Arnaldo Gonçalves, autor de “Macau, depois do adeus”: RAEM “tem desafios grandes em termos de governação”

“Macau, depois do adeus” é o livro de Arnaldo Gonçalves que retrata os últimos 15 anos do território. A apresentação da obra vai estar a cargo de Paulo Cardinal e Vanessa Amaro, e tem lugar amanhã, pelas 18h30 na Fundação Rui Cunha. O autor quer, em vésperas de regressar a Portugal, deixar um testemunho dos primeiros anos da RAEM

 

O que nos traz com este livro?

[dropcap]É[/dropcap] um livro de ensaio, de observação e de fecho de ciclo que é o fecho do meu ciclo em Macau. Tenho o meu planeamento para ir embora e não gostaria de ir sem deixar um testemunho. É um testemunho de um português, europeu, em Macau. Cheguei há 30 anos pela primeira vez. Estive cá duas vezes e este é o resultado da observação que faço e das transformações que registo.

Que mudanças substanciais sublinha?

Assisti a dois estilos de governação completamente diferentes. Estive cá antes de 1997 e regressei em 2003. A administração portuguesa tinha um estilo completamente diferente da actual administração chinesa. Antes, a forma de governar era mais participada, mais aberta, e as medidas colocadas no terreno mais justificadas. Agora o circuito do governo é um circuito mais fechado. Por outro lado, a questão decisória é agora muito mais lenta, muito mais arrastada. A Assembleia Legislativa agora intervém muito mais do que no tempo da administração portuguesa. As iniciativas partem do Governo, mas depois diluem-se no trabalho da assembleia e, por isso, as coisas são tão arrastadas. Este livro é uma comparação, não propriamente com o que aconteceu antes, mas com aquilo que antecipávamos, até 99, do que poderia vir a ser a RAEM.

Que elementos destaca desta RAEM que retrata no livro?

É uma realidade rica, de certa forma, mas ao mesmo tempo contraditória. É uma sociedade aparentemente rica, com sinais de grande desenvolvimento em termos de bens de consumo mas que ao mesmo tempo se confronta com dificuldades e problemas que têm crescido com o tempo. São exemplo disso o crescimento populacional, a dificuldade de convivência com o meio ambiente porque o território é diminuto e não há espaço essencial para as pessoas viverem com alguma actividade. Isto introduz um factor de alguma claustrofobia nas nossas condições de vida. Há ainda limitações que têm que ver com o meio ambiente, com a poluição, com o trânsito, com os transportes e com a disponibilidade da habitação. No fundo, Macau e as suas ilhas estão de tal forma unidas que quando se pensa no território pensa-se numa cidade integrada. Tudo isto traz dificuldades. Tem também desafios grandes em termos de governação que não são fáceis de ultrapassar. O Governo chinês de Macau tem, no fundo, procurado ultrapassar esses problemas através de uma certa abordagem que é a abordagem deles e que se calhar não seria a abordagem que os portugueses fariam se continuassem a ter responsabilidades.

Como vê o equilíbrio entre a manutenção da autonomia local e a progressiva integração regional?

Isso é um dos pontos principais do livro. Aliás, talvez um dos pontos principais do livro é a tensão que existe entre autonomia e integração. Autonomia era o chavão que nós, da administração portuguesa, arranjámos e que depois foi transposto para a Declaração Conjunta e para a Lei Básica. A ideia era manter as características da sociedade de Macau, a tipologia das pessoas, dos seus hábitos e tradições, dentro de uma pequena urbe como é Macau no quadro de um grande país que é a China. Nós somos um grão de areia. Por isso, era importante que as coisas de um ponto de vista jurídico, ficassem garantidas na Lei Básica. Era necessário que existissem mecanismos para guardar essa autonomia em que Macau manteria a sua praça praticamente até Dezembro de 2049. O que se tem verificado, pela proximidade com o continente e por opção da própria liderança chinesa no território, é que tem sido privilegiada a integração. Acham que fazendo parte o mais possível do todo harmónico que é a China, conseguem salvaguardar o papel de Macau como algo diferente. Por isso têm apostado nessa integração económica, política, linguística, etc. Não há grande diferença entre Macau que agora conhecemos, do território que encontramos quando passamos das Portas do Cerco para outro lado. É a mesma etnia, são os mesmo hábitos, os mesmo gostos, os mesmo objectivos de vida. O Governo chinês de Macau tem apostado nisso e quem somos nós para o criticar? Quer Chui sai On quer Edmundo Ho tiveram sempre o cuidado de adequar Macau às orientação do Estado chinês e por isso tem havido uma sincronia muito grande das políticas que aqui são desenvolvidas em relação às políticas que o governo Central traça.

A autonomia está em risco de desaparecer rapidamente?

Seria perfeitamente ilógico, tendo um prazo tão extenso para fazer a transição, que as autoridades saltassem etapas. Do ponto de vista económico não há diferenças nem de um lado nem do outro. No que respeita ao sistema político, os órgãos e a maneira de funcionamento administrativa de Macau se calhar não e tão diferente do funcionamento de Guandong ou de Fujian. Do lado da China, tiveram a visão de, na década de 90, colocar aqui uma série de quadros, recrutados para a administração pública. Desde essa altura que estes quadros têm progredido na carreira, o que significa que mais tarde ou mais cedo vão ser eles que vão dirigir a RAEM. Mas, o sistema socialista, marxista, leninista que existe no continente não existe em Macau. Aqui há liberdade de expressão, há liberdade de escrita, há liberdade de reunião, etc. São elementos que não existem no continente. Mas, acho que paulatinamente vão introduzindo o sistema do continente aqui em Macau e em Hong Kong. Penso também que a limitação à existência de outros partidos vai começar a ter lugar e vai ser mais visível no caso de Hong Kong do que no caso de Macau, até porque em Hong Kong há partidos políticos e aqui há meras associações. Mas vamos ver candidatos que tenham ideias opostas ao regime chinês a sofrer uma pressão muito grande para que não se candidatem. À medida que o tempo vai passando essa tendência vai existir. Não vai ser uma coisa de um dia para o outro mas vai ser uma coisa gradual e que deve estar planeada.

13 Nov 2018

Sonny Lo | Macau e HK sofrem pelo “clima de insegurança” no seio do regime chinês

Sonny Lo defende que a crescente securitização vivida em Macau e Hong Kong é fruto de medidas mais rígidas adoptadas por Pequim devido a um clima de “insegurança” vivido no seio do regime chinês desde 2012. Na altura, ocorreram ataques terroristas no país e Xi Jinping sofreu algumas ameaças

[dropcap]C[/dropcap]onvidado pela Associação de Ciência Política de Hong Kong para a conferência anual, Sonny Lo, professor universitário e analista político, falou no passado sábado sobre o panorama de crescente securitização vivido nas duas regiões administrativas especiais da China.

Ao HM, o professor universitário argumentou que Macau e Hong Kong “estão a caminhar no sentido [da existência] de ‘Um País, vários sistemas’”, uma vez que “o desenvolvimento do conceito ‘Um País’ tem vindo a influenciar uma mudança no conceito ‘Dois sistemas’”.

Isto porque “a securitização do sistema político chinês desde o presidente Xi Jinping tornou-se visível quando este foi eleito secretário-geral do Partido Comunista Chinês em 2012, o que trouxe uma transformação profunda na forma como Hong Kong e Macau têm sido governadas”, referiu na sua apresentação.

O académico acredita, portanto, que a própria China está a reforçar as medidas de controlo, com consequências notórias para os dois territórios.

“A securitização da República Popular da China (RPC) afectou e afecta o desenvolvimento político de Hong Kong e Macau”, apontou Sonny Lo, que referiu ainda que “as pequenas políticas de Hong Kong e Macau mantém-se vulneráveis tendo em conta a dimensão da RPC e a sua influência geopolítica. Em particular nas regiões periféricas, incluindo Hong Kong e Macau, pois são vistas pela RPC como mais vulneráveis à influência política do ocidente e uma possível infiltração”.

Para Sonny Lo, “da perspectiva de Pequim, as mudanças democráticas em Hong Kong e Macau não podem ter influências de países do ocidente nem permitir uma ponte para mudanças democráticas na China”, apontou ao HM.

Além das novas leis que Wong Sio Chak, secretário para a Segurança, pretende implementar, como a lei da cibersegurança ou o regime de intersecção de comunicações, têm ocorrido vários casos de personalidades de Hong Kong, do meio político e cultural, barrados na fronteira de entrada da RAEM. Situações justificadas pelas autoridades, como medidas preventivas contra indivíduos que podem pôr em causa a ordem pública e a segurança de Macau.

Wong Sio Chak e as autoridades policiais nunca admitiram a existência de uma lista negra de pessoas que não são bem-vindas em Macau.

Um dos casos mais polémicos aconteceu na última edição do festival literário Rota das Letras, quando os escritores Jung Chang, James Church e Suki Kim viram o seu convite de participação ser retirado depois da direcção do festival ter sido informada, “oficiosamente”, de que a sua vinda “não era considerada oportuna” e que, por conseguinte, “não estava garantida a sua entrada no território”. Desconhecia-se, no entanto, a fonte da informação, depois de os secretários para os Assuntos Sociais e Cultura e da Segurança, Alexis Tam e Wong Sio Chak, garantirem não ter conhecimento sobre o caso. Ricardo Pinto, da direcção do festival, confirmou que a referida indicação não veio do Governo de Macau, mas antes “do Gabinete de Ligação”.

Contudo, em declarações reproduzidas pela TDM no mesmo dia, feitas a partir de Pequim, o ex-director do Gabinete de Ligação, Zheng Xiaosong, entretanto falecido, afirmou desconhecer o caso dos festival Rota das Letras.

Além das leis que Wong Sio Chak pretende implementar, Sonny Lo recordou também o caso do deputado Sulu Sou, que foi suspenso pela Assembleia Legislativa para responder em tribunal pelo crime de desobediência qualificada. O processo nasceu de um protesto contra o donativo de 100 milhões de yuan à Universidade de Jinan, por parte do Governo de Macau.

A aceitação do artigo 23

No caso de Hong Kong, Sonny Lo dá como exemplos o regresso do debate sobre a legislação do artigo 23 da Lei Básica de Hong Kong, medida que a sociedade da região vizinha está hoje mais disposta a aceitar, considera o académico.

“Depois do movimento Occupy Central, em 2014, mais cidadãos pró-Pequim acreditaram que o artigo 23 deveria ser legislado o mais breve possível, sobretudo do ponto de vista da emergente minoria ligada ao chamado movimento ‘Hong Kong como nação’ ou movimento pró-independência. Isto é muito claro nas discussões das forças pró-Pequim e pró-Governo”, disse ao HM.

De frisar que, em 2003, o território vizinho foi palco de grandes protestos contra a legislação deste artigo da Lei Básica. No caso de Macau, o artigo foi legislado em 2009, com a implementação da lei relativa à defesa da segurança do Estado.

Mesmo sem a ocorrência de crimes em Macau que atentem contra a segurança do Estado chinês, o secretário Wong Sio Chak pretende criar a Comissão de Defesa da Segurança do Estado. O objectivo é “organizar e coordenar os trabalhos da RAEM relativos à defesa da soberania, da segurança e dos interesses do desenvolvimento do Estado” e “estudar a implementação da respectiva programação e das orientações e solicitações do Chefe do Executivo”.

A criação da lei do hino nacional, em Novembro do ano passado, e a suspensão do Partido Nacional de Hong Kong, do líder pró-independência Andy Chan, são dois outros exemplos apontados por Sonny Lo. Não ficou esquecido o recente caso protagonizado pelo jornalista Victor Mallet, ex-correspondente do Financial Times em Hong Kong, a quem foi recusada a renovação do visto de trabalho depois de ter organizado uma palestra com Andy Chan no Clube de Correspondentes Estrangeiros de Hong Kong.

Diferentes na forma, mas semelhantes na génese, estas medidas acabam por ser acolhidas pelas sociedades dos dois territórios de maneira diferente. “A existência de uma sociedade civil mais fraca em Macau mantém-se diferente da sociedade civil assertiva de Hong Kong”, apontou Sonny Lo na sua apresentação. “Se a securitização pertence ao trabalho do secretário para a Segurança e outros departamentos relacionados, sim, podemos afirmar que a sociedade de Macau está mais preparada para receber todas estas medidas securitárias do que Hong Kong”, frisou ao HM.

O ano da mudança

Sonny Lo regressa ao ano de 2012 para explicar as mudanças na área da segurança que Macau e Hong Kong têm enfrentado. O professor universitário acredita que, com a chegada de Xi Jinping ao poder, “a definição de segurança nacional na RPC passou a ser feita abrangendo as áreas da política, economia, assuntos socioculturais, ambiente e saúde pública”.

O reforço na área da segurança do país pode “talvez ser explicado pela sensação de insegurança do regime no poder”, uma vez que “Xi Jinping desapareceu durante várias semanas antes de tomar posse em Novembro de 2012, tendo sido ferido”.

Depois da chegada ao poder, “houve rumores de uma tentativa de assassinato e, nesse sentido, a segurança do regime na RPC tornou-se uma questão de maior importância”, defendeu Sonny Lo na apresentação.
A situação na região autónoma de Xinjiang, onde a população é maioritariamente muçulmana, também levou ao reforço da postura de alerta por parte das autoridades.

“Uma série de ataques terroristas na RPC aconteceram entre 2012 e 2016, com o clímax a registar-se em Junho de 2013, quando um total de 35 pessoas foram mortas em Xinjiang. A presença de terroristas no país levou ao aumento das preocupações sobre o regime.”

Foi também por volta de 2012 que o activista de Hong Kong Joshua Wong levou a cabo a campanha anti-educação nacional nas escolas, seguindo-se. Dois anos depois, o movimento Occupy Central, que exigia a eleição por sufrágio directo e universal do Chefe do Executivo, tomou as ruas de Hong Kong. Além disso, “a saga do juramento [dos deputados do campo pró-democrata], em Outubro de 2016, sensibilizou os líderes da RPC para lidar com os assuntos de Hong Kong”, concluiu Sonny Lo.

6 Nov 2018

Requalificação não vai afectar fachada do Mercado Vermelho

[dropcap]A[/dropcap] vice-presidente do Instituto Cultural (IC), Leong Wai Man, garantiu que a requalificação do Mercado Vermelho não vai afectar a fachada nem as características importantes do edifício, integrado na lista de bens imóveis classificados pelo IC.

Em declarações reproduzidas ontem pelo jornal Ou Mun, a mesma responsável assegurou que o IC, que tem parecer vinculativo no caso, mantém boa comunicação com o IACM e com a DSSOPT.

O Mercado Vermelho vai ser alvo de intervenção, segundo o portal do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU) que está a recolher, até ao próximo dia 6, opiniões sobre a respectiva Planta de Condições Urbanísticas.

29 Out 2018

“A Memória da Cidade II” – José Silveira Machado (1918/2018)

“A tempo entrei no tempo,
Sem tempo dele sairei:
Homem moderno,
Antigo serei.
Evito o inferno
Contra tempo, eterno
À paz que visei.
Com mais tempo
Terei tempo:
No fim dos tempos serei
Como quem te salva a tempo.
E, entretanto, durei.”

