O salto quântico (I)

“A great shift towards the East is taking place. This really is a case of back to the future: as Laza Kekic points out, by 2050 Asia will account for more than half the world economy, which is what its share was back in 1820 and for centuries before that. This will profoundly affect everything from the environment to the balance of military power and the centre of gravity of the global economy.”
“Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] início do dia das eleições nos Estados Unidos foi marcado por dez baralhados inquéritos nacionais, em que oito davam a vitória a Hillary Clinton, um anunciava um empate e o último apostava na vitória de Donald Trump. No final da longa vigília, os embaraçados comentadores interrogavam-se de quem seriam os Secretários de Estado do candidato vencedor, quais seriam as grandes linhas de acção da sua futura gestão à frente dos destinos do país, de como seria a sua ligação com ambas as câmaras, após ter dado a vitória no Senado ao Partido Republicano, e como seria a sua relação dentro do mesmo partido, com a actual liderança que lhe virou as costas.

Tudo são interrogações no que respeita a Donald Trump, mesmo em áreas onde se supõe conhecer o seu pensamento, como o tema dos imigrantes e as alianças comerciais e militares. O candidato dado por todos como derrotado, em uma campanha política de poucos meses, transformou o cenário político e dos partidos do país, podendo influenciar ainda mais, as principais correntes de pensamento da sociedade americana, ao longo dos próximos quatro anos, se as constelações não conspirarem, para que sejam oito anos.

A partir de agora, existe uma nova forma de fazer política, outra maneira de compreender o funcionamento da democracia americana e do papel do país na cena global. Muitos serão os políticos que terão a tentação de seguir o seu exemplo e modelo. A campanha de Donald Trump, esteve ausente dos meios de comunicação tradicionais, e teve um orçamento muito menor que o do Partido Democrata. Teve como principal centro as redes sociais, o que talvez explique de certa forma, o impacto que conseguiu, e de algum modo tenha favorecido o facto de os meios de comunicação sociais tradicionais não terem observado com a agudeza necessária, o fenómeno Trump e o subestimaram.

Fica por ver se a nova etapa implica o abandono de toda a pretensão de injectar seriedade e transcendência ao debate político americano, com o consequente efeito que terá sobre as instituições, e sobre a essência do conceito actual de democracia. O Partido Republicano pode ficar sob controlo do novo mandatário, fragmentar-se, ficar nas mãos de um rival de Trump, ou rejuvenescer com contributos de novos dirigentes. As consequências do fenómeno são perceptíveis, em outras latitudes.

Muitos países europeus vêem o apogeu dos partidos de extrema-direita, que combatem os imigrantes, sem falar de todos os matizes do Brexit e da militância a favor do proteccionismo comercial e contra os tratados globais, e talvez seja esta a verdadeira tragédia, ou seja, o modo de entender a política de Trump, começa a ser uma parte normal da cena quotidiana. As consequências do Brexit, decidido pelos votantes ingleses, foi um severo choque para a União Europeia (UE).

A consagração presidencial de Donald Trump é a segunda violenta perturbação num curto período de tempo, uma verdadeira catástrofe como é denominada. A Alemanha é o único país com relevo, que resiste a um mundo que parece querer desabar. A unidade de acção transatlântica, que por mais de setenta e cinco anos foi a pedra angular da direcção do Ocidente, em todos os níveis, seja na defesa, comércio ou redução das alterações climáticas, parece estar a chegar ao fim.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi a salvaguarda Europeia contra o ameaçador expansionismo soviético, que parece renascer com o sonho imperial da Rússia liderado por Vladimir Putin. Se os Estados Unidos, como tem advertido Donald Trump, refugiar-se no isolacionismo mais extremo, estará muito em jogo, pois os europeus ficarão sós para conter a agressividade russa e os esforços realizados no Médio Oriente para acompanharem os Estados Unidos serão inúteis, bem como os mortos e as perdas sofridas no Iraque e no Afeganistão, sem esquecer o famoso tratado de livre comércio, entre ambos os lados do Atlântico.

