Fotojornalista Mário Cruz expõe nos Açores escravatura de crianças no Senegal

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] fotojornalista Mário Cruz expõe a partir de sábado no Centro de Artes Contemporâneas Arquipélago, em Ponta Delgada, um conjunto de fotos onde denuncia a exploração das crianças “talibés”, escravas de “falsos professores” corânicos no Senegal.

O vencedor do prémio World Press Photo 2016 – Assuntos Contemporâneos, Picture Of The Year International 2016 – Assuntos Contemporâneos, Estação Imagem 2016 e Magnum Photography Awards 2016, justamente com o tema “Talibes Modern Day Slaves”, explicou à Lusa que esta situação afeta mais de 50 mil crianças, que “deveriam ser estudantes”, mas são, “na verdade, escravas de falsos professores corânicos”.

No Senegal, existem centenas de escolas corânicas (daaras) onde se encontram aprisionados rapazes, dos 5 aos 15 anos, que são obrigados a mendigar nas ruas oito horas por dia para manter o seu marabout (professor).

Esta realidade extensiva aos países limítrofes do Senegal, como a Guiné Bissau, faz com que “muitas das crianças que hoje se encontram a mendigar nas ruas daquele país sejam da Guiné e do Mali”, estando a situação, segundo o fotojornalista da agência Lusa, “fora do controlo, apesar dos progressos dos últimos anos, que caem por terra com o passar do tempo e falta de atenção”.

“Esta exposição é feita para relembrar que o problema permanece e que estas fotografias são a prova disso mesmo, que os abusos acontecem e a prova de que a escravatura contemporânea existe no Senegal. Não podemos ficar indiferentes”, afirmou Mário Cruz.

Para este profissional da Lusa, o jornalista “tem o dever de denunciar estas situações, saindo à rua”, a par da disponibilidade de tempo, algo que “falta hoje nas redações, um pouco por todo o lado”.

De acordo com este profissional de comunicação, vivem-se dias em que “não se pensa muito sobre o que se escreve e fotografa devido à dimensão do fluxo noticioso, sendo tudo de última hora, urgente”, em detrimento dos trabalhos de fundo.

Mário Cruz está convicto de que este tipo de opção editorial “dá frutos” e exemplifica que o New York Times está a “voltar a apostar neste tipo de conteúdos e a duplicar os salários dos fotógrafos e jornalistas que escrevem reportagem, porque percebeu que os media não podem ficar reféns da notícia rápida, da estatística, dos números, do que se diz ao microfone”.

“O jornalista tem que dar muito mais porque tem essa responsabilidade, é um dever. Sem dúvida que isso tem que acontecer”, referiu.

Nascido em 1987, em Lisboa, Mário Cruz estudou fotojornalismo no Cenjor – Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas, começou a fotografar para a Lusa em 2006 e já recebeu vários prémios.

O seu trabalho tem sido publicado nos títulos Newsweek, LENS – New York Times Blog,International New York Times, CNN, Washington Post, El Pais, CTXT.es e Neue Zürcher Zeitung.

22 Fev 2018

Francisco António Ricarte,  arquitecto e fotógrafo: “Fotografo o que sinto sobre o que vejo”

São 60 imagens em livro, 22 das quais estão expostas na Creative Macau até ao próximo dia 17 de Março. “Somewhere” é o nome da exposição de fotografia que traduz o sentimento de Francisco António Ricarte. Arquitecto de profissão, Ricarte vê na fotografia a sua forma de expressão

 

O que é que vemos em “Somewhere”?

Começa por ser o resultado de uma série de anos em que me fui dedicando a uma paixão que tenho desde a juventude, que é a fotografia. Sempre foi uma área que me fascinou e à qual fui, paulatinamente dando uma série de visões. Não num espírito de fotografia de retrato, mas sim de imagem que traduza algo mais do que aquilo que é uma visão imediata. A minha preocupação é ter a fotografia como uma oportunidade de expressar algum sentimento, alguma visão das coisas que me rodeiam, que me cativam, que me motivam mais. A fotografia é o corolário dessa oportunidade. A de mostrar qualquer coisa que vejo dentro de mim. Não procuro um retrato muito fiel de uma realidade, mas encontrar uma tradução de uma visão sobre determinados aspectos que me sensibilizam. No fundo, o que tenho nas imagens de “Somewhere” é a oportunidade de expressar essa visão, essa percepção.

Fala na apresentação do livro, de mostrar o que está dentro.

Tal como Caspar David Fredrich nos fala em relação à pintura, o mesmo pode ser dito com a fotografia: “Não fotografamos o que está diante de nós, mas o que está dentro de nós”. Fotografo o que sinto sobre o que vejo.

Que sentimentos encontramos?

São emoção sobre uma alma interior dos sítios. Por defeito de profissão sou bastante sensível aos locais, ao que nos podem conferir e da forma como nos identificamos com eles. A minha preocupação foi essa, o que senti nesses locais, através da vibração dos lugares, das cores, da ambiência e do silêncio. Muitas destas imagens traduzem o silêncio que nos transporta para alguma coisa mais do que aquilo que lá está.

Francisco Ricarte

Porquê o nome?

“Somewhere” porque é uma exposição que não é sobre uma determinada realidade. Tem algumas imagens de Macau mas não é acerca da região nem sobre a Ásia em especifico. Não foi minha preocupação dizer que as imagens eram de determinado local. São emoções. Encontro no fotografia uma possibilidade de me expressar.

É arquitecto. Há alguma influência desta área nas suas imagens?

Nestas imagens procurei, de forma deliberada, fugir um pouco àquela grande temática da arquitectura que se refere a uma realidade física construída, com linhas verticais, horizontais, oblíquas, etc. Tentei sair dos sistemas de composição que são bastante caros aos arquitectos e para os quais também sou sensível. Mas nesta série fujo a essa temática de modo a fazer quase um desafio a mim próprio e procurar uma outra realidade. Trago esta realidade através de dois processos. Um primeiro que é o acto de fotografar, ou seja o acto de seleccionar determinada visão em detrimento de outras, e o segundo aspecto tem que ver com a própria revelação dessas imagens, ou seja trazer à luz uma realidade bruta. A ideia não é alterar a realidade em si mas antes melhorar a realidade que me despertou a atenção, da mesma forma como há muitos anos fazia fotografia analógica, a  preto e branco. Mais não é do que mais uma vez, traduzir uma visão pessoal. Nestas imagens o sistema de composição é muito importante o formato quadrado é exemplo disso. Todas as imagens são coloridas e por razões estéticas cheguei à conclusão que muitas vezes quando olhava para uma imagem vertical ou horizontal via áreas acessórias, não determinantes em relação àquilo que queria mostrar. De uma forma natural cheguei ao formato quadrado.

É o resultado de dez anos de imagens. Como é que foi o processo de selecção?

Teve dois processos. São dez anos de atenção perante determinadas realidades paisagísticas em oposição à matéria edificada. Mas por outro lado, sem ter uma consciência muito plena quando comecei a fotografar, fui captando várias coisas e quando comecei, há cerca de dois três anos, a pegar na edição das imagens a selecção foi acontecendo de uma forma natural. A série expressa-se num livro com 60 fotografias e destas 60 estão 22 expostas na Creative Macau como uma espécie de síntese. As imagens expostas são fotografias de grande dimensão. Acho que a dimensão é também uma parte importante da percepção que quero transmitir. Claro que muitas vezes sou confrontado com os limites técnicos na medida em que há imagens que não resultam em formato tão grande. Mas as coisas de forma natural chegaram à selecção final. A selecção é um exercício de depuração. A Clarice Lispector tem uma frase que me pareceu apropriada para este processo e que aproveitei para o texto de apresentação: “É realmente complicado fazer coisas simples”. Muitas vezes quando vemos grande complexidade nomeadamente nas artes plásticas, o exercício de depuração é muito difícil e é quase uma nova descoberta da imagem.

Falou do silêncio. Tem aqui alguma imagens feitas em Macau. Conseguiu encontrar o silêncio no território?

Sim, ainda consegui. O silêncio é conferido através da luz. Podia até estar um ambiente ruidoso mas quando vi o que vi, a situação isolou-se, autonomizou-se e conferiu a aquele momento de silêncio. Este silêncio está subjacente a todas as fotos. Quando determinado momento me aparece, é como se tudo à volta se calasse e só aquele momento me falasse.

A vinda para Macau mudou a sua percepção do mundo?

Sim, completamente. A vinda para Macau correspondeu a um desafio profissional, mas esse desafio teve um corolário de uma nova visão do mundo, daquilo que nos rodeia. Aqui tudo é muito diferente e, de uma forma geral, ou gostamos ou odiamos. No meu caso, senti-me imediatamente bem. Consegui adquirir essa capacidade de olhar e de ir apreendendo esta realidade física, cromática, de sons e de cheiros. Tudo isso que nos vai marcando e que muitas vezes nos obrigada a ter o tempo acelerado. O tempo acelerado é muitas vezes este fascínio que nós ocidentais temos perante a apreensão de uma realidade quotidiana com que nos vimos confrontados e é com ela que estamos sempre a aprender e a olhar de outras formas. Isso é fascinante. Macau contribuiu muito para olhar de outra maneira. Foi uma oportunidade fantástica que agarrei e que me ajudou sob o ponto de vista da percepção e dos sentimentos. Mas não só me ajudou a ter uma visão do que era novo como também a olhar com outros olhos para aquilo que nos é já velho no sentido do que já estamos habituados, quer seja sob o ponto de vista da realidade portuguesa, quer seja sob o ponto de vista de uma realidade física ocidental europeia. As formas de lidar com estas realidades são diferentes. Foi precisamente essa nova visão que me ajudou a construir muito esta percepção que agora tenho e que penso que não seria possível sem a vinda para Macau e sem a experiência do Oriente. Não seria possível porque, apesar de não serem imagens especificamente do Oriente, traduzem a dupla visão do que é novo e velho no nosso mundo, do que é já sedimentado mas que, com o novo se reinventa também.

Francisco Ricarte

É um amante de arte em geral. 

Preocupações estéticas sempre tive, sob o ponto de vista das manifestações artísticas e culturais. É uma coisa que me tem sempre motivado ao longo dos anos e, felizmente, o Oriente tem-me ajudado a profundar esta vertente e este gosto. Tenho interesse e não sou capaz de deixar de ir a uma exposição ou um espectáculo. É uma questão que me motiva sempre. Por paixão e tendo um pouco mais de capacidade económica posso por vezes adquirir algumas peças, nomeadamente de fotografia. Mas diria que a minha principal aquisição e que nunca deixo, são os livros. Ando sempre com eles. são uma coisa da qual não me consigo desapegar.

Quais os seus escritores favoritos?

Há tantos. Não quero ser injusto para com nenhum mas o Sebald é um deles. Há vários livros dele imprescindíveis: “Austerlitz”, “The Rings of Saturn”, “Campo Santo” (poesia), etc.).​ Foi um escritor que me deu a volta à cabeça precisamente por ter uma realidade muito gráfica. Muitos dos livros que ele tem são obras em que a história é acompanhada de pequenas imagens. É um escritor que tem uma narrativa como as cerejas. Já escritores de língua portuguesa, gosto muito do Agualusa. Mas há tantos. Gosto também muito de poesia. Por outro lado, também não posso passar sem música. Acho que ainda faço parte de uma das últimas gerações que compram CDs, pelo objecto e pela qualidade sonora. O MP3 não me convence. Comprar um livro ou ver um concerto são actos criativos para mim. Não me coloco na posição de mero espectador mas tento colocar-me numa posição que me dá uma determinada viagem. A fotografia é onde tenho a capacidade de pegar num instrumento, numa matéria bruta e fazer alguma coisa.

22 Fev 2018

Fotografia | Gonçalo Lobo Pinheiro participa em exposição nos EUA

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]uas fotografias do fotojornalista português radicado em Macau Gonçalo Lobo Pinheiro foram escolhidas para integrarem uma exposição colectiva na Black Box Gallery, em Portland, Estados Unidos, de 01 a 20 de Março.

Sob o tema “Portrait: Image and Identity” [Retrato: Imagem e Identidade], a exposição teve como curadora a fotógrafa Amy Arbus.

A Black Box Gallery dedica-se à exposição e promoção de fotografia contemporânea, apoiando a produção criativa, a exposição e a apreciação crítica da fotografia contemporânea.

O fotojornalista foi recentemente distinguido com uma menção honrosa na categoria “Editorial: Photo Essay/Story” no IPOTY – International Photographer of the year 2017, por algumas fotos sobre a passagem do tufão Hato por Macau.

