Hong Kong | Nova escola de português quer responder à procura de cursos

Chama-se “Portuguesinho.hk” e é a mais recente escola de língua portuguesa em Hong Kong. Os cursos, por enquanto apenas online devido à pandemia, pretendem dar resposta à crescente procura pelo ensino da língua por parte de investidores em vistos Gold, que querem escapar da difícil situação política do território vizinho

 

[dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, o ensino do português é a língua de escolha para algumas pessoas que procuram uma alternativa. Prova disso é a abertura da “Portuguesinho.hk”, uma nova escola dedicada ao ensino da língua portuguesa, fundada por Jan Hung e Anaís Barroso, antigas alunas do curso de Tradução e Interpretação Português-Chinês e Chinês-Português do Instituto Politécnico de Macau (IPM).

Ao HM, Jan Hung confessa que a crescente procura pela língua portuguesa se deve, em grande parte, à difícil situação política em Hong Kong. “Agora há muitas pessoas a emigrar para vários sítios no mundo e Portugal tornou-se um destino famoso por causa dos vistos gold. Um dos requisitos dos vistos gold é o domínio do português nível A2. A procura pelo ensino do português está a crescer cada vez mais em Hong Kong, por isso criamos o ‘Portuguesinho.hk’”.

Os protestos nas ruas, que começaram em 2019, e a implementação da lei da segurança nacional têm levado muitas pessoas a procurar alternativas fora de Hong Kong. “Temos 120 alunos e a maior parte deles está a fazer investimentos em Portugal através dos vistos gold”, adiantou Jan. No entanto, há também aulas para crianças.

Jan Hung dedica-se ao ensino do português no nível mais básico, uma vez que a maior parte dos alunos deseja começar a aprender tendo o cantonês como base. Anaís Barroso e um outro professor de nacionalidade brasileira dão as aulas de nível mais avançado.

Aulas online

Uma vez que Hong Kong se depara neste momento com um novo surto pandémico, as aulas da “Portuguesinho.hk” funcionam apenas online, na plataforma Zoom. A escola afirma diferenciar-se das demais por ensinar o português que se fala em Portugal.

“Em Hong Kong há várias escolas que ensinam o português do Brasil, mas nós ensinamos português europeu. Não é muito comum existir cursos online de português em Hong Kong e estamos a tentar promover mais cursos.”

A expansão da “Portuguesinho.hk” é o objectivo principal, embora não esteja nos planos de Jan Hung e Anaís Barroso a abertura de um segundo espaço. Isto porque “é muito difícil manter uma escola que ensina apenas uma língua”. “Neste momento, ensinamos apenas português, mas no futuro vamos tentar contratar professores nativos de outras línguas”, adiantou Jan.

A escola possui uma cooperação ao nível do fornecimento de materiais com o Instituto Português do Oriente (IPOR). “Talvez no futuro possamos cooperar mais, com o IPOR e também com o IPM porque foi a minha escola”, acrescentou Jan Hung.

Até agora, contavam-se pelos dedos das mãos os cursos de língua portuguesa a funcionar em Hong Kong, existindo apenas algumas iniciativas privadas por parte de professores nativos de português. “Até agora, faltava um bom contexto de língua e os alunos não tinham muitas oportunidades de praticar e falar português além das duas horas semanais de aulas”, confessou Jan. O cenário parece estar a mudar.

23 Jul 2020

Japão | HRW denuncia abusos físicos e sexuais a atletas menores

Mais de 800 atletas japoneses revelaram à Human Rights Watch que foram vítimas de agressões físicas e verbais, bem como de assédio e abuso sexual, quando treinavam para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. O relatório, tornado público esta segunda-feira, surge numa altura em que o Japão se prepara para receber a competição mundial em 2021

 

[dropcap]A[/dropcap] organização não governamental Human Rights Watch (HRW) publicou esta segunda-feira um relatório demolidor sobre alegados casos de abusos físicos e sexuais no Japão cometidos contra atletas olímpicos menores de idade. O relatório foi feito com base em experiências documentadas por mais de 800 atletas que dizem ter sido abusados no passado. Além das entrevistas pessoais feitas a 50 pessoas, foi também realizado um inquérito online, a nível nacional, com 757 respostas não apenas de atletas olímpicos, mas também de paralímpicos.

O relatório de 67 páginas, intitulado “‘I Was Hit So Many Times I Can’t Count’: Abuse of Child Athletes in Japan’” [Fui agredido tantas vezes que não consigo contar: O abuso de atletas menores no Japão], “documenta uma história de punição corporal no desporto no Japão, conhecido como taibatsu, e revela casos de crianças atletas abusadas em escolas, federações e entidades de desporto de elite”.

O termo taibatsu surge associado ao facto de a “violência física como uma técnica de treino ser uma longa tradição no desporto japonês, muitas vezes vista como essencial para atingir o nível de excelência na competição e no carácter pessoal”. No entanto, “esta tradição perigosa tem tornado especialmente difícil a erradicação dos abusos físicos da área do desporto”, uma vez que “treinadores, pais e mesmo alguns atletas incorrem no erro de pensar que o abuso físico no desporto tem o seu valor, e as crianças sofrem com isso”.

A HRW descreve que há casos de “depressão, suicídios, deficiências físicas e traumas que resultam desses abusos”. “Atletas japoneses de mais de 50 desportos relataram abusos que incluem murros na cara, pontapés, agressões com objectos como paus de bambu usados na prática de kendo, privação de água, agressões com raquetes, além de serem sexualmente abusados ou assediados”, lê-se ainda.

Um dos relatos é de Daiki A., de 23 anos, atleta da região de Fukuoka. “Fui agredida tantas vezes que não consigo contar… éramos chamados pelo treinador e esbofeteados à frente de toda a gente. Estava a sangrar, mas ele não parava de me bater. Poderia dizer que o meu nariz estava a sangrar, mas ele não parava.”
Minky Worden, director de Iniciativas Globais da HRW, declarou que “durante décadas as crianças no Japão têm sido brutalmente agredidas ou abusadas verbalmente em nome da obtenção de troféus e medalhas”.

O responsável exige, portanto, uma mudança profunda. “Uma vez que o Japão prepara-se para receber os Jogos Olímpicos (JO) e Paralímpicos em Tóquio em Julho de 2021, as atenções internacionais constituem uma grande oportunidade para alterar leis e políticas no Japão e para, em todo o mundo, proteger milhões de crianças atletas”, apontou Minky Worden.

Além do inquérito online e entrevistas, a HRW também fez um trabalho de monitorização de reportagens sobre abusos sexuais de crianças na área do desporto, além de ter contactado federações desportivas, feito entrevistas a académicos, jornalistas, pais e treinadores, bem como encontros pessoais com representantes do Governo e das federações desportivas.

Suicídio em 2012

O relatório da HRW dá conta que alguns dos abusos terão ocorrido em 2013, quando o país preparava a candidatura para receber os JO e Paralímpicos, entretanto adiados para Julho de 2021 devido à pandemia da covid-19. Nesse ano, foram divulgados vídeos de abusos contra atletas de elite, além de terem sido reportados suicídios de atletas menores de idade. À altura, “agências desportivas falaram publicamente da necessidade de proteger as crianças na área do desporto”.

Em 2018, na prefeitura de Aichi, foi divulgado um vídeo em que vê um treinador de baseball a esbofetear, pontapear e desferir murros em jogadores da sua equipa. Apesar da criação de linhas de apoio para este tipo de casos, a HRW refere que “estas reformas são apenas ‘linhas de orientação’ opcionais ao invés de regras devidamente implementadas”, com pouca monitorização. Além disso, não existem estatísticas oficiais do número de casos de abuso reportados nem tratamento das queixas recebidas.

Em 2012, um jogador de basquetebol, de 17 anos, cometeu suicídio na cidade de Osaka, depois de ter sofrido vários abusos do treinador. Meses mais tarde, a treinadora da equipa feminina de judo japonesa abandonou o cargo na sequência de acusações de que teria abusado fisicamente das atletas na preparação para os JO de Londres.

Os casos de abuso a atletas menores no Japão constituem, segundo a HRW, uma violação às leis que criminalizam o abuso sexual infantil, as leis de direitos humanos a nível internacional e o regulamento do comité dos JO.

Tudo normal

Apesar das centenas de relatos, a HRW aponta que “os abusos de crianças no desporto continuam a ser aceites e até normalizados em muitas áreas da sociedade”, sendo “difícil para muitos jovens atletas apresentar queixa contra um oficial da área ou contra o seu poderoso treinador”. Além disso, “as escolas e federações raramente punem treinadores abusivos, permitindo muitas vezes que continuem a treinar”.

Kanae Doi, director da HRW no Japão, declarou que “as federações desportivas no Japão têm permissão para estabelecer os seus próprios sistemas de monitorização de abuso e de abusadores – e muitas delas escolhem simplesmente não implementar esses sistemas”. “Isto expõe as crianças a riscos inaceitáveis e deixa os pais e atletas com poucas opções para apresentar queixa ou procurar defesas contra os abusadores”, acrescentou o responsável.

O problema dos abusos sexuais cometidos contra atletas olímpicos não é exclusivo do Japão, com casos amplamente reportados em todo o mundo. A HRW destaca o caso do médico olímpico norte-americano Larry Nassar, acusado de inúmeros abusos sexuais, em que uma das vítimas foi a ginasta Simone Biles, que ganhou 4 medalhas de ouro em Jogos Olímpicos.

“Os abusos infantis na área do desporto são um problema global com falta de sistemas unificados e claros que identifiquem a violência. O fardo de reportar um abuso recai muitas vezes sobre as vítimas, enquanto os sistemas que reportam os casos são opacos, inadequados e sem resposta”, descreve a HRW.

Takuya Yamazaki, advogado do comité executivo da World Players Association, disse que “uma das razões pelas quais é tão difícil lidar com casos de abuso é que os atletas não são encorajados a ter uma voz”. “Tal como muitos dos corajosos atletas que estão a começar a falar mais sobre os seus direitos, os órgãos desportivos devem revelar coragem para lidar com o passado, isto se o desporto é uma força verdadeira em prol do bem”, acrescentou o responsável da associação que trabalhou de perto com a HRW na elaboração deste relatório.

As recomendações

A HRW faz ainda uma série de recomendações às autoridades japonesas no sentido de ser implementada uma nova lei que “de forma explícita elimine todas as formas de abuso por parte de treinadores contra atletas menores em organizações desportivas”. Essa lei deve também “delinear os direitos dos atletas, incluindo o direito de praticar desporto sem qualquer tipo de abuso”. A HRW pede também que seja dada formação a todos os treinadores e atletas relativamente a este problema, além da possibilidade de qualquer pessoa poder reportar casos de abuso contra atletas.

As recomendações vão também no sentido de se criar um Centro Japonês para o Desporto Seguro [Japan Center for Safe Sport], enquanto “órgão administrativo independente virado para o abuso infantil no desporto” que seria responsável por lidar com casos de queixas de abusos, além de implementar padrões, medidas preventivas e realizar investigações.

22 Jul 2020

Três curtas-metragens de Macau exibidas amanhã no Porto

Três curtas-metragens com a assinatura de Tracy Choi, Nancy Io e Emily Chan fazem parte da iniciativa “Femme Sessions”, que decorre esta quarta-feira no espaço Maus Hábitos, no Porto. O curador é Cheong Kin Man, que considera o trio de realizadoras os nomes mais importantes do cinema que se faz actualmente no território

 

[dropcap]O[/dropcap] cinema de Macau vai estar em destaque esta quarta-feira na cidade do Porto, graças à iniciativa do espaço Maus Hábitos. O evento “Femme Sessions” vai contar com a exibição de três curtas-metragens da autoria de Tracy Choi, Emily Chan e Nancy Io, numa iniciativa que conta com a curadoria de Cheong Kin Man, natural de Macau e estudante de doutoramento na Universidade Livre de Berlim.

Uma nota do espaço Maus Hábitos dá conta que “uma das maiores preocupações das cineastas macaenses pós-coloniais é maximizar a criatividade numa sociedade caracterizada pela auto-censura”. Nesse sentido, serão exibidos “três exemplos pertinentes que merecem atenção neste sentido”.

É o caso de “Um Amigo Meu”, realizada por Tracy Choi em 2013, um dos primeiros filmes LGBT de Macau. A história centra-se na bem-comportada Sin que testemunha uma situação de bullying na sua nova escola e ousa não expô-la. Vendo a vítima, Tong, a ser sempre tratada de maneira injusta, oferece-se para ajudar.

Gradualmente, a amizade entre as duas cresce, no entanto, Sin tem medo de se envolver nos problemas de Tong. Desde então, tenta manter distância de Tong e ignora todo o bullying que testemunhou. É então que Sin mergulha num dilema moral.

Tracy Choi é descrita pelos organizadores do evento como uma “brava cineasta que ganhou uma impressão positiva no público transregional”. Ao HM, a aclamada realizadora mostrou-se satisfeita por poder mostrar o seu trabalho na cidade do Porto. “Penso que é uma grande oportunidade para mostrarmos alguns filmes de Macau. É um prazer podermos mostrar estas curtas-metragens ao público.”

Além da curta-metragem de Tracy Choi, os amantes de cinema do Porto poderão também ver “Projecto Miúdos”, realizado em 2016 por Nancy Io, e que conta a vivência de crianças num jardim de infância.

Destaque também para “Até ao fim do mundo”, realizado o ano passado por Emily Chan, e que se centra na possibilidade de 2012 ser o ano em que o mundo acaba. A personagem Zoe decide deixar Macau, mas, antes de partir, encontra um rapaz de quem gosta e decide caminhar com ele uma última vez. As curtas-metragens de Macau voltam a ser exibidas na sexta-feira, desta vez em Aveiro.

Os bons exemplos

Ao HM, o curador da iniciativa explicou que escolheu estas três curtas-metragens por se tratar de um trio realizadoras de Macau “que são as mais importantes no presente”. “São cineastas reconhecidas a nível local e regional. Valorizo os méritos da Tracy [Choi] pelo sucesso obtido ao abordar as questões da comunidade LGBT no seu trabalho, numa sociedade que parece não estar ainda muito habituada ao tema. A Tracy consegue falar do ‘problema’ com a subtileza necessária numa realidade como a de Macau”, explicou Cheong Kin Man.

Quanto a Nancy Io, “é a única das três realizadoras que começou a ter sucesso antes de estudar cinema”. Neste sentido, “é um exemplo de coragem para muitas pessoas de Macau que começam a filmar sem formação académica”.

