Andreia Sofia Silva PolíticaPonte HKZM | Si Ka Lon questiona ausência de planos para sector logístico [dropcap]O[/dropcap]deputado Si Ka Lon fez esta tarde queixas na Assembleia Legislativa (AL) sobre o facto do Governo não ter ainda apresentado planos para a utilização da nova ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau por parte do sector logístico. “Hong Kong já tem projectos de desenvolvimento para o sector da logística, mas em relação a Macau, ainda nada se ouviu”, começou por dizer, no período de interpelações antes da ordem do dia. “Segundo os dados mais recentes dos Serviços de Alfândega, ainda não há transporte de mercadorias através da Ponte, e segundo o sector da logística, é provável que, com a sua entrada em funcionamento, haja mudanças na principal forma de ligação a Hong Kong, ou seja, no transporte marítimo, que venha a aumentar a integração do sector da logística de Macau no desenvolvimento da Grande Baía e que se criem novas fontes de abastecimento”, acrescentou. O deputado fala também das vantagens desta travessia para o sector. “A ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau pode reduzir os custos de transporte do sector logístico de Macau, abrir novos mercados e evitar a sua marginalização. No entanto, as zonas de tomada e largada de passageiros e as zonas de carga e descarga de mercadorias ao redor dos postos fronteiriços ainda não foram utilizadas.” Nesse sentido, “o Governo deve manter a comunicação com o sector, estudando a abertura gradual da ponte ao transporte de mercadorias, para que o sector possa integrar-se no desenvolvimento da Grande Baía”. O deputado defendeu também uma forma mais flexível para a atribuição de quotas para a circulação na nova ponte. “Neste momento, as quotas para veículos particulares já atingiram 600 em Macau e 300 em Hong Kong. Para reforçar a utilização da ponte, o Governo deve estudar com Hong Kong a possibilidade de flexibilizar o regime de quotas a título experimental, podendo, numa primeira fase, atribuir 300, no sentido de permitir a apresentação imediata do pedido, a verificação dos resultados e posteriores ajustamentos, de modo a elevar a eficácia.”
Andreia Sofia Silva PolíticaFunção pública | Mak Soi Kun sugere criação do Prémio Caracol e Cavalo [dropcap]O[/dropcap]deputado Mak Soi Kun defendeu esta tarde na Assembleia Legislativa (AL) que o Governo deveria criar prémios especiais na Função Pública para aqueles que trabalham de forma lenta ou rápida. “Segundo as sugestões dos cidadãos, o Governo deve rever a eficiência administrativa, ponderar sobre a criação de um regime de prémios e sanções, e aprender com as cidades e províncias do Interior da China, por exemplo atribuir o Prémio Caracol e chamar à atenção dos que trabalham devagar ou não trabalham, e atribuir o Prémio Cavalo aos que fazem bem o seu trabalho”, defendeu. “Estabelecendo a comparação com a imagem do búfalo e do cavalo de boa raça, o caracol está sempre associado à lentidão. Algumas entidades (na China) foram premiadas e as responsabilidades foram efectivadas, e muitas entidades locais, inspiradas pelo referido prémio, atribuem o “prémio de cavalo de boa raça” aos trabalhadores aplicados e pragmáticos, e o “prémio ouriço” e o “prémio avestruz às pessoas com má atitude no trabalho”, explicou. Na sua visão, o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) poderia ganhar o Prémio Cavalo. “Alguns cidadãos disseram que se o Governo aceitar esta proposta, o IAM será eficiente e o seu desempenho positivo, merecendo então o nosso elogio”, apontou. O deputado disse, contudo, que “estas designações podem ser definidas pelo Governo ou pelos cidadãos através de votação, para que estes sintam a determinação do Governo em governar para o povo, e para elevar a eficiência e prestígio do Governo”.
Hoje Macau China / ÁsiaAustrália admite falhas que levaram à detenção do ex-futebolista do Bahrein na Tailândia [dropcap]A[/dropcap]s autoridades australianas admitiram falhas que contribuíram para a detenção do ex-futebolista do Bahrein Hakeem Ali al-Araibi, que passou mais de dois meses detido na Tailândia devido a um pedido de extradição do seu país. “Está claro que ocorreu um erro humano dentro do processo da ABF (Força Australiana de Fronteiras)”, disse, na segunda-feira, o chefe deste organismo, Michael Outram, perante um comité do Senado, em declarações recolhidas pela agência noticiosa Associated Press. O mesmo responsável explicou que a ABF não informou a Polícia Federal e o Ministério do Interior australianos que Al-Araibi beneficiava do estatuto de refugiado na Austrália. Hakeem Ali Al-Araibi, de 25 anos, foi detido no dia 27 de Novembro quando se encontrava em lua-de-mel na Tailândia, na sequência de um alerta da Interpol solicitado pelo Bahrein. A ordem foi cancelada dias depois, já que violava a regra da Interpol que dita que o país de origem de um refugiado não pode emitir tais alertas. A Tailândia, contudo, manteve o jogador sob detenção com o argumento de que o Bahrein já tinha pedido a extradição. O futebolista foi condenado à revelia a dez anos de prisão pelo tribunal do Bahrein, acusado de danificar uma esquadra da polícia em 2012, durante protestos à margem da “Primavera Árabe”, acusação que negou sempre. Al-Araibi regressou a Melbourne na semana passada.
Hoje Macau China / ÁsiaNova ronda de negociações EUA/China arranca esta semana em Washington [dropcap]O[/dropcap]vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, vai estar em Washington entre quinta e sexta-feira para uma nova ronda de negociações comerciais, anunciou hoje o Ministério do Comércio chinês. O responsável vai reunir-se, mais uma vez, com o representante do Comércio norte-americano, Robert Lighthizer, e o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, de acordo com uma breve nota publicada no ‘site’ oficial do Ministério. Liu He já liderou a delegação chinesa que viajou para Washington no final de Janeiro, altura em que se reuniu com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Esta será a quarta ronda de negociações de alto nível entre as duas partes, que vai terminar a apenas uma semana do prazo acordado para a assinatura de um pacto final, em 1 de Março. Embora os meios de comunicação oficiais chineses tenham abordado “avanços importantes” durante a última ronda de negociações, que terminou na passada sexta-feira, em Pequim, nenhum resultado concreto foi alcançado até ao momento. Trump e o Presidente chinês, Xi Jinping, concordaram uma trégua de 90 dias em 1 de Dezembro de 2018, o que significou a suspensão temporária do aumento de 10% a 25% nas tarifas norte-americanas sobre produtos chineses no valor de 200 mil milhões de dólares.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTratado de extradição I [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 13, o Gabinete de Segurança do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Legislativo no sentido de criar uma emenda à Ordenança de Assistência Jurídica Mútua para Assuntos Criminais e também à legislação que regula a situação de criminosos internacionais em fuga. O documento refere-se especificamente a um caso de assassínio em Taiwan, que ocorreu em Fevereiro do ano passado. Pan Xiaoying, uma jovem de 20 anos, residente em Hong Kong, viajou para Taiwan a 8 de Fevereiro de 2018. A ideia era ficar alguns dias com o namorado, Chen Tongjia, de 19 anos, para celebrarem o Dia dos Namorados. Entraram em Taiwan por Kaohsiung e registaram-se num Hotel, em Taipei, a 13 de Fevereiro. Durante este período, Chen teve indícios de que a namorada lhe era infiel e que estava grávida de três meses, de outro homem. Suspeita-se que nessa altura tenha morto Pan e escondido o corpo numa mala. As câmaras do hotel mostram que na manhã de 17 de Fevereiro, Chen saiu do hotel com uma grande mala cor de rosa. Apanhou o metro na estação de Zhuyuan, em seguida abandonou o corpo e regressou a Hong Kong. Quando o pai de Pan percebeu que a filha não tinha voltado alertou a Polícia de Hong Kong e de Taiwan. Os agentes de Hong Kong descobriram que o cartão de crédito de Pan tinha sido roubado e prenderam Chen. A 13 de Março, a polícia de Taiwan encontrou o corpo de Pan. A 16 de Março, o Delegado Público do Distrito de Shilin, Taiwan, emitiu um pedido de Assistência Jurídica Mútua, para Hong Kong, para que o suspeito fosse enviado para Taiwan para ser julgado. No entanto, as autoridades de Hong Kong não deram andamento ao pedido. Qiu Zhihong, porta-voz da Procuradoria do Distrito de Shilin, comunicou em Julho de 2018, que o Departamento Jurídico de Taiwan tinha feito um pedido de extradição: “Espero que o Governo de Hong Kong envie o suspeito para Taiwan para vir a responder perante a Justiça.” Qiu Zhihong tem esperança que o Governo de Hong Kong possa vir a criar emendas a esta lei. Embora o suspeito seja natural de Hong Kong, o crime aconteceu em Taiwan e é lá que ficaram as provas. As brechas legais provocadas por crimes de natureza internacional são uma vergonha que afecta todos os povos. As Leis Básicas de Hong Kong e de Macau regulam sobre a Assistência Jurídica Mútua e sobre a fuga de criminosos internacionais. O Artigo 93 da Lei Básica de Macau estipula: “A Região Administrativa Especial de Macau pode, após consulta aos orgãos jurídicos de outras partes do País, conduzir contactos judiciais e prestar Assistência Mútua, de acordo com a lei.” O Artigo 94 estipula: “Com o apoio e autorização do Governo Central do Povo, a Região Administrativa Especial de Macau pode tomar as medidas apropriadas para prestar Assistência Jurídica Mútua a países estrangeiros.” Em Hong Kong, a Lei Básica estipula princípios semelhantes nos Artigos 95 e 96. Para lá do âmbito da Lei Básica, Hong Kong lida principalmente com a extradição de fugitivos estrangeiros ao abrigo da Ordenança para Criminosos em Fuga e da Lei da Assistência Mútua para Assuntos Criminais. A Ordenança para Criminosos em Fuga entrou em vigor a 25 de Abril de de 1997, e estipula: 1. A extradição é pedida pela Acusação, e / ou 2. Se o sujeito já foi condenado e será feita para locais fora de Hong Kong com os quais exista acordo de extradição. A Ordenança de Assistência Mútua para Assuntos Criminais estipula as medidas de Assistência que Hong Kong deve tomar para investigar e levantar processos de acusação a pessoas que se encontrem fora do seu território. A assistência engloba a recolha de provas, investigação, detenção, entrega de materiais, convocação de testemunhas, etc. Até à presente data, Hong Kong assinou acordos de assistência com 30 jurisdições, assinou acordos de detenção com 19 jurisdições, e acordos de extradição com 15. No entanto, sem um tratado de extradição é impossível a entrega de criminosos internacionais aos países que os reclamam. Na próxima semana iremos continuar a analisar este tema e a ver como as emendas à lei poderão afectar Macau e Taiwan.
