca da vida em Portugal desta personagem é quem melhor está documentado. Jorge Forjaz adita, “Ainda estiveram juntos em Lisboa, onde ela teve algumas dúvidas sobre o real fundamento da fortuna dele, já então seriamente abalada. Conta Pinto de Carvalho que estando no Hotel Victor em Sintra “. E concluindo com Camilo Castelo Branco, “A polaca regressou a Paris, e como o seu marido constituía um empacho aos seus embelecos e astúcias, requereu a separação e regressou ao exercício profissional do galanteio>”. Encontramo-nos agora com as personagens principais apresentadas.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasBlanche Lachmann, a tal Madame Paiva [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o artigo da semana passada, com o título Boémio macaense suicida-se em Paris, focamos a vida de Branca Lachmann através de dois autores, um romancista, Camilo Castelo Branco, que diz ser ela uma polaca de nascimento e outro, o historiador Padre Manuel Teixeira, que a refere como “filha bastarda do Grão-duque Constantino, da Rússia, sendo uma judia polaca” e “favorita do Sultão de Constantinopla, espia da Alemanha e veio a casar com o alfaiate Francisco Hyacinthe Villoing”. É da tradução deste padre historiador, de um artigo escrito por Peter Flectwood-Hesketh e publicado na revista Country Life de 25 de Setembro de 1969, que complementamos com informações mais detalhadas o anterior texto. “Ester Paulina Blanche Lachmann nasceu em Moscovo, sendo filha de um pobre alfaiate Martins Lachmann e de sua mulher Ana Maria Klein, judeus refugiados da Polónia. Sobre o seu nascimento aparecem duas datas: – uma, a de 7 de Maio de 1826, dada pelo livro Genealogisches Handbuch der Fürslicher Haüser;” outros, como Frederich Loliée (que em 1914 publicou a relação completa da sua vida), “dão o ano de 1819 – uma diferença de 7 anos”, a qual foi usada por Peter Flectwood-Hesketh. (…) “Aos 17 anos, Teresa – nome que adoptou [somente em Paris] em vez de Ester – casou com Antoine François Hycacinthe Villoing, jovem alfaiate francês tão pobre como ela (ainda que no Handbuch aparece como banqueiro), de quem teve um filho. O jovem casal trabalhava longas horas no rés-do-chão mal iluminado dum prédio de Moscovo. No entanto, Teresa convenceu-se que esta vida não era para ela. Resolvida a alcandorar-se um dia ao pináculo mais elevado da riqueza e do triunfo e fixando uma linha de que nunca mais se desviou, ela, numa bela manhã, lançou-se sozinha para o mundo, abandonando o marido e a sua criança. Dizem que era dotada duma bela figura, pescoço grego, cabelo espesso castanho-aloirado e olhos soberbos. Com estes atributos, uma inteligência astuta, uma vontade indomável e uma energia quase ilimitada, abriu o seu caminho de capital em capital – Berlim, Viena, Constantinopla – e aí por 1841 chegou à estância alemã de Ems. Aqui encontrou Heinrich Herz, pianista e compositor já célebre, e sentiram-se atraídos imediatamente um pelo outro. Ela tinha 22 anos, ele 35 e depressa Teresa passou a viver com ele como sua <esposa> em Paris, cidade dos seus sonhos, ingressando no seu meio musical e intelectual. Teresa tornara-se, no entanto, uma boa música e com Herz ficaram patronos de muitos jovens profissionais que eram convidados a fazer sua estreia parisiense no salon Herz”. [Heinrich Hertz (1803-1888), um dos mais célebres pianistas e compositores do seu tempo, nascera em Viena, na Áustria, mas adoptou a França como seu país, onde fez a sua vida, sendo professor no Conservatório de Paris. Como na Europa os tempos não eram muito propícios para os judeus, escondeu essa sua origem.] “Herz estava próspero. Fundou uma fábrica de pianoforte [em 1830], construiu uma casa e um salão de concertos [o salon Herz criado em 1838 na rua de la Victoire, onde muitas vezes Berlioz e Offenbach deram concertos], mas nem os seus recursos bastavam à extravagância de Teresa”, segundo Hesketh. Tal levou Henri Herz em 1848 a “fazer uma tournée na América para recuperar a sua fortuna, deixando Teresa com a criança que tinha dele. Esteve ausente cinco anos e nesse intervalo, os seus parentes puseram Teresa na rua, mas ela levou consigo muitas das suas pertenças”. Aqui ajustamos tais informações com as de Camilo Castelo Branco que refere, “Ligada primeiro a Herz, pianista célebre, sob a falsa estampilha de esposa, chegou a sentar-se entre as duquesas nos saraus de Luís Filipe. Depois, desvelado o segredo da sua concubinagem, foi expulsa afrontosamente dos círculos também falsamente carimbados de honestidade, e fugiu para Londres, deixando ou levando o pianista”. Compreender-se-á pois a razão dos pais de Herz a terem colocado fora de casa, quando o seu filho se encontrava em digressão pela América e por isso, se desfaz a dúvida que Camilo colocou se terá ou não levado o pianista com ela para Londres. Também o que refere Peter Flectwood-Hesketh sobre o filho que teve de Herz parece ser produto de uma confusão pois este, como mais à frente refere, faleceu em 1862 com 25 anos, sendo assim a data de nascimento a de 1837, logo ainda do tempo em que vivia com o alfaiate. A esse filho [Antoine de seu nome] pagou a educação, apesar de nunca mais o ter visto. Como se pode ler mais à frente nesse artigo, a filha que teve com Herz nascera em 1841/42 e viria a morrer em 1854 com 12 anos. No entanto, há fontes que indicam essa filha, Henriette ter nascido aproximadamente em 1847 e falecido a 1859. Milionária em Londres Ainda antes de ter ido para Londres, a senhora Villoing (pois o seu esquecido marido apenas faleceu a 15 de Junho de 1849) retornou à “pobreza, estando demais a mais desesperadamente doente. Teófilo Gautier visitou-a e ela ameaçou suicidar-se; mas prometeu que, se recuperasse, havia de construir um dia a casa mais linda de Paris. Outros foram também em auxílio de Teresa. O jornalista Jules le Comte ajudou-a a ingressar no mundo da moda, ao passo que a sua amiga Ester Guimont apresentou-a a Camilo, famoso modista, que, pressentindo uma cliente promissora, colocou à sua disposição toda a sua indumentária”, segundo refere Peter Flectwood-Hesketh. Agora sim, em Londres sozinha no seu camarote de ópera, “ameaçada por uma segunda catequese de fome, ajuntou a sua fulminante formosura um vestuário de espaventos, sentou-se langorosamente num camarote de Covent-Garden”, como refere Camilo Castelo Branco. “Ornamentada resplendentemente, atraiu depressa a atenção da jeunesse dorée, tirando bom proveito dos amorosos sucessos. Com a confiança restaurada e os cofres repletos, regressou a Paris em 1848”, como refere Flectwood-Hesketh e com ele continuando, “Surgindo novamente como figura conspícua na ópera, Teresa tornou-se objecto de lisonja na imprensa ligeira e entre os seus admiradores não havia nenhum mais devoto do que o jornalista napolitano Angélico Florentino”. Com a morte do marido, que se estabelecera num recanto de Paris sem nunca interferir na vida dela, faltava agora apenas a Thérèse um título para lhe dar a dignidade, digna da sua opulência. Encontrou tal em Albino Francisco de Paiva de Araújo, que Flectwood-Hesketh diz ser “marquês de Paiva Y Aranja com quem se casou em Passy em 5 de Junho de 1851.” Mas quem era este macaense, que Thérèse Esther Blanche Lachmann conhecera em Baden-Baden? Os jornais portugueses transcrevendo parte de “notícias, com outras particularidades romanescas e algumas anedotas um pouco boulevardières, revelam não terem obtido perfeito conhecimento do português que deu canonicamente o seu apelido Paiva àquela mundana”, como refere Camilo Castelo Branco.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasBoémio macaense suicida-se em Paris [dropcap]C[/dropcap]om um tal título, penso não faltarem leitores interessados na história, hoje aqui com o seu início, mas não se apresse a concluir que tal aconteceu há pouco tempo. Não, o suicídio de Albino Francisco de Paiva de Araújo ocorreu a 8 de Novembro de 1872 e irá servir-nos para mais tarde podermos introduzir algumas famílias macaenses do século XVIII e XIX. Neste artigo, ainda não iremos focar esta personagem, que em Paris se suicidou, carregado de dívidas e rechaçado pela sua esposa, Madame Paiva. Nascera ele em Macau a 19 de Maio de 1824, segundo o Padre Manuel Teixeira, sendo filho único de um português nascido no Brasil e a mãe, proveniente de uma família rica macaense. Esta história mereceu a atenção de alguns escritores portugueses, como Camilo Castelo Branco, Bulhão Pato em ‘Memórias’, Dr. José de Campos e Sousa no opúsculo ‘O marido de Madame de Paiva’, Pinto de Carvalho em ‘Lisboa de Outros Tempos’ e do historiador Padre Manuel Teixeira, que se focou mais na mãe de Albino Francisco de Paiva de Araújo. Não faltaram ainda estrangeiros, caso de Voltaire, que levado pelo Fr., o crê frade saído da sua comunidade religiosa e lhe chama Fr. Araújo de Paiva. Também jornais estrangeiros sobre ele e a esposa escreveram fantasiosas histórias, assim como muitos são os livros que tratam acerca da vida de Mad. Paiva. Camilo Castelo Branco usou este título, Mad. Paiva, na crónica que dá início ao livro Boémia do Espírito. Pelas palavras deste grande escritor português, nascido em 1825 na antiga freguesia dos Mártires, actual Santa Maria Maior em Lisboa e se suicidou no ano de 1900 em S. Miguel de Seide, hoje freguesia de Seide, concelho de V. N. de Famalicão, ficamos a saber sobre a atenção com que foi seguindo a vida de Branca Lachmann. A tal Madame Paiva, marquesa, mais tarde, após o terceiro casamento, condessa Henckel de Donnesmark e que fora casada em segundas núpcias com Albino Francisco de Araújo. Refere Camilo, “Eu conhecia dos escritores de há vinte e cinco anos a opulência de mad. Paiva.” O facto é que Paiva de Araújo era de família rica e com esta polaca e outras como ela dissipou toda a sua fortuna Eug. Palletan na sua Nouvelle Babylone, derivando com falsa dedução a magnificência das meretrizes em sorte da corrupção de Paris, cita como exemplo a escada de onix do palácio de mad. de Paiva na praça de S. Jorge. Arséne Houssaye, em um dos tomos das Courtisanes du Monde, diz, com estas ou equivalentes palavras, que as senhoras honestas paravam deslumbradas quando viam passar no seu break mad. de Paiva, ao sol de Bois, faiscando as suas constelações de brilhantes. Ele, como era sua visita, disfarçava-se com um pseudónimo. Certo jornal conta que os seus palácios eram o confluente dos homens mais celebrados em artes e letras, velhos e moços, o bibliófilo Jacob, Emile Girardin, Theophilo Gautier, etc.. Não sei se algum destes era um dos grisalhos académicos que bebiam champanhe da tina em que ela se lavava. Não admiro. O asceta Lamennais beijava as plantas de G. Sand, e parece que ela, agradecida, descalçava as meias de seda neste acto devoto.” A madame Paiva Camilo Castelo Branco, na crónica Mad. Paiva publicada