Vitorino Nemésio

[dropcap]F[/dropcap]ilho das dificuldades, onde os dias nasciam carregados de deveres, José Silveira Machado veio ao mundo a 24 de Outubro de 1918, em Velas, S. Jorge, Açores, a freguesia das freguesias de sentido único, a partida. Direcção, Oriente, destino, Macau.

Foi este o «caminho» de José Silveira Machado o «Professor». Aportou a Macau numa época difícil de transição e contradição – 1933 -, para estudar, “indisciplinado aluno” (?), no Seminário de S. José – «um exílio é um refúgio com uma biblioteca», na opinião de Zia Haider Rahmam -, entre a idílica adolescência e a indesejada vida adulta.

A realização pessoal exige escolhas, sensibilidade e bom senso Concluído o curso do Seminário – um período de possibilidades ilimitadas -, optou pela vida civil , onde acontece viver -, em detrimento da vida eclesiástica.

“Cresceu sem ver o Mundo mas com os olhos postos na vida.”

Homem de pensamento rigoroso, honesto, dinâmico e crítico, criador e bondoso, olhar suave, rosto comprido e magro, boca tensa, era um romântico. Tinha sempre mais dúvidas que certezas, percebia a diferença entre a realidade dos factos e os factos alternativos.

As suas palavras tinham polivalência, ganhavam autonomia, tinha o hábito de apelar em vez de exigir, explicar em vez de ditar.

Não se fechava ao Mundo. Abria-se ao conhecimento. Era uma pessoa capaz de admirar a vanguarda, sem nunca esquecer as tradições. Era uma alma desocupada que não precisava de alinhar em conspirações de ordem estética – era consequente, corajoso -, não como o Dâmaso Salcede d´ “Os Maias”, «balofo e vazio que segue a maioria…, da mais recente tendência».

Tinha um modo próprio de andar – calcorreava a «Cidade» de lés a lés, de maneira a fugir de fantasmas e a perseguir sombras.

Fazia parte da sua geografia sentimental. A alegria de viver estava em descobrir, receber, transmitir, dar – ser autor e actor – e, espectador lúcido e atento.

A sua mundividência «crescia» de um aspecto crucial – pouco ou nada valorizado nos dias de hoje -, o diálogo, aberto, franco, sincero. Os Livros, a Amizade – «é um dos mistérios da vida», e a «Cidade» eram sempre tema para dois dedos de conversa.

Na conjugação do exercício das palavras «mais os conceitos», na boémia nocturna das ideias, jorravam discussões, sempre retrabalhadas pela memória. Lutava ansiosamente contra o pessimismo colectivo, conjugado sempre com um optimismo subjectivo, apesar de alguns dissabores. A fragmentação da identidade de Macau, a perda do ideário da língua e cultura portuguesa e, no abandono que é dado aos seus cidadãos, aos pobres, fracos, exaustos e aos desprotegidos – uma sociedade que apesar de rica se torna pobre (de espírito).

Poesia, prosa e crónica, são marcos na obra de Silveira Machado. Há dois importantes livros – na opinião de simples leitor -, que são uma referência obrigatória na bibliografia macaense. São os casos de «Macau, Mitos & Lendas» (1998) e «O Outro lado da Vida» (2005). Na opinião de Luís Sá Cunha “Na sua obra, ele fez a síntese de dois universos, de duas vivências, das duas metades de Macau”.

São livros em que encontramos experiências vividas, “soprava nele um irresistível vento de poesia”.

«Macau, Mitos & Lendas», são as notas ao programa do Prelúdio da sua Oratória «Amor a Macau» -, para quando a reedição (?). O livro está esgotado há anos e faz falta nos escaparates das livrarias – e, «O Outro Lado da Vida», é o poslúdio da sua obra – é o olhar crítico, contestatário de Silveira Machado, sobre a sociedade de consumo, de extravagâncias, de mercado de dissimulação, “aos que vivem do lado positivo da vida, os abastados, os ricos, os poderosos”. O autor mostra o seu lado generoso, tolerante, humanista, idealista, pensa que “a sua leitura seja motivo para o rebate de consciências e mudança de mentalidade e leve muitos ricos e poderosos a praticar a verdadeira e necessária solidariedade (…) para que, num futuro breve, não sejam tantas as crianças e jovens, tantos os homens e mulheres, a viver do «outro lado da vida» -, a pobreza e a marginalização como o maior défice social da sociedade”.

Foi co-fundador e jornalista do semanário católico «O Clarim». Colaborou ainda na «Voz de Macau», na «Comunidade» – onde assinou vários artigos de grande valor, sobre as indústrias de Macau – e, no «Renascimento» (jornal e revista). Foi correspondente do «Diário da Manhã» e da revista de cinema «Plateia», outra grande paixão. Paixão que se viria a traduzir no guião que escreveu para o 1º filme realizado em Macau – «Caminhos Longos» (1956).

Quanto mais pobre teria sido a literatura macaense, e Macau mais triste e menos Macau, sem José Silveira Machado, um nome incontornável na história recente na «nossa» Cidade. A sua escrita celebra, relembra e revisita Macau «sonhos, desejos, êxitos». A maturidade ensina a aceitar a dor com menos sofrimento e a viver com mais tranquilidade.

Finou-se, como sempre viveu – discretamente -, recolheu-se ao fim da tarde do dia 18 de Novembro de 2007.

A melhor homenagem que se lhe poderia prestar – no meio de tantas outras que se prestaram, seria fastidioso estar a enumerar –, seria editar e reeditar, ler e reler, a sua obra (é preciso saber mostrar que sabemos preservar a memória e a identidade da «Cidade») –, o Homem parte a Obra fica…!


Bibliografia: «Macau, Sentinela do Passado» (1956); «Rio das Pérolas» (1993); «Macau, Mitos & Lendas» (1998); «Duas Instituições Macaenses (1998) – em co-autoria com João Guedes -; «Macau na Memória do Tempo» (2002); « O Outro Lado da Vida» (2005). Coordenou ainda no âmbito da Fundação Macau, a reedição (1996) da obra completa de José dos Santos Ferreira, o «nosso» Adé.

“Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos”

Luís de Camões
25 Out 2018

Táxis | Deputados e Governo chegam a acordo para baixar multas

Estava previsto que as multas a aplicar aos taxistas fossem na ordem das 30 mil patacas, mas os deputados pediram para alterar o valor para 9 mil. O Governo aceitou. Segundo Pereira Coutinho, um dos membros da comissão que discute o diploma, só ele e Sulu Sou se opuseram à mudança

 

[dropcap]A[/dropcap] nova proposta de lei que vai regular o sector dos táxis previa que os detentores de licenças fossem punidos com multas de 30 mil patacas, valor que seria reduzido para 20 mil, quando paga nos primeiros 15 dias após a infracção. No entanto, os deputados pressionaram o Governo para baixar o valor para nove mil patacas, ou seis mil, quando pagas nos 15 dias após a infracção, e a secretaria de Raimundo do Rosário aceitou. A situação foi explicada, ontem, por Vong Hin Fai, presidente da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, que reuniu ontem.

“Na versão inicial proposta da nova lei, as multas eram de 30 mil patacas. É um valor bastante elevado. Por isso, a nova proposta prevê que o valor seja de 9 mil patacas”, disse Vong Hin Fai. “Houve muitas sugestões dos deputados para rever o valor das multas e o Executivo aceitou reduzir o montante”, acrescentou.

Este tipo de multa envolve, principalmente, proprietários de licenças, ou seja os detentores das empresas. As penalizações em causa aplicam-se em situações, por exemplo, de manipulação do taxímetro, destruição dos sons captados pelo sistema de gravação, desrespeito das tarifas estipuladas pelo Executivo ou o não respeito pela circulação do número de táxis atribuído.

“Actualmente, as multas são de uma centena de patacas, 1000 ou 3000 patacas. O aumento para 9 mil também já é elevado. Foi uma decisão que o Governo aceitou depois de ter sido ponderada”, revelou Vong.
Também de acordo com o presidente da comissão, caso fossem aplicadas multas de 30 mil patacas, o montante poderia ser muito elevado porque “poderia haver reincidências”. Ainda de acordo com o deputado que preside à comissão, esta alteração teve o apoio da “maioria dos deputados”.

Vong não quis revelar os apoiantes da mudança. Porém, José Pereira Coutinho disse, ao HM, que dos 11 deputados, apenas ele e Sulu Sou se opuseram às alterações. “Eu fui contra as alterações… Mas eles quiseram mudar…”, começou por dizer. “À excepção de mim e de Sulu Sou, todos os outros foram a favor de baixar o valor da multa. Todos eles”, vincou.

Rosário ignorou aumentos

Antes de Vong ter revelado uma redução no valor das multas, Raimundo do Rosário falou aos jornalistas e não mencionou o assunto. Quando questionado sobre o que tinha sido discutido, o secretário referiu a existência de uma nova versão da lei e comentou a possibilidade de haver recolha de imagens dentro dos táxis e a necessidade da transferência das quotas das empresas proprietárias das licenças de táxis precisarem da aprovação do Chefe do Executivo.

Em ambos os casos, as medidas não constam na versão do diploma, nem há decisões finais. Sobre a possibilidade das alterações discutidas seguirem em frente, o secretário respondeu com um ditado popular: “Até à lavagem dos cestos… [é vindima]”, afirmou.

 

Deputados da 3.ª Comissão

A favor

Vong Hin Fai (I)
José Chui Sai Peng (I)
Vítor Cheung Lup Kwan (I)
Angela Leong (D)
Zheng Anting (D)
Si Ka Lon (D)
Pang Chuan (N)
Lao Chi Ngai (N)
Lei Chan U (I)

Contra

José Pereira Coutinho (D)
Sulu Sou (D)

I – Eleito pela via indirecta
D – Eleito pela via directa
N – Nomeado pelo Chefe do Executivo

Nota: Resultados apurados segundo José Pereira Coutinho

 

Sol que não brilhas

Os deputados José Pereira Coutinho e Sulu Sou são a favor da abertura das comissões da AL ao público, para que se possa acompanhar a discussão das leis. Por esse motivo, o deputado ligado à ATFPM levou um cartaz para a reunião de ontem, onde se podia ler “Deixe o sol brilhar no comité”. “É uma questão de transparência nos trabalhos da comissões. Temos seis comissões, mas os órgãos de comunicação social não podem entrar e não sabem o que se discute. As comissões devem abrir as portas ao público”, afirmou José Pereira Coutinho.

24 Out 2018

Galgos e a incerteza

[dropcap]O[/dropcap] que aproxima Werner Heisenberg, nobel da física, aos galgos que correram na pista do Canídromo? Qual a semelhança entre a matéria escura (em inglês dark matter) e Centro Internacional de Realojamento de Galgos de Macau? Bem, a infra-estrutura intencional de que se fala desde que terminou a concessão da Yat Yuen interage menos com a realidade, como a concebemos, do que qualquer partícula que só actua em termos gravitacionais, como uma espécie sombra teórica. A matéria escura está lá, apesar de não ser apreendida pelos sentidos imediatos. Não carece de fé para existir, uma vez que os efeitos da sua existência são registados por vestígios evidentes. Mas, apesar do mistério que encerra, este mistério da física moderna é bem mais real que a badalada solução alternativa apresentada como a próxima casa dos reformados cães de corrida a caminho da adopção.

No início do século passado, Heisenberg mandava abaixo as fundações da física clássica com uma teoria que tinha a imprevisibilidade no cerne das características de partículas e elementos atómicos. Quase cem anos depois, o Governo e a Yat Yuen trazem para a gestão municipal o princípio da incerteza da mecânica quântica. Para onde vão os galgos da Canídromo quando deixarem de correr? Esta questão continua por responder, quase três meses depois do fim da concessão. O edifício que deveria receber o Centro Internacional de Realojamento de Galgos de Macau está num terreno concessionado com finalidade industrial, o que representa um berbicacho legal. Foi também sugerido alojar os animais em dezenas de moradias privadas, numa alusão clara ao psicadelismo urbano, uma modalidade de urbanismo que me parece que acabei de inventar. Ah, esperem, lembrei-me agora do edifício ao lado da Casa de Lou Kau. Ainda assim, a sobriedade venceu o surrealismo e procurou-se outro terreno. Neste momento da narração do desespero para encontrar um sítio para alojar mais de 500 cães, importa recordar que o dia do fim da concessão há muito que era conhecido.

Prosseguindo o calvário logístico, chegou-se à conclusão que o melhor sítio para alojar os galgos seria em Coloane. Porém, a proximidade do terreno apontado para o possível destino dos animais, até serem adoptados, com um asilo para idosos deitou por terra mais uma possibilidade. As instalações não garantiam as condições necessárias e, pior que tudo, a decisão foi protestada pelos utentes do Asilo Vila Madalena. E todos sabemos como o Governo responde a reacções póstumas a decisões executivas. Lá arrepiou pêlo e voltou à casa partida com o rabo entre as pernas. Aparentemente, e apesar de toda a preocupação revelada pelos residentes de Macau quanto ao destino dos galgos, ninguém os quer por perto. Apesar de terem estado instalados mais de meio século numa das zonas mais populosas da cidade, desde que a concessão chegou ao fim os galgos passaram a ser a pior de todas as  vizinhanças, talvez só comparável a crematórios e armazéns de substâncias perigosas.

A questão que agora se levanta é qual o próximo destino para acolher os animais e qual a razão para o chumbo desse lugar. De forma a derreter os relógios que marcam as horas noticiosas, sugiro instalar os galgos nos estaleiros de Lai Chi Vun. A medida, influenciada pela escatológica pena de Artaud, e que não é para ser levada a sério, tem o mesmo peso que qualquer outra apresentada até agora. Em comum têm a ineficácia em termos de deliberação executiva, e serem dois tópicos que revelam a filosofia de catavento nesta peculiar forma de governar.  Seja como for, a batata quente canina será passada de sítio em sítio sem, qualquer vestígio de capacidade decisória, ou respeito pelos animais que apenas conhecem a vida de cativeiro.

Entretanto, em Macau há outros seres que clamam habitação. Aliás, tecto com dignidade é assunto recorrente no território onde se arrendam lugares em beliches. A cidade foi feita para apostar, seja nos casinos ou no imobiliário, doa a quem doer.

Como venho de um país que, por razões que me escapam, decora as entradas das habitações com galgos de louça, proponho que se contemplem 500 felizes famílias de Macau com a fantástica oportunidade de acolher um ex-campeão nas suas salas. Proponho definição, permanência, resolução, coragem e uma decisão que não mude com as marés. Proponho governação com vigor, firmeza e pelo menos um simulacro de convicção de competências, proponho um Executivo que actue com a determinação que emprega na exponencial vertigem da vigilância.