Os europeus encontram-se preocupados como não acontecia há muitas décadas. A vitória incontestável de Donald Trump nas eleições americanas veio certificar que vivemos uma era de transformações profundas e cíclicas, tal como sempre aconteceu na história da humanidade. As dramáticas descobertas científicas interromperam as práticas empresariais ou novas ordens sociais, como a Reforma e a Revolução Industrial, e alteraram fundamentalmente a vida das pessoas.

Os tempos mais recentes, foram também palco de grandes mudanças. Os Estados Unidos, por exemplo, enfrentaram transformações substanciais na década de 1860 durante e após a Guerra Civil, e novamente na década de 1930, devido à Grande Depressão, e na década de 1960 com a promoção dos direitos civis, da libertação das mulheres e dos movimentos ambientais. Em um tempo relativamente curto, perturbações em larga escala alteraram a sociedade e a política e deixaram uma marca duradoura nessas eras.

Existiram flutuações significativas, em várias épocas, nas políticas públicas ou nas atitudes dos cidadãos associadas à mudança social, política ou económica. Por exemplo, após um período de turbulência social e religiosa, uma proibição americana sobre a produção e venda de álcool foi adoptada a nível nacional, em 1920 e permaneceu em vigor até 1933. Após as mulheres se começarem a organizar politicamente no final do século XIX, os países ocidentais adoptaram gradualmente o sufrágio feminino, incluindo os Estados Unidos em 1920, por meio de uma emenda constitucional. Se reflectirmos na mudança dos costumes culturais, em relação a períodos anteriores, existiu uma dramática decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em 1973, que legalizou o aborto em todo o país, que Donald Trump pretende reverter, para além da famigerada construção do vergonhoso muro entre a América e o México, e a expulsão ou deportação de três milhões de ilegais. Nunca é fácil separar as causas das consequências de transformações em grande escala.

A mudança por vezes é caótica e multifacetada e, portanto, difícil de definir com precisão. É necessário observar por algum período de tempo, para analisar cuidadosamente o que está a mudar e quais as forças que estão a gerar as alterações mais substanciais. Todavia, através dos estudos de alguns casos, é possível esclarecer as grandes alterações que afectaram os assuntos globais e a política americana nas últimas décadas. A nível interno dos Estados Unidos, vemos profundas alterações na mudança de atitudes em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, tabagismo, legalização da maconha, desigualdade de rendimentos, terrorismo e segurança nas fronteiras.
A nível global, testemunhamos o surgimento e o colapso da “Primavera Árabe”, o ressurgimento do fanatismo religioso, a violência de actores não-estatais e as mudanças ao livre fluxo de pessoas, bens e serviços associados à globalização. O que acontece a nível mundial, por vezes, influencia a política interna dos países, ou vice-versa. O extremismo em um local pode provocar tensões em um lugar distante. Em uma era de comunicações globais e transmissão rápida de informações, eventos aparentemente pequenos podem repercutir em outros lugares, e tornarem-se um catalisador para mudanças dramáticas nos assuntos internos ou internacionais.

O termo “salto quântico”, emprestado dos físicos, passou a significar, popularmente, mudanças de grande escala que galgaram o conhecimento existente e introduziram novas formas de pensar. Os filósofos falam sobre “mudanças de paradigma” onde os modelos teóricos mudam drasticamente. Os biólogos referem-se a modelos de “equilíbrio pontuado”, nos quais há um tempo de grande mudança seguido por períodos de equilíbrio.

Os especialistas digitais enfatizam a “tecnologia disruptiva ou dominante no mercado” que desafia as velhas formas de produção e leva ao surgimento de empresas que tiram proveito, ou ajudam a criar novas realidades do mercado, ou melhor ligando o talento e a inovação que resulta em “startups” das indústrias culturais e criativas, que em muitos países abundam com êxito, e em outros não existem, perdendo tempo em filosofias e querelas sem consequência prática.

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