pela primeira vez no Jornal da Manhã de 13 de Julho de 1885, inicia-a, “A imprensa jornalística parisiense, menos atarefada nos assuntos grávidos da política, da indústria e da sã moral, comemorou, há dias, o trespasse de uma mad. de Paiva, marquesa de seu apelido, e em terceiras núpcias condessa Henckel de Donnesmark. Condensando a necrologia encarvoada de sujos episódios, dizem que esta dama Branca Lachmann, polaca de nascimento, deixara em Moscovo o marido, um alfaiate discreto que lá se ficou na sua terra alinhavando fundilhos de astrakan, enquanto a esposa airada, em Paris, penetrava nas opulências da vida dissoluta pela porta da miséria, que desculpa muitas dissoluções. Ligada primeiro a Herz, pianista célebre, sob a falsa estampilha de esposa, chegou a sentar-se entre as duquesas nos saraus de Luís Filipe. Depois, desvelado o segredo da sua concubinagem, foi expulsa afrontosamente dos círculos também falsamente carimbados de honestidade, e fugiu para Londres, deixando ou levando o pianista. Aqui, ameaçada por uma segunda catequese de fome, ajuntou a sua fulminante formosura um vestuário de espaventos, sentou-se langorosamente num camarote de Covent-Garden, e fez que o rio Pactolo, representado por alguns milords, lhe lambesse os pés com as suas ondas de ouro. Enquanto a onda não fazia a ressaca do costume, deixando-lhe sobre os pés as suas salsugens (N. detritos que flutuam próximo dos portos) imundas, a aventureira de New York regressou a Paris, aí por 1850, e, no ano seguinte, matrimoniou-se, já viúva do alfaiate, com um marquês da primeira fidalguia portuguesa, Fr. Araújo de Paiva, diz o Voltaire. Este marquês que pelo Fr. parece também ser egresso, suicidou-se daí a pouco, afirma outro jornal. A viúva, 40 vezes milionária, casou em terceiras núpcias com o conde Donnesmark, em 1875, ano que saiu de Paris para o seu castelo na Silésia, onde morreu, há dias, com 72 anos, dizem uns, e com 58, diz o marido.” Quem era Branca Lachmann? Com este título o Padre Manuel Teixeira refere, “O romancista encontra-se aqui de mãos dadas com o historiador. Que diz a história sobre esta aventureira? Branca Lachmann era filha bastarda do Grão-duque Constantino, da Rússia, sendo uma judia polaca. Foi favorita do Sultão de Constantinopla, espia da Alemanha e veio a casar com o alfaiate Francisco Hyacinthe Villoing. Abandonando o marido, amancebou-se com o célebre pianista Herz, começando então a frequentar a corte de Luís Filipe. Descoberta a sua mancebia, refugiou-se em Londres, onde a sua beleza fascinou os nababos britânicos, que lhe fizeram a corte, entre os quais o famoso Stanley. Tendo falecido o seu marido Francisco Villoing, Branca consorciou-se religiosamente, na capela dos Irmãos da Doutrina Cristão, em Passy, em Paris, com Albino Francisco de Paiva de Araújo, a quem ela apresentava como Marquês de Paiva. Alegava que este gentil-homem, decaído do seu primeiro esplendor de melhor aristocracia portuguesa, a procurara no Palácio de Pont Chartin. O facto é que Paiva de Araújo era de família rica e com esta polaca e outras como ela dissipou toda a sua fortuna. O casal de boémios desfez-se. Tendo obtido do Santo Ofício a anulação do seu casamento com o <Marquês> de Paiva a aventureira consorciou-se pela terceira vez com o Conde Henckel de Donnesmark, rei do cobre da Silésia.” Esperamos ter despertado a curiosidade para o próximo artigo e até lá uma boa semana. Para quem quiser aproveitar e ler o livro Boémia do Espírito (Porto, 1886) de Camilo Castelo Branco, saiba existir apenas um exemplar nas bibliotecas de Macau e esse encontra-se na do Leal Senado e pertenceu ao antigo Liceu de Macau.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasOnde pára a estátua de São Tiago? [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]proveitamos um dia solarengo para numa caminhada nos inteirarmos das mudanças registadas na cidade. Desta vez, o objectivo era chegar ao local conhecido por meia-laranja para de novo olhar a estátua de S. Tiago e saber se o iríamos encontrar ainda com as botas enlameadas sobre o altar da capela existente dentro da Fortaleza de São Tiago da Barra. Pelo que refere Montalto de Jesus, “Tal como toda a cristandade, Macau podia vangloriar-se de muitas imagens com atributos maravilhosos. Contava-se que a estátua de S. Tiago, na capela do forte da Barra, gostava de patrulhar a praia à noite – daí encontrarem as botas enlameadas todas a manhãs”. Mas sabemos também que desde 1975 Macau deixara de ter ao serviço soldados portugueses e sem eles para pela manhã engraxar as suas botas, continuaria a estátua de S. Tiago a fazer as suas saídas nocturnas? Entretanto, apareceu-nos uma história com o título ‘O tributo das botas entre os frades bernardos’, que refere: “segundo o uso, cuja origem se perde nas primeiras dinastias da monarquia, quando algum rei visitava o Convento de Alcobaça, pertencente aos frades bernardos, entregava-lhe o D. Abade um cruzado e um par de botas. Decorriam já longos anos sem que esse costume fosse posto em prática, quando D. João IV (que subiu ao trono a 1 de Dezembro de 1640 e faleceu em 1656) ali foi. Não se contentando o rei com a economia dos frades, exigiu que lhe fizessem a entrega do cruzado e do par de botas, renovando assim o tributo a que a Ordem por tanto tempo se tinha esquivado”. Hoje aqui passamos ao lado da parte inicial desse passeio pois, já com o artigo escrito, ficamos a saber que a SJM decidiu fechar em Março a Pousada de São Tiago até terminarem as obras do metro realizadas à sua frente. Vai para mais de um ano o constante barulho das máquinas a retirar o sossego e paz aos hóspedes deste hotel de cinco estrelas, que abriu portas nos primeiros anos de 80 do século XX, ocupando as instalações da fortaleza com esse nome. Fortaleza de São Tiago da Barra Chegamos à Barra, na parte sul da península de Macau e em frente à fortaleza situada sob a Colina de S. Tiago, ali encontramos a esfera armilar que deixara a praça do Senado e em conjunto com uma reprodução mais pequena da escultura da flor de Lotus integra um monumento inaugurado em 2013 pelo então Bispo de Macau, D. Domingos Lam, de homenagem à diáspora macaense. A fortaleza de S. Tiago da Barra, muitas vezes chamada apenas Fortaleza da Barra por controlar a entrada do Porto Interior, pois, como refere em 1635 Bocarro, “A Barra desta cidade de Macao era antigamente muito larga porém os Portugueses moradores dela entupiram a maior parte a respeito dos Olandezes não poderem entrar com suas naus se não por um canal que fica ao longe do dito forte de Santiago, coisa de seis braças de largura e com fundo de três, ficando lá dentro em muito mais fundo (… onde) nela estão continuamente seis bancoes (juncos) de chineses da armada que são as suas embarcações que trazem dela para vigiar e saber o que fazem os Portugueses e se metem nações estrangeiras que é o de que mais se receiam e resguardam”. Assim todos os navios que desejavam entrar por esta barra tinham que passar necessariamente à distância de 3 ou 4 lanças (cerca de seis a sete metros) para chegar ao porto interior. O capitão deste baluarte era nomeado directamente pelo rei e apenas por ele podia ser destituído. A fortaleza do Monte era sem dúvida a maior, seguindo-se a de S. Tiago e da Guia. Segundo o Padre Manuel Teixeira, “Parece que o baluarte da Barra foi construído antes de 1613, mas certo é que já existia antes de 1621 na colina da Barra, um baluarte ou forte e não uma simples bateria e nesse ano aí se colocaram seis canhões comprados em Manila.” O Padre Queiroz menciona dois baluartes na Barra em 1622 e no ano seguinte, o Governador Francisco Mascarenhas mandou ocupá-los com uma companhia de soldados. “Estes baluartes foram ampliados em 1629”, data apresentada num padrão de pedra com as armas de Portugal, que se encontrava no ângulo exterior da Fortaleza de S. Tiago da Barra. Bocarro descreve este forte logo à entrada da barra como tendo “cento e cinquenta passos de comprimento e cinquenta e cinco de largo com que faz uma formosa plataforma que fica levantada do mar cinco braças com um muro fundado em vinte e oito palmos de largo e acabado em dezassete e esta dita altura é até os parapeitos que levantam os três palmos da dita plataforma”. E continuando com o clérigo historiador, “já Bocarro dizia em 1635: “. Logo a data existente na inscrição na passagem coberta que há entre a porta da casa da guarda, refere-se à reconstrução d’ “Estas casas (…) feitas no tempo do Sr. Manuel Pereira Coutinho, Governador e capitão geral d’esta cidade, sendo procurador José Alexandre D’Aragão, que as mandou fazer em 1740.” Também a Capela de São Tiago deve ter sido construída juntamente com a fortaleza e a data de 1740 que tinha no frontispício refere-se apenas ao ano da sua reconstrução pois, ela “existiu desde o início, sendo o titular da ermida que deu o nome à fortaleza”, como refere Manuel Teixeira que adita, “Venera-se ali a estátua de S. Tiago numa atitude de mata-mouros, revestido de cota e malha com o escudo na mão esquerda e a espada na mão erguida à altura da cabeça.” Segundo Jorge Graça, “Esta fortaleza sofreu muitas alterações, tanto no traçado como no tamanho. Em 1638 foi descrita como uma fortaleza <muitíssimo boa e resistente tendo a aparência de uma pequena cidade quando vista de longe…” A Fortaleza da Barra actualmente está reduzida a menos de metade do que foi outrora e já nos finais do século XVII se encontrava em ruína. Aí se fizeram obras de reparação mas, no início do século seguinte percebia-se ser ela, devido ao seu traçado e posição, completamente inútil para a defesa da cidade. Voltou ao seu estado de ruína muito devido aos tufões e por isso, em 1889 o Governador Teixeira da Silva pretendeu deitá-la abaixo por dificultar a possibilidade de construir a rede viária em torno da península. Escapou à destruição e conseguiu sobreviver até ser adaptada a hotel. Agora aí entramos e dirigindo-nos à ermida, para voltar a apreciar a estátua de São Tiago, o que encontramos foi um painel com a representação mal conseguida da sua imagem e as botas já não tinham as réstias de lama que na estátua ainda em 2011 tivemos o privilégio de ver. Por onde andará a estátua de São Tiago? Resposta que não obtivemos ao questionar os empregados que serviam na esplanada da Pousada.