Sérgio Fonseca DesportoAutomobilismo | Filipe Souza com projectos aliciantes para este ano [dropcap]O[/dropcap]s anos passam mas Filipe Souza não tem qualquer intenção de desacelerar em 2019. Bem pelo contrário, o experiente piloto de carros de turismo de Macau vai apostar em várias frentes esta época, num ano em que espera colocar ao dispor dos mais novos a experiência acumulada ao longo de temporadas a fio nos desportos motorizados. Consciente que cada vez são mais as dificuldades que os jovens pilotos encontram ao entrar neste desporto tão restrito, o piloto de 42 anos, que deu os primeiros passos no automobilismo local como comissário de pista no Grande Prémio, vai dar a mão a um grupo de pilotos com menor experiência. “Neste momento estou a colaborar com três pilotos e estou interessado em ajudar mais pilotos de Macau que queiram iniciar-se nas corridas”, desvendou Filipe Souza ao HM. O piloto da RAEM não esconde que estes “têm que demonstrar coragem, que acima de tudo estão empenhados em ganhar e que levam a sério o automobilismo”. O experimentado piloto macaense não pretende “ganhar dinheiro” com esta iniciativa, mas sim concretizar “o sonho de levar mais pilotos de Macau a corridas internacionais.” O vencedor do Troféu Asiático do WTCC em 2014 está já a trabalhar com Ryan Wong e Kevin Lam, dois pilotos de Macau que estão a dar os primeiros passos neste desporto. Duas hipóteses Sobre a temporada de 2019, Souza tem várias propostas em mão, incluindo um aliciante desafio para correr no Campeonato da China de GT, mas a única certeza que tem é que deverá disputar os dois “Festivais de Corrida de Macau” no Circuito de Zhuhai. Contudo, desta vez Souza irá ceder o volante do seu habitual Chevrolet Cruze 1.6T e deverá competir com um Audi RS 3 LMS TCR na categoria “AAMC Challenge 1950cc ou Superior” (anteriormente designada como Roadsport Challenge), pois “o dono do carro deposita muita confiança em mim”, podendo assim somar importantes quilómetros num carro que poderá conduzir em Novembro na prova da Taça do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCR) no Circuito da Guia. Por outro lado, o pluri-vencedor da categoria “AAMC Challenge 1.6 Turbo” não esconde que “também gostaria de experimentar o GT4. Já testei o BMW M4 GT4, mas acho que a caixa-de-velocidades fica aquém daquela do Audi e do Mercedes AMG, dois carros que gostaria de testar.” A categoria GT4 fará parte do recém-nascido Campeonato de Hong Kong de GT, uma competição a organizar pela empresa responsável por levar a Taça Lotus ao Grande Prémio de Macau e que deverá ter uma designação diferente para englobar os interesses da Grande Baía. Projecto “TCR Spa 500” A maior novidade no calendário desportivo de Souza poderá estar no continente europeu. O piloto macaense está empenhado em participar na primeira corrida de resistência reservada apenas a viaturas TCR que terá lugar de 4 a 6 de Outubro no circuito belga de Spa-Francorchamps. Esta prova co-organizada pela WSC, a empresa que tem os direitos do TCR, será composta por 500 voltas ao lendário circuito de sete quilómetros. “A ideia é levar uma equipa de quatro pilotos só de Macau. Neste momento só falta confirmar um elemento”, aclarou Souza que irá recorrer aos serviços de uma equipa europeia para assistência da viatura a designar. O projecto deverá ser confirmado no início do próximo mês.
António de Castro Caeiro Filosofia a pés juntos h | Artes, Letras e IdeiasII O espanto [dropcap]U[/dropcap]m dos problemas postos no interior da actividade filosófica, da acção do filosofar, é o da motivação, o da fundamentação complexa que desencadeia o filosofar. Tanto mais assim que toda a filosofia procura a transparência relativamente ao seu próprio acontecimento. A obtenção de transparência relativamente a si próprio enquanto filósofo procura sempre obter inteligibilidade sobre esta possibilidade humana. A hipótese com que sempre nos teremos que ver a respeito da filosofia é a de que lhe corresponde um modo inteira e radicalmente diferente de vivermos a nossa vida com os outros no mundo. Isto é, o modo como habitualmente nos encontramos depostos nas coisas, a maneira como nos relacionamos com os outros, a forma como damos conta de nós próprios, pode ser diferente. Para que esta hipótese não seja académica e afastada da nossa realidade, tem de se perseguir vestígios da possibilidade de haver um mundo diferente daquele em que vivemos, de o mundo poder apresentar-se, se não, como é em si, pelo menos numa apresentação diferente daquela de que ele se reveste, que nós próprios podemos ser diferentes, outros, irreconhecíveis para nós tal como somos, que os outros também nos podem aparecer sob uma outra luz completamente diferente. Uma coisa é certa. É extraordinariamente difícil abrir mão do preconceito fundamental que nos faz aderir à compreensão que temos das coisas, na verdade, que a nossa compreensão nos permite interpretar as coisas tais como elas são em si, impermeáveis a qualquer tonalidade privada e subjectiva. O primeiro passo é o da auscultação da diferença. Como perceber que a interpretação do mundo de coisas e dos mundos que são os outros bem como do nosso próprio mundo enquanto a vida que é é a que temos é precisamente a nossa interpretação. De uma forma mais precisa: a minha interpretação. Sou eu o agente e o protagonista da vida. És tu o agente e protagonista da tua vida. É ela e ele o protagonista da vida dela e da vida dele. Somos nós, sois vós, os protagonistas das nossas, vossas vidas e eles das vidas deles. Os gregos encontraram no espanto a possibilidade concreta de encarar a sério a possibilidade de as coisas não serem como nos aparecem ou como nos parecem ser. A palavra thayma descreve um objecto espantoso, uma experiência espantosa, uma afectação que provoca um estado mental de espanto. A palavra exprime um sentido que excede o conteúdo do objecto enquanto tal. O que é espantoso no objecto não é, a bem dizer, nada. É o modo como se dá a ver, como se apresenta, como nos afecta que é espantoso, agente provocador de espanto, o próprio resultado de espanto. A par da palavra espanto, pasmo, encontramos as palavras admirável. admiração, admirador, maravilhoso, maravilha, emaravilhamento, maravilhado. A experiência do espanto, do espantar-se com algo ou alguém e até o ficar espantado consigo é complexa. Há dois vectores afectivos que podemos determinar. Por um lado, produz-se uma atração na direcção do que provoca espanto. Queremos olhar para o espantoso, o que está presente no étimo de admirar: mirar, olhar para. Por outro lado e pelo contrário, espanta, põe em fuga, desperta aversão ou um respeito que não nos deixar encarar olhos nos olhos nem arostar com o que é espantoso. Fazemos uma experiência de perplexidade. Por um lado de emaravilhamento e por outro de espanto em sentido estrito. Um pode ser preponderante em relação ao outro, pode haver sensações sucessivas dos dois sentimentos, pode dar a sensação que maravilha e espanto estão a acontecer ao mesmo tempo. Todas as coisas maravilhosas do mundo vinculam-nos num olhar para as ver e estar a ver. Todas as coisas espantosas do mundo podem ser medonhas e terríveis. Metem medo, receio, terror e horror. Podemos perceber que a experiência implica objectos que são assim caracterizados: a beleza de uma pessoa, a linha do horizonte, o Atlântico, o pôr do sol, o cume de uma montanha, o jogo da luz a criar as luminosidades do dia, as estações do ano, etc., etc.. Há também coisas que metem medo: o olhar frio do assassino, o poder demolidor de um exército, de catástrofes naturais, tsunamis, incêndios, desastres. Há coisas que são dignas de admiração tal como pessoas. Há coisas e pessoas que espalham o terror. Em qualquer dos casos e qualquer que seja a combinação entre as disposições que são despertas em nós, fazemos a experiência de perplexidade, somos acordados violentamente do sono quotidiano, do modo como nos encontramos habitual e normalmente. É o que acontece no fenómeno da paixão, da “filia”, da obsessão compulsiva com um determinado objecto, na relação perplexa com um conteúdo erótico no sentido mais lato do termo, com aquilo que mexe connosco, de que gostamos muito, que constitui a nossa identidade. Na paixão, sentimos uma invasão total, avassaladora, com a presença de alguém, que muda simplesmente a nossa vida. Mas não se trata apenas da alteração do estado da consciência provocado pelo amor erótico ou pela amizade profunda e amor que sentimos por pessoas. A alteração provocada pelo estado de paixão pode ter como objecto a ciência, a arte, a religião, tudo aquilo a que nos dedicamos, as nossas devoções, o que nós somos e o que nós fazemos. Tudo pode resultar de uma espécie de entusiasmo, uma invasão do divino em nós, que permite escutar o que as musas têm para dizer e que o dizem como se estivessem a ditar o que temos para escrever. É como se sentíssemos a inspiração que “sopra” uma brisa ou um vento que cria uma dimensão diferente daquela em que habitualmente nos encontramos. O que sucede nestas variações disposicionais complexas é a criação de mundos paralelos que estavam adormecidos que eram como se não existissem e passam a ser despertos, mantidos acordados. E nós transformamo-nos para podermos habitar esses mundos e existir nessas outras formas de vida. Há uma metamorfose do objecto e uma metamorfose dos próprios. O músico é diferente quando vai de pagar impostos e quando está tomado de um transe inspirador que o transporta para a dimensão intrínseca do horizonte musical. O mesmo se passa com o actor, com o pintor, o escultor, o escritor, o poeta, o sacerdote e o professor. Temos estado a referir experiências radicais, recalcitrantes, que testemunham a diferença entre a vida de todos os dias de que não despegamos ou que não nos demite e uma outra possibilidade de vida mais intensa, radical, que depende da existência de inspiração, entusiasmo, espanto, admiração, respeito, interesse. O espanto filosófico é, contudo, diferente. Ou antes assume um rosto diferente também. Não é apenas o episódico e o extraordinário que permite compreender a diferença entre o mundo criado pelo entusiasmo e o mundo sem entusiasmo. O destino da filosofia está em compreender que os maiores problemas se encontram depositados nas coisas mais banais e aparentemente triviais. O espanto não é com o diferente é com o igual. Como é que a mesma coisa, a mesma pessoa, nós próprios, tudo é o mesmo objectiva e realmente e, contudo, completamente diferente, tudo pode ser completamente diferente. Podemos apaixonar-nos por uma pessoa que nunca vimos, como por actividades de que não tínhamos nunca feito a experiência. Mas podemos também ver uma pessoas 2000 mil vezes e apaixonar-nos por essa pessoa à bilionésima primeira vez. Podemos dar conta da maravilha daquilo a que nos dedicamos e do que propriamente fazemos, décadas depois de o termos iniciado, já estafados e sem o entusiasmo sequer de principiante. Aristóteles dizia que era espantosa a incomensurabilidade do triângulo, as fases da lua, os eclipses do sol e da lua. Mas mais espantoso é isso ser espantoso, porque é assim que esses fenómenos extraordinários são. Mas tudo é extraordinário. Estar vivo e ser é espantoso porque há ser e não nada, estamos vivos e não se dá o caso de estarmos mortos. Espantoso são todos os objectos, todas as coisas, todas as pessoas por que sob plano de fundo existe o horizonte relativamente ao qual tudo é forma, no qual tudo está distribuído numa coexistência de sequências temporais que entroncam num mesmo e único tempo que se está a fazer ao mesmo tempo que ele próprio passa e com ele todos os conteúdos que são no seu todo.
Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasOvídio – Uma arte de amar [dropcap]O[/dropcap]tema eterno torna-se agora bastante desertificador. Até porque o amor enquanto ideia é o elo transformador mais profundo da consciência humana, aquele que proporcionou na espécie a estrutura do fenómeno da transcendência. Elevá-lo à categoria de arte foi sem dúvida a tarefa mais feliz da Humanidade e é preciso ir mais longe para buscar a sua excepção e uma maior mestria, igualdade e contemplação, dado que os séculos posteriores embora ricos da sua seiva não correspondem a uma linguagem entre pares na sua forma comum. Heróides dá-nos sobejamente a ver que longe do amor épico pela voz do conquistador existe o diálogo amoroso do entendimento feminino que nunca ocultou o fracasso e a desdita da tormenta, num diálogo poético que faz do tema um estreitar entre pares. Ora estamos aqui na presença de mulheres que numa intervenção linguística se expressam com e para o amado, e onde se acrescenta formas literárias novas, participações sem as quais o amor na sua totalidade parece ferido no seu receptáculo. Elas estão na posse da chave do entendimento completo redobrando de efeitos perante as graduações de intensidade. Ovídio conseguiu reunir todos os géneros e mostrar na sua base elegíaca um tema que se aperfeiçoa da sua própria matéria. O amor descarta assim o seu aspecto de função e passa a trilhar o caminho da busca espiritual, o que encaminha o ser para novos atractivos, numa busca sedutora e civilizada que contribuiu para “secar o pântano” do instinto como guia. E talvez não seja por demais lembrar a frase poética e enigmática do próprio Camões: “…vereis pois, que quanto mais amor tiverdes tereis o entendimento de meus versos”. O amor entendível não é o amor partilhado, mas aquele que se alcança por evolução da mente que busca na sua génese qualquer coisa muito para além daquilo com que se factualiza. O nosso tempo é falho daquela memória onde nos leva o seu coro, a sua função semântica e o que nele pode, abastece em nós graus de entendimento e cruza agora na crueza dos suportes dos amantes terrenos bravios. Talvez que por descaso se afaste e busquemos então um efeito opulento sem resultados gratificantes, pois que é um tempo com um deficiente sentido amoroso que se permite glosar das suas múltiplas variações em derrocadas também elas civilizacionais. Mas os nossos tempos não amorosos têm no entanto apelo amoroso: estamos receptivos e cremos crer. Como arte, falta-nos a via do meio para o defender dos aglomerados e do transtorno da fabricação de pares sem futuro e com presentes inférteis, falta-nos um caminho ou uma luz condutora e, enquanto sentimento, falta saber se a sua sombra nos enriquece na nossa estreita humanidade. A voz que em Ovídio reclama transportam-nas essas mulheres cultas do seu tempo que se articulam com os conhecimentos e o mito para uma transfiguração face à grande força que sobra ao herói e dizer da grande força que existe no amar e se com ele os melhores se apaixonam. Não é improvável que os pares se saúdem na sua riqueza enquanto portadores de atributos admiráveis. Começa uma igualdade nunca vista entre aqueles que se dão na esfera comunicante. Tudo isto, posteriormente, e por paradoxal que nos pareça, viria a ser posto em causa mas, neste percurso que nomeia a fábula e a cimenta como legado, é das paixões dos homens e das mulheres de que trata esta temática delicada. Desde a Arte de Amar, às Cartas de Amor, às Heróides, é provável que tudo se tenha encaminhado para a grande metamorfose que terá o seu epicentro na fusão dos amantes, o glorificar do deus adormecido. Epistulae Heroidum (Cartas de heroínas) que deu Heróides, são vinte e um poemas em dísticos elegíacos que colocam a voz feminina no topo de uma construção bastante complexa e apaixonante como tema. Hoje, que se celebra o amor romântico, esse fruto de uma batalha pela cultura dos pares, nada encontrei de mais festivo que esta sugestão cuja noção ultrapassa em muito um melódico e divertido entendimento. Sem estas obras estamos condenados a ser o par de alguém, esse inimigo predestinado, mas com tais dádivas talvez possamos saber o mais importante daquilo que subjaz ao factor intrínseco da paixão. Convém lembrar do esmagamento logístico em que o dito amor firmado se afunda, sem a consciência de que apenas amar é o propósito e, se aos bons sentimentos não faltam também motivos práticos, nem mesmo a prática deles nos absolve de uma usurpação. Em cada idade, cada era, as coisas mudam e os efeitos variantes se adaptam, mas negligenciar a sua natureza tem custos que a razão das boas práticas nunca poderá colmatar. Perder alguém é mais que um acontecimento, é uma tragédia interna que tem o tempo a seu favor para o curar das feridas e com feridas abertas podemos abrir crateras nas carnes inadvertidas em busca da sua deidade, que é o quê? Esse não entendimento compensado por fabrico de respostas científicas de lugar comum, não darão jamais a resposta. E antes que tarde na nossa memória de séculos o muito tempo que foi preciso para tão vasto diálogo, talvez que reaprendendo a amar a vida nos mostre por fim outros caminhos. Estes tratados são do fim da era pagã, aquela em que parecemos agora entrar por outra porta, e se alguns apenas pegaram na forma da libertinagem e nos atavios que deviam presidiar à função (uma espécie de revista feminina para a obtenção de efeitos vários acerca do prazer e do espaço que ocupa nas situações mais lúdicas) em Heroídes há a diferenciação, a mulher amante com a voz que explora toda a sua complexa teia de emoções por ela transmitida e que fazem do amor um momento alto e grave, a mulher entra a ocupar o seu próprio mistério com toda essa voz que enriquece o ainda frágil modelo humano. «Estou ferida por minha própria beleza» nele se lê essa consciência de que não se entra na combustão desta força sem a lucidez de uma culpa qualquer que deve ser cultivada com a mestria de se saber fazer anunciar.
Hoje Macau EventosExposição de fotografia lusófona inaugurada a 1 de Março [dropcap]A[/dropcap]“Somos! – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa” (Somos – ACLP) inaugura, no dia 1 de Março (sexta-feira), a exposição “Somos Imagens da Lusofonia 2018 – Raízes Lusófonas: Veículos de Comunicação”. A mostra integra as fotografias vencedoras do concurso lançado pela associação em Dezembro de 2018, assim como as menções honrosas e outras imagens que o júri considerou relevantes por promoverem a comunicação em língua portuguesa e a disseminação das tradições e costumes lusófonos. A cerimónia de inauguração tem início pelas 18h30, no Albergue da Santa Casa da Misericórdia. Os três primeiros prémios do 1º concurso fotográfico dedicado à lusofonia promovido pela “Somos – ACLP” foram atribuídos, respectivamente, a Carlos José Pimentel (Portugal), a Jorge Miguel do Rosário Santos Cruz (Portugal) e a António Alves Tedim (Portugal). Por sua vez, John Lino de Melo (Goa), Niklas Kristofer Stephan (Brasil) e Luís Miguel Silva (Portugal) foram distinguidos com menções honrosas. Aberto a todos O concurso fotográfico esteve aberto a todos os cidadãos dos países e regiões da Lusofonia e residentes de Macau, com fotografias tiradas em qualquer um destes locais: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste ou Goa, Damão e Diu. O painel do júri foi composto por Gonçalo Lobo Pinheiro (presidente do júri e representante da Somos – ACLP), Lim Choi, Paulo Cordeiro, Rodrigo Cabrita e Rui Caria. De acordo com o presidente do júri, além da “proximidade” com o tema do concurso, “os critérios de avaliação basearam-se essencialmente na técnica e qualidade da imagem, com algum pendor, é óbvio, para o olhar e sensibilidade de cada um”. Relativamente à adesão, Gonçalo Lobo Pinheiro considerou-a “positiva”, tendo em conta o facto de ter sido a edição inaugural do concurso. “A ideia é apostar num melhor marketing e promoção na próxima edição. Julgo que a tendência é de crescimento”, referiu, deixando ainda palavras de incentivo a todos os amantes da fotografia: “Fotografem sempre que possam. Procurem novas realidades, novas abordagens, novas tendências. Vejam o trabalho de outros fotógrafos e desfrutem a fotografia”. A exposição “Somos Imagens da Lusofonia 2018 – Raízes Lusófonas: Veículos de Comunicação”, com curadoria do fotógrafo António Mil-Homens, pode ser visitada a partir de 1 de Março até dia 15 do mesmo mês. No dia da abertura, segue-se à cerimónia oficial a festa de inauguração, com DJ set, até às 22 horas.