15 Out 2018

Liberdades | Juízes portugueses e Rota das Letras em relatório norte-americano

O Congresso dos EUA voltou a publicar um relatório sobre a China e aponta vários casos preocupantes “em relação à autonomia de Macau e ao Estado de Direito”. Em resposta, o Governo de Chui Sai On recusa a ingerência de outros países nos assuntos da China e fala em sucesso na aplicação do princípio “um país, dois sistemas”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] opção legislativa de afastar juízes portugueses dos casos que envolvem segurança nacional e as pressões políticas durante o Festival Rota das Letras para retirar o convite à escritora Jung Chang, que não seria autorizada a entrar em Macau, são dois dos casos que constam no relatório do Congresso dos Estados Unidos da América sobre a China. O documento, apresentado na quarta-feira, sublinha que ao longo do último ano foram propostas várias alterações legislativas que “levantam preocupações em relação à autonomia de Macau e ao Estado de Direito”.

O primeiro caso diz respeito à alteração à Lei de Bases da Organização Judiciária, nomeadamente quanto ao afastamento de juízes estrangeiros das questões que envolvem segurança nacional. “Os advogados portugueses mostraram-se alarmados com a proposta e demonstraram receios que possa violar a Lei Básica de Macau e uma maior erosão da independência do sistema judiciário da cidade”, é sublinhado.

Ainda no campo das propostas do Executivo, o Congresso norte-americano foca a futura lei de cibersegurança, cuja consulta pública já foi realizada. “Se por um lado o Governo terá alegadamente garantido que a lei não vai colocar em causa a liberdade de expressão, os ciberanalistas dizem que com base no reduzido número de ataques cibernéticos em Macau, que esta não é uma lei imperativa. Este aspecto levanta preocupações nas ciberindústrias face à interpretação e ao impacto da lei”, é apontado no documento.

Literatura e Sulu Sou

No campo cultural é dado destaque ao caso Rota das Letras, em que quatro escritores foram impedidos de participar, depois de pressões sobre a organização por parte do Gabinete de Ligação do Governo Central. “Em Março de 2008, o Gabinete de Ligação em Macau terá avisado os organizadores de um festival literário em Macau que o Governo não garantia a entrada de vários autores de livros, incluindo a escritora sediada no Reino Unido e autora de um biografia de Mao Zedong, Jung Chang”, é notado. A menção ao Rota das Letras surge no contexto dos casos, frequentemente referidos nestes relatórios, de pessoas a quem é negada a entrada em Macau, principalmente políticos e activistas pró-democratas de Hong Kong. Sobre o caso do Rota das Letras, o Congresso recorda ainda as palavras do clube literário Pen Hong Kong, que defendeu que a não garantia da entrada no território “viola directamente o direito à liberdade de expressão”.

Também na vertente política, o congresso destaca o caso de Sulu Sou, naquela que foi a primeira suspensão de um deputado depois da transição. O Congresso nota também que o legislador viu-se forçado a abdicar do direito de recurso da condenação relacionada com a infracção à lei do direito de reunião e manifestação para poder regressar à Assembleia Legislativa.

Recusa de ingerências

Em resposta ao relatório, o gabinete do porta-voz do Chefe do Executivo emitiu um comunicado a denunciar a ingerência dos países estrangeiros no assuntos da China. “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau repudia terminantemente o referido relatório, frisando que Macau pertence à República Popular da China e que nenhum país estrangeiro tem o direito de ingerência nos seus assuntos internos”, pode ler-se na resposta.

“Desde o regresso de Macau à Pátria, o princípio de “um país, dois sistemas” e a Lei Básica têm sido implementados em pleno no território e a RAEM desenvolveu-se e registou resultados notórios”, é acrescentado.

Ainda sobre os motivos apontados no relatório, o Executivo considera que “ignora factos”, “tece comentários irresponsáveis sobre a RAEM” e “profere acusações infundadas”.

12 Out 2018

Nalini Elvino de Sousa, realizadora e produtora: “Macau e Goa partilham uma história com mais de 500 anos”

Nalini Elvino de Sousa vai estar em Macau no próximo domingo para inaugurar a exposição “Viagem Oriental”, que estará patente no Jardim de Lou Lim Iok até 18 de Outubro. A realizadora, que também se dedica ao intercâmbio cultural e linguístico, tem na calha projectos para promover o ensino do português em Goa, para os quais espera o apoio de Macau

[dropcap]V[/dropciagem Orientalap] começou por ser um livro e agora é uma exposição que traz ao público os objectos de Macau que ainda vivem nas casas de Goa. Como nasceu este projecto e qual foi o processo de recolha de conteúdos?
Tudo começou com a minha curiosidade ao verificar que muitas casas de amigos que visitava tinham loiça vinda de Macau. A minha própria casa está cheia de loiça e mobília de Macau. Como nunca ninguém da família esteve em Macau, comecei a investigar. Havia, até há bem pouco tempo, lojas que vendiam loiça e mobília de Macau, e recentemente voltou a abrir uma na capital em Panjim. Entretanto, e enquanto responsável pela ONG Communicare Trust resolvi, através desta entidade, criar uma competição de imagens onde pedimos aos participantes para fotografarem todos estes objectos orientais que encontrassem em casa. Com o apoio do Gabinete de Apoio ao Ensino Secundário e do Instituto Internacional de Macau, foi possível levar o projecto em frente com a criação de um livro contendo as melhores 40 fotografias e dois textos de introdução sobre a relação entre Goa e Macau. Penso que o interesse que as pessoas que vivem em Goa ainda têm por este tipo de peças está puramente relacionado com o seu exotismo. Na verdade, não acredito que alguém use por exemplo, os conjuntos de chá vindos de Macau. Os meus em casa, estão guardados dentro de um armário. Muitas outras pessoas fazem o mesmo. São elementos decorativos da casa.

Durante a sua vinda a Macau vai também participar numa palestra sobre as relações entre Macau e Goa.
Macau e Goa partilham uma história com mais de 500 anos. Começa em 1557 com o estabelecimento de Macau e a paragem obrigatória na rota da Nau do Trato que também passou a ser conhecida como Nau do Trato de Macau. Era na viagem de regresso do Japão que a Nau vinha carregada de oiro, seda e porcelanas. Muitas das antigas casas em Goa, até hoje, contêm porcelana chinesa dessa altura que é considerada exótica e valiosa: jarrões, jogos de chá variados e pratos decorativos que enchiam as paredes das casas. Também no chão das casas se encontra esta presença através de desenhos extremamente trabalhados feitos de porcelana que se partia durante a viagem de Macau para Goa. Foi a partir destes pequenos pedaços de porcelana coloridos que se criaram pavões, flores, árvores etc. Diz-se até que quando não se conseguiam as cores pretendidas para as decorações se partia uma porcelana de propósito para poder terminar os desenhos. Nos finais do séc. XVI, começaram a crescer as dificuldades para se conseguir fazer esta viagem devido à competição com os holandeses, espanhóis e ingleses. Mais tarde, goeses que vieram trabalhar para Macau também trouxeram porcelanas e outros objectos na mala. Uma ou duas lojas dedicaram-se mais a sério ao comércio destes objectos naquela altura. Actualmente, ainda existe uma que se chama Casa Macaõ. Sim, nem o acento está no lugar correcto. Vou falar sobre isso na palestra. Ter um objecto de Macau em casa é ainda hoje moda.

É responsável também por uma produtora e realizou recentemente o documentário “Enviado especial” em que retrata Aquino de Bragança, um goês que lutou pela paz em África. O que a motivou a fazer este filme?
Todo o trabalho a que me tenho dedicado, seja através da minha produtora, Lotus Film & TV Production, como com a Communicare Trust e até com o meu canal no Youtube Travel & Learn Goa, tem como base a minha relação com Goa, com Portugal e com a lusofonia. Eu sou um produto disso. Os meus pais são de Goa, foram estudar para Portugal onde eu nasci. Muitos dos meus amigos tinham vindo então de Moçambique e eram de origem goesa. Fiz parte, durante 10 anos, do grupo da Casa de Goa – Ekvat. Depois, há 20 anos atrás, resolvi viver em Goa. Talvez por isso, todos os meus documentários denotem estas relações, ou talvez eu seja atraída por este tema sem me aperceber. Aquino de Bragança nasceu em Goa mas decidiu dar a sua vida pela África. Eu admiro pessoas que largam tudo por uma causa. Deve ser o meu lado romântico.


Aquino de Bragança é conhecido pela sua oposição ao colonialismo e intervenção nos processos de descolonização tendo convivido de perto com líderes dos movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas, como Samora Machel. Paralelamente, pautava a sua acção pelo humanismo e por uma atitude de abertura. Este tipo de diplomacia pode ainda hoje ser um exemplo?
Aquino acreditava que só a conversar nos podemos entender. A Graça Machel chamava-lhe “o nosso submarino” porque ele nunca estava presente em conferências do partido, reuniões oficiais, etc. O discurso nesse tipo de reuniões, para ele, era sempre o mesmo. Ele encontrava-se nos corredores dessas mesmas conferências, chegando a um acordo com este ou aquele diplomata. Levava-o para casa, se possível, e a conversar, tomavam decisões importantes. Lembro-me da Sílvia Bragança (viúva do Aquino) confessar-me que ficava, às vezes, apreensiva pois o marido decidia ir a casa de diplomatas que eram completamente contra o seu pensamento. Aquino dizia: “Não te preocupes. Há que encontrar a razão da sua discórdia e com certeza haveremos de encontrar elementos em comum que nos fará chegar a um acordo”. Por vezes, chegava a reunir pessoas com mais do que uma opinião para discutir e chegar a um consenso. Isso é importantíssimo nas relações entre países, tanto na altura como actualmente. Há que ouvir ambos os lados ou não existe uma equilíbrio entre as relações sejam elas culturais, económicas ou de outra natureza.

Pretende trazer o filme a Macau?
Gostaria muito de trazer o filme para Macau. Contactei a Cinemateca, mas não obtive ainda resposta. Acho que é um filme que abre portas para muitas questões.

Tem produzido inúmeros documentários. Qual foi o que mais gostou de fazer?
Quando faço um documentário tenho de estar apaixonada pelo assunto. Então, embrenho-me de corpo e alma ao ponto de perder o sono. Perguntar qual deles gostei mais é como perguntar qual foi o meu namorado preferido. Gostei de todos, por igual.

Está em Goa, um território que teve durante muito tempo a presença dos portugueses. Em que é que esta presença ainda se sente?
A presença mantém-se na arquitectura, no nome de algumas ruas, algumas lojas que mantêm os antigos nomes portugueses, na gastronomia de Goa e na língua, claro. Hoje temos cerca de 900 alunos a aprender português como língua estrangeira. Os professores são poucos, mas vai-se fazendo o melhor que se pode. A Fundação Oriente tem feito um trabalho fantástico neste sentido. Também eu já passei pelo ensino, mas neste momento tenho outros projectos em mente. A geração dos meus pais ainda fala português fluentemente, mas no futuro não sei. Há muito nesta área que pode ser feito e estou a contar com Macau para que possamos trabalhar juntos na área do ensino. Os professores são pagos, na maioria, pela Fundação Oriente uma vez que são goeses reformados que falavam português em casa e que agora ensinam por amor à língua. Os jovens que ensinam português contam-se pelos dedos da mão. São apenas dois ou três. Nenhum dos professores fez um curso, propriamente dito, para ensinar português como língua estrangeira. A Fundação Oriente, com o apoio do Camões, tem realizado alguns workshops para poder melhorar o ensino da língua. Em Deli, a situação é completamente diferente: os professores são extremamente jovens e aprenderam português como língua estrangeira. Muitos estudam por razões financeiras. Há muitos call centers que precisam de indianos que falem português. No entanto, existem alguns que querem ensinar e é a eles que se tem de dar uma oportunidade. Uma das formas que a Communicare Trust encontrou para promover o português, como também as línguas nacionais dos países com quem trabalhamos, foi através da produção de um livro de histórias escrito e ilustrado pelos próprios alunos. O projecto chama-se: “Histórias Daqui e Dali”. O primeiro livro internacional foi publicado em Abril deste ano e foi criado por 200 alunos em Goa e 200 alunos em Portugal. O livro foi editado em Português, Konkani (língua oficial de Goa), Hindi (língua nacional indiana) e Inglês. Nos próximos anos, estamos a pensar trabalhar com Moçambique, Brasil, Timor mas também com Macau. Estamos, de momento, à procura de parceiros. Este projecto é uma forma de promover não só a leitura do português mas também das línguas nacionais dos países com quem interagimos porque, como disse Nelson Mandela: “Sem a língua, não se pode falar com as pessoas e entendê-las; não se pode compartilhar as suas esperanças e aspirações, compreender a sua história, apreciar a sua poesia, ou a sua música”.

11 Out 2018

Estudo | Bifana preferida por visitantes com menos de 35 anos

Uma investigação da Universidade Cidade de Macau coloca o pastel de nata português e o pastel de ovo no segundo e terceiro lugares do pódio das preferências de visitantes com menos de 35 anos. Contudo, é apontada a falta de bebidas e sobremesas com características unicamente de Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] bifana é a especialidade gastronómica local que mais encanta os turistas com menos de 35 anos. A seguir segue-se o pastel de nata português e depois o pastel de ovo. Esta é a conclusão de um estudo com o título “Compreender as preferências gastronómicas das Gerações Y e Z: O caso de Macau em 2018, no Ano das Gastronomia” publicado em Setembro, na Revista de Turismo e Hospitalidade, de autoria dos académicos Irini Lai, Perry Ip, Grace Chan e Yuen Cheong Ho, da Universidade Cidade de Macau.

“Ao nível da gastronomia, o item mais popular foi a bifana e a principal razão para a escolha deve-se com o facto da maior parte dos pequenos restaurantes, cafés ou até espaços gourmet disponibilizarem a bifana, devido à sua popularidade”, pode ler-se nas conclusões.

“Mesmo assim, a forma de cozinhar a bifana varia de estabelecimento para estabelecimento, é possível encontrar locais onde é frita, noutros é grelhada, há também espaços que adicionam as suas características, através de produtos como cebolas brancas ou roxas ou molho de tomate”, é acrescentado.

Nos 500 inquéritos realizados a pessoas com menos de 35 anos, ou seja nascidas depois de 1981, 120 colocaram a bifana no topo das preferências. Depois seguiu-se o pastel de nata português, com 114 preferências. Entre o pastel de nata português, a pastelaria Lord Stow, com origem britânica, foi a favorita dos inquiridos. Finalmente, o pastel de ovo conquistou a preferência de 74 inquiridos.

No que diz respeito aos motivos, os autores sublinham que em grande parte se deve também a dois factores: o fácil acesso e os custos acessíveis. Por outro lado, o estudo concluiu que muitas vezes os visitantes já vêm predispostos a experimentar este tipo de comida, devido à partilha de experiências de amigos.

Sobremesas sem originalidade

No que diz respeito às bebidas e sobremesas locais, o estudo aponta a falta de produtos com características locais, à excepção da bebinca. Assim, os principais produtos têm influências principalmente de Taiwan e da Tailândia, como chá com leite ou a água de coco, nas bebidas, ou a sopa de feijão vermelho e o durião, nas sobremesas.