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasPrevisão por anos de nascimento no Galo de Fogo [vc_row][vc_column][vc_column_text][dropcap]A[/dropcap]no emocionalmente complicado, por trazer muitos riscos, que devem ser evitados. Requer um grande esforço pessoal e exige que se saia da zona de conforto, pois refugiando-se aí, será um ano difícil, com desapontamentos e conflitos. Os quatro signos com melhores previsões para este ano, Galo de Fogo, serão os bafejados pela sorte Búfalo, Tigre, Rato e Serpente. Já os nativos dos signos de Galo, Coelho, Rato e Cão vão ter um ano de grandes mudanças, por se encontrarem num ano Fan Tai Sui, contra o Tai Sui (Deus do Ano), logo podem enfrentar mais problemas, mas há duas diferentes direcções mediante como se encaram as situações. Se forem lidadas positivamente… O caso dos nativos do signo Rato, encontrando-se contra o Tai Sui (Po Tai Sui), mesmo assim não há com que se preocuparem pois têm cinco estrelas da sorte a ajudar nas mudanças e estas, ao contrário do ano passado, vão ser muito positivas. GALO Crescer. Só pelo amor, a sua vida fará sentido e encontrará uma direcção. Será um ano de mudanças difíceis por se encontrar contra o Tai Sui. Para os nativos nascidos em: 1945 – Terá uma vida agradável, sem necessidade de se preocupar com nada e apenas tomar cuidado para não sofrer nenhuma queda. 1957 – O seu pensar traz uma agudeza inteligente, o que lhe permitirá uma posição importante e ser respeitado, tanto socialmente como no trabalho. Por isso, a sua carreira e os proveitos estarão no topo, mas tenha cuidado e não se esqueça da sua cara-metade. Faça planos, pois é bom ano para criar um negócio. 1969 – Se estiver na via cultural e artística terá um ano promissor e com hipóteses de ganhar coisas boas. 1981 – Com a carreia e o dinheiro numa fase estacionária, emocionalmente vai atrair os outros. 1993 – É promissora a sua vida material, mas facilmente lhe pode acontecer um acidente e para conquistar boa energia, celebre com uma grande festa o seu Aniversário. 2005 – Gosta de pensar e é criativo. Terá que ter cuidado ao usar objectos cortantes. O seu sentido de contradição é próprio da idade e dá continuidade ao conhecido por conflito de gerações. CÃO Esperar. Não importa trovoada, vento ou chuva, Sol no seu coração é suficiente. É um ano para esquecer. Para os nativos nascidos em: 1946 – Continuará a ter uma posição que lhe aufere grande respeito. Não necessita de se preocupar com o quotidiano, que não lhe trará problemas, mas cautela com a saúde. 1958 – Vai ser um ano muito activo e com muitos suportes. Aconselha-se aos seres masculinos fazerem uma Festa de Aniversário. 1970 – Com diferentes vias para desenvolver o seu trabalho, tenha cuidado com a saúde e com as lâminas. Faça uma Festa de Aniversário. 1982 – Apresente-se com um bom trabalho e assim a sua posição será confirmada. 1994 – Um ano normal, mas com grande actividade social. Cuidado com os acidentes de viação. Melhor estudar mais. PORCO Retornar. O Céu e Terra não são fáceis de mudar, mude-se a si. Será um ano difícil. Para os nativos nascidos em: 1947 – Com boas relações sociais, terá muitas ideias e sorte nos negócios. Precisa de fazer uma Festa de Aniversário e cuidar da saúde do seu parceiro conjugal. 1959 – Para quem trabalha em assuntos culturais e criativos será um bom ano, materialmente promissor. 1971 – Contará com a estrela da sorte Lu Shen, que trará um bom rendimento e boas relações públicas. Mas terá também uma má estrela Qi Sha e por isso, hipóteses de se magoar, ou ser mal entendido. 1983 – Será um ano estável, sem grandes problemas. 1995 – Ano para se deliciar com divertimentos, mas evite entrar em confronto com os outros. RATO Contentamento. Ouça o coração e o mundo mudará. É um bom ano. Para os nativos nascidos em: 1948 – Tire prazer com a sua existência e cultive uma nova actividade pessoal. 1960 – Boa hipótese de ser promovida/o no trabalho, logo, ganhará mais, mas, não se esqueça da saúde. 1972 – Serão bafejados na carreira e nos rendimentos auferidos pelo trabalho. 1984 – Trabalhando muito, conseguirá boas criações, mas demasiadas relações poderão trazer algo de errado; tenha atenção, não se canse em demasia. 1996 – Pessoas importantes o ajudarão e terá um ano muito criativo; tente algo de novo, negócio ou noutra área de trabalho, pois terá bons resultados. BÚFALO Imenso. Encontrando-se no cume, imagina-se a continuar a subir a montanha. Quando está no sopé, imagina-se a nadar no oceano. Juntando os dois, aparece a Sabedoria. Ano promissor. Para o nativo nascido em: 1949 – A mente estará limpa e os pensamentos fluem-lhe. Ano materialmente rico. 1961 – Estará no topo quanto à carreira e amor. Terá a estrela da sorte Lu Shen a ajudar na sua carreira, o que o levará a chegar a uma nova etapa e por isso, auferir um bom salário. 1973 – Cairá dinheiro nos seus bolsos devido à sua sorte, mas não se esqueça que, no jogo é preciso sempre saber parar. 1985 – O trabalhar árduo levará a ser promovido e para o sexo feminino, cuidado com os acidentes. 1997 – Estudando bem terá reconhecimento dos mais velhos, que admirarão as suas ideias e criações e assim, brilhantemente se prepara. TIGRE Florescente. Não seja o número 1, seja Único. Viver coloca-o a voar. Ano muito favorável. Para os nativos nascidos em: 1938 – Muitas pessoas irão tomar conta de si, não se preocupe com nada mais. 1950 – O seu poder e posição crescerão e muita gente o respeita. 1962 – Coloque no seu coração a carreira e conseguirá tudo o que deseja. 1974 – Muito criativo, mas cansado do trabalho; cuidado com a saúde. 1986 – Muitos planos para este ano e com bastante suporte e apoios; por isso pode investir de uma só vez em todos os lados. 1998 – Será protegido pelos pais, estudará muito bem e de repente, passará a falar muito bem. COELHO Espera. Com boa sorte, avance, mas com azar, fique quieto. Vai deixar algo e o novo tomará lugar ao velho. Ano não muito favorável. Para os nativos nascidos em: 1939 – Continua com uma mente clara e muita gente irá tomar conta de si. 1951 – A estrela da sorte Lu Shen ajudá-lo-á na carreira e por isso, receberá um bom ordenado. Terá uma vida social e emocional activa, o que o expõe e leva as pessoas a falar sobre si, bem ou mal, criando bastante ruído. Assim, quando decidir realizar algo, tome cuidado para não deixar a cauda de fora. Tome atenção à sua saúde. 1963 – Receberá um dinheiro extra. Use este ano para desenvolver um novo projecto, que lhe poderá abrir uma nova porta. 1975 – Com árduo trabalho conseguirá o que precisa, não abuse das horas extras pois precisa de pensar na sua saúde. 1987 – Terá imensas ideias e uma activa vida social; o Deus do Ano (Tai Soi) pode colocá-lo numa nova situação. 1999 – Terá riqueza material e será um bom estudante. Realize uma grande festa de Aniversário para evitar problemas. DRAGÃO Paz. Quando olha desde o cume, nada lhe retira a vista; abrindo o seu coração sente a pulsação, sendo daí que provem o Bom ou o Mau. É um bom ano. Para os nativos nascidos em: 1928 – Muitas pessoas irão tomar conta de si, não se preocupe com nada mais. 1940 – Respeitado pelas pessoas, não realize difíceis e árduos trabalhos. 1952 – Um bom ano para dinheiro e pode ter a sua carreira num novo patamar. 1964 – Apresente as suas habilidades para chefiar a sua carreira; é o centro do grupo. 1976 – É o ano apropriado para criar um novo negócio, pois conta com bastantes suportes; os seres masculinos necessitam de fazer uma festa de aniversário para precaver desastres. Cuidado com a cana do nariz. 1988 – Estude e será promovido pelo seu chefe, o que lhe trará riqueza material. SERPENTE Prestígio. Desconstrua a sua imagem para encontrar a verdadeira. Vai ser um excelente ano. Para os nativos nascidos em: 1941 – A boa estrela Lu Shen significa ter um bom rendimento e boas relações públicas. Cuide da sua vida emocional e não misture os sentimentos. 1953 – Terá dinheiro extra e variados investimentos dar-lhe-ão muitos proveitos. 1965 – Fará um muito bom planeamento e contará com uma boa qualificação para o realizar. 1977 – Com bastantes suportes, será muito criativo na sua carreira e de todos os nativos de Serpente, é quem conseguirá alcançar mais proveitos materiais; festeje o seu Aniversário e convide todos os familiares. 1989 – Muita gente tomará conta de si, não importa no estudo, ou no trabalho, mostrar-se-á em boa forma. Especialmente se trabalhar em arte, ou assuntos culturais, conseguirá fazer uma boa obra; ano que terá muitas coisas boas para comer. 2001 – Rico materialmente é ano para se apaixonar, mas não entre de cabeça na relação pois ainda tem muito para viver e experimentar. CAVALO Emocionante. É vencedor se não pensar no que ganha, ou no que perde. Para os nativos nascidos em: 1942 – Tem a estrela da sorte Zheng Cai, que o ajuda pelo trabalho a ganhar dinheiro. Vida segura e respeitável, assim como um tranquilo desenvolvimento. 1954 – Trabalhará duramente para criar um novo patamar, mas terá de cuidar da saúde, especialmente evitando noitadas. 1966 – Vai ter um novo desenvolvimento na carreira. Uma boa relação suporta-o, com uma vida social rica. 1978 – Muita gente o suportará, estude bem e o Amor é maior que o Céu. 1990 – Faça grande publicidade a si mesmo, pois terá muitos aplausos. Muito cuidado ao praticar desportos radicais. Será conveniente celebrar o seu Aniversário com uma festa. CABRA Tranquilo. O valor de uma pessoa não está conectado com o quanto tem, ou ganha, mas, quanto não gasta. Ano sem grandes problemas. Para os nativos nascidos em: 1943 – Bons rendimentos, tendo os outros a tomar conta de si. Vida estável e sem problemas. 1955 – Grande criatividade e de riqueza material, pois contará com um bom desenvolvimento nos negócios. 1967 – Um grande poder dá-lhe suporte, conseguindo ser promovido. Mas este ano poderá ver um familiar passar desta vida e por isso, deverá fazer uma festa de Aniversário para, pelas boas energias reunidas, evitar que tal aconteça. 1979 – É bom desenvolver o seu talento nas artes e cultura, o que lhe trará novos caminhos e rendimentos, assim como boas refeições. 1991 – Pensará apenas em fazer amizades e ficar apaixonado, mas a mente estará contra tudo o que lhe é proposto, o chamado espírito de contradição produto do denominado conflito de gerações, próprio da idade e que serve para se questionar e ao colocar em causa algo, permite pensar sobre isso. MACACO Florescente. Aceite as mudanças e não se prenda com pormenores. Ano razoável. Para os nativos nascidos em: 1932 – Este idoso macaco é rico e com a sua posição, imensas pessoas continuam a respeitá-lo. Não se esqueça de fazer exames à saúde. 1944 – Criativo, continuará a trabalhar arduamente, mas não até se sentir exausto e tome cuidado para não misturar as suas emoções. Se for solteiro, parabéns, pois terá uma nova relação sentimental. 1956 – Um novo patamar espera por si, com a ajuda dos seus colegas e amigos. Irá criar uma nova actividade/negócio. 1968 – Mostre talento e terá diferentes hipóteses no seu desenvolvimento. 1980 – Com boa apresentação, será promovido e terá um salário mais elevado. Tornar-se-á famoso na sua área, apenas precisando de ter cuidado para evitar acidentes; por isso, guie com cuidado. 1992 – Conseguirá o emprego perfeito como vem desejando. ….. Neste artigo seguimos as previsões feitas por Lei Koi Meng (Edward Li).[/vc_column_text][td_block_12 custom_title=”A NÃO PERDER” color_preset=”td-block-color-style-1″ post_ids=”-15511″ tag_slug=”ano novo chinês” limit=”3″ ajax_pagination=”next_prev” css=”.vc_custom_1486746193360{padding-bottom: 15px !important;}”][/vc_column][/vc_row]