João Luz EventosTEDx Senado Square | Palestras para inspirar Macau No dia 3 de Março realiza-se o TEDx Senado Square com o tema “Ondulação”. O cartaz do evento agrega um conjunto de nove palestras divididas por temas tão variados como a arquitectura, filosofia, música electrónica e a tecnologia [dropcap]A[/dropcap]ideia do TEDx é espalhar ideias pelos quatro cantos do mundo. É ao que se propõe a organização do TEDx Senado Square, que se realiza no próximo dia 3 de Março, a partir das 10h, no Teatro D. Pedro V. O tema do evento é “Ondulação”, e segundo a curadora, Venus Loi, encaixa no conceito de reverberação de ideias. “Quando pensámos em Ondulação tentámos encontrar oradores que possam ter impacto na sociedade com pequenas acções”, conta. O objectivo é inspirar o público a dar pequenos passos, todos os dias, de forma a ter impacto. As nove palestras agendadas para o evento são subordinadas aos mais variados temas. “Queríamos ter uma grande diversidade de tópicos, não apenas focar-nos na arte e inovação”, revela Venus Loi. Lin Hsiangchun promete guiar a audiência numa viagem pelos bairros que compõem o habitat natural das várias comunidades de Macau, assim como por locais na natureza, sempre pela perspectiva de uma criança. Com mestrado em língua e literatura chinesa, a colunista e mãe a tempo inteiro, é uma das palestrantes do dia. Num tom totalmente diferente, Kwong Chun Man sobe ao palco do Teatro D. Pedro V com o intuito de espicaçar o intelecto do público. A tirar doutoramento na prestigiada Universidade de Oxford, a sua palestra tem como foco a paixão que devota à filosofia. Autor de dois livros, um deles premiado com o Hong Kong Golden Book Awards 2017, Chun Man é um dos fundadores do grupo “Corrup the Youth”. Além disso, Kwong Chun Man é um comunicador nato, como atesta a sua participação em 48 episódios do programa de televisão “Philosophy Night” emitido pela RTHK. Para a curadora do evento, esta é uma das palestras que expectativas levanta. “Ele fala da importância da filosofia nos dias de hoje com sentido de humor. Cativa os mais jovens e inspira-os para uma área essencial da educação de”, explica. Sonhos eléctricos Numa perspectiva completamente diferente, Tamara Solski junta-se ao grupo de palestrantes do TEDx Senado Square para debater as possibilidades trazidas por abordagens integradas da cidade à luz dos princípios da sustentabilidade. A arquitecta oferece ao ciclo de palestras um vislumbre do futuro e a paixão pela gestão dos espaços públicos, com destaque para a interconectividade das redes urbanas e das pessoas como factor-chave para a regeneração das cidades. A conectividade é também ponto fulcral na apresentação de Anna Choi, que tem como título “Porque a conectividade é a chave para uma transformação digital de sucesso”. O currículo desta palestrante encaixa como uma luva em algumas das ambições políticas de Macau. Com experiência em inovação digital em cidades inteligentes e na gestão de infra-estruturas, Choi trabalha como directora do sector da digitalização da Schindler, tendo a seu cargo a supervisão das estratégias de digitalização em 16 mercados do eixo da Ásia-Pacífico. A oradora sobe ao palco do Teatro D. Pedro V com a meta de partilhar a paixão pelas transformações tecnológicas e inspirar pessoas, das mais diversas origens, a entrar na indústria tecnológica. Por último, e noutra acepção completamente diferente, o cartaz do TEDx Senado Square apresenta “Vamos falar de música electrónica”, a cargo do músico local Burnie. O DJ e produtor musical lançou, desde 2013, quatro EPs através das editoras britânicas Slime, Tumble Audio e Downplay. Estas são as conversas que marcam o TEDx Senado Square. Os bilhetes para o evento custam 299 patacas.
Diana do Mar SociedadePJ investiga caso suspeito de homicídio em hotel do Cotai [dropcap]A[/dropcap]Polícia Judiciária (PJ) está a investigar o caso suspeito de homicídio de um homem, de 41 anos, encontrado morto, ao início da tarde de domingo, num quarto do hotel Conrad, no Cotai. Segundo informações facultadas pela PJ ao HM, o homem, de apelido Mei, proveniente da China, apresentava feridas de golpes no corpo, nomeadamente no pescoço, ombros e peito, que terão sido infligidos por objectos afiados. As autoridades estão a aguardar que a causa da morte seja determinada por exame forense. Não foram encontrados documentos de identificação da vítima que, segundo a PJ, era activa nos casinos. Dado que a vítima é natural da China, a PJ solicitou a assistência das autoridades congéneres do outro lado da fronteira. A investigação encontra-se agora focada principalmente no paradeiro dos pertences da vítima, bem como na identidade e motivo do presumível autor do crime, indicou a PJ, dando conta de que tem pistas, incluindo imagens das câmaras de videovigilância. A PJ foi chamada ao local pelas 12h45 de domingo pelo Corpo de Bombeiros após a descoberta do corpo sem vida no quarto de hotel.
Diana do Mar SociedadeGripe aviária | Levantada proibição de importação de aves de oito países [dropcap]A[/dropcap]partir de hoje, Macau pode voltar a importar aves de capoeira e produtos de origem aviária de oito países (Coreia do Sul, Vietname, Japão, Tailândia, Camboja, Laos, Indonésia e Taiwan) e de três províncias da China (Guangxi, Hubei e Hunan). É o que determina um despacho do Chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, publicado ontem em Boletim Oficial, que vem levantar, a proibição decretada, em Janeiro de 2004, como medida preventiva, na sequência do surto de gripe aviária que estalou na Ásia em Dezembro de 2003, causando a morte de seres humanos. Além da proibição de importação dos oito países e três províncias, existiam restrições na compra de aves ou produtos de origem aviária aos demais territórios, que serão igualmente eliminadas. O Governo justifica o levantamento da proibição, ao fim de 15 anos, com “a mudança na situação epidémica da gripe aviária” e com o facto de “os pedidos de importação de aves de capoeira e de produtos de origem aviária de qualquer país ou região do mundo estarem plenamente tratados, nos termos das disposições de controlo sanitário da RAEM e das práticas de controlo internacional, com controlo da importação das mercadorias”. Factores que levaram então o Executivo a considerar “desnecessário” proibir ou estabelecer restrições à importação das mercadorias de determinados países ou regiões, refere o despacho assinado por Fernando Chui Sai On, que revoga assim as medidas constantes do despacho, de 2004, firmado pelo seu antecessor, Edmund Ho.
Diana do Mar SociedadeCultura | Dez candidatos a novos apoios financeiros Recebidas seis candidaturas ao novo programa de apoio à oferta de uma plataforma de serviço integrada de publicação e quatro ao plano destinado à área de televisão e cinema [dropcap]O[/dropcap]Fundo de Indústrias Culturais (FIC) recebeu dez candidaturas a dois programas financeiros, recém-lançados. O primeiro, no valor máximo de 5 milhões de patacas, destina-se a financiar a oferta de uma plataforma de serviço integrada de publicação, enquanto o segundo, até 6 milhões de patacas, incide sobre a área da televisão e do cinema. Segundo dados publicados no ‘site’ do FIC, o programa relativo à área da edição recebeu seis candidaturas, enquanto o da televisão e cinema atraiu quatro. Os projectos vão ser alvo de uma análise preliminar, seguindo-se o processo de avaliação, não havendo datas para a divulgação dos resultados. Os destinatários-alvos para a plataforma de serviço integrada de publicação podem ser empresas, associações ou particulares, desde que sejam de Macau. Durante o período de execução do projecto – de dois anos – a entidade escolhida deve dar à estampa, pelo menos, 40 livros nas áreas das Artes, História e Cultura, competindo-lhe tratar dos trabalhos de planeamento, edição, tipografia e revisão. O apoio financeiro será facultado à medida que forem cumpridas as metas pré-definidas, ou seja, se em vez de dar à estampa 40 livros apenas lançar 20, o apoio corresponderá a metade. Tem ainda de introduzir os livros no contexto digital e nos mercados fora de Macau, além de ter de prestar serviços de venda, ‘marketing’ e distribuição ou organizar a participação em pelo menos duas feiras do livro na China. Já ao abrigo do segundo programa, que versa sobre a área da televisão e do cinema, os trabalhos a serem desenvolvidos pela plataforma incluem a construção de ateliês, sala de pós-produção e de projecção de filmes, bem como serviços de montagem, efeitos especiais ou legendagem. Organizar a participação de filmes em pelo menos oito festivais de cinema internacionais e promover nomeadamente o intercâmbio da cinematografia sino-portuguesa constituem outros dos critérios a cumprir pela entidade a ser seleccionada.