Cheong Kin Man denota que o cinema local tem sido mostrado em Portugal nos últimos anos, tendo dado como exemplo a apresentação, na Cinemateca Portuguesa, nos anos 90, de vários filmes em que Macau é retratada.

“É evidente que o esforço dos cineastas locais e do Governo da RAEM têm gerado frutos aos quais Portugal começa a dar atenção. Mas temos de ser mais ambiciosos, porque [o cinema] de Macau permanece ainda pouco conhecido no resto da Europa”, frisou.

Além desta mostra de cinema no Porto, Cheong Kin Man apresenta na Conferência Internacional de Cinema – Arte, Tecnologia, Comunicação (AVANCA – CINEMA 2020), em Aveiro, os textos académicos “O papel dos média culturais ‘subalternes’ nos povos ‘indígenas’ do mundo de língua chinesa: análise semântica, temas e traduções” e “Uma identidade reinterpretada: Notas sobre um antigo documentário e antigas pesquisas em redor da identidade macaense”.

Segundo o autor, os textos “lançam a reflexão sobre o conceito de eurocentrismo, ao mesmo tempo que procuram valorizar Macau enquanto objecto pertinente para a investigação pós-colonial”.

21 Jul 2020

Acordo de extradição entre Macau e Portugal parado, mas não suspenso

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades portuguesas continuam sem avançar com os trâmites burocráticos para promulgar o acordo de extradição dos infractores em fuga assinado em Maio do ano passado entre a RAEM e Portugal. Segundo o portal informativo Macau News Agency, o acordo está parado, mas não suspenso, apontou uma fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). “O acordo em questão, assinado em Maio de 2019, está ainda a aguardar o desenvolvimento do processo de promulgação, com o quadro legal aplicado em Portugal.”

O texto completo relativo ao acordo de extradição foi publicado em Boletim Oficial (BO), mas não está plenamente implementado. Em Portugal o acordo tem de passar pela discussão e aprovação na Assembleia da República (AR), além de passar também pelo crivo do Presidente da República. Só depois o documento é publicado em Diário da República. Fontes ouvidas pelo MNA indicam que o documento nem sequer chegou ao Conselho de Ministros.

OA continua contra

Outra fonte ouvida pela MNA apontou que o processo está “congelado” porque o Governo não tem maioria no parlamento e também por causa da recente implementação da lei da segurança nacional em Hong Kong.

Do lado da RAEM, o Governo está a monitorar a situação junto das autoridades portuguesas, e aguarda o desenvolvimento do processo por parte do Governo de António Costa. O acordo assinado entre os dois governos não tem data de validade, pelo que se mantém activo, explicou uma fonte da secretaria para a Administração e Justiça, liderada pelo secretário André Cheong.

Desta forma, Macau aguarda “a notificação da entrada em vigor [do acordo] do lado português”, para “estabelecer uma data para que o acordo entre em vigor na RAEM”. Assim que o acordo de extradição for aprovado na AR, deverá dar origem a uma renovada publicação no BO. O MNA questionou o consulado-geral de Portugal em Macau, que não quis fazer quaisquer comentários sobre esta matéria.

Relativamente à posição do actual bastonário da Ordem dos Advogados (OA), em Portugal, Luís Menezes Leitão, é a mesma do seu antecessor, Guilherme Figueiredo. Neste sentido, a OA afirma “que naturalmente vai tentar sensibilizar os grupos parlamentares [na AR] para este problema”.

21 Jul 2020

China | Maiores cheias dos últimos anos levam Xi a reunir com membros do PCC

Domingo, dia em que foram elevados os alertas de cheias na zona do rio Huai, o Presidente Xi Jinping reuniu com o Comité Permanente do Politburo do Partido Comunista Chinês para delinear estratégias de coordenação no combate às cheias. Com quase uma centena e meia de mortos e desaparecidos, estima-se que as cheias estejam a afectar a vida de 37 milhões de pessoas

 

[dropcap]A[/dropcap] China está a atravessar uma grave crise ambiental e social devido às cheias que têm ocorrido nos últimos, consideradas as maiores dos últimos anos. A subida do nível das águas do rio Yangtze fez soar alarmes para a catástrofe responsável pela negra contabilidade de 141 mortos ou desaparecidos e afectado as vidas de 37 milhões de pessoas.

Além dos riscos no rio Yangtze, o mais longo da Ásia, as autoridades estão também atentas à subida do nível das águas no rio Huai, que passa pelas províncias de Henan, Anhui e Jiangsu, com uma extensão de cerca de mil quilómetros. Trata-se ainda de um rio cujas águas circulam perto de zonas de agricultura e indústria.

Segundo a Reuters, o alerta de inundação foi levantado este domingo.
Numa altura em que a China se depara com novos surtos de covid-19 no país (primeiro em Pequim, e agora na província de Xinjiang), as autoridades estão a delinear novas estratégias para combater os graves efeitos das cheias nas populações.

Prova disso foi a reunião, que aconteceu este domingo, entre o Presidente chinês Xi Jinping e os membros do comité permanente do Politburo do Partido Comunista Chinês (PCC). Segundo a Xinhua, a reunião serviu para o líder chinês “ordenar preparações a fim de prevenir e controlar as cheias de baixo e médio nível no rio Yangtze”.

Xi Jinping “também deu instruções para a coordenação dos esforços de combate à pandemia com os trabalhos de controlo das cheias”, para que “os comités do partido e os governos de vários níveis salvem vidas e protejam as propriedades”. Desta forma, “o trabalho de prevenção da pandemia deve ser coordenado com o trabalho da prevenção de cheias a fim de evitar uma nova vaga do novo coronavírus”, foi dito no encontro.

A Xinhua escreve ainda que a reunião serviu para chamar a atenção para algumas necessidades a nível de prevenção e combate a desastres naturais. É, portanto, necessário que o país “tire vantagens do envolvimento na prevenção dos desastres e do mecanismo de ajuda para reforçar a cooperação em todos os departamentos relevantes”. A China deve também tirar todo o partido “da experiência daqueles que estão envolvidos no combate às cheias”.

A reunião serviu também para deixar sugestões aos especialistas nas áreas do ambiente e meteorologia. “As previsões de hidrologia e meteorologia devem ser feitas no tempo correcto e de modo preciso. É essencial melhorar as previsões da ocorrência de desastres secundários, sobretudo chuvas torrenciais, tufões, cheias em zonas montanhosas e deslizamentos de terras, fazendo com que as previsões sejam acessíveis a todas as populações nas zonas rurais.”

Evitar a pobreza

Da reunião do Politburo do PCC foi destacada a necessidade de “garantir a segurança de infra-estruturas e assegurar respostas rápidas em caso de desastre a fim de minimizar todo o tipo de perdas”.

Desta forma, “devem ser feitos esforços para recuperar a produtividade o mais cedo possível”, nomeadamente ao nível dos estragos causados no fornecimento de água e electricidade, nos transportes e telecomunicações, a fim de “facilitar a recuperação após os desastres”.

No que diz respeito ao trabalho com a população, concluiu-se na reunião que “se deve avançar com o alívio da pobreza juntamente com o trabalho de reconstrução após o desastre para prevenir que populações caiam em situação de pobreza devido às cheias”.

A elite política chinesa irá, então, incluir no 14º Plano Quinquenal, pensado para os anos de 2021 a 2025, medidas relacionadas com a capacidade de prevenção de desastres.

Xi Jinping reuniu também com outros membros do Comité Central do PCC na sexta-feira sobre o mesmo assunto, e defendeu a necessidade de colocar as vidas e propriedades das pessoas em primeiro lugar. Segundo a Xinhua, Xi Jinping deixou a ideia de que o PCC tem trabalhado nas medidas de reforço e combate às cheias ou outros desastres naturais desde Junho.

O Presidente chinês falou “da importância do reforço da coordenação e cooperação uma vez que as quedas de água no rio Yangtze mantém-se fortes, enquanto que cheias relativamente graves podem ocorrer em outras áreas, incluindo em algumas zonas do rio Amarelo”.

O caos a sul

As cheias estão a acontecer devido ao regresso das chuvas fortes no sul da China, que leva as águas do rio Yangtze a subir novamente depois das inundações sazonais. O alto nível de precipitação está a pressionar a maior barragem do mundo, Três Gargantas, que fica na província de Hubei.

A Xinhua avançou que o nível de fluxo de água no reservatório das Três Gargantas atingiu, na sexta-feira, o valor recorde do ano, alcançando os 55.000 metros quadrados por segundo.

Os afluentes do Yangtze quebraram já as suas margens em alguns lugares e, em Hubei, um helicóptero foi usado para atirar pedregulhos para bloquear a passagem da água.

As inundações forçaram à retirada de quase dois milhões de pessoas em diferentes províncias do sul da China. As perdas directas atribuídas às inundações ascendem aos 49 mil milhões de yuan, de acordo com o ministério de Gestão de Emergências da China.

As chuvas torrenciais causaram três deslizamentos de terra, na quinta-feira, numa cidade nas montanhas de Chongqing, deixando três mortos e três desaparecidos, informou a Xinhua.
Inundações sazonais atingem todos os anos grande parte da China, sobretudo no centro e sul do país, mas este ano a dimensão foi superior ao alcançado nos anos anteriores. Até agora, as grandes cidades foram poupadas, mas as preocupações estão a aumentar sobre Wuhan e outras metrópoles próximas, onde vivem dezenas de milhões de pessoas e onde surgiu o novo coronavírus. As piores inundações da China nos últimos anos foram em 1998, quando mais de 2.000 pessoas morreram e quase 3 milhões de casas foram destruídas ao longo do Yangtze.

Na zona do rio Huai, cujo nível de alerta passou de 2 para 3 este domingo, há 10 reservatórios de água que atingiram níveis preocupantes de capacidade, bem acima dos 6.85 metros, segundo a Comissão do Rio Huai do Ministério dos Recursos Hídricos, escreve a Reuters.

“As cheias estão a acontecer ao mesmo tempo no rio Yangtze, Huai e no Lago Tai… a situação é muito grave”, disse o ministro dos recursos hídricos que acrescentou que os níveis de água na região vão exceder os máximos de capacidade dos reservatórios.

Imagens aéreas divulgadas ontem pela Xinhua mostram fortes correntes de água a saírem as comportas do reservatório de água de Meishan, na zona de Jinzhai, na província de Anhui. “O nível da água no reservatório de Meishan subiu rapidamente devido à recente chuva forte, tendo o reservatório aumentado o alerta para a prevenção de inundações”, lê-se.

No Lago Tai, que fica junto às províncias de Jiangsu e Zhejiang, os níveis de água já ultrapassam os níveis de segurança, segundo dados oficiais.

Impacto na indústria

As cheias na China estão também a provocar impactos negativos ao nível da produção industrial, sobretudo no fabrico de equipamentos e material de protecção de combate à covid-19, uma vez que é difícil manter a produção em níveis normais e assegurar o fornecimento e transporte para outros países.

A situação actual “está a criar outro bloqueio na forma como as PPE [máscaras cirúrgicas] estão a ir para os Estados Unidos – é a pior altura para isto acontecer, mas estamos a lidar com isso”, disse à Reuters Michael Einhorn, presidente da Dealmed, uma empresa de fornecimento e distribuição de material médico norte-americana. A Dealmed importa este tipo de produtos de cidades como Wuhan e regiões adjacentes. Nesta fase, os atrasos no fornecimento de produtos podem chegar às três semanas.
Xiantao, em Wuhan, é um dos maiores fabricantes de materiais usados em máscaras cirúrgicas, ao ponto de um terço das exportações da China ser oriunda desta zona. As chuvas torrenciais e as cheias estão a causar um profundo impacto negativo no negócio.

Além do impacto ambiental, social e industrial, as cheias vão afectar o PIB do país, já de si afectado pela crise do novo coronavírus. Analistas da Morgan Stanley, citados pela Reuters, falam de uma quebra de 0,4 a 0,8 pontos percentuais do PIB no quarto trimestre devido às cheias do rio Yangtze.

21 Jul 2020

Literatura | André Carrilho publica primeiro livro para a infância

Chama-se “A menina com os olhos ocupados” e é o primeiro livro virado para os mais novos em que André Carrilho assume, pela primeira vez, o papel de ilustrador e autor de uma obra. Lançado em Portugal pela mão da editora Bertrand, o livro pretende chamar a atenção para o tempo que as crianças gastam com gadgets, mas é também uma forma de o autor conversar com os próprios filhos

 

[dropcap]U[/dropcap]ma menina passa os dias inteiros com os olhos colados a um ecrã e não se apercebe do mundo que a rodeia. Até que, um dia, o telemóvel que utiliza diariamente desaparece. É esta a história do novo livro de André Carrilho, ilustrador que agora se aventura como autor, e se intitula “A menina com os olhos ocupados”. A apresentação foi feito em Portugal pela editora Bertrand.

Ao HM, André Carrilho, ex-residente em Macau, contou que esta é também uma obra onde aproveita para conversar com os filhos. “Comecei a escrever este livro depois de ter sido pai”, apontou.

“Comecei a deitar a minha filha à noite e o ritual para ir dormir incluía ler uma história. À força de ler tantas histórias comecei a perceber que os livros são ideais para falar com as crianças sobre alguns assuntos e para criar comunicação com elas, e havia alguns assuntos que eu queria falar com os meus filhos sobre os quais não encontrei livros. Um deles era sobre o mundo da tecnologia e dos gadgets, então escrevi este livro para ter uma ferramenta que me permitisse falar com os meus filhos sobre isso.”

Carrilho, que sempre usou a ilustração como o foco principal do seu trabalho, assume agora que as imagens que desenhou são complementares à história, incorporando outros elementos que as palavras não traduzem.

Além da comunicação com os filhos, André Carrilho recorre a “A menina dos olhos ocupados” para chamar a atenção para a problemática relação entre as crianças e a tecnologia.

“O meu livro chama a atenção para isso, mas não faço juízos de valor em relação aos pais que põem os filhos a olhar para os telemóveis. É difícil ser pai e o telemóvel é uma grande ajuda. O que acho é que pais e filhos devem ter consciência de como fazer e impor limites. Este livro é no fundo o começo de uma conversa sobre esses limites e de como podemos encarar o mundo de várias maneiras.”

Mais autor

André Carrilho, cujos cartoons sobre a actualidade noticiosa são publicados com regularidade em publicações como a Vanity Fair ou o Diário de Notícias, assume querer “ser mais autor”. “Quero repetir esta experiência [de lançar um livro infantil] e tenho várias ideias. Já fiz livros para outras pessoas, ilustrei esses livros, mas agora gostava mais de me focar a escrever esses textos.”