José Simões Morais h | Artes, Letras e Ideias立春 Li Chun – Princípio da Primavera [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]oje, 3 de Fevereiro celebra-se na China a Festa do Princípio da Primavera e inicia-se o ano do Galo Solitário. Li Chun, ou Princípio da Primavera, comemora-se normalmente a 4 de Fevereiro, podendo por vezes ocorrer também no dia 3, ou 5, se houver ajustamentos e é o primeiro dos vinte e quatro termos em que está dividido o Calendário Solar do Agricultor. Com datas fixas, os termos estão directamente ligados à eclíptica do Sol e são indicadores das estações do ano, por isso conectados com a agricultura. Foi durante a dinastia Han (206 a.n.E.-200) que se resolveu celebrar no dia 4 de Fevereiro, o Princípio da Primavera, mas após muitas reformas acordou-se comemorar no primeiro dia do primeiro mês lunar também essa festividade, cujas datas são muito próximas uma da outra. O Ano Novo e o início da Primavera traduzem uma renovação e a combinação entre o calendário solar e o lunar, conhecido como calendário lunisolar, passou a ser usado na China. Combina os doze ramos terrestres com os dez caules celestes e cria um ciclo de 60 anos, que se vai repetindo. Em tempos antigos, quando a China tinha uma economia baseada na agricultura, esta festividade durava um mês e celebrava o final do Inverno, a estação de interregno para os agricultores e o início da Primavera, quando de novo a terra começava a ser trabalhada. Agora assiste-se a grandes festejos no primeiro dia da primeira Lua e não no Princípio da Primavera, apesar dos mestres da geomancia colocarem no Li Chun o dia da mudança para a regência do signo do ano. Este ano lunar chinês, que começou a 28 de Janeiro de 2017 e terminará a 15 de Fevereiro de 2018, vai ter treze meses, havendo um duplo mês, o da sexta Lua, sendo o primeiro denominado intercalar, ou adicional e o segundo sexto mês, chamado natural. Nele se celebrará por duas vezes a Festa do Princípio da Primavera, por isso auspicioso para o nascimento de crianças. Quando num ano lunar não se celebra nenhuma Festa da Primavera, isto é, quando o Ano Novo Lunar começa após o dia 4 de Fevereiro e no ano seguinte termina antes dessa data, diz-se ser um ano cego. O calendário solar do Agricultor Lichun, Princípio da Primavera, é a primeira grande festa solar e marca o início do ano agrícola, após um período de hibernação, quando a Terra desperta para um novo ciclo de vida. É o primeiro dos 24 termos solares de um sistema elaborado através dos tempos, a partir das observações feitas por astrónomos. Entre estes termos estão os dois solstícios, os primeiros a ser estabelecidos e depois, os dois equinócios. Pesquisas em torno do movimento aparente do Sol foram por isso necessárias para elaborar os calendários, sendo feitas de duas formas diferentes. Uma, pela medição da sombra do gnómon (instrumento que marca a altura do Sol pela direcção e comprimento da sombra de uma vara) ao meio-dia, assentando em tal medição o anunciar das estações e o determinar do ano trópico. A outra maneira era o estudo da variação aparente da velocidade anual do Sol e a averiguação do valor anual da alteração do ponto do solstício do Inverno observando a posição do Sol contra o céu, com a ajuda de instrumentos astronómicos. Anunciar a data precisa das estações era impossível sem uma identificação exacta da altura em que acontecia o solstício de Inverno. Mas já em 2317 a.n.E., durante o reinado do Imperador Yao, o ano tinha 365,25 dias e em 1100 a.n.E., mediante observações do Sol estabeleceu-se com uma aproximada exactidão a posição do solstício de Inverno. Estava encontrado o ano trópico, o período de tempo que transcorre desde o começo de uma Primavera, à outra, mostrando as mudanças sazonais anuais. Mais tarde calculou-se o equinócio da Primavera, que chega após 81 dias do solstício de Inverno. Os 24 termos solares gradualmente reconhecidos por volta do século III a.n.E., foram compilados por Lu Shi Chun Qiu, mas foi na enciclopédia Huai Nan Zi, escrita em 120 a.n.E., que todos os termos ficaram mencionados. Eis a lista dos 24 termos: Nome chinês: Tradução: Início: Lichun Princípio da Primavera 4 de Fevereiro Yushui Água da chuva 19 de Fevereiro Jingzhe O acordar dos insectos 6 de Março Chunfen Equinócio da Primavera 21 de Março Qingming Puro brilho 5 de Abril Guyu Chuva para as sementes 20 de Abril Lixia Princípio do Verão 6 de Maio Xiaoman Despontar da semente 21 de Maio Mangzhong A semente na espiga 6 de Junho Xiazhi Solstício de Verão 22 de Junho Xiaoshu Suave calor 7 de Julho Dashu Maior calor 23 de Julho Liqiu Princípio do Outono 8 de Agosto Chushu Limite de calor 23 de Agosto Bailu Branco orvalho 8 de Setembro Qiufen Equinócio do Outono 23 de Setembro Hanlu Frio orvalho 9 de Outubro Shuangjiang Queda de geada 24 de Outubro Lidong Princípio do Inverno 8 de Novembro Xiaoxue Leve nevão 23 de Novembro Daxue Grande nevão 7 de Dezembro Dongzhi Solstício de Inverno 22 de Dezembro Xiaohan Pequeno frio 6 de Janeiro Dahan Grande frio 21 de Janeiro Dos 24 termos solares, doze são chamados “jieqi“, enquanto os restantes se denominam “zhongqi“. Xiaohan, o 1º do grupo “jieqi” chega trinta dias antes do 2º, Lichun, o Princípio da Primavera. O intervalo entre cada um dos outros dez desta série é idêntico. O solstício de Inverno, Dongzhi, inicia a série “zhongqi” dispondo-se da mesma forma. Quando um mês que está para ocorrer não contém nenhum termo das séries do segundo grupo “zhonqi” esse mês será considerado um mês intercalar. Estes meses seguem-se ao mês a que estão associados. Os oito termos – os equinócios, os solstícios e o início de cada uma das quatro estações, são mais importantes que os outros, havendo um intervalo de mais ou menos 46 dias entre cada um deles. Este sistema, único no mundo, sugere o nível a que chegou a ciência da China antiga. Deixamos aqui agora votos de um bom Ano Novo – Kung Hei Fat Choi (Próspero Ano Novo), que só deve ser dito após se iniciar o novo ano lunar e Sun Tan Kin Hong (Boa Saúde), em mandarim: Gong Xi Fa Cai e Shen ti Jian Kang.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO Galo [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]credita-se ser esta ave originária da Índia, onde foi domesticada e a sua presença na China é pelo menos de 1400 a.n.E., pois aparece já registado nos ossos gravados da dinastia Shang. Em chinês, (公鸡) GongJi significa Macho Galo, já que Ji (鸡) serve para designar as aves da espécie Gallus gallus. “O galo é um dos signos do zodíaco e um animal auspicioso por excelência porque se relaciona com o nascer do Sol, e com o princípio yang pelo que, de acordo com as concepções tauistas, se crê ter o poder de afastar os maus espíritos. É ainda usado como emblema de promoção social devido à sua crista vermelha ser em forma dos barretes de mandarim usados na China Imperial”, como refere Ana Maria Amaro. Segundo B. Videira Pires, “O galo é, no Ocidente e no Oriente, um arauto do sol, não apenas pelo seu canto alegre, golpeando a noite, mas ainda pela sua crista ou coroa afogueada. O galo é um demonífugo, pois às <almas do outro mundo>, que se crê vaguearem pelas sombras da noite, ele grita pelo dia, cada vez mais próximo, incute-lhes medo e espanta-as”. No Daoismo é símbolo de fortuna e é um mensageiro dos deuses. Já para o Budismo o galo representa o desejo, que nesta religião é um dos três factores que envenenam a humanidade e a encaminha para o erro. O caractere 鸡 significa Galo, em mandarim Ji, é homófono de ‘bom augúrio’ (Ji Li, 吉利), de ‘esperto’ (Ji Ling, 机灵), assim como ‘com fome’ (Ji, 饥). Com o caractere机 encontram-se as expressões ‘não perder a oportunidade’ (JiBuKeShi, 机不可失) e mente brilhante (ShenJi-MiaoSuan, 神机妙算). Já ‘mulher que vende o corpo, prostituta’, tem o mesmo som e caractere (Ji, 鸡). Galo em cantonense é Kai e há uma série de expressões a ele ligado. Zhao Kai significa ‘perder a oportunidade e se a ‘pessoa for ansiosa’ diz-se Tan Kai; Tchan Kai refere-se a uma pessoa predisposta ao confronto. Tao Kai, roubar a galinha, significa retirar tempo ao que se tem de fazer; Zhap Sei Kai, conseguir algo muito barato. Ao valor a pagar inferior a cem junta-se no final o som Kai. No português há uma série de expressões ligadas ao galo: ‘Sentir como um galo na capoeira’, significa estar confortável, mas há quem ‘cante de galo’ e ‘onde há galo, não canta a galinha’. ‘Outro galo cantaria’ significa, melhor teria corrido. O Galo na mitologia Uma antiga canção do grupo étnico Miao menciona o galo com a seguinte história: “Os quatro avôs Bod, Xongt, Qid e Dangt (Gao Bao, Gao Xiong, Gao Qie e Gao Dang) esculpiram pilares usando o ouro e prata. Com colunas de fumo como modelo, trabalharam eles doze dias e doze noites e fizeram doze enormes pilares para suporte do Céu, que foram erguidos por Fux Fangb (Fu Xi), ficando assim como suportes do Céu. Desde então Céu e Terra tornaram-se estáveis. Mas não havia Sol, Lua e estrelas. Então Bod, Xongt, Qid e Dangt fizeram fogueiras em três buracos e em três colinas, trabalharam por 12 dias e 12 noites e fundiram 12 sóis de ouro e 12 luas de prata tendo como modelo pedras furadas. Os sóis ficaram nomeados depois dos 12 Ramos Terrestres, de acordo com a ordem da sua fundição. Lix Gongb e Xongx Tinb tentaram colocar os sóis no Céu, mas ambos falharam. Mais tarde, Bangx Yangx Bongl Yongl finalmente conseguiu colocar os sóis no Céu, mas esqueceu-se de os informar sobre as ordens de saída. Por isso, Wangx Senb foi ao Céu para as transmitir. Vid Daif abriu uma estrada no Céu para eles e assim apareceu a divisão do dia, em dia e noite. Mas os sóis e as luas não obedeciam às ordens e saiam todos juntos, tornando a Terra muito quente, os rios secavam e as rochas fundiam-se. Os avôs Bod, Xongt, Qid e Dangt cortaram a madeira divina para fazer arcos e o avô Xongt fundiu 22 flechas. Hsangb Zad subiu ao topo da árvore Masang, que chegava às nuvens e daí disparou contra onze sóis e onze luas, deitando-os abaixo. O Sol e a Lua que restaram, muito assustados recusaram-se a sair das caves do Céu e por isso, todos os seres vivos ficaram sobre a ameaça de extinção. Os deuses enviaram a abelha, o búfalo, a cigarra, o pato, o gato, o cão e o ganso em sucessão a pedirem ao Sol e à Lua para saírem, mas todos eles falharam e por tal receberam várias punições. Por fim, o galo, com 12 riscas a simbolizar as 12 divisões do dia na sua cabeça foi chamar o Sol e a Lua. O cantar do galo era tão bonito que o Sol e a Lua vieram espreitar à porta