Sonny Lo | Macau e HK sofrem pelo “clima de insegurança” no seio do regime chinês

Sonny Lo defende que a crescente securitização vivida em Macau e Hong Kong é fruto de medidas mais rígidas adoptadas por Pequim devido a um clima de “insegurança” vivido no seio do regime chinês desde 2012. Na altura, ocorreram ataques terroristas no país e Xi Jinping sofreu algumas ameaças

[dropcap]C[/dropcap]onvidado pela Associação de Ciência Política de Hong Kong para a conferência anual, Sonny Lo, professor universitário e analista político, falou no passado sábado sobre o panorama de crescente securitização vivido nas duas regiões administrativas especiais da China.

Ao HM, o professor universitário argumentou que Macau e Hong Kong “estão a caminhar no sentido [da existência] de ‘Um País, vários sistemas’”, uma vez que “o desenvolvimento do conceito ‘Um País’ tem vindo a influenciar uma mudança no conceito ‘Dois sistemas’”.

Isto porque “a securitização do sistema político chinês desde o presidente Xi Jinping tornou-se visível quando este foi eleito secretário-geral do Partido Comunista Chinês em 2012, o que trouxe uma transformação profunda na forma como Hong Kong e Macau têm sido governadas”, referiu na sua apresentação.

O académico acredita, portanto, que a própria China está a reforçar as medidas de controlo, com consequências notórias para os dois territórios.

“A securitização da República Popular da China (RPC) afectou e afecta o desenvolvimento político de Hong Kong e Macau”, apontou Sonny Lo, que referiu ainda que “as pequenas políticas de Hong Kong e Macau mantém-se vulneráveis tendo em conta a dimensão da RPC e a sua influência geopolítica. Em particular nas regiões periféricas, incluindo Hong Kong e Macau, pois são vistas pela RPC como mais vulneráveis à influência política do ocidente e uma possível infiltração”.

Para Sonny Lo, “da perspectiva de Pequim, as mudanças democráticas em Hong Kong e Macau não podem ter influências de países do ocidente nem permitir uma ponte para mudanças democráticas na China”, apontou ao HM.

Além das novas leis que Wong Sio Chak, secretário para a Segurança, pretende implementar, como a lei da cibersegurança ou o regime de intersecção de comunicações, têm ocorrido vários casos de personalidades de Hong Kong, do meio político e cultural, barrados na fronteira de entrada da RAEM. Situações justificadas pelas autoridades, como medidas preventivas contra indivíduos que podem pôr em causa a ordem pública e a segurança de Macau.

Wong Sio Chak e as autoridades policiais nunca admitiram a existência de uma lista negra de pessoas que não são bem-vindas em Macau.

Um dos casos mais polémicos aconteceu na última edição do festival literário Rota das Letras, quando os escritores Jung Chang, James Church e Suki Kim viram o seu convite de participação ser retirado depois da direcção do festival ter sido informada, “oficiosamente”, de que a sua vinda “não era considerada oportuna” e que, por conseguinte, “não estava garantida a sua entrada no território”. Desconhecia-se, no entanto, a fonte da informação, depois de os secretários para os Assuntos Sociais e Cultura e da Segurança, Alexis Tam e Wong Sio Chak, garantirem não ter conhecimento sobre o caso. Ricardo Pinto, da direcção do festival, confirmou que a referida indicação não veio do Governo de Macau, mas antes “do Gabinete de Ligação”.

Contudo, em declarações reproduzidas pela TDM no mesmo dia, feitas a partir de Pequim, o ex-director do Gabinete de Ligação, Zheng Xiaosong, entretanto falecido, afirmou desconhecer o caso dos festival Rota das Letras.

Além das leis que Wong Sio Chak pretende implementar, Sonny Lo recordou também o caso do deputado Sulu Sou, que foi suspenso pela Assembleia Legislativa para responder em tribunal pelo crime de desobediência qualificada. O processo nasceu de um protesto contra o donativo de 100 milhões de yuan à Universidade de Jinan, por parte do Governo de Macau.

