Signo-sinal

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] casa onde ninguém vive. Uma imagem de solidão habitada por fantasmas. Sons, cheiros e vozes. Sobretudo vozes. Entro, e em frente o solitário com a eterna camélia vermelha. Eterna e artificial.
Solitário. Essa jarra alta e esguia como uma escultura de Giacometti. Sempre gostei delas, antiquadas, elegantes e para uma flor só. Em casa, toda a vida um. Da avó, e mesmo depois de ela já não estar sempre, ficou. Até um dia. E quando se partiu esse antigo, levei um outro, pelo muito que gostei destas jarras. Ainda ali está. Na casa onde ninguém vive. Casa triste. Se dela se pode dizer ainda, ser uma casa. Mas é de algum modo um ser. E como os outros, habitado ou não. Já não. E encerra na sua escuridão, dantes acolhedora e agora só escura, restos de uma alma que ali ficou impressa. Cada vez mais desmaiada, fugidia. Que absorveu de vidas e vozes, de entradas e saídas de beijos e despedidas. Vidas cruzadas ali por momentos, horas e dias, meses e anos, vidas vividas e livres, ou aprisionadas, contrafeitas. Paragem entre viagens, estação temporária de dias ou meros momentos, futuro impreciso e para sempre. O para sempre de viver enquanto dura. O para sempre de haver crianças a abrir os olhos e com um futuro de imensidão possível. O da ilusão de eternidade. O da ilusão de imortalidade. Esquecida realidade no cadinho de tantas outras emoções. Estruturas, zangas. Tantas vozes alteradas e tantas vozes alteradas depois para outros tons. Gritos, emoções. E as primeiras rosas. E a ninhada da estação. E os trovões de que o cão grande, enorme tinha medo de morte. O único já, que depois ainda prendia ali a dona de uma casa a entristecer. Arranhava a porta ali em baixo com as unhas enormes e a sua alma infantil a sair por uns olhos aterrorizados, até à exaustão. E de uma nesga para o acalmar ele irrompia para dentro com toda a força brutal do medo, subia escadas íngremes e atirava-se como a força telúrica alojada na sua alma animal, de encontro ao sofá grande que ocupava em todo o comprimento no chão que lhe chegava. Debaixo de tecto. E fechava os olhos com um enorme suspiro humano e a força inabalável de quem só sairia à força e essa força não havia. E os eclipses. Acontecimentos a céu aberto rodeados da fantasmagoria silenciosa das rosas nocturnas. E os campeonatos de futebol a lembrar ausência depois. Ir e vir. E ser casa a que se chega. E de que se parte sempre para voltar. Casa. A casa dos pais.
Uma sensação falhada de para sempre deve ser o destino onde desemboca cada solidão de casa no final. Abandonada sem querer. Até há um tempo, mesmo sem já saber para quê, cuidava-lhe do pó como quem cuida de uma criança ou de um idoso. Não deixava acabar os fósforos. O café. O frio do frigorífico de ronronar esperançoso. Regar as mesmas plantas de antes. Cuidar do passado como nas últimas décadas, e ver depois que algo na vida me foi esquecendo. E a esquece em parte quem se demora no passado. E nesse cuidar se fazia presente e ilusório na sua completude, aquela urgência de acudir. Algo me prendeu ali. E inflectiu. O meu caminho. São as contas da vida. Precisava de ter tido a força de um super-herói e duas vidas para viver. Bem.
Tanta poética sem uma cronologia fixa. Topografia estável. Ir em frente sem saber se para trás. Entender tarde e temer cedo demais. Contraria a razão. Passe de magia sem deslumbre possível. A poesia é para comer. Diz Betânia. Mas a vida, para viver.

Hoje visito-a para consolar a minha tristeza e a dela. Mente animista a minha. Levo-lhe duas cervejas fresquinhas para bebermos juntas. As minhas visitas curtas, agora. Em que me demoro simplesmente a revolver a própria forma da despedida. E a matéria, cada segundo. Perscrutar-lhe a viabilidade com cuidado. Homenagem a uma solidão de que não tem culpa. E à minha nostalgia incurável de outros tempos ali. Sento-me com ela num sítio diferente. Escolhi um outro lugar preferido para este tempo de solidão a duas. A dela desabitada de todos. A minha do impossível retorno. Por isso já não me sento com ela no sítio do costume. Com vista para todas as ausências. Com vista para o silêncio que vem da cozinha e da televisão vintage, silenciada pela modernidade que não consegue acompanhar, viva mas inerte. Para a porta por onde ninguém entra, e para a poeira densa que tudo recobre a proteger da vivacidade dos tons que feririam na sua paragem, mais do que o constatar de que tudo mudou. Um bicho sem dono, este ser de casa. Que ninguém cuida. Escolhi um lugar novo de estar ali na minha melancolia, de costas para tudo. Pela casa. Este lugar, a olhar para fora. Ao contrário do meu de muitos anos, no canto direito do sofá grande. Sento-me com ela, e silenciosamente ela entende. Estar ali naquele lado do redondo da outra mesa e a olhar a janela, a desviar os olhos das orquídeas que ainda resistem. Antigas mas a ceder ao abandono. A janela é tudo. Fora e dentro para amenizar a tristeza. Bebo a minha cerveja e vou fumando a dar contas à vida e a contar-lhe segredos de agora. Bebo a minha cerveja lentamente por mim e por ela. Bebo a outra por ela e pela minha tristeza dela. E sinto que lhe fiz companhia e ela a mim. No possível de cada uma de nós hoje. Um dia diferente no tempo e já muito fora da realidade que é habitar e ser habitada. Isso já não é.
Mas há a memória. Por isso atraso ou dou tempo, até desgastar qualquer sensação de desarrumar, destruir, desmanchar uma casa. Que já começou, mas estendo no tempo um pouco mais. Mesmo quando a casa que ninguém habita, nem as minhas saudades têm o poder de trazer de novo à vida. A perder-se no desvanecimento próprio à memória das coisas a sair do lugar da sua organização própria, que tinha cheiros e imperfeições. Ruídos e sujidades novas. Não esta poeira que se sobrepõe, indiferente, camada sobre camada de esquecimento, vazio e silêncio. Da inutilidade.
Aconteceu algo aqui. Oiço as vozes por trás de mim. Quando oiço. Mas as vozes tendem a calar-se discretamente à medida da minha despedida. É isso. Viro-lhes as costas e tento ouvir de novo. Ou que se calem apaziguadas na espuma do tempo que passou para sempre, sem ressentimentos nem amarras. Tento que se desliguem deste suporte que vai ter que se desatar. E se depurem em outras formas de habitar, e que pairem por ali nas sonoridades mais coloridas. Risos. Chamamentos. Perfumes de cozinha sempre viva. Jogos. Novidades das flores e das árvores inábeis e generosas. Venho beber um copo com ela mas na realidade poiso um só em cima da mesa. E bebemos eu e ela alternadamente como amantes que partilham segredos. Dizem. Do mesmo copo. Tantas coisas. Aconteceu algo aqui durante anos. E foi. E agora é preciso libertar e libertar-me desta teia quase física onde estão presas memórias. Bebo para celebrar o que foi e para me juntar ainda uns momentos a este bicho estranho que é a memória boa-má. Eu sei o que isto foi. Mas a casa está exausta de abandono e a deixar fugir entre os dedos aquilo que o tempo levou para sempre. Esses dedos que vejo estendidos lá fora. Como um signo – sinal. Dizem que também tenho que sair do novelo de memórias, fechadas um dia destes finalmente na arca de madeira lavrada. Tantas coisas que, conhecendo de sempre, me apetece levar comigo, como animais abandonados. E que preciso de revolver nas mãos vezes sem fim antes de lhes dar destino. Relembrando tudo o que trazem em si e de mim. Avaliando as possibilidades de nunca mais ver. De esquecer. A força que tenho ou não. E sempre a vontade de guardar tudo. Mesmo noutro lugar e já sem a cartografia exacta do uso ou do cenário. E depois? Algumas coisas quase mágicas davam uma grande história se o despudor chegasse a tanto. Outras só desenhando uma cronologia de tempos passados e arrumados. E as vozes. Ecos. Já só. Que tento continuar a ouvir, por um lado, e esquecer por outro. Porque tudo era imperfeito como a vida.
Estas são visitas de despedida. Despedida lenta como o tem que ser para mim. E a sós como o devem ser as grandes despedidas. Dizia Gerardo Castelo Lopes de um fotógrafo, que devia abordar o alvo da fotografia como num acto de sedução, delicada e lentamente. A sedução que se concretiza no fotografar de um ser, que o prende no fascínio do olhar por detrás da câmara. E se esgota ali. Mas esse acto de predação, dizia, devia ser amenizado por uma retirada também lenta e suave. Com o mesmo charme cuidadoso da abordagem, sem cortes abruptos. Sem dor. São assim estas despedidas. Mas não sem dor. Só com todo o tempo. A desgastar e a aplainar cada nó de mágoa, mais não seja pela repetição. Pela diluição.
Mesmo os espelhos já não parecem reconhecer o momento. Antes tristes e ressentidos. Na realidade já não devolvem uma imagem com rigor e plenitude. A deixar de nos reconhecer como se o momento único e desgarrado de toda a memória para eles não fosse o suficiente para reconhecer-nos e assim nos devolver em imagem. Como se faltasse a espessura de todo o entretanto para dar consistência à imagem- reflexo que emitem. Amuados, magoados de tanta ausência de movimento na sua frente. De tanto desconhecimento de tudo o que hoje se passa longe dali. Porque a vida, uma vida debandou dali. Em alguns num bater de asas leve e inconsciente e noutros como eu, presa à minha propensão para a nostalgia. Mesmo eu, que já não tenho espaço de vida para aquela casa e aquela memória. A necessidade das despedidas também desse lado de mim. Não só porque a casa, a alma da casa, se foi. E foi para nunca mais. E é preciso que o nunca mais se torne eterno. Saia do limbo da saudade presa ainda por fios aos passos possíveis, aos objectos no seu lugar de ainda. Aos ângulos ainda vagamente semelhantes a sempre. Mas sem as pessoas. E sem as pessoas, uma casa deixa de ser uma casa. E há que retirar- lhe delicadamente os fragmentos da alma agarrada aos objectos e trazê-los para uma nova vida. Ou sepultar.
Sento-me nesse lugar novo, de costas para toda a casa por onde já circulam as ausências de coisas, a desarrumação lenta e inadiável a ganhar a forma da desconstrução. E por isso também. Mas pela janela, vejo quase só a janela. E sei porque o faço. E ali, também a árvore de sempre, de copa altiva durante anos, decepada progressivamente por temporais repetidos ao longo de invernos. Com pernadas presas por um fio de fibras temporariamente perigosas e que iam depois caindo. Dessa árvore sobra um tronco a ressequir de formas dramáticas. E um dia aquelas mãos. Outra referência a Giacometti. Como uma escultura orgânica, esta. Abertas num gesto expressivo. E com o dramatismo contraído até à ínfima expressão sob a pressão do mundo, e ferozmente lançado em frente dos “Walking man”. Sei. Este sinal. Por isso me sento agora nesta janela a olhar para fora e de costas para a casa onde ninguém vive. Já. Não sei já se aquela era o castanheiro temerário muito podado e crescido em altura para lá do razoável, que a cada inverno e temporal ameaçava estragar algo na queda. Como as pessoas. Mas este inverno foi definitivo para ela. E aquelas mãos, negras e magras a espreitar de fora, um dia disseram de forma diferente. E foi bom.
Fecho a porta à chave e prometo voltar. A ela ou a mim. Mentalmente. Ainda para uma última despedida, antes da última. E vou. É tarde.

27 Mai 2016

Macau, que futuro?