da cave e lentamente foram saindo do seu refúgio. Os deuses ficaram muito satisfeitos com o galo e recompensaram-no com uma crista vermelha e uma plumagem colorida”. “Os caldeus pensavam que o galo, e só ele, recebia, de madrugada, um fluxo divino emanado do planeta Mercúrio, pelo que foi consagrado a Hermes-Thot, consagração depois retomada pelos gnósticos e pelos alquimistas”, como refere Ana Maria Amaro, que prossegue, “Na mitologia clássica grega, Alektruon cujo nome significa galo, era o companheiro de Marte, com o qual partilhava as libações e os amores clandestinos. Quando Marte passava a noite com Vénus, ele chamava-o ao nascer do Sol. Um dia, deixou-se adormecer e não preveniu Marte, sendo este e a sua companheira surpreendidos pelo Sol. Para castigar Alektruon da sua negligência, Marte metamorfoseou-o em galo, completamente armado como estava e com vistoso capacete emplumado na cabeça”. Aves domésticas foram importadas para a Grécia no século V a.n.E. “O galo é universalmente conhecido como um símbolo de vigilância e de ressurreição e, por conseguinte, de imortalidade. Foi por isso consagrado a Hermes, Apolo e a Esculápio. O próprio Pitágoras proibia os seus adeptos de comerem esta ave, tão carregada de simbolismo ela era”. Jesus “disse a São Pedro: <Esta noite, antes que o galo cante, negar-me-ás três vezes>. Esta cena foi muitas vezes representada sobre os sarcófagos paleocristãos, passando, talvez por isso, a constituir um símbolo de ressurreição entre os povos que seguiam o Cristianismo. Era também frequente representar-se um combate de galos nos primeiros monumentos cristãos, simbolizando a luta do Bem contra o Mal e da Morte contra a Vida Eterna”, Ana M. Amaro, “Os maometanos acreditavam, também, que seria um galo gigantesco, a ave que acordaria os mortos no dia do julgamento final. Pelo contrário, para os Escandinavos, seria um galo vermelho que anunciaria o fim do mundo”. “Em Portugal, no cata-vento de grande número de igrejas, o galo de metal recorda ao clero e fiéis a vigilância e a oração, a fim de não caírem em tentação. Várias quadras populares lembram-nos também que o galo é vigilante e profeta, ao mesmo tempo. Gregos e Romanos empregavam os galos na decifração dos seus presságios, que eles ansiavam fossem de vitória”, segundo Benjamim Videira Pires, que refere, “A estatueta dum galo, no cimo dos telhados velhos de Macau, protege a casa contra a formiga branca, que rói as madeiras, acobertada pela escuridão do tunelzinho de serradura em que se introduz e trabalha.”
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO auto didacta botânico e naturalista Alfredo Augusto de Almeida [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lfredo Augusto de Almeida (1898-1971) é das poucas pessoas que em Macau tem, ou teve, uma estátua. Mas quem reconhece o seu nome? Não foi político, nem exerceu nenhum cargo de governação, assim como não era rico, nem esteve ligado ao comércio. Era um humilde funcionário público, homem autodidacta que gostava de saber, de aprender e ensinar, que se especializou em botânica e com quem muitos estrangeiros, que vinham a Macau, gostavam de falar. Também a ele se deve a recuperação de muitas das pedras pertencentes à História da cidade, atiradas para o lixo depois de partidas. Tetraneto do Primeiro Barão de Porto Alegre, um dos comerciantes de ópio mais ricos de Macau nos inícios do século XIX, Alfredo Augusto de Almeida nasceu em Macau a 21 de Janeiro de 1898 e aqui faleceu a 13 de Novembro de 1971. Era o sexto filho de Carlos Eugénio de Almeida e de D. Adelaide Maria Marques, tendo-se casado na Sé no dia 26 de Julho de 1925 com D. Rosalina Maria Boyol, mas não deixou descendência. Segundo o que refere Jorge Forjaz, “não herdou a fortuna dos seus antepassados e, por isso, foi toda a vida um humilde funcionário público e municipal. Mas herdou as suas virtudes, a sua grandeza de alma e um nobre coração. Filho de Macau, da mais ilustre aristocracia macaense, este homem foi sempre leal e honesto, nobre e respeitador no trato social e amigo da sua terra como poucos. A este botânico e naturalista, os jardins de Macau devem-lhe muito e o da Flora deve-lhe quase tudo, inclusivamente a classificação científica de todas as plantas e animais que lá existiam. Apaixonado pela floricultura e pela ornitologia”, reconstruiu o jardim da Igreja de S. Lourenço em 1935, sob as indicações da Sra. D. Laura Lobato. Depois da II Grande Guerra Mundial, Alfredo Augusto de Almeida, ao serviço do Leal Senado, renovou e transformou o espaço verde do Jardim da Flora, introduzindo novas espécies de flores, árvores de fruto e até uma pequena fauna. “Era um homem que se fez a si mesmo, um self made man, lia e consultava as autoridades em botânica e na arqueologia; por isso o Prof. Williams, de St. Francis Xavier College, perito em botânica, nunca vinha a Macau que não fosse a sua casa; o mesmo fez sempre o brigadeiro e historiador Sir Lindsay Ride, que tinha por ele o maior apreço; o então Governador Jaime Silvério Marques (1959-1962) correspondia-se frequentemente com este funcionário, a quem tanto apreciara e elogiara durante o seu Governo de Macau”, segundo refere o Padre Manuel Teixeira. Museu Arqueológico de S. Paulo Terminamos o artigo da semana anterior com a transferência das lajes sepulcrais, que foram removidas do chão do átrio do edifício do Leal Senado e colocadas no Museu Arqueológico das Ruínas de S. Paulo, instituído pelo então Governador Jaime Silvério Marques (1959-1962), nele se empenhando com todo o interesse o Sr. Fernando da Silva Amaro. Muito mais tarde, a esposa do então Governador Nobre de Carvalho disse ao presidente da Câmara que removesse as pedras do recinto de S. Paulo para outro local, onde não estivessem expostas às intempéries do tempo. “O presidente deu as suas ordens aos assalariados da Câmara e estes, achando as pedras enormes e muito pesadas, desconhecendo o seu valor histórico, pegaram em marretas e partiram-nas em vários pedaços e lançaram-nas para a doca de Lamau”, como refere o Padre Manuel Teixeira, dizendo ter-lhe sido tal relatado pelo amigo Alfredo de Almeida, que sabia melhor que ninguém o que se passara. Preparava Sir Lindsay Ride, ex-Chanceler da Universidade de Hong Kong, a obra The Voices of Macao Stones e pediu ao Padre Manuel Teixeira que fizesse a revisão. Foi então que este padre, encontrando grandes lacunas por faltarem as pedras do Museu Arqueológico de S. Paulo, descobriu terem estas daí desaparecido. Procurou o Sr. Alfredo de Almeida e ele, após contar o que ocorrera, levou-os à Doca de Lamau onde andaram à procura das pedras quebradas em 1966. Passaram vários meses nessa tarefa, andando Alfredo de Almeida também a recolhê-las pelas valetas da cidade. Sir Lindsay Ride, em conjunto com o Padre Manuel Teixeira, reuniram pedaço por pedaço até as reconstituir e Almeida incumbiu-se de os cimentar. Mas muitas pedras tinham desaparecido. A 5 de Maio de 1969 fizeram um Ofício ao Governador da Província Nobre de Carvalho onde dão a Voz das Pedras de Macau. “E elas falaram e pediram que transmitisse a V. Exa. o seu pedido: queixam-se de que estão votadas ao abandono, parte na Flora e parte na doca do Lamau, onde se vêem em risco de serem destruídas e levadas para construção de casas”. Assim a pedido do Padre Manuel Teixeira, o Governador de Macau mandou, no início de 1971, colocar na Fortaleza do Monte as pedras históricas recuperadas e o Museu ficou na parada da Fortaleza, à direita de quem entra. Das muitas pedras que Alfredo de Almeida conseguiu salvar, encontrava-se a cabeça de leão, por onde jorrava a água da Bica do Nilau (Fonte do Lilau), no sopé da Colina da Penha. Devido à sua remodelação daí fora retirada, mas agora está ela de novo desaparecida, restando dessa fonte a cabeça de Neptuno, hoje incrustada no muro do jardim da Casa Garden. Também a estátua de granito dum holandês, que se encontrava na Fortaleza da Guia, foi levada para o Museu Arqueológico das Ruínas de S. Paulo. O corpo aí se manteve, mas a cabeça foi encontrada pelos funcionários das Obras públicas no esgoto da Calçada do Botelho. Almeida reuniu de novo a cabeça ao tronco e a estátua foi para o Jardim da Flora, passando depois para os Jardins da Casa Garden, encontrando-se hoje no Museu do Oriente, em Lisboa. Assim Macau deve bastante a Alfredo de Almeida pela recuperação de muitas das pedras de alto valor arqueológico pertencentes à História da cidade, atiradas para o lixo depois de partidas pois, conseguiu salvar da destruição inúmeras delas. “Oseo Acconci, que tanto o estimava, moldou o seu busto, um mês antes da sua morte, o qual foi colocado no passeio central do Jardim da Flora, com a seguinte legenda: <A Alfredo Augusto de Almeida que em vida tanto amor dedicou a este jardim 1898-1971>”, segundo refere o Monsenhor Manuel Teixeira. Lembro-me de ver esta estátua ainda em 1994 e quando dela de novo me recordei, não a encontrei. Por indicação do Eng. Agrónomo António Paula Saraiva, ela encontrava-se agora no Jardim do NAPE. Bem a procurei, mesmo nas arrecadações do jardim, mas nada, a estátua desaparecera e ninguém sabe dela. NOTA: Antes de encerrar o ano do Macaco no calendário chinês, deixamos aqui corrigido o lamentável erro publicado no artigo de 18 de Novembro de 2016 com o título Gincana de automóveis na Feira de Macau. O primeiro automóvel a circular em Portugal foi adquirido pelo Conde Jorge Avillez que, em Outubro de 1895, (e não em 11 de Outubro de 1914, como por lapso fizemos referência), na sua primeira viagem, que demorou três dias, feita entre Lisboa, onde tinha ido buscar o Panhard and Levassor e a sua casa, em Santiago do Cacém, este aristocrata conduzindo-o a 15 km/h, entre várias peripécias, atropelou um burro, causando-lhe a morte.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasA Colecção do Museu Luís de Camões [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] trabalho realizado no conseguir reunir um espólio para o Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões, criado pela primeira vez em 4 de Novembro de 1910 por Portaria Provincial do Governador Eduardo Marques, mas nunca aberto ao público e provisoriamente instalado na Casa do Jardim da Gruta de Camões, “gorou-se devido a uma defeituosa orgânica. Para emendar esse erro, o Governador interino Álvaro de Melo Machado pela Portaria n.