Crisântemo, a Flor de Ouro do Outono

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] cultura tradicional chinesa tem quatro plantas (si jun zi) como temas usados pelos eruditos (escritores, pintores e calígrafos) nos seus poemas e pinturas pois elas simbolizam quatro respeitáveis características que expressam a sua percepção de vida e os elevam à condição superior do ser humano.

A flor da ameixoeira (em mandarim Mei, ) representa o Inverno, altura em que floresce e simboliza energia e coragem, renovamento pessoal e perseverança. A orquídea (em mandarim Lan, ), escolhida para representar a Primavera, simboliza não ter medo das dificuldades, humildade, autodisciplina e pureza de espírito. O bambu (em mandarim Zhu, ), ligado ao Verão, é símbolo de integridade, rectidão, virtude e devoção, paixão pelo estudo, significando firmeza, flexibilidade e resistência. O crisântemo (em mandarim Jü, ) está relacionado com o Outono, pois é nessa estação que aparece, quando já as outras flores murcharam e representa comportamento apropriado e ético. Jun Zi servia ainda para significar a categoria de homem distinto e honrado.

Conhecida na China por JüHua (菊花 kók fá em cantonense), o nome de Chrysanthemum L. foi-lhe dado na Europa em 1689 por Breynius, devido a chrysos significar ouro, sendo universalizado pelo holandês Linneu.

Da família das asteráceas, o crisântemo, que pode apresentar-se em 23 mil diferentes formas, tem na cor amarela a mais comum das suas tubulares (longas e finas) pétalas, apesar de se encontrar com outras colorações, como branco, vermelho escuro e roxo. De cultura fácil, propaga-se por sementes, ou em estacas. É a flor de Outono, pois normalmente aparece durante esta estação do ano e dura até começarem as geadas, simbolizando a longevidade. “Denominada beleza para sempre, representa a jovialidade e amizade e é apreciada pela riqueza das suas cores”, segundo Luís Gonzaga Gomes.

No Outono pelo chão

O poeta Tao Yuanming (365-427), referido por António Graça Abreu no início do Prefácio do livro Poemas de Han Shan (editado por COD, Macau, 2009), apresentou-se precocemente envelhecido, sereno, sobraçando um ramo de crisântemos quando os deuses da poesia decidiram convidar os maiores poetas da China para um banquete de príncipes e letrados, algures num terraço entre nuvens pendurado numa das montanhas mágicas do velho Império do Meio.

Tao Yuanming escreveu sobre os crisântemos e no seu poema “Bebendo vinho”, (retirado do livro Poemas de Tao Yuanming, prefácio e notas de Manuel Afonso Costa, editado por Livros do Meio, Macau, 2013), na sétima parte refere, <Crisântemos de Outono de cores fascinantes / eu vos colho carregadas de orvalho / e mergulho no vinho / para esquecer as mágoas / e os pensamentos do mundo…”

Ficcionada por FengMengLong (冯梦龙) durante a Dinastia Ming, a história ‘O vento de Outono fez cair as pétalas dos crisântemos’ reporta-se a duas personagens da Dinastia Song do Norte (960-1127); Su Shi (1037-1101), mais conhecido por Su Dongpo e Wang Anshi (1021-1086), escritor, poeta, oficial civil, três vezes Governador de Nanjing e por duas vezes Primeiro-Ministro.

Ainda jovem, Su Shi, após se distinguir nos exames imperiais de Keju e ter o título de Jinshi, ficou a trabalhar na capital Kaifeng sob as ordens do primeiro-ministro Wang Anshi, que gostava dele devido à grande inteligência. Mas Su Shi era muito orgulhoso e não perdia uma oportunidade de se mostrar, considerando os outros inferiores, em inteligência e conhecimento. Wang Anshi, sabendo da falta de modéstia de Su Shi, mandou-o para Huzhou como governador. Após três anos, Su regressou à capital e foi ao palácio visitá-lo, onde o informaram estar o primeiro-ministro a dormir. Convidado a entrar nos aposentos de trabalho de Wang, pois reconhecido pelos funcionários, ali se quedou esperando. Perscrutando o local, vislumbrou sobre a mesa um papel com um poema ainda por terminar, algo invulgar, pois lembrava-se das qualidades do seu superior em escrever de seguida relatórios e grande quantidade de poemas. Lendo-o: <Ontem à noite o vento de Outono atravessou o jardim / fez cair as pétalas dos crisântemos, cobrindo o chão de ouro>. O inacabado poema em estilo shi, que deveria ter quatro versos cada um com sete caracteres, estava com imensos erros, pensou ele, pois, esta flor só abre nos finais do Outono e as pétalas, mesmo no Inverno, nunca caem, podendo apenas ficar a flor seca. Tentação irresistível ao olhar para as duas linhas do poema e numa atitude inconsciente resolveu terminá-lo, escrevendo: “As flores de Outono não caem tão facilmente como as da Primavera / por favor pense com cuidado.” Impulso de que logo se arrependeu. Sem poder emendar o erro, resolveu ir embora.

Ao acordar, Wang já no seu estúdio de trabalho reparou na folha escrita e reconhecendo a caligrafia, desabafou não terem chegado três anos para Su aprender a ser modesto. Na audiência com o Imperador, o primeiro-ministro referiu precisar Su Shi de praticar mais para conseguir ser um bom governador e assim, escolheu um pequeno local para o colocar, numa posição mais baixa, destacando-o para Huangzhou, na província de Hubei.

Su Shi, percebendo estar a ser punido pela ousadia de ter escrito aquelas verdades no poema do primeiro-ministro, com um sentimento de superioridade, tentou não se importar, pois sabia ser injusta aquela colocação. Antes da partida, Wang convidou-o para um almoço onde referiu Huangzhou como um lugar relaxante e por isso, poderia ler mais livros. Ao ouvir tal provocação, Su Shi ficou interiormente zangado pois fora um dos melhores nos exames imperiais.

Chegou a Huangzhou em Novembro de 1079 e após uma série de dias de vento forte, a não permitir sair de casa, no dia seguinte à Festividade ChongYang (Duplo 9) foi visitado por um amigo. Su Shi lembrou-se ter à chegada sido recebido com um crisântemo e por isso, sendo esta a melhor altura para o observar, propôs uma ida a um jardim com essas flores. Ao entrarem, Su Shi apanhou um choque. Viu as pétalas amarelas das flores espalhadas pelo chão, cobrindo-o como que de ouro. Reconheceu então o seu erro e compreendeu a razão de ser para aí enviado. Como o ditado chinês refere, “Por mais que se saiba, devemos permanecer modestos, pois nunca sabemos tudo.”

Segundo Luís Gonzaga Gomes, as vestes dos mandarins (oficiais civis) “nas dinastias Ming e Qing eram bordadas com motivos florais como a peónia, ameixoeira, lótus, crisântemo e pássaros”. Também nos bordados xiang, de Changsha, capital da província de Hunan, as figuras mais usadas são o leão, o tigre e o crisântemo. Já o realizador chinês Zhang Yimou no filme de 2006, Man Cheng Jin Dai HuangJin Jia (A Maldição da Flor de Ouro) usa o bordado aliado com o simbolismo do crisântemo, num drama épico que se desenrola nos finais da dinastia Tang.

Em Kaifeng, província de Henan, realiza-se todos os anos, entre 18 de Outubro a 18 de Novembro, o Festival dos Crisântemos, que já vai na sua 35.ª edição e onde são expostos milhões de vasos com essa flor.

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