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeCosta Nunes | Arquivamento de caso de alegados abusos sexuais decepciona Miguel de Senna Fernandes O Ministério Público decidiu arquivar o caso de alegados abusos sexuais de crianças no Jardim de Infância D. José da Costa Nunes dando como argumento a falta de provas. Para Miguel de Senna Fernandes, a decisão desperta “sentimentos de injustiça”. Os pais das crianças alegadamente abusadas culpam a polícia pela inexistência de provas suficientes e não sabem ainda se vão reclamar da decisão [dropcap]O[/dropcap]presidente da Associação de Promoção da Instrução dos Macaenses (APIM) Miguel de Senna Fernandes entende que há um sentimento de injustiça perante o arquivamento do caso de alegados abusos sexuais de crianças no Jardim de Infância D. José da Costa Nunes. “Há um sentimento de injustiça quando isto acontece, não só nestes casos mas quando determinadas situações têm este tipo de desfecho”, disse o responsável pelo jardim de infância ao HM. Senna Fernandes lamenta a decisão do Ministério Público (MP) e está “solidário com os pais das crianças”. “Sinto uma espécie de coração apertado por causa desta situação”, sublinhou. O MP decidiu arquivar o caso, segundo avançou ontem o jornal Ponto Final, alegando a não existência de provas suficientes para formular uma acusação. Para Senna Fernandes o argumento é discutível, até porque acredita que os factos apresentados na altura, e que motivaram a queixa dos pais das crianças, eram baseados em acontecimentos reais. “A falta de provas não significa que as situações não tenham acontecido e não se passa uma esponja por cima disso só porque o processo foi arquivado”, sublinhou. Em causa está agora a reavaliação dos inquéritos disciplinares que recaem sobre a educadora da turma das crianças alegadamente abusadas, e da directora da instituição, Marisa Peixoto. “Perante o que factualmente nos podemos apoiar, nada nos permite uma actuação mais concreta, nomeadamente em relação ao suspeito, mas naturalmente tudo o que aparecer relacionado com isto pode ter outro tipo de considerações”, disse acrescentando que a APIM vai reunir esta semana de modo “analisar e resolver a situação dos inquéritos disciplinares num curto espaço de tempo”. Recorde-se que no passado mês de Agosto a APIM decidiu acusar a directora do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes e a educadora de infância de responsabilidades sobre o caso de alegado abuso. Na altura, Miguel de Senna Fernandes alertou que as sanções podiam passar por advertências ou mesmo pela rescisão dos contratos de trabalho. A educadora encontra-se suspensa, mas a directora continua a exercer funções. Revolta generalizada A reclamação da decisão do Ministério Público só pode ser feita pelas partes envolvidas, tendo os pais das crianças de tomar uma decisão nesta matéria até ao próximo dia 25. “É uma decisão difícil”, adiantou um dos pais envolvidos ao HM. A dificuldade prende-se com a necessidade de proteger as crianças de serem sujeitas a mais um interrogatório policial. “Todos os pais querem o suspeito na prisão, mas para que se avance com isso, as crianças vão ser sujeitas outra vez a interrogatórios, um ano depois do sucedido” o que pode trazer recordações traumatizantes. Para este pai teria sido mais fácil fazer a recolha de provas um ano antes pois assim “as crianças não precisariam de voltar a recordar o sucedido”. “Como pai quero fazer uma coisa, mas sei que posso traumatizar a minha filha e nenhum dos pais quer estas coisas para os seus filhos. Ao mesmo tempo queremos que o suspeito seja preso”, insiste. O suspeito, auxiliar de educação de origem filipina, tem estado sob termo de identidade e de residência. A culpa é da polícia O sentimento de revolta generalizado é dirigido essencialmente ao argumento apresentado pelo MP acerca da falta de provas. Para este pai, a responsabilidade pela não existência das provas solicitadas é da própria polícia. “É por causa da polícia que não existem provas porque as entrevistas às crianças foram mal conduzidas e sem a presença de especialistas na área”, disse. De acordo com a mesma fonte, houve pais que não deixaram as filhas serem submetidas ao interrogatório da investigação justificando-se com a ausência de um especialista. “A polícia disse que iria arranjar um profissional, mas não arranjou e agora há este argumento para o arquivamento do processo”, referiu. O possível regresso a funções da educadora infantil é também uma matéria que desagrada os pais. “É um caso que deixa os pais furiosos”, apontou. Apesar de “não ter cometido um crime, a educadora teve uma série de acções incorrectas”, rematou. O caso levou ainda ao despedimento da psicóloga da escola e ao pagamento de uma multa de 12 mil patacas por infracções ao regime das escolas. A Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) concluiu que a forma como a escola lidou com os alegados abusos violou as disposições que regulam as instituições de ensino.
Sofia Margarida Mota PolíticaElla Lei exige mais acção para rever lei laboral [dropcap]A[/dropcap]deputada Ella Lei quer que o Governo explique os adiamentos sucessivos das revisões legislativas relativas a assuntos laborais, salientando a contradição entre a acção e o discurso do Executivo. Em interpelação escrita, a deputada recorda as intenções demonstradas pelo Governo em “melhorar o sistema legal para os trabalhadores, ajudar a proteger os direitos e interesses dos funcionários e regular o funcionamento do mercado de trabalho”. Mas na prática, “nos últimos anos, o trabalho de revisão e produção de leis nas áreas de trabalho não avançou conforme prometido”, aponta. A deputada lembra também as Linhas de Acção Governativa de 2018 em que Executivo tinha como intenção implementar o salário mínimo universal, a regulamentação do funcionamento das agências de emprego, o acompanhamento do regulamento de segurança e saúde no trabalho e a revisão dos valores de indemnização por despedimento. No entanto, a única proposta que deu entrada na Assembleia Legislativa foi a do funcionamento das agências de emprego, aponta Ella Lei. “Lamentavelmente, apenas o regime para o funcionamento das agências de emprego foi submetido à Assembleia Legislativa no ano passado. O restante trabalho legislativo não viu nenhum progresso real”, refere. Por outro lado, as alterações previstas para a revisão da lei das relações laborais não correspondem ao “esperado pela população”, diz. Lei refere-se ao período de licença de paternidade paga e à questão das sobreposições de feriados obrigatórios. Para a deputada, estas são matérias com “amplo consenso social” e, como tal, as leis devem avançar o “mais rápido possível”.
Diana do Mar Manchete PolíticaGrande Baía | Chui Sai On em Hong Kong na quinta-feira para apresentação das Linhas Gerais O Chefe do Executivo vai na próxima quinta-feira a Hong Kong para a sessão de divulgação das Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía, reveladas ontem por Pequim [dropcap]P[/dropcap]equim divulgou ontem as Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, um documento “director” e “orientador” que define planos de desenvolvimento até 2035. Na próxima quinta-feira, representantes da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma vão apresentar o plano, em Hong Kong, numa sessão em que o Chefe do Executivo, Chui Sai On, vai discursar. Segundo um comunicado oficial, Chui Sai On lidera uma comitiva composta por meia centena de pessoas, incluindo os membros do Conselho Executivo, bem como o secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, e uma série de directores, como o dos Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional (Mi Jian), o dos Serviços do Ensino Superior (Sou Chio Fai), o dos Serviços de Educação e Juventude (Lou Pak Sang) ou o dos Serviços de Economia (Tai Kin Ip). A delegação integra ainda, entre outros, o presidente do conselho de administração do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia, Ma Chi Ngai, bem como representantes de Macau à Assembleia Popular Nacional e à Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. As Linhas Gerais do plano da Grande Baía, estratégia nacional que aspira transformar as duas regiões administrativas de Macau e Hong Kong e nove cidades da província de Guangdong (Guangzhou, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen e Zhaoqing) numa metrópole mundial, foram divulgadas ontem por Pequim. O plano, que visa tornar a região “num modelo de desenvolvimento de alta qualidade”, encontra-se dividido em 11 capítulos. Posicionamento de Macau De acordo com um comunicado do gabinete do Chefe do Executivo, são quatro as acções que Macau tem de empreender no contexto do posicionamento que lhe foi atribuído, com a primeira a passar por “maximizar” as suas vantagens, por via da cooperação estreita, com vista a projectos inovadores e à exploração de novos domínios. A segunda missão assenta em “promover a coexistência de diversas culturas, com predominância da chinesa”. Já a terceira passa por “aproveitar as oportunidades proporcionadas pela conjuntura geral” e “acelerar a diversificação adequada da economia”. “O Governo da RAEM tem vindo a envidar os maiores esforços e a alcançar êxitos. Contudo, admitimos que em relação à diversificação ‘adequada’ existe ainda muito por fazer”, diz a mesma nota. Já o quarto ponto aglutina duas estratégias: “progredir conquistado o mar” e “promover a cooperação” de modo a “alcançar a prosperidade através de terra”. Nestas Linhas Gerais “está claramente expresso o apoio a Macau na elaboração científica do plano de desenvolvimento das zonas marítimas, no sentido do desenvolvimento de diversas indústrias, designadamente o turismo, a tecnologia e a biologia marítimas”, refere o mesmo comunicado. As directrizes do plano da Grande Baía são reveladas sensivelmente um ano e meio depois da assinatura a 1 de Julho de 2017, em Hong Kong, do acordo-quadro da Grande Baía, testemunhada pelo Presidente chinês, Xi Jinping.
Diana do Mar PolíticaAL | Coutinho entrega requerimento a Ho Iat Seng sobre “reuniões secretas” [dropcap]P[/dropcap]ereira Coutinho enviou um requerimento ao presidente da Assembleia Legislativa (AL), Ho Iat Seng, a pedir esclarecimentos sobre as “reuniões secretas” da Comissão de Regimento e mandatos da AL. Na missiva, datada de ontem, o deputado afirma que “não se compreende a base legal que permite ao presidente da Comissão de Regimento e Mandatos o poder de realizar ‘reuniões secretamente’ sem dar conhecimento delas aos restantes deputados”. “Qualquer deputado pode assistir às reuniões de qualquer comissão de que não seja membro e sem direito a voto, incluindo a de Regimento e Mandatos, no âmbito da desejável mútua colaboração entre deputados, respeitando sempre o princípio da transparência e do direito à informação do público”, sustenta Pereira Coutinho, apontando que “não deve haver qualquer tipo de discriminação” entre deputados.
