Wong Kit Cheng quer apurar responsabilidades devido a falta de orçamento para o metro

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] deputada Wong Kit Cheng quer saber o que falhou nos trabalhos do Governo para que não seja possível fazer uma estimativa sobre o custo total do Metro Ligeiro, incluindo as linhas da Península de Macau.

Num comunicado, Wong defendeu que devem ser apuradas responsabilidades políticas ao governantes sobre este projecto e frisou que faltam mecanismos de resposta que implementem as sugestões dos relatórios do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) e do Comissariado de Auditoria (CA).

Segundo a deputada, a falta destes mecanismos levam a que os erros do passado se repitam. A deputada ligada à Associação Geral das Mulheres deu ainda como bom o exemplo o Instituto Cultural, porque após ter sido publicado um relatório do CCAC, em Março de 2017, sobre as contratações ilegais, houve dirigentes que assumiram as suas culpas e se afastaram dos cargos.

3 Out 2018

Gabinete de Ligação | Deputados pró-democratas falham encontro em Tianjin

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados Au Kam San, Ng Kuok Cheong e Sulu Sou, ligados ao campo pró-democrata, não vão estar presentes na visita a Tianjin organizada pelo Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM. A viagem destinada aos membros do hemiciclo realiza-se entre os dias 9 e 12 de Outubro. Segundo a explicação dada por Au Kam San ao HM, a decisão de não participar deve-se ao facto do deputado considerar mais importante reunir com residentes e debater os seus problemas. Também Sulu Sou apresentou o mesmo argumento. “Não vou participar nesta visita, uma vez que organizei actividades para esses dias, que incluem encontros com residentes”, disse ao HM. A.S.S.

1 Out 2018

Modesta proposta política

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap] chega de bordados metafísicos, vamos à política.

O senador Bernie Sanders, dos EUA, publicou um manifesto, no The Guardian. O objectivo é barrar a ascensão do eixo autoritário no planeta. Diz Sanders que os novos populistas compartilham ideais comuns como “a hostilidade às normas democráticas, antagonismo em relação à liberdade de imprensa, intolerância em relação às minorias étnicas e religiosas e a crença de que o governo deve beneficiar a si próprio e a interesses financeiros egoístas.” E contrapõe: “É hora de os democratas de todo o mundo, diz o Manifesto, formarem uma Internacional Progressista”.

Então, terá de meter-se em questão a orgânica do sistema que permitiu a “profissionalização da política” e tornou a corrupção endémica.

Há duas ideias fulcrais nos ensaios de Vladimir Safatle. A primeira: “O líder democrático é aquele que nos ensina como a contingência pode habitar o cerne do poder.” A segunda: “(…) devemos insistir em que a esquerda não pode permitir que desapareça do horizonte da acção uma exigência profunda de modernização política que vise à reforma, não apenas de instituições, mas do processo decisório e de partilha do poder. Ela não pode ser indiferente àqueles que exigem a criatividade política em direcção a uma democracia real”.

A Esquerda tem sido indiferente, e isto não é inocente: é por compromisso.

Hoje confundimos solicitações do mercado com informação e progresso com poder de consumo. Tudo nos fascina no consumo, sobretudo o aparato tecnológico. Até o Derrida acreditava na transformação tecnológica como um dos factores de aceleração política.

Talvez, mas há um lado de sombra, inescamoteável, na tecnologia e antes que os algoritmos contornem a confiabilidade no eixo da política democrática, urge repensar o sistema democrático.

É esta a modesta proposta, que reedito, porque não foi lida nem discutida.

Talvez não seja digna de Swift, mas de criados e mordomos da política estamos fartos:

1. A detenção do poder será sempre contingente e rotativa. Cada movimento político ou instituição partidária terá direito a dois mandatos (três anos x dois) seguidos, embora de três em três anos haja eleições e um referendo;

2. Pelo referendo afere-se a confiança no governo e se o executivo necessita de mudança. Não é vinculativo mas corresponde a um cartão verde, amarelo ou vermelho.

3. Nas eleições, mediante a apresentação e discussão de programas (mais importantes neste caso do que quem personifica as ideias) apura-se quem terá o direito a ser oposição na legislatura seguinte;

4. Cada Partido deverá apresentar nas suas listas 30 % de independentes;

5. Quem ganhe o direito a ser oposição (o que implicaria um reforço qualitativo do trabalho dos partidos) subirá automaticamente ao poder daí a três anos, após o fim do mandato do poder cessante.

6. O parlamento nacional deve ser reduzido e funcionar, na prática, como um Conselho do Estado alargado.

7. Cada país organiza-se em regiões com os respectivos parlamentos. Este parlamento regional é composto por elementos dos partidos, mas reserva-se um terço dos lugares do hemiciclo a elementos espontâneos, ou representantes de outros movimentos e sensibilidades sociais, que queiram participar directamente na identificação dos problemas e na defesa dos interesses das suas regiões (- de modo a reflectir-se a ideia de que há questões que são indelegáveis);

8. O voto é obrigatório.

9. Emanará dos Parlamentos regionais a maioria dos pacotes legislativos, que serão regulamentados no Parlamento Nacional, tendo o Governo meras tarefas executivas, ou de regulação, dado poderem surgir conflitos de interesse entre regiões;

11. Cabe inteiramente ao Governo a orientação das políticas de caráter político-internacionais; estando, no entanto, as decisões mais graves sujeitas a referendo;

12. Sem burguesia não há democracia. Fala-se de uma burguesia ilustrada e produtiva. Pelo que, de força a garantir-se que o empenho sobre a qualidade técnica da educação seja maior do que a sua feição ideológica, cabe, por inerência ao partido da oposição a administração de duas pastas: o sector de Educação (será obrigatória desde a Primária a disciplina de Filosofia para Crianças) e o Ministério do Património Intangível. O que deve ser acompanhado de um pacto de regime que assegure um orçamento confortável para esses dois ministérios.

12. Não são permitidas as organizações de Juventude dos Partidos;

13. Será interdita a entrada na política activa aos cidadãos com menos de trinta anos e tal só poderá acontecer depois de dez anos de vida profissional activa e de se demonstrar que se atingiu certos patamares de competência ou o pleno da autonomia sócio-profissional;

14. Ninguém poderá estar no palanque da política activa mais do que um período de dez anos; podendo, a partir de então pode unicamente participar no concerto das opiniões, ou fazer parte de movimentos cívicos, mas sem ocupar lugares públicos;

15. Quem quiser entrar para a política activa terá de cumprir um ano em regime de voluntariado em qualquer parte do mundo;

16. O regime das tabelas salariais não pode, em todas as empresas, apresentar mais do que uma disparidade de um para cinco;

17. Dado que vivemos num mundo de recursos finitos e pós-mitos-do-progresso, onde até por ecologia política se deverá impor uma redistribuição as riquezas, a riqueza individual será permitida mas dentro do quadro de uma espécie de «economia-bonsai»; a partir de determinado nível a riqueza reverterá para a comunidade.

Restaurará este modelo um equilíbrio entre Democracia e Participação Cívica, fazendo da dignidade da política um exercício menos dúbio e amortecendo as atracções pelos engodos do Poder?  Talvez pelo menos iniba as profissionalizações na política.

Muito para além da “arte do possível”, creio antes que só o impossível é desejável e acontece. Só o impossível tempera a dignidade do homem. É preciso desejar o impossível para que algo aconteça e a política passe a ser um exercício laico e não uma actividade dependente de uma predatória lógica religiosa.

Consciente de que atirei o barro a uma parede que prefere o silêncio, passemos agora à sala e falemos de literatura.

27 Set 2018

Associativismo| Song Pek Kei preside a nova associação

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]deputada Song Pek Kei foi eleita presidente da assembleia-geral de uma nova associação intitulada Man Chong Un Keng Hip Ui subordinada à Aliança de Povo de Instituição de Macau. Num comunicado, Song Pek Kei refere que a entidade tem como objectivo unir as pessoas que querem servir a sociedade para “fazer de Macau uma sociedade mais justa, democrática, inclusiva e harmoniosa”. Song Pek Kei adiantou ainda que os trabalhos da associação abrangem a prestação de serviços sociais, a realização de estudos profissionais e a sugestão de medidas em prol do bem-estar dos cidadãos e do desenvolvimento local. A cerimónia da tomada de posse está agendada para o dia 28 de Setembro.

19 Set 2018

Diplomacia | Chui Sai On reúne com nova comissária do Negócios Estrangeiros

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Chefe do Executivo encontrou-se ontem na sede do Governo, com a nova Comissária dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na RAEM, Shen Beili. De acordo com o gabinete do Chefe do Executivo, a reunião serviu trocar opiniões sobre assuntos inerentes às relações externas de Macau e ao reforço da consciência patriótica dos residentes.
Segundo o mesmo comunicado, Chui Sain On começou por dar boas-vindas, afirmando que tem contado com o apoio do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ao longo destes 19 anos. O mais alto dirigente político do território, mostrou-se agradecido pelo constante desenvolvimento do território nas áreas de assuntos externos e apoio nos intercâmbios com organizações e instituições internacionais.
Por sua vez, Shen Beili apresentou os cumprimentos endereçados ao Chefe do Executivo pelo Conselheiro de Estado e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, e sublinhou as boas e amistosas relações do diálogo entre o Comissariado e o Governo da RAEM. Shen Beili reconheceu os resultados dos esforços do Governo da RAEM na forma como reagiu em resposta ao tufão Mangkhut, nomeadamente em termos de medidas efectivas de prevenção, reacção operacional imediata e recuperação do funcionamento normal da sociedade.

19 Set 2018

Políticos inimputáveis

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ez agora um ano que o tufão “Hato” passou por Macau, deixando um pouco por todo o lado um rasto de destruição. Fong Soi Kun, antigo director da Direccão dos Servicos Meteorológicos e Geofisicos, avançou já com um recurso contencioso à decisão da pena de demissão decidida pelo Chefe do Executivo, ainda em fase de apreciação. Mas seja qual for o resultado do recurso, sabemos que muito dificilmente os funcionários do Governo são responsabilizados pelas suas decisões políticas. Com base na lição aprendida com os incidentes provocados pelo “Hato”, criou-se o projecto da Lei de Bases da Protecção Civil, numa tentativa de intensificar o planeamento geral e de mobilizar a participação social. Neste contexto, o “crime de falso alarme social” foi adicionado à Lei de Bases da Protecção Civil e estabeleceu-se a obrigação de participação dos diversos sectores sociais na protecção civil. Qualquer desrespeito, desobediência ou provocação podem ser considerados “crimes de desobediência simples” ou “crimes de desobediência qualificada”, dependendo da gravidade da situação. Em vez responsabilizar apenas as autoridades relevantes pelas suas decisões políticas, a Lei de Bases da Protecção Civil atribui também essa responsabilidade aos membros da sociedade que actuam a nível voluntário. Parece-vos que os conteúdos do projecto da Lei de Bases da Protecção Civil faça algum sentido?

Quando o Governo fez o empréstimo de 212 milhões de patacas à “Viva Macau”, os funcionários responsáveis afirmaram, na altura, que a empresa tinha avalistas suficientes. Mas, segundo o relatório da investigação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), viemos a perceber que os chamados avalistas não passavam de umas promissórias bancárias que não puderam ser resgatadas. Tanto quanto se sabe, será muito difícil reaver o valor do empréstimo. Mas quem são os funcionários do Governo responsáveis pela concessão deste empréstimo malparado? O Edifício “Sin Fong Garden” está em risco de cair porque o construtor fez cortes nas estruturas provocando fendas e inclinação dos pilares. Até ao momento, apenas se tem falado da possibilidade de reconstrução, mas não se responsabilizou ninguém do departamento de inspecção. E porque é que estas coisas acontecem? O caso dos apartamentos inacabados do Pearl Horizon esteve na ordem do dia, mas o construtor continuou a vender antecipadamente as casas que ainda não estavam prontas e sem poder dar quaisquer garantias de quando viriam a estar. Várias centenas de pessoas compraram antecipadamente estes apartamentos. Neste caso, não houve um único funcionário do Governo responsabilizado. Em vez disso, a responsabilidade foi passada de mão em mão através da revisão da Lei de Terras, que pretende viabilizar concessões arbitrárias de terrenos. A atitude do Governo e a qualidade da sua administração estão a afastar-se do conceito de serviço público, já para não falar da sua ausência de responsabilização.

O caso da permuta do terreno da Fábrica de Panchões Iec Long e o projecto de construção no Alto de Coloane envolveram recursos preciosos de Macau, ao nível dos terrenos, e uma teia de interesses. Mesmo depois dos pormenores destes casos terem sido revelados e das investigações conduzidas pelo CCAC terem sido efectuadas, nem um único funcionário do Governo foi responsabilizado e punido pela lei! Os funcionários superiores estão imunes! É mais fácil para o Governo falar sobre responsabilização do que aplicá-la internamente.