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]sai Ing-wen, a primeira mulher Presidente de Taiwan, assumiu funções a 20 de Maio. No discurso de tomada de posse, não fez alusão ao “Consenso de 1992”, mas afirmou estar empenhada em manter a estabilidade no relacionamento entre a China e Taiwan. Na sua visita de três dias a Hong Kong, o Secretário-Geral do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo, Zhang Dejiang, prestou declarações onde condenava vivamente os apelos à auto-determinação de Hong Kong, pedida por alguns para 2047, e à independência da China. Durante a visita a Pequim da delegação Sino-Australiana da Fundação de Hong-Kong Para o Intercâmbio Jurídico, o chefe da delegação, Lawrence Ma, citou as palavras do Vice-Secretário-Geral do Comité da Lei de Bases, “O Governo chinês usará a Lei, as armas e os canhões para lidar com a questão da independência de Hong Kong”. Até aqui vimos por alto as questões de Hong Kong e de Taiwan, e quanto a Macau?
Após o protesto de 15 de Maio em Macau, a calma voltou a instalar-se. A Fundação Macau mantém aparentemente a sua participação bienal de 100 milhões para a Universidade de Jinan, na China, e o Chefe do Executivo não tem qualquer intenção de se demitir por más práticas. Por outro lado, podemos quase de certeza descartar a hipótese de ver levada à discussão na Assembleia Legislativa a alocação desta verba, já que a maioria dos deputados foi escolhida por eleição indirecta e por indigitação. Com todas as exigências dos manifestantes a serem ignoradas, que futuro espera Macau?
A questão de Taiwan está associada à unificação da China. Por enquanto, o partido no poder na Republica da China, o Partido Democrata Progressista, mantém-se fiel ao seu princípio “Uma China”, e não se atreve a avançar com a ideia de Taiwan se tornar independente da China. Em Hong Kong, a discussão sobre a auto-determinação e sobre a independência é um tema de que se ocupam algumas pessoas, quando perscrutam o futuro da cidade. Se estas questões irão, ou não, passar a propostas concretas, tudo irá depender da evolução do relacionamento entre o Governo Central e o Governo da RAEHK. O poder de decisão mantém-se nas mãos do Governo Central. Mas se continuar a ignorar as opiniões dos cidadãos e insistir que Leung Chun Ying deve ser reeleito como Chefe do Executivo, então os esforços de Zhang Dejiang para que, durante a sua visita, fossem efectuados encontros com os membros do Campo Pró-Democrata, terão sido em vão. Se isto vier a acontecer, a dissensão social tornar-se-á ruptura social. Nessa altura, a situação será irrevogável, mesmo que se usem “armas e canhões”. Quanto às declarações de Lawrence Ma, da delegação Sino-Australiana da Fundação de Hong-Kong Para o Intercâmbio Jurídico, podemos afirmar que não é a primeira vez que ele se manifesta de forma irreflectida. Acresce ainda que alguns membros da delegação estiveram envolvidos em escândalos sexuais, que causaram tantos embaraços a Maria Tam Wai-Chu que esta acabou por se demitir da função de conselheira honorária da Fundação. Quanto a Macau, para além da situação vir a permanecer inalterável ao abrigo da política “Um País, Dois Sistemas”, estipulado pela Lei de Bases, não vimos até agora ser debatido o futuro de Macau depois de 2049. O facto desta discussão não vir a lume não quer dizer que os habitantes de Macau não estejam preocupados com o seu bem-estar e com o das gerações futuras. Começa a tornar-se necessário que as pessoas se preparem com antecedência.
Na verdade, o Governo Central tem seguido de perto a evolução dos acontecimentos em Hong Kong, Macau e Taiwan e recolhido o maior número de dados possível. No entanto, não reconhece a representatividade destas opiniões nem se dá ao trabalho de as estudar a fundo. Devido à concentração de decisões no Governo Central, existe falta de flexibilidade e ausência de distribuição de tarefas. Um excesso de confiança nos representantes de Hong Kong e Macau, torna inevitáveis os desvios políticos. A alocação da verba de 100 milhões feita pela Fundação de Macau à Universidade de Jinan, na China, para construção de instalações, é uma jogada politicamente correcta, mas é ao mesmo tempo uma violação grave dos seus estatutos e uma falta de respeito pela população de Macau. Se esta questão não for tratada correctamente, e o sentimento do Governo Central em relação ao que se passa na RAEM não se alterar, os desentendimentos e os conflitos podem degenerar em ruptura social.
Ambos os Governos partilham a responsabilidade de manter boas relações e de favorecer o desenvolvimento de Macau. Enquanto habitantes de Macau, como é que nos podemos alhear destas questões!?

27 Mai 2016

Hallonia Lai: “Ninguém gosta deste Macau de agora”

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara quem se lembra das noites de Macau de há 15 ou 20 anos, no “Casablanca” (onde os 46 ou 47 portugueses restantes de 1999 se encontravam), e antes, do “Talker”, Hallonia Lai, Loni para os amigos, é uma figura icónica. Por cá cresceu e por cá passou grande parte da vida.
“Quando era pequena, as pessoas não eram ricas, mas remediadas”, começa por dizer ao HM. “O meu caso era especial porque o meu pai morreu quando nasci e não foi fácil para a minha mãe.”
Não era simples arranjar trabalho em Macau, “especialmente para mulheres de meia idade”, como diz Hallonia. Quando nasceu, a mãe tinha quase 40 anos. “Teve sorte de poder trabalhar em casa. Fazia partes de calças para uma pequena fábrica.”
O mais difícil acabava por não ser alimentar a criança, mas sim cuidar de uma ‘teen’ irrequieta. “Nunca me portei bem”, confessa-nos Hallonia. “Não era como as outras meninas, não cumpria ordens. Estávamos nos 70, percebe? Eu respeitava mas não ouvia”, diz-nos enquanto ri.
Aos 13 anos já desaparecia de casa para ir para a festa. “Sabia que ao chegar a casa a minha mãe me batia, mas não queria saber.”

Saudades do Macau antigo

As festas aconteciam em casa de amigos, muitas na zona da Coronel Mesquita. “Adorava”, diz, “não existiam estes prédios todos. Quase tudo eram vivendas, até nos Três Candeeiros onde só existiam prédios de dois andares”, recorda. Uma dessas vivendas serviu de palco a várias festas.
“Ouvia-se, música, namorava-se…”, frisa Hallonia, admitindo que não se lembra bem das músicas, “os hits de dança ocidentais”. Mas lembra-se bem dos Bee Gees, “para dançarmos agarradinhos”.
A casa da Coronel Mesquita deixou-lhe grandes recordações. “Era de uma família macaense”, adianta, “devia ir lá tirar umas fotografias senão ainda a deitam abaixo”, suspira, revelando saudades desse Macau perdido. “Agora detesto”, diz, “se as pessoas conhecessem o Macau antigo não iam gostar disto. Pode perguntar a qualquer pessoa que conheceu. Ninguém gosta.”
Voltámos à juventude. O grupo de amigos era quase exclusivamente chinês, alguns macaenses, mas os próximos eram chineses. “Os macaenses davam-se mas não havia muita intimidade. Só nas festas. Viviam no mundo deles”, diz.

Escolas de mulheres nem pensar

“Estudei na Leng Lam (perto da Guia), mas quando passei para a classe dos mais velhos a minha mãe tirou-me pois queria-me a aprender Inglês”. Foi o desastre. Acabou na Escola do Sagrado Coração. “Detestava”, confessa Hallonia, “mulheres por todo o lado, dava em maluca”, relembra divertida.
Não gostava das escolas unissexo e foi expulsa, como nos conta enquanto se ri muito. “A minha mãe ficou furiosa, claro.” Tentou a Luso-Chinesa mas “não a quiseram lá”. Foi para o Santa Rosa de Lima mas “era outra vez só mulherio”, diz, “e a reitora, uma freira sempre de nariz no ar. Detestava”.
Começou a trabalhar tinha 16 anos “num salão de beleza”. Gostou da experiência pois aprendeu muito e fazia dinheiro. Um ano depois engravidou, casou-se e trabalhou até a filha nascer. Depois teve de desistir.

Aventura em Hong Kong

“O meu marido era meio maluco como eu e andávamos aflitos com dinheiro”, conta a rir. Como não queria trabalhar para um casino, convenceu-o a ir para Hong Kong tentar uma vida melhor, pois lá podiam ter opções.
“Fui para um Night Club, imagine”, diz-nos, mais uma vez a rir. Fazia o papel de telefonista/recepcionista que conectava os clientes com as “mamasans”.
“Uma experiência incrível”, garante. “As coisas que se vê e ouve…”, relembra.
Lugar cheio de histórias e muito exclusivo, “enorme e para gente rica”, era um sucedâneo de um grande clube de Xangai que, à imagem da terra, tinha um perfil de opulência.
“Divertia-me com as histórias das raparigas. Ouvia coisas que… waaah!”, revela Hallonia recordando uma em particular: “Ia lá gente muito, muito famosa. Um desses marcou uma rapariga do turno da tarde.” As mais caras, soubemos, eram empregadas de escritório que ali faziam um dinheiro extra. O famoso marcou uma saída com a rapariga e “eram 500 HKD para irem jantar, dos quais 300 ficavam na casa”, como explica Hallonia, “e o fulano recusou-se a pagar”. Disse à rapariga que ser vista com ele em público era pagamento suficiente.
A experiência durou apenas um ano. O marido arranjou um bom emprego e Hallonia deixou de trabalhar. Mas aborrecia-se e um dia voltaram para Macau.

Mudando a noite

Pouco depois surgia o bar “Talker”, que viria a tornar-se numa lenda dos anos 90. Inaugurado em 1993, começou a reunir pessoas de várias origens. Ao princípio só ajudava aos fins-de-semana, mais tarde viria mesmo a tornar-se gerente. “Adorava a experiência de conhecer muitas pessoas e apaixonei-me pelo trabalho”, revela. Mas um dia o negócio começou a estiar “talvez por as pessoas quererem novidades.”
A zona dos NAPE estava a ser construída. “Eram apenas meia dúzia de ruas”, explica, e tinha aparecido o “Opiarium”, que estava a concentrar as pessoas.
“As lojas eram baratas, ninguém as queria, alugámos uma e montámos um bar que baptizei de 911”, diz a rir-se. O “Talker” acabou por fechar, o dono da empresa arrendou mais uma loja e assim apareceu o “Casablanca”.
Hoje está em casa “e trabalha mais que nunca”, garante, “a tomar conta da neta e do próximo neto que aí vem”. Se pudesse mudar algo na terra, “tornava as pessoas menos preguiçosas”, confessa-nos.
“Macau precisa de opções”, pois a excessiva dependência dos casinos não é boa para ninguém. “É tempo de trazer coisas novas para Macau. As pessoas gastam menos porque sentem-se inseguras. Não podemos estar dependentes disto. Temos de inovar”, conclui.

27 Mai 2016

GIT vai lançar concurso para oficinas do metro

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (GIT) deverá lançar em breve o concurso público para a construção do parque de materiais e oficinas do metro ligeiro, para que o segmento da Taipa possa funcionar em 2019. Segundo a Rádio Macau, o GIT explicou que “foram concluídos os trabalhos de revisão e ajustamento ao projecto, incumbidos anteriormente pelo Governo à equipa técnica de consultadoria” e que o Gabinete se encontra a realizar os trabalhos preparatórios finais no âmbito administrativo para o novo concurso. Terminado o contrato com o consórcio composto pela Top Builders e Mei Cheong, o Governo escolheu a empresa Consul-Asia para planear a execução da construção para “acelerar o progresso” da obra. O GIT prevê agora que “a empreitada da super-estrutura arranque novamente este ano e que o prazo de execução possa ser reduzido através do ajustamento ao projecto”. A Consul-Asia irá, na próxima fase, prestar “apoio e parecer técnicos” à construção, noticiou a Rádio Macau.

27 Mai 2016

UE | Carmo Cano de Lasala substitui Vincent Piket

Carmo Cano de Lasala será a nova chefe do Gabinete da União Europeia em Hong Kong e Macau, iniciando funções já em Setembro. A terminar o mandato, Vincent Piket deixa um registo de “excelentes relações” com Macau

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]incent Piket, chefe do Gabinete da União Europeia (UE) em Hong Kong e Macau termina agora o seu mandato. A sucessora será Carmo Cano de Lasala, actual chefe do gabinete da UE da China e Mongólia em Pequim, apurou o HM.
“Sim, confirmamos a ida de Carmo Cano de Lasala”, frisou o gabinete da UE da China e Mongólia em Pequim ao HM. De nacionalidade espanhola, de Lasala é formada em Filosofia e Artes pela Universidade de Zaragoza, em Espanha.
A futura representante começou a sua carreira em 1992, como vice-presidente da Embaixada de Espanha em Addis Abeba, na Etiópia. Em 1995 assumiu funções como vice-presidente da Embaixada de Espanha em Accra, no Gana. Seguiram-se as embaixadas de Bucareste e Cazaquistão.
Em Agosto de 2006, viaja até Pequim para o departamento dos Negócios Estrangeiros de Espanha na Ásia. Em 2011 assume o lugar de número dois da delegação da UE, passando em Janeiro de 2014 para chefe do Gabinete.