Diana do Mar PolíticaElla Lei pede ponto de situação das negociações sobre contratos dos autocarros De modo a evitar que as informações sejam conhecidas depois de estarem tomadas as decisões, a deputada Ella Lei pretende saber o ponto de situação das negociações sobre os contratos das duas operadoras de autocarros, que expiram dentro de poucos meses [dropcap]”Q[/dropcap]ual é o ponto de situação das negociações sobre os contratos relativos ao serviço de autocarros?” Quem pergunta é Ella Lei, numa interpelação oral endereçada ao Governo, datada de 31 de Janeiro. Recordando que faltam aproximadamente nove meses para o termo dos contratos provisórios com as operadoras de autocarros (Transmac e TCM), a deputada dos Operários lamenta a ausência de informações, expressando receios de que se repita o que sucedeu, a 31 de Julho, com a renovação dos contratos, por apenas 15 meses, ou seja, até Outubro próximo. Feito o anunciado “apenas dois dias antes” pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), algo que, recorda Ella Lei, foi “criticado pela sociedade”. “O Governo nunca ouviu o público sobre a sua renovação nem revelou qual o andamento das negociações com as companhias de autocarros. Por isso, é preocupante que tal renovação provisória possa vir a ser repetida num curto espaço de tempo”, aponta Ella Lei, indagando ainda o Governo sobre os “principais problemas” e como vão ser “resolvidos” nos futuros contratos. ”De que medidas de longo prazo dispõe o Governo para melhorar a qualidade dos serviços de autocarros é também uma questão que merece a nossa atenção”, realça. “Os serviços públicos têm estreitamente a ver com a vida da população, pois os problemas surgidos nos contratos de concessão não afectam apenas a vida quotidiana dos residentes, podendo também prejudicar os interesses dos trabalhadores”, sublinha Ella Lei, qualificando de “lamentável” que “os trabalhos relativos à abertura de concursos públicos e à concessão de serviços nunca fiquem prontos a tempo”, algo que “se tem repetido constantemente”. Tal faz com que os contratos sejam renovados temporariamente, quando se encontram quase no termo, “com o pretexto da falta de tempo” ou que devido à “falta de capacidade de negociação dos preços” sejam mantidas “cláusulas injustas”, “prejudicando gravemente o interesse público”. Falta de transparência Neste sentido, a deputada condena “a falta de transparência no processo de concessão, a falta de um mecanismo de auscultação pública aperfeiçoado”, bem como “a divulgação das coisas só depois de estarem prontas”. Prolongadas negociações realizadas após os contratos, passíveis de “levantar suspeitas de esse concessionário estar a ser beneficiado de forma propositada ou a crítica às cláusulas contratuais por não conseguirem salvaguardar os interesses da população” foram outras das questões “mais criticadas pela sociedade”. Mas, “mesmo assim nada se pôde fazer, a não ser aceitá-las”, lamenta. Dado que, antes do termo do mandato do actual Governo, a 19 de Dezembro, há sete contratos de concessão por tratar, incluindo os dos autocarros, como reconheceu durante as Linhas de Acção Governativa (LAG) o secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, a deputada pede também mais informações. “O Governo vai ouvir primeiro a população antes de avançar com as novas concessões?”, questiona, instando à definição clara de mecanismos de consulta, apreciação e autorização e divulgação dos contratos. Observando ainda que “apenas alguns contratos de concessão exclusiva e de concessão pública exigem a realização de negociações dois ou três anos antes do termo, de que é exemplo o relativo à Air Macau, Ella Lei questiona ainda o Executivo sobre a possibilidade de essa exigência ser estendida a todos os contratos do género.
Andreia Sofia Silva SociedadeTrabalhadoras domésticas ponderam “protesto silencioso” [dropcap]A[/dropcap]reunião com a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) foi histórica, mas foi encarada pelas activistas como apenas o primeiro passo. Além da reunião a agendar com deputados da Assembleia Legislativa, está a ser pensado um “protesto silencioso” das empregadas domésticas. “Não é bem uma greve, mas sim um protesto silencioso. Sabemos que as greves não são feitas em Macau, a não ser que estejamos registadas como associação local”, explicou Benedicta Palcon. Além desse processo burocrático, o próximo objectivo de luta pode passar pela legalização do trabalho a tempo parcial fora dos contratos laborais. “Elas fazem isso porque ganham pouco. Talvez o nosso próximo passo seja tentar legalizar essa situação”, frisou a porta-voz da Green Philippines Migrant Workers Union. Jessy Santos, por sua vez, assegura que “as empregadas fazem isso porque ganham muito pouco. Não podemos pensar que vão ficar sentadas à espera de ter seis mil ou sete mil por mês. Não as culpo por fazerem part-time”. A situação não está regularizada e acontece, na maior parte das vezes, com o conhecimento dos patrões. Mas a empregada fica sempre mais fragilizada, asseguram. “É uma situação complicada, porque muitas vezes os patrões dizem-lhes para fazerem part-time nesta ou naquela casa, mas se houver uma queixa e a DSAL perguntar se a empregada concordou com este sistema, claro que ela vai dizer que sim”, adiantou Jessy Santos. Ainda assim, as queixas sobre este tipo de situações são quase nulas. “Conheço uma empregada doméstica que trabalha a tempo inteiro e ganha 5300 patacas por mês. Agora o patrão está a planear um horário de apenas quatro horas por dia e pagar-lhe quatro mil por mês, então dão-lhe tempo para ter trabalhos parciais. Disse-lhe que era uma boa opção, porque pode ganhar mais dinheiro, mas aconselhei-lhe cuidado”, concluiu Benedicta Palcon.
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemHistórias de vida das quatro mulheres que lutam pelos direitos das empregadas domésticas Retratos de luta As quatro mulheres que reivindicam direitos para as empregadas domésticas trilharam diferentes caminhos até chegarem a uma causa comum. A maioria começou a sua jornada em Hong Kong, mas muitas passaram por Singapura e pelo Médio Oriente. Uma delas cuidou dos filhos de Bashar al-Assad e guarda boas recordações da família que governa a Síria Jean Calma – Ao serviço de Assad [dropcap]Q[/dropcap]uando lhe perguntamos pelo passado, Jean Calma rasga um sorriso que guarda histórias como alguém que já passou por muito. A viver em Macau há dez anos, Jean trabalhou como empregada doméstica no Brunei, em Beirute, capital do Líbano, onde se cruzou, em actos oficiais, com Hillary Clinton, ex-candidata às presidenciais dos Estados Unidos e mulher do ex-presidente Bill Clinton, e Madeleine Albright, ex-secretária de Estado e embaixadora dos Estados Unidos na ONU. Diz ter-se cruzado também com Laura Bush, esposa de George W. Bush. No entanto, as memórias mais importantes que guarda do Médio Oriente vêm de Damasco, Síria, onde trabalhou na casa do actual Presidente Bashar al-Assad, a tomar conta dos seus filhos. Jean Calma. Sofia Margarida Mota “Foram tempos muito interessantes. Trabalhei na casa privada da família. Ele tratava-me muito bem, éramos como uma família”, recordou Jean Calma. “Na verdade, eu não os via com frequência todos os dias. Eles estavam sempre muito ocupados, a viajar, por exemplo. Mas a mulher [Asma al-Assad] estava sempre lá.” Os filhos estudavam numa escola privada na capital síria e ocupavam a maior parte do tempo de Jean Calma que nem se ocupava com muitas tarefas domésticas. “A casa era enorme, mas eu não me importava de fazer as coisas. Além disso, só estava encarregue das crianças. Eram como uma família normal.” Jean Calma acabou por deixar a Síria em 2008, quando já se adivinhavam tensões políticas que se materializaram no início da guerra civil em 2011, no rescaldo dos movimentos da chamada Primavera Árabe. “A Síria já era um país perigoso na altura, era difícil continuar a trabalhar lá. Depois, a minha mãe ficou doente, queria ficar mais perto dela e decidi vir para a China, e depois para Macau.” Apesar de Bashar al-Assad ser visto mundialmente como um ditador sanguinário, Jean Calma tem dele a melhor das impressões. “São pessoas boas, simpáticas e generosas. Não posso dizer nada contra eles. Damasco era uma boa cidade para viver, o tempo era fantástico. Parecia que estava na Europa.” Apesar de ter deixado o trabalho, os laços afectivos continuaram. “Na verdade, eles convidaram-me a visitá-los e chegámos a encontrar-nos no Dubai, para nos vermos outra vez.” Hoje, a empregada doméstica lamenta o conflito que destruiu o país. “A situação é muito triste, tendo em conta tudo o que ficou para trás, a minha experiência. É tudo muito assustador. [Na altura] decidi não pôr a vida em risco e fui trabalhar para outro país. Já havia tensões políticas, que duram até hoje. Não queria continuar lá e não sabia se ia continuar viva”, assegurou. À espera da reforma Depois da Síria, a China apareceu-lhe no mapa. Trabalhou em casa de uma família com dois filhos, a quem ensinou inglês, que lhes permitiu estudarem no Reino Unido. Macau chegaria mais tarde, e daqui só quer sair quando atingir a idade da reforma. Apesar de cá estar há dez anos, nunca tentou obter a residência, pois é um processo “difícil”. Ganha quatro mil patacas e vive na casa dos patrões, mas está satisfeita com as condições de trabalho. “Não tenho de fazer muitas horas. Começo às sete da manhã e preparo os pequenos-almoços, depois lavo a roupa, faço a limpeza e só tenho de preparar as refeições no final do dia. Então à tarde tenho muito tempo para descansar. Às duas e meia vou buscar as crianças à escola”, conta. Jean Calma garante que nunca foi vítima de qualquer tipo de abuso. “Os meus patrões são compreensivos, gostam de mim e até as crianças não querem que eu esteja de parte das actividades do dia-a-dia.” Benedicta Palcon – Da fábrica para as limpezas Se não fosse o marido, Benedicta Palcon, actual porta-voz da Green Philippines Migrant Workers Union, talvez não tivesse vindo