º 214 de 12 de Outubro de 1911, exonerou tão numerosa e decorativa comissão, substituindo-a (…) na mesma data, por uma composta apenas de três vogais, o capitão Albino Ribas da Silva, o intérprete-sinólogo e coleccionador de arte chinesa José Vicente Jorge, e o apontador da Repartição das Obras Públicas, Manuel Ignácio Rezende, que tinha também manhas de coleccionador de arte chinesa”, como refere Gonzaga Gomes. Mas também estes não deram conta do trabalho e assim se perdeu a ocasião para a criação de um Museu em Macau. Tanto mais que, lamentavelmente, “entretanto, muitas antigualhas de interesse que poderiam figurar nele e que então ainda existiam em Macau, tanto na posse dos particulares como nas igrejas, conventos e estabelecimentos públicos, se foram sumindo ou estragando-se, por desleixo, incúria ou ignorância e, não poucas vezes, vendidas ao desbarato.” Os anos passavam e nada de Museu. A 17 de Junho de 1920 foram aprovados os estatutos do Instituto de Macau, uma associação científica, literária e artística que pretendia promover a criação de um museu e a conservação de edifícios e objectos de valor documental, históricos ou artísticos existentes em Macau. Dela apenas se registam algumas conferências, mas o Museu…, nem vê-lo! A 20 de Janeiro de 1926, a Direcção das Obras dos Portos propunha-se organizar uma ‘Exposição Industrial e de Estudo’ para servir de início a um futuro Museu e Exposição Permanente dos produtos das indústrias locais e mostruário de produtos da Metrópole e das Colónias Portuguesas e em que se reunissem todos os elementos dispersos e alguns talvez desconhecidos do público, sendo por isso dividida em várias secções: Secção Fotográfica, Secção Cartográfica, Hidrográfica e de Maquetes, e Secção Industrial. Estava-se próximo da conclusão das obras do novo porto da Rada, que se cria vir dar um novo alento à cidade. A ideia evoluiu para uma Exposição Industrial e com os artigos que aí iriam ser expostos, é proposto criar um museu em Macau, instituído pelo Governador interino e Director das Obras dos Portos, Almirante Hugo de Lacerda por Portaria de 5 de Novembro de 1926. Mas o Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões só abriu portas a 24 de Junho de 1929, tendo como Director o Cónego António Maria de Morais Sarmento. Encontrava-se dividido por dois edifícios; no 1º andar do edifício de Leal Senado, sob a direcção de um dos Directores Técnicos do Museu, Dr. Telo de Azevedo Gomes, a secção histórica do Museu continha as pedras com inscrições históricas, armas, brasões, etc., assim como espécies artísticas e pictóricas, obtidas principalmente por empréstimo de particulares. Já a secção comercial e Sacra do Museu, estava exposta no rés-do-chão da Santa Casa da Misericórdia. (Local onde até 2016 esteve o Cartório Notarial e que agora foi alugado pela Pharmacia Popular.) No entanto o recheio do museu era paupérrimo. Das ofertas Ainda antes do Museu abrir, encontrando-se com o espólio armazenado no Palacete da Flora, a fábrica de vidro Shimada de Osaka no Japão, ofereceu-lhe um mostruário de artigos de vidro. Um mês depois, o Boletim Oficial de 3 de Dezembro de 1927 publica o Regulamento dos Serviços do Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões. O semanário A Verdade de 1 de Novembro de 1928 refere ter Hee Cheong feito a magnífica oferta para o Museu Luís de Camões de uma artística vitrina de curiosas porcelanas no valor de cerca de duas mil patacas. A 13 de Agosto de 1931, a explosão no Paiol Novo da Flora, que fez vinte e um mortos e cinquenta feridos, destruiu completamente o Palacete da Flora e provocou grandes estragos nas redondezas. Na mansão do coleccionador de arte chinesa Dr. Manuel da Silva Mendes, situada na encosta Sul do Monte da Guia, a explosão reduziu a cacos grande parte dos seus pratos brasonados de porcelana. Este advogado, professor de Liceu e jornalista, escritor de assuntos chineses, veio a falecer quatro meses depois. Os herdeiros venderam algumas das mais importantes peças a coleccionadores estrangeiros, já que o Governo não se decidia a adquirir a preciosa colecção para o recheio do Museu Luís de Camões. Até que, constituída uma comissão, o museu foi enriquecido com esses “bronzes, objectos de barro tumulares, barros vidrados de Seák-Uán (Shiwan, em Foshan, onde se encontra o forno imperial Nanfeng), algumas peças de celadão, uma ou outra peça em esmalte, uns poucos exemplares de jade, havendo numerosas aguarelas chinesas, mais de uma dezena de retratos de mandarins a óleo, sendo, contudo, raríssimas as peças em porcelana”, como refere Luís Gonzaga Gomes. Ficaram expostos no primeiro andar do edifício do Leal Senado onde, em 28 de Dezembro de 1933 se fez uma exposição também para mostrar os quadros adquiridos pelo Leal Senado, assim como pelo seu presidente, Luís Gonzaga Nolasco da Silva, que os ofereceram ao Museu. No entanto, um lugar permanente para o Museu estava difícil de se encontrar. Os mostruários adquiridos pelo Governo após a Exposição Industrial tiveram que sair da Santa Casa, pois esta precisava da sala. O mesmo aconteceu três anos mais tarde com os objectos colocados no edifício do Leal Senado em consequência do desenvolvimento da Biblioteca Pública, que estava instalada no mesmo andar e na mesma ala desse edifício, sendo por isso removidos para o Palacete de Santa Sancha, que abriu ao público a 12 de Dezembro de 1936. Aí teve uma passagem efémera pois, logo no ano seguinte foi o Museu instalado na Casa do Jardim da Gruta de Camões, actual Casa Garden. Da passagem do Museu pelo edifício do Leal Senado, para onde lá nunca mais voltou, ficaram as lápides de granito encontradas em diversas localidades da cidade e incrustadas nas paredes do átrio. Já as lajes sepulcrais, que estavam colocadas no chão do átrio, foram removidas e colocadas no Museu Arqueológico das Ruínas de S. Paulo, instituído pelo então Governador Jaime Silvério Marques (1959-1962).
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasColeccionadores de arte em Macau [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m seguimento do artigo O Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões, regressamos ao tema para referir o processo até à sua criação. Para coleccionar os produtos da região a enviar para Portugal fora em 1879 criada uma Comissão, “que por serem, ao tempo, os indivíduos de mais destaque na terra e conhecedores mais profundos dos produtos nativos, melhor garantia ofereciam para uma escrupulosa e minuciosa selecção dos artigos pedidos pelas duas instituições metropolitanas”, segundo refere Luís Gonzaga Gomes. E com ele continuando, “O Leal Senado da Câmara de Macau, da presidência de Domingos Clemente Pacheco, na ilusória persuasão de que uma exposição permanente dos principais produtos chineses em dois estabelecimentos públicos do reino poderiam estimular o gosto das pessoas que viviam na metrópole pelos produtos fabricados na China, concorrendo, assim, para promover e fomentar o comércio directo entre esta província e Portugal continental, apressou-se a contribuir com três caixas de artigos destinados ao Museu Colonial e outras tantas para o Museu da Universidade de Coimbra”. Estes e outros artefactos reunidos pela Comissão, antes de serem enviados, foram expostos no Leal Senado a 2 de Maio de 1880 e passados vinte dias ficava pronta a lista numerada dos 581 objectos, descrevendo para que serviam, o preço de custo de cada um e algumas observações. Continuou-se depois o trabalho de coleccionar objectos para os museus do país e a segunda remessa foi efectuada em 1882, seguindo para Portugal no navio de guerra África. Na carta de despedida de Macau, José Alberto Corte Real, a 10 de Julho de 1883 refere, “Logo que tive a honra de ficar encarregado dos negócios diplomáticos na China, Japão e Siam, dirigi aos cônsules portugueses nestas três nações e na Oceânia uma circular, acompanhado de um questionário, em que lhes pedia esclarecimentos tendentes a saber se nos distritos das suas jurisdições consulares, haveria alguns objectos ou monumentos antigos relativos às relações dos portugueses, pedido este que eu fazia com o meu pensamentos no Museu Municipal também, o qual por pertencer à única municipalidade portuguesa estabelecida nesta parte da Ásia, me parecia e parece o ponto mais adequado para reunir e guardar estes monumentos. (…) A meu pedido, havia o Ex.mo ex-Governador de Timor, Bento de França Salema organizado uma comissão encarregada de coligir novos produtos para o Museu Municipal de Macau.” Nessa carta fica-se a saber dever “existir em Lisboa documentos valiosos, alguns que foram comprados pelo Ministério da Marinha em 1875, pertencentes à livraria do falecido José de Torres, os quais não sei se serão parte dos ou os mesmos que foram em tempo mandados pelo Comendador Lourenço Marques para Lisboa, e cuja notícia não se sabe até que data retrocede, ignorando-se também o destino que tiveram”. Lamentava-se ainda Corte Real, na mesma carta, serem os objectos até então coleccionados “muito poucos e de pequeno valor”. Mais à frente refere, “O pequeno número de objectos que agora envio a V. Ex.a (Presidente do Leal Senado) representam costumes, indústrias, manufacturas de Timor e a existência incontestável de jazigos auríferos naquela tão rica quanto desaproveitada ilha; as duas facas, assim toscas, são uma espécie de moeda ou mercadoria tipo de que os indígenas se servem nas suas transacções. Envio mais um pequeno número de jornais chineses e siameses escritos nas línguas nativas, dos quais eu procurava fazer colecção para Macau, por me parecer também que uma secção bibliográfica desta natureza seria valiosa para o futuro, e mais remeto alguns selos e timbres siameses, os quais juntos a outros espécimes iguais e análogos eu destinava para uma secção numismática…” Esse princípio de “trabalho que eu tinha em mãos e que a pouco e pouco ia fazendo, poderão servir de norte a quem por ventura julgar a sua continuação útil”. “Pensei sempre que o Museu Municipal de Macau, constituindo um estabelecimento de grande utilidade para o comércio e para a instrução popular, à semelhança de muitas municipalidades das nações mais civilizadas do mundo, poderia conter também uma secção histórica de grande valor, não somente para Macau, mas também para as tradições de nação portuguesa nesta parte do extremo oriente…” Museu por instalar A iniciativa de Corte Real para dotar a província de um museu não vingou e o jornal Independente de 8/8/1883 refere, <apenas sobre a porta de um húmido e escuro quarto o letreiro – Museu Municipal>. No entanto, a 9 de Setembro desse mesmo ano registava-se o envio de duas caixas proveniente de Sião, contendo objectos para o Museu, remetidas pelo encarregado do Consulado de Portugal. Já em 1899, o Museu da Sociedade de Geografia recebeu do Sr. Dr. Lourenço Pereira Marques uma numerosa colecção etnográfica chinesa composta por aproximadamente mil objectos. Para além dos que ele ofereceu vinham outros, como costumes, adornos, utensílios da vida e sociedade chinesa doados por João Maria Placé da Silva e velhos ídolos enviados pelo Sr. Camilo Pessanha. Com o advento da República foi criado, em 4 de Novembro de 1910 por Portaria Provincial do Governador Eduardo Marques, pela primeira vez o “museu histórico, etnográfico, fisiográfico, comercial e industrial sobre a designação de Museu Luiz de Camões contendo uma secção de carácter histórico, referente principalmente à colónia de Macau e outra secção destinada à representação da província de Timor, sobre os seus diversos aspectos e sobretudo do ponto de vista agrícola e industrial. Foi então, nomeada uma comissão (…) constituída por duas categorias de vogais, natos e nomeados, sendo os primeiros, o Secretário Geral do Governo, o Director das Obras Públicas, o Chefe do Serviço de Saúde, o Presidente do Leal Senado, o Reitor do Liceu Nacional e o Reitor do Seminário de S. José. Para os da segunda categoria foram nomeados o bacharel Camilo d’Almeida Pessanha, o dr. Lourenço Pereira Marques, o Capitão Eduardo Cirilo Lourenço e o intérprete-sinólogo Carlos da Rocha Assunção”, como refere Luís G. Gomes. Compreende-se que com tão numerosas individualidades esta comissão “estava condenada ao malogro, pois era impossível reunir tanta gente, sobrecarregada com tantos afazeres profissionais, (…) tanto mais que muitos deles deveriam ser completamente alérgicos às coisas de arte ou de história.” Enquanto não se arranjou instalações próprias para o museu, ficou este instalado na Casa do Jardim da Gruta de Camões, actual Casa Garden, na parte contígua à ocupada pela Direcção das Obras Públicas.