Relação positiva

José Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, analisa a relação e cooperação com o ainda chefe do Gabinete da UE em Hong Kong e Macau como “muito” positiva.
“Em termos de cooperação, o trabalho feito com Vincent Piket tem sido muito frutuoso. Portanto o espírito de cooperação que existe, dentro das áreas que nós conhecemos e trabalhamos e também no que diz respeito às relações com a Câmara do Comércio, tem sido extremamente positivo e feito com uma grande abertura e um espírito de excelente relacionamento”, frisou.
Vincent Piket, aponta Sales Marques, sempre se esforçou para manter essa relação especial. “Ele sempre demonstrou ter uma atenção especial com Macau e às organizações com as quais eu também trabalho, nomeadamente o Instituto [de Estudos Europeus] e a Universidade de Macau”, rematou.
Assumindo não conhecer o trabalho nem a pessoa da futura chefe, que deverá tomar posse no início de Setembro, José Sales Marques espera manter as boas relações.

26 Mai 2016

Venezuela | Fome e insegurança num país que já não é o que era

Os dias passam devagar para quem está na Venezuela: a maior crise que o país já enfrentou tem levado vidas, trazido fome e parece estar longe de chegar ao fim. Venezuelanos dão o testemunho do que se passa e falam de uma história de “terror”

[dropcap style=’circle’]L[/dropcap]á não se vive. Sobrevive-se. A Venezuela está, neste momento, a passar por uma crise sem precedentes, que deixa milhões à fome, sem acesso a bens essenciais e a medicamentos. Bebés recém-nascidos morrem diariamente e o Governo mantém-se impávido. É por isso que, para Maritza Margarido, lá “não se vive. Sobrevive-se.”

“É um país em guerra. A Venezuela atravessa agora o pior momento da história. Não há comida e quando há, não há como pagar a preços tão elevados”, começa por explicar ao HM.

Não há produtos de primeira necessidade em nenhum supermercado e, quando chegam alguns, as pessoas têm que “ir para a fila”. Fila essa que se estende por quilómetros, como provam imagens que Maritza envia ao HM e que tira da varanda de sua casa. E como os média, os poucos que falam do assunto devido à falta de abertura/conhecimento da situação, relatam.

Filas para comprar comida estendem-se por quilómetros
Filas para comprar comida estendem-se por quilómetros
Cada pessoa tem um dia específico para ir às compras. O de Maritza é a sexta-feira e começa às duas ou três da manhã. Nem pensar faltar à chamada.

“As pessoas só podem adquirir esses produtos no dia que lhes foi designado e segundo o número de bilhete de identidade. A mim calhou-me a sexta-feira. Para fazer as compras é através de impressão digital e, mal a coloquemos, ficamos bloqueados não podendo fazer as compras em mais lado nenhum, nem voltar a comprar nada até que volte a ser a nossa vez. Isto é controlado pela identificação digital”, conta a portuguesa nascida na Venezuela, ao HM.

A escolha de ir cedo para a fila é justificada pelo facto de os primeiros a entrar poderem ser os mais “sortudos” – se o supermercado abrir às 8h00, na hora seguinte pode já não haver bens para comprar. Quem faltar no dia que lhe foi indicado, por exemplo por estar a trabalhar, não tem outra solução que não a de esperar até à semana seguinte. E quem consegue comprar os poucos produtos que ainda vão existindo corre o risco de ser assaltado à saída do supermercado, num país onde a lei também parece já não existir.

[quote_box_right]“Já não há estado civil, está destruído. A Venezuela já não é o país maravilhoso que foi dos anos 50 aos 90” – Eliana Calderón, venezuelana a morar em Macau[/quote_box_right]

À mingua

Um dos grandes lemas de Nicolás Maduro, presidente do país, para ‘enfrentar’ a crise é que “Deus providenciará”. Mas Deus não está a providenciar. A Venezuela tem a maior reserva de petróleo das Américas, sendo que este produto equivale a 95% das exportações do país. As receitas do ouro negro, como relembra a BBC, foram até utilizadas para financiar alguns programas sociais, possibilitando a construção de um milhão de casas para os mais pobres.

Mas os preços dos barris de petróleo desceram mais de metade de um ano para o outro – 88 dólares por barril foram, agora, substituídos por 35 dólares. Consequentemente, o dinheiro já não chega aos cofres do governo que, por si, também não sabe como gerir receitas. E nunca soube.

A crise actual no país é difícil de explicar. À pergunta como é que a Venezuela chegou à situação em que está, as respostas que nos são dadas são semelhantes: má gestão financeira há décadas.

“O governo justifica-se com a questão do petróleo, mas acho que foi é má gestão dos governos, tanto do Chavez, como do Maduro. É o resultado da corrupção”, diz-nos Marisol Arroz da Silva, portuguesa nascida na Venezuela e radicada em Macau.

Comida para uma semana para uma família de cinco
Comida para uma semana para uma família de cinco
O mesmo diz Eliana Calderón, venezuelana a morar em Macau, que concorda com Maritza quando esta fala em “sobrevivência” no país. Eliana vê um país a deteriorar-se ao longo dos anos, onde já quase não há humanidade, segurança pessoal ou tranquilidade.

“Já não há estado civil, está destruído. A Venezuela já não é o país maravilhoso que foi dos anos 50 aos 90”, refere ao HM, relembrando que há pessoas a sobreviver “umas às custas das outras” e tudo muito graças ao chavismo e madurismo que imperam no país (ver texto secundário).

Hugo Chavez, que governou a Venezuela de 1999 até 2013, criou medidas de controlo dos preços para os bens necessários em 2003, com o intuito de que os mais pobres pudessem também ter acesso a açúcar, café, leite, arroz, óleo de milho e farinha. Mas essa decisão foi vista como forma de chamar seguidores, além de ter tido repercussões ingratas: produtores queixaram-se de que essas novas regras os faziam perder dinheiro: alguns recusaram-se a providenciar produtos para os supermercados públicos, outros pararam mesmo a produção. Resultado? A importação passou a ser ainda mais necessária à Venezuela.

Hoje, a inflação chega agora quase aos 200%. O bolívar venezuelano desceu 93% e as pessoas estão a comprar produtos com uma moeda que nada vale – 300 bolívares equivalem a 70 cêntimos de dólar americano.

Como nos conta Maritza, “o salário mínimo é irrisório e insuficiente para o que quer que seja”. Ainda que tenha aumentado recentemente, o preço dos produtos continuam a subir, “sendo a situação igual ou pior do que antes”.
Algumas famílias passam fome, porque agora “comer é um luxo”, como dá conta uma família de cinco pessoas ao New York Times. No seu frigorífico têm cinco bananas, meio pacote de farinha, meia garrafa de óleo de milho, uma manga e meio frango.

“O povo tem criado um mercado informal nos bairros onde vive a que chamamos de ‘bachaqueros’, onde, depois de adquirirem os produtos no mercado normal aos preços regulamentados, as pessoas os vendem na rua até cem vezes acima do valor real”, continua a descrever Maritza. “Estou a referir-me a produtos como carne, leite, açúcar, farinha, papel higiénico ou produtos de higiene pessoal, entre outros.”

A população também utiliza a troca directa, com as redes sociais a serem invadidas com “pessoas pedindo medicamentos e produtos essenciais”. Notícias do New York Times, Daily Mail e The Guardian dão conta de testemunhos que indicam que “cães abandonados têm desaparecido das ruas” e que as pessoas estão a caçar pombos para comer.

O governo diz que muitos dos bens estão a ser levados para a Colômbia, o que levou a que Maduro ordenasse o encerramento parcial da fronteira com o país, em Agosto de 2015. Os bens podem não sair. Mas, assim, também não entram. E as pessoas nem sabem o que se passa.

“Os meios de comunicação não dizem nada, tudo o que se passa no país sabemos pelas redes sociais. A televisão proibiu que se mostre o que se passa e o mundo inteiro sabe melhor do que nós. Sem contar que levam os nossos filhos, que se manifestam pacificamente, presos e maltratam-nos”, diz-nos Maritza.

Saúde malparada

“A morte de bebés é o pão nosso de cada dia.” É assim que Osleidy Canejo, médico no Hospital de Caracas, descreve a situação vivida nos estabelecimentos de saúde do país.

Hugo Chavez, antecessor de Maduro, dizia muitas vezes no seu discurso que “não há água, nem luz, mas há pátria”. Mas a pátria está a precisar de electricidade. Ao New York Times, médicos explicam que as mortes de recém-nascidos acontecem logo pela manhã – só num dia há testemunhos de sete bebés que morreram por falta de electricidade que alimente os ventiladores.

“Alguns são mantidos vivos à mão, com médicos a bombearam ar durante horas para os manter a respirar”, refere o jornal.

344F903E00000578-0-image-a-20_1463533320283Maritza diz-nos que não há medicamentos, pílulas anti-concepcionais, anti-alérgicos. Não há medicamentos para os doentes de SIDA, cancro ou para aqueles em diálise.

“As pessoas ricas vão buscar a sua medicação à Colômbia. Quando entramos aqui numa farmácia as prateleiras estão vazias, para não mencionar que não existem medicamentos para crianças.”

Fotogalerias dão conta de métodos de desenrasque – dois homens que foram alvo de cirurgias nas pernas têm os membros elevados com recurso a duas garrafas de água cheias que contrabalançam o peso – e de agonia. “Homem sem metade do crânio há mais de um ano ainda espera tratamento pós-cirurgia”, pode ler-se na legenda.

O Canada Times fala de um depoimento de um médico que confessa que os instrumentos utilizados em operações cirúrgicas são “esterilizados” e “reutilizados até não darem mais”, porque deitá-los fora está fora de questão. Mas, para Maduro, a dúvida é só uma: “que algures no mundo, além de Cuba, o sistema de saúde seja melhor que na Venezuela”.

Bombas prestes a explodir

Em declarações aos média, os venezuelanos identificam-se como “bombas prestes a explodir”. Maritza Margarido fala de um país sem lei, onde “se pode matar e nada acontece”.

Um estado fome, onde o que se passa “não é terrorismo”, mas quase, como refere Eliana Calderón. Raptos e mortes nas ruas são uma realidade, como nos relata relembrando uma visita que tentou fazer à sua cidade, Mérida, há um ano e meio. Uma cidade tranquila, mas, agora, isolada.

“Chego ao aeroporto e temo poder ser assaltada. Podemos ser marcados por causa do carro onde vamos, podemos ter armas apontadas. Isto não é vida e não é fácil de aceitar para um sítio que era tranquilo.”

Um carro incendiado na rua onde vive Maritza
Um carro incendiado na rua onde vive Maritza
Também Maritza nos diz que “os bandidos são mais poderosos do que as armas da polícia”. Matam por um relógio ou um telefone. Sequestram pessoas e roubam carros para poder pedir resgates e, quando não os conseguem, matam ou atiram à rua os primeiros e incendeiam os segundos. Como Maritza Margarido “infelizmente” sabe bem.

“O meu filho foi sequestrado com a noiva e sua família em Setembro de 2015, num sequestro que aqui se chama de “sequestro relâmpago”. Andaram durante cinco horas num carro com a cabeça enfiada no meio das pernas, foram ameaçados e espancados. Ainda me ligaram a pedir resgate mas depois acabaram por ter a sorte de ser libertados num bairro perigoso de Caracas. Vivemos isto e este receio todos os dias. Tiveram sorte em não ser mortos, o que acontece muito”, diz-nos. Um “terror”, como classifica Eliana Calderón.