para o sul da China. Em 1988, a vida era difícil em Manila e na fábrica ganhava apenas o equivalente a 20 patacas por mês (100 pesos). Benedicta respeitou a decisão do marido e deixou para trás uma filha com nove meses, que hoje também trabalha em Macau como empregada doméstica. A primeira paragem da sua jornada foi Hong Kong, para onde se mudou em 1990. Aí deu os primeiros passos como activista. Macau seria o novo destino, em 2004. “Em Hong Kong, o trabalho era bom, tinha um bom salário. Há 15 anos que trabalho com o mesmo patrão. Hoje vivo em casa dos meus patrões. Começo a trabalhar às sete da manhã, às vezes acabo às 22 ou 23 horas. Estou sozinha a fazer todo o trabalho.” Não luta por melhores condições para si, pois ganha mais do que a maioria das empregadas domésticas: sete mil patacas. Mas o seu caso espelha a irregularidade dos contratos de trabalho a que estas profissionais estão votadas. “Ganho sete mil patacas, mas o meu contrato diz 2.500. O meu patrão paga-me em gorjetas, como ele diz.” Não sabe porque os termos contratuais nunca foram alterados. “Ele deposita-me sete mil por mês na conta, e se tiver algum problema com os cálculos a DSAL vai verificar as transferências bancárias e não o contrato. Há pessoas que ganham apenas o que determina o contrato”, explicou. A organização não governamental que representa em Macau ficou conhecida em 2015 com as primeiras campanhas públicas. Ainda assim, só agora Benedicta Palcon começa a reconhecer-se como alguém que defende os direitos dos outros. “Não é apenas por mim que eu luto. Luto porque conheço muitas histórias de abusos e de empregadas que trabalham muitas horas. Comecei a ser activista em Hong Kong e ainda hoje não gosto de me intitular como tal. Mas tenho de admitir que sou uma verdadeira activista (risos).” Histórias de assédio Benedicta Palcon chegou a ajudar outras colegas de profissão que foram alvo de abuso. Recorda um em particular, em que uma empregada foi vítima de assédio sexual. O caso acabou arquivado pelas autoridades. “O patrão costumava espiá-la enquanto ela estava na casa-de-banho, chegou mesmo a pôr uma câmara de filmar num buraco escondido na casa-de-banho. Nessa altura, ela não tinha provas e aconselhei-a a conversar com ele no WhatsApp, porque as mensagens ficam gravadas. Finalmente, o homem admitiu que a tinha filmado secretamente e que não tinha visto bem as imagens. Obtivemos essa prova e levámos à polícia.” O homem em questão era irmão do patrão a quem a empregada limpava a casa como trabalho parcial, uma situação ilegal, mas comum em Macau. “O homem aproveitava os momentos em que a mulher saía de casa para se masturbar no quarto de porta aberta, enquanto a empregada trabalhava. O caso acabou por ser arquivado. O patrão deu-lhe tempo para arranjar um novo emprego, pagou-lhe mais um pouco e o bilhete de avião para as Filipinas”, recordou Benedicta Palcon. A porta-voz da ONG deu a cara por muitos movimentos de defesa dos direitos dos migrantes, e assegura que o seu trabalho não fica por aqui. “O meu patrão sabe o que faço. Quando fui entrevistada pela TDM, pedi permissão para isso e ele disse-me ‘não fales demais’ (Risos). Não tenho medo de perder o trabalho, porque há inúmeras coisas para fazer, mesmo que tenha de voltar para as Filipinas. Tenho muitos planos para o futuro.” Luzviminda Sabado – Quando o patrão era agressivo A secretária da Progressive Labor Union of Domestic Worker, natural de Davao, é das poucas trabalhadoras migrantes que nunca tiveram de trabalhar fora do país para enviar dinheiro para a família. Ainda assim, a ida para Hong Kong foi uma decisão pessoal que surgiu com naturalidade. “A minha melhor amiga estava em Hong Kong e ajudou-me. Já não tinha os meus pais, por isso podia trabalhar para mim própria. Tenho meios-irmãos e irmãs, se me pedissem e se tivesse dinheiro de parte, mandava-lhes. Mas precisava de me sustentar também e tinha de poupar. Durante anos não consegui poupar.” Luzviminda Sabado. Sofia Margarida Mota Em 2012 aderiu à ONG que representa em Macau porque ganhava abaixo do salário mínimo da região vizinha, três mil dólares de Hong Kong, quando o limite mínimo era 3.700. Só aí se tornou mais activa na luta pelos direitos dos migrantes. Nos quatro anos que passou em Hong Kong, a vida profissional de Luzviminda Sabado foi feita de idas e vindas, até que lhe calhou “em sorte” um patrão agressivo. “O terceiro empregador não era bom para mim e vi-me forçada a chamar a polícia (hesita). Ele exercia violência psicológica e falava de uma forma muito agressiva comigo. Fui também vítima de discriminação. Com a ajuda da ONG fui à polícia e consegui protecção.” Em Macau arranjou emprego através de uma agência, que lhe cobrou mais do que o ordenado, que é de quatro mil patacas. “Não ficaram com os meus documentos, mas tive de pagar cinco mil dólares de Hong Kong, em prestações, durante três meses.” Depois do encontro com o Governo, Luzviminda tem esperança de que o sistema mude. “Espero que possamos criar algum movimento, mas acho que é preciso tempo. Independentemente do que aconteça, e das reuniões que tivermos, é preciso paciência para que aconteça algo.” Jassy Santos – A detenção em Singapura Jassy Santos, também ligada à Progressive Labor Union of Domestic Worker, é uma lutadora por natureza. Nota-se-lhe no rosto, na forma como fala. Em 1996 decidiu emigrar para Singapura para sustentar o pai, doente, a filha pequena e a irmã que estava a estudar. Acabou presa depois de ter sido denunciada por realizar trabalhos a tempo parcial, algo que também é ilegal na Cidade-Estado. No centro de detenções, percebeu que tão depressa não sairia dali. “Deram-me cinco dias para sair, mas acabei detida num centro durante seis meses. Ganhava o equivalente a 4.600 patacas, valor que não era suficiente, e precisava trabalhar o dobro. No centro percebi que havia trabalhadores presos há muito tempo sem acusação. Decidi contactar a ONG, que me deu um telemóvel, um computador e uma câmara. Isto ajudou-me a reportar todos os casos que conheci lá dentro.” Jassy Santos. Sofia Margarida Mota Fez tudo sozinha, ligou para jornais, contactou o consulado-geral das Filipinas e outras ONG do seu país. Ao fim de seis meses, estava em liberdade. “O polícia disse-me que fui presa por ser uma activista e não por trabalhar a tempo parcial. Quando estava presa não podia contactar com ninguém de fora, nem sequer um advogado que, de qualquer das formas, não tinha. Tirei fotos lá dentro e liguei a todos que conhecia a dizer que precisava de ajuda.” Foi também em Singapura que conheceu Fish Ip, a sindicalista de Hong Kong que agora apoia o movimento de apoio às empregadas domésticas. No sul da China, cedo teve noção de que a luta estava longe de terminar. “Depois de quatro anos em Hong Kong, decidi vir para Macau e percebemos que os migrantes não estavam protegidos pela lei. Para onde quer que fossemos ouvíamos queixas sobre os salários baixos.” Em Macau, arranjou trabalho de forma legal numa agência de emprego, com a qual se viu obrigada a lutar pelo pagamento de cauções justas. “Disse-lhes que só pagaria se me dessem recibo. Perguntaram-me o que ia fazer com o recibo, e frisei ‘a lei diz que só podem cobrar 50 por cento do nosso salário, então porque me estão a pedir seis mil? Num dia podem ter um cliente que precisa de dez empregadas, então quanto vão ganhar?”, questionou. O braço-de-ferro compensou e acabou por pagar apenas o que está previsto na lei. Jassy Santos ganha cinco mil patacas, mas não vive com os patrões. As ajudas de alimentação e alojamento estão incluídas neste montante. Conhece casos de violência perpetrada contra empregadas domésticas, que ficam escondidos por medo e vergonha. Para ela, a reunião com a DSAL foi apenas o primeiro de muitos passos.
Hoje Macau China / ÁsiaShinzo Abe elogia “bravura” de Trump mas não confirma indicação ao Nobel da Paz [dropcap]O[/dropcap[ primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, elogiou hoje a “bravura” do Presidente norte-americano, Donald Trump, no diálogo com a Coreia do Norte, mas escusou-se a confirmar se o havia indicado ao Prémio Nobel da Paz. “O Comité Nobel não revela quem foi recomendado ou quem fez as recomendações”, disse o mandatário nipónico, quando questionado sobre o assunto numa sessão parlamentar. Abe reagia às declarações de Donald Trump, que garantiu à imprensa, na sexta-feira, que Shinzo Abe o havia nomeado para aquele prémio devido aos esforços para resolver a crise na Península coreana. “Com base nessa regra, evito comentar”, acrescentou o líder japonês, ressaltando que Trump “tem trabalhado corajosamente para resolver o problema nuclear e de mísseis da Coreia do Norte”. Na mesma ocasião, Shinzo Abe referiu que o Presidente norte-americano está “a colaborar activamente” para resolver a questão dos sequestros de cidadãos japoneses pelo regime de Pyongyang, cujo esclarecimento é uma das principais prioridades do Governo de Abe. Na mesma linha, o porta-voz do Executivo, Yoshihide Suga, afirmou em conferência de imprensa que o Japão “valoriza muito a liderança de Trump”, escusando-se igualmente a pronunciar sobre a alegada proposta ao Comité Nobel. Segundo o diário japonês Asahi, o apoio do Governo de Abe à candidatura de Trump foi “informalmente” solicitado por Washington no outono passado, meses após a cimeira que Trump realizou em Singapura, em 12 de Junho, com o líder norte-coreano, Kim Jong-un. Para além do alegado apoio de Abe, o mesmo jornal acrescentou que Trump terá tido o apoio do Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, que no ano passado se referiu publicamente à possibilidade de recompensar o Presidente norte-americano com o Prémio Nobel da Paz pelos seus esforços a favor da paz na Península coreana. Da mesma forma, os ‘media’ nipónicos informaram hoje que Tóquio e Washington estão a preparar uma nova visita de Trump à capital japonesa, entre 26 e 28 de Maio, para realizar uma reunião com Abe e reunir-se com Naruhito, que se tornará imperador no início deste mês.