Nascido em Lisboa, em 1979, Gonçalo Lobo Pinheiro colaborou com vários órgãos de comunicação social e é actualmente coordenador fotográfico da Revista Macau, do Gabinete de Comunicação Social.

21 Fev 2018

João Miguel Barros, fotógrafo, sobre a sua exposição no Museu Berardo: “Para ser vista como quem lê um livro”

É inaugurada hoje, no Museu Berardo em Lisboa, a exposição de João Miguel Barros “Photo Metragens”. São 14 histórias traduzidas em imagens, palavras e vídeo dentro de um projecto que não se fica por aqui

[dropcap]O[/dropcap] que é que podemos ver em “Photo-Metragens”?
“Photo-Metragens” é uma exposição que é para ser vista como quem lê um livro de shortstories. É uma síntese adequada, penso eu, do que é este projecto que inclui imagem, palavras e vídeo. Trata-se, portanto, de uma exposição que inclui 127 imagens, a maioria em grandes formatos, em A0 e até maiores. A exposição está organizada a partir de 14 capítulos, com um número diversificado de imagens. Uma das particularidades é que cada capítulo inclui um texto ficcionado, de que é parte integrante. Finalmente, um desses capítulos tem também um vídeo de quase uma hora. Esta é a edição de 2018. Quer isto dizer que este projecto está pensado para ter continuidade no futuro. Tenho o propósito de fazer edições da “Photo-Metragens” a cada dois anos, com o mesmo formato e obviamente com estórias diferentes. Sempre com imagem e textos ficcionados, e provavelmente com uma componente maior de vídeo. Algumas das imagens, correspondendo sensivelmente a um/quarto do que será exposto no Museu Berardo, foram já mostradas na exposição que fiz em Fevereiro do ano passado na Creative Macau. Tudo o resto é material novo. Mas mesmo as fotografias que já foram exibidas, foram, entretanto repensadas, e muito apuradas. As imagens que vão ser mostradas em Lisboa são as versões finais e últimas do projecto e não serão repetidas.

Como é que surgiu a ideia de contar estas estórias?
Surgiu como resposta à ideia politicamente correcta de que as exposições têm de ter uma narrativa. Não é algo com que concorde em absoluto, mas resolvi não contrariar o “destino”… Eu ainda não tenho nenhum projecto temático devidamente estruturado e com dimensão que possa ser mostrado autonomamente. E o honroso convite do Museu Berardo colocou-me um desafio interior, que tive de resolver e que, confesso, demorou algum tempo a estruturar. No fundo, tudo se resumia a dar uma certa unidade conceptual a um projecto artístico assente na imagem, a que eu depois juntei a escrita, e que tivesse alguma “lógica”. O espaço do Museu, bastante generoso aliás, que foi destinado a esta exposição, acabou por ser inspirador do resultado final. E foi a partir daí que cheguei ao resultado da “exposição que se vê como quem lê um livro de short-stories”. Um livro de contos é um conjunto de estórias, com autonomia entre si e que versam temas por vezes muito diferentes. “Photo-Metragens” é um pouco isso. Cada capítulo inclui uma história independente. E penso que é essa diversidade que lhe dá a riqueza do conteúdo. Deixe-me ainda acrescentar o seguinte. Cada capítulo da exposição contém uma estória que pode ter potencial para ser desenvolvido autonomamente. E, depois, seguir um caminho independente. E, provavelmente, isso irá acontecer num futuro próximo em relação a uma dessas short-stories, que tem potencial para se transformar numa long-story. Vamos ver.

Como pensou a exposição e a relação concreta com o espaço?
Esta exposição foi pensada não só em função do espaço, como não podia deixar de ser, mas também na sua forma de representação. Quem a visitar não irá encontrar apenas imagens presas à parede. Por exemplo, o primeiro capítulo chama-se “Sentido Único” e é, em rigor, uma grande instalação de trinta imagens em formato A2, que estão colocadas no interior de uma moldura de mais de 4 metros de largura por quase três de altura, sendo que as ampliações estão presas em cabos de alumínio esticados de alto a baixo dessa moldura. A solução de imagens suspensas em cabos metálicos finos foi adoptada em mais dois capítulos da exposição. Por outro lado, houve um cuidado especial com a iluminação, que exigiu um estudo detalhado e soluções novas devido às qualidades do papel que utilizo, que é um papel profissional metalizado, mas que reflecte muito a luz. Este papel projecta as imagens de forma diferente do que é normal, mas cria dificuldades acrescidas em relação ao tipo de iluminação a adoptar.

Que tipo de histórias nos conta?
Encontram-se no conjunto temáticas muito diferenciadas, desde a paisagem ao boxe, ao trabalho nocturno e à sombra dos holofotes, às árvores (que é um tema que me fascina), e ao movimento corporal.

Pode dar um exemplo concreto?
O capítulo primeiro, “Sentido Único”, que referi, é composto por 30 imagens que são detalhes de um enorme viaduto em Xangai, que tem vários níveis de circulação. Quando se olha para o conjunto a sensação que se tem é a de se estar perante um puzzle confuso de detalhes. Ou seja, a percepção que transmite é justamente a oposta daquela que o título induz. Mas, na verdade, não há na vida sentidos únicos e há sempre a possibilidade de seguir por caminhos diferentes. Outro dos capítulos deu o título à exposição de Macau. Chama-se “Entre o Olhar e a Alucinação” e é composta por um tríptico com uma imagem quase lunar e, depois, a misteriosa silhueta de um cão a olhar para outro. Mas o capítulo que provavelmente poderá chamar mais atenção é o que retrata alguns momentos de um intenso combate de boxe a que assisti em Macau. São imagens fortes. Esse capítulo chama-se simplesmente Homenagem, mas, na verdade, era para se chamar “Homenagem a um Perdedor”, porque se centra num lutador negro do Gana, que perdeu o combate.

“Um olhar que possa registar todos os pormenores até à complexidade das coisas, que através de uma minuciosa observação e num exercício de natureza sensível ou intelectual permita que as imagens nos saibam devolver e suscitar afectos e memórias”. Pode comentar esta afirmação?
Todos nós vivemos uma vida intensa e complexa em termos visuais, emocionais e ocupacionais. Tudo nos solicita, tudo nos ocupa e, simultaneamente, tudo nos distrai. Quando se faz fotografia o nosso olhar é ajustado e muda por vezes radicalmente a forma de vermos o que nos rodeia. Olhamos em volta e muitas vezes o que ressalta é o ângulo que poderia dar um bom registo, o detalhe que serviria para fazer uma excelente fotografia e por aí adiante. Algumas das imagens da Photo-Metragens são de uma enorme simplicidade. Por vezes são registos de uma certa banalidade. E apenas isso. Mas podem ser, também, uma surpresa porque as nossas permanentes solicitações muitas vezes não nos deixam tempo para esse registar das coisas pequenas que, por vezes, são maiores do que podemos supor.

A exposição é com imagens a preto e branco. Por quê? 
Eu fiz uma opção, que posso dizer incondicional, pela fotografia a preto e branco. Estou convicto de que dificilmente irei alterar este caminho. E ao longo dos anos, depois de muitas exposições já visitadas, de idas regulares às feiras de fotografia, o meu olhar tem vindo a ser treinado, cada vez mais, tornando óbvia a opção pela fotografia a preto e branco. Não tenho nada contra a cor, como é óbvio. Há fotografias e trabalhos a cor fabulosos e que, provavelmente, sem essa opção da cor perderiam alguma coisa. Muitas delas têm justamente como objectivo o contraste que as cores permitem e o efeito emocional que podem transmitir. Mas esse não é o lado que me interessa. O meu problema com a cor na fotografia é que nos pode distrair tremendamente do objecto e da essência do objecto registado. É um outro registo, e que acaba por se sobrepor a tudo.

Faça a experiência. Entre num espaço com trabalhos expostos e olhe de forma genérica e abstracta. O que capta em primeiro lugar são as diferenças cromáticas do que tiver à frente, e não as formas retratadas. É, antes, a intensidade dos vermelhos, ou dos azuis, e de outras cores, o modo como essas cores se espalham e ocupam o espaço impresso. Só depois, num segundo momento, e quando se conseguir abstrair ou recompor desse choque cromático, é que consegue entrar na essência da imagem. Isto se a essência não for, obviamente, o tal choque cromático porque, nesse caso, fica por aí!

A minha opção pelo preto e branco é claramente uma opção pela substância e pela prevalência do conteúdo que normalmente só a fotografia a preto e branco permite.

Onde recolheu as imagens?
Foram escolhidas um pouco em vários sítios. Mas a maioria é da Ásia e de Portugal.

O que diria da mediatização/banalização da fotografia na actualidade?
A sua pergunta seria um bom pretexto para uma outra conversa, em especial se a questão da mediatização da imagem se associasse à manipulação da imagem ou, a um outro nível, se se pensasse nos diversos veículos que as sociedades contemporâneas têm para que a fotografia se projecte nesse espaço mediatizado. E para a conversa ter utilidade teríamos de distinguir vários níveis de questões sobre essa ideia de “mediatização da fotografia”. Mas essa não é o tema de hoje. O que agora me parece de evidenciar é que os meios de comunicação formais e informais vieram dar actualidade à fotografia, dando-lhe uma importância acrescida no contexto das sociedades contemporâneas. Nos últimos tempos tenho-me interrogado é sobre um outro fenómeno que decorre dessa mediatização: o modo como se tem valorizado a fotografia como objecto de arte com valor nos mercados de arte. A fotografia é actualmente um bem artístico relevante, graças a essa mediatização. Há obras que começam a atingir valores significativos, criando um mercado de investimento importante e com um potencial de crescimento muito grande. Mas há perversões. Porque essa mediatização valoriza no mercado o bom, mas, algumas vezes, o mau e muito mau. Como também permite que facilmente se possa esquecer o bom e o muito bom.


© João Miguel Barros

#04 Homenagem

Ainda menino usava panos enrolados nas mãos para bater em sacas cheias de farinha. Enrijava os músculos, ouvira dizer. Queria crescer com o corpo cheio, acima de tudo para chamar a atenção das miúdas mais engraçadas do bairro. Eram essas as suas rotinas de tempos livres, demasiado livres.

Mais velho, começou a usar o corpo em combates a sério. Alimentava-se da ânsia de esmagar o adversário, mostrar o seu lado feroz e implacável, mas já não o de alimentar o sonho de namorar com a mais bonita do bairro. Apenas bater. Para ganhar.

Ao mesmo tempo ia engrossando o corpo, sem tempo para reforçar a fluidez da mente. Sim, sabia bater. Era conhecido por bater forte, de forma implacável, até inteligente. Ganhava. Outras vezes perdia. Mas, a mais das vezes, ganhava.

Com o tempo, e sem tempo, passou a viver enclausurado nas cordas do ringue. Batendo. Levando. Chorando. Rangendo os dentes protegidos. E ocasionalmente sorrindo de raiva. Sim, sorrindo.

No seu último combate perdeu os sonhos da sua vida. Mas saiu inteiro, pelo seu pé, continuando a sorrir.

21 Fev 2018

Eva Mok, fotógrafa | Lente para a realidade

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]va Mok é a fotógrafa de Macau que se dedica essencialmente à captura de imagens de rua e de arquitectura. Com 35 anos, foi há apenas cinco que resolveu mudar de vida. Deixou a cadeira de escritório onde trabalhava na como administrativa com a empresa responsável pelo espectáculo “The House of Dancing Water”, e dedicou-se à fotografia, actividade que na altura ainda era completamente nova, e em que a câmara não passava do vulgar telemóvel.

Uma das escolhas de Eva Mok é a fotografia de rua à qual prefere chamar de humanista. Para a fotógrafa, trata-se de alargar o conceito e estende-lo ao que mais gosta de fazer. “Capturar imagens capazes de reflectir culturas e hábitos do quotidiano de um lugar em particular é uma experiência muito enriquecedora e é o que mais gosto de fazer”, diz ao HM. Por outro lado, a fotografia é um bom instrumento capaz de reflectir a cultura de uma comunidade”, considera.

Macau está incluído. “Apesar de ser a terra natal e o espaço que melhor conhece, continua a ser um lugar onde se encontram imagens únicas”, diz. Pessoalmente, prefere os bairros antigos e as festividades tradicionais para registar. A razão, aponta, é reflectirem as particularidades de uma situação ou de uma história.

No entanto, quando se fala de rua de quotidiano as dificuldades num território familiar são acrescidas. “As situações são mais difíceis de identificar porque é a minha própria cultura”, aponta Eva Mok. É a falta de surpresa que está na base desta dificuldade até porque “quando se vai para o estrangeiro e se entra no desconhecido estamos mais atentos a tudo e as imagens aparecem com mais facilidade”, diz.