“Observámos que as bebidas ou sobremesas populares carecem de características locais que as tornem autênticas, ao mesmo tempo que há várias sobremesas e bebidas com influências de Taiwan e Tailândia”, é defendido. “Não há bebidas ou sobremesas vistas como obrigatórias no território que seja oferecidas apenas em Macau”, é observado.

Num patamar diferente, e segundo os autores do estudo, os restaurentes gourmet estão longe de alcançar a popularidade desejada, entre os visitantes com menos de 35 anos. Mas mais do que os preços cobrados, os autores referem a necessidade de promover mais os pratos e serviços prestados, principalmente através das redes sociais.

10 Out 2018

Táxis | Discussão sobre preço cobrado gerou discussão e agressão junto ao casino L’Arc

Um taxista foi agredido por turista do Interior da China à frente do L’Arc após, uma disputa sobre o preço cobrado. O visitante acabou entregue ao MP, e enfrenta suspeitas da prática do crime de ofensa simples à integridade física, o taxista regressou para casa por não haver registo de cobrança excessiva

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m taxista de Macau foi agredido por um turista do Interior da China, depois de uma discussão que começou alegadamente devido ao preço a pagar pela viagem no táxi. Segundo a informação do Corpo da Polícia de Segurança Pública (PSP) não há indícios de que tenha havido tentativa do taxista de cobrar um preço acima do regulado, pelo que apenas o turista foi encaminhado para o Ministério Público (MP) e enfrenta uma acusação por ofensa à integridade física.

A situação teve lugar por volta das 2h00 de sexta-feira, à frente do casino L’Arc, e atraiu um grande número de observadores, o que fez com que vários vídeos do momento fosse postos a circular nas redes sociais. Segundo as imagens, é também possível ver o momento em que um dos intervenientes é capturado pelas autoridades.

“A PSP recebeu uma queixa por volta das 02h00, sobre a existência de uma discussão à frente de um casino. Foi uma discussão entre passageiros e um taxista. Os passageiros são do Interior da China e a discussão deveu-se ao preço de uma viagem de táxi”, disse, ao HM, uma porta-voz do CPSP.

“Entretanto, no local, o taxista alegou que foi agredido por um dos passageiros, pelo que os dois foram encaminhados para a esquadra. Depois o passageiro foi indiciado por ofensa à integridade física e o caso foi entregue ao Ministério Público”, foi acrescentado.

O crime de ofensa simples à integridade física é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Sem queixa

Por outro lado, o taxista saiu da esquadra, sem qualquer queixa e não vai ser investigado. “A política inteirou-se do assunto e não há registo de que tenha havido cobrança abusiva”, explicou a mesma fonte, no que diz respeito à acção do taxista.

Em relação ao amontado de pessoas que se concentrou na zona, a porta-voz diz que os indivíduos se limitaram a assistir e a registar o momentos nos telemóveis sem terem tido qualquer intervenção na luta. O HM foi igualmente informado que a disputa foi terminada tão depressa quanto possível, sem causar grandes embaraços para o trânsito local.

8 Out 2018

Escutas | Au Kam San diz que Governo está menos tolerante desde 2014 e não pede desculpas à PJ

O deputado Au Kam San considera que não acusou directamente o Executivo de realizar escutas ilegais e que a sua atitude não justifica uma acção judicial. Como tal, não vai pedir desculpas. O pró-democrata diz ainda que, desde 2014, o Governo passou a ter menos tolerância a opiniões diferentes

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]u Kam San, deputado à Assembleia Legislativa (AL), entende que não tem de pedir desculpas por ter referido que o Governo poderia ter feito escutas ilegais. O legislador defende que essa situação não merece a instauração de um processo judicial. Em declarações ao HM, Au Kam San revela estar à espera do desenrolar dos acontecimentos, depois de ter recebido uma carta da Polícia Judiciária (PJ) em que as autoridades exigem um pedido de desculpas.

“Presumo que se inicie um processo caso eu não peça desculpa, mas o caso não arrancará de imediato. Isto apenas significa que a PJ vai começar uma investigação. Será que tal vai concluir que eu devo assumir responsabilidades penais, apenas porque levantei uma questão? Ainda é preciso que o Ministério Público (MP) tome uma decisão, e vou ver, por agora, como a PJ vai actuar.  Depois analiso os próximos passos a dar”, apontou.

Au Kam San defendeu também que o caso tem contornos políticos, apesar de afirmar não ter provas para tal. “Depois da publicação da notícia, o secretário Wong Sio Chak comentou o caso com os jornalistas e disse que não iria acusar-me. Mas depois foi-me enviada uma carta a exigir um pedido de desculpas. Será que o Chefe do Executivo teria outras ideias, será que o secretário pensou que este caso poderia prejudicar a imagem do Governo e que deveria ‘matar as galinhas para alertar os macacos’ [para dar o exemplo], acusando-me? Se isso for verdade, então é uma questão política.”

De acordo com o jornal Ou Mun, Chan Wun Man, porta-voz da PJ, referiu que comentar a proposta de lei do regime jurídico da intercepção e protecção de comunicações e difamar a autoridade são actos diferentes. O representante da polícia disse que as autoridades vão actuar nos termos da lei tendo em conta que o deputado não pretende pedir desculpa. Questionado sobre os fundamentos jurídicos para a abertura de um processo, o porta-voz disse que a PJ vai agir de acordo com a situação.

Em causa estão declarações de Au Kam San em que este insinuou que a PJ terá feito escutas ilegais num caso em que um residente se tentou imolar por fogo numa esquadra. A suspeita do deputado advém de, alegadamente, os polícias estarem preparados para apagar o fogo mesmo antes da chegada do homem. Contudo, a PJ explica na carta que o indivíduo terá informado os jornalistas e gritado as suas intenções enquanto se dirigia para a esquadra, o que ajudou à preparação dos agentes. Por isso, na versão da PJ, “é absolutamente impossível que tenham sido feitas escutas ilegais”.

Tolerância zero

Uma coisa é certa: o deputado do campo pró-democrata assegura que desde 2014 o Governo tem mostrado menos tolerância a pontos de vista divergentes.

“O mais importante é que, desde 2014, o Governo tem tomado uma atitude mais forte e revelado menor tolerância face a diferentes opiniões.”

E exemplificou. “Ao nível das reuniões e manifestações, antes de 2014 eram raras as acusações de desobediência qualificada, mas depois de 2014 [isso mudou]. No ano passado o secretário disse que 50 pessoas foram acusadas desse crime, e Sulu Sou foi apenas uma delas.”

Para Au Kam San, “esta situação veio mostrar que, no actual mandato, o Governo reduziu o nível de tolerância face a diferentes opiniões”, e defende que “se isto acontecesse com outros deputados o resultado seria diferente, uma vez que há deputados ligados a um contexto diferente”.

“Não posso dizer que o Governo fez escutas ilegais, apenas levantei uma dúvida. Não estou a dizer, com toda a certeza, que as autoridades fizeram uma escuta ilegal. Não falei disto com outros deputados, mas um ex-deputado disse-me que ‘tudo é ouvido, sabem o que faço em casa’. Por isso, acho que este problema existe, e esse deputado pertencia à ala pró-Pequim”, apontou.

“Quando levantei esta dúvida, a polícia tinha a responsabilidade de fazer esclarecimentos e elaborar os devidos mecanismos preventivos”, adiantou, sem querer avançar o nome do antigo deputado.

8 Out 2018

Sondagens dão vitória a Bolsonaro na segunda volta das presidenciais

Este domingo os brasileiros vão às urnas escolher o próximo Presidente da República. A principal esgrima política é entre Haddad, e um Partido Trabalhista ferido por vários escândalos, e o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, que lidera nas sondagens. O HM falou com eleitores e auscultou as suas expectativas para um dos mais importantes actos eleitorais da curta história da democracia brasileira

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] ebulição política no Brasil não é de agora, mas pode estar prestes a atingir o clímax. Desde a destituição de Dilma Rousseff, e mesmo durante o curto mandato de Michel Temer, o fantasma da extrema-direita tem pairado por cima do panorama político brasileiro, criando terreno fértil para a ascensão política de Jair Bolsonaro.

De acordo com uma sondagem da Datafolha, que tentou levantar o véu sobre uma provável segunda volta, Jair Bolsonaro recolhe 44 por cento dos votos, contra 42 por cento de Fernando Haddad, uma diferença que está dentro da margem de erro e que constitui empate técnico. Os restantes 14 por cento dos inquiridos mostraram-se indecisos ou inclinados a votar em branco ou nulo, uma vez que o voto é obrigatório.

Uma sondagem do Instituto Ibope revela que na primeira volta Bolsonaro reúne 31 por cento das intenções de voto, dez pontos percentuais à frente de Haddad. Em terceiro lugar surge Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista, com 11 por cento. Mais abaixo surge Geraldo Alckmin, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), com 8 por cento, e Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, com 4 por cento. A confiar nesta projecção, a segunda volta, ou turno como se diz com sotaque brasileiro, acontecerá no dia 28 de Outubro. No entanto, é de referir que Bolsonaro tem vindo a subir nas sondagens. Nesta matemática de intenções, importa recordar que em 2014 quase 25 por cento do eleitorado decidiu a direcção do voto no próprio dia da eleição. Outro dos dados a reter é a subida dos eleitores que afirmam que jamais vão votar em Jair Bolsonaro (45 por cento), o antigo capitão do exército que tem proferido inúmeras declarações racistas e misóginas. Como sinal da crescente polarização política que o Brasil atravessa, também a rejeição total de Haddad se cifra nos 42 por cento.

Primeiro será necessário ir a votos este fim-de-semana. Por cá, Roberval Teixeira e Silva já marcou o domingo para exercer o seu direito. “Vou a Hong Kong votar no consulado brasileiro. É um momento bastante especial no mundo e no Brasil com uma luta radical contra o conservadorismo que tem aparecido em todo o lado”, revela o director do Centro de Pesquisa para os Estudos Luso-Asiáticos da UM.

O académico, que vive em Macau há 13 anos, encara esta eleição como um momento decisivo na história do país. “Luto contra a extrema-direita que está a tentar chegar perto do poder através da presidência e do voto. Vou exercer o meu direito de evitar que isso aconteça, esse é o meu objectivo”, explica Roberval Teixeira e Silva.
Cácio Borges Inhaia está no polo oposto. Apesar de não poder votar, o gerente empresarial adianta que, se pudesse, o seu voto iria para Jair Bolsonaro. “Ele não tem qualquer escândalo. Estou confiante que ele ganhe já no primeiro turno. Vejo pelos meus amigos que o Brasil quer mudança.”

Apelo do abismo

Quanto às características de Bolsonaro que mais seduzem Cácio Borges Inhaia, a ideia de integridade surge no topo, nomeadamente quanto às políticas de família. “Ele preza muito a família, algo que no Brasil está muito perdido”, refere o brasileiro residente em Macau. Quando confrontado com algumas propostas do candidato da extrema-direita, como o corte nas licenças de maternidade, o residente de Macau refere que não leu sobre isso e descreve a forma como os meios de comunicação social escrevem mentiras sobre o seu candidato de eleição. É de referir que Bolsonaro proferiu algumas declarações polémicas quanto à natalidade de famílias pobres. “Devemos adoptar uma rígida política de controle da natalidade. Não podemos mais fazer discursos demagógicos, apenas cobrando recursos e meios do governo para atender a esses miseráveis que proliferam cada vez mais por toda esta nação.” As palavras são de Jair Bolsonaro, que se declarou a favor da pena de morte e de políticas de restrição da natalidade entre os pobres como forma de controlar a criminalidade e baixar o custo dos apoios sociais.

Um pouco à imagem da eleição que conduziu Donald Trump à Casa Branca, os campos partidários no Brasil estão extremamente polarizados, reduzindo a troca de argumentos e ideias a insultos, desinformação e propaganda.
Cristina Sant’Anna, empresária e activa opositora da ditadura militar, refere precisamente a falta de qualidade da discussão política. “Qualquer debate sobre candidatos é conversa de surdo. Ninguém ouve ninguém. Cada um já tem seu candidato e será refractário a qualquer informação, notícia, evidência contra ele. E é só ódio daqui pra frente. Minha preocupação é que essas eleições romperam o lacre da cultura de ódio às minorias, que faz parte da cultura brasileira desde sempre”.

A residente de São Paulo é da opinião de que Bolsonaro trouxe à tona e legitimou o ódio aos negros, gays, pobres, mulheres e a “ideia de que uma elite branca, masculina, preconceituosa e discriminatória tem o direito de subjugar os demais sectores da sociedade aos seus mandos e desmandos”.

História a repetir-se

Com um passado de defesa da democracia, que lhe valeu uma curta estadia na prisão durante a ditadura militar, Cristina Sant’Anna encara a actual situação política do Brasil com apreensão. No entanto, não baixa os braços. “Não tivemos escolha no golpe promovido pelo exército, que resultou na ditadura. Mas agora temos”.

A candidatura de Bolsonaro, que repetidas vezes manifestou desdém quanto ao processo democrático, assusta a empresária e alguns dos seus amigos. Em particular, uma amiga cujos pais foram perseguidos durante o fascismo ao ponto de terem de se exilar. Curiosamente, o pai da sua amiga chegou a cônsul do Brasil, mesmo no exílio. A actual campanha ressuscitou fantasmas de tempos de forte repressão política. “Se o desgraçado for eleito o que faremos? Teremos de fugir? Vai haver perseguição, porque afinal estamos todos expondo nossas ideias nas redes sociais? A mãe da minha amiga nem dorme mais. Tem sequelas até hoje, stress pós-traumático”, confessa a empresária.

A violência também assusta Cristina Sant’Anna, além das palavras de Jair Bolsonaro até à realidade nas ruas. “Os grupos de direita, skinheads aí incluídos, estão atacando quem se manifesta nas ruas. Espancaram a criadora de um grupo chamado Mulheres contra Bolsonaro, que já tem mais de 3 milhões e meio de mulheres.”

A tirar um doutoramento em História, com particular incidência na ditadura militar, Gisele Lobato entende que o fascismo não se desvaneceu totalmente em 1985. “Nunca acabou simbolicamente. Houve uma abertura política, redemocratização feita lenta e gradualmente pelos próprios militares, uma amnistia que impediu qualquer julgamento dos crimes que cometeram… faltou a ruptura”, teoriza a também jornalista que divide casa entre São Paulo e Lisboa.

Quando fala de ditadura, Gisele Lobato não o faz no sentido literal, até porque o controlo das altas patentes militares não se sente na sociedade brasileira como no passado. “Falo das estruturas sociais, da violência estatal (vide nossas polícias, que têm apoio para matar diante do desespero da população com a violência urbana)… E a falta de ruptura impediu a revisão dessas estruturas, e ficou o mito de que a ditadura era boa, de que os comunistas estão por aí e são maus.”

Sem preferência

Também à imagem da eleição que tornou Donald Trump Presidente dos Estados Unidos, o sufrágio de domingo também deixa grande parte do eleitorado face à decisão de qual o mal menor, além da fadiga resultante da falta de identificação com qualquer candidato. Roberval Teixeira e Silva destaca esta particularidade nos eleitores que vivem em Macau. “Há quem diga que é melhor deixar para lá, votar em branco, não ir, existe essa postura de desistência. Especialmente entre as pessoas que têm uma relação menos próxima com o Brasil.”