Hoje Macau EventosValter Hugo Mãe dirige colecção de poesia que chega às livrarias portuguesas esta semana [dropcap]O[/dropcap] escritor Valter Hugo Mãe vai inaugurar a colecção de poesia “Elogio da Sombra”, que quer plural, com os autores José Rui Teixeira, Isabel de Sá, Andreia C. Faria e Luís Costa. “Estamos a viver um tempo particularmente feliz na poesia portuguesa. De 2010 para cá, há um conjunto de autores e sobretudo mulheres que têm estreado e criado opulência nestes anos, que me parece poder anunciar uma das mais interessantes gerações da poesia portuguesa de sempre”, afirmou o escritor Valter Hugo Mãe em entrevista à agência Lusa, sobre a chegada às livrarias portuguesas, esta sexta-feira, da colecção que dirige. “Fascinado pela poesia” e sendo um sonho seu voltar a ser editor, Valter Hugo Mãe afirmou que não queria ficar como “passivo espectador convencional” face ao momento que se vive, e “queria muito sugerir” títulos e autores, referindo que “um editor pode ser uma companhia que motiva e proporciona possibilidades”, e é neste papel que se vê “com prazer”. Questionado sobre o nome da coleção, “Elogio da Sombra”, a primeira de poesia da Porto Editora, Hugo Mãe disse que foi uma ideia sua. “Interessa-me muito esta ideia dual, a hipótese de o poeta poder ser o ‘lado B’ das coisas, o indivíduo que presta atenção àquilo que fica obscuro. Ao mesmo tempo, a poesia é como aquele parente menos visível, menos solar, e por isso já é consciente que [nós, os poetas,] seremos menos, digamos assim”. E acrescentou: “aqueles que se preocupam com o esclarecimento das angústias, ternamente preocupados com as angústias”. Sobre a escolhas dos quatro nomes, que inclui um estreante, Luís Costa, “que não é um jovem, mas um homem de mais de 50 anos”, o responsável explicou: “Fui ao encontro daquilo que me parecia mais urgente”. “Via com muita perplexidade a Isabel de Sá sem editar há tanto tempo; foi com muita maravilha que fui assistindo à estreia da Andreia C. Faria, à sua evolução, à sua maturidade assombrosa; o José Rui Teixeira é um poeta que admiro imenso, um poeta rigoroso e que há muito devia estar protegido por uma chancela mais robusta, e o Luís Costa traduz muita coisa, escreve muito e quase obstinadamente, publica na sua página [na rede social] Facebook alguns versos [e] pensamentos”, afirmou à Lusa Valter Hugo Mãe. Os quatro títulos que vão ser editados são “Autópsia [poesia reunida]”, de José Rui Teixeira, livro que reúne os dois ciclos de seis anos de trabalho do teólogo e poeta portuense: “Diáspora” e “Antípoda”, antecedidos por cinco inéditos de “Eclipse”, de 2018. Esta antologia conta ainda com textos do escritor Rui Nunes e da poetisa espanhola Miriam Reyes. O segundo título, “O Real Arrasa Tudo”, de Isabel de Sá, poeta e artista plástica, reúne num volume 15 anos de trabalho da autora que a & etc revelou em 1979, com “EsquizoFrenia”, e que viria a ser publicada sobretudo ao longo das décadas de 1980 e 1990 por editoras como a Fenda, a Frenesi, a Rolim e a Ulmeiro, com títulos como “Desejo ou Água Leve”, “Restos de Infantas”, “Autismo”, “Em Nome do Corpo”, “Restos de Infantas”, e de quem a antiga Quasi reuniu a poesia num só volume, sob o título “Repetir o Poema” (2005). O terceiro título é “Alegria para o Fim do Mundo”, de Andreia C. Faria, que no ano passado venceu o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores para Melhor Livro de Poesia, com a obra “Tão Bela Como Qualquer Rapaz”. O quarto livro da coleção é do estreante Luís Costa, “Amar o Tempo das Grandes Maldições”, que Hugo Mãe apontou como “uma estreia madura, ponderada e de poemas ao centro absoluto da existência”. “Estes quatro livros criam um certo panorama, um certo ecletismo, dos autores mais novos aos mais velhos, de autores mais clássicos como a Isabel de Sá a autores absolutamente contemporâneos como a Andreia C. Faria, ou a estreia de obras. Estes quatros livros acabam por constituir um manifesto, dizendo que esta coleção é para isto… é para integrar os mais velhos, abrir a porta ao mais novos, para todo o tipo de estéticas, e de sensibilidades”, sentenciou Valter Hugo Mãe. Questionado sobre se há um interesse crescente pela poesia, que habitualmente é apontada pelos editores como vendendo pouco, Hugo Mãe argumentou: “Medimos as nossas paixões por sucessos puramente íntimos, somos cidadãos bem-sucedidos se tivermos o amor de duas ou três pessoas, de um filho ou de uma companheira, e a poesia, para mim, está neste reduto de intimidade e não precisa de ter a pretensão de chegar a muita gente”. A poesia, disse à Lusa Valter Hugo Mãe, “é um modo profundo, intenso, talvez mais verdadeiro de comunicar, e que sabemos vai dizer respeito a um núcleo restrito, e por isso um grande sucesso na poesia pode dizer respeito a 200 ou 300 exemplares vendidos”. A colecção, ao mesmo tempo, vem ao encontro do desejo que Hugo Mãe “tinha de voltar a editar”. “Depois de termos sido editores não conseguimos intimamente deixar de o ser”, disse Valter Hugo Mãe referindo a sua experiência na extinta Quasi Edições, referindo o interesse pela descoberta dos textos “e até na decisão da imagem do objeto, a escolha do papel a capa…”. Quanto à continuidade da coleção, vai contar, para já, com os quatro volumes da Obra Completa de Artur Cruzeiro Seixas, autor com 98 anos, artista plástico e escritor, um dos nomes centrais do surrealismo português. De acordo com o editor, prevê-se a edição de oito a dez livros por ano. Valter Hugo Mãe garantiu que “estará sempre presente” na colecção, até como tradutor, mas a sua própria poesia “passará por outros lugares”. A apresentação da colecção “Elogio da Sombra” e das suas primeiras quatro obras realiza-se no próximo dia 23, no âmbito do festival Correntes d’Escritas, que decorre na Póvoa de Varzim, ao longo da próxima semana.
Hoje Macau InternacionalDelegação do Parlamento Europeu impedida de entrar na Venezuela [dropcap]U[/dropcap]ma delegação do Parlamento Europeu (PE), que tinha sido convidada pela Assembleia Nacional venezuelana (AN) a visitar a Venezuela, foi no domingo impedida de entrar no país e obrigada a apanhar um voo de regresso a Madrid. A expulsão dos eurodeputados foi denunciada pelo deputado opositor Francisco Sucre, através da sua conta oficial no Twitter, onde afirma que a delegação já tinha chegado ao Aeroporto Internacional Simón Bolívar de Maiquetía (norte de Caracas), o principal do país. “Queremos alertar a opinião pública nacional e internacional que o regime usurpador de Nicolás Maduro acaba de proibir a entrada na Venezuela de uma delegação de euro-deputados que vieram a convite da Assembleia Nacional da Venezuela e do seu presidente Juan Guaidó”, escreveu. Numa outra mensagem, o deputado afirma que esta é uma “nova amostra de que Nicolás Maduro é um tirano que pretende isolar a Venezuela do concerto das nações livres e que gera sofrimento no seu povo, que padece de uma emergência humanitária complexa”. “Denunciamos este novo atropelo contra a liberdade e a democracia. Proíbem a entrada aos euro-deputados e retêm os seus passaportes sem razão ou explicação alguma, o que é um abuso de força de um regime que recorre à força para aferrar-se ao poder”, sublinhou. Francisco Sucre publicou ainda um vídeo, em que explica que os deputados mostraram às autoridades uma carta com o convite feito pela presidência da Comissão de Política Exterior do Parlamento, mas que obtiveram como resposta “isso não vale nada”. Entretanto, também através do Twitter, o porta-voz do Partido Popular espanhol, Esteban González Pons, um dos deputados expulsos da Venezuela, explicou que “a única explicação” para o sucedido é que Maduro “não os quer” no país. A delegação estava composta pelos euro-deputados Esteban González Pons, José Ignácio Salafranca Sánchéz-Neyra e Juan Salafranca. Dela fazia parte também o euro-deputado português Paulo Rangel, que perdeu o voo de ligação entre Madrid e Caracas.
Hoje Macau ReportagemCicatrizes da lepra ditam vidas de isolamento na China Por João Pimenta, da agência Lusa [dropcap]N[/dropcap]o canto de um cubículo com dez metros quadrados está um corpo em decomposição: repleto de pus, úlceras nos braços e pernas, dedos amputados, rosto desfigurado, sem nariz. Um cheiro pútrido repele os visitantes. Su Yaodong chegou há duas semanas à aldeia de leprosos do condado de Lianjiang, depois de dez anos a dormir nas ruas de Cantão, uma das mais prósperas cidades da China, a mais de 400 quilómetros dali. “O seu corpo estava em corrosão”, descreve Masq, uma australiana que há vários anos promove acções de caridade na província de Guangdong, sul da China. “Nós conseguimos convencê-lo a vir para aqui, e estamos felizes, porque ele agora tem um tecto sobre a cabeça”, diz à agência Lusa. Situada entre terrenos baldios e uma fábrica de cimento, no litoral de Guangdong, perto da ilha tropical de Hainan, esta aldeia acolhe mais de 60 leprosos – a maioria idosos, expulsos das suas terras natais e ali radicados há várias décadas. Uma das doenças mais antigas do mundo, a lepra ataca a pele e os nervos e cria lesões irreversíveis, e é transmitida pelo contacto próximo com infectados, particularmente entre quem vive em condições de pobreza extrema. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em todo o mundo haviam 214.783 casos de lepra, em 2016, entre os quais mais de 12 mil considerados graves. A China não consta da lista de países onde a doença assume uma “dimensão preocupante” e, segundo a Associação de Leprosos da China, quase 480.000 pacientes foram tratados nos últimos cinquenta anos, enquanto cerca de 6.000 continuam infectados. No entanto, muitos são ostracizados devido às lesões corporais e acabam por permanecer em comunidades isoladas mesmo depois de curados. Só em Guangdong existem “pelo menos dez” destas aldeias, instaladas “longe das cidades ou algures nas montanhas” e administradas pelas autoridades locais, revela Masq. As instalações em Lianjiang foram recentemente remodeladas: para além dos espaços comuns – enfermaria, farmácia ou uma sala de convívio – cada unidade individual dispõe de uma cozinha, casa de banho e quarto. Os residentes recebem, mensalmente, 500 yuan do governo local e um médico desloca-se à aldeia quando telefonam. “De resto, estamos por nossa conta”, dizem. Designado Leprosy Love, o projecto lançado por Masq combate o isolamento destas comunidades: para além de doarem alimentos, roupas e outros bens, os voluntários organizam atividades lúdicas. “Não se trata apenas de dar um saco de arroz e uns pacotes de leite”, explica a australiana, “mas antes proporcionar um momento especial: algo para estimarem e recordarem”. A criação de aldeias isoladas para leprosos remonta aos primeiros anos após a fundação da República Popular da China, em 1949, com o lançamento de programas de saúde pública pelo novo governo comunista. No final de 2011, estas comunidades, espalhadas pelo país, contavam com uma população total de 20.000 habitantes, segundo dados oficiais. Este número deverá reduzir-se, ao longo dos próximos anos, à medidas que os residentes vão morrendo e a doença é erradicada, esvaziando estas aldeias. Lan Ying, que vive em Lianjiang há mais de trinta anos, queixa-se do barulho e poluição gerados pela fábrica de cimento ali aberta recentemente. “Gostava de sair daqui”, diz, “mas já não me resta família”.