A Assembleia Legislativa de Macau está encarregue de supervisionar os actos administrativos do Governo da RAEM, para além da sua função legislativa. No entanto, a maioria dos seus deputados, 33 deles, são escolhidos por eleições indirectas, numa percentagem de 36.3%, enquanto outros 21.2% são indigitados pelo Chefe do Executivo e apenas 42.4% são escolhidos directamente pelos eleitores. A julgar por estas percentagens, fica bem claro onde assenta o poder. É um milagre como é que, mesmo assim, a Assembleia ainda consegue legislar mas, neste contexto, é-lhe muito difícil supervisionar o Governo e responsabilizá-lo pelas suas acções.

A ex-deputada de longa data Kwan Tsui Hang, entregou a sua última interpelação escrita à Assembleia Legislativa poucos dias antes do termo do seu mandato, que expirou em Outubro do ano passado. No documento, interpelava o Governo da RAEM sobre o desenvolvimento do sistema politico de Macau e a reforma do sistema de eleição pela via indirecta. Kwan Tsui Hang defendia uma reforma do sistema de eleição pela via indirecta, para que todos os sócios das associações de cada sector tenham direito ao voto. Será que a sua sugestão pretendia tornar o sistema de eleição pela via indirecta mais democrático? A 24 de Outubro, na resposta à interpelação de Kwan, o director dos Serviços de Administração e Função Pública, como é habitual, não apresentou réplicas substanciais ao que tinha sido inquirido. Para vir a melhorar o sistema eleitoral de forma gradual, é necessário escutar um vasto leque de opiniões e depois encontrar um consenso.

Enquanto deputada do campo pró-governamental, Kwan Tsui Hang conseguiu chamar a atenção da Assembleia Legislativa para as questões do desenvolvimento do sistema politico, antes do final do seu mandato. Embora esta chamada de atenção tenha vindo um pouco tarde, não deixa de ser louvável. Se não houver reformas do sistema politico de Macau, não haverá responsabilização das acções administrativas. Se um Governo não tiver de responder pelas suas acções, apenas uma minoria viverá em estabilidade. Quando as contradições sociais acumuladas irromperem, as consequências serão muito sérias. Qualquer politico deve estar informado sobre este matéria. Os problemas não se podem solucionar com distribuição de dinheiro, só se podem resolver quando se assumem as responsabilidades.

24 Ago 2018

Política | História dos deputados nomeados na Assembleia Legislativa

Esta semana Sulu Sou pediu o fim dos deputados nomeados por considerar que representam uma “sequela nociva” da Administração portuguesa. As primeiras nomeações aconteceram em 1977, durante a Administração de Garcia Leandro. Analistas lembram que a continuação destes deputados, após 1999, teve o consentimento da comunidade chinesa e que a possibilidade de os eliminar nem sequer foi abordada nas negociações para a transferência

 

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]composição da Assembleia Legislativa (AL), como a conhecemos hoje, com deputados eleitos pela via directa e indirecta, e nomeados pelo chefe de Governo, teve início com a adopção do Estatuto Orgânico de Macau (EOM) em 1976. Na altura, o general Garcia Leandro era Governador do território.
A possibilidade de eliminar a figura do deputado nomeado após a transferência de soberania de Macau para a China não foi sequer discutida nas reuniões do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês, conforme recorda o académico Arnaldo Gonçalves, que foi assessor do lado português.
“Estive no Grupo de Ligação até 1997 e penso que uma vez foi sugerida a hipótese [de acabar com os deputados nomeados após 1999], mas os chineses disseram que não era um ponto importante entre a China e Portugal e nem aceitaram que fosse discutido. Na estratégia portuguesa isso não tinha muito interesse”, explicou ao HM.
“Macau não tem partidos políticos, tem associações políticas que, ou já estão constituídas, ou se constituem para efeitos das eleições. No caso de Macau, aquando da assinatura da Declaração Conjunta, a questão da evolução democrática não foi considerada uma prioridade”, acrescentou Arnaldo Gonçalves.
O tema da redução, ou mesmo eliminação, dos deputados nomeados não é nova, mas voltou a ser frisada esta semana em plenário da AL pelo deputado Sulu Sou. Este argumentou que, o facto de alguns deputados continuarem a ser nomeados pelo Chefe do Executivo após 1999 é uma “sequela nociva” dos tempos da Administração portuguesa.
O pró-democrata defendeu que “a injustiça destas sequelas da colonização persiste” e que a “Administração portuguesa deixou alguns sistemas políticos ‘nocivos’ e injustos”. “Um dos meios para evitar que a comunidade chinesa fiscalizasse e controlasse o Governo colonial era o regime de nomeação dos deputados à AL pelo Governador, protegendo assim os interesses instalados da metrópole”, adiantou o deputado no plenário.
Para Jorge Fão, que foi deputado eleito pela via directa, não se deve apontar o dedo aos portugueses. “Não acredito que o sistema criado pela Administração portuguesa não tenha sido resultado da consulta aos representantes da comunidade chinesa em Macau.”
Defensor convicto do trabalho de Garcia Leandro, que administrou Macau entre 1974 e 1979, Jorge Fão recorda que chegaram mesmo a ser criados incentivos para que, no pós-25 de Abril, a comunidade chinesa pudesse ser mais activa politicamente.
“Foi nos anos 80 que os chineses se começaram a recensear e a mostrar interesse nos assuntos políticos de Macau. Houve vários incentivos. Essa reformulação teve, naturalmente, a aprovação da China através dos seus representantes, tal como o senhor Ho Yin e Ma Man Kei.” À época, o pai do ex-Chefe do Executivo, Edmund Ho, e o empresário Ma Man Kei, avô do actual deputado nomeado Ma Chi Seng, eram dois dos mais importantes representantes da comunidade chinesa junto dos portugueses.
Para Jorge Fão, “poderia haver quem não concordasse com a existência de deputados nomeados, mas aquilo foi criado para haver um certo equilíbrio. Isto foi feito, e até bem feito, naqueles tempos. Talvez agora esteja um pouco ultrapassado”, apontou.

Negociações difíceis

No livro “Macau nos anos da revolução portuguesa: 1974-1979”, Garcia Leandro explica que, aquando da elaboração do EOM, a ideia era que todo o hemiciclo fosse eleito pela via directa. Mas depressa chegou à conclusão de que seria “um grave erro, que denotava falta de conhecimento local”.
Isto porque, no território, “não existiam hábitos de participação política”, pelo que era necessário “negociar a composição da AL”. E houve, de facto, diálogos com a comunidade chinesa em prol de uma maior participação.
“Não foram simples as negociações com os representantes da comunidade chinesa, com vista ao modo de representação na futura Assembleia. Os nossos interlocutores não previam uma participação muito numerosa no sufrágio directo, além de não desejarem que a comunidade chinesa pudesse vir a ter a maioria dos deputados”, recorda Garcia Leandro no livro. Houve, nesse sentido, “necessidade de congregar esforços dos residentes mais conhecedores da comunidade chinesa para encontrar a solução mais adequada à sua inserção na futura Assembleia”.
Depressa se percebeu que “a solução possível seria a opção por um determinado número de lugares eleitos por sufrágio directo (essencialmente destinados aos portugueses), enquanto que por sufrágio indirecto ou orgânico as diferentes associações de interesses existentes se fariam representar na Assembleia (maioritariamente por deputados chineses)”.
A nomeação de deputados acabou por ser uma medida adoptada para permitir a “participação de mulheres, de cidadãos mais novos, de determinadas profissões, de gente colocada mais ao centro ou mesmo independentes de qualquer força política ou económica”. “Tornava-se necessário definir um terceiro bloco de deputados que preenchesse estas lacunas de representação. Concluiu-se que a solução passaria por este bloco de deputados ser nomeado pelo Governador, depois de conhecidos os resultados dos sufrágios directo e indirecto”, escreveu Garcia Leandro no livro.
Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau, no livro “Carlos D’Assumpção – o homem, o jurista e o político”, também denotou que a comunidade chinesa não estava habituada a participar activamente na vida política.
“A queda do regime em 25 de Abril de 1974 trouxe preocupações a muita gente em Macau, sendo que nem o regime anterior fomentava a participação da generalidade dos cidadãos na vida política, nem – verdade se diga – a maior parte das pessoas estivesse interessada em trocar a pacatez dos seus hábitos pelos custos e riscos de uma actividade política interventora.”
Na mesma obra, o já falecido advogado Francisco Gonçalves Pereira recorda que o jurista macaense encontrou na “composição tripartida da AL” o “‘quantum’ de flexibilidade que as particularidades do estatuto político de Macau impunham”.
Nas palavras do causídico, Carlos D’Assumpção encontrou, através do sufrágio directo, “a legitimação, por via democrática, de uma liderança incontestável e assumida da comunidade macaense, fonte primeira de inspiração da tradição senatorial”.
No que diz respeito ao sufrágio indirecto, o ex-presidente da AL “procurou encontrar, pela via neocorporativa, um mecanismo e um espaço para acomodar os interesses próprios da comunidade chinesa e dos seus líderes históricos, à boa maneira dos que, em Macau e por vezes com prejuízo dos pruridos da corte, lançaram as bases do tão proclamado relacionamento plurissecular entre as duas comunidades”.

Promessa não cumprida

No mesmo livro biográfico sobre Carlos D’Assumpção, é recordada uma entrevista dada pelo próprio em 1987, quando o EOM foi revisto, em que defende uma alternativa ao actual modelo de composição da AL. “Mas há outra forma, sem ser a nomeação pelo Governador. É a chamada cooptação: os deputados eleitos pelas vias directa e indirecta juntam-se e escolhem os restantes… É uma fórmula que eu poderia defender.”
Lembrando que “a China disse [nos anos 80] que a Assembleia será, no futuro, maioritariamente eleita”, D’Assumpção acabaria por admitir na mesma entrevista que o modelo que hoje conhecemos da AL seria o mais ajustável a Macau. “Sempre pensei que uma das fórmulas possíveis é a actual: deputados eleitos por sufrágio directo, outros por sufrágio indirecto e outros nomeados pelo Governador.”
Essa promessa da China consta na Lei Básica, quando se afirma que “a AL é constituída por uma maioria de membros eleitos”. Arnaldo Gonçalves afirmou, no entanto, que uma alteração do número de deputados eleitos pela população não deverá acontecer nos próximos tempos.
“É desejável, no sentido da evolução do sistema de representação, e se tudo corresse sobre os carris, o que não está a acontecer, que houvesse uma alteração da proporção dos deputados. Isto é, promover um significativo aumento dos deputados directos, uma redução dos deputados indirectos e, com o tempo, o desaparecimento dos deputados nomeados. Verificamos que isso não é verdade e que a China não quer fazer essa alteração. É preciso que venha outra geração, e mesmo assim eu tenho dúvidas.”
António Félix Pontes, que foi deputado nomeado por Vasco Rocha Vieira entre 1991 e 1997, não tem dúvidas de que, o ideal, seria esse redução ao longo dos tempos.
“Em termos de uma democracia plena, eventualmente os deputados nomeados tenderão a diminuir, mas acho que ainda fazem falta, independentemente de quem lá estiver, para equilibrar e dar mais conhecimento à AL.”
O economista e ex-administrador da Autoridade Monetária e Cambial de Macau assume ser “um democrata”. Contudo, “devido à cultura das pessoas” e “às circunstâncias de cada país ou região”, defende a continuação dos nomeados. Ainda assim, “em termos de uma evolução da democracia é lógico que o número de deputados nomeados tende a diminuir ou a desaparecer, mais do que isto não posso dizer”.
Félix Pontes não quis comentar o actual trabalho dos deputados nomeados, por já se encontrar afastado da política, mas recorda que, no seu tempo, “os nomeados trouxeram sempre uma mais valia nos trabalhos da AL”.
“Toda a gente reconhecia isso. Penso que o deputado Sulu Sou deve estar enganado. Antes de fazer essas afirmações deveria ver os trabalhos que foram feitos no passado pelos deputados nomeados e verificar que nós representamos sempre uma mais valia e um equilíbrio em relação ao que se fazia na AL.”
“Os deputados eleitos apreciavam sempre os deputados nomeados, fossem portugueses ou chineses. Penso que os deputados nomeados foram quase sempre portugueses mas também os restantes tinham a nacionalidade portuguesa”, recordou Félix Pontes.
A primeira vez que a AL teve na sua composição deputados nomeados foi em 1977, após as eleições desse ano. Na altura, eram nomeados apenas cinco legisladores, hoje nomeiam-se sete. “Dentro da filosofia e da lógica que nortearam este processo, seriam nomeados dois deputados chineses e três portugueses.”
Ho Yin, por ter prestado “grandes serviços em Macau” e por ser um “bom amigo dos portugueses” foi um dos chineses dos escolhidos, tal como Kwong Bin-Yun, “director de uma grande escola chinesa e pessoa muito respeitada e sem ligações ao poder económico”. Os portugueses escolhidos foram Anabela Ritchie, Ana Perez e Mário Figueira Isaac.