[quote_box_left]Coca-cola? Zero. A bebida mais famosa do mundo parou de ser produzida no país, porque não há açúcar[/quote_box_left]

Um governo inactivo e os seguidores que ainda acreditam

Para Eliana Calderón não há dúvidas que a mudança na Venezuela só poderá acontecer com “um novo governo” e “com ajuda militar”. A venezuelana radicada em Macau diz que esta é a única solução que vê, mas notícias sobre o que se passa no país mostram que os militares parecem também ser a solução de Nicolás Maduro. É que o presidente da Venezuela acredita que o país pode vir a ser invadido por forças exteriores, ainda que não haja evidências – ou ameaças – de que tal virá a acontecer.

“Naquilo que foram descritos como os maiores exercícios militares alguma vez vistos em solo venezuelano, no fim-de-semana passado, o presidente declarou orgulhosamente que mais de 500 mil tropas das forças armadas e milícias civis leais ao Governo participaram na ‘Operação Independência 2016’”, indica uma notícia desta semana da BBC.
“Nunca estivemos mais preparados do que isto”, disse Maduro, acompanhado pelo General Vladimir Padrino Lopez, Ministro da Defesa, que disse haver “aviões espiões dos EUA” a violar o espaço aéreo venezuelano por duas vezes este mês.

Desde o colapso económico do país que Maduro pouco fala da crise. O responsável dedicou muito do seu tempo a elogiar os pontos fortes da Venezuela – por exemplo por esta “ser” a maior potência ao nível do petróleo, ainda que o preço do barril tenha descido a pique – e a acusar outros países de se meterem na sua política.

Comida por votos

Segundo a agência Associated Press, é verdade que há países a meterem-se na política da Venezuela. São eles o Brasil e a Argentina, ainda que estes se digam apenas preparados para servir de “mediadores para uma possível reconciliação”.

A imprensa internacional, e alguns venezuelanos, criticam a inacção do governo de Maduro face à crise que se vive, tido como sendo o único “a não perceber a urgência” de fazer algo.

A declaração de “estado de emergência” saiu da boca de Maduro, mas apenas face ao golpe que este se diz vítima: a oposição recolheu cerca de dois milhões de assinaturas, num país de 30 milhões, para que se faça um referendo para retirar o presidente do poder antes do final do seu mandato em 2019.

Mas a problemática pode ir mais longe, como explica ao HM Eliana Calderón. “Nós venezuelanos é que temos destruído o nosso país, eu incluída que saí de lá, fugi”, começa por dizer, admitindo que se sente culpada mas que pensou primeiro na segurança do filho e na sua própria. “Mas o grande problema é que os venezuelanos sofreram lavagem cerebral, primeiro com o chavismo, depois com o madurismo. Uma lavagem cerebral muito grande”, diz-nos. “É verídico, é incrível como as pessoas são fracas, há cultos de seguidores [dos líderes].”

Nem a morte de Chavez há três anos fez terminar essa “lavagem”. O motivo? “Quando se dá comida grátis em vez de se trabalhar, sem ser preciso lutar, os seguidores querem mais, ficam à espera”, indica Calderón. A votação em Maduro é tida como um desses casos, onde comida foi distribuída em troca de votos, ainda que tenha havido manifestações contra o seu governo.

Beco com saída?

Com nacionalidade portuguesa, Maritza Margarido tem a “sorte” de ter um “plano B que a maioria não tem”, que é mudar-se para Portugal. Ainda assim, mantém-se no país. Tanto Maritza, como Marisol Arroz da Silva, nascida na Venezuela mas a morar em Macau, respondem à pergunta que parece ser óbvia – porque é que quem lá vive não foge – da mesma forma.

“Muitos já foram. Eu tenho uma filha de 28 anos que vive no Panamá há um ano, eu ainda estou aqui porque tenho o meu filho de 24 anos. No meu caso já conversei com ele e estamos organizar tudo para sair, mas não é possível explicar o quão difícil é deixar para trás uma vida [inteira], a sua história, a sua casa, as suas memórias, os seus hábitos”, confessa Maritza ao HM. “É uma situação complicada, a riqueza de uma vida e a família está lá”, indica-nos Marisol.

(com Sofia Mota)

26 Mai 2016

DSAJ | Plano para produção centralizada de leis feito até 2019

O Governo promete implementar até 2019 um plano para garantir que a produção de leis é feita de forma coordenada, sendo que as orientações internas para a elaboração de diplomas serão lançadas “a curto prazo”

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Serviços para os Assuntos de Justiça (DSAJ) prometem lançar entre 2017 e 2019 o plano que irá garantir uma elaboração centralizada das leis. Em resposta a uma interpelação escrita do deputado Si Ka Lon, o director da DSAJ, Li Dexue, confirmou que este plano irá abranger leis e regulamentos administrativos, os quais devem corresponder ao conteúdo do Plano de Desenvolvimento Quinquenal da RAEM. A ideia é que este plano abranja todo o processo até à entrega da lei na Assembleia Legislativa (AL).
Liu Dexue respondeu que o novo plano deverá levar a um aumento da qualidade e eficácia dos trabalhos de produção legislativa, bem como a criação de um modelo unificado de criação de leis.

Linhas internas em breve

Já as orientações internas para a produção de leis deverão ser lançadas em breve. “As orientações já entraram na fase final de apreciação e prevemos que as possamos implementar a curto prazo. Portanto não há necessidade de fazer uma regulamentação nesse sentido através de uma lei”, explicou Li Dexue. O director da DSAJ afastou a possibilidade de criar mais um diploma sobre esta matéria por se tratar de um “acto normativo”, que abrange trabalhos internos da Função Pública, que visa esclarecer as competências dos serviços das cinco tutelas do Governo.
Na sua interpelação, o deputado Si Ka Lon lembrou que actualmente a DSAJ participa em projectos legislativos que “implicam políticas importantes e técnicas complexas”, mas pediu mais detalhes. Li Dexue explicou que as “políticas importantes” estão relacionadas com trabalhos de revisão ou elaboração de leis que envolvem diversos departamentos públicos. As “técnicas complexas” dizem respeito à revisão dos principais Códigos ou a elaboração de leis importantes que estão relacionadas com assuntos da população.

26 Mai 2016

Alexis Tam quer grupo de especialistas a apoiar Macau na área da Saúde

[dropcap style=’circle’]o[/dropcap]Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, quer criar um grupo de especialistas para ajudar e apoiar os Serviços de Saúde (SS), com o apoio da Comissão Nacional de Planeamento Familiar e Saúde.
A ideia foi apresentada à própria Ministra da Comissão, Li Bin, durante a estada dos membros do Governo de Macau em Genebra, para a participação na 69ª Assembleia Mundial de Saúde, que teve início na passada segunda-feira.
“Assim, caso seja necessário, a Comissão irá deslocar-se a Macau, com uma junta médica especializada, de forma a orientar as operações, consultas técnicas e discussão sobre doenças”, pode ler-se num comunicado do Gabinete do Secretário.
O mesmo documento avança ainda que serão organizadas “oportunidades para que os profissionais dos SS possam fazer estágios no interior da China, de forma a aumentar os seus níveis profissionais e técnicos”.
Está ainda prevista a realização de um plano de simulacro, entre as entidades, ainda este ano, “assim como outras actividades de cooperação no âmbito da gestão de crises”.
Durante o encontro com Ko Wing-man, director dos Serviços para a Alimentação e Saúde de Hong Kong, ambas as partes admitiram a necessidade de “expandir a cooperação”, tanto na formação de profissionais, como na resposta a emergências de saúde pública, transferência de pacientes, gestão hospitalar e doação e transplante de medula óssea.
O Governo assinou ainda um memorando de cooperação, pela primeira vez na área da Saúde, com o Ministério da Saúde de Singapura, para reforçar os laços entre as entidades, incluindo “o intercambio académico”.
Subordinada ao tema “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, a 69ª Assembleia Mundial da Saúde termina no próximo sábado e conta com a participação de 194 países-membros.

26 Mai 2016

Jogo | Jorge Godinho defende inclusão de lotarias nos casinos

No livro “Direito do Jogo – Volume I” o académico Jorge Godinho defende o fim do monopólio das apostas desportivas e lotarias Pacapio, sugerindo a sua inclusão nos casinos e a implementação de “resorts integrados” com vários tipos de jogos. O académico fala ainda na eliminação de algumas medidas actualmente impostas

[dropcap style=’circle’]J[/dropcap]orge Godinho, académico da Universidade de Macau (UM), sugere no seu mais recente livro que o Governo deve apostar na integração das apostas desportivas e lotarias Pacapio nos casinos. A obra “Direito do Jogo – Volume I” foi ontem apresentada na Fundação Rui Cunha (FRC).
No livro, o autor fala da necessidade de “eliminar monopólios”. “As concessionárias dos jogos de fortuna e azar em casino deveriam poder oferecer apostas desportivas à cota, que actualmente são a segunda maior fonte de receita. Este monopólio deve acabar. Se vários casinos tiverem um ‘sports book’, como sucede em Las Vegas, tudo leva a crer que a receita fiscal das apostas desportivas poderia aumentar bastante”, indica.
Numa altura em que existe uma desaceleração nas receitas do jogo de fortuna e azar, Godinho considera que as apostas desportivas parecem ser a maneira mais óbvia e fácil de gerar receitas adicionais. “Seria errado renovar esta concessão novamente em regime de exclusivo”, pode ler-se.
O académico acredita ainda que a abertura do sector das apostas desportivas irá gerar mais receitas. “É um sector para o qual existe procura e que não depende de junkets ou agentes. Parece justo que aqueles que investiram milhões em edifícios gigantescos sejam autorizados a operar apostas desportivas”, defendeu.
A ideia é acabar com as concessões feitas por tipos de jogo. “Cabe passar a atentar sobretudo no espaço que é o [resort integrado], que deve poder ter várias formas de jogo e não apenas jogos de fortuna ou azar”, refere o autor na obra.
Jorge Godinho pede que “as apostas desportivas necessitam de passar a ter um quadro legal próprio, acabando-se com a ficção de que se trata de uma lotaria”.

Discutir TNR croupiers

O especialista deixa ainda outras considerações sobre o futuro do sector, pedindo o fim das subconcessões de jogo aquando da renovação dos contratos.
“As subconcessões devem pura e simplesmente acabar, passando as três actuais subconcessionárias a concessionárias plenas. Algumas outras operadoras actuais devem também passar a concessionárias: todos sabemos que na prática há hoje de facto mais do que seis subconcessionárias.”
Quanto às salas VIP e junkets, “a regulamentação deve ser ampliada e reforçada”. Jorge Godinho levanta ainda a possibilidade de poder ser discutida a entrada de trabalhadores não residentes (TNR) para o cargo de croupier.
“Há uma série de outras questões que devem ser esclarecidas ou abolidas. Uma delas é o limite ao número de mesas de Jogo. Outra tem a ver com os croupiers: deve haver uma discussão séria sobre se a actual restrição à contratação de croupiers não residentes deve continuar. Quanto ao tabagismo, parece desproporcional e danoso não admitir sequer salas de fumo como nos aeroportos”, remata o autor.
Ao HM, Jorge Godinho não quis fazer comentários sobre o futuro panorama do sector nem sobre o recente relatório de revisão intercalar do Jogo, apresentado pelo Governo. Referiu apenas que este tipo de relatórios “não deveria ser uma coisa esporádica mais sim um exercício regular”. O livro “Direito do Jogo – Volume II”, que versa sobre a parte administrativa e regulatória, deverá ser lançado daqui a um ano. O autor espera ainda lançar o terceiro volume, sobre a parte penal e a prevenção do branqueamento de capitais, daqui a dois anos.