Até agora o autor assume que tem recebido “boas reacções, que estão a dar-me bastante ânimo”. Apesar de o lançamento de “A menina com os olhos ocupados” ter ocorrido em tempos de pandemia, a verdade é que a altura não podia ser a mais ideal.

“O livro estava pronto para ser lançado logo que Portugal entrou em confinamento e tivemos de mudar os nossos planos, mas depois falando com a editora chegámos à conclusão que as pessoas precisavam mais do livro do que nunca, porque as crianças estavam em casa e era preciso dar o contraponto, ao invés de estar sempre a olhar para a televisão dar um livro para eles lerem”, rematou André Carrilho.

17 Jul 2020

Fundação Casa de Macau | Subscrito papel comercial da holding do Grupo Espírito Santo

Em 2013 a Fundação Casa de Macau subscreveu papel comercial da holding do Grupo Espírito Santo, a Espírito Santo International, no valor de 100 mil euros. Depois da falência do grupo, a fundação já viu serem-lhe devolvidas três tranches por parte do Novo Banco, faltando uma fatia de 25 mil euros. Mário Matos dos Santos, presidente da fundação, mostra-se revoltado com o investimento feito

 

[dropcap]F[/dropcap]oram 100 mil euros investidos em papel comercial com a promessa de uma taxa de juro de 4,5 por cento e que por pouco não deitaram tudo a perder. A Fundação Casa de Macau, com sede em Lisboa e presidida por Mário Matos dos Santos, subscreveu 100 mil euros em papel comercial da holding do Grupo Espírito Santo (GES), a Espírito Santo International (ESI), com sede no Luxemburgo.

Segundo a acusação do Ministério Público (MP) em Portugal, a subscrição foi feita aquando da 45.ª emissão de papel comercial da ESI, realizada aos balcões do Banco Espírito Santo (BES) entre os dias 11 e 13 de Novembro de 2013, e com maturidade a 19 de Novembro de 2014. Sem reembolso, a emissão de papel comercial “gerou prejuízo de 28,5 milhões de euros em seus tomadores, clientes do BES”, aponta a acusação.

Mário Matos dos Santos recorda-se que foi a própria gerente da sucursal do BES em Carcavelos, zona de Lisboa, que lhe fez a proposta de subscrição de papel comercial da ESI. “Na altura subscrevemos 100 mil euros, mas depois comecei a ver que as coisas não estavam bem. Tentei uma acção no Luxemburgo e passados 7 ou 8 meses responderam-me a dizer que não, que o valor não passava para o fundo. Entretanto o Governo [português] iniciou um processo de ressarcimento por escalões, em que se pagavam 4 tranches. É o caso em que estamos. Já recebemos 3 tranches e falta-nos uma quarta tranche”, contou ao HM.

O presidente da fundação acredita que a última tranche, no valor de 25 mil euros, deverá ser paga ainda este ano. “Na altura havia uma garantia, a taxa de juro era boa e decidimos experimentar. Pessoalmente comecei a perceber que as coisas não estavam bem e disse aos meus colegas [da Fundação] para sair [do banco], mas não saímos a tempo.”

Deixar o Novo Banco

A Fundação Casa de Macau conseguiu encerrar todas as suas contas no já falido BANIF e, com o colapso do BES, pretende encerrar as suas contas no Novo Banco. “Ainda lá tenho 100 mil euros que deveria ter tirado e ainda não tirei. Não me interessa o futuro daquele banco, tenho muita pena dos que lá trabalham, mas não acredito num banco em que eu, como cidadão, tenho de passar a minha vida a pagar por ele. Só estou à espera da vinda da última tranche para depois liquidar totalmente tudo o que temos lá.”

Mário Matos dos Santos assegura que a fundação “precisa sempre de liquidez, mas programa a sua liquidez”. A aquisição de papel comercial da ESI era uma das soluções encontradas para manter a situação financeira da fundação à tona. “Na altura não estava muito convicto da gestão do banco e percebi que havia uma bolha induzida. Confiámos nas pessoas e até ali não tínhamos tido razões de queixa. Logo a seguir aquilo começou a correr mal, foi quase declarada a falência da Espírito Santo Investimento no Luxemburgo, que também tinha uma antena familiar na Suíça, e quando tentámos sair já era tarde”, confessou.

Criada em 1975 e com sede no Luxemburgo, a ESI era a holding do GES e reunia todos os investimentos da família Espírito Santo e toda a parte financeira do grupo. Dela dependiam três sub-holdings. A ESI, juntamente com mais seis empresas do GES, está acusada de crimes que vão desde a burla qualificada a corrupção passiva, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.

17 Jul 2020

Caso BES | As sociedades em Macau que ajudaram à ruína do Grupo Espírito Santo

Foi tornada pública esta terça-feira a acusação do Ministério Público, em Portugal, relativa ao caso da queda do Grupo Espírito Santo. O extenso documento revela a constituição, em Macau, de duas sociedades, a Shu Tian e a Eurasian Investiments, que serviram para várias operações financeiras, decretadas por Ricardo Salgado, que se revelaram ruinosas para o grupo

 

[dropcap]S[/dropcap]eis anos depois do arranque de um dos casos mais mediáticos de crime financeiro em Portugal, foi finalmente conhecida a acusação do Ministério Público (MP) relativamente ao caso da queda do Grupo Espírito Santo (GES). O ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) Ricardo Salgado, está acusado de 65 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção activa no sector privado, burla qualificada, branqueamento de capitais e fraude fiscal, no processo BES/GES.

Além dos 65 crimes imputados pelo MP, Ricardo Salgado foi ainda acusado de um crime de associação criminosa, em co-autoria com outros 11 arguidos, incluindo os antigos administradores do BES, Amílcar Pires e Isabel Almeida.

Salgado foi também acusado da autoria de 12 crimes de corrupção activa no sector privado e de 29 crimes de burla qualificada, outros arguidos, entre os quais José Manuel Espírito Santo e Francisco Machado da Cruz. O MP acusou ainda o ex-líder do BES de infidelidade, manipulação de mercado, sete crimes de branqueamento de capitais e oito de falsificação.

As sete empresas acusadas são a Espírito Santo Internacional (ESI), Rioforte Investments [empresa de topo do ramo não financeiro do GES], Eurofin Private Investment, Espírito Santo irmãos – Sociedade Gestora de Participações Sociais, ES Tourism Europe, Espírito Santo Resources Limited e ES Resources (Portugal) por crimes que vão da burla qualificada a corrupção passiva, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.

Macau surge no rol de acusações através de duas sociedades, a Shu Tian e a Eurasian Investments, que, a mando de Ricardo Salgado, contribuíram para operações financeiras ruinosas para o GES. A acusação do MP fala de “duas sociedades de direito macaense, a Shu Tian Limitada e a Eurasian Investiments Limitada, constituídas no interesse do GES [por Michel Ostertarg, ex-quadro do GES] para funcionar com verbas que seriam transferidas do estrangeiro para contas no Bank of China [Banco da China], em Macau, passá-las entre si e fazê-las retornar às contas bancárias indicadas por Ricardo Salgado”.

A Shu Tian esteve envolvida numa operação financeira que serviu para usar fundos da ESR [Espírito Santo Resources, sub-holding do GES] em prol de um financiamento a Alexandre Cadosch, Michel Creton e Nicoló di San Germano “para que se tornassem accionistas da Eurofin Holding SA”. Na verdade, o MP acredita que “este foi um modo usado por Ricardo Salgado para constituir de modo oculto uma posição nesta holding suíça”. A Shu Tian foi também usada noutras operações financeiras com a ESI, holding do Grupo Espírito Santo.

Já a sociedade Eurasian Investments Limitada “foi usada como estrutura jurídica para, em nome de investidores angariados por Ricardo Salgado, localizar o dinheiro destes a investimentos em acções preferenciais ESIOL [Espírito Santo International Overseas], apresentadas em Janeiro de 2014 como entradas de capital na ESI”.

Shu Tian e a Eurofin

Para que Alexandre Cadosch e companhia se tornassem accionistas da Eurofin, recorreu-se à conta bancária da sociedade Shu Tian para a aquisição da obrigação BES Londres com dinheiro da ESR.

 

 

O MP sempre acreditou que a Eurofin funcionou como veículo oculto para esconder e financiar investimentos da família Espírito Santo, entre outros objectivos. Apesar de a holding suíça ser dona de sociedades como a Zyrcan, a Martz Brenan, a ECI e a ECT, através das quais realizava as operações decididas pelo BES, em Lisboa, a verdade é que Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e funcionários do BES seriam os responsáveis por essa gestão.

A sociedade Meridian foi a escolhida “para fazer transitar o valor da ESR para os accionistas da Eurofin”, mas como, em 2013, o Banco de Portugal já desconfiava do “envolvimento do GES com a Meridian”, o “financiamento que a ESR havia concedido à Meridian foi assumido pela Martz Bernan, para impedir a ligação do GES à Meridian”, descreve o MP.

A Meridian Investments Capital Holding foi criada no Luxemburgo em 2003 “com o propósito de gerir participações noutras entidades em patrimónios financeiros”, entre outros objectivos. O MP descreve que “os negócios da Meridian foram, até Julho de 2014, definidos por Ricardo Salgado e Amílcar Pires e transmitidos por José Castella, Isabel Almeida, António Soares, Pedro Pinto e Nuno Escudeiro a Alexandre Cadosch, Michel Creton e pessoas dependentes na Eurofin, quer em reuniões presenciais quer por correio electrónico”.

Para que o circuito do dinheiro não passasse pela Meridian, em 2013, “por ordem de Ricardo Salgado”, a ESR “financiou a Martz Brenan para que esta emprestasse dinheiro a uma estrutura fiduciária constituída em Macau por Michel Ostertag com o nome de Shu Tian Limitada”.

O objectivo era que esta empresa “adquirisse uma obrigação BES Londres, com vencimento em 2019, e que pagava um juro anual de 5 por cento”, constituída pelo arguido José Manuel Espírito Santo em 2013 “através de um empréstimo solicitado à sociedade macaense Shu Tian Limitada (…) que foi depositada na conta bancária que o Grupo de empresas RAIMUL dispunha no BPES [Banco Privée Espírito Santo]”.

Desta forma, o MP aponta que a Shu Tian “financiou-se para este específico propósito, através da Martz Brenan (BVI), unidade gerida no interesse de Ricardo Salgado na Eurofin”.

De Macau para a Europa

Descreve o MP que “a necessidade da compra deste título assentou, alegadamente, em condições bancárias locais que exigiam que a conta bancária a ser usada pela Shu Tian, num banco macaense [Banco da China], estivesse aprovisionada com um saldo, para as operações que iria concretizar. E esse saldo podia ser constituído em dinheiro ou em títulos.”

No início de 2013, foi o próprio Ricardo Salgado que “deu instruções” a outros arguidos, como Amílcar Pires, Isabel Almeida e António Soares, “para encontrarem uma solução para que a conta da Shu Tian fosse aprovisionada com um valor mobiliário que ficaria cativo”.

A solução foi encontrada em Janeiro desse mesmo ano e envolveu “a ESR, a Eurofin e estas empresas de Michel Ostertag”. Uma delas foi a Winchell, que recebeu um empréstimo de 5 milhões de euros da Martz Brenan, montante “encaminhado para a Shu Tian para que este adquirisse um título que manteve cativo associado à sua conta”.

A transferência de três verbas da conta da Shu Tian para a “conta bancária da Martz Brenan no BSI, banco suíço, foi retida e apenas se concretizou no dia 17.10.2017”, devido às regras do Banco da China. A 24 de Novembro de 2017, Alexandre Cadosch e Michel Creton “depositaram na conta bancária gerida pelos liquidatários judiciais da ESI no Luxemburgo o valor de 2.350.857 de euros, por conta do pagamento do empréstimo que a ESR havia concedido. Na verdade, o empréstimo era pago com dinheiro da própria ESR!”, descreve o MP.

Na verdade, já em 2014, Alexandre Cadosch e Michel Creton, “em nome da Martz Brenan, transmitiam aos responsáveis da ESR que não tinham condições de reembolsar à ESR o empréstimo desta obtido”. Na prática, os “arguidos Alexandre Cadosch e Michel Creton pagaram, assim, a sua dívida à ESR com o produto da venda de obrigações que haviam sido compradas com o dinheiro da própria ESR”, acrescenta o MP.

O MP explica ainda que “todo o passivo das entidades da Eurofin, incluindo o da Martz Brenan, contraído junto da ESR, acabou por ser eliminado com o desvio de valores pertencentes ao BES”. Lê-se também que “depois destes actos praticados contra o património do BES, todas as posições constituídas no seio das sociedades Eurofin transformaram-se em lucro criminoso, uma vez que o passivo que havia sido contraído para a constituição de tais posições havia, simplesmente, desaparecido”.

Depois desta operação que envolveu a sociedade macaense Shu Tian, a Martz Brenan “devia à ESR, por esta e outras operações, o valor global de 865 milhões de euros”, além de que “todo o passivo da Martz Brenan à ESR foi pago com um esquema de burla ao BES, concebido por Ricardo Salgado e Amílcar Pires, a par de outros arguidos”, descreve o MP.

Este esquema passou pela colocação, por parte do BES, de “obrigações próprias em mercado que foram vendidas aos seus próprios clientes pelo triplo do preço”. Ricardo Salgado, este processo, “determinou que no circuito de vendas fosse interposta a Eurofin que reteve nas suas estruturas o dinheiro necessário para liquidar o passivo contraído junto da ESR”.

Assim, “todos os activos constituídos a partir da Martz Brenan, com recurso a dinheiro pedido de empréstimo à ESR, representa produto criminoso, uma vez que a dívida contraída para tanto foi extinta com o dinheiro procedente de crimes de burla, praticados contra o BES”.

Para que servia a Eurofin?

A sociedade suíça Eurofin constituiu, de acordo com a acusação do MP, um dos principais veículos para a ruína do GES. Lê-se na acusação que “Ricardo Salgado construir na sua visão do GES um ramo de actividade cuja pertença ocultou, na Suíça, que nomeou de Eurofin e que logrou credenciar como gestora de activos e como correctora”.

Desta forma, “conjuntamente com Amílcar Pires, com o departamento financeiro do BES (DFME) e com funcionários que posicionou na Eurofin, Ricardo Salgado criou sob a administração da Eurofin um conjunto de veículos cuja existência e actividade foi ocultada ao mercado, auditores e supervisores”. Estes veículos “foram responsáveis por desviar dinheiro do negócio do BES – numa operativa ruinosa para o banco, na venda de dívida própria aos seus clientes – e destiná- lo aos fins por si pretendidos: cobertura de perdas irrecuperáveis; manutenção de negócios inviáveis; e distribuição de dinheiro pelos que o coadjuvavam nos atos criminosos que eram praticados no seio do GES financeiro”, acrescenta a acusação.