17 Ago 2018

Fretilin acusa coligação de oposição de “tentativa de pressão” em Timor

O líder da Fretilin, no Governo em Timor-Leste, acusou ontem a coligação da oposição, que venceu as legislativas de sábado, de uma “tentativa de pressão”, que “não é admissível”, sobre o Presidente do país, Francisco Guterres Lu-Olo

 

 

[dropcap style≠‘circle’]”É[/dropcap] falta de noção de Estado. O Presidente Lu-Olo é Presidente da República. Quando se candidatou, candidatou-se como presidente da Fretilin, toda a gente sabe, mas é Presidente da República”, afirmou Mari Alkatiri, primeiro-ministro cessante. “É uma tentativa de pressão sobre um órgão de soberania que não é admissível, não é democracia”, sublinhou o líder da Fretilin, que ficou em segundo lugar nas eleições de sábado passado.

Alkatiri comentava assim declarações do líder da coligação Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), Xanana Gusmão. Na terça-feira, Xanana disse esperar que o chefe de Estado seja “Presidente da nação e não da Fretilin”, quando considerar eventuais vetos políticos.

“O Presidente Lu-Olo, para vetar, tem que apresentar duas razões: uma legal e outra política. Se a política tende para o partido dele, porque não deixou de ser presidente da Fretilin, o que é lamentável, se é por causa disso, vou questionar”, afirmou Xanaa Gusmão, em conferência de imprensa conjunta com o “número dois” da AMP, Taur Matan Ruak. “Estamos aqui dois ex-Presidentes e vamos questionar isso. A ele, [Francisco Guterres] Lu-Olo. O problema é que nós iremos exigir a Lu-Olo ser Presidente da nação, não um presidente da Fretilin, colocado no Aitarak Laran”, disse, referindo-se ao Palácio Presidencial.

 

Veto no horizonte

No VI Governo, do qual Xanana Gusmão fazia parte, o então Presidente Taur Matan Ruak fez um voto político do Orçamento Geral do Estado, numa altura em que já estava a ser preparado o Partido Libertação Popular (PLP), que Matan Ruak liderou na campanha para as eleições de 2017.

Com uma campanha marcada por duras críticas ao Congresso Nacional de Reconstrução Timorense (CNRT) de Xanana Gusmão, o PLP foi o terceiro mais votado em 2017. Mais tarde, aliou-se ao CNRT e ao Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO) para formar a AMP.

A maioria absoluta conquistada pela AMP significa que a coligação tem o caminho facilitado para formar Governo e, posteriormente, aprovar o Orçamento Geral do Estado para 2018, sem necessitar do apoio adicional de qualquer força política. O único obstáculo poderá ser uma eventual decisão do Presidente timorense de vetar o Orçamento Geral do Estado, o que obrigará a um apoio de dois terços dos deputados.

Nesse caso, mesmo que a AMP faça uma aliança com os dois partidos mais pequenos no Parlamento – o Partido Democrático (PD, cinco lugares) e a estreante Frente de Desenvolvimento Democrático (FDD, três mandatos) – só somaria 42 lugares, menos um dos que os dois terços.

Francisco Guterres Lu-Olo era presidente da Fretilin quando foi eleito, com o apoio do seu partido e do CNRT de Xanana Gusmão, agora líder da AMP.

Xanana Gusmão confirmou que a maioria absoluta conquistada pela AMP torna desnecessária qualquer eventual coligação. “Se só tivéssemos 32 lugares [a maioria absoluta são 33], então teríamos que pensar no PD e na FDD. E eles estariam sem dormir a olhar para os mobiles e handphones para ver se havia alguma chamada. Assim não”, disse.

O voto de sábado deu à AMP uma maioria absoluta de 34 dos 65 lugares no Parlamento nacional (mais de 305 mil votos ou 49,56 por cento do total), o que permite que forme o VIII Governo constitucional sem apoio adicional.

Em segundo lugar, ficou a Fretilin, que liderou a coligação minoritária do anterior Governo, e que obteve cerca de 211 mil votos, ou 34,27 por cento do total, mantendo o mesmo número de deputados, 23.

No Parlamento estará também o Partido Democrático (PD), parceiro da Fretilin no VII Governo, que perdeu dois deputados para cinco, tendo obtido quase 49 mil votos ou 7,95 por cento do total.

18 Mai 2018

Trabalho | ONG acusa China de usar anúncios de emprego discriminatórios

[dropcap style=’circle’] A [/dropcap] organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) acusou ontem Pequim e as empresas privadas chinesas de usarem anúncios de emprego discriminatórios de género, apelando para que terminem com esta prática.

“Quase um em cada cinco anúncios de emprego para os serviços públicos da China, em 2018, pedia ‘apenas homens’ ou ‘homens de preferência’, enquanto grandes empresas, como o gigante do comércio electrónico Alibaba, publicaram anúncios de recrutamento que prometiam aos candidatos a possibilidade de trabalharem com mulheres bonitas”, afirmou a directora da HRW para a China, Sophie Richardson.

Durante a apresentação do relatório “Apenas os homens podem candidatar-se: discriminação de género em anúncios de emprego na China”, Sophie Richardson apelou às autoridades chinesas para que imponham “as leis existentes e que terminem com as práticas de contratação do governo e do sector privado que discriminam abertamente as mulheres”.

A HRW analisou mais de 36 mil anúncios de emprego publicados entre 2013 e 2018 em sites chineses de recrutamento e empresas e chegou à conclusão que muitos dos anúncios especificam um requisito ou preferência em homens.

De acordo com a organização de defesa dos direitos humanos, alguns postos de trabalho exigiam que as mulheres tivessem certos atributos físicos, no que diz respeito à altura, peso, voz ou aparência facial.

 

Mad Men na China

“Há propostas de candidatura que usam os atributos físicos das actuais funcionárias das empresas para atrair candidatos do sexo masculino”, indicou o relatório. A organização usou como exemplo um anúncio de emprego do Alibaba, em Janeiro deste ano, em que mencionava a “preferência de homens” para dois cargos de especialista em apoio a operações em restaurantes.

“Os anúncios de emprego sexistas favorecem os estereótipos antiquados que persistem nas empresas chinesas”, disse Richardson, acusando as empresas de se “orgulharem de serem forças da modernidade e do progresso”, mas depois “recorrerem a estas estratégias de recrutamento, o que mostra como a discriminação contra as mulheres, profundamente enraizada, permanece na China”.

Por fim, a directora da HRW para a China diz que, “em vez de assediar e prender os activistas dos direitos das mulheres, o governo chinês devia envolvê-los como aliados no combate à discriminação de género no mercado de trabalho”.

24 Abr 2018

Legislação | Revisão do regime de aquisição de bens e serviços com consulta pública até Junho

[dropcap style =’circle’] A [/dropcap] Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) revelou estar praticamente concluída a aguardada proposta de lei de revisão do regime de aquisição de bens e serviços públicos, adiantando que a consulta pública pode ser lançada até Junho.

A actualização do regime de aquisição de bens e serviços públicos, cuja urgência tem vindo a ser destacada nomeadamente em relatórios do Comissariado Contra a Corrupção e do da Auditoria, está mais perto de conhecer a luz do dia, após sucessivos atrasos. Segundo o Governo, “a primeira versão da proposta de lei foi basicamente finalizada”, estando em curso a redacção dos documentos para a consulta pública, que “poderá ter lugar no segundo trimestre”.

Foi pelo menos o que afirmou o director dos Serviços de Finanças (DSF), Iong Kong Leong, em resposta a uma interpelação escrita do deputado Pereira Coutinho que questionou o Executivo sobre as razões por detrás do atraso da revisão do decreto-lei relativo à aquisição de bens e serviços, datado da década de 1980. Os estudos relacionados com a revisão do actual regime iniciaram-se em 2014. Em resposta aos pedidos de transparência, o Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, decidiu, há sensivelmente um ano, começar a divulgar na Internet as aquisições de bens e serviços acima de 750 mil patacas e obras acima de 2,5 milhões de patacas. A medida tinha como prazo de aplicabilidade a data de revisão do regime, algo que foi seguido posteriormente por outras tutelas.

 

Novo estudo

Na resposta a Pereira Coutinho, a DSF justifica a demora com mudanças na forma de revisão. Isto porque, inicialmente, o Governo pretendia rever o regime em duas fases. A primeira passava por rever as normas relativas aos valores limite das aquisições que têm vindo a ser aplicados nos últimos anos na forma de regulamento administrativo e, numa fase posterior, rever todo o regime sobre a aquisição na forma de lei. Porém, em Setembro de 2016, após “um novo estudo mais aprofundado levado a cabo pelos serviços da área de assuntos de justiça”, entendeu-se que “tanto o trabalho de revisão da primeira fase, como o trabalho de revisão geral, do ponto de vista técnico-jurídico, devia ser efectuado na forma de lei”, detalha Iong Kong Leong.

24 Abr 2018

Áreas marítimas | Lei de bases não coloca em causa diplomas em vigor

[dropcap style =’circle’] O [/dropcap] Governo assegurou à 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL) que a lei de bases de gestão das áreas marítimas, actualmente em análise em sede de especialidade, não vai afectar diplomas já em vigor.

A dúvida tinha sido levantada no seio da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), mas ontem foi esclarecida: afinal, a lei de bases de gestão das áreas marítimas não vai pôr em causa diplomas legais em vigor no ordenamento jurídico de Macau. Pelo menos essa foi a garantia dada pelo Executivo aos deputados que se encontram a analisar o articulado em sede de especialidade.

A incerteza tinha sido gerada relativamente a meia centena de diplomas legais. Em causa estavam, segundo detalhou ontem o presidente da 2.ª Comissão Permanente da AL, 17 decretos-lei, 19 regulamentos administrativos e portarias e 14 editais ou avisos da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água. Mas, “segundo a informação do Governo, esses diplomas não vão ser afectados” pela entrada em vigor da lei de bases de gestão das áreas marítimas, indicou Chan Chak Mo no final da reunião aos jornalistas.

 

Vagas de leis

A 2.ª Comissão Permanente da AL concluiu ontem a apreciação da “primeira versão alternativa” entregue pelo Governo no passado dia 12 e que, de acordo com o mesmo responsável, acolheu “muitas das sugestões” apresentadas pelos deputados. No entanto, o presidente da 2.ª Comissão Permanente da AL advertiu que “não será de espantar haver duas ou três versões alternativas” do diploma se houver “mais problemas”, pelo que não existe, de momento, uma data prevista para a assinatura do parecer.

Com efeito, existem aspectos ainda por clarificar, tais como a coordenação entre o zoneamento marítimo funcional e o planeamento urbanístico, como determina o diploma. “Como se vão articular entre si se um sair antes do outro?”, questionou Chan Chak Mo, indicando que essa é uma das perguntas a endereçar ao Governo que “ainda não deu uma resposta concreta”. Segundo o diploma, a definição do zoneamento marítimo funcional e as respectivas alterações são feitas por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial, mediante consulta do Governo Central.

A proposta de lei de bases de gestão das áreas marítimas, aprovada na generalidade em meados de Janeiro, surgiu dois anos depois de o território ter assumido a jurisdição de 85 quilómetros quadrados, na sequência do novo mapa de divisão administrativa, aprovado pelo Conselho de Estado da China em 20 de Dezembro de 2015.

 

24 Abr 2018

Cartas de condução | Ng Kuok Cheong exige interrupção do reconhecimento mútuo com China

[dropcap style =’circle’] O [/dropcap] deputado Ng Kuok Cheong considera que o Governo ignora as opiniões da população, que está num caminho que não é o correcto ao nível da cooperação com as regiões da China e, por isso, defende a suspensão do reconhecimento mútuo das cartas de condução com o Interior da China. Este é o conteúdo da última interpelação escrita pelo pró-democrata.

No documento, o membro da Assembleia Legislativa recorda que o Governo tinha sempre dito que não havia uma calendarização para implementar esta medida, mas que depois publicou um documento contrário no Boletim Oficial. Nesse documento, o Chefe do Executivo autorizou o secretário para as Obras Públicas e Transportes a assinar o acordo com as autoridades do Interior da China. Os moldes até agora desse eventual acordo ainda não são conhecidos.

Tendo em conta este contexto, Ng Kuok Cheong afirma que o Governo tinha conhecimento da posição adversa da população perante a medida, mas que mesmo assim decidiu seguir em frente. E é esta a principal justificação para que considere que o “ Governo ignora as vozes da população”.

Por outro lado, o pró-democrata questionou o Executivo sobre se o trânsito no território e as condições de emprego dos motoristas locais e dos residentes em geral se vão degradar com a implementação do reconhecimento das cartas. Nesse sentido, e até haver uma resposta, Ng Kuok Cheong quer que os procedimentos para assinar o acordo sejam interrompidos e que seja feita uma consulta pública.

Além disso, o deputado pede ainda que o Governo local comunique com o Governo Central e com as cidades chinesas para informá-las das reais características de Macau e das capacidades rodoviárias da cidade. Ao mesmo tempo, Ng Kuok Cheong sugere que da parte do Governo Central sejam tomadas medidas para que os reconhecimento para os condutores de Macau entre já em vigor.