O restante eleitorado brasileiro que reside à beira do delta do Rio das Pérolas divide-se entre Bolsonaro, ou anti-PT e os anti-bolsonaristas. Entre as pessoas que convivem com o académico, a maior tendência é para votar contra o candidato da extrema-direita, sem qualquer expectativa de eleger um candidato com quem se identifiquem em absoluto. “Nenhum partido é puro, não existe essa ilusão, todos entram em jogos e esquemas de todos os tipos que nem imaginamos. De maneira geral, as pessoas parecem não ter um candidato ideal. muitas vezes, os votos vão mais contra alguém do que a favor de alguém. A minha posição é contra o fascismo.”

5 Out 2018

Desmantelada rede de narcotráfico com ligação a Portugal e Macau

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] autoridade tributária e aduaneira espanhola desmantelou uma rede de lavagem de capitais do tráfico de drogas que utilizava empresas em paraísos fiscais, como Macau, Luxemburgo e Bahamas e bancos em Portugal, Andorra e Suíça, noticiam media espanhóis. A imprensa ‘online’ da Galiza noticiou que a operação de desmantelamento da rede continua aberta, estando em causa a lavagem de 10 milhões de euros procedentes do narcotráfico.

A organização ilícita realizava as suas operações nas comunidades espanholas da Galiza e das Astúrias e empregava várias sociedades em territórios “offshore” para ocultar o seu património.

A investigação envolve 24 suspeitos e 14 empresas, o que inclui sociedades e colaboradores em Macau, Luxemburgo e Bahamas, assim como entidades bancárias de Portugal, Andorra e Suíça. De acordo com a imprensa espanhola, a “Operação Zebra” está a ser conduzida por um juiz de instrução de Lugo (Galiza) e conta com a colaboração das procuradorias em Lisboa, Genebra e Andorra.

O dinheiro de origem ilícita era colocado nas contas no exterior e, posteriormente, a rede fazia-o regressar a Espanha usando várias técnicas de lavagem de capitais para o investir.

A organização também utilizava um sistema de compra de números da lotaria premiada, método que lhe permitiu lavar 370.000 euros de origem também ilícita. Durante a investigação também foram localizados mais de 40 imóveis em cidades como Oviedo, Marbella e Lugo que estavam em nome de alguns dos suspeitos e, noutros casos, de empresas.

3 Out 2018

Aniversário da RPC | Moisés Silva Fernandes, historiador: “Em Macau os maoístas saíram vencedores”

Moisés Silva Fernandes, historiador do Instituto Confúcio da Universidade de Lisboa, lança no próximo ano um livro sobre o bispo de Macau D. Paulo José Tavares, o homem que evitou que o pensamento de Mao Zedong fosse ensinado nas escolas católicas do território. A dias de se celebrar os 69 anos da República Popular da China, o historiador fala do papel de Macau nos anos do Maoísmo

[dropcap]E[/dropcap]stá a trabalhar no livro “D. Paulo José Tavares, Bispo de Macau, e a Revolução Cultural chinesa, 1966-1973: Uma vitória onde todos sucumbiram”. Como surgiu este projecto?
Penso que em 2019 o livro deverá ser impresso. Quando investiguei a Grande Revolução Cultural Proletária (GRCP) detectei que toda a Administração portuguesa, começando pelo Governador de Macau, Nobre de Carvalho, e as entidades portuguesas e estrangeiras acreditadas perante a Administração portuguesa se tinham prostrado perante a elite político-comercial chinesa que estava alinhada com Pequim e Guangzhou. Falo de O Cheng-peng, da Companhia Comercial Nam Kwong; Ho Yin, presidente da Associação Comercial Chinesa de Macau e ligado a muitos negócios lícitos e ilícitos; Roque Choi, que foi tradutor-intérprete de Ho Yin; Chui Tak-kei, que foi vice-presidente da Associação Comercial Chinesa de Macau e que esteve ligado a vários empreendimentos lícitos e outros de natureza mais duvidosa. Todos eles foram os intermediários entre a China Continental e a Administração portuguesa de Macau. Porém, havia uma pessoa que conseguiu destacar-se pela sua atitude diferenciada, que foi D. Paulo José Tavares e a Igreja Católica.

Em que sentido?
D. Paulo José Tavares era um eclesiástico muito sensível à situação política, religiosa, económica e militar da China Continental, Macau, Hong Kong e da Formosa/Taiwan. Só obedecia ao Estado da Santa Sé, onde, aliás, tinha exercido os cargos de adido, secretário, auditor e conselheiro da nunciatura apostólica da secretaria de Estado do Vaticano. Era um bispo treinado nas questões diplomáticas e por isso foi eleito prelado de Macau. Terceiro, prestava muita atenção ao que os padres chineses e ocidentais diziam sobre a conjuntura em Macau, Hong Kong e na Formosa/Taiwan. Quarto, não assinou nada com a Associação Geral de Estudantes Chineses de Macau, que pretendia, a todo o custo, que a Igreja Católica fosse recrutar um corpo de docentes para ensinar o pensamento de Mao Zedong e as demais funções políticas no sistema de ensino católico. Quinto, o prelado e a Igreja tornaram-se nos actores mais críticos e contundentes da Administração portuguesa de Macau.

Porque é que esta foi uma vitória “onde todos sucumbiram”, tal como se lê no título do livro?
Todos os actores abandonaram as três comunidades, a chinesa, a portuguesa e a macaense, com a excepção do bispo e da sua Igreja Católica. Esteve em todas as sessões do concílio Vaticano II, abrindo uma nova fase da vida católica universal. Pela primeira vez, os padres chineses passaram a ganhar o mesmo que os sacerdotes portugueses, pondo fim a uma discriminação de vários séculos. Além disso, nomeou um vigário-geral e governador do bispado, o monsenhor António André Ngan Im-ieoc, nascido em Macau, criando muitas inimizades com o clero português, que era ultraconservador. Por outro lado, as missas, que eram rezadas em latim, passaram a ser realizadas em português, cantonense e inglês. Por essas razões se impôs uma investigação duradoura acerca deste sacerdote que esteve à frente da diocese de Macau entre 1961 e 1973.

FOTO: Paulo Dias

Qual o papel que Macau teve no período da Revolução Cultural, sobretudo no que diz respeito às figuras da comunidade chinesa que faziam a ponte com os portugueses?
Os que faziam “a ponte com os portugueses” foram os monopolistas que tinham o ouro, o jogo e as corridas de galgos. O Y.C. Liang e Ho Yin controlavam o ouro e as corridas dos galgos. Durante a GRCP o ouro passou para o Roque Choi, que era o secretário particular do Ho Yin. O jogo de azar e fortuna era controlado por Henry Fok Ying Tung, que era o sócio maioritário, e Stanley Ho, que era administrador-delegado e sócio minoritário. Acima destes todos ficava O Cheng-peng, que foi durante a GRCP o intermediário entre as autoridades militares em Guangzhou e a Administração portuguesa de Macau, para além de ser o “governo sombra de Macau”, através da Companhia Comercial Nam Kwong e o primeiro secretário regional do Partido Comunista Chinês de Macau.

Todos estes monopolistas foram intransigentes e rígidos com as comunidades portuguesa, macaenses e chinesas. Só há um que não é monopolista, Leong Pui, que era o presidente da Associação Geral de Operários de Macau, a central sindical comunista, e durante a GRCP tornou-se o presidente da “Comissão de Luta contra a Perseguição Portuguesa” conhecida por Comissão dos Treze e mais tarde por Comissão dos Dezanove.

Como é que Mao Zedong encarava o papel de Macau e Hong Kong no contexto do desenvolvimento do país?
Com o início da Grande Revolução Cultural Proletária pelo primeiro-ministro Zhou Enlai, em 16 de Maio de 1966, Mao Zedong queria manter o status quo em Macau e Hong Kong. Todavia, em Macau os maoístas saíram vencedores, enquanto em Hong Kong a polícia e o governador não cederam em absolutamente nada. O brigadeiro Nobre de Carvalho, governador da administração portuguesa de Macau, sofreu ao longo de 1966, 1967 e 1968 imensas injúrias das organizações maoístas, o que levou a República Popular da China, através de Kei Fung, vice-director da Agência Noticiosa Nova China de Hong Kong, a trazer consigo instruções bem específicas de Zhou Enlai, primeiro-ministro da China, em Agosto de 1968, a tecer as seguintes afirmações: “não deve haver oposição às receitas do Governo de Macau. As taxas, as contribuições, etc., devem continuar a ser pagas”. Caso discordassem destas, “podem e devem expor as suas razões. Mas devem sempre pagar”. Para reforçar este ponto recordou que “[em] Macau existe o sistema capitalista, como é óbvio, e é esta situação que se tem de aceitar”.

Devemos olhar para o motim “1,2,3” como uma extensão da Revolução Cultural?
Sim, sem dúvida. Em 1966 começou na China Continental a GRCP entre os maoístas e os contra-revolucionários, nomeadamente Liu Shaoqi e o Deng Xiaoping. Rapidamente veio para Macau. Assim o “1-2-3” (três de Dezembro), e não o 1,2,3, que é uma deturpação, foi muito mais que um motim; foi a prostração da Administração portuguesa de Macau, que nunca mais se ergueu, apesar de se ter mantido até 19 Dezembro de 1999. Quem mandava, efectivamente, em Macau era o “governo sombra de Macau”, isto é, a Companhia Comercial Nam Kwong. Em segundo lugar, no dia 4 de Dezembro de 1966, que se chamou “12,4” (4 de Dezembro), houve um confronto geral entre comunistas e nacionalistas do qual saiu totalmente derrotada a comunidade chinesa nacionalista. Assim, a Administração portuguesa teve que entregar os sete nacionalistas presos em Macau à Guarda Fronteiriça do Exército Popular de Libertação, isto é, às Forças Armadas Chinesas, junto à fronteira das Portas do Cerco, à 1 hora da manhã do dia 20 de Dezembro de 1966; e as associações nacionalistas e de refugiados da China Continental foram encerradas e os dirigentes nacionalistas tiveram de ir para a Formosa/Taiwan, no dia 27 e 28 de Janeiro de 1967. No dia seguinte, dia 29, foram assinadas pelo governador da Administração portuguesa, brigadeiro Nobre de Carvalho, duas minutas: uma com a Repartição dos Assuntos Exteriores de Guangdong e outra com a elite político-comercial chinesa afecta a Pequim.

Podemos falar de Macau como um lugar de fuga de cidadãos da China com diferentes períodos históricos (guerra civil e revolução cultural), e também de diferentes classes sociais, por comparação a Hong Kong?
Sim, corroboro esta realidade. Enquanto Hong Kong tinha uma superfície de 2,600 Km2, Macau tinha 15.5 Km2. Em termos demográficos, Hong Kong tinha mais de 3,7 milhões de seres humanos, enquanto em Macau 300 mil pessoas, entre 1966-1967. Em Hong Kong tínhamos uma economia laissez-faire, onde basicamente o mercado era livre, enquanto em Macau tínhamos uma economia centralizada, através dos monopólios do ouro, jogo e corridas de galgos, e marcadamente fechada. As famílias que tinham posses em Xangai transportaram, literalmente, as fábricas que possuíam para Hong Kong, enquanto em Macau não se deu nada disto. Isto levou a que a GRCP em Hong Kong fosse fortemente reprimida pela polícia e que nunca se colocasse a hipótese das forças armadas britânicas entrarem no conflito, enquanto que em Macau foram humilhados pelos maoístas, tanto a polícia, como as forças armadas portuguesas.

Considera que a Administração portuguesa lidou da melhor forma com os ilegais oriundos da China, ou trataram do processo de legalização tarde de mais?
Convém distinguir entre dois processos diferentes. Os refugiados chineses entre 1949 e 1967 tiveram muito apoio da Igreja católica de Macau, nomeadamente da Casa Ricci e do seu padre espanhol Luís Ruiz, de muitas agências católicas internacionais, e, indirectamente, através da Administração portuguesa do território. A GRCP parou porque o acordo estabelecido entre a Administração portuguesa, que foi assinado pelo governador de Macau, brigadeiro Nobre de Carvalho, e a Repartição do Assuntos Exteriores da província de Guangdong, assim o previa. A partir de 1978, começaram a vir muitos refugiados da China Continental, apesar de constituir uma infracção ao acordo que Macau tinha assinado com a Repartição dos Assuntos Exteriores de Guangdong. A maioria das pessoas ia para Hong Kong, os menos hábeis ficavam por Macau. Entretanto, houve uma série de processos de legalizações dos refugiados da China Continental durante a Administração portuguesa. Mas temos de ter sempre em atenção que isto dependia totalmente das directrizes da China Continental e muito pouco de Macau.

Estes cidadãos em fuga acabaram por definir a sociedade de Macau tal como ela é hoje, e explicam, inclusivamente, a fraca participação das pessoas no sistema político local?
Isso é natural. Nunca se estudaram e investigaram em termos de ciências sociais os graves constrangimentos que se fizeram repercutir muitos anos mais tarde em Macau. Seja no tempo da administração portuguesa de Macau, seja no período chinês.

1 Out 2018

Os benefícios do tufão

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] modo como os homens interpretam os fenómenos naturais nem sempre lhes faz justiça. Pelo contrário, porque a nossa tendência é ler tudo à nossa medida, parece que os tufões, por exemplo, são desenhados para nos afligir.

Não são. Como disse um astrónomo, o universo não é bom nem é mau: é indiferente. E os tufões não são excepção. Não nascem no mar quente com o propósito de destruir o que construímos junto à costa, provocar desabamentos de terras em colinas onde foram construídas casas, nem derrubar postes eléctricos. Simplesmente se formam e vêem por aí fora, fazendo girar, rodopiar, saltitar a atmosfera, de uma forma muito bela de se ver de cima, instalado no conforto de um satélite. As construções costeiras, as casas e os postes acontecem estar no seu caminho.

Para as plantas é, na maior parte dos casos, uma festa. As mais velhas sucumbem para dar lugar às mais novas e, muito importante, dá-se um espargir de sementes capaz de atingir mares nunca dantes navegados. Graças aos tufões milhões de sementes são espalhadas até inimagináveis distâncias, permitindo a uma determinada espécie vegetal migrar para territórios insuspeitos.

Por outro lado, as árvores importadas não resistem à força contínua das rajadas, enquanto as locais dão mostra de resiliência e de uma milenar sabedoria vegetal. No fim, feitas as contas, o tufão afastou ramos mortos, derrubou árvores doentes ou inapropriadas, criou espaço para as plantas novas e deu a essas espécies a possibilidade de se espalharem como bárbaros por esse continente fora. Onde é que aqui se encontra algo de negativo?

Já para a humana gente, é diferente. É diferente mas não muito diferente. Seria fastidioso para mim e para o leitor lançar aqui mão de estatísticas, cálculos de probabilidades, algoritmos e outras ferramentas deste e do outro mundo, para apresentar uma análise profunda do papel dos tufões no planeta e uma avaliação da sua “bondade”. Assim, ao invés de uma ponto de vista global, em que se tornaria necessário comparar milhares de dados, avaliar centenas de tabelas e espreitar em dezenas de locais, optámos pela análise de um caso, no caso vertente o caso da passagem do tufão Hato por Macau, em 2017.