Em finais de Julho de 2014, o “esquema de financiamento oculto da Eurofin com o prejuízo do BES” havia gerado prejuízos ao banco no valor de 3000 milhões de euros.

A Shu Tian e a ESI

O papel da Shu Tian não se ficaria por aqui. Segundo documentos de Outubro de 2013 consultados pelo MP, a ESI, representada pelos arguidos Manuel Fernando Espírito Santo e António Ricciardi, “assumiu-se devedora dos valores de 12.486.473,73 USD [dólares americanos] a transferir à ICG JLT, e de 10.053.275,01 USD, a transferir para a Shu Tian, por conta da actividade relativa ao trimestre encerrado a 30.09.2013”.

Tais valores integravam “as comissões cobradas pela ICG e Shu Tian, como fiduciárias, e, sobretudo, as comissões que estas teriam que pagar aos referenciadores de negócio para o GES, computadas em 22.314.351,25 de euros”. A 12 de Novembro de 2013, a ES Enterprises, considerada o “saco azul” do GES “fez retornar o valor de 22.314.000$ à ESI BVI [sociedade offshora nas Ilhas Virgens Britânicas], verba que na mesma data foi transferida para a ESI.”

A 18 de Novembro do mesmo ano, a ESI transferiu, além da verba para a ICG, o total de 10.053.275,01 de dólares americanos com destino à conta da Shu Tian.

A acusação do MP dá ainda conta da utilização da conta bancária da sociedade Shu Tian para mais um pagamento a Ricardo Salgado. “Nos anos de 2013 e 2014, entre outros, Ricardo Salgado figurou como beneficiário de 2.2 milhões de euros através da transferência feita a 13.02.2014 da Alpha Management para a ES Enterprises e desta para a Shu Tian, por conta da anulação de uma dívida putativa da Enterprises a Ricardo Salgado.”

Macau e a Rioforte

A sociedade Eurasian Investments esteve também envolvida em acções financeiras relacionadas com a Rioforte. O MP revela que Ricardo Salgado e outros arguidos decidiram avançar, em 2014, para um aumento da dívida da Rioforte através da emissão de obrigações no valor total de 3621 milhões de euros, “com encargos financeiros para a Rioforte”, a fim de providenciar maior liquidez à holding do GES, a ESI.

Em Junho de 2014, “através de um esquema financeiro planeado por Ricardo Salgado” e outros arguidos, a Eurasian Investiments havia subscrito acções preferenciais da Rioforte no valor de 210 milhões de dólares emitidas pela Espírito Santo International Overseas (ESIOL), entre Julho de 2013 e Janeiro de 2014. Estas acções foram subscritas pela Eurasian “em nome dos seus clientes (e de cujo produto 71 milhões de euros haviam sido transferidos para a conta escrow da ESI)”.

Essa acção financeira foi feita através da transferência para a ESI, por parte da Rioforte e a “título de avanços”, do valor de 210 milhões de dólares. Depois, a “ESI entregou esses 210 milhões de dólares à Eurasian, em contrapartida da entrega das ações preferenciais emitidas pela ESIOL, de que esta era titular”.

Na prática, este esquema, “pelo qual reembolsaram as acções preferenciais emitidas pela ESIOL através de recurso a novo endividamento da Rioforte e do BES, os arguidos agravaram a situação financeira da Rioforte em 250 milhões de dólares e violaram a política de ring-fencing imposta pelo Banco de Portugal que impedia o financiamento da ESI por unidades da ESFG”, defende o MP.

Aquando da insolvência da Rioforte, “as obrigações emitidas a 19 de Junho de 2014, bem como as acções preferenciais emitidas pela RFIOL não foram reembolsadas, gerando um prejuízo de 250 milhões de dólares nos seus tomadores”.

De frisar que todos os dados recolhidos pelo MP em Portugal relativos às transacções bancárias da sociedade Shu Tian foram conseguidos graças à cooperação com as autoridades da RAEM.

Recorde-se que, em Macau, o antigo BES fazia-se representar pelo Banco Espírito Santo do Oriente (BESOR), hoje banco Well Link Asia. Nesse âmbito, as autoridades portuguesas chegaram a incluir Macau na lista dos territórios onde seriam necessárias buscas. Foi aberta uma linha de cooperação judiciária com o território “para obtenção de dados bancários, audições, arresto de bens e outros actos de recolha de prova”.

A 17 de Janeiro, Carlos Freire, ex-administrador do BESOR entre 2004 e 2015, disse ao Tribunal da Concorrência, em Portugal, num processo conexo a esta acusação do BES, que o risco de branqueamento de capitais era reduzido na sucursal, dada a inexistência de balcões e o reduzido número de clientes.

16 Jul 2020

Quiosque do Lilau tem nova gerência e oferece pedaços de cultura portuguesa 

Elias Colaço, presidente da Associação de Goa, Damão e Diu em Macau, ganhou o concurso público para a exploração do Quiosque do Lilau, situado no largo com o mesmo nome. Com o objectivo de dinamizar a zona e reunir as gentes do bairro, Elias Colaço disponibiliza cerveja de pressão e quer começar a apostar nos petiscos e pratos de raiz portuguesa, entre outros

 

[dropcap]U[/dropcap]m espaço sem vida, mas cheio de história, ganha agora um novo dinamismo graças ao projecto de Elias Colaço, que venceu o concurso público do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) para a exploração do Quiosque do Lilau. Desta forma, o espaço constitui agora um novo local de convívio para todas as comunidades que habitam Macau, mas sobretudo para aqueles que têm saudades do hábito tipicamente português de beber cerveja e petiscar ao ar livre.

Elias Colaço, também presidente da Associação de Goa, Damão e Diu em Macau, reconhece que trouxe uma lufada de ar fresco aos quiosques de Macau, que nunca tinham tido um projecto de concessão virado para a cultura portuguesa.

“Introduzi essa novidade e há muita gente da nossa comunidade portuguesa que fica satisfeita por saber que eu peguei num quiosque e tentei dar-lhe um cunho português”, contou ao HM. “Não é normal ver-se cerveja de pressão nos quiosques de Macau e eu tenho isso aqui. E tenho tremoços, bem à moda portuguesa.”

A concessão esteve em risco de não acontecer, uma vez que havia outro concorrente em primeiro lugar, mas este acabou por desistir. “Acho que o que levou o IAM a tomar uma decisão foi o facto de o nosso projecto ser completamente diferente aquilo a que as pessoas estavam habituadas. Perceberam que uma coisa que estava completamente abandonada poderia gerar novas oportunidades”, frisou Elias Colaço.

A bela chamuça

O projecto do presidente da Associação de Goa, Damão e Diu não passa apenas pela comida e bebida, pois há a ideia de promover espectáculos musicais e outro tipo de eventos no jardim. Elias Colaço quer, aos poucos, disponibilizar uma gastronomia de origem portuguesa, muito devido às suas origens.

“Como sou da Índia Portuguesa [Damão], quero servir algumas especialidades da minha terra, e as pessoas contam com isso. Quero apostar em produtos diferenciados, estou a trabalhar para ter hambúrgueres com um toque especial, por exemplo, ou refeições ligeiras”, frisou.

Para já a cerveja de pressão e alguns salgados e petiscos, como a chamuça, fazem sucesso. “O feedback tem sido positivo, embora ainda venha pouca gente. Não há uma regularidade, mas a partir de quinta-feira começa a vir muita gente. Aos fins-de-semana costumo ter a casa cheia.”

Ao explorar o Quiosque do Lilau, Elias Colaço quer também chamar a atenção para a importância do património português no território. “O Largo do Lilau está inserido no centro histórico, que é património da UNESCO. Fazia-me confusão porque é que uma zona que tem classificação da UNESCO estava quase sem nada”, rematou.

15 Jul 2020

Videovigilância | Quarta fase do sistema arranca no terceiro trimestre 

[dropcap]A[/dropcap]s câmaras de videovigilância relativas à quarta fase de instalação vão começar a funcionar no terceiro trimestre deste ano, aponta um comunicado dos Serviços de Polícia Unitários (SPU) ontem divulgado. No total, passam a funcionar mais 800 câmaras, cuja instalação foi concluída no passado dia 27 de Abril, além de que as 820 câmaras relativas às três primeiras fases desta medida já estão a funcionar.

Ontem, o Gabinete de Protecção de Dados Pessoais (GPDP) realizou uma visita ao centro de controlo do Sistema “Olhos no Céu”, sito no Comando do Corpo de Polícia de Segurança Pública, “a fim de se inteirar do seu funcionamento e da localização das câmaras da quarta fase, procurando que o processo de declaração destas câmaras decorra da melhor forma”, aponta o mesmo comunicado.

Uma vez que as câmaras de videovigilância só podem entrar em funcionamento depois do parecer do GPDP, os SPU prometem “cumprir rigorosamente o parecer, coordenando os serviços competentes no ajustamento e teste das câmaras, de forma a assegurar que, ao fazer uso do sistema para auxiliar a investigação criminal, possa respeitar a reserva da intimidade da vida privada da população”.

15 Jul 2020

UNESCO, 15 anos | Quando o Centro Histórico de Macau ganhou ainda mais valor

Faz hoje 15 anos que o Centro Histórico de Macau entrou na lista de Património Mundial da UNESCO. O legado português deixado ao longo dos séculos, em fusão com as tradições chinesas e as memórias da cidade portuária, fizeram do Centro Histórico de Macau um tesouro a preservar. Arquitectos ouvidos pelo HM alertam para o trabalho de preservação que urge fazer

 

[dropcap]C[/dropcap]elebra-se hoje o 15º aniversário da inscrição do Centro Histórico de Macau na lista do Património Mundial da UNESCO. Tratando-se de um território que serviu como cidade portuária e ponto de ligação entre as culturas chinesa e portuguesa, sobreviveu um legado histórico que se impunha preservar.

Apesar de existir, já nos tempos da Administração portuguesa, alguma legislação que visava proteger o património, foi com a candidatura à UNESCO, aceite a 15 de Julho de 2005, que passou a existir o enquadramento e protecção de edifícios e monumentos entre as duas zonas principais da península de Macau, que incluem a Colina da Barra, a Colina do Monte e a Colina da Guia, sem esquecer as zonas mais antigas da cidade, onde estão as paróquias de Santo António, da Igreja da Sé e de S. Lourenço.

O percurso para conhecer o Centro Histórico de Macau pode começar no Templo de A-Má, no cimo da Colina da Barra, “a primeira zona que acompanha o traçado original da cidade, desde o porto chinês até ao coração da antiga cidade cristã, fazendo a ligação entre monumentos religiosos, militares e civis, de concepção estética com raízes ocidentais e chinesas”, descreve um documento oficial do Instituto Cultural (IC).

Segue-se aquela que é considerada a “acrópole” de Macau, na Colina do Monte, perto do Cemitério Protestante, situado junto ao edifício que hoje alberga a Fundação Oriente – Casa Garden. Este conjunto inclui monumentos como o Quartel dos Mouros, a Casa do Mandarim, a Igreja de S. Lourenço, a Igreja e Seminário de S. José, o Teatro D. Pedro V, a Biblioteca Sir Robert Ho Tung, a Igreja de Santo Agostinho, o Edifício do Leal Senado, o Sam Kai Vui Kun (Templo de Kuan Tai), a Santa Casa da Misericórdia, a Igreja da Sé, a Casa de Lou Kau, a Igreja de S. Domingos, as Ruínas de S. Paulo, o Templo de Na Tcha, a Secção das Antigas Muralhas de Defesa, a Fortaleza do Monte e a Igreja de Santo António.

Além disso, encontram-se neste percurso largos emblemático de Macau, como é o caso do Largo do Lilau, Largo da Barra ou Largo do Senado, entre outros, “que contribuem para a maior coesão dos monumentos históricos no seu ambiente urbano original”, aponta o IC.

O Centro Histórico de Macau inclui ainda outra zona, mais reduzida, definida pelos contornos naturais da Colina da Guia, onde se ergue a Fortaleza da Guia, que alberga Capela da Guia e o Farol da Guia.

Um longo processo

Após a transferência de soberania de Macau para a China, a 20 de Dezembro de 1999, iniciavam-se os preparativos para a candidatura formal do Centro Histórico de Macau à UNESCO, cujo dossier foi submetido pela China, através da Administração Estatal do Património Cultural, no princípio de 2002. No início de 2004, o Centro Histórico de Macau foi seleccionado pelo Governo Central como a única candidatura nacional, que viria a ser avaliada pelo Comité do Património Mundial em Julho de 2005.

O IC tentou convencer o organismo internacional descrevendo o Centro Histórico de Macau como “um retrato completo da permanência duradoura de uma colónia ocidental em território chinês”, um património com “grande variedade de estilos” e uma “perspectiva abrangente sobre as origens da antiga cidade portuária”. Além disso, o Centro Histórico “inclui os primeiros exemplos de arquitectura barroca e maneirista na China”, de que são exemplos a Igreja do Seminário de São José e a fachada da Igreja de S. Paulo.

Sem rei nem roque

O Farol da Guia já pouco se vislumbra, entalado entre prédios altos, enquanto em que em torno do Centro Histórico as mudanças urbanísticas são mais velozes do que as leis de protecção do património.

A arquitecta Maria José de Freitas assume que o património incluído na lista da UNESCO está preservado, mas que só isso não basta. “Quando se faz um pedido de inscrição de uma lista classificada há que considerar a área envolvente, e penso que a envolvente do Centro Histórico não está a ser acompanhada com a mesma profundidade”, confessou.

Da parte das autoridades há, segundo a arquitecta, uma atitude de “deixa andar”, de adiamento de decisões fundamentais, como é o caso da implementação do Plano de Salvaguarda e de Gestão do Património, prometido “para breve”, segundo declarações do Instituto Cultural (IC) em Setembro e que a UNESCO aguarda desde 2015. Continua também a não existir um Plano Director do território com medidas de protecção do património existente.

“Há sempre uma série de incógnitas e indefinições e isso reflecte-se na envolvente dos edifícios. Vemos que a UNESCO tem sido bastante incisiva, mas o Governo promete sempre que vai fazer qualquer coisa, o limite é no final do ano, mas o ano passa, a UNESCO torna a fazer pressão. Há este jogo de cintura, este adiamento sucessivo”, acrescentou a arquitecta.