Por outro lado, o deputado defende que enquanto o reconhecimento não avançar, as autoridades devem melhorar a situação do trânsito e criar melhores condições pedonais, para que as pessoas possam andar a pé.

24 Abr 2018

Entrevista | António Sampaio da Nóvoa, Embaixador de Portugal na UNESCO

[dropcap style =’circle’] A [/dropcap] ntónio Sampaio da Nóvoa, ex-reitor da Universidade de Lisboa e candidato à Presidência da República Portuguesa em 2016, acredita na liberdade, alerta para o bom uso da informação na era digital e antevê um novo conceito de democracia para o séc. XXI. O embaixador de Portugal na UNESCO recebeu ontem o título de professor honorário do Instituto Politécnico de Macau

Amanhã comemora-se mais um aniversário do 25 de Abril. Esteve envolvido nas lutas políticas da altura. Como é que vê Abril 44 anos depois? 

Todos nós, que nos dizemos pessoas de Abril, e eu sou uma dessas pessoas até porque sinto que nasci para a vida no 25 de Abril, somos uma geração que tinha uma dimensão utópica muito grande. Ao ter esta dimensão, estamos sempre a achar que não se cumpriu Abril. Mas, tirando essa dimensão, se objectivamente olharmos para o que foram estes 44 anos, acho que só podemos estar contentes. Foram 44 anos com  muitos problemas, com muitas dificuldades, com muitos avanços e recuos. Os últimos cinco anos, sobretudo com a crise, foram anos horríveis, mas Portugal é um país com uma democracia estabilizada, é um país do qual todos nos podemos orgulhar. Vejo Abril com um balanço extraordinário. Acho que Portugal nunca teve na sua história 44 anos seguidos de democracia estabilizada, com regras e onde há liberdade. Mas há ainda coisas que não gostamos no país. Há duas que me deixam sempre muito desgostoso. Uma é as desigualdades. Portugal continua a ser o país da Europa com maiores desigualdades sociais, o que quer dizer que ainda temos uma parte da população com níveis de pobreza muito grandes. 44 anos depois de Abril, custa que não sejamos um país mais igual, que não estivéssemos como já estamos na área da educação ou na ciência, na metade de cima da Europa.  A segunda coisa que me deixa ainda com um sabor muito amargo são os níveis de corrupção que ainda existem na sociedade portuguesa. Percebe-se que estão ainda instalados jogos de interesses, de influencias entre zonas do poder político, do poder económico, etc. Não é aceitável num país com os níveis de educação e de cultura como os que nós já temos, se continue a assistir a estas coisa com banqueiros e políticos. São estas as duas coisas que me custam mais ver que não existem depois de Abril. Gostava que tivéssemos feito muito mais, que a nossa economia fosse mais produtiva, que as nossas instituições tivessem menos burocracias que a nossa educação fosse melhor, mas sinto-me, apesar de tudo, satisfeito. Valeram muito a pena estes 44 anos.

 

A questão da desigualdade foi um dos aspectos que focou em especial na sua candidatura à presidência da república. O que pode ser feito?

Acho que há duas respostas para isso. Não há forma de desenvolver um país se não houver capacidade de produção de riqueza. Portugal precisa de ter, do ponto de vista económico, uma capacidade e desenvolvimento e de produção que  não tem tido. Falamos hoje muito da revolução digital, da economia 4.0 e Portugal tem estado, felizmente, a captar alguma capacidade nessa área mas isso não resolve o problema de não ter uma capacidade instalada de produção do tecido económico. Com a adesão à União Europeia, nós caímos numa ilusão. A ilusão de que podíamos abdicar das pescas, da agricultura e de muita indústria porque estaríamos debaixo de uma espécie de protector. O que percebemos com a crise, é que não há protecção nenhuma. Nós, e citando um poeta português “ou nos salvamos a nós, ou ninguém nos salva”. A única maneira de combater tem que ver com o facto de que o problema dos pobres não é a pobreza, é o poder, é não terem autonomia, não terem poder para sair da pobreza. Isto quer dizer que nós não resolvemos o problema das desigualdades se não reforçarmos a capacidade das pessoas que são mais frágeis, pela educação, pela cultura, pela capacidade de criarem empregos. É preciso trabalhar nas duas áreas, é preciso trabalhar no desenvolvimento e produção de riqueza, mas ao mesmo tempo, é preciso trabalhar nesta capacidade de dar autonomia e poder às pessoas.

 

Quais são os maiores desafios da educação neste momento? 

Vou dar o exemplo de Portugal, mas pode ser aplicado a outros países. Julgo que temos dois problemas neste momento. Metaforicamente, diria que temos de acabar o Séc. XX e de entrar no Séc. XXI. Na educação do séc. XXI, a escola vai mudar de forma e de molde. As nossa crianças agora aprendem a trabalhar uns com os outros, a fazer projectos, cooperando com os outros colegas, etc.

 

A revolução digital também traz com ela uma série de informação, nem todo ela boa.

Em primeiro lugar, e tendo em conta a educação, uma das nossas grandes surpresas no sentido negativo é que achávamos todos que a internet e o mundo digital iam ser uma espécie de uma janela para o mundo inteiro. O problema é que nesta janela acabou por estar muita coisa, coisas de mais até. Acabamos por utilizar a internet para nos relacionarmos com aqueles que pensam como nós, ou seja em vez de ser um lugar onde nos relacionamos com todos é um lugar onde se reforçam, para efeitos de segurança, as nossa crenças, os nossos preconceitos, as coisas em que já acreditamos ou em queremos acreditar, como as teorias da conspiração e outras coisas absurdas que não têm nenhuma relação com a realidade, nem com a ciência. Isto está a trazer uma fragmentação nas sociedades contemporâneas brutal. Por isso tenho vindo a insistir muito na área da educação em que a escola tem de ser um lugar em que aprendemos a viver em comum, uns com os outros, o comum no sentido da diferença. Temos de aprender a dialogar e a perceber o ponto de vista do outro em vez de reforçamos crenças. Este é um problema que tem de ser debatido. Por outro lado, outro aspecto que o António Guterres expos notavelmente no seu discurso quando recebeu o doutoramento honoris causa na Universidade de Lisboa foi que é muito possível que a terceira guerra mundial não vá começar por nenhum ataque nuclear. Vai começar por ataques informáticos e pela sua produção sistematizada de notícias e acontecimentos falsos e nós não estamos preparados para isso. Não estamos preparados para esta explosão digital e para o poder dos chamados GAFAM – Google, Aple, Facebook, Amazona e Microsoft, que hoje em dia são o grande poder no mundo.

 

Falou, após a cerimónia em que foi condecorado com o titulo de professor honorário do IPM, que a UNESCO deveria ter um papel relevante na democratização da ciência. Como?

No caso da ciência há duas orientações que hoje são absolutamente centrais. Uma é saber como é que a ciência se pode transformar em cultura científica democratizada e acessível a todos. Outro dos grandes debates que está pela nossa frente é o conceito de ciência aberta. Isto quer dizer que temos hoje um fenómeno extraordinário: os países investem milhões na ciência e quem dá este dinheiro somos nós, os cidadãos, mas depois o produto da investigação é fechado. Vai para revistas que não estão em acesso livre. O mesmo se diga das patentes: o público pagou fortunas para se conseguirem desenvolver vacinas, para se conseguir desenvolver um medicamento mas isso depois vai para os grande laboratórios privados. Porque é que o dinheiro que foi objecto de um investimento publico é depois de capturado por interesses diversos? A União Europeia já deu um sinal muito forte neste aspecto e disse que, a partir de 2020, a não ser que haja razões muito concretas para que não esteja em acesso livre, todas as investigações obtidas com fundos europeus têm de estar em plataformas de acesso livre, o que é um passo imenso. A UNESCO pode ter um papel impressionante, porque é uma organização internacional que não tem associados interesses na sua matriz universalistas e humanista.

 

Como é que vê o crescente interesse da China na língua portuguesa?

O interesse da China pela língua portuguesa é uma coisa muito clara. Lembro-me em particular um encontro muito importante, quando era reitor da Universidade de Lisboa, em 2007, com o vice ministro da educação da China e ele disse-me que gostava que num período de dez anos houvesse pelo menos 40 universidades chinesas a ensinar português. Na altura, essa possibilidade parecia difícil de realizar porque havia muito poucas. Hoje, o presidente do IPM já me disse que há 40 universidades a faze-lo. Nessa altura, já o presidente do IPM e outras pessoas de Macau eram os elementos de ligação. Eu não teria chegado a Pequim se não tivesse passado por aqui. Esta foi a porta de entrada e facilitou imenso todo o trabalho que se fez a partir daí. Penso que neste sentido, no ensino da língua portuguesa, Macau também está a cumprir esta vocação de porta de entrada, da plataforma giratória com a China.

 

E relativamente a Portugal?

Portugal não tem tido uma política muito consistente de promoção da língua portuguesa. Temos uns discursos retóricos de vez em quando e umas saídas literárias que ficam sempre bem. Acho que estamos numa situação em que podemos ainda fazer muito pela língua portuguesa. Durante a minha campanha dizia que há duas coisas que são os nossos grandes baluartes e que nos distinguem de todos os outros: a língua e o mar. Na língua e no mar está tudo o que é a nossa história, a nossa posição geográfica mas também tudo o que são as nossas potencialidades no futuro.

 

Vai-se voltar a candidatar à presidência?

Não sei. Nunca tinha estado nos meus planos candidatar-me e aconteceu.

 

Porquê independente?

Porque sempre fui. Nunca estive ligado a nenhum partido. Sempre tive e mostrei um respeito enorme pelos partidos. Não há democracia sem eles, mas a democracia do séc. XXI não se faz só com os partidos.

 

O que é que é preciso para essa democracia?

É preciso participação no espaço público no ponto de vista da deliberação. Provavelmente, grande parte da democracia do séc. XXI vai ter lugar nas cidades e já não vai ter lugar nos países. Provavelmente, vai ser uma democracia mais complexa também e em que é preciso uma consciência individual muito grande que vai nascer no momento em que passarmos da ideia da participação como consulta, para a participação como deliberação. Aí, as pessoas vão se envolver.

 

O que acha do crescente número de grupos extremistas?

Estamos num momento em que parece que andamos todos perdidos com internet, ou com o mundo financeiro, em que não sabemos quem é que manda nisto. Há uma espécie de dificuldade em ler e compreender o mundo que leva a que as pessoas se retraiam em grupos que lhes dão segurança, seja ela mais fundamentalista religiosa, ou política, e isso leva a fenómenos muito perigosos. Se calhar, neste momento, estamos num momento de perigo nas sociedades como há muito não vivíamos. Mas, acima de tudo, precisamos de acreditar na liberdade e só o podemos fazer quando há muita confiança. A confiança precisa de um pensamento racional, da ciência, de um pensamento sensível que olha para os outros. Quero um mundo económico a funcionar com liberdade mas também quero ter a liberdade das pessoas, dos cidadãos, dos costumes. No futuro precisamos de desenvolver todos os mecanismos da liberdade e não é através de práticas de controlo autoritárias que conseguiremos construir esta paz com a Terra. O Edgar Morin falava muito do conceito de Terra Pátria, um conceito muito bonito porque é esta a nossa pátria e para a preservar temos de preservar uma cultura de paz com os outros.

 

24 Abr 2018

Tribunal de Segunda Instância volta a negar recurso a Sulu Sou

Tong Hio Fong, ex-presidente da Comissão Eleitoral, e Lai Kin Hong, presidente do Tribunal da Segunda Instância, consideraram em conjunto com o juiz José Cândido de Pinho que a decisão da Assembleia Legislativa de suspender Sulu Sou é um acto político e não pode ser avaliada pelos tribunais

 

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) confirmou em conferência a decisão tomada a 14 de Fevereiro, pelo mesmo tribunal, e considerou que não tem competências para avaliar a legalidade da decisão da Assembleia Legislativa de suspender do deputado Sulu Sou. A decisão foi tomada ontem e, ao HM, o deputado admitiu a intenção de recorrer para o Tribunal de Última Instância (TUI). A defesa tem agora 10 dias para apresentar a peça processual que pede o recurso.

“O Tribunal de Segunda Instância manteve a decisão tomada anteriormente de que a deliberação da Assembleia Legislativa que resultou na minha suspensão é um acto político e, como tal, não têm competência para analisar o caso”, afirmou Sulu Sou, ao HM.

Perante este cenário, o deputado suspenso não tem dúvidas e vai recorrer para o Tribunal de Última Instância. “Vamos continuar a preparar-nos sempre da melhor forma e vamos recorrer desta decisão para o Tribunal de Última Instância. É essa a nossa intenção”, explicou.

Neste tipo de casos, depois da primeira decisão ter sido tomada apenas por um juiz, o relator, o TSI exige que o recurso seja entregue primeiro ao próprio tribunal. No entanto, em vez de ser apenas o juiz relator a tomar a decisão, o recurso é analisado em conferência. Ou seja, depois da primeira decisão ter sido tomada por José Cândido de Pinho, ontem esse juiz teve a companhia de Tong Hio Fong, ex-presidente da Comissão Eleitoral, e Lai Kin Hong, presidente do TSI, na análise do recurso.