A aceitação do artigo 23

No caso de Hong Kong, Sonny Lo dá como exemplos o regresso do debate sobre a legislação do artigo 23 da Lei Básica de Hong Kong, medida que a sociedade da região vizinha está hoje mais disposta a aceitar, considera o académico.

“Depois do movimento Occupy Central, em 2014, mais cidadãos pró-Pequim acreditaram que o artigo 23 deveria ser legislado o mais breve possível, sobretudo do ponto de vista da emergente minoria ligada ao chamado movimento ‘Hong Kong como nação’ ou movimento pró-independência. Isto é muito claro nas discussões das forças pró-Pequim e pró-Governo”, disse ao HM.

De frisar que, em 2003, o território vizinho foi palco de grandes protestos contra a legislação deste artigo da Lei Básica. No caso de Macau, o artigo foi legislado em 2009, com a implementação da lei relativa à defesa da segurança do Estado.

Mesmo sem a ocorrência de crimes em Macau que atentem contra a segurança do Estado chinês, o secretário Wong Sio Chak pretende criar a Comissão de Defesa da Segurança do Estado. O objectivo é “organizar e coordenar os trabalhos da RAEM relativos à defesa da soberania, da segurança e dos interesses do desenvolvimento do Estado” e “estudar a implementação da respectiva programação e das orientações e solicitações do Chefe do Executivo”.

A criação da lei do hino nacional, em Novembro do ano passado, e a suspensão do Partido Nacional de Hong Kong, do líder pró-independência Andy Chan, são dois outros exemplos apontados por Sonny Lo. Não ficou esquecido o recente caso protagonizado pelo jornalista Victor Mallet, ex-correspondente do Financial Times em Hong Kong, a quem foi recusada a renovação do visto de trabalho depois de ter organizado uma palestra com Andy Chan no Clube de Correspondentes Estrangeiros de Hong Kong.

Diferentes na forma, mas semelhantes na génese, estas medidas acabam por ser acolhidas pelas sociedades dos dois territórios de maneira diferente. “A existência de uma sociedade civil mais fraca em Macau mantém-se diferente da sociedade civil assertiva de Hong Kong”, apontou Sonny Lo na sua apresentação. “Se a securitização pertence ao trabalho do secretário para a Segurança e outros departamentos relacionados, sim, podemos afirmar que a sociedade de Macau está mais preparada para receber todas estas medidas securitárias do que Hong Kong”, frisou ao HM.

O ano da mudança

Sonny Lo regressa ao ano de 2012 para explicar as mudanças na área da segurança que Macau e Hong Kong têm enfrentado. O professor universitário acredita que, com a chegada de Xi Jinping ao poder, “a definição de segurança nacional na RPC passou a ser feita abrangendo as áreas da política, economia, assuntos socioculturais, ambiente e saúde pública”.

O reforço na área da segurança do país pode “talvez ser explicado pela sensação de insegurança do regime no poder”, uma vez que “Xi Jinping desapareceu durante várias semanas antes de tomar posse em Novembro de 2012, tendo sido ferido”.

Depois da chegada ao poder, “houve rumores de uma tentativa de assassinato e, nesse sentido, a segurança do regime na RPC tornou-se uma questão de maior importância”, defendeu Sonny Lo na apresentação.
A situação na região autónoma de Xinjiang, onde a população é maioritariamente muçulmana, também levou ao reforço da postura de alerta por parte das autoridades.

“Uma série de ataques terroristas na RPC aconteceram entre 2012 e 2016, com o clímax a registar-se em Junho de 2013, quando um total de 35 pessoas foram mortas em Xinjiang. A presença de terroristas no país levou ao aumento das preocupações sobre o regime.”

Foi também por volta de 2012 que o activista de Hong Kong Joshua Wong levou a cabo a campanha anti-educação nacional nas escolas, seguindo-se. Dois anos depois, o movimento Occupy Central, que exigia a eleição por sufrágio directo e universal do Chefe do Executivo, tomou as ruas de Hong Kong. Além disso, “a saga do juramento [dos deputados do campo pró-democrata], em Outubro de 2016, sensibilizou os líderes da RPC para lidar com os assuntos de Hong Kong”, concluiu Sonny Lo.

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