Antes de mais, precisamos de esclarecer um ponto geral. Se os humanos gostam de viver junto à costa (coisa que fazem há dezenas de milhares de anos), é provável que tenham dado pela aparição regular de tufões. Bem sabemos que o homo sapiens sapiens é um pouco distraído e limitado, mas é de crer que algum iluminado é capaz de ter um dia dito aos outros: “É pá, todos os anos, mais ou menos nesta altura, levanta-se cá um vento…” Provavelmente, terá sido julgado como intelectual e iluminado pelo fogo brando de uma fogueira. Ou talvez não.

Certo é que acontecem e têm acontecido, com regularidade suíça, ao longo dos séculos e tal não levou os homens a abandonarem a costa e irem lá mais para o interior. É o vais…

Partindo deste princípio constatável e verificável, seria de esperar que no decorrer das gerações fosse sendo acumulado um saber qualquer sobre o modo como lidar com o tufão. E assim aconteceu, embora às vezes não pareça. E agora repare-se: a presença do tufão obrigou o bicho humano a inventar protecções que nenhuma outra força na Natureza implicaria. Ao criar uma situação radical, totalmente fora dos parâmetros quotidianos, o tufão instilou nos humanos a necessidade de invenção e criação muito além do esperado. Ou assim devia ter acontecido.

O caso do Hato fala por si. Quando passou a fronteira para se esvair no continente, deixou atrás de si uma cidade sem água e sem luz, com lixo pelos joelhos, 12 mortos, incontáveis árvores derrubadas, e a necessidade de recorrer aos santos do Exército de Salvação, perdão, de Libertação. Talvez os homens andassem distraídos ou esta geração tivesse esquecido, ofuscada pelas luzes excessivas dos casinos, os ensinamentos das gerações anteriores. Acontece. E não há como um tufão para nos fazer lembrar, para nos remeter a um securizante cantinho.

Veja-se o estado da cidade este ano, após a passagem do Mangkhut, também ele um supertufão: uma normalidade quase estarrecedora, tudo a funcionar, à parte as cheias do costume que, aliás, visto que não se conseguem dominar, havia que aproveitar de forma turística, implementando passeios de gôndolas e gaivotas pelas ruelas do Porto Interior e pensar mesmo na hipótese de um Mercado Flutuante. Se não podes as podes vencer (às águas), junta-te a elas. Com os devidos subsídios e apoios.

Cá está. O Hato foi uma excelente lição, talvez a única lição de excelência, ao nível da sociedade de excelência que nos foi prometida. É que um tufão é uma verdadeira revolução: limpa a paisagem, dá um ar novo à coisa, faz cair uns e subir outros, para depois ficar tudo na mesma. Exactamente como nas revoluções.

Neste caso, a passagem do tufão Hato por Macau em 2017 foi algo de muito proveitoso para os seres humanos pois graças a ele tiveram uma oportunidade para relembrar o que os avós não tiveram ensejo de lhes ensinar e proteger a cidade decentemente para resistir ao embate dos tufões. Sendo mais ou menos claro que não se pensa deslocar a cidade para o continente, por enquanto.

Mas, claramente, a grande vantagem do tufão é que torna o ar mais respirável. Ainda que seja por uma breve partícula de tempo.

27 Set 2018

Apontada má atitude e fraco controlo emocional a alunos locais

As facilidades no acesso ao emprego fazem com que os estudantes locais não desenvolvam capacidades essenciais no mundo do trabalho globalizado. O aviso vem de um académico da Universidade Cidade de Macau, que alerta para possíveis problemas na eventualidade de uma mudança no ambiente económico ou de políticas laborais do Governo

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] protecção laboral em Macau faz com que os alunos do ensino superior apresentem uma má atitude no emprego, pouco controlo emocional e uma fraca capacidade de trabalho em equipa. Esta é a principal conclusão de um artigo publicado por Chen Wei-Nien, professor na Universidade Cidade de Macau, na revista académica Journal of Research in Business Economics and Management.

De acordo com as conclusões do trabalho de Chen, o facto de Macau ter um ambiente muito protector do emprego para os residentes locais, faz com que estes não tenham de se preocupar tanto com as saídas profissionais e os desafios para encontrar emprego, num ambiente altamente competitivo, depois de terminarem os estudos.

“Neste tipo de ambiente, os estudantes locais do ensino superior têm tendência para se preocuparem menos com o emprego, o que lhes retira características naturais de alerta para eventuais crises. Por isto, os alunos tendem a demonstrar um pior desempenho no trabalho ao nível da atitude, controlo das emoções e da capacidade de trabalho de equipa”, escreve o académico.

O académico defende que esta realidade tem um impacto directo na cultura de contratação de empregados locais, que faz com que estas características, tidas como pontos fracos, sejam mais valorizadas.

“Estas características tornaram-se assim as mais importantes ao nível da empregabilidades dos alunos locais no ensino superior de Macau, que relegam para segundo plano outros aspectos, como o conhecimento ou a capacidade de inovação”, explica.

Segundo os dados mais recentes da Direcção de Serviços de Estatística e Censos (DSEC), entre Maio e Julho a taxa de desemprego total cifrou-se nos 1,8 por cento, entre residentes a percentagem era de 2,4 por cento.

Preparar o futuro

Traçado o estado do ensino e a necessidade de dotar os alunos com maior capacidade para lidarem com eventuais problemas no trabalho, Chen Wei-Nien sugere que as universidades tenham em conta este problema.

“Primeiro, é necessário promover junto dos alunos que as crises no mercado do trabalho acontecem. A globalização e a competição entre talentos globais tornou-se uma tendência que tomou o mundo de rompante. No futuro, quando houver mudanças no ambiente económico, ou houver uma alteração nas políticas governamentais, vai haver impactos muito sérios nas oportunidades de emprego e no espaço em que vivemos”, justificou o académico.

“É preciso ir mais longe, devemos mudar a nossa formação mental e o mentalidade herdada e trabalhar de forma continuada para melhorar todos os dias, cultivar uma melhor cultura de trabalho, aperfeiçoar o controlo emocional, reforçar a capacidade de fazer trabalho em equipa e elevar a capacidade de resposta perante problemas”, conclui.

O estudo foi publicado na edição de Setembro da revista com o título Pesquisa sobre a Empregabilidade dos Estudantes Locais do Ensino Superior em Macau [Research on the Employability of Local College Students in Macau, em inglês]”.

27 Set 2018

Mangostão

[dropcap style≠‘circle’]I[/dropcap] magine a inversão da história do menino que gritava “lobo!”. Melhor ainda, a redenção depois da passada negligência. Durante anos, esta cidade refastelou-se em preguiça e habituou-se a não passar cartão aos alertas de tufões. O desleixo chegou ao ponto das próprias autoridades menosprezarem a força dos elementos e as suas consequências. O relaxamento revelou-se assassino na sequência do fulminante Hato.

Era evidente que tudo tinha de mudar. O Governo tinha de limpar a imagem de amadorismo e ineptidão na resposta à tempestade do ano passado, depois da trapalhada dos alertas, da triste figura de ver bombeiros a cortar árvores com pequenas serras de marceneiro e da acumulação de lixo nas ruas chegar ao ponto de necessitar de intervenção militar. Da tragédia nasceram múltiplos organismos para responder a tufões, comprou-se equipamento e passou-se a olhar para o poder da natureza com outros olhos. Também a população, que antes zombava dos sinais 8, já não se apanha tão facilmente desprevenida.

Até que eu me formo, algures nos arredores de Guam, imponente em tamanho e ferocidade de ventos. Das águas tépidas faço-me monstro e agiganto-me em superlativas ameaças. Ainda estava a milhares de quilómetros de distância e já o meu percurso era estudado com apreensão. Maduro como o fruto, vermelho de ira por fora, pálido por dentro e amargo para os minúsculos e insignificantes infelizes que apanhei no caminho. Apesar do impressionante volume, da raiva a tudo o que é sólido e inteiro apaziguei-me com o desaceleramento das rajadas. Quando cheguei, tinha toda gente à minha espera, todos sabiam que o lobo cirandava pelas colinas que rodeiam a aldeia.

Rendido à hospitalidade de Macau arrastei a minha cauda por cá durante horas e horas, até me fartar e partir para outra paragem. No meu caminho deixei um tímido rasto de destruição, comparado com o que fez o meu antecessor.

Espero que não esqueçam a lição, que não se retorne à complacência. Porque, como eu, haverá muitos daqui para a frente. A tepidez das águas alimenta fenómenos atmosféricos da minha estirpe e não se vislumbra um cenário futuro de oceanos mais frios.

Mas sejamos honestos. Imaginem que passava no estreito no Estreito de Luzon, entre as Filipinas e Taiwan, sem esbanjar intensidade em terra firme e que continuava a galgar oceano. Imaginem que em vez de passar a 60 quilómetros de distância aterrava em cheio em Macau. Imaginem o meu aniquilador auge. Rajadas máximas de mais de 350 quilómetros por hora e ventos sustentados superiores às rajadas mais velozes do Hato, durante sete ou oito horas. Será que estariam a distribuir palmadinhas nas costas?

Mais tarde ou mais cedo, o lótus terá de se confrontar com uma tempestade como eu, sem ferocidade diminuída ou trajectórias benevolentes. Em primeiro lugar, Macau terá de se reinventar em termos de prioridades imobiliárias. Compreendo que a vida de quem vive por cá seja um factor menor face aos milhões que se arrecadam no super inflacionado mercado de imobiliário. É incompreensível como não se instalem janelas de vidros duplos e caixilharias com caixas-de-ar num dos territórios mais ricos do mundo que insiste em pintar tudo em tons de dourado. Todos sabem que nas colinas circundantes ferozes lobos de vento aguçam os dentes.

Quanto tempo mais é necessário para equipar a cidade com uma rede de tratamento de esgotos condigna com o presente século? Quantos anos, quantos procedimentos labirínticos de burocracia serão necessários ultrapassar até se construírem barreiras para evitar cheias nas zonas baixas da cidade? O que é preciso para se chegar a um entendimento com quem fica a montante do rio de forma a tentar controlar caudais em tempos de aflição? Quantas décadas? Quantos discursos vazios de cooperações nas áreas disto e daquilo os cidadãos terão de ouvir, enquanto o essencial é tratado como acessório. Até quando se vai queimar carvão à maluca, sem respeito pelas consequências ambientais?

Desta vez, todos se portaram bem e fui recebido com o devido respeito que merecia. Mas uma coisa é certa: mais se seguirão.

25 Set 2018

Si Ka Lon quer Macau-Zhuhai e Guangzhou ligadas por comboio

À semelhança da recém-inaugurada linha ferroviária de alta velocidade que liga Hong Kong, Shenzhen e Guangzhou, o deputado Si Ka Lon propõe a ligação por comboio entre Macau, Zhuhai e Guangzhou

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] deputado à Assembleia Legislativa Si Ka Lon defende a construção de uma linha ferroviária que una Macau a Zhuhai e a Guangzhou, num modelo semelhante ao da vizinha Hong Kong que passou a estar ligada por comboio a Shenzhen e a Guangzhou. Isto porque, a seu ver, a ligação só trará vantagens, nomeadamente no contexto da construção da Grande Baía.

Em declarações ao jornal Ou Mun, Si Ka Lon defendeu que a nova linha ferroviária de alta velocidade de Hong Kong para a China, que irá reduzir consideravelmente o tempo de viagem, pode trazer benefícios indirectos aos residentes de Macau, bem como fomentar a economia local. O deputado argumenta que há muitos residentes de Macau que visitam Hong Kong, seja para fazer compras ou para apanhar ligações aéreas, e que também há um número considerável de residentes a estudar, ou trabalhar, em Shenzhen e Cantão.

Na perspectiva de Si Ka Lon, a nova linha ferroviária Hong Kong-Shenzhen-Guangzhou motiva procura pela rede de trânsito entre Macau-Zhuhai-Guangzhou, podendo servir de exemplo para o lado oeste do Delta do Rio das Pérolas, dado que produz efeitos práticos para a zona da Grande Baía e também no âmbito da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”.

O deputado defende assim uma ligação directa Macau-Zhuhai-Guangzhou, na medida em que a integração de Macau num projecto do tipo, idêntico ao de Hong Kong, teria amplos benefícios nomeadamente no quadro da cooperação regional. De acordo com o Ou Mun, Si Ka Lon entende que, com vista a garantir a ligação entre todas as cidades integradas na Grande Baía, além do comboio Hong Kong-Shenzhen-Guangzhou, é preciso outro que ligue Guangzhou, Zhongshan, Zhuhai e Macau, as quais seriam integradas na rede de comboio de alta velocidade da China.

A Grande Baía, que pretende tornar-se uma região metropolitana de nível mundial, abrange Macau e Hong Kong, bem como nove cidades da província de Guangdong (Guangzhou, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen, Zhaoqing).

Oito mil por dia

Segundo estimativas oficiais, o comboio entre Hong Kong e a China deverá transportar diariamente mais de 8.000 passageiros entre o centro financeiro asiático e o centro industrial vizinho da província de Guangdong. O comboio vai de Hong Kong a Shenzhen em apenas 14 minutos, enquanto para a capital de Guangdong, Guangzhou, a viagem dura agora pouco mais de meia hora.

O projecto tem estado sob polémica, particularmente devido ao facto de o Governo de Hong Kong ter permitido a cedência de jurisdição do novo terminal de West Kowloon a Pequim, que pode realizar controlos de imigração e alfândega no terminal de Hong Kong. Esta decisão provocou críticas por parte da oposição pró-democrata da Região Administrativa Especial que argumentou que a medida é uma violação da Lei Básica.

25 Set 2018

China e Vaticano mostram-se em sintonia, quase 70 anos depois

Em Macau, há muitas incertezas, mas o pré-acordo que levou ao reconhecimento de sete bispos da China pelo Vaticano é visto com esperança. Em Roma, nega-se a existência de uma vertente política que leve ao corte de relações com Taiwan. Contudo, o Cardeal Joseph Zen acusa o Papa Francisco de trair os crentes que se mantiveram fiéis ao Vaticano ao longo dos anos

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] China e o Vaticano chegaram a um acordo provisório e histórico, depois de mais de 70 anos de costas voltadas, e o Papa Francisco reconheceu com efeitos imediatos sete bispos, nomeados pelo Governo Central. A revelação sobre o acordo foi feita no sábado, pelo Vaticano, mas os detalhes não são ainda conhecidos.

Actualmente a Igreja Católica no Interior da China está dividida entre os fiéis que frequentam as igrejas da Associação Patriótica Católica Chinesa, cujos bispos e controlo está com o Governo Central, e os católicos fiéis a Roma, que frequentam igrejas consideradas ilegais pelas autoridades chinesas, cujos bispos são secretamente nomeados pelo Papa. Embora não haja números oficiais, estima-se que nas duas facções existam entre 10 e 13 milhões de católicos na China.