 

Decisão só em Julho

A partir deste momento a defesa tem 10 dias para declarar a intenção de recorrer para o TUI. Após essa fase, o TSI é ouvido, aceita, e dá um prazo de 30 dias à defesa de Sulu Sou para apresentar as razões do recurso, o que deverá acontecer em meados do próximo mês.

Depois de ser apresentado o recurso, há ainda um prazo de mais 30 dias para a Assembleia Legislativa apresentar os seus argumentos. O caso sobe depois ao TUI, que vai ter de decidir se a resolução do hemiciclo pode ser verificada pelos tribunais. Devido a estes prazos, a decisão do TUI nunca deverá ser conhecida antes do mês de Julho, podendo até ser só conhecida em Setembro.

Porém, Sulu Sou mostrou-se confiante de que este caso não vai afectar o julgamento em que é acusado do crime de desobediência qualificada, durante a manifestação da Novo Macau contra o donativo da Fundação Macau à Universidade de Jinan, no valor de 100 milhões de renminbis. A primeira sessão está agendada para 14 de Maio.

“O caso criminal e este recurso administrativo são diferentes. Acredito que o recurso não vai ter qualquer impacto para o caso criminal. Essa também foi a visão do TJB, que decidiu marcar a data do julgamento, enquanto ainda não havia uma decisão sobre o recurso administrativo”, afirmou Sulu Sou.

20 Abr 2018

O progresso da China

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] colossal progresso da China nas últimas décadas apanhou muitos analistas ocidentais de surpresa. Os que previam um futuro pessimista para o país acabaram por estar errados. A China é a maior economia do mundo em termos de “Paridade de Poder de Compra (PPC) ” (método para se calcular o poder de compra de dois países), com a maior classe média do mundo, reservas cambiais, classe proprietária e número de turistas que passeiam pelo exterior. A China também é o líder mundial em energia renovável em termos de investimento e produção, e do multilateralismo e globalização.

A China tem a sua parcela de problemas, alguns dos quais são sérios e exigem soluções cuidadosas, mas o sucesso geral do país ao longo destes anos é incontestável. A que se deve este sucesso? Alguns estudiosos afirmam que é devido ao “Investimento Estrangeiro Directo (IDE)”. O “Relatório dos Investimentos Mundiais de 2017”, publicado pela “Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), classifica a China como sendo o segundo maior recebedor de IDE do mundo, ultrapassado apenas pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. A recepção de IDE é parte da política de abertura da China ao mundo, e em 2016 foi de cento e trinta e três mil milhões de dólares, enquanto os fluxos de IDE da China para o exterior foram de cento e oitenta e três mil milhões de dólares.

É de realçar que a Europa Oriental recebeu muito mais IDE em termos per capita; outros analistas afirmam que é devido a uma abundância de mão-de-obra barata, mas a Índia e a África fornecem ofertas menos dispendiosas; alguns afirmam que é devido a um estilo de governo autoritário, mas governos denominados de autoritários abundam na Ásia, na África, na América Latina e no mundo árabe sem o mesmo nível de sucesso que a China. Se essas explicações por si só se revelarem insuficientes para explicar como a China alcançou o seu êxito, deve-se procurar em outros lugares as respostas. Em essência, tem a ver com a natureza fundamental da China como Estado e o seu modelo de desenvolvimento.

A China não é uma Alemanha Oriental alargada, nem é qualquer outro estado socialista comum. É um Estado civilizatório, indubitavelmente talvez o mais singular, uma vez que é o único país do mundo com uma história de Estado unificado por mais de dois mil anos. É também a única civilização do mundo a durar continuamente por mais de cinco mil anos, reunida em uma grande nação moderna. Qualquer país deste tipo é obrigado a ser exclusivo. A China é uma amálgama de quatro factores, ou seja, uma população enorme, um território super dimensionado, tradições longas e uma cultura extremamente rica. A China possui uma população maior que as populações totais da União Europeia, Estados Unidos, Rússia e Japão.

O “Festival da Primavera da China” que se realiza anualmente, tem uma média de mais de três mil milhões de viagens nas vastas redes de transporte do país, o que equivale a mover as populações das Américas, Europa, Rússia, Japão e África de um lugar para outro em menos de um mês, o que serve de alguma forma para descrever a grandeza do país, bem como os desafios e oportunidades que se esperam. Os mais importantes líderes da China moldaram em grande parte o progresso do país, bem como o seu modelo único de desenvolvimento, do qual alguns remédios podem ser inspiradores.

A filosofia orientadora do país é a de procurar a verdade a partir dos factos. Esse antigo conceito chinês foi revivido por Deng Xiaoping, o arquitecto do programa de reforma da China, após a revolução cultural de 1966 a 1976. Deng acreditava que os factos, emanados do Oriente ou do Ocidente, deveriam servir como critério último para estabelecer a verdade. Ao examinar os factos contemporâneos, a China concluiu que nem o modelo soviético de comunismo, nem o sistema ocidental de democracia liberal poderiam realmente habilitar um país em desenvolvimento a alcançar a modernização. A China decidiu explorar o seu caminho de desenvolvimento e, em 1978, adoptou uma abordagem pragmática de tentativa e erro para o seu programa maciço de desenvolvimento.

Tal decisão constitui o fundamento filosófico do modelo da China que é o de colocar os meios de subsistência das pessoas em primeiro lugar, como conceito tradicional na governança política chinesa. Deng deu prioridade à erradicação da pobreza como principal objectivo nacional e prosseguiu uma estratégia realista. A reforma da China começou no campo, dado que a maioria dos chineses eram habitantes rurais. O sucesso dessas reformas iniciais colocou a economia chinesa em movimento e provocou uma reacção em cadeia, levando ao surgimento de milhões de pequenas e médias empresas, que imediatamente representaram mais de metade da produção industrial da China, preparando o caminho para a rápida expansão de indústrias manufactureiras e comércio exterior.

A atenção da China para colocar os meios de subsistência das pessoas em primeiro lugar pode ter implicações positivas a longo prazo de forma a ampliar e melhorar os direitos económicos, sociais e culturais do povo. A natureza gradual da reforma é outro aspecto crucial do desenvolvimento do país, pois dado o seu tamanho e complexidade, Deng estabeleceu uma estratégia prudente descrita como “Atravessar o rio sentindo as pedras”, o que significa que mesmo que a China estivesse a avançar em novas direcções, precisava de permanecer com os pés assentes no chão, melhorar, sentir o caminho a seguir, mesmo no meio da incerteza e dessa forma incentivar a experiência em todas as grandes iniciativas de reforma, uma abordagem exemplificada pelas zonas económicas especiais da China, nas quais as novas ideias, como a venda de terrenos, empreendimentos conjuntos de alta tecnologia e uma economia orientada para a exportação foram testadas. Apenas quando as novas iniciativas estão provadas como aptas a funcionar, devem ser alargadas a todo o país.

A China rejeitou a terapia de choque e trabalhou através das suas instituições, imperfeitas, gradualmente reformando-as para melhor servir o desenvolvimento e a modernização do país. A China tentou combinar a força da mão invisível do mercado com a mão visível da intervenção estatal para corrigir as falhas do mercado no que se tornou conhecido como a economia de mercado socialista. À medida que as forças do mercado foram libertadas pela mudança económica tremenda da China, o estado chinês garantiu a macro estabilidade política e económica, afastando o país das catástrofes financeiras em 1997 e 2008.

O governo, actualmente, está a procurar uma estratégia para promover as energias renováveis ​​e abraçar a nova revolução industrial e científica. O modelo de economia mista não é perfeito, mas desde a sua criação em 1992, a China é a única grande economia mundial que não sofreu crises financeiras ou económicas, enquanto o padrão de vida das pessoas está a aumentar de forma mais rápida que em qualquer outro lugar do mundo e a sua contribuição para o crescimento da economia mundial é maior que a dos Estados Unidos, Europa e Japão, em conjunto.

O modelo não é perfeito, mas está a melhorar mais que outros modelos, quiçá inclusive que o do Ocidente. A transformação da China foi liderada por um Estado visionário e orientado para o desenvolvimento. O Estado chinês é capaz de moldar o consenso nacional sobre a necessidade de reformas e modernização e garantir a estabilidade política e macroeconómica global, bem como procurar objectivos estratégicos difíceis, como a aplicação da reforma das empresas estatais e do sector financeiro e estimular a economia contra a desaceleração global e que tem origem em uma tradição confuciana de um Estado forte e benevolente apoiado pela meritocracia a todos os níveis.

É de considerar que apesar das suas fraquezas, ao longo das últimas quatro décadas, o Estado chinês presidiu ao crescimento económico mais rápido e à melhoria dos padrões de vida na história humana, e os principais inquéritos independentes, incluindo os da “Pew Research Center (PEW)”, que é uma organização não partidária que informa o público sobre as questões, atitudes e tendências que moldam o mundo, realizando pesquisas de opinião pública, demográfica, análise de conteúdo e outras no âmbito das ciências sociais orientadas a dados e que não tomam posições políticas e da “Ipsos”, que é uma organização que realiza estudos sobre pessoas, mercados, marcas e sociedade, fornecendo informações e análises que tornam o mundo complexo mais fácil e rápido para navegar e inspira os destinatários a tomar decisões mais inteligentes assim revelam. Ambas as organizações mostraram um padrão consistente no qual as autoridades chinesas tiveram um alto grau de respeito e apoio no país.

A pesquisa da “Ipsos”, em 2016, mostra que 90 por cento dos chineses ficaram satisfeitos com o rumo que o país estava a levar, enquanto apenas 37 por cento dos americanos e 11 por cento dos franceses disseram o mesmo para os seus respectivos países. Segundo a pesquisa as pegadas dos turistas chineses foram encontradas em todos os cantos do mundo entre 2014 e 2016. As cidades asiáticas ainda eram os destinos mais escolhidos pelos turistas chineses (77,67 por cento), seguidos das cidades europeias (32,07 por cento) e das cidades americanas (20,29 por cento).

A Coreia do Sul e o Japão eram os destinos mais populares na Ásia, seguidos por cidades no sudeste da Ásia. Na Europa, a França, Grã-Bretanha e Itália foram os mais visitados e, na América, os Estados Unidos. As cidades com voos directos foram mais visitadas pelos turistas chineses. A reputação dos voos também teve um impacto directo em excursões para esses destinos. A Ásia é a escolha preferida dos turistas chineses, mas à medida que o seu rendimento aumentava, tendiam a escolher viagens de média e longa distância, primeiro para a Europa, depois para a América, Oceânia e África.

A pesquisa mostrou que, embora o número absoluto de turistas chineses para a África fosse pequeno, o crescimento era proeminente. As dez cidades que os turistas chineses escolheram para viagens de curta distância, em 2016, foram Seul, Bangkok, Tóquio, Osaka, Nagoya, Ilha de Jeju, Singapura, Incheon, Kobe e Nara e as dez cidades que os turistas chineses escolheram para viagens de longa distância foram Paris, Londres, Sydney, Los Angeles, Roma, Nova Iorque, Washington, São Francisco, Melbourne e Veneza.

Descrever a política da China como falta de legitimidade ou mesmo à beira do colapso, como por vezes aparece nos meios de comunicação social, é estar fora de contacto com a realidade da China. A experiência chinesa, desde 1978, mostra que o teste final de um bom sistema é até que ponto pode garantir a boa governança julgada pelas pessoas. A dicotomia sagrada da democracia versus a autocracia é por vezes vazia no mundo complexo que vivemos, dado o grande número de democracias mal governadas em todo o mundo.

A experiência da China pode, eventualmente, criar uma mudança paradigmática no discurso político internacional longe dessa dicotomia antiga para uma nova, de boa versus má governança, na qual a boa governança pode parecer um sistema político ocidental ou um não -ocidental. De igual forma, a má governança pode assumir a forma do sistema político ocidental ou não. Em resposta ao politólogo americano, Francis Fukuyama, autor do livro “The End of History e Last Man”, actualmente não se vive o fim da história, mas o fim do fim da história, não sendo apenas bom para a China, mas beneficiando o Ocidente e o mundo, dado que se pode explorar conjuntamente novas formas e melhor governança e desenvolvimento no interesse da humanidade.

 

18 Abr 2018

Lei do direito a reunião e manifestação aprovada na generalidade

A proposta de lei referente à alteração do pedido de reunião e manifestação foi ontem aprovada na generalidade apesar das reservas apresentadas por alguns deputados. Sónia Chan garante que a lei não vai restringir qualquer direito da população

 

 

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] proposta de lei relativa ao direito de reunião e manifestação foi aprovada ontem na generalidade na Assembleia Legislativa (AL), com três votos contra, apesar das garantias da secretária para a administração e justiça, Sónia Chan, de que não se trata de uma alteração na própria lei, mas sim de uma questão de atribuições. Os deputados Au Kam San, Ng Kuok Cheong e José Pereira Coutinho não ficaram convencidos e consideram tratar-se de uma forma de limitar as manifestações na RAEM.