Já o arquitecto André Ritchie lamenta que a preservação dos edifícios do Centro Histórico seja demasiado superficial. “Julgo que o que tem sido feito passa muito pela preservação da fachada apenas, permitindo-se depois a demolição total do que está dentro do edifício e isso como arquitecto custa-me um bocado aceitar. A arquitectura vive do espaço e não apenas da fachada.”

No caso do Leal Senado conseguiu-se manter a integridade do espaço, “mas os interiores dos edifícios já não são genuínos”. “O trabalho feito foi uma conquista importante há 15 anos, mas acho que a preservação tem-se limitado à fachada e não deveria, dada a vivência que os edifícios precisam de ter. É isso que falta trabalhar”, frisou.

Mau exemplo do Farol

O desaparecimento progressivo de corredores visuais em torno do Farol da Guia constitui um exemplo de violação das regras ditadas pela UNESCO, afirma Maria José de Freitas. “A visibilidade que o farol tinha no início já está afectada, pois há zonas onde só se veem prédios. Naturalmente que isto afecta o património mundial existente e os factores em que Macau consubstancia a sua classificação. Isso pode levar a sanções por parte da UNESCO.”

Também não está a ser equacionada, em toda a península de Macau, a “zona de transição de salvaguarda do património que integra [o Centro Histórico]”. “Permite-se até onde a lei deixa ir, e na ausência de lei permite-se tudo. Poucas ou nenhumas medidas provisórias foram adoptadas. Há uma decisão discricionária do IC face a determinadas situações, na ausência de lei faz-se o que o regulamento da DSSOPT permite, e sabemos que na DSSOPT qualquer empreiteiro quer é construir o máximo”, frisou.

Ainda em referência à zona envolvente do Farol da Guia, Maria José de Freitas lamenta que não tenha sido feito um estudo do impacto dos prédios já construídos ou em construção. Se isso tivesse acontecido, “os edifícios que lá estão não teriam sido construídos, porque o impacto é demasiado forte.”

Maria José de Freitas diz que “temos o património que foi possível manter” 15 anos depois, chamando a atenção para a importância da pressão e alertas que vários grupos e associações têm vindo a fazer junto da UNESCO sobre a protecção do património, nomeadamente para o caso do Farol da Guia.

Para o arquitecto Mário Duque, “a questão da protecção do Farol da Guia é a situação mais flagrante de que a protecção depende de planos de outra escala, nomeadamente de todos os planos de pormenor que se possam fazer em redor. Logo, depende de Plano Director da RAEM”, defendeu ao HM.

Má publicidade

Apesar de os edifícios na zona do Leal Senado estarem protegidos, a verdade é que um dos locais mais visitados de Macau foi, nos últimos anos, invadido por letreiros de publicidade.

Para o arquitecto André Ritchie, o espaço deve obedecer à inquebrável regra da homogeneidade. “O que vemos no Leal Senado é que se permite aos lojistas rebentarem por completo com a fachada original no rés-do-chão e ignorarem toda a arquitectura dos edifícios. Depois fazem umas montras com um enquadramento que não é diferente do que se faz num centro comercial”, exemplificou.

Mário Duque alerta que a publicidade “não deve obscurecer nem atentar contra o objectivo da classificação, seja no desenho ou na mensagem”, embora Macau tenha “tradição de letreiros, bem mais exuberante”, com o recurso ao néon, por exemplo. Sem incluir as lojas tradicionais, com letreiros característicos, houve, nos últimos anos, mudanças visíveis causadas pela chegada de cadeias de retalho. “Tudo o que apenas resulta da estratégia publicitária de um franchise invasor é passível de atentar contra o objecto da classificação. São um verdadeiro atentado”, acrescenta o arquitecto.

André Ritchie denota que, 15 anos depois, existe “maior consciencialização da população quanto ao valor que o património tem”. O arquitecto pede que o trabalho de preservação continue e que não se limite às edificações antigas.

“O que fazemos de novo é também património, podemos ter obras de arquitectura dignas de serem classificadas. Há edifícios de arquitectura moderna ou relativamente novos que têm o seu valor num contexto histórico e político e que merecem ser classificados. O trabalho tem de continuar”, rematou.

Farol da Guia | Grupo de Salvaguarda reúne hoje com IC

O Grupo para a Salvaguarda do Farol da Guia reúne hoje com responsáveis do Instituto Cultural (IC) relativamente à protecção do monumento e área envolvente, garantiu ao HM um representante do grupo. Em causa está uma carta que o grupo enviou à UNESCO a pedir intervenção urgente sobre a zona urbana em redor do Farol da Guia e o envio de uma equipa de peritos para avaliar o impacto causado pela construção de um edifício com 90 metros de altura.

15 Jul 2020

Stephanie Chiang, fundadora e directora do projecto Girls in Tech Macau: Ligação a Hengqin “ajuda muito”

Fundado nos Estados Unidos, o movimento Girls in Tech chegou a Macau o ano passado por iniciativa de Stephanie Chiang. A trabalhar na área do marketing digital, a responsável pretende apostar em mais recursos educativos para fomentar a ligação das mulheres à tecnologia. Stephanie Chiang defende que será difícil que a tecnologia se transforme num sector económico de peso por si só devido à falta de talentos, mas acredita que a ligação a Hengqin constitui uma ajuda fundamental

 

[dropcap]A[/dropcap] Girls in Tech Macau apresentou o seu primeiro evento na RAEM em Setembro do ano passado. Quais são os vossos principais objectivos?

A Girls in Tech é uma organização sem fins lucrativos com um programa internacional e foi criada em 2007 pela primeira vez nos EUA. O objectivo é promover o diálogo e partilhar as nossas experiências. O ano passado apresentei a candidatura [para fundar o Girls in Tech em Macau]. Felizmente em Fevereiro do ano passado recebi a aprovação para trazer o projecto para cá e fizemos o nosso primeiro evento em Setembro. Temos a ideia de criar uma associação sem fins lucrativos, mas está apenas na fase de projecto, ainda não foi oficialmente criada. Pretendemos construir uma comunidade segura, diversa e inclusiva para as mulheres de Macau apaixonadas por tecnologia e empreendedorismo. Oferecemos oportunidades educativas e de networking para ajudar as mulheres a descobrirem os seus poderes.

Que outros projectos pretendem desenvolver?

Queremos promover programas na área do marketing digital e partilha de experiências por parte de mulheres empreendedoras. Todos os eventos que tínhamos programados para este ano tiveram de ser adiados por um ano devido à pandemia. Mas vamos organizar o concurso “She Loves Tech Hong Kong, Taiwan & Macau District” tendo Macau como parceiro organizador. Trata-se da maior competição mundial ao nível da tecnologia e das startups e que irá acontecer online a 26 de Setembro. Ainda estamos à procura de candidatos de Macau.

Quais são os principais desafios que as mulheres em Macau enfrentam nesta área?

Penso que há uma falta de recursos de aprendizagem. Acho que é muito difícil desenvolver conhecimentos na área da codificação ou programação, e foi por isso que decidimos trazer este projecto internacional para Macau, a fim de providenciar mais recursos de aprendizagem para os locais.
Acredita que as universidades necessitam de investir mais recursos na área da investigação tecnológica?
As universidades já investiram muitos recursos nesta área, mas há ainda muitas empresas que dizem não conseguir encontrar os talentos de que necessitam. Poderíamos ter mais workshops na área da tecnologia ou hackathons [maratonas de programação] para providenciar outros recursos internacionais e oportunidades para que os estudantes locais aprendam com os talentos de outras cidades. Isso pode ser motivador para eles.

Têm alguns programas em conjunto com universidades locais?

Ainda não temos qualquer cooperação com universidades locais. Também sou uma das fundadoras do Macau Startup Club, que é mais diverso e não está apenas virado para as mulheres. Nesse projecto fazemos vários eventos na área das startups e trabalhamos muito com as universidades e com as PME. Temos uma iniciativa chamada “Startup Weekend”, onde juntamos estudantes universitários para que possam conhecer melhor o universo das startups. Trabalhamos com a Universidade de São José e Universidade Cidade de Macau.

Que análise faz à tecnologia que se vai desenvolvendo no meio académico?

Pelo que sei as universidades têm investido muitos recursos na área da tecnologia. Sei que a Universidade de Macau e a MUST já investiram muito, mas talvez nem todos os alunos estejam interessados neste tipo de investigação. É preciso motivação e é necessário aprender com alunos de outras cidades. Tive um projecto e queria encontrar alunos locais para colaborarem comigo, mas não consegui. Eu tinha um projecto relacionado com electricidade e não consegui encontrar nenhum colaborador que estivesse familiarizado com esta área. Uma das razões pelas quais isto acontece é pelo facto de não haver muitas empresas que exijam este tipo de formação. O que também se deve ao facto de Macau não ter uma economia diversificada. Noutras cidades é muito fácil encontrar estes sectores-chave na área da tecnologia e quando os alunos terminam os seus cursos conseguem facilmente encontrar trabalho, mas em Macau mesmo que façam um curso nesta área não conseguem especializar-se.

Considera que Macau tem condições para se tornar num hub tecnológico, com maior competitividade, à semelhança do que acontece com cidades como Shenzhen e Hong Kong? 


É muito difícil. Não temos um bom ambiente para que isso aconteça. Não temos muitas indústrias. O facto de estarmos ligados a Hengqin, em Zhuhai, ajuda muito pois permite que empresas abram as suas sucursais na Ilha de Hengqin e, dessa forma, pode-se construir um ambiente favorável e mais competitivo. Sem Hengqin é difícil devido à falta de espaço e pelo facto de a população em Macau ser reduzida. Graças ao programa de financiamento para “Projectos de Investigação Científica realizados através da Cooperação entre Duas Partes” já há quatro laboratórios de Macau com presença em Hengqin e que têm como objectivo tornarem-se centros internacionais de inovação. Trabalham em áreas como a medicina tradicional chinesa, cidades inteligentes, chips, Internet, ciência especial. O Girls in Tech Macau gostaria de promover soluções tecnológicas para ajudar as PME com as suas operações diárias e também para que haja uma transformação digital.

Há capacidade para que a tecnologia seja um verdadeiro sector económico?

Penso que será sempre um sector interligado com outros. É difícil fazer com que a tecnologia constitua um sector económico por si só. Mas podemos associar a tecnologia à cultura ou ao desporto, por exemplo. Estas áreas podem usar a tecnologia em prol da diversificação e do desenvolvimento do sector. Macau continua a não ter talentos suficientes na área da tecnologia e é necessário investir mais em educação. Sem dúvida que a tecnologia pode ser, no futuro, uma área importante, mas neste momento só se pode desenvolver com outras indústrias em prol de uma maior inovação.

As mulheres, em Macau, têm menos oportunidades do que os homens na área da tecnologia?

Têm oportunidades, mas não há muitas mulheres a optarem pela informação tecnológica como área de formação. Sentimos que esses cursos muito técnicos são mais escolhidos por homens. E digo isto porque há dois anos tentei fazer um evento ligado ao empreendedorismo feminino nas startups. E quando estava à procura de pessoas para participarem na nossa iniciativa descobrimos que eram raras as mulheres que estavam no ramo da tecnologia, a maior parte dos participantes era do sexo masculino. Não foi fácil encontrar membros do júri ou mesmo participantes por esse motivo. Penso que é uma questão cultural e que também está relacionada com a falta de recursos de aprendizagem. No entanto, sei que há cada vez mais mulheres com cargos de topo em empresas de tecnologia, o que requer capacidades de gestão e de comunicação. É uma transformação que vem provar que a tecnologia não está apenas ligada à programação ou à criação de códigos, é mais diversa e inclusiva. No Girls in Tech Macau queremos promover que a tecnologia é para todos, com diferentes ferramentas.

Relativamente à tecnologia na área do jogo, Macau poderia investir mais neste sector?

Sei que há algumas startups que já trabalham com os casinos. Há uma incubadora que trabalha com casinos e desenvolve manufactura na área do jogo e soluções tecnológicas relacionadas com o entretenimento. Uma vez que o jogo é a actividade económica principal talvez seja mais fácil desenvolver a tecnologia neste sector, mas não só. Penso que poderíamos associar também a tecnologia ao sector artístico, por exemplo.

14 Jul 2020

Book Carnival | Organização retirou livro com bandeira de Taiwan na capa

[dropcap]I[/dropcap]mwa Chan, presidente da Associação da Promoção da Literacia de Macau, assumiu ter retirado da lista de livros em exposição na Macau Book Carnival um livro de política que tem a bandeira de Taiwan na capa, sem referir que de obra se trata.

“Em relação aos livros de política, retirei um ontem à noite. Um livro que fala sobre bandeiras nacionais. Como é um livro de Taiwan, coloca a bandeira da República da China (na capa), achei que era inadequado. Por isso optei por não exibir esse livro. Os restantes estão bem”, disse em declarações reproduzidas pelo Canal Macau da TDM.

A edição deste ano da Macau Book Fair, que decorre no ginásio do Instituto Politécnico de Macau (IPM) até ao dia 19 de Julho, conta com mais de 25 mil livros em exposição, vendidos a preços de saldo. Só o Instituto Cultural disponibiliza um total de 1.100 títulos.

Devido à pandemia da covid-19, não estão expostas obras oriundas da China. “Este ano, na oferta, não temos, lamentavelmente, os livros da China continental, pois os que são importados de lá devem ficar em quarentena por mais de 10 dias. O número de livros de Hong Kong e Taiwan é semelhante ao do ano passado. E existem cerca de 20 por cento de livros em idiomas estrangeiros”, justificou Imwa Chan.

13 Jul 2020

Poesia | Lisbon Poets & Co celebra edição de Camilo Pessanha em espanhol, inglês e francês

“Clepsydra”, obra-prima de Camilo Pessanha, quase toda escrita em Macau, ganhou novas edições bilingues em português/inglês, português/francês e português/espanhol com a chancela da editora portuguesa Lisbon Poets & Co. O editor Miguel Neto acredita ter chegado mais perto da organização que Pessanha queria para os seus escritos e que não foi conseguida por Ana de Castro Osório na edição de 1920

 

[dropcap]E[/dropcap]ste ano celebra-se o centenário da primeira edição de “Clepsydra”, a obra mais importante do poeta Camilo Pessanha, editada em 1920 por Ana de Castro Osório. Como forma simbólica de celebrar a data, a editora portuguesa Lisbon Poets & Co celebra a edição de duas edições bilingues, “Clepsydra – The Poetry of Camilo Pessanha” e “Clepsydra – La Poesía de Camilo Pessanha”, com introdução da académica Helena Buescu, da Universidade de Lisboa, e organização e fixação do texto por parte do professor Paulo Franchetti. Franchetti havia, inclusivamente, trabalhado na obra de Pessanha em edições anteriores publicadas em língua portuguesa.