Cada lugar, sua particularidade

Além da fotografia, Eva Mok é apaixonada pelas viagens. Depois de deixar o emprego voo para a Europa. Passou pela Rússia, viveu em Portugal e não deixou de conhecer a França, o Reino Unida, a Itália ou a Suíça. Pela Ásia, a Tailândia está nas suas preferências e há uma razão: “É muito fácil fotografar as pessoas na Tailândia. Olham-nos com um sorriso e deixam que registemos o que fazem”, explica.

Já me Macau, se se tratarem de situação em que está implicada a venda de um produto, os comerciantes pedem para que se compre de modo a deixarem-se fotografar. Às vezes, entro numa loja e sinto que as pessoas não querem ser fotografadas e às vezes até me dizem coisas do género “se não me compra nada porque é que eu hei de deixar que fotografe”, comenta.

Na Europa as pessoas são mais reservadas, refere, pelo que, muitas vezes, escolhe dedicar-se à fotografia de arquitectura. “Também gosto muito de registar os edifícios característicos dos lugares e a Europa é muito boa para isso. Tem igrejas e monumentos incríveis que são um desafio para qualquer fotógrafo”, refere.

Um gosto recente

A fotografia apareceu quase por acaso e não há muito tempo. “Comecei com a fotografia no final de 2012″, conta. Cansada do trabalho que tinha que sentia “não trazer mais nada de novo” e depois de viajar para Portugal duas vezes em que teve oportunidade de percorrer o país foi juntando uma série de imagens tiradas com telemóvel. Os elogios por parte dos amigos fizeram com que se interessasse cada vez mais pela imagem. O resultado, uma dedicação total. “Comecei a perceber que gostava realmente de capturar imagens e tratei de ter formação na área com a frequencia de cursos”, explica.

Trabalhar em Macau como fotógrafa é sempre “uma luta” principalmente se não se trabalha no sector comercial. “Eu só faço fotografia de rua e de arquitectura e é muito difícil sobreviver com o que faço, mas se fotografasse  eventos ou casamentos seria mais fácil”, diz.

A venda de impressões é quase impossível. “Macau não tem essa cultura e se se tratam de artistas menos conhecidos qualquer valor que se peça é sempre considerado como “demasiado caro”, mas se forem trabalhos de artistas de renome ninguém se queixa dos preços, por muito altos que sejam”, lamenta. “É um grande desafio tentar vender as minhas fotografias” e a solução pode passar por ter de pensar em arranjar alternativas de modo a subsistir. “Estou a pensar em ter alguns trabalhos como free-lancer”, revela. Para já espera ainda ter oportunidade de conseguir uma exposição.

12 Jan 2018

Se assoprar posso acender de novo

Horta Seca, 20 Dezembro

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]recisamos muito de água, mas o que chove são listas. Esse auxiliar de memória, que Umberto Eco elevou à categoria de arte erudita, mas que, no pós-jornalismo onde moramos, raramente se ergue da mera enumeração, sem critério que se entenda, com valor informativo mínimo, a titubear equilíbrios toscos, quando não usado como arma de arremesso. Dizem-se os melhores (livros, podendo ser qualquer artigo) do ano, mas os meses finais agigantam-se, de súbito e em bold. Por exemplo. Para o habitual exercício de listar, o ano encolhe e os meses do Inverno, a não ser que tocados pelo sortilégio de qualquer prémio, perdem-se no nevoeiro da desmemória. Patinhamos no agora, agora mesmo. Coisas de somenos, bem sei, mas a vida em sociedade (comercial) obriga-nos a alinhar por estes compassos, a atentar no assunto. Edita-se demais, o livro vale de menos. Para surpresa minha, o Arno Schmidt ainda passarinhou nestas gaiolas, mas nem que o conjunto das nossas edições fosse incluído mudava o essencial: o rol dos «melhores» pouco mais vai sendo que forma distraída de passar pelo essencial. Nem diária atualização apanharia a corrente de ar dos tempos. Não basta nomear, há que viver com os livros, dialogar com eles, criticá-los, permitir que nos incomodem. Quem passe pelos arquivos, lugar derradeiro da memória, percebe melhor do que falo. Os jornais deixaram de ser espelho. Ainda que estejam pejados de umbigos.

Horta Seca, 21 Dezembro

Mesmo cuidadosamente envelopado, como só ele sabe, o mais recente volume da obra polimórfica do mano Tiago [Manuel], no caso atribuído à sueca Tilda Markström, tem uma mossa na capa e nos primeiros cadernos. Uma marca que logo interrompem a circulação de azul em torno da palavra-título: «Cancer» (ed. Mmmnnnrrrg). Impossível não ver nisto um sinal, uma semiótica dos acasos. A viagem marcou-o. Uma cicatriz, portanto. Com uma força extraordinária, aliás comum nos seus trabalhos, o Tiago desenvolve o álbum em sucessão de imagens que obedecem a perspectiva única: um alto pode-se tornar o ponto, o cerne que nos muda a textura do corpo e do mundo. O entorno vai ganhando texturas e padrões, os mamilos e as veias transfiguram-se na linguagem que nos rodeia, que nos cerca, que nos atrai a rede cada vez mais apertada, cenário no qual tudo diz e é sinal da morte. Sem palavras, sem nunca dizer cancro em português, língua que tem por costume evitá-la, substituí-la, coisificá-la. As linhas da cicatriz transfiguraram-se em rarefeito contorno onde acomodar as sombras que a doença ainda permite. No fecho, três textos curtos, páginas arrancadas a um diário. «Já não é possível voltar ao paraíso de onde fui expulsa pela morte». Dolorosíssimo testemunho em carne viva de um íntimo processo, viagem que a todos nos toca, tocou, tocará.

Santa Bárbara, 22 Dezembro

Raramente me lembro dos sonhos, ao contrário do [José] Anjos, que os descreve como quem encena, atirando posições, detalhes e falas. Estou quase a acreditar que não sonho. Desta vez, descobri o sentido físico do pesadelo. Um peso enorme entornava-se sobre mim, que dormia de bruços, como sempre me entrego, corpo de chumbo com asas que me cobria impedindo que voasse ou tão só me erguesse. Ou respirasse. Tive que acordar para resolver. Não voo, ainda assim.

Horta Seca, 23 Dezembro

A melhor revista de bordo do mundo, para os prémios da especialidade e para mim, fez 10 anos em Novembro e dedicou-se a São Paulo – poema concreto, cidade natal da minha querida Paula [Ribeiro], directora até aos mais mínimos detalhes. Com a UP voa-se, mesmo sem estarmos no avião. Só agora consegui subir a bordo e já chegou nova a chamar-me para Londres, logo com as fotos do Fernando [Martins]. Acontece mensalmente, mas este ergue-se em exemplar arranha-céus de conteúdo e fruição. Dezenas de talentos das mais diversas áreas revelam fragmentos daquela urbe imensa, dos ícones da moda aos ângulos urbanísticos, das obras de arte ao perfil do paulistano, traçado por Marcos Caruso. «Tudo é farto em São Paulo». O tema estende-se por um sem número de detalhes que dá gozo descobrir, que tudo tem que fazer sentido e dançar. Os separadores são cinco fotografias «sinistras» de Bob Wolfenson, retratos em cinco décadas diferentes. A moda, assinada pelo Paulo Gomes, faz sonhar. A entrevista da Rita Lee faz sentido. E ninguém faz revistas em Portugal como a Paula, renovando uma tradição onde o jornalismo incluía atenção, curiosidade e serviço com fartura. Há mais, muito mais. Desconfio que a leitura deve dar à justa para uma ininterrupta volta ao mundo. Entrevista-se até Fernando Lemos, velho embaixador do surrealismo e outras inquietações, que inaugura exposição agora no MUDE, em Lisboa. Um exemplo de alguém entre cá e lá, mestre maior do preto e branco. «Orra, meu!» Esta amplificação de um Brasil que dói de tão cosmopolita sem perder ponta de tropicalidade é excepcional. Sim, nos dois sentidos. O que a paulistana directora da UP tem cometido, mesmo fora dos milhares de páginas que fez levantar voo, e com discreto alarde, vem sendo uma intransigente e amorosa descoberta e demonstração do que Portugal possui de melhor. Ramón Gomez de la Serna via Lisboa como navio de terraços transatlânticos. Quem os tem conduzido de cá para lá e de lá para cá tem sido a Paula, que gosta bastante mais de nós que nós próprios, esse tão estranho hábito.

Horta Seca, 27 Dezembro

Tombei nele por acaso e coincidiu tornar-se banda sonora destes dias menores. Adoro Adoniran Barbosa, ângulo de uma SP que jamais conhecerei, mas que ele expandiu ao universal. Brota sabedoria dos seus versos, apelo agridoce à preguiça impossível, um fulminante bom senso capaz de nos virar do avesso, pondo-nos a dançar com a tristeza, mas piscando o olho à alegria. Um amigo descobriu umas dezenas de páginas rabiscadas pelo João Rubinato, o nome de dia do artista. «De dia não sou ninguém/ de noite sou alguém/ que toca o violão.» Eram inéditos que suscitaram este magnífico «Se Assoprar Posso Acender de Novo» (ed. DaFne Music), boteco onde se juntam nomes como Criolo, Ana Julia, Diogo Poças, Ney Matogrosso, ou Liniker, entre tantos outros. Além de puxar lustro às pérolas, o produtor Lucas Mayer acrescentou o extremo bom gosto de amantizar a tradição e a contemporaneidade de modo único. Delícia que merece visita a torto e direito. Depois, contém o hino desta passagem de ano. «O mundo vai bem mal e a vida não vai bem/ Vivendo afinal, eu penso ser alguém/ O mundo vai bem mal e a vida não vai bem/ O mundo vai bem mal e a vida não vai bem/ Mas com o pensamento puro aguardamos o futuro.”

3 Jan 2018

Fotografia | Exposição de Teresa Senna Fernandes mostra realidades de África

“Um Coração Dividido” é o nome da exposição de fotografia que vai ser inaugurada amanhã na Fundação Rui Cunha. A autora é Teresa Senna Fernandes que com apenas 17 anos já participou em duas acções de voluntariado em África. De São Tomé e Príncipe e da Guiné Bissau trouxe experiências e imagens que, espera, sejam capazes de sensibilizar quem as vê

 

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cerca de 20 imagens a preto e branco que integram a exposição de Teresa Senna Fernandes com inauguração marcada para amanhã pelas 18h30 na Fundação Rui Cunha.

Com apenas 17 anos, a jovem que vive em Macau embarcou pela primeira vez para São Tomé em 2016. Ía fazer voluntariado junto de crianças que precisavam de ajuda. A experiência foi marcante e este ano repetida, desta feita rumo à Guiné, uma realidade “mais dura”. Das viagens trouxe a mudança e, para que as realidades por onde passou não sejam esquecidas, trouxe imagens que falam por si.

“As fotografias conseguem transmitir e simbolizar muito e são a única coisa que trouxe que pode mostrar um pouco do que vivi ”, começa por dizer ao HM.

À falta de palavras são as imagens que têm o poder de ajudar a partilhar outras realidades. “As palavras muitas vezes não são suficientes e a fotografia é capaz de dar uma noção mais aproximada daquelas vidas”, explica ao mesmo tempo que espera conseguir “sensibilizar as pessoas e incentivar cada um a ajudar, nem que seja com pouco”.

Mas, e acima de tudo, Teresa Senna Fernandes quer fazer perceber que o mundo não é só esta “bolha chamada Macau”. “O meu objectivo é mesmo alertar as pessoas para o facto de existir mundo além daquilo que conhecem. Aqui em Macau é tudo muito fácil. Aqui, tudo o que se deseja é realizável. Parece que as coisas nos caem aos pés. Espero que com esta mostra as pessoas possam perceber que há muitas situações que precisam de ser vistas e ouvidas para que mudem”, refere.

Foi esta necessidade de mostrar, não o que fez, mas outras realidades, que motivaram Teresa Senna Fernandes a fotografar.

Um mundo sem cor

As fotografias são a preto e branco, e nem podia ser de outra forma.

Mais do que um gosto pessoal, a opção de pela imagem monocromática teve que ver com o contraste que o formato permite. “O preto e branco realça muito mais as situações”, diz, sendo que “apesar de serem cores neutras, são cores que conseguem transmitir melhor o contraste: o contraste na própria imagem e entre mundos, aquele em que vivemos e aquele que ali está representado”, apontou a autora.

Por outro lado, considera, são tons que tornam a fotografia mais real, mais pesada o que vai de encontro ao peso que também ela sentiu quando confrontada com realidades marcadas pela ausência, dor ou sofrimento.