O diploma prevê que o pedido de reunião e manifestação passe a ser entregue directamente à Polícia de Segurança Pública (PSP) em vez de ser ao Instituto para ao Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), entidade responsável pela gestão dos espaços públicos locais.

De acordo com Sónia Chan, as preocupações com a possível restrição do direito da população em se manifestar são infundadas. “Trata-se de uma transferência simples de competências que não vai reprimir, ou atacar, os direitos fundamentais da população. A questão de reprimir ou ter mais rigor não é uma boa interpretação”, afirmou ontem, na reunião plenária, em resposta aos deputados.

Para a secretária, a transferência de atribuição do pedido de reunião e manifestação faz todo o sentido. “Entendemos que, neste momento, quanto ao processo de reunião e manifestação, a polícia assume um papel muito importante”. Mais, trata-se de um processo idêntico ao que tem acontecido, mas só que ao contrario. “Depois da policia ter recebido o aviso sobre uso dos espaços públicos, basta um diálogo entre o IACM e a policia e mais nada”.

 

 

Aquecimento para o IAM

Song Pek Kei, à semelhança de outros deputados, questionou a secretária acerca dos motivos desta alteração e apontou uma justificação associada já a uma preparação para a criação do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), que irá substituir o actual IACM.

A secretária Sónia Chan confirma. Trata-se já de uma acção que tem em vista outras mudanças que podem ocorrer com a criação do novo órgão sem poder político e consecutiva transferência de funções. “A deputada Song Pek Kei já ajudou a responder ao motivo desta alteração: no processo de criação do IAM, fizemos um estudo sobre as suas atribuições e algumas vão ser transferidas, incluindo o aviso prévio das manifestações, a questão da gestão de armas e munições e licenciamentos sobre panchões e fogos de artifício”, disse.

Um dos principais opositores à proposta aprovada ontem na generalidade, o deputado José Pereira Coutinho salientou ainda a ausência de consulta pública na concepção e apresentação da proposta de lei. A secretária explicou que não haveria necessidade deste procedimento. “Não fizemos uma consulta pública porque não reduzimos qualquer direito da população. Não há possibilidade da redução do seu âmbito. A lei é a mesma”, sublinhou.

5 Abr 2018

Manifestações | Assembleia Legislativa protegida de protestos

[dropcap style=’circle’] A [/dropcap] Assembleia Legislativa vai passar a estar incluída nos espaços em que as autoridades podem exigir às manifestações que respeitem uma distância não superior a 30 metros. A novidade não foi revelada pelo porta-voz do Conselho Executivo, Leong Heng Teng, na apresentação do diploma, mas consta no documento enviado ao hemiciclo. Caso o diploma seja aprovado sem alterações, a AL passa assim a incorporar um grupo locais de que já fazem parte a sede do Governo, prisões, tribunais, entre outros. Além desta alteração, a proposta de lei passa as competência de aceitar a organização de manifestações do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais para o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP).

 

20 Mar 2018

Mediatismos no Tribunal

[dropcap style=’circle’] O [/dropcap] antigo Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang Yam-kuen, foi acusado de ter aceitado da Wave Media a quantia de 3,8 milhões de HKD (487.000 USD) para remodelar uma penthouse na China. Em paga do favor, Donald Tsang ter-se-ia mostrado “favorável” à concessão da licença de emissão para a operadora de Rádio, no período em que exercia funções como Presidente do Conselho Executivo. Bill Wong Cho-bau, o maior accionista daquela operadora, era proprietário da penthouse e pagou as obras de remodelação. O caso foi apresentado perante um júri no Supremo Tribunal. Presidiu o juiz Andrew Chan Hing-wai. Como no final não foi possível que 6 dos 8 jurados concordassem com a acusação, Donald Tsang saiu em liberdade.

 

No entanto, a apreciação final apresentada por escrito pelo juiz Andrew Chan incluía muitos comentários sobre o caso. Se ainda estiverem recordados das notícias que saíram durante o julgamento, um dos jurados, então referido como Mr. Q, perseguiu e chegou à fala como uma famosa estrela mediática, que se tinha deslocado ao Tribunal como apoiante de Donald Tsang. Mr. Q era um fã de longa data desta celebridade, pelo que a interpelou e fizeram-se fotografar juntos. O procurador separou imediatamente Mr. Q do resto dos jurados e reportou o caso ao juiz. Temendo uma possível parcialidade do jurado, o juiz afastou-o do júri.

No parágrafo 32 da sua apreciação, o juiz declara,

 

“…… Mr. X (a celebridade) foi introduzido no Tribunal por um elemento de uma empresa de relações públicas, ao contrário dos cidadãos normais que tiveram de esperar na fila para entrarem.  Quando entrou sentou-se na área reservada à família e aos amigos do réu …”

 

Nos parágrafos 36, 38 e 39, o juiz refere,

 

“O processo que levou ao afastamento de Mr. Q, fez-me perceber pela primeira vez que uma empresa de relações públicas e consultoria, tinha sido envolvida neste julgamento. De facto, eles estiveram constantemente presentes, dentro e fora do Tribunal, ao longo do primeiro julgamento e também do segundo, mas na altura eu não tinha tomado consciência das suas funções, já que todos os cidadãos têm direito a assistir às audiências.”

 

“A família e os amigos do réu têm todo o direito de estar presentes no julgamento, para observarem os trabalhos e para o apoiarem. O que não é permitido de forma alguma, a estas ou a quaisquer outras pessoas, é tentar exercer influência sobre membros do júri. Interferir com o júri é subestimar os alicerces do nosso sistema jurídico.”

 

“Antes do início do primeiro e do segundo julgamento, o Réu, através dos seus advogados, pediu o consentimento do tribunal para reservar lugares para os seus amigos e familiares. O pedido foi deferido.  Ao longo do segundo julgamento, especialmente durante a parte final, antigos colegas do Réu, como, os seus antigos Secretário das Finanças e da Justiça, antigos Conselheiros do Partido Democrata, Conselheiros em funções da Aliança Democrática para o Melhoramento e Progresso de Hong Kong, e proeminentes figuras religiosas, estiveram presentes no Tribunal em diferentes ocasiões, introduzidos pela empresa de relações públicas e consultoria, e tomaram assento na área reservada, à semelhança de Mr X.  O objectivo destas presenças era, sem dúvida, mostrar ao júri que o Réu era uma pessoa de bem, apoiado pelas figuras mais destacadas da sociedade.”

 

A “empresa de relações públicas e consultoria” mencionada pelo juiz é normalmente uma empresa ou uma pessoa singular que trabalha a favor da boa imagem do réu.

 

O júri deve ouvir todos os testemunhos que são dados no Tribunal e analisar todas as provas. Estas provas são apreciadas pela Acusação e pela Defesa. Depois de todas as provas terem sido aceites e examinadas, são submetidas à apreciação do júri para que seja emitido um veredicto de inocência ou de culpa.

 

No julgamento de Donald Tsang estiveram presentes muitas celebridades, que se sentaram na área exclusivamente reservada a amigos e familiares do réu, de forma a que todos os jurados os pudessem ver distintamente. Existe a possibilidade de que a presença destas personalidades possa ter influenciado o júri a acreditar na inocência do réu; neste cenário, a hipótese de o réu ter cometido um crime será baixa e, portanto, não é culpado.

 

E porque é que os jurados se deixam afectar por estas disposições? Porque são todos pessoas comuns. Qualquer pessoa que tenha completado o ensino secundário e tenha mais de 21 anos pode integrar um júri. Não são escolhidos entre os famosos, e não podem ser especialistas em leis. Os jurados podem ser facilmente influenciados por estes cenários. Se isto for possível, então pode ser também possível que, perante uma situação deste género, a decisão do júri, ao invés de ser tomada a partir das provas apresentadas, possa partir de factores exteriores ao processo. Se for o caso, o estado de direito está a ser respeitado? Se o estado de direito não for respeitado, a população vai continuar a confiar no sistema jurídico? O Tribunal é um espaço aberto a todos os cidadãos. Em Hong Kong, as pessoas são livres de entrar e de sair de uma sala de audiências, e a presença de pessoas famosas não vai contra a lei. Mas a presença de celebridades pode afectar a decisão do júri e, desta forma, afectar o grau de confiança que a população deposita no nosso sistema jurídico, e assim pode ser encarada como um pouco “imoral”.

 

É preciso contrabalançar os interesses de ambas as partes e ter em consideração o estatuto social de Donald Tsang. Donald Tsang foi Chefe do Executivo de Hong Kong, a maior parte dos seus amigos são pessoas de nomeada. A sua presença em Tribunal pode ser apenas uma forma de lhe demonstrarem o seu apoio. Se assim for, o objectivo não será influenciar o júri, mas sim apoiar um amigo.

 

Mas agora façamos uma visita ao website dos Tribunais de Hong Kong. Na página “Sala de Audiência Tecnológica”, IMAGEM – PROCEDIMENTOS JURÍDICOS E SISTEMAS DE TRANSMISSÃO”, pode ler-se,

 

A Sala de Audiências Tecnológica está equipada com um Sistema de Transmissão para contemplar situações em que o público não cabe todo no Tribunal.

 

Se o juiz assim o desejar, a sala de espera contígua à sala de Audiências Tecnológica pode ser imediatamente convertida numa extensão do Tribunal.

 

Assim que o sistema de transmissão for activado, quem está sentado no exterior pode assistir à sessão através de ecrãs LCD.”

 

Se quisermos evitar o efeito potencialmente pernicioso da presença de celebridades na sala de audiências, poderemos reservar os lugares na sala apenas para familiares e amigos chegados, ficando os VIPs acomodados na sala exterior, onde podem assistir à sessão através dos ecrãs colocados para o efeito.

Macau implementa o sistema jurídico continental e, por isso, os julgamentos dispensam a presença de um júri. O juiz é o único responsável pelas sentenças. A decisão do juiz é a voz da lei, e não a de pessoas comuns. A vantagem é óbvia.

20 Mar 2018

Novo Macau ultrapassou meta dos 300 mil

Sulu Sou

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] campanha de recolha de donativos da Associação Novo Macau ultrapassou a meta inicial de 300 mil dólares de Hong Kong. O objectivo foi concretizado no Sábado. Ontem à noite, numa altura em que ainda faltavam 28 dias para o fim da campanha, a associação pró-Democracia contava com um total de 324 mil dólares em donativos. Segundo os responsáveis da associação pró-democrata, os fundos têm como objectivo o pagamento das despesas operacionais da associação, nomeadamente no que diz respeito ao pagamento dos salários a dois funcionários e para materiais de campanhas cívicas e de promoção da própria associação.

Além desta informação, os pró-democratas publicaram uma mensagem na rede social Facebook em que detalharam os gastos da campanha eleitoral. Do orçamento de 172,6 mil patacas, a maior parte foi para material de publicidade, cujo montante atingiu as 106,5 mil patacas. Seguiu-se a aquisição de roupa, com gastos de 19,6 mil patacas, serviços de comida, que custaram 11,7 mil patacas, e ainda o pagamento de direitos de autor para as música utilizadas na campanha, que tiveram um custo de 10,4 mil patacas. Entre os gastos detalhados constam ainda serviços de construção (2 mil patacas), pagamento de escritório (2,7 mil), transportes e logística (6,3 mil), recursos humanos (3,6 mil), aluguer de sede (4,8 mil) e serviços profissionais (5 mil).

A Novo Macau conseguiu eleger Sulu Sou durante as eleições, depois de ter conseguido 9 213 votos.

12 Mar 2018

A sabedoria de Deng Xiaoping

[dropcap style=’circle’] O [/dropcap] 13.º Congresso Nacional do Povo e o Comité Nacional da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês vão reunir-se em Pequim. Um dos objectivos das sessões plenárias é a criação de uma emenda ao Artigo 79 da Constituição da República Popular da China, que anule o limite de dois mandatos consecutivos do Presidente e do Vice-Presidente.

 

Os conteúdos que vão ser agora revistos foram inseridos na Constituição em1982, sob a liderança de Deng Xiaoping, o pioneiro da Reforma e da política de abertura da China. O Presidente da República Popular da China é nominalmente o líder supremo do País. Mas, na realidade, o Presidente da Comissão Central Militar do Partido Comunista da China é quem detém o maior poder. Mao Tsé Tung deteve este cargo até à sua morte. Deng Xiaoping nunca foi Presidente da China, mas sim Presidente da Comissão Central Militar, o que explica a força da sua liderança. Pensando nesta distribuição de poder, porque é que foi introduzido em 1982 o limite de dois mandatos consecutivos para o Presidente e para o Vice-Presidente? Porque Deng Xiaoping era um homem sábio.