Até ser assinado este pré-acordo e haver o reconhecimento dos sete bispos da Associação Patriótica Católica Chinesa, os guias espirituais tinham sido excomungados e não eram reconhecidos pela Igreja Católica. A situação muda com este pré-acordo, que é visto como um primeiro passo para o restabelecimento das relações entre o Vaticano e a China.

“O Papa Francisco espera que com estas decisões seja dado início a um novo período, que permita que as feridas do passado sejam ultrapassadas e que resulte numa comunhão total entre todos os católicos chineses”, afirmou o Vaticano, em comunicado no sábado, depois de ter sido anunciado o acordo.

Também Greg Burke, assessor do Vaticano, veio a público fazer alguns esclarecimentos, face à pouca informação sobre o real teor do acordo assinado entre as duas pates.

“Isto não é o fim de um processo. É um começo”, começou por frisar o assessor. “O pré-acordo é o resultado de um diálogo, da existência de muita paciência em ouvir o outro, principalmente quando os dois lados têm pontos-de-vista muito diferentes”, acrescentou.

Política à parte

Porém, Greg Burke veio ainda negar o teor político do documento e um eventual corte nas relações diplomáticas com Taiwan e o consequente reconhecimento da República Popular da China. Actualmente, o Estado do Vaticano reconhece o Governo de Taiwan como a entidade com soberania política. “O objectivo do acordo não é político, mas pastoral e passa por permitir que os crentes tenham bispos em comunhão com Roma, mas que seja ao mesmo tempo reconhecido pelas autoridades chinesas”, clarificou.

Por sua vez, as autoridades do Continente foram mais comedidas na reacção ao acordo: “ A China e o Vaticano vão continuar a manter uma postura de comunicação e a promover o progresso de forma a melhorar as relações bilaterais”, foi escrito, num curto comunicado, no portal do Ministério para os Negócios Estrangeiros.

Segundo a informação disponibilizada pelas duas partes, não é claro quem terá a última palavra sobre a nomeação dos bispos, se será o governo de Pequim ou o Papa.

Macau aplaude

Segundo os padres de Macau ouvidos pelo HM, a notícia do pré-acordo é vista como positiva. Existe agora a expectativa que possa haver alterações para uma maior tolerância sobre a prática do catolicismo no Continente, mesmo que a situação seja vista como altamente complexa.

“É sempre positivo quando há um reatamento de relações entre entidades e quando esse reatamento pode contribuir para o bem-estar e diálogo entre os povos, entre as comunidades e instituições. É sempre um progresso para a Humanidade”, afirmou o padre Peter Stilwell, em declarações ao HM.

“O teor do conteúdo não é explícito. Sabemos que a Santa Sé reconheceu sete bispos, a quem faltava ter uma relação com o Vaticano. Agora, aguardamos para ver como as coisas vão evoluir”, acrescentou, de forma cautelosa.

Contudo, para o padre, a reconciliação entre as duas igrejas no Interior pode colocar alguns desafios: “Não será fácil [a conciliação], porque há católicos que foram perseguidos e viveram na clandestinidade e outros que viveram de acordo com as posições do Governo, da chamada Igreja Patriótica. Fazer conseguir encontrar estas duas comunidades vai ser um grande desafio pastoral”, previu.

Por outro lado, Stilwell explicou que não espera alterações no panorama de Macau, devido ao facto da Igreja Católica do território estar sob a alçada do Vaticano, tal como acontece em Hong Kong.

“A nível de Macau não espero nenhum impacto directo. Macau é um território que está abrangido pela Lei Básica. Está previsto que a Igreja Católica tenha liberdade de culto e que continue a ter o mesmo regime que tinha, aquando da presença portuguesa. Durante este período de 50 anos não haverá efeitos”, explicou.

Patriotas e católicos

Também o padre Luís Sequeira vê o acordo como muito positivo, apesar de reconhecer as desconfianças que existem entre ambas as partes. “Parece-me um facto muito positivo. Claro que é um princípio de um processo que tem de ir mais fundo e ter um princípio maior de compreensão mútua da realidade”, apontou.

Sequeira frisou também que o patriotismo e o catolicismo não são características que se excluam mutuamente e que podem conviver. Porém, este facto reconhece que em certas situações podem gerar tensões. “A preocupação da igreja é mais espiritual, a do Governo é mais política. Se não houver uma compreensão para este facto, poderão surgir tensões. Mas nada impede que um católico possa ser patriota e um patriota possa ser católico e estar unido a uma Igreja universal”, defendeu.

O pré-acordo surge depois de recentemente terem circulado notícias de perseguições a católicos no Interior da China. Segundo alguns relatos, os crentes tinham mesmo sido obrigados a remover cruzes de igrejas. Contudo este ambiente de tensão entre católicos e o governo chinês não é novo.

Também segundo Luís Sequeira este cenário do Vaticano reconhecer bispos nomeados pelos governo não é novo, o mesmo aconteceu em Portugal e Espanha, durante as ditaduras de Salazar e Franco.

Já o ex-deputado e católico Paul Chan Wai Chi admitiu estar muito reticente com este acordo. “É complicado analisar o pré-acordo nesta altura porque os detalhes não são conhecidos. Por enquanto só posso rezar pela Igreja Católica. No futuro tudo pode acontecer, para melhor ou para pior”, disse.

“Considero que é necessário esperar pelo futuro, antes de ter uma opinião. Mas acredito que Deus controla tudo. Tenho alguma esperança na existência de uma maior liberdade religiosa para os católicos no interior da China, mas é preciso esperar para ver o que acontece”, acrescentou.

“Na boca do lobo”

Apesar de uma visão mais optimista sobre o acordo em Macau, o mesmo não sucedeu com o cardeal Joseph Zen, de 86 anos de Hong Kong, conhecido pelas suas posições contra a aproximação entre o Vaticano e o Governo Central.

“Estão a meter o rebanho na boca do lobo. É um acto incrível de traição”, afirmou Joseph Zen, de acordo com as declarações prestadas à agência Reuters. O facto dos detalhes do pré-acordo ainda não serem conhecidos, leva Zen a falar de um “pacto secreto”.

“As consequências desta traição vão ser trágicas e vão prolongar-se durante muito tempo, não só para a imagem da Igreja da China, mas para toda a Igreja porque atingem a credibilidade da instituição. Talvez seja por isso que mantêm o acordo em segredo”, considerou.

Ainda sobre o histórico pré-acordo, Zen acredita que vai ser visto como uma mancha negra no percurso do Papa Francisco. “Rendeu-se por completo. É uma traição (à nossa fé). Não tenho outras palavras para descrever este acordo”, frisou.


Benefícios para a USJ

Nos últimos anos a Universidade de São José tem tentado junto das autoridades do governo central ter autorização para aceitar inscrições de estudantes do Continente. Até hoje tal nunca foi possível, contudo este pré-acordo abre a porta para que a situação possa sofrer alterações: “Do ponto de vista da Universidade, pode ser que isto facilite o recrutamento de estudantes da China Continental, coisa que não nos tem sido permitido fazer até aqui”, reconhece. A USJ espera ter autorização para aceitar 100 inscrições em quatro cursos.


Papa cria diocese de Chengde

Além do reconhecimento de sete bispos, o Papa criou igualmente uma diocese na cidade de Chengde, na província de Hebei. A decisão foi justificada com o desejo do Papa Francisco de promover “os cuidados pastorais pelo rebanho do Senhor”, assim como promover uma maior eficácia do “espírito do bem”. No comunicado publicado no portal do Vaticano é ainda explicado que a catedral vai ficar situada na Divisão Administrativa de Shuangluan e que foi criada com o apoio e autorização da Sé de Pequim.


Reconhecimento póstumo

Além dos sete bispos reconhecidos pelo Papa Francisco, houve um oitavo que foi reconhecido a título póstumo. Anthony Tu Shihua foi o bispo reconhecido, depois de ter morrido a 4 de Janeiro do ano passado, com 98 anos. Anthony Tu foi ordenado padre em 1944, mas perdeu o mandato papal em 1959, devido ao facto de ter ingressado na Associação Patriótica Católica Chinesa. Mesmo assim, na altura da sua morte, expressou o desejo de se reconciliar com a Igreja de Roma. A reconciliação chegou agora, por decisão do Papa Francisco, quase dois anos após a sua morte.

25 Set 2018

Um ano depois

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]ntes de mais nada, quero agradecer a todos os funcionários públicos que estiveram na frente das operações a cumprir o seu dever durante a passagem do tufão, bem como a todo o outro pessoal e voluntários que trabalharam árduamente para limpar a cidade após a passagem da tempestade. Sem a sua dedicação, nenhum plano por mais perfeito que fosse teria resultado.

O Governo da RAEM retirou ensinamentos da catastrófica destruição provocada o ano passado pelo tufão “Hato” e, desta vez, estava preparado para lidar com a destruição e as inundações causadas pelo“Mangkhut”. Por exemplo, o Chefe do Executivo assumiu a coordenação da toda a situação, a colaboração entre os diversos departamentos foi reforçada, ao passo que as forças de segurança e a protecção civil se aplicaram na organização das tarefas e na mobilização de todas as unidades. Até mesmo a Província de Guangdong forneceu a Macau uma série de equipamentos de emergência. A situação foi bem avaliada e as medidas tomadas, antes e depois da tempestade, foram bem planeadas e, como tal, o resultado foi satisfatório e digno de louvor.

O desempenho do Governo da RAEM nesta situação mereceu os elogios de toda a comunidade. Mas, no entanto, existem ainda muitos aspectos que merecem análise e que podem ser melhorados. Um ano após a desastrosa passagem do “Hato”, os problemas causados pelas inundações nas zonas ribeirinhas de Macau continuam por resolver. As comportas contra inundações ainda não são completamente eficazes, e as zonas onde foram instaladas ainda alagam. Os moradores afectados pelas inundações continuaram a sofrer cortes no abastecimento de água corrente e de electricidade. Os comerciantes das áreas inundadas, que são afectados por este problema pelo menos uma vez por ano, vêem os seus equipamentos destruídos regularmente e os negócios são sistematicamente prejudicados.

Nas áreas alagadas, pudemos ver os funcionários das lojas a trabalhar árduamente para a secar o chão e limpá-lo dos detritos acumulados. Embora estes lojistas tenham tomado providências antes da passagem do tufão, nem todos os seus bens puderam ser salvos, devido à impossibilidade de serem removidos ou desmontados. Uma pequena livraria situada na Travessa dos Mercadores perdeu um terço do seu stock de livros aquando da passagem do “Hato”. Este ano, um quinto dos que restaram foi destruído pelo “Mangkhut”. Enquanto o problema das cheias no Porto Interior não forem resolvidos, quem é que vai ter vontade de abrir um negócio na zona ?

Durante o “Mangkhut”, a CEM tomou a iniciativa de suspender as suas subestações, para evitar os acidentes decorrentes das inundações. Por isso, mesmo os comerciantes que possuiam bombas para extracção das águas das cheias, não as conseguiram pôr a funcionar por falta de electricidade. Os moradores das zonas baixas viram-se também confontados com a falta de água corrente e de electricidade. Não é um pouco irónico que esta situação ocorra em Macau, uma cidade com um PIB no top 10 da Ásia?

De acordo com as vítimas das cheias, mesmo que a comporta contra inundações consiga impedir as águas do mar de inundarem as ruas, não consegue impedir as águas dos esgotos de subirem e alagarem os apartamentos. Para solucionar este problema terá de ser feita uma total impermeablilização da rede de esgotos.

Nos anos 60, embora não houvesse subida da água do mar no Distrito de San Kio, as cheias eram inevitáveis sempre que chovia intensamente. Sempre que havia inundações, as crianças da zona tinham uma diversão: apanhar os peixes que se espalhavam pelas ruas, vindos das lojas que vendiam aquários. Os adultos, por sua vez, estavam ocupados a tentar fixar as tampas dos esgotos de forma a impedir que se transformassem em “géiseres” mal-cheirosos. Nesse tempo, quando os moradores iam buscar água aos poços, situados geralmente entre duas casas, não se surpreendiam quando no balde também vinham de brinde alguns peixinhos. Todos estes acontecimentos eram encarados como “coisas normais” até o Governo português ter levado a cabo um projecto de drenagem em larga escala, que acabou com o divertimento das crianças e com o infortúnio dos adultos.

Há quase 20 anos que Macau regressou à soberania chinesa. Durante este espaço de tempo surgiram novos edifícios nas zonas baixas do Porto Interior. Os trabalhos de desassoreamento nas duas margens vão continuando, a capacidade urbana está a atingir o ponto de saturação e a cidade sofre com o envelhecimento da rede de esgotos. O Governo da RAEM promoveu o desenvolvimento económico, mas negligenciou a qualidade de vida das pessoas. Após tantos anos, o reordenamento do Porto Interior não saiu ainda da fase de planeamento. Passou um ano sobre a destruição provocada pelo “Hato” e os recentes danos provocados pelo “Mangkhut” demonstraram que as medidas paliativas tomadas pelo Governo não são assim tão eficazes. A prevenção das inundações deverá ser uma prioridade do Executivo. Se a Holanda o consegue fazer perfeitamente, Macau também terá de consegui-lo.

21 Set 2018

Trânsito | Governo prepara obras na Coronel Mesquita e na Rua Bacia Norte do Patane

A DSAT quer criar uma terceira via na Avenida do Coronel Mesquita e existe a possibilidade de haver um corredor só para autocarros. Também a Rua Bacia Norte do Patane deve sofrer alterações profundas, com ambas as artérias a perderem lugares de estacionamento para motociclos

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) está a elaborar um plano para criar três vias de trânsito na Avenida do Coronel Mesquita, que actualmente só tem duas. O plano preliminar foi revelado, ontem, pelo director da DSAT, Lam Hin San, à saída de uma reunião do Conselho Consultivo do Trânsito.

“Na Avenida do Coronel Mesquita, ouvimos as opiniões de autoridades e pessoas ligadas ao sector da construção, e queremos alargar a faixa de rodagem de duas vias para três. Isto implica remover alguns dos lugares de estacionamento para motociclos”, disse Lam Hin San, em declarações aos jornalistas.

“Naquela zona há cerca de 10 lugares para estacionamento de veículos mas num raio de 300 a 500 metros, temos três a quatro parques de estacionamento como alternativa. Mas antes de tomarmos qualquer decisão queremos ouvir as pessoas”, acrescentou.

No passado, os planos para eliminar lugares de estacionamento das ruas causaram grande polémica, chegando a acontecer inclusive uma manifestação por parte dos residentes, que contou com uma participação de 2.500 a 3.500 pessoas, em Junho deste ano.

De acordo com Lam Hin San, actualmente circulam por dia na Avenida do Coronel Mesquita 14 autocarros diferentes e cerca de 130 mil pessoas. Por esta razão, a DSAT está ainda a equacionar criar um corredor de autocarros na avenida, à semelhança do que já acontece na Zona do Porto Interior.