Mas, Teresa Senna Fernandes pretende com as imagens falar sobretudo de esperança e da capacidade que cada um tem ao seu alcance de poder fazer qualquer coisa, por muito pouco que seja, para ajudar quem mais precisa. “Se cada um fizer um bocadinho, as coisas podem ir indo ao sítio e pequenas coisas fazem a diferença”, diz.

A jovem fotógrafa tem em conta a sua própria experiência enquanto voluntária, “uma actividade que está ao acesso de quem quiser e uma experiência que, sem mudar o mundo, é capaz de mudar pelo menos um momento no mundo de alguém”. “Embora tenha feito pouco, sei que de alguma forma, fiz alguma diferença, nem que tenha sido somente naquele momento em que estava a tentar ajudar alguém, naquelas espaço, naquelas vidas”, recorda.

Coração grande

É esta ideia de dar do coração que está na base do nome da exposição. “Um Coração Dividido” é a capacidade de ajudar distribuída por muitos, por todos aqueles que precisam. “Quando se está perante uma realidade daquelas e em contacto com várias crianças naquele contexto, uma pessoa acaba por se sentir dividida. A intenção é fazer com que o nosso coração chegue a todos”, refere, emocionada.

Trata-se, para Teresa Senna Fernandes de “um gesto de generosidade”.

De acordo com a jovem fotógrafa foi também um tempo para aprender. “Fiz as mais bonitas aprendizagens: aprendi que podemos ser heróis sem capas, títulos ou talentos. Que temos o poder de, com simples toques de amor, que assim se torna mágico, tocar o coração do outro, ao fazer chegar-lhe o nosso. Sim, vi crianças a pedir os restos da nossa comida. E percebi que não há água potável. Vi crianças com os pés lastimáveis, porque descalças. Guardei o toque da minha mão fortemente agarrada pelas mãos delas. Senti o meu coração a partir de cada vez que uma criança me pedia algo que eu não podia dar.”, descreve na apresentação oficial do evento.

Além da pobreza há ainda outros momentos. Depois de São Tomé, foi para a Guiné onde conviveu com aquilo que chama de “tradições completamente censuráveis”. A fotógrafa dá exemplos: “o caso dos casamentos forçados, da prática da mutilação genital feminina e tráfico humano”, tudo situações com as quais esteve em contacto de perto e que fizeram com que toda a experiencia se tornasse “muito mais forte e pesada”. Foi com esse peso que veio, mas acima de tudo com uma “grande lição: a sorte que tenho em ser valorizada”.

Para Teresa Senna Fernandes cada uma destas viagens contribui para que a postura que tem perante a vida mude. “Nunca voltamos os mesmos depois do contacto que temos neste tipo de experiência”, afirma. “São crianças e jovens que têm, muitos deles, a mesma idade que eu e que sofrem em circunstâncias muito complicadas”.

3 Jan 2018

Exposição | Luzes da cidade regressam ao lago Nam Van

Fotografa as luzes de Macau, Taiwan e Hong Kong, e depois de uma pequena exposição no Café Terra, Tang Kuok Hou expõe no espaço criativo junto ao lago Nam Van até ao final de Dezembro. Uma oportunidade de trabalhar “com uma equipa profissional”, salienta

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] fotógrafo Tang Kuok Hou, um dos fundadores da Associação de Arte e Cultura Comuna de Dialecto, volta a expor o seu trabalho, desta vez no café do Instituto de Formação Turística, junto ao lago Nam Van. As fotografias das luzes cintilantes do território, bem como das regiões de Taiwan e de Hong Kong, voltam a revelar-se ao público em “Fotossíntese”, depois de uma exposição no Café Terra.

As duas exposições são semelhantes mas, ao mesmo tempo, diferentes. “Esta exposição é sobre luzes artificiais e trata-se de um trabalho que comecei a expor há três anos. Desta vez combinei as luzes artificiais com o ambiente à volta, e as pessoas também”, contou ao HM.

“É ligeiramente diferente da anterior, porque no Café Terra expus imagens tiradas entre 2015 e 2016. Aqui já mostro imagens que tirei a partir desse ano. O público poderá encontrar alguma ligação entre as duas mostras”, acrescentou.

Tang Kuok Hou, que se licenciou em Sociologia na Universidade de Macau, revela que esta exposição permitiu-lhe relacionar a fotografia com a sua área de estudos.

“Agradeço imenso que tenha sido convidado para apresentar este projecto no espaço junto aos lagos Nam Van, onde pude combinar o meu projecto com os meus conhecimentos na área da sociologia. É uma experiência muito interessante poder participar com uma equipa profissional neste espaço.”

Assumindo que as pessoas não são o ponto fulcral do seu trabalho, Tang Kuok Hou confessou que, neste caso, fugiu um pouco à regra.

“As luzes revelam algo interessante, é como um espectáculo que se mostra às pessoas. Grande parte das minhas fotografias não contêm pessoas, mas acabamos por descobri-las na cidade. Essa é a grande ideia por detrás do meu projecto”, revelou.

Do artificialismo

Numa entrevista recente ao HM, o fotógrafo falou do poder do artificialismo urbano e da paisagem que não vem da mãe natureza.

“Os espaços artificiais são um dos principais indicadores de como vivemos na nossa sociedade e de como orientamos o desenvolvimento de uma geração futura. A questão dos espaços artificiais levanta também o problema de como preparamos as próximas gerações”, apontou.

Relativamente a Macau, Tang Kuok Hou defendeu que “existe um padrão entre paisagens artificiais e naturais”. “Não podemos estabelecer estas duas áreas como se fossem a preto e branco ou estanques e separadas, nem podemos pensar nesta dicotomia como uma divisão entre o que é bom e o que não é. Num espaço natural, por exemplo, não vamos encontrar forma de desenvolver uma sociedade”, considerou.

21 Nov 2017

Exposição | “Macau, Cem Anos de Fotografia” inaugura amanhã no Museu do Oriente

É inaugurada amanhã a exposição “Macau, Cem Anos de Fotografia”, no Museu do Oriente, em Lisboa. A mostra documental, reunida por Rogério Beltrão Coelho, demonstra a evolução da cidade, assim como alguns dos mais marcantes episódios da história de Macau

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m século de Macau através de 220 fotografias carregadas de história. Este é o somatório do acervo fotográfico recolhido por Rogério Beltrão Coelho e que se materializa na exposição “Macau, Cem Anos de Fotografia”. A mostra estará patente no Museu do Oriente, em Lisboa, a partir de amanhã até 7 de Janeiro.

As imagens retratam uma Macau praticamente irreconhecível, uma vez que do traço arquitectónico original pouco sobra, sendo notório no espólio apresentado as sucessivas mutações que a cidade teve ao longo das décadas. Porém, os costumes e tradições ainda mantêm alguma ligação com um passado mais recente.

Ao longo da exposição estão registado momentos marcantes e tão díspares como o IV Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia (1898), a Exposição Feira de 1926, a viagem aérea do Pátria (1924) e do aviador Humberto Cruz (1931) e o aparecimento da Aviação Naval em Macau. Estão igualmente retratados os efeitos dos tufões (com particular destaque para o de 1874), o início das carreiras dos hidroaviões da Pan American, assim como diversas festas sociais, costumes e tradições característicos do território e a presença institucional portuguesa de Macau em cerimónias relevantes da comunidade chinesa.

Lente com história

O trabalho de pesquisa e recolha de Beltrão Coelho esbarrou na dificuldade da dispersão da obra fotográfica que se encontra espalhada pelo mundo, principalmente no que toca à fotografia amadora. Além dos espólios de museus e instituições nacionais internacionais, parte substancial da imagética de Macau estará, seguramente, em colecções particulares. Nesta exposição, parte considerável das fotografias são mesmo provenientes do acervo do Museu do Oriente, mas também do Arquivo Histórico Ultramarino, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, da Sociedade de Geografia e do Centro de Documentação do Centro Científico e Cultural de Macau.

No que diz respeito aos fotógrafos, um dos profissionais chineses de maior relevo em Macau foi Man Fok, que já fotografava nos anos 70 do século XIX. Entre os portugueses, destaque para José Catela, que retratou a cidade entre as décadas de 1920 e 1940.

Lee Yuk Tin foi um fotógrafo com uma das carreiras profissionais mais activas de Macau, sendo um marco incontornável da fotografia do século XX da cidade. O mestre faleceu recentemente no passado dia 29 de Junho com 99 anos.

Além dos profissionais, a fotografia de Macau também teve muito contributo de amadores que viram na cidade detalhes dignos de ficarem eternizados fotograficamente.

Durante a exposição será exibido ainda o curto documentário, com pouco mais de 6 minutos, “Macau: Cidade Progressiva e Monumental”, realizado por Antunes Amor.

8 Nov 2017

BD | “Deserto/Nuvem” vence o Prémio de Melhor Álbum Português

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] livro “Deserto/Nuvem”, de Francisco Sousa Lobo, venceu o Prémio para o Melhor Álbum Português no âmbito dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada, foi sábado divulgado no 28.º festival AmadoraBD, que termina no dia 12.

Francisco Sousa Lobo foi ainda distinguido com os prémios nacionais de Melhor Argumento para Álbum Português, também por “Deserto/Nuvem” e o de Melhor Álbum de Autor Português em Língua Estrangeira, pelo título “It’s no Longer I That Liveth”.

O Prémio Nacional para o Melhor Álbum de Autor Estrangeiro foi para “Os Ignorantes”, do francês Étienne Davodeau, e “Conversas com os Putos”, de Álvaro, venceu o Melhor Álbum de Tiras Humorísticas.

O Prémio Nacional de Banda Desenhada para o Melhor Desenho foi para a ilustradora Amanda Baeza, pelo álbum “Bruma”, enquanto o Prémio para o Melhor Ilustrador Português de Livro Infantil foi para Tiago Albuquerque e Nadia Albuquerque, pelo álbum “Sou o Lince Ibérico”, e Jimmy Liao, natural de Taipé, Taiwan, recebeu o Prémio para o Melhor Ilustrador Estrangeiro de Livro Infantil, pelo álbum “Noite Estrelada”.

O Prémio Nacional de BD Clássicos da 9.ª Arte, relativo a uma edição original há mais de dez anos, foi arrebatado por “Ronin”, de Frank Miller, e o Prémio para o Melhor Fanzine foi para “Outro Mundo Ultra Tumba”, de Rufolfo Mariano.

O AmadoraBD, organizado pela Câmara Municipal da Amadora, cumpre a 28.ª edição até 12 de Novembro com exposições, lançamentos editoriais e a presença de autores portugueses e estrangeiros de banda desenhada.

6 Nov 2017

António Leong, fotógrafo amador, “Tirar fotografias é como escrever um diário”

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]o Largo do Lilau até aos jardins de Lou Kau vão uns meros passos de distância. A história que vive em cada pedra da calçada portuguesa permanece desde um tempo distante. Tal também acontece em São Lázaro, lugar de cultura e de arte e, afinal de contas, de religião: é lá que existe uma igreja e onde se faz anualmente a tradicional festa do São João.

Estes são os lugares preferidos de António Leung para fotografar. Capturar imagens através da lente é apenas um passatempo, revelado nas redes sociais, como o Facebook ou Instagram. Por norma, António Leung vai visitando a sua cidade e capturando aquelas imagens que mais lhe tocam o coração.

“Gosto de ‘viajar’ na cidade através do meu motociclo”, disse ao HM. A fotografia surgiu na sua vida há pouco tempo.

“Por volta de 2012 começou o meu interesse em tirar fotografias. Primeiro comecei por tirar fotos na minha hora de almoço ou depois do serviço, quase todos os dias. Não sou um fotógrafo profissional e tiro fotos como um hobbie”, contou.

Na sua página “Antonius Photoscript” contam-se histórias através de imagens que quase dariam para um qualquer guião. Até porque andar de máquina ao peito já faz parte da rotina diária de António.

“Tenho um outro trabalho a tempo inteiro. Para mim, tirar fotografias é como escrever um diário todos os dias.”

Nas suas imagens cabe uma Coloane soalheira com o seu mercado, as portas vermelhas, as Ruínas de São Paulo no silêncio da noite, uma Macau cheia de uma luz que não vem dos casinos.

Num território onde o turismo é a principal actividade económica, e não apenas por causa do jogo, o património acaba por aparecer na maioria das imagens de António. O próprio reconhece que, antes deste hobby, nunca reparou nos velhos edifícios que os portugueses deixaram, ou nas antigas fachadas tipicamente chinesas.

“Macau fez um grande esforço para preservar o património, mas antes de começar a tirar fotos nunca tinha notado que tínhamos uma grande presença histórica. Acho que é bom que os jovens conheçam melhor a história e a cultura desta cidade”, apontou.