26 Mai 2016

Casinos sem lazer sofrem mais com proibição de fumo

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s casinos tradicionais, em que os clientes apenas se focam no jogo, sofrem um impacto maior com a proibição de fumar do que os casinos “ao estilo Las Vegas”, mais orientados para o lazer, revela um estudo. Os três anúncios relacionados com restrições ao tabaco dentro dos casinos – os dois primeiros relativos a restrições parciais e o terceiro sobre uma proibição total que ainda não foi implementada – foram associados a alterações no valor das acções das operadoras.
Nos chamados “casinos tradicionais” verificaram-se perdas acumuladas entre 1 e 6% entre o retorno esperado das acções e o realmente obtido, após os anúncios entre 2011 e 2015, enquanto aqueles “ao estilo de Las Vegas”, mais focados no lazer, verificaram valorizações entre 1,4 e 4,8%, segundo o estudo sobre o impacto da proibição do fumar na indústria do jogo.
O trabalho, de três investigadores da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, sublinha que a maioria dos espaços detidos pela Sociedade de Jogos de Macau (SJM) e pela Galaxy Macau foi construída entre 1987 e 1992 e tem fracos sistemas de ventilação e tetos baixos, herdados de uma altura em que “uma proibição de fumar era inconcebível”.
Como a renovação destes espaços tradicionais para acomodar sistemas de ventilação é extremamente complexa, as restrições ao uso de tabaco podem até fazer alguns casinos encerrar. “Em contraste, a Sands China e a Wynn Macau foram estabelecidas depois de 2004 e desenharam os seus casinos com infra-estruturas modernas e excelente ventilação”, estando ao corrente de restrições ao fumo em países como os Estados Unidos.

Ligados ao fumo

Os “casinos tradicionais” “focam-se no jogo e geram 97 a 99% das suas receitas com jogos”, aponta o estudo, descrevendo os clientes como “apostadores chineses tradicionais, estereotipados como jogadores ‘hardcore’”.
“Existe uma forte associação entre jogar e fumar entre estes apostadores. Antes das restrições, os jogadores sopravam fumo em praticamente todas as mesas de bacará de Macau (…) Entre 80 e 90% dos apostadores masculinos identificava-se como fumador activo”, é descrito.
Já os casinos “ao estilo de Las Vegas”, atraem “numerosos jogadores em lazer da classe média alta chinesa, particularmente mulheres, que mais frequentemente jogam para socializar e por divertimento, do que para ganho financeiro”. Estes clientes fumam “muito menos”, indica o estudo publicado este mês.
Segundo os investigadores, as restrições ao tabaco influenciam o potencial lucrativo de um casino de várias formas, a começar pela perturbação dos padrões de comportamento dos jogadores, que, ao interromperem para se deslocarem a um local onde podem fumar, têm oportunidade para reavaliar as apostas.
Por outro lado, as regulações relacionadas com a qualidade do ar podem resultar em despesas extra em obras e em multas. Em última instância, os jogadores podem passar a preferir outros destinos menos regulamentados.

26 Mai 2016

Croupier condenada a pagar parte de tratamento hospitalar

O Tribunal de Segunda Instância (TSI) condenou uma croupier a pagar parte do tratamento e internamento ao hospital Kiang Wu, absolvendo a seguradora de cobrir a totalidade dos custos. Segundo o acórdão ontem divulgado, o TSI rejeitou o recurso apresentado pela croupier por “não ter sido dado como provado que o desmaio foi motivado por nervosismo no trabalho”.
O caso aconteceu há seis anos, quanto a croupier “sofreu uma síncope, tendo desmaiado no interior de uma sala de jogo durante o trabalho”. Foi transferida para o Kiang Wu. No hospital foram-lhe diagnosticadas “hemorragia cerebral e hipertensão, que lhe provocaram, como sequela, uma deformidade funcional do membro inferior esquerdo”.
Os seis dias de internamento e o tratamento feito em regime de consulta externa resultaram numa conta superior a 72 mil patacas. A seguradora, porém, só pagou pouco mais de 35 mil patacas. A croupier decidiu ir para tribunal exigir uma indemnização superior a 120 mil patacas e chegou a ganhar o caso, mas a seguradora recorreu da decisão por considerar que “a sentença do tribunal se encontra inquinada do vício de erro na apreciação da prova, pois o desmaio sofrido pela [croupier] na sala de jogo foi motivado por doenças de que a autora sofria anteriormente”.
Depois de analisar o depoimento dado por dois médicos, o TSI decidiu a favor da seguradora, considerando que a análise feita pelo médico escolhido pelo Ministério Público, que serviu de base à primeira decisão dos juízes, não comprovava que o desmaio da croupier tinha ocorrido devido ao trabalho.

26 Mai 2016

Nova zona de lazer abre em Junho com graffiti local

O grupo artístico GANTZ 5 vai ser responsável pela criação de trabalhos de graffiti na zona “Anim’Arte Nam Van”, que será desenvolvida na nova zona de lazer dos lagos Nam Van. Segundo um comunicado, o objectivo é “inspirar a atmosfera cultural e criativa e embelezar as instalações da zona do lago Nam Van”, sendo que o Instituto Cultural (IC) promete “convidar grupos artísticos locais para desenvolverem arte na promenade da mesma zona”. O GANTZ5 existe desde 2004.
A obra de graffiti, que terá como tema “Descoberta”, será realizada entre este mês e o próximo. “Com o desenvolvimento desta área, o IC visa injectar criatividade e uma nova vitalidade na promenade do lago Nam Van, através da colaboração com grupos artísticos”, pode ler-se no comunicado.
A ideia é criar num espaço que tem estado subaproveitado “uma ampla praça com um ambiente animado e distinto, e proporcionar, tanto a residentes como a turistas, experiências e serviços turísticos mais diversificados, bem como explorar mais elementos de cultura, turismo e lazer de Macau”.
O novo espaço abre em Junho.

26 Mai 2016

Economia | Moody’s baixa rating. Governo desvaloriza

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]agência norte-americana de notação financeira Moody’s baixou o rating da economia de Macau do nível Aa2 para Aa3. Ainda que Macau continue no grupo dos países ou regiões com estabilidade financeira e baixos riscos associados ao crédito, a descida deve-se ao “acentuado enfraquecimento da economia, com o crescimento ainda altamente volátil”, aliado à “limitada resposta” governamental à queda das receitas do jogo.
“A perspectiva negativa reflecte as incertezas que rodeiam a trajectória de crescimento, [e] a resposta política”, além das consequências nas reservas orçamentais da região administrativa especial, cuja economia é altamente dependente do jogo, um sector que há quase dois anos regista consecutivas quedas nas receitas.

Tudo estável

Numa nota oficial divulgada ontem, a Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM) desvaloriza esta ligeira descida no rating, referindo as agências de rating internacionais “concordam que a situação económica de Macau se mantém, em princípio estável”. O Governo lembrou ainda que a nota Aa3 também foi atribuída pela Moody’s à zona do interior da China e à Bélgica.
“A AMCM reiterou que a situação financeira e económica da RAEM se mantém, em princípio, estável, dispondo de condições para fazer face às evoluções económicas”, sendo que o Governo “não tem quaisquer dívidas”.
“As bases da economia geral de Macau continuam a manter-se positivas; não obstante o contexto marcado pelo ajustamento profundo da economia, designadamente, sob a conjuntura de o Produto Interno Bruto total ter registado um decréscimo de 20,3% no ano de 2015, o mercado de emprego mantém-se estável, a taxa de desemprego continua a situar-se em níveis inferiores a 2,0%, enquanto que o PIB per capita continua a ascender a USD71.984, nível relativamente elevado em termos mundiais”, explicou a AMCM.
Também a agência admite que o perfil de crédito de Macau continua “muito forte” em comparação com a maioria das economias avaliadas, ainda que note que o crescimento da RAEM “está altamente dependente do sector do jogo, que representa 58,3% dos resultados económicos aos preços de produção actuais”.

26 Mai 2016

China e Macau reforçam cooperação face a contrabando

A Administração Geral da Alfândega da China e os Serviços de Alfândega de Macau assinaram um novo acordo de cooperação que visa o estabelecimento de “contactos mais estreitos quanto à prevenção e combate dos crimes de contrabando nas águas marítimas sob jurisdição da RAEM e nas fronteiras terrestres”, aponta um comunicado oficial. As duas entidades criaram “mecanismos permanentes de comunicação emergente” para reforçar o combate “contra as ligações entre os crimes de contrabando e defesa”.
Foi ainda simplificado o processo de apresentação de documentos na passagem de mercadorias por Macau, com vista à promoção de uma economia mais diversificada. “A confirmação de passagem, emitida pelos Serviços de Alfândega, passará a abranger, além do que está previsto no Acordo-Quadro de Cooperação Económica, também todos os acordos preferenciais de comércio que estão a ser aplicados no Interior da China. Através da partilha de dados, as duas partes vão acelerar a apreciação dos pedidos apresentados pelas empresas, proporcionando condições que facilitem a passagem alfandegária”, aponta o comunicado.

26 Mai 2016

Mais dois terrenos recuperados

Mais dois terrenos foram recuperados pelo Governo, um na Taipa, com 2170 metros quadrados, e outro nos NAPE, com 6480 metros quadrados. Por despacho em Boletim Oficial, Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publica a decisão de recuperação dos terrenos por falta de aproveitamento. O terreno na Taipa, concedido à Polymar Internacional – Fibras Ópticas, Limitada, destinava-se à construção de um edifício industrial, de um piso, para instalação de uma unidade fabril destinada à produção de cabos de fibras ópticas, a explorar directamente pela concessionária. O terreno nos NAPE, da concessionária Fomento Predial Golden Bowl, deveria ter sido aproveitado para a construção de um edifício de duas torres com 13 pisos, destinado às finalidades de comércio, habitação e estacionamento. As concessionárias podem agora pedir recurso da decisão.

26 Mai 2016

Laura Nyögéri, directora artística do Artfusion

Veio para Macau por umas férias para dar uma “mão” à Casa de Portugal. As férias já duram há sete anos, tempo durante o qual Laura tem-se dedicado a agitar as águas da cultura local. Cruzar artes, tendências e culturas é a sua motivação para descobrir novos mundos e aproximar as pessoas. Porque Macau tem talento, “muito talento”, diz

[dropcap style=’circle’]J[/dropcap]á cá está há algum tempo. Como começou a experiência de Macau?
Era suposto serem umas férias que se transformaram em sete anos (risos). Um convite da Casa de Portugal para o projecto “Lebab”, baseado no livro de Fernando Sales Lopes, “Terra de Lebab”. Fizemos um casting com os miúdos mas depois o projecto foi alterado e não se concretizou. Daí surgiu um grupo de artes performativas que acompanhou a Casa de Portugal (CPM) ao longo de cinco anos. Estive envolvida em vários documentários sobre festividades locais, o Doc “Olhar Macau” também com a CPM. Depois decidi criar o Macau Artfusion. O objectivo era a fusão com o trabalho de outros grupos locais. Juntar as várias culturas no palco. A primeira performance foi com o grupo Axe Capoeira, do mestre Eddy Murphy, com dança contemporânea. A partir daí continuámos a desenvolver o projecto com base no conceito de fusão de artes e acabámos por nos lançar com o Grupo de Danças e Cantares Portugueses Macau no Coração. Apesar de ser um grupo tradicional, acolheu tendências contemporâneas e alguma criatividade, mais extravagância. Trabalhamos em fusão com eles. Já fizemos espectáculos em que unimos folclore com dança contemporânea. Mas também temos os nossos projectos.

Então o Artfusion é uma secção do Macau no Coração…

Somos o núcleo jovem. Um grupo de artes performativas composto por crianças, jovens e também adultos. Promovemos a educação através da dança, drama, expressão corporal e artes plásticas. Temos aulas a decorrer semanalmente e depois os nossos alunos têm a oportunidade de participar em espectáculos, paradas e workshops. Promovemos muito a troca de experiências com pessoas de outros grupos. Trazemos profissionais de diversas origens para partilhas de experiência. Já tivemos artistas do “House of Dancing Water” e de vários países. A ideia é passar mensagens de motivação porque muitas das crianças, ou jovens, sonham com um futuro nas artes de palco. Sabemos que não fácil e às vezes perdem motivação. Mas ao verem os sonhos deles realizados noutras pessoas acreditam.

Mas há um passado antes de Macau…
(risos) Há. Estudei Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social em Lisboa mas nunca trabalhei numa agência de publicidade. Comecei por trabalhar na Valente Produções, em Lisboa, e a partir daí começou o meu contacto com o mundo do cinema, da televisão, da publicidade. Foi aí que começou a minha paixão pelos bastidores. A adrenalina deste tipo de trabalho, a criatividade, todos os dias diferente. Para além disso, o lado humano, sempre muito importante para mim porque adoro pessoas. Foi uma experiência muito, muito boa. Também trabalhei com diversas associações na área dos jovens e das crianças em expressão corporal e criatividade porque fiz uma pós graduação em Criatividade, Comunicação e Imagem. Assim, acabei por desenvolver conhecimentos de formação em teatro, o que me deu instrumentos novos e assim vim parar a Macau.