Ganhar espaço

O director da DSAT defendeu ainda que é necessário aproveitar melhor os terrenos e ruas e que os estacionamentos para motos, no que diz respeito aos parques públicos, “têm uma baixa taxa de utilização”. Lam Hin San deu o exemplo do Parque Central da Taipa, em que a utilização dos estacionamentos para motas é apenas de seis por cento.

Outra zona que poderá sofrer alterações significativas é a Rua Bacia Norte do Patane, que é vista como um dos problemas mais complicados para o trânsito de Macau. “Já temos um plano preliminar, se for para a frente poderá melhorar a situação”, afirmou Lam Hin San. “Vai aumentar a segurança para os peões e a circulação nas estradas”, defendeu.

Ainda em relação à Rua Bacia Norte do Patane, o director da DSAT defende que existem auto-silos públicos num raio de 500 metros, com vagas frequentes, que podem substituir os estacionamentos nas ruas que irão ser eliminados.


Acidentes | Seis mortos até 9 de Setembro

Entre o início do ano e o dia 9 de Setembro foram registados seis mortos devido a acidentes de trânsito o que, comparando com os números da PSP do ano passado, representa um aumento de uma morte. Entre o início do ano passado e Setembro, tinham sido registadas cinco mortes. “Durante três anos consecutivos conseguimos manter esse registo num único dígito. Apelamos para que as pessoas prestem mais atenção à segurança rodoviária”, comentou Lam Hin San

Portas do Cerco |Terminal ainda este ano

Até ao final do ano, o Terminal das Portas do Cerco vai reabrir com alguns autocarros, entre eles o 3X. “Esperamos que até ao final deste ano já haja condições para incluir certas carreiras neste terminal. E até ao Ano Novo Chinês esperamos que tenham melhores condições para levar para lá mais carreiras”, informou, ontem, o director da DSAT. Contudo, além do 3X, não foi explicado que outros autocarros vão passar pelo terminal.

Autocarros | Espera média de 6,6 minutos

Segundo a DSAT, a espera média por um autocarro está actualmente nos 6,6 minutos. Este é um registo que bate o registo em cerca de 20 cidades no Interior da China e nas regiões vizinhas. “Entre Janeiro e Junho, nas horas de pico, o tempo de espera pelos autocarros foi de 6,6 minutos em média. Há três ou quatro anos, a espera, em média, era superior a 7 minutos, e, em alguns casos, até de 11 minutos. Agora temos uma grande redução, em média 6,6 minutos”, apontou o director da DSAT.

21 Set 2018

Ensino | Escolas internacionais já integram hino nacional chinês nos planos de estudo

A proposta de lei, actualmente em análise na Assembleia Legislativa, prevê que o hino da República Popular China seja integrado no ensino primário e secundário, algo que já acontece nas escolas internacionais

[dropcap style≠‘circle’]E[/dropcap]xistem escolas internacionais em Macau que, por iniciativa própria, incluíram o hino da República Popular da China nos respectivos planos de estudo. É o caso da Escola Portuguesa de Macau e da Escola das Nações.

A proposta de lei relativa à utilização e protecção da bandeira, emblema e hino nacionais, actualmente em análise na especialidade na Assembleia Legislativa, prevê a integração da “Marcha dos Voluntários” no ensino primário e secundário da educação regular, aplicável a todas as escolas, incluindo às internacionais. À luz do diploma, as instituições de ensino devem organizar os alunos “para aprenderem a cantar o hino e ensinar-lhes a compreender o seu espírito, bem como a respeitar o cerimonial relativo à sua execução instrumental e vocal”. Aquando da apresentação do diploma, o Governo garantiu que a autonomia das escolas vai ser respeitada e que nem sequer estão previstas sanções para o incumprimento.

Na Escola Portuguesa de Macau (EPM) o ensino do hino nacional chinês é uma realidade há bastante tempo. “No contexto do estudo da História de Macau e da China são estudados, logo no 1.º ciclo, os símbolos nacionais chineses. A História de Macau e da China é estudada no âmbito do Estudo do Meio, no 1.º ciclo, e da História nos 2.º e 3.º ciclos”, indicou o presidente da EPM, Manuel Machado ao HM.

O manual do Estudo do Meio do 1.º ciclo tem um capítulo dedicado à República Chinesa, no qual se descrevem os símbolos nacionais. “A Marcha dos Voluntários, com letra da autoria de Tian Han e música de Nier Er, foi adoptada como hino nacional da República Popular da China, no ano de 1949, quando o Partido Comunista subiu ao poder”, diz a breve explicação relativa ao hino, acompanhada por uma imagem da partitura.

Sem instruções

Na Escola das Nações, o hino nacional da chinês também faz parte do currículo. “Como temos um extenso programa de mandarim, incluímos a aprendizagem e o canto do hino nacional nas nossas actividades curriculares chinesas. Encaixa-se bem nos estudos da língua e da história chinesas”, afirmou o director da Escola das Nações, Vivek Nair, ao HM.

Até ao final da semana passada, nem a Escola Portuguesa nem a Escola das Nações tinham recebido qualquer tipo de instruções da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) na sequência do novo diploma. Com efeito, o organismo garantiu recentemente que será criado um manual para que as escolas possam disponibilizar mais informações aos estudantes sobre os símbolos nacionais da China.

A proporção de alunos chineses na EPM é de aproximadamente 15 por cento, enquanto na Escola das Nações oscila entre 70 a 75 por cento. O HM contactou outras instituições, como a Escola Internacional de Macau, mas até ao fecho da edição não obteve resposta.

21 Set 2018

Fotografias de Edgar Martins em exposição de obras feitas por presidiários

[dropcap style≠‘circle’]U[/dropcap]ma série de fotografias do português Edgar Martins integra uma exposição de trabalhos feitos por presidiários patente ao público desde ontem no centro de artes Southbank Centre, em Londres.

“I’m Still Here” é a 11.ª exposição produzida pela Fundação Koestler, que promove programas artísticos nas prisões e apoia mais de 3.500 pessoas no sistema criminal para aprenderem novas competências e exprimirem-se de forma criativa. As obras de arte em exposição, entre as quais pinturas, esculturas ou textos, foram produzidas por criminosos, reclusos em hospitais prisão e presidiários que participaram nos Prémios Koestler 2018.

A exposição “I’m Still Here”, no Southbank Centre em Londres, mantém-se até 4 de Novembro. Edgar Martins nasceu em Évora, cresceu em Macau, vive actualmente em Bedford, no Reino Unido, e o seu trabalho tem vindo a ser exposto e premiado internacionalmente.

20 Set 2018

Mangkhut | Resposta do Governo com “resultados relativamente satisfatórios”

É a auto-avaliação do Governo à passagem do tufão Mangkhut: houve uma “notável” melhoria tanto ao nível da prevenção como da capacidade de resposta. Factores que, aliados a uma maior consciencialização, permitiram “resultados relativamente satisfatórios”

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]odos estavam mais bem preparados. Depois do tufão Hato, que há um ano ceifou dez vidas e causou prejuízos económicos estimados em 12,55 mil milhões de patacas, a lição foi aprendida. Na perspectiva do Governo, foram alcançados “resultados relativamente satisfatórios” na resposta ao tufão severo Mangkhut.

“Após um ano de melhoria dos regimes e preparação, o Governo tem um notável melhoramento e aperfeiçoamento”, afirmou ontem o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, numa conferência de balanço. Essas melhorias foram sinalizadas – sustentou – desde logo em termos do alerta prévio, mas também ao nível das operações de emergência de protecção civil, da coordenação entre serviços ou das medidas de contingência, passando pela consciência e capacidade de resposta em tempestades, até à eficiência da divulgação de informações.

Além da “grande atenção dada à situação e com uma permanência longa do Chefe do Executivo no Centro de Protecção Civil, [o balanço positivo] resulta do grande contributo dos diversos serviços”, bem como de uma série de factores, segundo Wong Sio Chak.

À cabeça surge “o grande aumento da consciência de protecção civil” por parte da sociedade que se preparou com antecedência, tomou medidas preventivas e colaborou com as autoridades.

“No momento da chegada do tufão, a maioria dos cidadãos obedeceu às ordens de evacuação”, “o que evitou casos de morte, originou um número mínimo de feridos [40, a maioria ligeiros] e minimizou as perdas de bens”, realçou. Durante a passagem do Mangkhut foram retiradas 5.650 pessoas das zonas baixas devido ao risco das inundações, das quais 1.343 recorreram aos 16 centros de abrigo, detalhou o comandante-geral dos Serviços de Polícia Unitários (SPU), Ma Io Kun.

Importantes foram também as medidas tomadas com antecedência, como a disponibilização de lugares de estacionamento – tanto em parques do Governo como nos casinos –, bem como o inédito encerramento dos espaços de jogo, que ficaram fechados entre as 23h de sábado e as 8h de segunda-feira.

Em paralelo, o Governo destacou também o facto de ter decidido antecipadamente o encerramento temporário das fronteiras, bem como a suspensão das aulas e o encerramento dos serviços públicos (à excepção dos integrados na estrutura da Protecção Civil e dos de representação no exterior) e, por conseguinte, a dispensa dos funcionários públicos durante o dia de ontem. A divulgação oportuna de grande quantidade de informação foi outro dos pontos elencados, com o Governo a salientar que “a maioria dos cidadãos rejeitou, de forma consciente e racional, todos os tipos de rumores falsos”.

Margem para melhorar

Não obstante, “notámos, sem dúvida, que ainda há espaço para melhoramento no trabalho de resposta”, reconheceu Wong Sio Chak. É o caso da evacuação em cenário de crise. Apesar de a maioria ter obedecido às ordens de evacuação, Wong Sio Chak deu conta de um caso de resistência que acabou por ser resolvido, com o residente a aceder finalmente a sair de casa. “Isso não prova apenas perigos à segurança da sua própria vida e do pessoal das forças de segurança”, mas provoca também “a demora de outros trabalhos de socorro”, sublinhou, não descartando a possibilidade de, no futuro, tornar a evacuação obrigatória: “Nós queremos que saiam [de casa] por vontade própria”, mas “estamos a analisar”.

Também em cima da mesa figura a possibilidade de ser introduzida uma norma que obrigue ao encerramento dos casinos quando for içado o sinal 8, algo que nem se encontra previsto, por exemplo, nos contratos com as operadoras de jogo. “Será que, no futuro, o encerramento vai ser regular? Por enquanto, ainda não posso dizer”, afirmou, recordando, porém, que a a futura Lei de Bases da Protecção Civil, cuja consulta pública terminou em Agosto, prevê que o Chefe do Executivo pode decretar como “medida excepcional” o encerramento dos casinos, embora o documento não defina os critérios para o efeito.

Outro aspecto que carece de melhorias prende-se com os falsos rumores, tendo, aliás, o secretário para a Segurança adiantado estar a ser investigada a origem de informações falsas divulgadas durante o Mangkhut. “O trabalho de esclarecimento pode ser feito ainda de uma forma mais eficaz”, observou. Reforçada precisa também de ser a sensibilização, como ficou patente com o caso de turistas que foram para áreas perigosas, violando as disposições legais e as ordens da polícia (ver caixa), apontou Wong Sio Chak.

Esta avaliação “é apenas uma versão simples e preliminar, não necessariamente abrangente e precisa”, realçou o secretário, indicando que hoje os membros da estrutura da Protecção Civil vão reunir-se para um balanço das operações, sendo que a tutela da Segurança irá fazer uma avaliação específica.

Mangkhut versus Hato

As comparações entre o Mangkhut Hato foram inevitáveis, nomeadamente no plano da resposta do Governo. Questionado sobre se os danos do Hato, incluindo a ocorrência de mortes, poderiam ter sido evitados caso a atitude tivesse sido a mesma deste ano, Wong Sio Chak afirmou: “Estes resultados em resposta ao tufão Mangkhut já conseguem responder à sua pergunta”.

Segundo o director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG), Raymond Tam, o Mangkhut bateu diferentes recordes, como o número de horas em que esteve hasteado o sinal 10: foram nove, o que não sucedia desde 1968. Em comparação com o Hato foi mais forte em determinados aspectos, como ao nível dos ventos máximos sustentados que atingiram 173 km/h contra os 165 km/h do Hato. Já as rajadas máximas foram menores (188 km/h contra 217 km/h do Hato) e as inundações ligeiramente menos graves, com a maré a alcançar 5,5 metros contra 5,58 metros durante o Hato, com a água atingir a marca de 1,9 metros acima do pavimento na zona do Porto Interior.

Energia e água quase repostos na totalidade

Durante a passagem do Mangkhut também houve cortes no fornecimento de energia eléctrica e de água. Até ontem à tarde, entre 1.000 a 2.000 residentes continuavam sem electricidade, segundo estimativas da CEM, depois de, no domingo, aproximadamente 20 mil clientes da eléctrica terem sido afectados pela suspensão do fornecimento nas zonas baixas da cidade. Também houve residentes afectados por cortes no abastecimento de água. Segundo a directora dos Serviços Marítimos e da Água (DSAMA), durante o tufão, 21 prédios ficaram sem água por causa de problemas do sistema interno de abastecimento ou por falhas nas instalações de energia, a qual foi reposta em 15 dos edifícios. Previa-se o restabelecimento do abastecimento “em breve” em três dos seis prédios que, até ontem à tarde, ainda não tinham água, indicou Susana Wong. Para ajudar os residentes afectados, a Sociedade de Abastecimento de Água instalou três postos temporários junto aos edifícios  Cheng Chong, Yuet Tak e Ou Va.

Multa para cinco turistas que entraram na ponte

Foram sujeitos a sanção administrativa, ou seja, a multa os cinco turistas que, no domingo, passaram o cordão policial e atravessaram até ao cimo da Ponte Nobre de Carvalho antes de serem travados e conduzidos à esquadra. Segundo Leong Man Cheong, Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (PSP), os turistas relataram que não tinham transporte, dado que estava içado o sinal máximo de tempestade tropical, pelo que decidiram fazer a travessia para regressar ao hotel localizado nas ilhas. Leong Man Cheong não esclareceu qual foi a multa aplicada nem a proveniência dos turistas. Informações divulgadas anteriormente pelo Centro de Operações da Protecção Civil (COPC) indicavam que outras duas pessoas tentaram repetir a mesma façanha com o objectivo de “filmar as ondas”, mas em vão.

Quase meia centena de infracções cometidas pelos taxistas

Entre as 18h de sábado e as 16h de domingo, o Corpo de Polícia de Segurança Pública (PSP) detectou 48 infracções cometidas por taxistas, a maioria das quais (31) relativas a cobrança excessiva. Já 11 casos diziam respeito a recusa de transporte, dois a exploração ilícita do serviço de transporte e as restantes quatro a outras irregularidades.

Tufão em números

  • 40 feridos (28 homens e 12 mulheres), a maioria dos quais ligeiros, dos quais cinco continuam hospitalizados para observação e tratamento
  • 455 toneladas de lixo recolhidas até às 12h de ontem
  • 2,8 toneladas de alimentos, como carne, de 12 estabelecimentos que têm de ser destruídos por estarem estragados
  • 3.700 árvores afectadas
  • 573 incidentes (das 21h de sábado até às 18h de ontem)
18 Set 2018