Português desde a primária

António Leong não fotografa só a sua terra, mas também outras. As diferenças culturais que existem, e também em termos de espaço, fizeram-no olhar para as particularidades do território.

“Fui ao Butão em Junho e levei, pelo menos, três a quatro horas para andar de um ponto turístico ao outro. Mas em Macau podemos visitar todos os pontos turísticos a pé, e, além disso, há uma mistura de diferentes culturas”, frisou.

António estudou português desde a escola primária, apesar de ter confessado que não falava a língua de Camões há muito tempo. Na universidade, acabou por estudar engenharia civil, algo completamente diferente da área que abraça nas horas vagas.

Não que goste propriamente do curso que tirou. “Naquele tempo não tínhamos muitas escolhas”, referiu.

Para o futuro, António Leong gostava de desenvolver novos projectos relacionados com a fotografia. “Gostaria de trabalhar com outros criativos locais, tal como estilistas, e criar esse cruzamento. Também gostaria de fazer photo stories dos residentes”, concluiu.

20 Out 2017

Trilogia fotográfica de Lu Nan no Museu Berardo

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] inaugurada no próximo dia 10, no Museu Berardo, a exposição “Trilogia Fotografias [1989-2004] do fotógrafo chinês Lu Nan. A mostra conta com a curadoria de João Miguel Barros e traz a público parte do trabalho desenvolvido por Lu Nan durante um período de 15 anos.

“A obra de Lu Nan é a projecção moderna (também já datada no tempo) de uma trilogia clássica simbolicamente representada na Divina Comédia de Dante Alighieri”, lê-se na apresentação oficial da exposição, sendo que “cada uma das suas partes são, igualmente, projecções exemplares do que pode ser, na Terra, o Inferno, o Purgatório e o Paraíso”.

No entanto, e de acordo com o curador, não se trata de um retrato de uma fantasia. As imagens recolhidas durante mais de uma década são “de um realismo cortante, “por vezes doloroso, que impressiona”, refere João Miguel Barros.

Tal como na trilogia dantesca, a mostra está dividida em três partes, correspondentes aos estágios da obra poética: a vida dos hospitais de doenças mentais, as comunidades católicas nas zonas rurais e mais recônditas da China e a que levou Lu Nan a acompanhar a vida quotidiana do Tibete.

De acordo com João Miguel Barros, “o inferno, o purgatório e o céu retratados no trabalho do fotógrafo de Pequim, “é a China de uma época talvez já diferente da actual, como bem poderia ser a realidade de muitos outros países e lugares por esse mundo fora”.

Do povo esquecido às quatro estações

As condições de vida dos doentes psiquiátricos da China constituem a primeira parte da trilogia de Lu Nan. De 1989 a 1990, o fotógrafo contactou com 14 mil doentes mentais em 38 hospitais, espalhados por 10 províncias e grandes cidades do China. As imagens constituem “O Povo Esquecido” é que é apresentada “de forma verdadeira e poderosa, as condições de vida de um estrato social esquecido”, refere o curador.

A viagem continua e encontra o purgatório “Na Estrada: a fé católica na China”. As imagens forem recolhidas entre 1992 a 1996 em que o fotógrafo visitou mais de 100 igrejas, O objectivo foi o de capturar a forma como o amor e a fé se concretizam na vida quotidiana dos crentes. “Mostra que a divindade interior está integrada na vida quotidiana e que, no fundo dos seus corações, é essa a verdadeira Igreja”, comenta João Miguel Barros.

“Quatro estações: o dia-a-dia dos camponeses tibetanos”, terceira e última parte da trilogia, foi produzida de 1996 a 2004. Como o nome indica, o trabalho “acompanha de perto o ciclo das estações, desde a sementeira, na Primavera, à ceifa, no Outono, desde a espera pela colheita, no Verão, até à sobrevivência, durante os meses agrestes do Inverno”.

Tal como as duas primeiras partes da trilogia, “Quatro estações” não se centra no que poderiam ser considerados os grandes acontecimentos da vida. É o quotidiano que interessa é a “vida quotidiana que proporciona uma forma básica de as pessoas aferirem o destino”.

9 Out 2017

Fotografia | World Press Photo regressa à Casa Garden no final do mês

Chegam no final do mês à Casa Garden os trabalhos vencedores da 60.ª edição do mais prestigiado concurso de fotojornalismo do mundo. Este ano Hong Kong não aderiu à mostra pelo que se esperam mais visitantes no território. Entretanto, a parceria com a extensão local foi prolongada por mais três anos e vai contar com um orçamento maior

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]em início no próximo dia 20 mais uma mostra dos vencedores da edição deste ano do Word Press Photo (WPP). O local escolhido para a exposição continua a ser a Casa Garden por ser, “o mais adequado”, diz Diana Soeiro ao HM. A representante da Casa de Portugal espera ainda um aumento de visitantes. A razão, aponta, tem que ver com o facto de os trabalhos não passarem por Hong Kong. “Esperamos mais de 2000 visitantes, valor superior ao das edições anteriores”, conta.

A Casa de Portugal é ainda responsável pela renovação da extensão da exposição de fotojornalismo por mais três anos e vai ter também um aumento no orçamento que passará para as 18 000 patacas anuais.

Apesar de em Macau o trabalho fotojornalístico não ser considerado com rigor, não é motivo para que as melhores imagens internacionais na área não passem pelo território. O WPP acaba por ser, diz Diana Soeiro, “um bocadinho uma janela para o que se passa lá fora”, sem esquecer que, existem no território vários fotógrafos, “e muita gente com sensibilidade para a imagem”.

Por outro lado, a exposição quer ir mais além e está concebida para atingir um público cada vez mais alargado. “Como temos legendas em Português, Inglês e Chinês, conseguimos chegar a mais pessoas”, diz a responsável.

De qualquer forma, a representante da Casa de Portugal considera ainda que o próprio fotojornalismo poderá estar em crise. A culpa, afirma, é do mediatismo e da facilidade com que hoje em dia se conseguem capturar momentos. “Os telemóveis vieram facilitar essa parte, basta chegar a um evento, tirar umas fotos e o trabalho está feito. Não são precisos grandes equipamentos nem nenhum profissional”. É para contrariar esta tendência que o trabalho da WPP é cada vez mais pertinente: “Uma Fundação como a World Press Photo, com as respectivas exposições espalhadas pelo mundo inteiro, contrariam esta tendência lembrando-nos da importância do fotojornalismo”, remata Diana Soeiro.

Este ano participaram na disputa mais de cinco mil fotógrafos de 125 países, e foram submetidas a apreciação do júri mais de 80 mil imagens.

Homicídio por Alepo

Sem ornamentos, Mevlüt Mert Altintas está de arma em punho. Não se ouve a voz, mas gritava por Alepo. Ao seu lado um corpo. O embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov, tinha acabado de ser assassinado enquanto fazia o discurso de abertura de uma exposição de fotógrafos do seu país, na Galeria de Arte Contemporânea de Ancara. “An Assassination in Turkey” é o nome da imagem vencedora, registada pela lente do fotojornalista da Associated Press, o turco Burhan Ozbilici. Antes de ser abatido, Altintas, que fazia parte do dispositivo de segurança do diplomata feriu mais três pessoas.

“A imagem choca, como chocam quase sempre as imagens vencedoras. É meio hollywoodesca”, diz Diana Soeiro. A força, principalmente na tragédia, é uma tónica em muitas das fotografias do WPP. Pode agradar ou desagradar, mas é impossível ficar indiferente. “Pessoalmente custa-me a exposição de um corpo ali e o gesto triunfante do assassino mas infelizmente foi o que aconteceu e é mais um confronto duro como a realidade a que a World Press Photo já nos habituou”, aponta a responsável pela organização.

A China volta a estar em destaque. Desta feita na categoria do quotidiano em que Tiejun Wang arrecada o segundo prémio. A fotografia Sweat Makes Champions mostra, a preto e branco, quatro meninas estáticas, de nódoas negras nas pernas. Treinam para ser as melhores.

20 Set 2017

Camilo Pessanha, 150 anos | Antønio Falcão apresenta “Kleptokronos” e “Morri”, um livro de crónicas

“Se existir um deus, é o tempo”

Antønio Falcão é Ring Joid, mas podia ser outro qualquer. De regresso a Macau é também Pessanha e os muitos que vão habitando dentro de si. Está no território com a exposição “Kleptokronos”, que é inaugurada hoje e para apresentar o livro “Morri”, amanhã. É um dos artistas que integra as comemorações dos 150 anos de Camilo Pessanha do Edifício do Antigo Tribunal e vem mostrar a sua concepção de tempo

[dropcap]O[/dropcap] que é que vamos ter em “Kleptokronos”?
Quando recebi o convite comecei a pensar no que fazer. Não queria ir buscar imagens que já tinha nem recorrer a paisagens de Macau. Acabei por ter esta ideia, de jogar com o tempo da própria fotografia e tentar, trazer com a técnica, o tempo do Camilo Pessanha. “Kleptokronos” que dizer ladrão do tempo. Uso a técnica da fotografia em que a luz constrói a imagem durante o tempo necessário até ter uma imagem possível. A maioria das fotografias aqui presentes são feitas com várias exposições, e muitas delas, longas.

O próprio processo incorporou o conceito de tempo?
Sim. A exposição longa traz o tempo para trás e, tecnicamente, é um método em que o tempo se demora pela fotografia adentro.

Como é que isto se materializa na exposição?
A minha ideia era pegar neste tempo que se comemora do Camilo Pessanha e juntá-lo ao que também se passa agora, à contemporaneidade. Por exemplo, com a questão dos refugiados. Também se lançam ao mar e muitos acabam por naufragar.

Faz um paralelo com as situações da actualidade?
Sim, tenho uma imagem referente aos fogos que têm passado por Portugal e que se pode relacionar com o poema “Vida” do Pessanha. Fala disso, do lumaréu, de tudo a arder e das flores que deixam de existir. O arder, mais uma vez, também é referente à luz fotográfica que queima. Não foi pegar no poema e fazer uma imagem que se parecesse. Foi outra coisa.

Tem alguns auto-retratos.
Os auto-retratos têm que ver com outro processo. É um reencarnar-me como uma espécie de Camilo Pessanha de agora no sentido do delírio, da fuga, da própria erosão da pessoa que está fora, num sítio que não é dela mas que acaba por lhe pertencer. Isto passa também pela minha experiência por Macau. O que vivi e não vivi aqui. A ideia é tentar ser uma personagem, mais do que alguém que escreve ou que fotografa. É criar este embrulho para que tudo o que estou aqui a apresentar faça um certo sentido para que saia da realidade e traga outros elementos.

Vamos ter uma mistura de Camilo com Ring Joid, uma outra personagem sua?
Um pouco por aí. Mas sem rigor nenhum. O Ring Joid – e não interessa o nome porque foi quase aleatório – é o ideal de mim que não consigo representar na vida real. E por isso mantenho-o vivo artificialmente como complemento de uma vida com limites. Ele sou eu à solta.

Vai também lançar o livro “Morri”. Porquê o título?
Tem tudo que ver com a questão do tempo. Se existir um deus, é o tempo. É a única omnipresença que existe no mundo e da qual todos fazemos parte. “Morri” foi o título que me apareceu. Comecei a escrever, para o Hoje Macau, em 2004, numa altura da minha vida em que quase tinha uma necessidade da escrita para que pudesse continuar a viver ou a ficar perto do chão. Escrevia com outro nome, o de Ring Joid. Acabei por inventar essa personagem. Há sempre duas coisas a viver dentro de mim. É como se andasse com uma companhia. Um puxa para o desvio, para ir por outros caminhos mais longos e mais difíceis. Depois há as histórias ao longo do livro que têm esse carácter da morte. Aliás, o livro acaba com um pequeno texto em que sou eu dentro de um avião a cair, e relato os últimos momentos antes da sua queda. A morte. O livro têm alguns textos actuais também em que, mais uma vez, está presente o tempo. A introdução, em que relato uma situação de quando tinha três anos, representa tudo o que se passa agora. É uma situação biográfica em que tudo o que nós vivemos já vimos acontecer. É como se vivêssemos numa dimensão em que tudo está mais ou menos programado e que já vimos isso mas que não conseguimos perceber e agora, como o tempo se estendeu, tudo se descodificou. “Morri” fala também da história contemporânea de Macau. Os portugueses, as despedidas, as passagens, mas muitas vezes uma história idealizada. Por exemplo, os governadores que eram seres de uma dinastia superior, que passavam por um processo de estudo do oriente, da língua, da filosofia e quando chegavam integravam-se na vida do “outro” e eram admirados por toda a população. Eram textos escritos para um jornal na pressão semanal do fecho. Experiências de temas e de métodos de escrita. Coisas que via, cinema, música, noites. Sempre com o meu outro ser a testar as minhas capacidades, se conseguia realmente escrever alguma coisa. Uma escrita que parte de um trauma que se vai cosendo ao longo dos tempos. Vivemos num mundo isolado dentro deste território e era preciso soltar-me. E na escrita tudo é possível. Tudo existe. Não há freio.