 

Como sabemos, depois do Partido Comunista ter fundado a República Popular da China em 1949, Mao Tsé Tung e Liu Shaoqi assumiram a presidência em sucessão, entre 49 e 68. Depois de Liu Shaoqi ter sido afastado em 1968, durante a Revolução Cultural, o lugar de Presidente foi cancelado por algum tempo. Mas o lugar de Primeiro-Ministro, pelo contrário, foi ocupado por Zhou Enlai desde 1949, até à sua morte em 1975. Deng Xiaoping e os antigos quadros do Partido que atravessaram a Revolução Cultural, sabiam que o poder corrompe e que “o poder absoluto corrompe absolutamente”. Foi por isso que Deng “reformou” a Constituição em 1982, libertando-a das ambiguidades que conduzem à corrupção.

 

Nas “Obras Escolhidas de Deng Xiaoping”, podemos ler, “Para salvaguardarmos a democracia popular, o estado de direito tem de ser fortalecido. É preciso assegurarmo-nos que a democracia se institucionaliza e se legitima, e garantir que este sistema e as leis não mudam se houver alternância de líderes, ou se os líderes mudarem os seus pontos de vista ou os seus objectivos”. Em obediência a este princípio, na emenda de 1982 à Constituição, ficou definido que o Presidente e o Vice-Presidente da China não podiam servir para lá dos dois mandatos consecutivos. Para além disso, no Artigo 87, declara-se que o Primeiro Ministro, o Vice-Primeiro Ministro e os Conselheiros de Estado têm igual limitação de mandatos. Mas, para salvaguardar a liderança do Partido Comunista, não se estabeleceu limite de mandatos para os líderes do Partido nem para o Presidente da Comissão Central Militar. Seguindo os princípios orientadores estabelecidos por Deng Xiaoping, até à presente data, todos os líderes da China respeitaram o limite de mandatos. Jiang Zemin e Hu Jintao foram ambos Presidentes por dois mandatos. E tanto Zhu Rongji como Wen Jiabao ocuparam o cargo de Primeiro-Ministro por dois mandatos consecutivos. Se estes líderes não tivessem respeitado a Constituição, Jiang Zemin ou Hu Jintao ainda poderiam ser hoje em dia Presidentes da China.

 

Para impedir a concentração de um poder permanente nas mãos de um só líder, que pudesse vir a desencadear outra catastrófica Revolução Cultural, Deng Xiaoping dedicou muito tempo a introduzir alterações cuidadosamente pensadas. Mas, apesar disso, o modelo da liderança conjunta caiu em 1989.  Hu Yaobang e Zhao Ziyang, foram os melhores concretizadores do pensamento de Deng Xiaoping. Após a morte de Hu e a demissão de Zhao, os sucessores conseguiram manter o limite de mandatos, no entanto a luta pelo poder na China nunca deixou de existir. A centralização excessiva do poder e o surgimento de sectores de pressão, os poderosos grupos plutocráticos, aumentaram em muito a corrupção. O vigoroso ataque a este flagelo desencadeado nos últimos anos por Xi Jinping e por Wang Qishan conquistou o coração do povo. Mas a edificação de um sistema eficaz é ainda mais importante, porque impede as pessoas de prevaricar a priori. O estado de direito é sempre melhor que o situacionismo.

 

Deng Xiaoping já morreu há mais de duas décadas, mas, por mais clarividente que fosse, nunca poderia ter previsto as emendas à Constituição que estão a ser preparadas. Quando o sistema não se desenvolve da melhor maneira, será inevitavelmente substituído pelo autoritarismo político.

9 Mar 2018

O valor do silêncio

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s eleições estão marcadas para 17 de Setembro. Nas últimas semanas, todos os dias, escrevo esta frase. As eleições estão marcadas para 17 de Setembro. Escrevo-a com variações e parece-me estranha, é um conjunto de palavras que me parece desfasado da realidade. Há legislativas daqui a um mês e não se dá por elas, eu não dou por elas, mesmo quando escrevo que acontecem a 17 de Setembro. Um mês menos um dia na contagem decrescente.

As eleições não andam por aí por imposição legal, por formatação política, por incapacidade de percepção da importância do acto, por necessidade de se privilegiar quem pode mais, quem manda mais, quem tem mais dinheiro na conta bancária. Este é o resultado de um período de campanha curto, muito curto, que se resume a duas semanas. É o resultado de um período de proibição de propaganda eleitoral longo, demasiado longo, cuja razão de ser não compreendo. Há eleições e não se fala delas, e eu não percebo por que temos nós um mês de silêncio, um mês de coisa nenhuma.

Há eleições a caminho. São o único momento da vida política de Macau em que os residentes com capacidade eleitoral são chamados a dizerem qualquer coisa, a escolherem um candidato, a pensarem numa ideia ou noutra que gostariam que fosse realidade na cidade onde vivem. É um momento que só existe a cada quatro anos e que deveria ser aproveitado para pôr as pessoas a discutir, a ler, a ouvir. Não sei se iriam fazê-lo, mas seria bom se houvesse esse esforço, se esse esforço pudesse ser feito de forma mais prolongada, se houvesse essa oportunidade.

Concedo. Sabemos todos que a Assembleia Legislativa e os seus deputados já conheceram melhores dias, já tiveram outro grau de credibilidade. Há um desânimo em relação à política em Macau que se prende com o sistema e com o modo como as pessoas não foram educadas para a política. Todas elas: quem elege, quem é eleito e quem gostaria de ser. Mas não é tarde, gosto eu de pensar. Não é tarde para as pessoas começarem a olhar para os políticos de outra forma, com melhores olhos ou então com piores, para não votarem ao engano.

Um mês de silêncio não faz bem a ninguém. Não contribui para nada. Ajuda a que se fure o sistema com os métodos mais perniciosos. Coloca nos primeiros lugares da grelha de partida aqueles que têm os carros com melhor motor, os carros mais caros, aqueles que têm maior capacidade de arranque. Quem anda a pé fica apeado, no fim da linha. O que aí vem não vai ser melhor.

20 Ago 2017

O salto quântico (II)

“It was 250,000 years before the world’s population reached 1 billion, around 1800. But it took only a dozen years for mankind to add its latest billion, passing 7 billion in October 2011, by the United Nations’ official count. This is megachange: change on a grand scale, happening at remarkable speed. It is all around us. Technology is spreading astonishingly fast – think of the internet, mobile phones and the oceans of information now captured on computers or transmitted via social networks such as Facebook and Twitter. The global economy is tilting towards Asia in front of our eyes. All this is having a deep impact on people’s lives, businesses’ strategies, countries’ politics and the planet’s prospects”.
“Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] excepcional evolução, também, pode ter lugar periodicamente na política. Os terramotos políticos não são tão raros, como ficou demonstrado pela vitória considerada improvável de Donald Trump, em 8 de Novembro de 2016. A média terminou na área da economia, após 2008, devido à grande recessão, e é de acreditar que será difícil criar um crescimento económico robusto e sustentado como defende Tyler Cowen no seu livro “Average Is Over: Powering America Beyond the Age of the Great Stagnation”.

O passado não é prólogo do futuro. Ao invés, uma série de factores reduzirão a prosperidade, a menos, que medidas substanciais sejam tomadas para reverter a actual situação. Estendendo essa noção, damos com a teoria desenvolvida por James K. Galbraith no seu livro “The End of Normal: The Great Crisis and the Future of Growth” que ao analisar o desempenho macroeconómico, afirma que as pessoas não devem projectar o crescimento económico da década de 1950 até ao ano 2000 para o futuro. Muitas das situações que deram origem a um forte desenvolvimento desapareceram, e será difícil manter as tendências passadas no futuro próximo.

O economista Robert Gordon argumenta no seu livro “The Rise and Fall of American Growth” que estamos a assistir a uma grande mudança nos padrões de crescimento, e que o desenvolvimento dramático, que marcou o período de 1870 a 1970 terminou, não existindo maiores avanços na produtividade do trabalho ou na inovação societária, e com o envelhecimento da população e o aumento da desigualdade, o nível de vida dos Estados Unidos tende a estagnar ou mesmo a cair, e correr através de cada uma dessas noções, é ideia de que algo de grande está para acontecer no período actual.

Os padrões sociais, económicos e políticos já não são estáveis e estão a criar mudanças rápidas e transformadoras. As pessoas necessitam de estar preparadas para um tipo de mudança, maior do que o normalmente imaginado. Até que possamos entender melhor esses movimentos tectónicos, será difícil para os indivíduos e sociedades como um todo, lidar com o seu extraordinário impacto. A nível internacional, existem inúmeros sinais de grandes desenvolvimentos e mudanças de alianças. Durante a maior parte das últimas sete décadas, fortes normas internacionais pareciam garantir a santidade das fronteiras nacionais, pois dada a agressão generalizada sofrida durante a II Guerra Mundial, com a sequente enorme perda de vidas, as nações modernas, em geral, abstiveram-se de invasões estrangeiras.

Os países não querem arriscar conflagrações internacionais e os altos custos humanos que daí resultam. As organizações a nível global fazem grandes esforços para desencorajar os países a não violarem os direitos soberanos de outros países, na esperança de manter a paz e conservar as relações amistosas, em toda a ordem internacional. No entanto, essa norma antiga e tradicional está a ser quebrada constantemente.

Os líderes ocidentais estavam despreparados em 2014, quando a Rússia invadiu e anexou a Crimeia e deslocou-se para a parte oriental da Ucrânia, com o objectivo declarado de proteger os interesses russos. A Crimeia tinha sido cedida à Ucrânia em 1954, pela então União Soviética e tinha-se tornado em uma parte vital daquele país. A península no Mar Negro usava moeda ucraniana e tinha representação no parlamento nacional. Apesar da condenação internacional da anexação, a Rússia, recusou-se a inverter o curso dos acontecimentos.

Os líderes ocidentais usaram uma retórica apaixonada contra a anexação, impuseram sanções comerciais e bancárias ao invasor e aumentaram a ajuda à Ucrânia. Ao longo de dois anos, o mundo ainda não descobriu como mudar a realidade factual, e alguns líderes queriam enviar tropas para contrariar o que consideravam uma flagrante agressão russa. A China conjuntamente com o seu rápido crescimento económico, tornou-se muito mais activa nos assuntos regionais e globais, impondo limites às organizações estrangeiras e multinacionais que operam dentro das suas fronteiras, e discutiu a soberania japonesa sobre as Ilhas Senkaku no Mar da China Oriental.

Apesar de esses locais terem sido controlados pelo Japão por um longo período de tempo, a China afirmou os seus direitos territoriais, após a descoberta de reservas de petróleo, afirmando que as suas prerrogativas geográficas são anteriores às do Japão. Os militares chineses enviaram barcos e aviões para a região para proteger as suas reivindicações geográficas, e instalaram mísseis terra – ar em uma ilha disputada. Além disso, a China construiu sete ilhas artificiais em recifes no Mar da China Meridional, e declarou a soberania chinesa sobre os doze milhas ao redor de cada ilha.

A expansão das reivindicações territoriais chinesas complicou as operações militares americanas na região, e ameaçou a capacidade de alguns navios comerciais de navegar livremente por essas paragens. Os temores aumentaram quando a China começou a instalar longas pistas de aviação, quartéis militares e mísseis nas Ilhas Paracel. A maioria dos países vizinhos são aliados e parceiros comerciais dos Estados Unidos, preocuparam-se, acreditando que tais mudanças fossem um sinal das ambições geopolíticas por parte da China, que procurava estender esses direitos territoriais a quase oitenta por cento do Mar da China Meridional. A situação colocou a China em contenda com o Vietname, Malásia e Filipinas que tinham soberania sobre partes dessa via fluvial.

As revoltas da Primavera Árabe atraíram praticamente todos os governos e comentadores políticos. A maioria foi surpreendida em 2010, quando protestos de rua irromperam na Tunísia e provocaram manifestações em vários países do Médio Oriente. As queixas contra a incompetência e corrupção dos regimes autoritários, em todo o mundo árabe, eram efectuados por pessoas comuns, milhares das quais foram para nas ruas em um extraordinário conjunto de protestos.

Tal como agiram em outros períodos, os governos moveram-se para suprimir as queixas e prender os manifestantes. Mas os movimentos políticos derrubaram vários líderes autoritários que pareciam entrincheirados no poder, nomeadamente o presidente Hosni Mubarak no Egipto. É de notar que quase nenhum analista político experiente, antecipou a série de revoluções que rapidamente varreram o Norte de África e o Médio Oriente, ou seja, havia governos provisórios na Tunísia, Líbia e Egipto. A Síria e o Iémen caíram em devastadoras guerras civis, enquanto as facções rivais disputavam o poder político e económico, e a Líbia enfrentou um tumulto semelhante, após a queda e execução de Muammar Kadafi.

Através destes e de outros exemplos, é de argumentar que muitas das forças sociais, económicas e políticas que foram constrangidas a mudanças internacionais em grande escala tornaram-se fracas. Alianças políticas, económicas e militares antigas quebraram-se e novas estão a surgir, ou em alguns casos, novas alianças não se apresentam tão aparentes. O grande conflito de poder, que parecia inimaginável na era nuclear, voltou como um possível perigo.