“Estas duas edições são importantes para dar a conhecer a falantes de outras línguas [a obra de Pessanha]. Também vamos publicar uma edição em francês, que está a ser terminada, e vamos traduzir para outras línguas. Pessanha já é pouco lido e editado em Portugal e em outros países é, de facto, muito pouco conhecido”, apontou ao HM o editor Miguel Neto. É também objectivo da Lisbon Poets & Co “fazer esse contributo [para reavivar a memória]”. “

“A sua poesia tem uma natureza velada, é um pouco inacessível e difícil, o que não torna muito fácil uma leitura imediata. Além disso, Pessanha esteve longe de Portugal, passou quatro décadas em Macau e foi lá que escreveu a maior parte dos poemas, e em Portugal produziu muito pouco”, frisou Miguel Neto.

Ainda assim, isso não impediu Pessanha de ser considerado um dos nomes maiores do Simbolismo português. “‘Clepsydra’ é realmente marcante e é também a maior representação do Simbolismo em língua portuguesa, além de ser um livro que marcou toda a poesia vindoura, com Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa e poetas posteriores, como Eugénio de Andrade.”

Questão de organização

Aquando da primeira publicação de “Clepsydra”, em 1920, Ana de Castro Osório não terá seguido a organização dos poemas conforme o desejo de Pessanha. A descoberta foi feita por Paulo Franchetti através de um documento depositado na Biblioteca Nacional colado a um dos primeiros exemplares de “Clepsydra”.

Estas duas edições bilingues apresentam, portanto, uma organização o mais possível aproximada à vontade do autor. Aos poemas cuja ordem é indicada pelo autor juntam-se os restantes organizados por Paulo Franchetti, onde se incluem “dois poemas inacabados, poemas satíricos e poemas citados de memória por outras pessoas”.

Por esse motivo, “o que está no livro não é apenas uma aproximação possível e mais recente à ‘Clepsydra’, mas também a toda a poesia de Pessanha, e é a primeira vez que ela é traduzida integralmente para inglês e para espanhol”, rematou Miguel Neto.

Além destas edições, a editora Lisbon Poets & Co também promoveu nas redes sociais, em parceria com várias livrarias portuguesas independentes, vídeos com a leitura de poemas de Camilo Pessanha. A campanha dura até esta quarta-feira, dia 15.

13 Jul 2020

CCTV | Banco da China diz que câmaras não captam códigos nas máquinas ATM

O Banco da China assegura que as câmaras de videovigilância instaladas junto às máquinas ATM não têm capacidade para captar códigos de acesso dos clientes e servem apenas para garantir a segurança dos utilizadores. No entanto, numa sessão de julgamento do caso IPIM, foram exibidas imagens fornecidas pelo Banco da China onde é possível ver o código de acesso

 

[dropcap]A[/dropcap]s câmaras de videovigilância instaladas junto às máquinas ATM do Banco da China servem apenas para garantir a segurança dos utilizadores e não conseguem captar os códigos de acesso às contas bancárias. A garantia foi dada pelo gabinete de comunicação do Banco da China ao HM.

“O nosso banco valoriza sempre a protecção dos direitos dos clientes. As câmaras de videovigilância são instaladas nas caixas multibanco, gravando as imagens das pessoas que fazem levantamentos, a fim de saber se as caixas multibanco funcionam bem.”

Nesse sentido, “se o ângulo da gravação incluir a zona de digitação dos números, o sistema irá blindar essas imagens e será impossível obter os códigos de acesso dos clientes através das imagens da videovigilância”.

A resposta do Banco da China acrescenta que existe um sistema de alerta para que seja garantida a protecção dos dados pessoais dos clientes. “Antes do cliente digitar o código de acesso, no ecrã do multibanco surge de imediato um aviso de que é necessária maior protecção a fim de se evitar a divulgação das informações e do código.”

Código no caso IPIM

Apesar do Banco da China negar que as câmaras de videovigilância captam os códigos de acesso às máquinas ATM, a verdade é que na sessão de julgamento do caso IPIM, na passada quinta-feira, foram mostradas imagens fornecidas pela própria entidade bancária às autoridades onde é visível o código de acesso inserido pela empregada do empresário Ng Kuok Sao. Ng Kuok Sao é um dos arguidos no processo, acusado de criar uma rede criminosa de venda de autorizações de permanência em Macau.

O assunto acabou por não ser explorado em tribunal, mas a verdade é que o ângulo de uma das três câmaras instaladas pelo Banco da China, junto às caixas ATM, captou o código pin inserido pela utilizadora. Por esse motivo, as imagens da câmara que apontam ao painel de controlo têm no centro um quadrado preto a tapar o painel de controlo da máquina ATM, onde a empregada estava a inserir o código pin da conta.

A funcionária, que utilizava o multibanco, tinha em sua posse uma folha de papel com vários números inscritos. Recorrendo ao zoom das imagens de alta resolução, as autoridades conseguiram aceder a toda a informação contida no documento.

O HM contactou também o Gabinete de Protecção de Dados Pessoais e a Autoridade Monetária de Macau sobre este assunto na quinta-feira, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.

13 Jul 2020

Sin Fong Garden | Ip Sio Kai espera consenso entre proprietários e comissão de condomínio 

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[/dropcap]O deputado Ip Sio Kai, também director-geral da sucursal do Banco da China em Macau, disse ontem esperar consenso entre proprietários e comissão de gestão do condomínio do edifício Sin Fong Garden no que diz respeito a empréstimos.

“Os proprietários e a comissão de gestão estão a discutir se vão pedir mais dinheiro para a reconstrução [do edifício]. Em primeiro lugar, deve ser obtido um consenso colectivo”, disse ontem o responsável à margem de uma reunião de comissão da Assembleia Legislativa.

Ip Sio Kai declarou que alguns proprietários fizeram empréstimos a título individual no passado para reconstruirem o prédio, mas que nesta fase é necessária vontade colectiva para aumentar o montante emprestado pelo banco. “Se alguns proprietários não concordarem será difícil atribuir esse montante. Li notícias de que ainda estão a discutir [o assunto]”, frisou.

Esta questão surgiu depois de a Associação de Conterrâneos de Jiangmen, ligada aos deputados Mak Soi Kun e Zheng Anting, ter recuado na atribuição das 100 milhões de patacas para a reconstrução do prédio, uma promessa feita em 2018. Os proprietários correm agora o risco de ter de pagar um total de 170 milhões de patacas.

O director-geral da sucursal do Banco da China em Macau assegurou que os proprietários ainda não contactaram o banco. “Num empréstimo normal, e não apenas para o Sin Fong Garden, o banco tem em conta o ‘Loan to Value’ [garantias de quem pede o empréstimo] e a capacidade de pagamento. Se este processo for bem analisado, os riscos normais são evitáveis. Não deve haver grande diferença entre este empréstimo e o empréstimo comum para a compra de uma habitação”, rematou Ip Sio Kai.

10 Jul 2020

Corredor exclusivo | Pais de finalistas desejam intervenção do consulado 

O fim do corredor exclusivo entre Macau e o Aeroporto Internacional de Hong Kong vai afectar os planos de muitos finalistas do ensino secundário que tencionam estudar fora de Macau. Alguns pais ponderam pedir ajuda ao consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, mas Paulo Cunha Alves confirmou ao HM que não há, por enquanto, planos para negociar com as autoridades locais

 

[dropcap]A[/dropcap] partir da próxima quinta-feira, 16 de Julho, já não será possível aos residentes de Macau utilizar o corredor especial para o Aeroporto Internacional de Hong Kong, medida que altera os planos de muitos finalistas do ensino secundário que pretendem frequentar o ensino superior fora de Macau.

O HM falou com alguns pais de alunos da Escola Portuguesa de Macau (EPM) e da The International School of Macao (TIS), que defendem que o consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong deveria intervir para apoiar os finalistas a viajar para fora do território.

“Foi levantada ontem [quarta-feira] a possibilidade de os pais se juntarem e pedir ajuda ao consulado”, contou ao HM Andrea Magalhães, que frisou, no entanto, não estar ainda formalizado qualquer pedido de apoio.

“O consulado já deu apoio uma vez e desta vez pode ser que ajude todos os miúdos portugueses que são finalistas e que têm de ir para Portugal estudar. Vamos ver as hipóteses que se levantam”, disse Andrea Magalhães, mãe de uma aluna que frequenta o 12º ano na EPM e que, para já, está em fase de exames.

“Sei de pessoas que vão [sair de Macau] em finais de Agosto e a minha filha irá em princípios de Setembro. Tudo depende do que as autoridades decidirem, porque de um dia para o outro podem abrir o corredor especial”, adiantou.

No caso de Sandra Joaquim, o filho tenciona estudar na Holanda, onde inclusive já alugou casa. “Nesta altura, mesmo que quisesse aproveitar o corredor exclusivo, este termina já a 16 de Julho e ainda falta um mês e meio para ele ir para a Holanda. Vamos ver o que acontece no próximo mês e depois temos de ver o que podemos fazer.”

Sandra Joaquim também pensou falar com o consulado “para ver se têm alguma sugestão”. “Acredito que o meu filho não seja o único estudante do 12º ano que irá estudar para a Europa. Tenho esperança que o consulado possa ajudar”, acrescentou.

No caso de Celeste Monteiro, a matrícula do filho no curso de gestão, também numa universidade holandesa, teve mesmo de ser adiada por um ano, ficando provisoriamente na Universidade de São José (USJ). “Com toda esta situação, achamos melhor adiar por um ano. Penso que o consulado deveria intervir, pois faz parte dos deveres de um consulado”, defendeu ao HM.

Consulado sem planos

Contactado pelo HM, o consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong adiantou que, para já, não há planos para iniciar novas negociações com as autoridades. “Face à evolução da pandemia em Hong Kong, neste momento não existe a intenção, da parte deste Consulado Geral, de iniciar um novo processo negocial com as autoridades da RAEM e da RAEHK. Todos aqueles que pretendem assumir os riscos de viajar deverão fazê-lo até ao final do dia 16 de Julho.”

Filipe Regêncio Figueiredo, presidente da Associação de Pais da EPM, afirmou que actualmente há duas turmas a frequentar o 12º ano. “O corredor foi interrompido e não sabemos se daqui a duas semanas isto muda. Se não mudar, obviamente que para quem vai para a universidade ou para quem pretende ir para outro sítio isto é uma grande complicação.”

O responsável aponta que seria bom o consulado poder interceder neste caso, ainda que “seja uma decisão que não lhes cabe a eles”. “Esta situação [corredor exclusivo] não se pode manter indefinidamente, não só por causa desta situação [dos estudantes] mas de tudo o resto”, acrescentou.

O fim do corredor afecta também alunos do ensino superior que já estão matriculados em universidades no exterior. É o caso de Dinis Chan, finalista do curso de Direito em Lisboa, que não sabe quando poderá voltar a Portugal. “Reservei um voo e planeei regressar em Junho, mas o meu voo foi cancelado pela companhia aérea. Não sabemos como vai ficar a situação, talvez as aulas passem a funcionar online”, apontou.

O início das aulas de Dinis Chan está marcado para Outubro. “Perante este cenário não temos escolha e só podemos tomar as nossas próprias medidas para nos proteger. Não sabemos quando reabrem as fronteiras e as universidades regressam à normalidade”, frisou.

10 Jul 2020

Macau Book Carnival | 23ª edição da feira do livro arranca esta sexta-feira 

Começa esta sexta-feira mais uma edição do Macau Book Carnival, uma feira do livro organizada pela Associação de Promoção da Literacia de Macau. Com eventos para toda a família, além da venda de livros com desconto, a feira do livro recebe, no sábado, para uma conversa sobre o livro bilingue “Na Rua”, da editora Mandarina

 

[dropcap]A[/dropcap] 23ª edição do Macau Book Carnival começa esta sexta-feira e, à semelhança dos anos anteriores, tem lugar no ginásio do Instituto Politécnico de Macau (IPM). Até ao dia 19 de Julho o público poderá não só usufruir de livros mais baratos como também ter acesso a espectáculos musicais e outras actividades para toda a família.

Este sábado, dia 11, por volta das 15h30, tem lugar uma sessão de lançamento do livro bilingue “Na Rua”, lançado pela editora de livros infantis Mandarina. A sessão conta com a presença de Catarina Mesquita, fundadora da Mandarina, e o escritor Joe Tang.

Ao HM, Imwa Chan, presidente da Associação de Promoção de Literacia de Macau, explicou que a edição deste ano conta com a presença de 30 livrarias e editoras, que vão apresentar obras em chinês, inglês e português. A apresentação do livro “Na Rua” partiu de um convite da associação.

“Esperamos que os leitores chineses que querem aprender português possam comprar o livro”, frisou.
Imwa Chan assegura que, 22 anos depois, esta feira do livro tornou-se mais do que local onde se vendem livros com desconto. “Sinto-me encorajada com o facto de este não ser apenas um evento para vender livros com desconto, mas pode também ser uma plataforma para que livrarias, e escritores e leitores se possam reunir num só espaço e possam trocar impressões sobre o seu trabalho. Trata-se de uma plataforma para promover a literatura de Macau, uma vez que o território é um lugar cheio de cultura e história, com uma grande ligação ao património.”

Anos de desafios

Imwa Chan assegurou ao HM que organizar uma feira do livro como esta nos últimos 22 anos não foi fácil. A maior dificuldade prendeu-se com a falta de uma localização específica. “Lembro-me que houve um ano em que tivemos de organizar esta feira num centro comercial, um espaço muito pobre para este tipo de eventos.

Temos de ter um parceiro a longo prazo para que possamos ter uma localização permanente, e felizmente que o IPM nos apoiou.”

“Quando o semestre termina o ginásio fica disponível para o nosso evento. Finalmente conseguimos obter uma localização permanente e um calendário regular para organizar a nossa feira do livro, o que corresponde às expectativas dos leitores locais”, acrescentou.

A ideia para a organização do Macau Book Carnival surgiu graças à presença regular de Iwma Chan na feira do livro que todos os anos se organiza em Hong Kong.

“Há 20 anos achei que havia a necessidade de organizar uma feira do livro em Macau no período das férias para os leitores. Sempre visitei a feira do livro anual em Hong Kong e pensei que necessitávamos de um evento semelhante em Macau, mesmo que tenhamos uma população mais pequena em relação a Hong Kong”, explicou ao HM.