E a fotografia? Qual a sua relação com ela agora?
A fotografia só funciona se de algum modo participar nela. Não pode ser apenas uma composição visual de elementos exteriores. Isso é uma espécie de malabarismo, tem de estar tudo no lugar para que as bolas não te caiam na cabeça. Eu fico à espera que elas caiam. E depois logo se vê.

O que acha das comemorações dos 150 anos do Pessanha e da sua representatividade para Macau?
O Camilo Pessanha é um dos poetas mais válidos da literatura portuguesa e também dos mais esquecidos. Já Fernando Pessoa o admirava mas depois houve este tempo todo em que parece que esteve adormecido. Em Macau, penso que nunca foi devidamente reconhecido e por isso é importante tanto a obra como a sua figura e a sua passagem pelo território. É preciso que resista para que as pessoas possam, algumas continuar a relembrar o homem e outras o puderem conhecer.

Viveu aqui 17 anos e está de regresso. Como está a viver a visita?
Não tenho bem a noção do tempo, quando olho para trás, passaram 17 anos em Macau, passaram seis desde que fui para Portugal. Está tudo compresso na cortina do engenho que capta imagens para dentro do nosso cérebro. Fui embora em 2011 e sempre que volto sinto como se me tivesse ido embora na semana passada. É sempre um sentir-me em casa. É bom e mau mas como estou sempre de partida, e não venho de armas e bagagens para ficar, também não desespero. É a sensação de estar num sítio inóspito.

Macau é inóspito?
Sim. O mundo é inóspito.

1 Set 2017

Fotógrafo de Macau participa em acção solidária sobre incêndios de Pedrógão Grande

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] fotojornalista Gonçalo Lobo Pinheiro, radicado em Macau, é um dos nomes que participa com imagens suas na acção “Uma Imagem Solidária”, que consiste na entrega de um donativo aos bombeiros em troca de imagens captadas pelas lentes de fotojornalistas e outros fotógrafos profissionais. A iniciativa decorre esta semana no Museu das Telecomunicações, em Lisboa. António Falcão, fotógrafo que viveu em Macau, também é um dos participantes.

As imagens captadas por quase 200 fotojornalistas e outros fotógrafos profissionais podem ser vistas e trocadas por donativos, por um valor mínimo de 20 euros (184 patacas), na quarta-feira, a partir das 18h00, e na quinta-feira, a partir das 10h00, disse à agência Lusa o mentor da iniciativa, o fotojornalista António Cotrim.

O que começou por ser uma acção de fotojornalistas, sob o lema “o melhor de cada um de nós para o melhor de todos nós”, estendeu-se a outros profissionais da fotografia, “que se mostraram interessados em participar”, contou o fotojornalista da agência Lusa.

“Nesta altura de solidariedade não deve haver barreiras entre fotógrafos com e sem carteira de jornalista, deve haver união”, referiu o fotojornalista.

As imagens, de tema livre, serão impressas no formato 30x40cm. Algumas fotografias, adiantou António Cotrim, chegaram de Macau, da China, da Alemanha, de França e do Brasil.

Na página da iniciativa na rede social Facebook já foram sendo divulgadas algumas das imagens que estarão disponíveis para venda por um valor mínimo “simbólico, que não paga o trabalho de quem fotografou, que tenta ir ao encontro do maior número de participantes”.

Dois grandes incêndios começaram no dia 17 de Junho em Pedrógão Grande e Góis, tendo o primeiro provocado 64 mortos e mais de 200 feridos. Foram extintos uma semana depois.

Estes fogos terão afectado aproximadamente 500 habitações, 169 de primeira habitação, 205 de segunda e 117 já devolutas. Quase 50 empresas foram também afectadas, assim como os empregos de 372 pessoas.

Os prejuízos directos dos incêndios ascendem a 193,3 milhões de euros, estimando-se em 303,5 milhões o investimento em medidas de prevenção e relançamento da economia.

17 Jul 2017

Fotografia | Bruno Saavedra expõe “Made in China” em Lisboa

O tempo de residência em Macau ajudou-o a compor um projecto que está em exposição até finais do mês de Setembro em Lisboa, na Casa Independente. “Made in China”, da autoria do fotógrafo Bruno Saavedra, é uma viagem pela “Ásia lisboeta”, com imagens que fogem do “óbvio”

[dropcap]C[/dropcap]omo surgiu o projecto “Made in China”?
A exposição tem fotografias da Ásia, mas de uma Ásia lisboeta. Todas as imagens foram feitas no Intendente, na Mouraria e nos Anjos, aqui em Lisboa. “Made in China” é uma exposição de fotografias resultante do trabalho desenvolvido na quinta edição do workshop “Narrativas Fotográficas do Intendente”, leccionado pela fotógrafa Pauliana Valente Pimentel, e realizado pela Casa Independente em 2016. Deste workshop, também estão expostos mais três trabalhos: “Glowing Up”, de Ana Antunes, “Pequena Cirurgia”, de Ana Bernadino, e “Caixa de Viagens”, de Sara Maia. O trabalho para esta exposição foi desenvolvido entre os meses de Novembro de 2016 e Fevereiro deste ano. Como a Pauliana sabia que vivi em Macau durante quase quatro anos, insistiu que eu desenvolvesse o trabalho sobre a comunidade chinesa.

Macau estará decerto presente nesta exposição. Que zonas do território ou que partes das culturas decidiu retratar?
Os quase quatro anos que vivi em Macau ajudaram-me de uma forma muito directa no desenvolvimento deste trabalho. O projecto narrativo retrata uma visão diferente e subtil da comunidade chinesa no Intendente, e fui à procura de detalhes e imagens que, de alguma forma, me fizessem conhecer a história das suas vidas e o modo como os chineses vivem nas freguesias mais cosmopolitas de Lisboa. Durante três meses, visitei casas, restaurantes, centro de estética, cabeleireiros, centro de massagens, escolas, lojas, supermercados, templos, igrejas, médicos, cafés, jornais. Acabei por descobrir que no Intendente existe uma verdadeira China, mas restrita e muito fechada. É uma China sofrida com memórias de outros, mas também nossas. Ouvi histórias, verdadeiros contos chineses. Pessoas que vivem clandestinamente e trabalham 16 horas por dia para conseguir juntar algum dinheiro com o sonho de regressar à sua terra natal. Finalizei o trabalho pela altura das comemorações do Ano Novo Chinês. Era o início do ano do Galo. Eles levam a mudança do ano muito a sério e está enraizado nas suas crenças e tradições. Na véspera do Ano Novo, os chineses limpam e arrumam a casa, cortam o cabelo, fecham as contas, presenteiam os deuses que protegem a casa, preparam as roupas, organizam as contas e o comércio. A cor vermelha, por ser yang e vibrante, é a predominante durante as comemorações do Ano Novo. O vermelho simboliza a transformação, o movimento e a vida, por isso, as mulheres usam um vestido novo nesta cor para atrair a sorte e o amor ao longo do ano.

Que China poderá o público ver nesta exposição?
Tentei fugir do óbvio dos retratos chineses, e entrar o máximo que conseguisse na vida dos chineses. Não foi fácil, mas a insistência também me ajudou muito. Também contei com a ajuda de uma amiga de Macau para a tradução e comunicação, a Virginia Or, que esteve quase sempre comigo. Nesta exposição o público poderá ver uma Ásia lisboeta, muito restrita e fechada.

O público português está a começar a ter uma curiosidade crescente sobre os países que estão deste lado do mundo?
A China e todos os países da Ásia sempre geraram curiosidade, mas penso que é preciso quebrar algumas barreiras, como a da língua. O público português tem um grande interesse pela cultura e costumes chineses, mas a verdade é que aqui em Lisboa essa curiosidade pode ser “quebrada” muito facilmente: basta irmos aos bairros do Intendente, Mouraria e Anjos.

A China, e até Macau, são os territórios que geram mais curiosidade e interesse?
A presença de Portugal em Macau representou um notável encontro entre Oriente e Ocidente, e é por esse motivo que, até aos dias de hoje, a China gera interesse no Ocidente. E para mim não há dúvidas de que este seja um dos principais motivos para que exista toda esta curiosidade e interesse pela China.

Expectativas para este projecto? Poderá vir a Macau?
O projecto fica até dia 30 de Setembro na Casa Independente, mas tenho muita vontade de o levar a outras galerias e espaços culturais aqui em Portugal. Neste momento estou em contacto e analisando algumas propostas. Levar o “Made in China” a Macau seria a concretização de um sonho, espero poder realizá-lo.

7 Jul 2017

Fotografia | Lago Baikal, na Sibéria, em exposição em Macau

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]ao Ip é um “assalariado” local. É esta a apresentação do também fotógrafo que se aventurou no Inverno siberiano em busca de imagens únicas. Cansado da monotonia diária, fez-se à estrada de câmara em punho. Lao foi ao lago Baikal para criar um conjunto de 30 imagens que vão estar, a partir de sexta-feira, expostas no espaço da associação Find Art Macau.

No entanto, o lago parece ser apenas o mote. De acordo com a apresentação do evento, Lao trouxe um documento dos cenários e vidas que acontecem nesta zona em que parte do ano é gelada.

O fotógrafo foi para Baikal no Inverno do ano passado e as temperaturas rondavam os 30 graus negativos. Mas não foi o frio que deteve o jovem de 28 anos. As paisagens são descritas como “magníficas” e mostram a existência de uma beleza particular, em situações extremas. A luz do dia e as particularidades nocturnas foram capturadas. A ideia é conseguir transmitir “uma atitude positiva quando se olha o ambiente, seja ele qual for”, lê-se na apresentação da mostra. A exposição conta com a curadoria do artista plástico João Lázaro das Dores.

5 Jul 2017

Ilha de Hengqin | Armazém do Boi acolhe exposição de fotografia

A terceira edição da exposição de fotografias que retratam o desenvolvimento da Ilha de Hengqin começa este sábado. Os trabalhos, da autoria de sete fotógrafos de Macau, estarão expostos no Armazém do Boi até 16 de Julho

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s investimentos anunciados na vizinha Ilha de Hengqin, também conhecida como Ilha da Montanha, têm levado a profundas transformações no pequeno território do continente e nas vidas que o povoam.

Sete fotógrafos de Macau deram seguimento a um trabalho de recolha de imagens que retratam estas transformações, iniciado em 2011. A terceira edição da exposição “Following The Changes in Hengqin’ 2011-2014-2017” é inaugurada já este sábado no Armazém do Boi, estando patente até ao dia 16 de Julho.

Tudo começou em 2011, quando Frank Lei Ioi Fan, o mentor do projecto, fez o primeiro trabalho sobre as pequenas aldeias que, aos poucos, vão sendo sugadas pelas torres de betão e pelo desenvolvimento económico. Esse projecto teve como título “The Disappearing Neighbouring Villages – Rediscovery of Hengqin Island Photographic Exhibition”. Em 2015, houve uma sequela, com o nome “Below Laobeishan: Hengqin Today Photos and Videos Creative Exhibition”.

Segundo um comunicado do Armazém do Boi, Frank Lei e os restantes fotógrafos têm procurado retratar o constante e rápido desenvolvimento da Ilha de Hengqin, “documentando as mudanças drásticas que afectaram a sociedade e a vida das pessoas desde que o Governo Central lançou o Plano Geral de Desenvolvimento de Hengqin, em 2009”.

A nova edição da exposição que agora se inicia “conta a história de Hengqin através da perspectiva de sete fotógrafos”, contando também com uma selecção de alguns trabalhos já exibidos entre 2011 e 2014.

O Armazém do Boi vai também compilar e publicar a obra “The once dusty land – Images of Hengqin: 2011-2014-2017”, enquanto documento visual periódico. A exposição tem entrada livre e conta com apoio da Fundação Macau.

31 Mai 2017

Fotografia | Tang Kuok Hou e as paisagens artificiais

A obra de Tang Kuok Hou não é novidade nos meandros artísticos de Macau, onde já participou em diversas exposições. O fotógrafo trabalha essencialmente com paisagens artificiais, que visam revelar um significado que a realidade não mostra. Em Setembro, vai expor no café do Instituto de Formação Turística, junto ao lago Nam Van

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rtificialismo, imaginação, sentimentos. Todas estas palavras cabem nas fotografias de Tang Kuok Hou. O fotógrafo tem neste momento algumas imagens expostas no café Terra, mas já está a preparar uma nova exposição para Setembro, que estará patente no café do Instituto de Formação Turística, localizado junto ao lago Nam Van.