A ideia de que as nações limitariam as suas reivindicações territoriais deu lugar a um jogo amplo entre as mesmas, testando fronteiras geográficas e violando as normas tradicionais. A ordem mundial pós-1989, dominada pelos Estados Unidos, desenvolveu-se em uma China ascendente, uma Rússia agressiva e actores não estatais violentos, como o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS), Al Qaeda, Al Shabaab e Boko Haram.

Os últimos grupos aplicam leis religiosas estritas nos territórios que controlam, e empregam práticas primitivas, como a violação sistemática, a escravidão sexual e a governança feudal. As limitações ao poder ocidental são aparentes, e a capacidade dos Estados Unidos e da Europa para tomarem medidas eficazes é seriamente circunscrita. O globo, em essência, passou de um mundo bipolar durante a Guerra Fria, para um unipolar após o colapso da União Soviética, quando os Estados Unidos se tornaram o poder dominante, e desde 9 de Setembro de 2001, para um mundo multipolar, reflectindo o surgimento de novos poderes e actores não-estatais.

As ordens mundiais bipolares e unipolares geralmente são estáveis, por causa do domínio de um número limitado de poderes, que muitas vezes podem controlar os conflitos locais e regionais. No entanto, a mudança para a multipolaridade apresenta sinais de um aumento da instabilidade, com várias potências a jogarem para adquirir vantagem, e nenhuma a deter o poder único, não tendo a China, Rússia, Europa ou os Estados Unidos a capacidade de ditar as directrizes da geopolítica e geoeconomia.

29 Nov 2016

O salto quântico (I)

“A great shift towards the East is taking place. This really is a case of back to the future: as Laza Kekic points out, by 2050 Asia will account for more than half the world economy, which is what its share was back in 1820 and for centuries before that. This will profoundly affect everything from the environment to the balance of military power and the centre of gravity of the global economy.”
“Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] início do dia das eleições nos Estados Unidos foi marcado por dez baralhados inquéritos nacionais, em que oito davam a vitória a Hillary Clinton, um anunciava um empate e o último apostava na vitória de Donald Trump. No final da longa vigília, os embaraçados comentadores interrogavam-se de quem seriam os Secretários de Estado do candidato vencedor, quais seriam as grandes linhas de acção da sua futura gestão à frente dos destinos do país, de como seria a sua ligação com ambas as câmaras, após ter dado a vitória no Senado ao Partido Republicano, e como seria a sua relação dentro do mesmo partido, com a actual liderança que lhe virou as costas.

Tudo são interrogações no que respeita a Donald Trump, mesmo em áreas onde se supõe conhecer o seu pensamento, como o tema dos imigrantes e as alianças comerciais e militares. O candidato dado por todos como derrotado, em uma campanha política de poucos meses, transformou o cenário político e dos partidos do país, podendo influenciar ainda mais, as principais correntes de pensamento da sociedade americana, ao longo dos próximos quatro anos, se as constelações não conspirarem, para que sejam oito anos.

A partir de agora, existe uma nova forma de fazer política, outra maneira de compreender o funcionamento da democracia americana e do papel do país na cena global. Muitos serão os políticos que terão a tentação de seguir o seu exemplo e modelo. A campanha de Donald Trump, esteve ausente dos meios de comunicação tradicionais, e teve um orçamento muito menor que o do Partido Democrata. Teve como principal centro as redes sociais, o que talvez explique de certa forma, o impacto que conseguiu, e de algum modo tenha favorecido o facto de os meios de comunicação sociais tradicionais não terem observado com a agudeza necessária, o fenómeno Trump e o subestimaram.

Fica por ver se a nova etapa implica o abandono de toda a pretensão de injectar seriedade e transcendência ao debate político americano, com o consequente efeito que terá sobre as instituições, e sobre a essência do conceito actual de democracia. O Partido Republicano pode ficar sob controlo do novo mandatário, fragmentar-se, ficar nas mãos de um rival de Trump, ou rejuvenescer com contributos de novos dirigentes. As consequências do fenómeno são perceptíveis, em outras latitudes.

Muitos países europeus vêem o apogeu dos partidos de extrema-direita, que combatem os imigrantes, sem falar de todos os matizes do Brexit e da militância a favor do proteccionismo comercial e contra os tratados globais, e talvez seja esta a verdadeira tragédia, ou seja, o modo de entender a política de Trump, começa a ser uma parte normal da cena quotidiana. As consequências do Brexit, decidido pelos votantes ingleses, foi um severo choque para a União Europeia (UE).

A consagração presidencial de Donald Trump é a segunda violenta perturbação num curto período de tempo, uma verdadeira catástrofe como é denominada. A Alemanha é o único país com relevo, que resiste a um mundo que parece querer desabar. A unidade de acção transatlântica, que por mais de setenta e cinco anos foi a pedra angular da direcção do Ocidente, em todos os níveis, seja na defesa, comércio ou redução das alterações climáticas, parece estar a chegar ao fim.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi a salvaguarda Europeia contra o ameaçador expansionismo soviético, que parece renascer com o sonho imperial da Rússia liderado por Vladimir Putin. Se os Estados Unidos, como tem advertido Donald Trump, refugiar-se no isolacionismo mais extremo, estará muito em jogo, pois os europeus ficarão sós para conter a agressividade russa e os esforços realizados no Médio Oriente para acompanharem os Estados Unidos serão inúteis, bem como os mortos e as perdas sofridas no Iraque e no Afeganistão, sem esquecer o famoso tratado de livre comércio, entre ambos os lados do Atlântico.

Os europeus encontram-se preocupados como não acontecia há muitas décadas. A vitória incontestável de Donald Trump nas eleições americanas veio certificar que vivemos uma era de transformações profundas e cíclicas, tal como sempre aconteceu na história da humanidade. As dramáticas descobertas científicas interromperam as práticas empresariais ou novas ordens sociais, como a Reforma e a Revolução Industrial, e alteraram fundamentalmente a vida das pessoas.

Os tempos mais recentes, foram também palco de grandes mudanças. Os Estados Unidos, por exemplo, enfrentaram transformações substanciais na década de 1860 durante e após a Guerra Civil, e novamente na década de 1930, devido à Grande Depressão, e na década de 1960 com a promoção dos direitos civis, da libertação das mulheres e dos movimentos ambientais. Em um tempo relativamente curto, perturbações em larga escala alteraram a sociedade e a política e deixaram uma marca duradoura nessas eras.

Existiram flutuações significativas, em várias épocas, nas políticas públicas ou nas atitudes dos cidadãos associadas à mudança social, política ou económica. Por exemplo, após um período de turbulência social e religiosa, uma proibição americana sobre a produção e venda de álcool foi adoptada a nível nacional, em 1920 e permaneceu em vigor até 1933. Após as mulheres se começarem a organizar politicamente no final do século XIX, os países ocidentais adoptaram gradualmente o sufrágio feminino, incluindo os Estados Unidos em 1920, por meio de uma emenda constitucional. Se reflectirmos na mudança dos costumes culturais, em relação a períodos anteriores, existiu uma dramática decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em 1973, que legalizou o aborto em todo o país, que Donald Trump pretende reverter, para além da famigerada construção do vergonhoso muro entre a América e o México, e a expulsão ou deportação de três milhões de ilegais. Nunca é fácil separar as causas das consequências de transformações em grande escala.

A mudança por vezes é caótica e multifacetada e, portanto, difícil de definir com precisão. É necessário observar por algum período de tempo, para analisar cuidadosamente o que está a mudar e quais as forças que estão a gerar as alterações mais substanciais. Todavia, através dos estudos de alguns casos, é possível esclarecer as grandes alterações que afectaram os assuntos globais e a política americana nas últimas décadas. A nível interno dos Estados Unidos, vemos profundas alterações na mudança de atitudes em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, tabagismo, legalização da maconha, desigualdade de rendimentos, terrorismo e segurança nas fronteiras.
A nível global, testemunhamos o surgimento e o colapso da “Primavera Árabe”, o ressurgimento do fanatismo religioso, a violência de actores não-estatais e as mudanças ao livre fluxo de pessoas, bens e serviços associados à globalização. O que acontece a nível mundial, por vezes, influencia a política interna dos países, ou vice-versa. O extremismo em um local pode provocar tensões em um lugar distante. Em uma era de comunicações globais e transmissão rápida de informações, eventos aparentemente pequenos podem repercutir em outros lugares, e tornarem-se um catalisador para mudanças dramáticas nos assuntos internos ou internacionais.

O termo “salto quântico”, emprestado dos físicos, passou a significar, popularmente, mudanças de grande escala que galgaram o conhecimento existente e introduziram novas formas de pensar. Os filósofos falam sobre “mudanças de paradigma” onde os modelos teóricos mudam drasticamente. Os biólogos referem-se a modelos de “equilíbrio pontuado”, nos quais há um tempo de grande mudança seguido por períodos de equilíbrio.

Os especialistas digitais enfatizam a “tecnologia disruptiva ou dominante no mercado” que desafia as velhas formas de produção e leva ao surgimento de empresas que tiram proveito, ou ajudam a criar novas realidades do mercado, ou melhor ligando o talento e a inovação que resulta em “startups” das indústrias culturais e criativas, que em muitos países abundam com êxito, e em outros não existem, perdendo tempo em filosofias e querelas sem consequência prática.

21 Nov 2016

Políti-sexo

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]udo é política, ou tudo pode ser política. Se vivemos o nosso dia-a-dia mergulhados numa estrutura socio-política, não somos ‘neutros’, nem tão pouco ‘despolitizados’. O sexo não é excepção.

A agenda politico-sexual varia de país para país e de ideologia para ideologia. Há uma expectativa socio-cognitiva de base para quem se associa mais à direita, à esquerda ou ao centro e, de uma forma ou de outra, também existem expectativas na forma como se possa pensar o sexo, no espectro politizado. Teremos que salvaguardar que há muitas (muitas) excepções, mas o conhecimento mundano indica-nos que o sexo é mais problematizado e censurado por ideias que tendem para a direita, e desproblematizado e discutido por ideias que vão para a esquerda.

Até aqui, tudo bem, refiro-me a um nível de análise que pressupõe interacções onde a política e as ideias são discutidas diariamente, aqui, ali e nos media. Estes são espaços onde a discussão e a contestação pode ser praticada. Mas o pano de fundo onde tudo isto acontece não pode ser ignorado, isto é, as políticas governamentais implementadas. Estas carregam o poder legal para o desenvolvimento de certas práticas e, por isso, a discussão (e as práticas diárias) estão limitadas por aquilo que nacionalmente se considera correcto e favorável para todos.

A tendência será desenvolver políticas públicas mais inclusivas, fomentadoras da compreensão da complexidade da sexualidade humana. Pensei eu. A verdade é que nem sempre é assim, em contextos ditos desenvolvidos e democráticos vê-se muito disparate, já para não falar da regressão de práticas que contradizem o desenvolvimento para uma sociedade informada sobre sexualidade.

Falo mais especificamente sobre educação sexual, esse veículo de informação nas escolas. Vim a descobrir que na Polónia, muito recentemente, a educação sexual começou a ser vista como ‘promotora de pedofília’ e que, por isso, querem passar uma lei onde os professores que ensinam educação sexual nas suas turmas podem ir de cana até dois anos. Isso mesmo, educação sexual pode passar a ser criminalizada nas escolas polacas. Ainda mais dramático será pensar que todas as pessoas que fizeram carreira a formar professores e a dar workshops a crianças e adolescentes sobre sexualidade podem, potencialmente, ir para a prisão por fazerem aquilo que sempre fizeram.

A política do sexo não é um capricho, muito menos visto como desnecessário. Já é cliché pensar na negatividade que este mundo carrega e na falta de esperança pelo progresso: e quando falo em progresso, falo em, acima de tudo, abertura – transparência – informação. Não é só a educação sexual que está ser severamente atacada em contexto Polaco, a pílula do dia seguinte (que podia ser adquirida facilmente em qualquer farmácia) só pode ser adquirida com receita médica, receita essa que o médico pode moralmente recusar-se a prescrever. Mas qual é a direcção do pensamento humano? Onde está o progresso e humanismo? (sim, pensem nos ‘Trumps’ que por aí existem, no Brexit e a legitimização do discurso racista e xenófobo, nos ataques terroristas e na trivialidade da vida humana ou na violência diária, persistente e recorrente). Onde está a mudança?

Talvez a desobediência civil seja o caminho. Dá vontade de entrar por escolas dentro com réplicas anatómicas de órgãos sexuais com gritos de protesto que descrevem as funcionalidades dos ditos. Oferecer contracepção a todos. Falar sobre as coisas. Qual é o perigo? Sexo? Novidade do dia: a sociedade está sexualizada de tal forma que o sexo não está de todo escondido (basta ir ver qualquer clip de música pop para perceberem do que falo). O sexo está aí, infiltrado nas nossas vidas e nas nossas práticas. Depois a agenda política contribui para o que quer: a) uma população censurada e confusa pelas representações do sexo na sociedade ou b) uma população bem informada sobre as suas escolhas sexuais mantendo práticas saudáveis? Nunca percebi porque é que a escolha é difícil.

19 Jul 2016