E é para continuar?
Por enquanto é para continuar. Há possibilidade de ir um pouco lá para fora mas continuando a fazer coisas em Macau. Surgiu uma oportunidade que, em princípio, vai ser agarrada. Tenho de encontrar forma de equilibrar tudo. artfusion 5

É segredo ou podemos ficar a saber?
Sim, é uma oportunidade boa, com o Cirque do Soleil. Estão em tournée com o espectáculo “Avatar” e vão estar na Ásia a partir de Março de 2017. Devo ir acompanhá-los na área da contra-regra ou produção, ainda temos de definir. Mas não quero largar Macau nem o Artfusion.

Artfusion. Há quanto tempo e como tem sido?
Existe há dois anos mas não tem sido fácil. É muito complicado. Principalmente os espaços de ensaio, conjugar as disponibilidades dos alunos… Mas devo muito ao apoio incansável dos pais e à Macau no Coração que tem sido a nossa mãe. Depois temos pessoas que têm trabalhado connosco que nos têm ajudado a encontrar o melhor caminho para que isto continue a acontecer. Há um trabalho de equipa muito grande de pessoas que se voluntariam para ajudar nas várias áreas, assim como os fotógrafos que nos ajudam a mostrar o nosso trabalho, criando um impacto muito maior. Sem todas estas pessoas o resultado e o sucesso alcançados não seriam o mesmo.

E quem paga todo este esforço?
O sustento surge da Macau no Coração. Sempre que têm convites do Turismo ou de outras entidades isso permite-nos apresentar projectos. Não apenas do folclore tradicional porque assim a associação tem uma oferta maior de produtos e de serviços de animação.

Qual o objectivo da Artfusion?
Continuar este cruzamento de culturas e de grupos locais. Já conseguimos trazer até nós muitos alunos chineses. A maioria são portugueses, mas 40% já são chineses o que para nós é muito gratificante. Alguns não falam sequer Inglês ou Português e as aulas acabam por ser um modo de desenvolverem a capacidade linguística. Sempre que há um espectáculo há sempre alguém a querer colocar os miúdos no grupo e estamos completamente esgotados. O semestre termina em final de Junho, reinicia em Setembro e já temos lista de espera para inscrições.

Trabalham normalmente onde?
No estúdio do Macau no Coração e no do Hiu Kok.

Projectos concretos na calha e outros que tenham realizado recentemente.
Participámos há pouco no Festival Hush para animar o evento. Tivemos um espaço para pintura de caras, adereços e caracterização. Realizámos também o “Artfusion Got Talent” neste passado fim-de-semana e, em Junho, vamos ter um conjunto de actividades de animação da zona de Nam Van que o Turismo está a querer acordar culturalmente. Vão ser paradas e interacção com as pessoas. Além disso, vamos animar o público durante as Regatas de Barcos Dragão.

Para os alunos são actividades extra-curriculares?
Sim e os espectáculos em que nos vemos envolvidos são uma oportunidade para pôr em prática os conhecimentos que os alunos vão adquirindo.

Há possibilidade de virem a dar classes nas escolas de Macau?
Por enquanto não. Temos apenas dois anos e estamos ainda a tentar encontrar o nosso caminho. Mas esse tipo de possibilidades têm de ser geridos pela Macau no Coração. Para já cedem-nos espaço e apoio. Dão-nos a possibilidade de podermos fazer acontecer. Vamos com muita calma.

Este fim-de-semana tiveram um espectáculo. Como foi? Houve talento?
Muito positivo. Não só pelas performances, o empenho e o trabalho de meses mas principalmente a dedicação das famílias e dos amigos presentes. Não foi daqueles espectáculos de “uau” atrás de “uau” mas foi muito emotivo, muito intimista. Criámos um ambiente causal que resultou. Queríamos tirar o conceito de competição do evento daí que não houve vencedores nem vencidos e todos saíram com o sentimento de missão cumprida. Houve muita dedicação em palco, muita emoção, muita criatividade e era esse o nosso objectivo. Dar instrumentos para que pudessem criar algo deles para partilharem com as pessoas.

Quais foram as categorias?
Teatro, canto e dança. A dança teve mais participantes. Teatro foi apenas uma apresentação mas o guião foi escrito por uma das alunas e foi extraordinário. Mas gostava que o Sales Lopes falasse sobre isso porque eu estive demasiado dentro do projecto. (ver caixa)

Quantos números em palco?
Catorze. Além disso houve um número de abertura preparado pelos mais pequenos (24) e depois as actuações dos adolescentes. Tivemos solos, duplas e triplas. Na segunda parte abrimos com um número conjunto dos “Artfusion Teens” e depois cinco actuações dos mais pequenos. O final foi um número com todos os alunos. São quase 40 entre os quatro e os 16 anos. Aqui tenho de dar o meu aplauso a todos os nossos alunos e que permitem ao Artfusion existir. Sem eles, sem a sua dedicação nada, mas mesmo nada, seria possível. São a alma do Artfusion e é por eles que continuaremos a criar e a recriar.

A possibilidade de se transformar num espectáculo de televisão?
É algo a explorar. A ideia surgiu apenas o ano passado mas como temos uma agenda carregada esteve algum tempo na prateleira. Além disso a dificuldade dos espaços obrigou a que tivéssemos apenas 75 bilhetes para venda e esgotou em três dias. Mas sim, podemos pensar nisso se existir a oportunidade.

Macau tem talento?
Tem imenso talento. Acho é que as pessoas precisam de mais oportunidades. Não falo apenas nas áreas que trabalho mas também em cinema, televisão, música… Temos verdadeiros artistas com capacidades enormes para fazerem coisas fantásticas. É preciso oportunidades para mostrarem o seu trabalho. Muitas vezes não fazem mais porque não sabem se têm condições. Se derem mais recursos podemos todos ir mais alto.

Quem deve dar esses recursos?
Acho que cada vez mais o Turismo e o Instituto Cultural são fontes de recursos, falo em termos de associações. Estão a começar a perceber o potencial das associações. Estes novos projectos de animação que o turismo está a promover podem dar mais oportunidades aos grupos locais.

Como vê o Artfusion daqui a dez anos?
Talvez como uma escola de Artes Performativas com as diversas áreas a funcionar. Desde a dança ao teatro, às artes plásticas. Essa seria a ambição maior mas não sei se é possível. Em Macau, às vezes as coisas são um bocadinho difíceis, outras vezes mais fáceis de acontecer. Além disso, os miúdos crescem e saem de Macau. Vêm sempre novos mas as coisas mudam. Mas sempre com o intuito de cruzar as diferentes comunidades. Não torná-lo português, ou chinês, ou outra coisa qualquer, mas conseguir manter este conceito de cruzar grupos locais. artfusion 2

E se tivesse de sumarizar o que vocês são numa frase?
Uma fusão de artes. O nome define mesmo o que somos.

Para que é que isso serve?
Para juntar mais as pessoas, para criar um bocadinho mais de tolerância e de abertura, menos preconceito, mais criatividade, mais originalidade, inovação. Ao mesmo tempo manter as raízes e o tradicional porque cada grupo tem a sua identidade e o seu conceito mas conseguir criar algo de novo a partir daí é o desafio.

Sales Lopes, presidente do júri do “Artfusion Got Talent”

“Foi brilhante”, assegura. “Ver as coisas germinarem, crescerem e florirem é sempre uma experiência emotiva como a Laura disse”, acrescenta. Um espectáculo que, apesar de não ser propriamente um processo alheio, nos garante tê-lo surpreendido. “Ver os mais crescidos, que já vêm desde que a Laura chegou, hoje com 14–15 anos, e perceber como a arte está lá dentro, como a assumem, é impressionante” diz Sales Lopes. “Valeu a pena todo este trabalho.”

Perfil

Grupo de Danças e Cantares Portuguesa Macau no Coração – Núcleo Artfusion
Direcção Executiva: Ana Maria Manhão Sou
Direcção Artística:  Laura Nyögéri
Produção: Daê Enedino, Adriano Gaspar
Caracterização: Joana Chio, Isabel Pinto, Sara Figueira

26 Mai 2016

ATFPM entregou 28 cartas ao Governo nos últimos três anos

A Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) entregou um total de 28 cartas na sede do Governo nos últimos três anos, tendo participado em dez manifestações sobre “matérias que preocupam os trabalhadores da Administração Pública e os residentes”. Os números foram avançados por Rita Santos no discurso de tomada de posse enquanto membro reeleito da direcção da ATFPM. José Pereira Coutinho mantém-se como presidente. A cerimónia da tomada de posse contou com a presença da Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan.
Em três anos, a ATFPM resolveu cerca de 13 mil queixas, relacionadas com a área “social, económica, cultural e relacionados com despedimentos sem justa causa”, entre outros, assegura ainda. A Associação afirma ter sentido “um aumento significativo do número de sócios”, sendo que actualmente tem mais de 15 mil. Rita Santos disse ainda que a ATFPM atendeu mais de 26 mil pessoas, uma média diária de 25.

26 Mai 2016

Menos negócios a retalho

O volume de negócios do comércio a retalho caiu 11,2% no primeiro trimestre face ao período homólogo do ano passado, atingindo 14,73 mil milhões de patacas, indicam dados oficiais ontem divulgados. Segundo os Serviços de Estatística e Censos (DSEC), o valor representa ainda uma queda comparativamente ao último trimestre do ano passado. Os decréscimos mais significativos, em termos anuais homólogos, no volume de negócios foram registados nos automóveis (-48,4%); motociclos, peças relacionadas e acessórios (-44,3%); artigos de comunicação (-22,7%); calçado (-19,0%) e relógios e joalharia (-18,3%). Apesar disso, os relógios e joalharia representaram 20,8% do total do volume de negócios, indica a DSEC. O volume de vendas do comércio a retalho diminuiu 8,7% em termos anuais, com diminuições mais acentuadas também no volume de vendas de automóveis (-50,6%) e de motociclos, peças relacionadas e acessórios (-46,5%).
 

26 Mai 2016

TNR continuam em força

Macau contava, no final de Abril, com 181.363 trabalhadores contratados ao exterior, uma redução ligeira face a Março, mas um aumento em termos anuais homólogos, indicam dados oficiais ontem divulgados. De acordo com a Polícia de Segurança Pública (PSP), o universo de mão-de-obra importada sofreu em Abril uma contracção ligeira (menos 73 trabalhadores) em termos mensais.
Contudo, num intervalo de um ano, o mercado laboral ganhou 4586 trabalhadores não residentes, crescendo 2,5% face a Abril de 2015. O universo de mão-de-obra importada equivalia a 45,7% da população activa e a 46,6% da população empregada, estimadas no final do primeiro trimestre.
O interior da China continua a ser a principal fonte de trabalhadores recrutados ao exterior, com 116.707 (64,3% do total), mantendo uma larga distância das Filipinas, que ocupa o segundo lugar (24.963) num pódio que se completa com o Vietname (14.630).
O sector dos hotéis, restaurantes e similares continua a figurar como o que mais absorve mão-de-obra importada (47.362), seguido do da construção (43.854).