Desde então que a adesão ao evento tem sido positiva, uma vez que, segundo Imwa Chan, o ano passado estiveram presentes na feira cerca de 5.000 pessoas.

O evento conta com o apoio da Fundação Macau e do Instituto Cultural. O Instituto Português do Oriente (IPOR) tem sido uma presença habitual no evento mas este ano, alegando falta de recursos humanos, a entidade não estará representada.

O Macau Book Carnival acontece todos os dias da semana entre 10 e 19 de Julho. Durante a semana o horário de funcionamento é entre as 11h e as 21h, enquanto que aos sábados e domingo a feira tem as portas abertas entre as 11h30 e as 21h30.

9 Jul 2020

Sin Fong Garden | Proprietários querem reunir com associação de Jiangmen

A comissão de gestão de condomínio do edifício Sin Fong Garden quer reunir com a Associação de Conterrâneos de Jiangmen, ligada aos deputados Mak Soi Kun e Zheng Anting. Na carta pedem-se explicações públicas sobre o facto de a associação alegar agora que não tem condições para financiar a reconstrução do edifício

 

[dropcap]A[/dropcap] Associação dos Conterrâneos de Jiangmen, ligada aos deputados Mak Soi Kun e Zheng Anting, foi ontem desafiada a reunir com a comissão de gestão de condomínio do edifício Sin Fong Garden, num encontro onde os media poderão estar presentes para “esclarecer todas as dúvidas da sociedade”.

Em causa está a promessa de um donativo no valor de 100 milhões de patacas feita pela Associação dos Conterrâneos de Jiangmen em 2018 e que não chegou a ser cumprida. Os dirigentes afirmam agora que, devido à crise e outras mudanças socioeconómicas, não podem conceder o montante. Em 2018, a associação que se prestou ajudar os moradores do Sin Fong Garden afirmou que as 100 milhões de patacas eram um donativo, mas agora os seus dirigentes afirmaram que sempre se tratou de empréstimo.

A comissão de gestão do condomínio do edifício Sin Fong Garden lembra que a associação “assumiu publicamente que os fundos estavam prontos a serem atribuídos”, sendo que “em 2018 foi assinado um acordo de doação de 60 por cento do montante para a reconstrução, em concordância com os pequenos proprietários”, lê-se na carta.

Foi em 2012 que se verificou que o Sin Fong Garden estava em risco de queda, tendo-se gerado, nos meses seguintes, um impasse quanto à solução a adoptar para o prédio. A reconstrução acabou por ser a solução encontrada.

“Depois do início das obras, a vossa associação afirmou que iria providenciar o financiamento de acordo com progresso do capital e das obras. A nossa comissão lamenta que, até agora, a vossa associação apenas tenha pago 5.12 milhões de patacas. Se tinham problemas financeiros quando foi assinado o acordo para a doação, em 2018, poderiam ter explicado a situação que iríamos aceitar as justificações. Afinal de contas, este montante seria um donativo concedido com boa vontade e não poderíamos insistir”, adianta a mesma carta.

À espera de aprovação

Ontem o deputado Zheng Anting não conseguiu dar certezas quanto à participação da Associação de Conterrâneos de Jiangmen na referida reunião, uma vez que o assunto está a ser discutido pela direcção.

“Contactei pessoalmente com alguns proprietários nos últimos dias e entendo que não importa se se trata de um donativo ou de um empréstimo, pois existe uma discrepância entre a actual situação e a resolução esperada pelos proprietários. Esperamos poder comunicar plenamente com os proprietários sobre a solução.”

O deputado lembrou que a associação já propôs duas alternativas para que as obras não fiquem paradas. “A pandemia e outros factores trouxeram um impacto provisório na reconstrução do edifício Sin Fong Garden, e tanto a associação como os proprietários querem uma resolução apropriada. Esperemos que o caso se resolva com sucesso e que o Sin Fong Garden seja reconstruído o mais depressa possível”, adiantou.

Questionado se este caso pode ter impacto para os deputados nas próximas eleições legislativas, Zheng Anting não deu resposta concreta. “Esperamos poder resolver o caso”, disse apenas.

9 Jul 2020

Sin Fong Garden | Proprietários têm de pagar 170 milhões para acabar obras

Sem o montante prometido pela Associação dos Conterrâneos de Jiangmen, os proprietários do edifício Sin Fong Garden terão de avançar com cerca de 170 milhões de patacas para terminar as obras de reconstrução. O montante foi ontem avançado por Wong Man Sang, presidente da comissão de gestão do condomínio do Sin Fong Garden

 

[dropcap]A[/dropcap] situação dos moradores do edifício Sin Fong Garden volta a estar complicada numa altura em que uma das entidades financiadoras das obras de reconstrução, a Associação dos Conterrâneos de Jiangmen, disse que não pode avançar com as 100 milhões de patacas prometidas.

Ontem, o presidente da comissão de gestão de condomínio do edifício Sin Fong Garden, Wong Man Sang, ligou para o programa matinal do canal chinês da Rádio Macau e garantiu que os proprietários terão de pagar 170 milhões de patacas para a conclusão das obras.

O mesmo responsável também agradeceu o contributo do empresário António Ferreira Wu, responsável pela Associação de Beneficência Tung Sin Tong. O empréstimo de 50 milhões de patacas foi decidido em 2015 e tratou-se de uma iniciativa de António Ferreira Wu e de outros empresários do ramo da construção civil para apoiar os moradores do Sin Fong Garden. Wong Man Sang adiantou ainda que, num diálogo com os proprietários, foi feito um apelo para que estes compreendam o apoio dado por António Ferreira Wu.

Emoções ao rubro

Numa reunião ocorrida no passado domingo, que serviu para debater a falta de financiamento para as obras do Sin Fong Garden, muitos proprietários exaltaram-se com a situação, tendo falado “de forma inapropriada”, conforme descreveu ontem Wong Man San no programa matinal do canal chinês da Rádio Macau. Na visão do empresário, as 50 milhões de patacas ajudaram no arranque das obras, que já tiveram algum desenvolvimento.

Wong Man San defendeu também que o comunicado pouco claro da Associação dos Conterrâneos de Jiangmen fez com que haja várias opiniões sobre este caso. Isto porque persistem agora dúvidas sobre se as 100 milhões de patacas eram efectivamente uma doação ou um empréstimo, uma vez que a Associação dos Conterrâneos de Jiangmen apresentou duas versões diferentes.

Esta segunda-feira a Associação dos Conterrâneos de Jiangmen emitiu um comunicado onde referiu que apenas pode avançar cerca de oito milhões de patacas, ao contrário das 100 milhões inicialmente prometidas, devido à crise económica causada pela pandemia da covid-19 e às “mudanças tremendas” sentidas em termos sociais e económicos nos últimos anos.

Ainda assim, a associação, que tem o deputado Mak Soi Kun como um dos vice-presidentes, explicou que pode suportar os juros do empréstimo do montante a ser pago pelos proprietários, dadas as dificuldades financeiras dos moradores. Mas a responsabilidade do capital do empréstimo fica a cargo da comissão de gestão do condomínio do edifício e os proprietários.

8 Jul 2020

Segurança nacional | MNE chinês em Macau promove debate sobre lei

A implementação da lei da segurança nacional em Hong Kong foi o tema principal de um simpósio promovido esta segunda-feira pelo Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) chinês em Macau. A comissária Shen Beili defendeu que o diploma visa manter a estabilidade e prosperidade de Hong Kong a longo prazo. Os participantes falaram da necessidade de Macau “reforçar” o diploma legal já existente

 

[dropcap]O[/dropcap] Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) da China em Macau promoveu esta segunda-feira um simpósio sobre a implementação da lei da segurança nacional em Hong Kong. Segundo um comunicado, a comissária Shen Beili defendeu que o diploma garante “a soberania nacional, a segurança e os interesses em termos de desenvolvimento” do território vizinho, e que é uma forma de assegurar “a prosperidade e estabilidade de Hong Kong a longo prazo”.

Além disso, Shen Beili defendeu que o diploma garante a estabilidade do princípio “um país, dois sistemas” e que constitui uma “forte dissuasão” dos movimentos “caóticos anti-China”, além de ser uma forma “efectiva de prevenção e de controlo dos riscos contra a segurança nacional”.

Shen Beili disse também que o novo diploma visa “preencher as lacunas legais” relativamente à segurança nacional. De frisar que, ao contrário de Macau, Hong Kong ainda não tinha regulado o artigo da Lei Básica relativo à segurança nacional.

O mesmo comunicado dá conta de que os vários académicos e especialistas presentes no simpósio referiram que Hong Kong tem agora uma “base legal suficiente” para a garantia da segurança nacional e tem em conta “a diferença entre os dois sistemas”. Tal faz com que “os direitos e as liberdades de que usufruem os residentes de Hong Kong, à luz da Lei Básica, estejam melhor protegidos”.

Responsabilidade conjunta

No mesmo simpósio, os participantes referiram ainda que o diploma da lei da segurança nacional é “um plano de longo prazo para as necessidades reais” e que a manutenção da segurança nacional deve ser “uma responsabilidade comum dos cidadãos em todo o país, incluindo Macau”.

Desta forma, a RAEM deve “continuar a reforçar as bases da lei actual e continuar a promover a lei e a melhorar os seus mecanismos”. Tudo para que haja uma “base legal mais sólida e para que se atinja o sucesso da prática de ‘um país, dois sistemas’” no território. Macau implementou a Lei relativa à defesa da segurança do Estado em 2009.

No simpósio estiveram presentes personalidades como Gabriel Tong, director da Faculdade de Direito da Universidade de Macau (UM), Ip Kuai Peng, pró-reitor da Universidade da Cidade de Macau, Choi Chi Tou, editor do jornal Ou Mun, Lam Chong, director do jornal Jornal San Wa Ou, Cheang Hong Kuong, presidente da direcção da Associação de Educação de Macau, Lok Wai Kin, professor da Faculdade de Direito da UM e Iau Teng Pio, director-adjunto da Faculdade de Direito da UM.

8 Jul 2020

Poesia | António Mil-homens lança “Poemografias” este sábado na Casa Garden 

É já no próximo sábado, dia 11, que o fotógrafo António Mil-homens lança o seu novo livro de poesia “Poemografia”, que surge numa versão trilingue, português, chinês e inglês. A obra, que conta com apresentação do ex-embaixador Carlos Frota, contém também fotografias e espelha a vivência muito própria do autor com a Macau que habita há vários anos

 

[dropcap]A[/dropcap]proveitando a viagem da sua primeira exposição de pintura, intitulada “Monochrome”, António Mil-homens prepara-se para lançar um novo livro de poesia no mesmo local onde estão expostas as obras, a Casa Garden. O evento de apresentação de “Poemografia” acontece no sábado por volta das 16h e terá como convidados o ex-embaixador Carlos Frota, além de personalidades que vão ler os poemas nas suas versões em português, chinês e inglês. A música de Fabrizio Croce irá acompanhar a leitura dos poemas. A edição do livro está a cargo do Instituto Cultural (IC).

“Poemografias” é o resultado das vivências de António Mil-homens com Macau. “É no fundo uma súmula daquilo que tenho escrito sobre Macau ao sabor da inspiração e daquilo que vou sentindo e vivenciando”, contou ao HM.

Um dos poemas retrata, por exemplo, o primeiro momento em que António Mil-homens chegou a Macau, decorria o ano de 1996. Desde aí que houve alterações na forma de escrita, precisamente devido a uma forte ligação com a cultura chinesa. “De repente ganhei consciência de que o estilo [de escrita] é mais configurativo. Se calhar o estilo de escrita dos poemas reflecte muito daquilo que em mim foi sendo inculcado pela cultura chinesa. Diria que são poemas meus, mas se calhar são muito chineses na forma como foram naturalmente escritos, sem ter tido consciência ou intenção disso.”

O autor não domina a língua chinesa, mas diz sentir-se muito ligado à cultura, sobretudo ao confucionismo e à arte chinesa. “Tenho uma enorme admiração e um profundo respeito. Não ignoro as diferenças e procuro entendê-las. É a minha postura normal relativamente a outras culturas: procurar e analisá-las sem grandes pré-concepções, porque essa é a única forma. Prefiro ter um olhar mais transparente sobre aquilo que me rodeia.”

Há uma naturalidade e sobretudo uma espontaneidade na escrita de António Mil-homens que surgiu quase sem o autor perceber como. “De repente as coisas acontecem e eu tenho necessidade de pegar numa folha de papel para registar o que me está a ocorrer. É raríssimo fazer qualquer rasura ou substituição de palavras.”

Projecto antigo

“Poemografias” começou a ser pensado em 2014, ainda Yao Jingming era vice-presidente do IC. Até que António Mil-homens decidiu que este “não seria mais um livro de poesia em português” e pagou a tradução dos poemas para chinês e inglês. A edição aconteceu o ano passado, a propósito da celebração dos 20 anos da RAEM, mas o lançamento acabou por ser adiado.

Fotógrafo há vários anos, António Mil-homens enveredou recentemente pela pintura, tendo já inclusivamente algumas ideias para uma nova exposição com quadros de maior dimensão. Sobre a escrita, diz ter recebido comentários positivos, o que lhe dá força para continuar a trabalhar em várias vertentes artísticas.

“Além de pessoalmente estar satisfeito com o projecto, sinto-me auto-gratificado. Nunca me passou pela cabeça, quando comecei a pintar, que ia sair com esta força. O retorno ou as opiniões que tenho recebido é de apreciação e de encorajamento, de pessoas a quem não perguntei nada. Ganhei uma força que não me passaria pela cabeça que acontecesse. É mesmo para continuar”, rematou.

7 Jul 2020

Jenny Guan e Sandy Sio, académicas: “Casinos estão a estender apoio às PME”

A liberalização do jogo mudou a forma como empresas e a sociedade olham para a responsabilidade social corporativa. Com a renovação das licenças de jogo no horizonte, as académicas Jenny Guan e Sandy Sio, do Instituto para a Responsabilidade Social das Organizações na Grande China em Macau, defendem que a responsabilidade social vai assumir maior peso nos concursos públicos. As académicas do Instituto para a Responsabilidade Social das Organizações na Grande China em Macau destacam que com a pandemia as empresas alteraram o paradigma de actuação na sociedade

 

 

[dropcap]Q[/dropcap]ue análise fazem à responsabilidade social corporativa (RSC) das empresas de Macau, em termos históricos?