Ao HM, o fotógrafo levanta a ponta do véu daquilo que o público poderá ver. “Será uma exposição que varia entre a arquitectura e a fotografia a preto e branco”, apontou.

Não sendo um fotógrafo que retrata a crueza do dia-a-dia, o trabalho de Tang Kuok Hou não deixa de mostrar a realidade que nos rodeia, mas de uma outra forma.

“O trabalho que faço em fotografia é difícil de descrever”, assume. “Sou licenciado em Sociologia e o meu trabalho tem em conta o que sinto em relação às circunstâncias sociais. O meu projecto principal é acerca das paisagens artificiais.”

O artista entende que as suas fotografias capturam, essencialmente, “a relação entre objectos e a paisagem”, embora considere que o que realmente fazem é “a procura da relação entre a sociedade e o ser humano”. “Como é que as pessoas criam os edifícios, os espaços. Como é que isto é feito de forma artificial e não de uma forma natural. Ou seja, a conexão entre os humanos e a natureza”, acrescenta.

Artificialismo local

Questionado sobre as paisagens artificiais que povoam territórios como Macau ou Hong Kong, Tang Kuok Hou fala da forma como esse artificialismo afecta as populações.

“Os espaços artificiais são um dos principais indicadores de como vivemos na nossa sociedade e de como orientamos o desenvolvimento de uma geração futura. A questão dos espaços artificiais levanta também o problema de como preparamos as próximas gerações.”

Em Macau, o fotógrafo considera que “existe um padrão entre paisagens artificiais e naturais”. “Não podemos estabelecer estas duas áreas como se fossem a preto e branco ou estanques e separadas, nem podemos pensar nesta dicotomia como uma divisão entre o que é bom e o que não é. Num espaço natural, por exemplo, não vamos encontrar forma de desenvolver uma sociedade”, considerou.

“No entanto, quando falamos de espaços artificiais, podemos ter mais elementos para dar à sociedade e que alimentam o seu desenvolvimento. Acabam por ser ligar à nossa vida. O equilíbrio entre elementos naturais e artificiais tem sido o foco de muitos dos meus projectos”, referiu o artista.

Se até agora Tang Kuok Hou tem focado o seu trabalho em Macau, o artista começa a sentir que está na hora de sair.

“No passado estava mais concentrado na sociedade local, mas agora estou virado para um contexto mais asiático, especialmente para Hong Kong e Taiwan. Estou também interessado no Japão. Penso que neste país há cidades com formas interessantes de se protegerem. Conseguem o seu desenvolvimento de uma forma original. Macau é muito pequeno e por isso penso que devo ir para outros lados para desenvolver os meus projectos”, diz.

De Taiwan para Macau

Tang Kuok Hou chegou a estudar Design de Arquitectura em Taiwan durante dois anos, mas não foi esse o caminho que seguiu. De regresso à sua terra natal, o fotógrafo optou por se licenciar em Sociologia.

A escolha do curso acabou por influenciar a obra que tem hoje. “Consegui juntar diferentes pontos de vista e formular diferentes opiniões que aparecem agora no meu trabalho.”

Apesar das várias exposições que já teve, Tang Kuok Hou fala das dificuldades de fazer fotografia a tempo inteiro. “Actualmente, o Governo não tem uma política de apoio aos jovens artistas para poderem desenvolver os seus projectos. Acabamos por ter de encontrar outros empregos e fontes de rendimento para podermos fazer os nossos projectos pessoais. Não acontece só na fotografia, mas sim um pouco em todas as áreas artísticas. Aqui é muito difícil tornarmo-nos artistas profissionais”, remata.

24 Mai 2017

IIM | Inscrições abertas para concurso de fotografia local

O Instituto Internacional de Macau já abriu as inscrições para mais uma edição do concurso de fotografia dedicado ao território, “A Macau que eu mais amo”. Este ano há novidades: a organização quer imagens capazes de registar uma cidade além dos edifícios

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma Macau além do cimento e dos monumentos. Um território além do visível à primeira vista e mesmo do palpável é o desafio que o Instituto Internacional de Macau (IIM) faz na edição deste ano do concurso de fotografia. “Ao contrário das edições anteriores desta iniciativa, este ano, o IIM pretende aproximar os concorrentes dos valores culturais e tradicionais do território”, explicou António Monteiro ao HM.

A ideia é alargar os motivos de interesse dos participantes e convidar à exploração de características do território capazes de ir além do interesse comum pelos edifícios ligados ao património local. “Queremos aproximar os jovens e, de forma geral, os residentes, a participar num concurso em que registem imagens que não se resumam ao património físico e em que espelhem também os valores tradicionais da comunidade local”, refere o responsável. O objectivo é preservar a dinâmica social e cultural do território de modo a que sejam registadas características “que possam estar em risco de desaparecer ou de serem esquecidas”.

Como exemplo, António Monteiro sugere que seja dada mais atenção a situações que envolvam pessoas, gastronomia, lojas ou letreiros que caracterizem Macau, “visto serem também elementos inerentes à cultura local”, diz. “É preciso ver mais do que as Ruínas de S. Paulo e o Farol da Guia. As pessoas geralmente tendem muito a fotografar o património físico, mas não focam aspectos que tenham que ver com festividades, por exemplo, com as culturas tradicionais, e é isso que estamos a querer fazer nesta edição”, esclarece.

O próprio nome, sublinha António Monteiro, remete para este objectivo, ou seja, para a procura de situações que envolvam também a emoção. “A Macau que eu mais amo” pretende que “as pessoas se dirijam a assuntos que as façam sentir mais o lugar onde vivem, sendo que é uma forma de colocar a população a olhar para a Macau invisível”.

Imagens de todos

O concurso é dirigido a dois tipos de participantes, tendo uma componente geral e uma outra orientada para os mais jovens. “O evento foi sempre mais aberto para a vertente jovem, não só crianças, mas principalmente estudantes universitários”, refere o responsável. O foco nos estudantes tem também como objectivo chegar a pessoas que tenham na sua formação a componente de imagem e da fotografia, de modo “a usarem esse conhecimento e poderem com ele, fazer os seus registos de Macau”.

Os prémios dividem-se entre montantes em dinheiro e certificados de participação. Para as três melhores imagens há prémios de cinco mil, três mil e duas mil patacas. Há também uma menção honrosa que é composta por um certificado e a oferta do montante de 500 patacas, “o que é uma novidade”. Há ainda o prémio especial para o melhor trabalho apresentado pelo sócio da Associação de Fotografia Digital de Macau, que co-organiza a iniciativa com o Instituto Internacional, com o valor de mil patacas. As candidaturas estão abertas a todos os residentes até 31 de Agosto.

António Monteiro não deixa de referir o crescente número de participações, principalmente da faixa mais jovem da população. A razão, aponta, é o investimento na divulgação tendo em conta este tipo de público. “Temos tentado fazer uma maior promoção junto das escolas, tanto do ensino secundário, como nas universidades”, explica. “Além disso, tentamos promover a iniciativa de modo a abranger um público mais geral e temos investido, por exemplo, na divulgação via Facebook, onde conseguimos chegar a mais pessoas”, remata.

10 Mai 2017

Chan Hin Io faz radiografia à cidade com imagens panorâmicas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] afastamento visual pode dar perspectiva ao observador e revelar algo que a proximidade esconde. Este é o mote ao livro “Paisagem Pitoresca – Fotografias Aéreas de Macau Captadas por Chan Hin Io”, lançado hoje na Academia Jao Tsung-I sob a égide do Instituto Cultural (IC).

O público que se deslocar à festa de lançamento poderá apreciar fotografias e vídeos da cidade vista de grande altitude.

O fotógrafo local captou imagens de cortar a respiração de diversos cenários da cidade, formando um mosaico composto por edifícios, festividades, pontes e projectos de construção. As imagens mostram o tecido de que é feito Macau, colocando a nu o desenvolvimento urbano e a rede de artérias da cidade. As imagens parecem retiradas de um compêndio de cartografia, por vezes revelando uma perspectiva quase surrealista do chão.

À medida que fotografava, Chan Hin Io filmou um vídeo que será exibido hoje durante o lançamento do livro.

O fotógrafo local, que pegou nos últimos anos no tema da paisagem urbana de Macau, assim como nos costumes do território, tem sido galardoado com alguma frequência com prémios de fotografia. Com a cidade como musa transversal à sua carreira, Chan Hin Io fotografou os bairros de Macau, as memórias de ofícios e negócios tradicionais e o património arquitectónico da cidade. A sua obra tem como pontos altos os livros “Bairros de Macau: Fotografia Documental por Chan Hin Io”, “Memórias dos Ofícios e Negócios Tradicionais de Macau” e “Vida em Macau 2012 – Fotografias de Chan Hin Io”.

Outro dos destaques maiores na carreira do fotógrafo é o livro “O Lugar onde o Património Mundial Brilha – Fotografia do Centro Histórico de Macau”, que originou uma exposição que está patente em Lisboa, no Centro Científico e Cultural de Macau até 31 de Maio. Depois da capital portuguesa, a exposição será mostrada em Guimarães, no Palácio Vila Flor entre 23 de Junho e 15 de Agosto.

6 Abr 2017

Btr | Autor de Xangai condensa o tempo para memória futura

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o heterónimo Btr, o autor e fotógrafo produz um ainda raro registo da sociedade contemporânea chinesa. Natural de Xangai, prefere escrever o presente em mutação para que fique um registo dos dias de mudança. A escrita está intimamente ligada a um modo de expressão mais abrangente em que utiliza o desenho, a fotografia e o vídeo. “Tudo para emoldurar a realidade chinesa da actualidade”, afirmou ao HM.

O mundo virtual, por exemplo, é fonte de alterações que ainda não se compreendem, mas que estão a afectar a vida de todos, indica Btr. Em causa estão também as mudanças de valores. Se até há pouco tempo a sociedade chinesa era influenciada pelas antigas tradições e palavras, hoje, diz, tudo isso está a mudar.

“Um dos problemas na língua chinesa é a utilização de palavras-chave como símbolos e o que tenho vindo a constatar é o aparecimento e a criação diária de novas palavras com origem, por exemplo, no vocabulário da Internet”, explica. Para o autor, o fenómeno não é de estranhar até porque “as palavras que tínhamos não seriam capazes de representar a nova realidade”. O facto representa, já por si, uma mudança a ocorrer.

Crítica criativa

O trabalho que produz reúne a utilização de vários meios e começou com uma crítica à arte contemporânea. “Comecei a interessar-me pelo presente através da arte contemporânea há dois anos”, conta. O interesse em particular veio da abundância do estilo no Continente e especialmente em Xangai, “onde há muitas exposições”.

No entanto, longe da crítica tradicional, o autor escreve histórias inspirado pelo que vê. O trabalho que realiza acerca do que se faz na arte contemporânea recria-se com a escrita. “Não faço uma crítica das obras, por assim dizer, escrevo pequenos contos em torno delas, do que elas me transmitem. Acabo por confundir o trabalho crítico com o criativo e criar outra coisa a partir da observação da arte que se faz hoje em dia”.

Btr acabou por achar que a fotografia e o desenho podiam juntar-se à palavra e criar uma aproximação mais verosímil da realidade. Na semana passada, inaugurou a sua primeira exposição a solo em Xangai. “Chama-se yisi yisi, 意思意思, uma expressão chinesa muito difícil de traduzir”, afirma.

No seu todo, a exposição “é uma espécie de livro visual, pendurado nas paredes, e que descreve um dia, repartido em dez momentos na vida de um trabalhador de colarinho branco de Xangai”. Mais uma vez, a ideia é mostrar a contemporaneidade e ilustrar a forma como as redes sociais são capazes de influenciar o quotidiano. “Actualmente na China, as pessoas não tiram os olhos dos telefones, sendo que até o trabalho, penso, é decidido através desta interacção virtual”, constata. É esta mudança, ainda rumo a parte incerta, que mais o incentiva a fazer o seu retrato. Btr diz ainda que em cada conto ou imagem que produz consegue sintetizar, “em formato instantâneo, um passado e um futuro”.

Por outro lado, aponta, já há muitos e bons escritores que retratam a história recente e o panorama rural do país, mas raros os que se dedicam a este momento tão importante que é o presente.