26 Mai 2016

Romance de toga e malhete

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]egui com relativo interesse a última troca de “plaisanteries” entre o Presidente da Associação de Advogados de Macau (AAM) e o Conselho de Magistrados – com o interesse que se pode arranjar, quer dizer, digamos que “espreitei”. No entanto retive duas afirmações, veiculadas na imprensa esta semana, e ambas emanadas do lado do Conselho através de um comunicado. Na primeira lê-se que as declarações (do presidente da AAM) “prejudicam a imagem dos órgãos judiciários”. Ahem. Permitam-me uma analogia futebolística/circense: numa equipa onde o guarda-redes é anão, insiste-se na táctica do jogo aéreo. À luz de certos acontecimentos recentes, e quando durante este “jogo falado” vêm à liça conceitos como “transparência” ou “infalibilidade”, penso que para bom entendedor, etc., estamos conversados. Quanto à outra afirmação, juro que me fez rir: as declarações do presidente da AAM “são completamente contrárias à verdade”. Existe 1 (uma) palavra que transmite esta mesma ideia, sem prejuízo do seu sentido: “mentira”. O mais irónico é que neste pequeno exemplo complica-se o que se podia muito bem simplificar, enquanto no essencial há uma (perigosa) tendência para simplificar o que é – e deve ser porque assim é que está certo – complicado.
Nós, do lado de fora da intriga deste romance que não é de capa e espada, mas antes de toga e malhete, sabemos que esta animosidade entre o Presidente da AAM e os órgãos judiciais do território já não é de agora, e habituámo-nos a ver o primeiro a assumir uma postura “crítica”, e terá ele razão? Bem, o que o temos visto fazer é basicamente procurar salvaguardar a qualidade do Direito que se pratica na RAEM, pelo menos da maneira que sabe, enfim. Podemos às vezes não concordar com a forma ou com o tom, mas imaginem que estava o senhor a ralhar com uma criança de seis anos que molhava os dedos num copo de água, preparando-se para de seguida os enfiar numa tomada, ao mesmo tempo que avisava que “se podia magoar a sério”, o que faziam? Diziam-lhe “ó cavalheiro, não seja chato, e deixe lá a criança brincar à vontade”? Claro que não, e aqui o cenário afigura-se muito, mas muito mais sério. Exigir que os juristas de Macau tenham conhecimentos de Direito de Macau? Faz sentido. Pedir transparência na avaliação dos magistrados? Critérios mais exigentes? Claro, afinal não se está ali a brincar ao faz-de-conta. Conhecimentos linguísticos, nomeadamente de Língua Portuguesa? Alto e pára o baile, e aqui está o busílis da questão, o batalhão da tropa com que se insiste em mangar, os dedos molhados do puto traquinas enfiados na tomada.
Amiúde escutamos ou lemos por aí certas declarações, e algumas vezes partindo de quem supostamente devia ter a cabeça em cima dos ombros, que a Língua Portuguesa “é uma das razões” do atraso da Justiça, bem como de muitos outros problemas, e tudo por culpa da falta de tradutores – ou lá o que é. Embrulhando tudo isto em papel de rebuçado, diz-se que o Português “atrapalha”, e eu próprio não podia concordar mais com esta ideia. Claro que “atrapalha”, da mesma forma que os alarmes “atrapalham” os gatunos, ou a sogra “atrapalha” se está em casa quando visitamos a namorada. “Atrapalha” ao ponto dos trapalhões sugerirem que se emitam sentenças apenas numa das línguas oficiais apenas (nem preciso dizer qual), ou vão ainda mais longe, ponderando mudar o sistema jurídico de Macau – para um outro que “atrapalhe” menos, suponho.
Isso de mexer num sistema jurídico tem que se lhe diga, e vai muito mais além do simples obstáculo linguístico. Há normas, processos, jurisprudência, todo um mecanismo que não se pode alterar como quem muda um sinal de trânsito mal colocado, e ainda por cima obliterando a língua original da matriz do Direito, por Juno! Existe um rol de figuras jurídicas que não existem na China, e por muito que se encontre uma tradução, nunca é a mesma coisa. Por exemplo, a figura do arresto, em chinês é qualquer coisa como “假扣押” (“ka kau hak”, em cantonês), que se for analisado caracter por caracter, exprime mais ou menos a ideia, de que se trata de um tipo de “apreensão”, mas não traduz a essência, que é qualquer coisa de intraduzível. O caracter do meio, por exemplo, quer dizer “fivela”, como a que temos no cinto. Literalmente trata-se de “prender com uma fivela” e depois “cobrar”, que é o sentido do terceiro caracter. Para um leigo que não entenda nada de Direito e só domine a língua chinesa, isto é uma coisa de outro planeta. As instituições de crédito, os bancos, são outro bom exemplo: na hora de lavrar uma escritura de hipoteca onde os valores são avultados, opta-se sempre por fazê-lo em língua portuguesa. Pode ser que alguém saiba de uma ou outra excepção, e não seria de admirar, mas pronto, uma medalha para esses heróis, mas depois não chorem, como fazem agora os proprietários do Grand Horizon. Comprar, vender, e sobretudo especular fracções para habitação que ainda nem sequer existem e acabar depenado, com uma mão cheia de nada. Devem ser estes os tais que se queixam que a matriz portuguesa do Direito de Macau “atrapalha”.
Claro que não faltarão bajuladores que achem que seria o máximo mudar isto tudo, pois afinal “é uma das herança de um passado colonialista” (até me custa escrever isto). Duvido que a maioria destes, ou mesmo um deles, saiba a sorte que tem, e de que essa herança é na verdade um tesouro. Felizmente ainda vão tendo a mesma credibilidade do gato que mia a pedir carapaus, pois a própria China sabe bem o que a casa gasta, e não lhe interessava nada alterar o estado de coisas recorrendo a um “breve momento de caos”, que pode não ser tão breve quanto isso. Tem a sua graça, esta pequena guerra de palavras, mas não posso deixar de ficar apreensivo. E que tal tapar as tomadas, antes que dêem choque?

26 Mai 2016

Lusifenix

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]abemos muito bem como a História é por vezes uma narrativa transversal aos acontecimentos mais vastos e aos conhecimentos mais rigorosos. Ela entra no nosso imaginário como uma narrativa heróica, dado que é narrada sucessivamente pelos vencedores numa transcrição proporcional a um estado, diríamos, que infantil, de quem a ouve e apreende enfaticamente. A forma pedagógica, que ao longo de décadas foi imposta, configura-se em muitas vertentes, também, um embuste ou impostura.
Penso mesmo que a nível da índole nacional tivesse existido um desânimo durante gerações ao serem confrontadas sistematicamente com heroicidades e grandezas que o quotidiano e a contemporaneidade não dão. Este extravasar épico pode anular a combatividade do momento, desmotivar as gentes, causar-lhes complexos de menoridade e daí o ontem, o antigamente, o de fora, o do lado. Tudo menos nós, que em histórias sabemos uns dos outros e da triste figura de alguns.
E vamos aos longínquos bancos de escola buscar a origem do Mundo: a romanização. Para trás, quem aqui vivia eram povos pré-históricos, indómitos, incapazes de lidar com tão extraordinária civilização que, como bem sabem, os Impérios fazem o favor de educarem. Dito isto, o que ficava da franja explicativa das populações autóctones era pouca ou nenhuma. Sabemos vagamente dessa gente, que ao contrário do que se disse ou diz, foi gente que lutou contra a invasão do corpo estranho com as armas e os arremessos que tinha enquanto povos locais e sabe-se como o etnocentrismo dos historiadores greco-romanos se recusou a reconhecer a língua destes povos. E entra o celta a propósito de tudo e de nada, hordas da Europa central, mas que nada têm de facto a ver com o que se passa abaixo dos Pirenéus e que não passa de uma variante local de pangermanismo com subjacente carga antissemita. lusitano
E aqui entra o legado fenício, a lembrar que os lusitanos integravam o império púnico contra Roma. Este povo que teve o monopólio das viagens mediterrânicas durante séculos e que fizeram mil anos antes das Descobertas a circum-navegação de África, que atracaram na costa portuguesa, sobretudo na costa Oeste, e aqui deixaram todas as marcas, heranças, língua , usos costumes e misticidade. É deste lado navegável e navegador, deste lado semita até Cartago, que somos herdeiros sem interrupção, com as alianças contra o invasor, que fizemos acordos, e foi sempre com aqueles que traem que se perdeu autonomia, como fizerem com os assassinos de Viriato, a quem, imaginem, no imaginário distante o remetemos para um caçador-recolector atirando pedregulhos às hostes inimigas, tão civilizadas!
Para acentuar o nevoeiro adensa-se o estranho sentimento de passagem, em que povos vários passaram por aqui, povos passantes, para que haja nele um Messias unificador. E não deixa de ser curioso que na época imperial romana a língua na Andaluzia era ainda a fenícia e toda a costa Oeste portuguesa e zonas do Alentejo guardem firmes, quais emblemas de resistência este passado longínquo. Nazaré alberga um povo que é semita e toda a costa parece o legado cananita onde não faltam os escondidos irmãos hebreus. De celtas, nem vê-los, mas tudo vai lá ter como “bolha” romântica tão ao gosto do fim do século XIX.
Se os atributos dos olhos azuis e do cabelo louro fosse tão reducionista, entraríamos nas tribos de ciganos com olhos de esmeralda e de muitos sírios e povos até do Norte de África, a celtibizálos. A celticidade é uma menorização do europeísmo transversal; por outro lado, não há de facto nenhum legado escrito desse povo, ao contrário dos Hispanos e dos Fenícios, de onde partiu a invenção da escrita alfabética, bem como o suporte de escrita que precedeu o pergaminho começado a ser usado em Biblos.
Fenecemos a nossa Fenícia ancestral no mar enredemoinhado da História de tal ordem alterada, dada sem noção antropológica quase nenhuma, que pensamos estar a ler narrativas de Alexandre Herculano. Penso que a noção de estratégia é muito importante para os homens que são guerreiros, só que o facto de ocuparem anteriormente as terras não fazia deles exterminadores dos que lá estavam, e temos de saber que os que fugiam para os baldios tinham espaço suficiente para as fugas.
Acontece que sempre nos foi dada a História da perspectiva do senhor, da supremacia do invasor, e o costumeiro hábito de com ele alinhar ao ponto de se achar que os Frades franceses de Cister ajudaram as populações rurais a plantar legumes. Nada mais errado, pois que era gente que não trabalhava braçalmente. Só a partir do Calvinismo é que o trabalho deixa de ser uma exclusão e um anátema divino, e todos passam a ter o dever e o direito de o concretizar.
Deixar que o estrangeiro se instale e retenha o dom daquilo que em nós faz cultura é uma doença da própria nacionalidade, obedecendo um pouco aos mitos fundadores do senhor e do pai. O desconhecimento total das fontes bíblicas da segunda invasão romana pelo Catolicismo fez ainda mais estragos. Era um fenómeno estranho, ainda hoje é arrepiante a incapacidade de compreensão desta realidade. Estivemos sempre próximos dos povos semitas, é certo, e nós entrelaçamos heranças. A cultura hebraica era íntima, dado que a primeira terra de “leite e mel” tinha sido a Fenícia conquistada por eles. Por isso nos nossos sonhos profundos dormita a história de Sem e o porquê de se ser servo. Muitos atribuem esta parte do mundo aos herdeiros de Noé mas, chegados ao estudo exegético do texto bíblico, este legado produziu duras trevas de desconhecimento amargo.
Mais uma vez e em face das situações nos amargou a boca para a denúncia, e também os cleros que, ao contrário do que se afirma, eram de um obscurantismo ofensivo, sem grande cultura e conhecimento dos factos. Muito trabalho há para fazer na busca daquilo que nos instrui, não academicamente, mas celularmente. Falámos uma língua que mandaram calar, fazemos acordos ortográficos para quem não fala connosco, obedecemos a dogmas de mercado vindas de fora. Nós fazemos de tudo, excessivamente, para ficarmos sempre mais pobres.

26 Mai 2016

Não há repouso para o amor

Ferreira, Virgílio, Em Nome da Terra, Quetzal, Lisboa, 2009.
Descritores: Romance, Memória, Morte, Corpo, Envelhecimento, Amor, ISBN: 9789725647912.