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasO Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Exposição Industrial de Macau, organizada como complemento dos trabalhos de propaganda do novo porto, tinha fechado a 12 de Dezembro de 1926 e A Pátria de 21 desse mês referia: “Diariamente têm sido transportados para o novo museu, instalado no Palácio da Flora, vários objectos, entre eles algumas pedras lavradas, lápides e lajes de antigas sepulturas. Dos artigos expostos na Exposição Industrial, saíram algumas amostras gentilmente oferecidas por alguns expositores à Secção Comercial do Museu, tal como a cedência, facilitada por parte de chefes de serviço, de alguns objectos.” Parecia agora a todos que Macau iria conseguir ter por fim um Museu. Luís Gonzaga Gomes refere, “Pela Portaria n.º 221, datada de 5 de Novembro de 1926, foi criado, pelo Governador interino e Director das Obras dos Portos, Almirante Hugo de Lacerda, um mostruário de produtos nacionais de Portugal Continental e Ultramarino, especialmente, de Macau e Timor, com carácter comercial, abrangendo uma secção do museu da Colónia e tendo agregada a colecção de exemplares de Comissão de Pescarias, sobre o nome de Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões e a constituir com os artigos que possam provir da Exposição Industrial e com os que possam ser dispensados por diversas repartições, devendo ir sendo completada à medida das possibilidades. Para orientar e dirigir este Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões foi nomeada uma comissão, por portaria da mesma data, composta, pelo engenheiro João Carlos Alves, director principal; o missionário padre Manuel José Pita, director da secção do mostruário; e o professor do Liceu Central, Dr. Telo de Azevedo Gomes, director da secção do Museu; o pouco que foi possível colher-se do refugo das repartições públicas e de uma ou outra igreja, se instalou, no Palacete da Flora…” A ideia do Almirante Lacerda era um museu histórico e artístico e em anexo ficava uma exposição comercial. “Ora como não conviesse misturar objectos artísticos e históricos com espécies comerciais e etnográficas e sendo o Palacete de Flora demasiado acanhado para se poder dar um conveniente arrumo ao que se pretendia expor, o Leal Senado resolveu (…) ceder para a secção histórica do Museu, algumas salas do seu andar nobre”, segundo Luís G. Gomes. Já o semanário A Verdade de 1 de Setembro de 1927 informava: “Estão sendo colocadas no átrio do Edifício de Leal Senado, gentilmente cedido pela digna Câmara de Macau, as pedras com inscrições históricas, armas, brazões, etc. sob a direcção de um dos Directores Técnicos do Muzeu, Dr. Telo de Azevedo Gomes. Brevemente deverão começar os trabalhos da instalação da Biblioteca n’algumas salas do andar nobre daquele edifício, passando as Repartições Municipais para o Correio e este para umas dependências do Palácio do Governo.” No entanto, A Pátria de 4 de Novembro de 1927 referia que a secção comercial do museu ainda se encontrava instalado no Palacete da Flora, tendo essa mudança já sido efectuada para o rés-do-chão da Santa Casa da Misericórdia, como referia a Verdade a 2 de Outubro de 1928. Tal poupou essa parte do recheio do museu, pois a explosão do Paiol da Flora em 13 de Agosto de 1931 tê-lo-ia destruído. O Museu Comercial e Etnográfico Luís de Camões, dividido por dois edifícios, abriu a 24 de Junho de 1929, tendo como Director o Cónego António Maria de Morais Sarmento. Os antecedentes Por decreto de 26 de Janeiro de 1871 fora organizado o Museu Colonial em Lisboa e pedira-se aos Governadores de cada uma das Colónias portuguesas para reunirem amostras de produtos industriais ou outros artefactos. Para tal, o Governador da Província de Macau, Joaquim José da Graça (1879-1883), “Considerando que para se reatarem os laços comerciais entre Macau e o Reino muito convém serem conhecidas as qualidades, aplicações e preços dos produtos da indústria e comércio deste mercado, o que melhor se pode conseguir expondo-os nos museus, destinados a reunirem as amostras das riquezas em que as colónias abundam”, mandou constituir oficialmente uma Comissão. Esta era composta pelo Secretário-geral do governo o bacharel José Alberto Côrte Real e os cidadãos, Filomeno Maria da Graça, António José da Fonseca, Maximiano António dos Remédios, Pedro Nolasco da Silva e Lauriano José Martinho Marques. “Outrosim hei por conveniente declarar que se tornou muito digno de louvor o leal senado pela parte com que contribuiu o município, que é o primeiro interessado em todos os esforços tendentes a desenvolver a actividade e a riqueza desta população”. A Comissão não só coleccionava produtos de Macau como de Timor, à data junta com esta Colónia. No Domingo, 2 de Maio de 1880 pelas 13 horas ocorreu nas salas do Leal Senado da Câmara a Exposição de artefactos, produtos industriais e outros objectos desta província. Era assim em Macau “apresentado ao público numa das salas do Leal Senado da Câmara o resultado dos esforços empregados pela comissão em reunir, classificar, coordenar e expor metodicamente os produtos que vão ser remetidos ao museu Colonial de Lisboa e ao da Universidade de Coimbra, sendo de mais a mais esta a primeira exposição de carácter industrial que se faz na colónia”, como se encontra referido no Boletim da Província de Macau e Timor, Suplemento de 28 de Junho de 1880. Durante a inauguração, o advogado António Joaquim Bastos Júnior propôs a criação do Museu Municipal de Macau. Esta exposição criou um enorme entusiasmo e a vontade de continuar a coleccionar produtos industriais chineses para enviar para Portugal que, a 31 de Janeiro de 1882, o Presidente da Comissão José Alberto Homem da Cunha Côrte Real, que era também Secretário-Geral do Governo de Macau, pedia ao Leal Senado a cedência das suas salas para fazer uma nova exposição. E foi com esta nova exposição que se reavivou a ideia de António Joaquim Bastos Júnior de criar o Museu Municipal de Macau. Um dos grandes impulsionadores para a existência desse museu foi José Alberto Corte Real que, por se retirar da colónia, na sua carta de despedida de 10 de Julho de 1883 refere remeter ao Presidente do Leal Senado “alguns objectos, que eu ia pouco e pouco reunindo por via dos meus amigos para o museu municipal cuja fundação tão útil se me afigurou sempre.” Seguindo o seu exemplo e como um dos principais mentores, em Macau começaram a aparecer muitos particulares a adquirir peças de arte chinesa, que foram transformando as suas casas em verdadeiros museus.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasCinema Documental sobre Macau dos Anos 20 [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]uma semana em que Macau está virada para o cinema, perguntamos a quem nos souber responder, onde se poderão ver os documentários de propaganda sobre Macau, realizados pela Empresa Cinematográfica Macaense, criada por Lucrécia Maria Borges em 1924? Sim, os que foram no último dia da Feira e Exposição Industrial, a 12 de Dezembro de 1926, exibidos numa sessão dedicada ao Governador Tamagnini Barbosa e ao Almirante Hugo de Lacerda. O Almirante Hugo de Lacerda Castel Branco foi Governador interino de Macau de 29 de Julho de 1926 até à chegada do titular Artur Tamagnini de Sousa Barbosa, o que ocorreu a 8 Dezembro e por isso, a Exposição foi prolongada até à meia-noite de Domingo dia 12. O novo Governador, chegando de Hong Kong, desembarcou com a esposa e os cinco filhos no cais provisório do novo porto exterior, sendo recebido pelas autoridades civis, militares e eclesiásticas da cidade. Para lhes dar tempo a irem para a praça do Leal Senado, Tamagnini foi dar uma volta pelas obras do novo porto. Assim, quando o carro parou em frente ao edifício do Município ali encontrou a mesma guarda de honra que o recebera à saída do barco. Subindo para o salão nobre e perante a vereação da Câmara tomou posse do Governo de Macau, “pela simbólica entrega da chave de ouro por parte do Presidente da Câmara” Damião Rodrigues. Depois, seguiu para o Palácio do Governo. À noite foi visitar a Exposição, sendo recebido pela Comissão que dera corpo àquele projecto, ficando bem impressionado. No campo da exposição havia um serviço permanente de bufete servido pelo Grand Restaurant e nesse local tocaram várias bandas, entre elas de jazz. Cinema na Feira É preciso lembrar ter sido o cinema inventado nos finais do século XIX e em 1895, os irmãos Lumière foram os primeiros a projectar um filme documental num café em Paris. Na Exposição Industrial de 1926, como a Comissão não poderia dar atenção a tantos trabalhos, entregou a exploração do Cinematógrafo da Feira à Empresa Cinematográfica Macaense de Mário Borges & C.