Btr não deixa de sublinhar que o retrato da mudança a que se dedica está condicionado. Se, por um lado, o mundo virtual possibilita um acesso cada vez maior à informação, e a mais interacções, na China essa informação continua a ser circunscrita aos links autorizados, o que acaba por formar uma bolha da qual não se consegue facilmente sair. “Usamos o WeChat para tudo, mas é uma plataforma que funciona como uma bolha e que não autoriza o acesso à informação do exterior. Não podemos aceder ao New York Times”, exemplifica.

Da passagem por Macau, para o festival Rota das Letras, leva a oportunidade “única de estar em contacto com outros autores, tanto chineses, como ocidentais”.

21 Mar 2017

José Maçãs de Carvalho, fotógrafo: “Interessa-me a aparência das coisas no plano visual”

Com “Arquivo e Democracia” transportou para Lisboa a realidade das empregadas filipinas de Hong Kong que usufruem das ruas da cidade para aproveitarem os domingos de descanso. A exposição está no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia. As histórias de vida são duras mas, ainda assim, José Maçãs de Carvalho, fotógrafo e subdirector do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, assume não retratar episódios do ponto de vista sociológico, mas sim meramente visual. O ex-residente de Macau prepara novos projectos para o território

[dropcap]C[/dropcap]omo surgiu a possibilidade de fotografar as empregadas filipinas de Hong Kong?
A ideia de fazer um ensaio visual sobre a questão já existe desde o tempo em que vivi em Macau [entre 1994 a 1998]. Desde 1999 tenho regressado a Macau anualmente e desde 2009 que comecei a filmar com mais regularidade.

Porquê o nome “Arquivo e Democracia”?
Desde 2011 que investigo a matéria do arquivo. Já fiz sete exposições cujos títulos têm a palavra. Aliás, a minha tese de doutoramento (2014) é sobre Arquivo e Memória. Aqui, em Hong Kong, o ‘Arquivo’ vem pelo excesso, excesso de pessoas na rua ao domingo, excesso no gesto, enfim, acumulação também. ‘Democracia’ porque a forma como ocupam as ruas configura uma espécie de democracia plena, total.

O que mais o fascinou durante a realização deste projecto a Oriente?
Filmei entre 2009 e 2012. Sempre achei este acontecimento muito curioso, estranho, e por ser contingente. Se não se for ao domingo a Hong Kong nunca se vê este fenómeno. Em Macau, as empregadas domésticas residem nos seus próprios apartamentos, o que faz com que não estejam nas ruas nos seus dias de folga como em Hong Kong, onde vivem em regime interno na casa dos patrões.

Pensou em abordar também a realidade das empregadas em Macau?
Não me interessa aquele acontecimento como facto social, não adopto um ponto de vista sociológico. Interessa-me a aparência das coisas no plano visual, portanto não são as empregadas filipinas que me interessam, mas a forma como aquelas mulheres ocupam a zona mais rica de Hong Kong e como interagem com a arquitectura.

As empregadas filipinas e indonésias em Hong Kong têm estado no epicentro de uma discussão sobre os direitos humanos e laborais. Como é que a fotografia pode contribuir para esse debate e reflexão?
A arte pode sempre contribuir para o debate se tiver uma ligação ao real. Macau surge também retratada no projecto “Arquivo e Melancolia”, recentemente em exposição no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC). Porquê ir buscar uma imagem tirada dos anos 90, numa altura em que o território era tão diferente? Que história faltava contar? O filme que mostrei no MNAC foi filmado em 2011 e retomava uma fotografia que fiz numa loja de parafusos, no Porto Interior, quando vivia em Macau, no fim dos anos 90. Mais uma vez, esse filme não é sobre Macau, é sobre uma acumulação excessiva e periclitante de milhares de parafusos e porcas; um epítome da precariedade do arquivo e da memória.

Tem algum novo projecto pensado sobre Macau e sobre a Ásia?
Há vários projectos em progresso: uma exposição que desenvolverei com a Margarida Saraiva, ainda sem data, e ainda um projecto de fotografia que iniciei em 1999 e que retrata o quotidiano de ex-alunos meus de Macau.

Macau teve uma comunidade portuguesa pujante nos anos 80 e 90, período em que viveu no território. Que memórias guarda, que análise faz à produção de arte em Macau na altura?
As melhores memórias. Macau é a minha segunda terra. Até poderia morrer em Macau. Nesse tempo a produção artística era muito irregular: coisas fracas e coisas muito boas.

Anos depois da transição, Macau ainda constitui um fascínio para os artistas portugueses?
Diria que a Ásia, mais do que Macau.

É subdirector do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Estão pensadas parcerias com o território?
Para já, não. Temos parcerias com o Museu Russo de S. Petersburgo e a Universidade da Sorbonne, em Paris. Temos ainda em estudo uma parceria com uma universidade inglesa.


Novo livro lançado a 18 de Março

As fotografias sobre as empregadas filipinas que ocupam as ruas de Hong Kong e o trabalho desenvolvido sobre esse tema são parte integrante do novo livro de José Maçãs de Carvalho, a ser lançado no próximo dia 18. A obra chama-se “Arquivo e Intervalo” e é o resultado da exposição no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), tendo o apoio da editora Stolen Books e do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. A obra reúne quatro textos “que se aproximam de quatro filmes em torno da matéria do arquivo e que, de algum modo, também epitomam questões fulcrais da prática fotográfica e videográfica”, escreve o autor. Desde 2010 que José Maçãs de Carvalho tem trabalhado “em exclusivo problemáticas relativas ao arquivo e à sua expressividade”. Os textos do novo livro “problematizam a substância do arquivo naquilo que ele tem de excesso, precariedade e esquecimento, mas também aquilo que o marca como lugar e temporalidade”, acrescenta. Os textos de “Arquivo e Intervalo” têm organização de José Maçãs de Carvalho e são da autoria de José Bragança de Miranda, Pedro Pousada, Adelaide Ginga e Ana Rito. A apresentação será feita no próximo dia 18, no MAAT, em Lisboa, pelo escritor Gonçalo M. Tavares e por José Bragança de Miranda, investigador e ensaísta.

15 Mar 2017

Gonçalo Lobo Pinheiro retratou a pobreza em Macau: “Era como se fosse um deles”

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Numa cidade de muito brilho, de muita luz, foi à procura de um lado mais sombrio: a pobreza. O fotojornalista Gonçalo Lobo Pinheiro publicou, no final do ano passado, uma série de imagens no jornal Público que mostram um lado esquecido de Macau. “No Cárcere da Pobreza” vai estar em análise na próxima quinta-feira, na Universidade de Macau, num seminário que serve para se falar das diferentes realidades do território

[/vc_column_text][vc_column_text css=”.vc_custom_1489019654286{margin-top: -30px !important;}”][dropcap]C[/dropcap]omo é que surgiu a ideia de procurar um lado pouco visível de Macau?
É o papel do jornalista – e do fotojornalista – procurar este tipo de abordagens. Tenho vontade de andar à procura de histórias diferentes. Em Macau não é muito fácil encontrar esta diferença. Tentei perceber – dentro deste dinheiro, desta vida quase luxuosa para muita da população –, onde é que havia estes nichos de gente que, de facto, não tem rosto, que passa por dificuldades. Fiz vários contactos. Falei com a Santa Casa da Misericórdia, que me disse que a Caritas estava mais indicada para o trabalho que pretendia fazer. Depois comecei a encurtar distâncias, até que me deram abertura para poder entrar dentro da Casa Corcel, que é onde estão pessoas sem abrigo, pobres. Há outras pessoas que só vão lá comer. É uma ajuda aos mais necessitados. Tentei também, através deles, ir ao contacto das famílias desfavorecidas: existem algumas, na Ilha Verde, na Taipa, que moram em barracas. Só que aí foi muito mais difícil. Acabei por deixar cair a ideia. Depois foi a história normal: fui fazendo marcações para poder ir à Caritas. Numa primeira fase, ia acompanhado, até mesmo por uma questão de apresentação – para não chegar ali uma pessoa que não sabem quem é –, e para servir também de tradução, porque a maior parte das pessoas não falam outra língua que não o chinês. Foi assim que começou. Depois passei lá vários dias, várias semanas, em momentos diferentes, fui lá de manhã, à tarde, à noite…

Como é que foi o processo de conseguir ganhar a confiança de pessoas que não falam a mesma língua?
Tem de se estar ali, só a olhar para eles, e sorrir. Alguns são muito sisudos, até viram a cara. E depois vai-se fotografando. Uns diziam que podia fotografar; outros diziam logo à priori que não há cá fotografias, nem à ponta do dedo mindinho. Tem de se andar naquele jogo. Depois fotografa-se, mostram-se as fotografias para ficarem entusiasmados. Aqui é que se criam as ligações. A ideia era eu estar ali como se fosse um deles. Obviamente que, nos primeiros dias, era mais complicado, porque viam um intruso ali. Depois de se habituarem, passou a ser muito mais fácil e circulava à vontade. Tinha algumas restrições quando ia para a ala feminina – ia acompanhado de uma senhora –, mas, fora isso, andava tranquilo. Estavam a fumar, ia para ao pé deles. Havia um que estava a fazer a barba, eu passava pela casa de banho. Fazia uma vida como se estivesse ali. Mas teve de se ganhar essa confiança – os primeiros dias foram muito complicados.

Quando olhamos para estas fotografias, imaginamos histórias de vida. Foi possível ir percebendo como é que as pessoas foram parar a esta casa?
Algumas histórias consegui perceber: há casos em que as famílias não quiseram mais saber deles, outros porque gastaram o dinheiro todo e deixaram de ter meios de subsistência, e outros ainda porque tiveram problemas de saúde e nunca mais voltaram a ser os mesmos. A maioria estava resignada – muitos deram a entender que a vida deles não vai sair daquele marasmo –, mas outros não. Mesmo tendo 60 ou 70 anos tinham esperança de melhorar a sua condição. Há histórias complicadas, como a de um chinês de Moçambique que estava triste porque não podia ver os filhos. Depois havia um que era chefe de cozinha, mas que teve uma trombose. Há pessoas que não têm dinheiro para pagar a renda. Há várias histórias.

“Tem de se estar ali, só a olhar para eles, e sorrir. E depois vai-se fotografando.”

Sente que o facto de os ter fotografado lhes deu uma dignidade diferente?
Espero que sim. A minha ideia era também ir por aí. Não era só mostrar as pessoas que estão marginalizadas na sociedade, mas também que as fotografias dessem essa dignidade. Tenho fotos mais complicadas do que outras mas procurei, nesta sequência de 15 imagens que publiquei, mostrar o lado mais bonito do que não é nada bonito, que é estarem ali, naquelas condições. Procurei fazer mais retratos, sempre que possível, com as pessoas a sorrir, mas não interferi muito nisso. O meu trabalho foi feito para mostrar as condições complicadas em que eles estão, mas são pessoas que têm um rosto, com vida, com história. Antes de chegarem ali, viveram muitos anos e fizeram outras coisas. Podem ser 100 ou 200 pessoas – o que parecerá ridículo numa terra com quase 700 mil habitantes – mas têm a sua voz e o direito a aparecerem.

Este não foi um projecto vulgar em Macau. Há mais ideias deste género para o futuro?
Neste momento não estou a trabalhar em nada em específico. Tenho ideias para fazer mais algumas coisas, estou a estabelecer contactos com associações. Vamos ver. Mas tenho, pelo menos, duas ideias que gostaria de fazer nos próximos dois anos. Isto requer disponibilidade, porque tenho de partir às minhas expensas. Conforme o meu tempo, vou fazendo as coisas. Às vezes pode durar uma semana ou então um mês, dois, um ano. Mas estou a fazer contactos, porque também há esse lado mais burocrático. Depois faço a minha agenda: hoje vou, amanhã não vou, posso ficar uma semana ou duas sem ir e isso é interessante. Se for diariamente, não é muito bom. Haver descansos permite renovar o olhar. As reportagens deviam ser assim: deixar fluir, ver como é que as coisas correm. Não quero ter esse tipo de pressão, quero estar tranquilo.[/vc_column_text][vc_custom_heading text=”Galeria” font_container=”tag:h4|text_align:left” use_theme_fonts=”yes” css=”.vc_custom_1489051468346{margin-top: 5px !important;margin-bottom: 0px !important;padding-left: 20px !important;}”][vc_gallery interval=”5″ images=”16099,16098,16097,16096,16095,16093,16092,16090,16089,16088,16087,16086,16085,16084,16077″ img_size=”large” onclick=”” css_animation=”fadeIn” css=”.vc_custom_1489051293835{margin-top: -10px !important;margin-bottom: -30px !important;padding-bottom: 0px !important;}”][/vc_column][/vc_row]

6 Mar 2017