Sandy Sio (SS) – As empresas têm-se focado na maximização de lucros e na responsabilidade de manter estabilidade de emprego para atingirem os seus objectivos. Depois da liberalização do jogo, Macau passou a atrair muito investimento estrangeiro com a introdução de operadoras de jogo internacionais e outras operações nas áreas financeira, construção civil, imobiliário e turismo. Com os negócios veio também uma grande comunidade de expatriados. A diversidade demográfica e das estruturas dos negócios fez com que as empresas de Macau tivessem de preencher necessidades de uma população maior e mais variada. A actual geração de gestores está mais sensibilizada para as medidas internacionais de RSC, e as empresas procuram promover os esforços socioeconómicos que fazem junto da sociedade de uma maneira mais eficiente e visível.

Como funcionavam as empresas, ao nível da RSC, antes da liberalização do jogo?

SS – Devido à restrição de recursos públicos no tempo da Administração portuguesa, o Governo estava dependente da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) e de algumas empresas estatais chinesas para assumir responsabilidades nos cuidados providenciados à comunidade de Macau e no investimento em várias infra-estruturas públicas e serviços. Esse foi o padrão até agora. Quando as empresas de Macau possuem recursos relativamente abundantes, nomeadamente os casinos e empresas estatais chinesas, partilham responsabilidades sociais com o Governo. É uma consequência dessa ligação histórica.

A chegada dos casinos norte-americanos mudou o panorama da RSC em Macau?

SS – As empresas americanas introduziram novos modelos de negócio como reuniões integradas, convenções, centros comerciais e entretenimento nas operações dos casinos, o que levou ao investimento de larga-escala. Além disso, as seis operadoras de jogo listaram-se na bolsa de Hong Kong em finais do ano 2000 para procurar mais capital para a construção e operação dos resorts integrados. A transformação da indústria do jogo, de casinos satélite para resorts integrados, constituiu uma enorme mudança na economia de Macau e no ambiente social. Com a presença em bolsa, estas empresas passaram a estar sujeitos a regras mais rigorosas em termos ambientais, sociais e de governança por parte de órgãos reguladores exteriores a Macau. As empresas americanas adoptaram padrões internacionais de RSC que também foram implementados nos seus negócios em Macau, o que resultou no aumento da consciência face às dimensões económica, ambiental e social da RSC.

A RSC é importante para haver maior aceitação social do jogo em Macau?

Jenny Guan (JG) – Mais do que afirmar que a sociedade deveria aceitar mais a indústria do jogo graças à adopção da RSC, e independentemente das expectativas do Governo ou da questão da legitimidade, a RSC deveria ser um requisito assegurado pela indústria do jogo. Isto para manter o “contrato social” que prova que as suas operações são legítimas e que trazem um novo e positivo impacto à sociedade. Além disso, algumas acções de RSC são determinadas, em grande parte, pelas características de operação das empresas, estando mais alinhadas com as práticas sociais das empresas do que com a responsabilidade dessas para obter uma identidade social.

Como por exemplo?

JG – Em termos de recursos humanos está implementado um sistema de protecção dos trabalhadores locais e as empresas de jogo providenciam mais formação e educação contínua para os residentes empregados. Isto contribui para a melhoria do nível de educação em Macau. Além disso, uma vez que as empresas de jogo adoptam padrões internacionais de qualidade, muitos seminários e formações dados aos locais ajudam as pequenas e médias empresas (PME) a melhorar a qualidade geral do seu produto e serviço.

A pandemia alterou os padrões da RSC nas empresas de Macau nos últimos meses?

SS – Antes da pandemia, muitos gestores viam a RCS como instrumento de relações públicas ou marketing para “decorar” uma imagem positiva das empresas. Contudo, em tempos de crise, muitos líderes têm apelado a respostas socialmente responsáveis do sector privado para ajudar a recuperar a economia e as actividades sociais junto da comunidade. O Governo de Macau também adoptou medidas, incluindo o encerramento dos casinos durante 15 dias e apoios à economia local. O Chefe do Executivo defendeu, numa conferência de imprensa, que os operadores de jogo deveriam contribuir para a sociedade. Notamos que as empresas e os casinos estão a responder mais aos apelos do Governo para aumentar as medidas de RSC.

Qual deve ser o papel do Governo no que diz respeito à RSC de empresas e casinos?

JG – Pode assumir a liderança da promoção de medidas de RSC nas empresas públicas e privadas, incluindo criar um quadro regulatório para alguns sectores, tal como a indústria do jogo e os serviços que operam sob concessões públicas. O Governo acaba por promover indirectamente o conceito e as medidas da RSC, que são, em primeiro lugar, inseridas nas funções governamentais e que depois se estendem às comunidades locais e aos sectores económicos. A garantia da saúde e do bem-estar em todas as idades e da educação de qualidade, bem como a promoção da aprendizagem ao longo da vida, são disso exemplos.

As medidas de RSC nos casinos podem mudar no futuro, com maior aposta nas PME, por exemplo?

SS – Vemos que há tendência dos operadores de jogo de aumentar a proporção de adjudicações a PME locais e a fomentar parcerias. Os casinos estão a esforçar-se para estender o apoio às PME através de colaborações intensivas, que tenham impacto económico positivo.

Acreditam que a RSC pode assumir um papel importante na revisão dos contratos de jogo?

JG – Sem dúvida [que vai ter um papel importante]. Especialmente quando Ho Iat Seng defendeu que as operadoras de jogo devem assumir acções de RSC “genuínas”. Depois desse alerta vários académicos e associações não governamentais defenderam que as acções de RSC deveriam estar estipuladas nos futuros contratos de concessão. Também é defendido que as acções das operadoras sejam tidas em conta aquando da realização dos concursos públicos para as novas licenças. Como se espera que o jogo seja o maior sector económico depois da revisão dos contratos, pensamos que o Governo, enquanto regulador, e os casinos, enquanto agentes do sector, devem colocar a RSC como uma grande prioridade na revisão dos contratos.

De que forma isso pode ser feito?

JG – A fim de maximizar a segurança social dos residentes e os custos sociais das operações de jogo, o Governo deve considerar o histórico da performance de RSC das operadoras que concorrerem a novas licenças. Entretanto, o Governo pode ter um papel proactivo para definir futuras obrigações.

É possível comparar o panorama de RSC das empresas de Macau e de Hong Kong?

SS – Desde 2000 que em Hong Kong se promove a RSC enquanto prática regular das empresas. Foi implementada, em 2014, uma nova ordem que decreta que devem incluir nos relatórios anuais as políticas ambientais adoptadas, bem como as relações com empregados, clientes ou fornecedores. Além disso o Hang Seng Índex lançou o Hang Seng Corporate Sustainability Index em 2010, além de ter sido lançado o Environmental, Social and Governance Reporting Guide em 2016. Neste sentido, as empresas de Hong Kong estão sujeitas a maiores obrigações em termos de performance e de divulgação dos resultados das medidas de RSC.

Em Macau há, portanto, menos regulação?

SS – Comparando com Hong Kong, o reconhecimento do público das medidas de RSC para as empresas de Macau parece estar num nível inferior. Além disso, as empresas de Macau devem melhorar a forma de comunicar as regulações a que estão sujeitas. Com estas medidas acreditamos que as contribuições de RSC das empresas locais podem ser mais reconhecidas e satisfaçam duplamente a entidade reguladora e a comunidade.

Macau faz parte do projecto da Grande Baía. Isso vai ter impacto ao nível da RSC?

JG – Nesse âmbito, o posicionamento de Macau é diferente de Hong Kong. As responsabilidades sociais das empresas de Macau não devem apenas estar de acordo com os requisitos legais do continente, mas também respeitar a direcção do desenvolvimento de Macau, tal como a diversificação económica ou a construção de um centro mundial de turismo e lazer. Além disso, as empresas de Macau necessitam de reforçar a consciência em matéria de RSC a fim de respeitar padrões internacionais em termos de fornecimento e procura de produtos e serviços para países inseridos no projecto “Uma Faixa, Uma Rota.

7 Jul 2020

“Soft and Weak Companions of Life” | Exposição de Zheng Bo em Portugal aborda relações entre o homem e as plantas

Zheng Bo, nascido na China, com formação académica feita nos EUA e actualmente a residir em Hong Kong, é um artista que olha para lugar que as plantas ocupam na sociedade, criando nos seus trabalhos uma relação com o ser humano, onde o sexo e a intimidade desempenham um papel importante. Pela primeira vez Zheng Bo expõe em Lisboa, Portugal, numa mostra intitulada “The Soft and Weak are Companions of Life 柔弱者生之”

 

[dropcap]A[/dropcap] galeria Kunsthalle Lissabon, em Lisboa, apresenta, até 29 de Agosto, a primeira exposição de Zheng Bo, artista natural da China actualmente a residir em Hong Kong. A mostra tem como nome “The Soft and Weak Are Companions of Life” e é composta por desenhos e vídeos que expressam o lugar das plantas nas sociedades contemporâneas e a sua relação com os seres humanos.

Zheng Bo trabalha muito com a ideia de que o ser humano desconhece quase por completo os habitats naturais que existem à sua volta, o que leva ao conceito de “plantas marginalizadas”. Além disso, “insistindo na ideia de intimidade, o artista dá-nos um exemplo de uma possível relação entre humanos e o mundo vegetal, derrubando, nesse processo, a visão antropocêntrica que temos da natureza”.

Nesta relação entram temáticas como a sexualidade e a intimidade, como se corpos humanos se pudessem fundir com as plantas, uma vez que estas “representam também o negligenciado e o queer num entendimento estandardizado do binário natureza-cultura, apontando, dessa maneira, a necessidade urgente de expandir as nossas noções de relações interespécies, comunidades e contra- públicos”.

Em Lisboa, o público poderá ver desenhos, uma das primeiras paixões de Zheng Bo, numa colecção intitulada “Drawing Life”. “Quando era criança interessava-me em desenhar pessoas. Depois, quando fui para os EUA, comecei a estudar arte de forma mais séria e comecei a pintar retratos”, contou ao HM.

A exposição contém também uma série de vídeos, intitulada “Pteridophilia”, que retrata corpos de jovens nus numa floresta em Taiwan, onde se espelha essa relação mais íntima que o ser humano pode ter com as plantas. “Os homens criam e mantêm relações emocionais e físicas com as plantas: lambem-nas, envolvem-nas, acariciam-nas, mordem-nas, comem-nas e têm relações sexuais com elas, mostrando-nos um número infinito de possibilidades de intimidade vegetal-humana.”

Aqui entra a questão da ética, da controvérsia. Em “Pteridophilia”, o artista revela que “estava interessado na ideia de intimidade”. “A maior parte das pessoas não são muito próximas de plantas, então ter sexo com elas é uma das formas para levar as pessoas a estarem mais próximas das plantas. Claro que também levanta questões éticas e morais, porque quando falamos de sexo estas questões surgem sempre”, contou.

Não que isso o preocupe, conforme revelou ao HM. “Não penso sobre isso, sou um artista, e o meu papel é olhar para o mundo e encontrar maneiras de experimentar e de me expressar. Não antecipo a controvérsia. Mas claro que o trabalho foi controverso há alguns anos, mas não perco tempo a pensar nisso. Não é um problema para mim.”

O nome da exposição é uma frase do capítulo 76 do Dao De Jing, o texto taoísta escrito no século IV ac em chinês clássico e que, dada a sua complexidade, está aberto a uma infinidade de interpretações.

“Neste vasto horizonte de alternativas, Zheng Bo, com os seus vídeos, as suas taxonomias e a sua filosofia, apresenta-nos a possibilidade de repensar todo o sistema humano que visa a categorização do conhecimento sobre a natureza, convidando-nos a articular todos os elementos que temos ao nosso redor, encontrando todas as diferentes combinações e optimizando todas as potencialidades inerentes a plantas e humanos.”

A bela Hong Kong

Zheng Bo saiu de Pequim para estudar arte nos EUA, e quando foi para Hong Kong começou por ter um trabalho antes de se tornar artista a tempo inteiro. A paixão pelo desenho sempre lá esteve, até que o convite para realizar um projecto em Xangai o fez perceber o dinamismo e a beleza das plantas. Desde aí, que estas constituem o foco principal do seu trabalho.

O artista olha para as questões ambientais contemporâneas e reflecte sobre elas. “Interessa-me a política no sentido de perceber como é a nossa relação com o planeta. Sou menos interessado na natureza da política, e penso que estamos a vivenciar uma crise ecológica, com alterações climáticas extremas e com uma pandemia, que é parte desta crise.

A residir em Lantau, Zheng Bo lamenta que a sociedade de Hong Kong esteja, muitas vezes, divorciada do seu próprio meio-ambiente. “Há uma grande área de natureza preservada, Hong Kong é um bom exemplo em termos da preservação de plantas. Há mais de três mil espécies, mas, pela minha experiência, muitas das pessoas não percebem que Hong Kong é um sítio muito bonito. A maior parte das pessoas pensam no território como sendo um centro financeiro e um sítio para fazer compras, e fico surpreendido quando vejo que muitas pessoas não sabem sequer onde nadar, uma vez que estamos junto ao mar. Há mais pessoas a fazer caminhadas e a ir à praia, mas em termos culturais podemos mudar e começar a ver Hong Kong como um sítio onde se podem observar plantas.”

Parte da exposição em Lisboa resulta de passeios diários por Lantau, uma vez que Zheng Bo se dedica a olhar as plantas que rodeiam a sua casa e a dar-lhes um nome, além de as desenhar. Numa altura em que está impedido de viajar, devido à pandemia da covid-19, esse tem sido o seu trabalho mais regular.

Influência ocidental

Zheng Bo, que nunca esteve em Lisboa ou em Portugal, confessa que gostaria de visitar a sua própria exposição, uma vez que essa viagem iria constituir “uma boa oportunidade para conhecer os artistas locais, porque sei que há muitos artistas europeus a mudarem-se para Lisboa, de Berlim e outros locais”.

O artista diz-se muito mais próximo da cultura ocidental, devido à sua experiência de vida. “Estudei nos EUA e, na verdade, estou mais familiarizado com o meio artístico ocidental do que com o chinês. Só agora é que gradualmente vou aprendendo mais sobre o panorama cultural chinês porque tenho interesse nisso. Fiz uma residência artística em Paris durante três meses, em 2016, e este ano deveria ter estado 9 meses em Berlim. Penso que recebo mais convites da Europa do que de outras partes do mundo, pelo menos neste momento.”

Expor em Lisboa é, para Zheng Bo “uma experiência muito diferente”. Questionado sobre Macau, Zheng Bo diz nunca ter feito nenhuma exposição no território. “Nunca recebi convites, e normalmente trabalho mais por convite”, disse apenas.

6 Jul 2020