º. Desde 1924 Lucrécia Maria Borges tinha “o exclusivo dessa exploração no território da Colónia pelo prazo de dez anos” e ficou encarregue de realizar documentários sobre Macau, “onde serão apanhados todos os assuntos mais notáveis da vida da colónia”. No entanto, Beatriz Basto da Silva refere existir em 1922 o Cinematógrafo Macau, onde foi exibida “uma fita sobre Macau, destinada à Exposição do Rio de Janeiro” (…) “inteiramente feita por um amador, Sr. Antunes Amor.” Já na quarta reunião da Comissão, a 24 de Abril de 1926, o Presidente disse que ia oficiar para Portugal a pedir várias fitas cinematográficas panorâmicas a fim de também se fazer propaganda ao nosso país, pois este apenas era conhecido pelo Vinho do Porto vindo de Portugal e do Ópio, em Macau. A 4 de Dezembro de 1926 A Pátria refere que, no salão cinema da Exposição vão ser exibidas umas fitas produzidas em Macau pela Empresa Cinematográfica Macaense (ECM) e outras de Portugal. No dia 11 de Dezembro foi projectada a fita Os Fidalgos da Casa Mourisca, tirado do romance de Júlio Dinis, que pela segunda vez passou em Macau, sendo a sessão dedicada ao Exército de Terra e Mar. O preço de 60 avos incluía a entrada no recinto da Feira, encontrando-se os bilhetes à venda na Papelaria Progresso e Po-Man-Lau, na Livraria Portugália e na bilheteira do Teatro. Dedicada ao Governador Artur Tamagnini Barbosa e ao Almirante Hugo de Lacerda houve no dia 12, pelas 21:30, uma sessão de cinema com filmes produzidos pela ECM, assim referido no anúncio que A Pátria publicou. Entre estes filmes de propaganda, o primeiro a ser apresentado foi “O Vôo Audaz das Águias Portuguesas”, que mostrava a chegada a Macau dos aviadores, Major Brito Pais, Capitão-tenente Sarmento Beires e o mecânico Alferes Manuel Gouveia. Tendo partido de Vila Nova de Milfontes com dois aviões no dia 7 de Abril de 1924, tinham programado chegar a Cantão, para poder evolucionar sobre Macau, visto esta cidade não ter campo de aterragem. Na Índia perderam um avião e a 45 milhas de Macau, às 15 horas do dia 20 de Junho, caiu o avião onde viajavam, sendo recolhidos pela canhoneira Pátria que os trouxe para Macau, onde foram recebidos em grande festa pela população a 25 de Junho de 1924. É sobre a recepção do desembarque à chegada a Macau que trata o documentário. O segundo filme era sobre “Os Funerais de um Capitalista”. Já o terceiro, “Comemoração do Quarto Centenário de Vasco da Gama”, levanta-nos algumas questões. Seria sobre a abertura da Avenida Vasco da Gama, para comemorar o IV Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia? Tal parece impossível pois esta ocorreu em 1898 e encontrando-se o cinema nos primórdios, seria possível haver já em Macau câmaras de filmar? Ao ler sobre o que retratava o documentário, aparecem duas hipóteses mais plausíveis. Ou era da inauguração em 31 de Janeiro de 1911 do busto de Vasco da Gama do escultor Tomás da Costa, hipótese menos provável, ou sobre o Quarto Centenário da morte de Vasco da Gama, que ocorrera em 1524 e assim já poderia ser uma produção da ECM. É uma reportagem cinematográfica onde consta o desfile do cortejo cívico na Praia Grande, na Avenida de Vasco da Gama, junto da estátua do insigne navegador, com homenagens da Colónia, das comunidades holandesa e chinesa e dos portugueses de Hong Kong, no Leal Senado, uma missa campal e vários aspectos da iluminação na cidade e no porto. O quarto filme tratava sobre “O Casamento de Mr. & Mrs. Francis Young Po Nam” e o quinto, uma produção muito recente, “O Voo Madrid-Manila” filmado em Maio de 1926, aquando da passagem por Macau dos Ases Espanhóis Capitão Gallarza e Loriga. “O Concílio Episcopal em Xangai” foi o sexto filme exibido. Por último, o documentário de propaganda sobre “As Obras do Porto de Macau”. Uma reportagem completa da cerimónia da dragagem do último metro cúbico de lodo do canal de acesso do novo Porto da Rada, ocorrida a 26 de Agosto de 1926 no Porto Exterior. A Empresa Cinematográfica Macaense resolveu filmar os pavilhões, barracas e vários aspectos da Feira da Exposição Industrial de Macau e convidou o público a aparecer no recinto no dia 11 de Dezembro pelas 15 horas, “para que o filme possa ficar o mais movimentado possível”. Faltava um dia para esta fechar. Seria interessante ter disponíveis estes documentários sobre Macau de há 90 anos, assim como todos os filmes realizados anteriormente e os que depois se fizeram, para criar a cinemateca da RAEM.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasOs incidentes de 3 do 12 de 1966 A estátua do Coronel Vicente Nicolau de Mesquita, situada no Largo do Leal Senado desde 1940, antes de ser deitada abaixo [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 3 de Dezembro de 1966 ocorreram confrontos entre a comunidade chinesa de Macau e as forças do Governo português, episódio conhecido pelo “1-2-3” e que se prolongou até 29 de Janeiro de 1967. Era o extravasar de tensões, trazidas como herança do não reconhecimento por parte do Governo de Lisboa da República Popular da China, proclamada a 1 de Outubro de 1949, assim como em Macau, a resistência feita pelo governo português às forças comunistas da cidade e as ajudas que aqui tinham as organizações nacionalistas, partidárias de Chiang Kai-Skek e derrotadas em 1949 pelo Partido Comunista numa longa guerra, levando-os a fugir para Taiwan. Os que para aí não seguiram refugiaram-se em Hong Kong e Macau e daí faziam constantes provocações aos governantes da República Popular da China. O brigadeiro Nobre de Carvalho aceitara o cargo de Governador, quando Macau era um lugar tranquilo, sem os problemas que enfrentavam os restantes territórios portugueses do Ultramar. Vinha substituir Lopes dos Santos que, devido à doença da sua esposa foi obrigado a ficar por Portugal e apesar de novamente nomeado para um segundo mandato, teve de o recusar. O novo Governador Nobre de Carvalho, só quando chegou a Hong Kong, a 25 de Novembro de 1966, soube pelo seu homólogo da colónia vizinha, Sir David Trench, o problema que o esperava. No barco para Macau, o chefe de gabinete Mesquita Borges e o ajudante de campo, Mendes Liz, explicaram-lhe o problema ocorrido a 15 de Novembro. Tudo começara com a construção de uma escola na Taipa, para a qual a Associação de Moradores da Taipa tinha há longo tempo pedido uma licença às Obras Públicas, mas vendo o tempo a passar e sem resposta, os residentes resolveram começar a construir o edifício. Logo interveio a polícia, havendo feridos, o que revoltou a população chinesa. Acabado de chegar, “Nobre de Carvalho foi apanhado completamente de surpresa e viu-se no meio de algo que não entendia, apesar de ter ficado com o caso para resolver”, segundo Manuel Maria Variz, com quem a partir daqui seguimos o seu relato. A 3 de Dezembro avançou uma manifestação de chineses até ao Leal Senado e perante a fraqueza da polícia, que não recebia ordens do seu comandante, “os amotinados espatifaram o Leal Senado e a Secretaria Notarial e não fizeram mais porque não quiseram…” Documento secreto O documento, que passamos a reproduzir, foi considerado «secreto». Resposta do Governo de Macau ao protesto que lhe foi apresentado pelos representantes dos habitantes chineses de Macau: “O Governo de Macau solenemente declara. Que decidiu assumir a inteira responsabilidade do incidente sangrento de «15 de Novembro», ocorrido na ilha da Taipa. E dos trágicos acontecimentos de «3 de Dezembro», ocorridos em Macau. A fim de impedir que habitantes chineses da Taipa reconstruíssem a sede da sua Escola, o Governo de Macau, em 15 de Novembro de 1966, destacou polícias para reprimir aqueles habitantes de que resultaram feridos e detidos, o que provocou indignação nos habitantes chineses de Macau. No dia 3 de Dezembro, quando professores e alunos chineses de Macau se dirigiram ao Palácio do Governo para apresentarem o seu protesto, o Governo de Macau novamente destacou polícia para os reprimir e, em seguida, impôs a lei marcial, reforçou tropas para disparar tiros, dos quais resultaram mortos e feridos entre habitantes chineses. Nestes incidentes, infortunadamente, ao todo, foram mortas 8 pessoas, ficaram feridos 212 e detidas 62, admitindo o Governo de Macau representarem estes factos sérios crimes dos seus principais causadores. Por isso, o Governo de Macau dirige-se agora, respeitosamente às famílias dos mortos e aos feridos, aos que estiveram presos e a todos aqueles que porventura tiverem sofrido quaisquer prejuízos durante estes incidentes, bem como a todos os habitantes chineses de Macau, para admitir as culpas havidas, significar as respectivas escusas e manifestar o seu profundo pesar. Tendo decidido aceitar, na totalidade, os seis pedidos apresentados pelos representantes dos habitantes chineses de Macau e executá-los imediatamente, o Governo de Macau já exonerou sucessivamente das suas funções, por os admitir como causadores destes incidentes e para apuramento das suas responsabilidades, o Comandante Militar Mota Cerveira, o Comandante da Polícia Galvão de Figueiredo, o Segundo Comandante da Polícia Vaz Antunes e o Administrador interino do Conselho da Ilhas Rui de Andrade, ao quais foi ordenada a sua imediata saída de Macau, para regressarem à Metrópole, para aguardar julgamento das instâncias competentes e correspondente punição. Igualmente decidiu o Governo de Macau chama a si a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas do enterro e da cerimónias fúnebres, bem como das compensações às famílias dos mortos, pelo pagamento de todas as despesas de hospitalização e tratamento dos feridos e também dos prejuízos inerentes, responsabilizando-se, ainda, pelo pagamento de todos os prejuízos resultantes da invalidez dos feridos, pelo pagamento das indemnizações às demais vítimas, por todos os prejuízos derivados destes incidentes. O governo de Macau pagará em dinheiro todas as indemnizações acima referidas, cujo montante é de $2.058.424,00 (patacas) e solicita aos representantes de todos os sectores sociais dos habitantes chineses de Macau a indicação de um organismo para se encarregar da sua distribuição. Aboliu-se já a lei marcial, foram postos em liberdade todos os indivíduos detidos durante estes incidentes e cancelados os processos que respeitam aos seus registos, devendo também considerar-se anulada, por infundada, a sentença proferida contra um dos habitantes chineses presos durante os incidentes da Taipa e cancelado o seu processo. O governo de Macau já reconheceu a legitimidade da pretensão dos habitantes chineses da Taipa para reconstruir a sede da sua Escola, podendo esta obra ser efectuada imediatamente. Acrescente-se ainda que foi atendido o protesto do diário «Ou Mun», referente ao caso da sua reportagem o incidente da Taipa, pelo que se assegura que, de futuro, não se repetirá semelhante ocorrência. O governo de Macau reitera o seu pesar a todos os habitantes chineses de Macau e dar efectivas garantias de segurança das suas vidas e dos seus haveres e de protecção dos seus justos direitos e interesses, para o que, além do mais, reafirma e assevera que, de futuro, não permitirá decididamente que os agentes secretos do grupo do Tchiang Kai-Chek pratiquem quaisquer actividades em Macau. O Governador de Macau – José Manuel Nobre de Carvalho”. A assinatura do acordo de capitulação, com um texto imposto pela parte chinesa, teve lugar na sede da Associação Comercial a 29 de Janeiro de 1967 e a ordem pública durante todo esse ano foi mantida com o auxílio de milícias das kaifong, como refere José Pedro Castanheira.