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]ergílio Ferreira nasceu na aldeia de Melo, no Distrito da Guarda a 28 de janeiro de 1916 e faleceu em Lisboa no dia 1 de Março de 1996. Formou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em Filologia Românica. Em 1942 começou a sua carreira como professor de Português, Latim e Grego. Em 1953 publicou a sua primeira colecção de contos, “A Face Sangrenta”. Em 1959 publicou a “Aparição”, livro com o qual ganhou o Prémio “Camilo Castelo Branco” da Sociedade Portuguesa de Escritores. Em 1984, foi eleito sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras. As suas obras vão do neorrealismo ao existencialismo. Considera-se geralmente que o romance Mudança assinala justamente a mudança de uma fase para outra. Na fase final da sua carreira pode-se dizer que Vergílio Ferreira tocou as fronteiras de um puro niilismo. Em 1992 foi eleito para a Academia das Ciências de Lisboa e além disso, recebeu o Prémio Camões, no mesmo ano.
Obras principais: Mudança (1949), Manhã Submersa (1954), Aparição (1959), Para Sempre (1983), Até ao Fim (1987), Em Nome da Terra (1990) e Na tua Face (1993).  O autor faleceu em 1996, em Lisboa. Deixou uma obra incompleta, Cartas a Sandra, que foi publicada após a sua morte. A partir de 1980 e até 1994 foram sendo publicados os seus diários, com a designação de Conta Corrente. Deve ainda salientar-se a publicação do conjunto de ensaios intitulado O Espaço do Invisível entre 1965 e 1987.

O romance Em Nome da Terra é uma longa carta de João para Mónica. Mónica já morreu e João é um juiz reformado e enclausurado, por vontade dos filhos, numa casa de repouso. A casa lar é assim uma preparação para o repouso eterno, um treino, uma transição suave para o irremediável. Será talvez um purgatório, mas sem um significado religioso, de que não estou certo. 26516P15T1
A carta é uma declaração de amor, esse sim eterno e sobretudo sem repouso. Para o amor ou para a memória dele não haverá nunca repouso. Provavelmente repousar do amor será desistir de tudo. Nem mesmo no purgatório, João desiste. A carta é também um pretexto para que João se encontre através do que perdeu, mas também através do que sobrevive. Não se pense que ele perdeu apenas Mónica. Não, ele perdeu a juventude, ele perdeu a fé, a ilusão, a esperança. Ele perdeu-se no meio de tantas perdas que foram acontecendo que talvez tenha perdido a própria identidade. Então como recuperá-la, partindo do princípio que é possível recuperar o que se perdeu. São muitas perdas, é verdade, mas há também o que persiste, mesmo se persiste apenas na memória. É o que persiste que permite o exercício de reflexão. O que permite recuperar ou salvar para que se possa levar a cabo o exercício de preservação da identidade e a auto consciência de uma vida, é a memória, contudo não uma memória enciclopédica e avulsa de tudo e de nada, mas sim a memória do amor. A carta é, portanto, também pragmaticamente uma terapia. Através da carta, João resiste e de facto o que dentro da carta constitui o tema em torno do qual se organiza a resistência contra a alienação, contra o esquecimento, contra a morte é o amor. O amor é tão poderoso que a sua simples memória pode, se não salvar, pelo menos adiar o que se augura inevitável e fatídico, ou seja o fim.
A consciência do fim é contudo mais poderosa que a esperança e as forças de resistência, e daí que não se possa evitar o sarcasmo, a ironia e até um certo desespero. O desespero seria porém avassalador, à margem deste exercício amoroso da memória. Assim, é um desespero mitigado por uma ironia, paredes meias com a mágoa.

“Querida. Veio-me hoje uma vontade enorme de te amar. E então pensei: vou-te escrever. Mas não te quero amar no tempo em que te lembro. Quero-te amar antes, muito antes. É quando o que é grande acontece. E não me digas diz lá porquê. Não sei. O que é grande acontece no eterno e o amor é assim, devias saber. Ama-se como se tem uma iluminação, deves ter ouvido. Ou se bate forte com a cabeça. Pelo menos comigo foi assim. Ou como quando se dá uma conjunção de astros no infinito, deve vir nos livros. Ou mais provavelmente esse tempo nunca pôde existir, que é quando realmente existe o que vale a pena existir. Vou pensar melhor a ver se eu próprio entendo. Ponho-me a lembrar o que passou e o que me lembra é só a tua presença forte ao pé de mim. E depois acabou. Deves ter achado que era de mais e então acabou. Foste para não sei onde e estás lá fixa quando te lembro. Na realidade foi tudo muito mais devagar. Mas tudo quanto foi acontecendo foi o modo circunstancial de haver agora eternidade acima dessa circunstância — expliquei-me? Querida. Na realidade houve o nosso encontro terrestre e houve …”

O texto organiza-se assim em torno de três ideias fortes, a memória, o corpo, e a morte e acima delas e de algum modo à margem, como se não fosse dali, o amor. A memória é o instrumento, aquilo de que o autor se serve para alimentar o ludíbrio, uma vez mais; o autor, o narrador, o personagem, aqui como paradigma de qualquer pessoa, como acontece sempre aliás. O corpo é a outra face da morte, o corpo representa a vida. É natural que exista entre eles uma enorme tensão. Irreconciliável diria eu. Sempre que a beleza do corpo está a morte não consta e vice versa, em cada atentado ao corpo, ao seu poder e à sua beleza, ouve-se imediatamente o riso escaninho da morte.
Finalmente há o amor. A memória se não trouxesse consigo o amor, seria redundante. A memória de uma vida sem o amor lá dentro, é coisa de arquivistas, amanuenses, exercício de deve e haver, fait divers sem substância, nada. Só o amor traz de volta a transcendência, o sonho, a utopia, a ideia de uma escatologia salvífica tornada imanente e humana.

26 Mai 2016

Ainda há 83 cursos de bacharelato a funcionar no ensino superior

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]futuro Regime Jurídico do Ensino Superior vai eliminar os bacharelatos, mas ainda há um total de 83 cursos deste tipo a funcionar no ensino superior em Macau. Os dados constam no website do Gabinete de Apoio para o Ensino Superior (GAES) e mostram que a maior parte dos bacharelatos continuam a funcionar no Instituto Politécnico de Macau (IPM).
O deputado Chan Chak Mo, que preside à 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), encarregue de analisar o diploma na especialidade, explicou que o Executivo pretende acabar com os cursos de bacharelato recorrendo ao mesmo método que serviu para o fim das secções na Função Pública.
“O Governo disse-nos que vai adoptar um método para resolver o problema dos cursos de bacharelato, semelhante ao que foi adoptado para o posto de chefe de secção na Função Pública. O Governo disse-nos que o mais importante é que os estudantes consigam concluir os seus cursos de bacharelato.”
Segundo o mesmo deputado, “nos últimos anos as instituições do ensino superior não abriram cursos de bacharelato”. Segundo a lista publicada no website do GAES, vários bacharelatos já foram alterados ou mesmo cancelados.
Com a nova lei o GAES vai passar por uma reestruturação, mas os deputados ainda não sabem o nome da futura entidade que irá substituir o organismo liderado por Sou Chio Fai.
No caso das sanções, “quando as instituições públicas cometerem erros ou infringem a lei aplica-se a sanção ao reitor ou a uma pessoa”. “Vão ser adoptados os procedimentos da Função Pública, nomeado o Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ETAPM). Quanto às instituições privadas vão aplicar-se multas. As instituições do ensino superior sediadas no exterior com actividade na RAEM também vão ser sujeitas a multas”, explicou Chan Chak Mo.
A análise do diploma já foi concluída mas os deputados e os assessores ainda vão acertar alguns detalhes técnicos da nova lei.

26 Mai 2016

Que estamos nós aqui a fazer, tão longe de casa? | 14 – O homem sem rosto

*por José Drummond

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]que descobriste no resto da casa? A viúva tem estado aqui perdida em memórias de coisas e parece querer nos propor uma saída. Ela ainda não percebeu que estás aqui. Esse é o nosso trunfo. Recordas-te de como para todos os movimentos que fizeste esboçavas  uma versão preliminar para me mostrar? Uma  pintura que tinha por base todos os desenhos, todos os movimentos. O que ela não sabe é que não foi apenas dor. Foi também prazer. Nas ondas ondulantes de luz e verde escuro. Naquele dia que tanto querias pintar a plantação de chá. Depois da separação. Recordas-te de como quando ainda eras  estudante de liceu, e não tinhas ideia nenhuma do que querias ser quando fosses grande? Não tinhas ideia de como a pintura te iria envolver. 
A viúva fala-me do filho. De como ele terá  fugido para Kyoto, e que, em seguida, se terá perdido.  Ele perdeu-se à tua procura. Mas o que permanece na minha mente são os campos de chá. Lembras-te de como as folhas se aveludavam, às vezes, ao final da tarde, às vezes, ao meio-dia, às vezes, à noite. Por isso a visão daquela plantação de chá, aquela tristeza da despedida, nos teus olhos muito abertos. Duas consonantes, de repente pressionadas  por encostas verdes. Os teus olhos uma vez discretos tocaram o meu coração. Naquela tarde, ao longo da linha ferroviária, havia montanhas, lagos, o mar, e, por vezes, até mesmo nuvens tingidas com cores sentimentais. 
Mas talvez esta melancolia não seja verde. Talvez nem seja melancolia. Talvez sejam apenas as sombras que são melancólicas. Sombras tardias e através delas a dor. Sombras como pequenas encostas, bem cuidadas, com sulcos profundamente desenhados. Sombras que não a natureza em estado selvagem. E as linhas de arbustos de chá. Arredondados os arbustos. E ao fundo, rebanhos de ovelhas. Mas sabes, afinal talvez esta melancolia seja mesmo verde. De um verde suave. 

A única coisa que eu preciso agora é uma vida de contemplação. Lembras-te de quando apareceste à porta daquela cabana? Era inverno, e eu não fazia a barba ou cortava o cabelo desde que te tinhas ido. Lembras-te que quando chegou a primavera eu cortei o cabelo e fiz a barba e nesse mesmo dia comecei a construir uma varanda. E por essa varanda podia-se ver apenas um jardim. O nosso jardim. Uma varanda completamente coberta pelo nosso jardim. Aquele que tratámos como se dele dependesse a nossa existência. Como se tudo dele dependesse. O dia e a noite. Eu e tu. E, consequentemente, o facto de eu conseguir ou não ver-te. Um jardim, cortado por um corredor principal, oblongo, com cerca de metade sempre banhada pelo luar. Um jardim, onde até mesmo os degraus que davam até à porta traseira da cabana, tinham cores diferentes de tudo o resto à volta. Nesse jardim uma azália branca com bordo escarlate floresceu na sombra, e parecia estar sempre a flutuar. O seu bordo escarlate ficava perto da varanda e ainda tinha pequenas pétalas frescas. Embora que escurecidas pela noite essas pétalas brilhantes soltavam um perfume próprio. A metade do jardim que não era banhada pelo luar tinha uma cobertura de musgo. Uma cobertura que servia um longo banco de pedra onde nos sentávamos. Como esse jardim se tornou tão familiar. Estávamos acostumados a vê-lo a todas as horas. Tu sempre sentada, com a cabeça levemente abaixada, com os olhos fixos na metade enluarada do jardim. E, eu? Eu, como tu, simplesmente viciado a tudo isto, como miséria e dor.

A viúva deu-me uma droga qualquer e começo a sentir-me tonto. Estou aqui preso. Preso agora num lugar diferente e de modo diferente. Estou preso e ainda não percebi porque raio está ela contar esta história do seu passado. O que poderá ter tudo isso a ver com a nossa situação. Não consigo manter-me acordado se não continuar a falar contigo. Lembras-te quando de repente uma pintura diferente apareceu nas tuas telas? O tom abstracto que não deixava perceber se eram peixes na água ou nuvens no céu. Eu nunca havia visto aquela combinação de cores. Certamente que aquela pintura era um passo bem diferente da pintura tradicional de flores que nos havias habituado. Uma pintura sem formas reconhecíveis e com cores ainda mais fortes e mais variadas do que as que usavas nas pinturas de flores. Provavelmente porque era composta por muitas linhas horizontais. À primeira vista não parecia haver muita harmonia nas cores. É claro que não havia nada aleatório ou casual sobre isso. Talvez por isso deixava em aberto a possibilidades de uma qualquer outra interpretação. Por um lado eu sempre quis pensar que existiam talvez sentimentos subjectivos aparentemente escondidos. Muito tempo olhei à procura do coração da imagem. Não o encontrei. Um dia fiquei assustado quando aquilo que li foi ciúme. Gradualmente comecei a ler naquela pintura não o crepúsculo da vida mas a realidade da tua existência. Não eram peixes na água nem nuvens no céu. Era um auto-retrato teu nesta tua nova forma.

26 Mai 2016