João Miguel Barros: “Olhamos muito, mas vemos muito pouco”

Por achar que já tem idade para mostrar a fotografia que faz, João Miguel Barros decidiu avançar para um livro e uma exposição. “Entre o Olhar e a Alucinação” está na Creative Macau a partir do próximo dia 23. É uma experiência sobre um caminho que o advogado quer fazer: ir deixando os processos para trás e apostar na curadoria, trabalhar em fotografia, pensar na estética da representação

[dropcap]C[/dropcap]omo é que começa a fotografia?
Já começou há muitos anos. Talvez nunca tenha tido a coragem de começar pôr as fotografias cá fora. Neste momento, é uma especialização de uma preocupação cultural que já vem do meu tempo da faculdade quando, na altura, com a minha mulher, fizemos a revista SEMA. O gosto pela cultura é presente, tem-me acompanhado ao longo da vida, embora tenha sido muitas vezes distraído pelas questões do Direito, ou mais pelas obrigações profissionais do que pelo gosto do Direito. Nos últimos anos, em especial depois de ter saído do Ministério da Justiça, resolvi assumir que a cultura era – e é – uma área do sentir e do conhecimento demasiado vasta. Portanto, dentro da cultura em geral, identifiquei a área de que mais gosto: a fotografia. Sempre fiz fotografia. Antes da fotografia digital, lembro-me de uma viagem à Índia em que praticamente fiz turismo através da lente das máquinas fotográficas. Chegava ao final do dia completamente estoirado de carregar máquinas e lentes, coisa que neste momento já não faço, porque aperfeiçoei a lógica de funcionamento. Tenho uma câmara mais pequena, com uma lente de 35 mm fixa, e sou muito menos intrusivo na recolha das fotografias. É um gosto antigo, uma prática que tem sido mais ou menos descontinuada ao longo do tempo, mas tem sido uma constante e uma preocupação. Acho que já tenho idade suficiente para poder começar a pensar em pôr cá fora estas fotografias. Mas tem também uma outra componente: tenho o desejo de, um dia destes, começar a afastar-me mais da advocacia, e criar uma pequena galeria e uma pequena editora só para a fotografia a preto e branco. E pensei que um bom exercício seria fazer a experiência de como é que tudo isto funciona a partir de mim próprio.

Daí a exposição e o livro.
Peguei numa pequena verba que pus de lado e disse assim: em vez de ir apostar em alguém, vou apostar em mim. E acompanhei todo este processo, na produção, na escolha dos suportes e do material para a exposição, fiz uma série de ensaios de impressão das fotografias em suportes diferentes, emoldurei de formas diferentes, para tentar perceber qual era o melhor caminho a seguir. Todo o processo de produção do livro foi mais ou menos equivalente. O livro acaba por ser também um desafio, porque fazer livros com uma dimensão como esta, de 30 cm por 23 cm, é um risco, apesar de tudo, porque as fotografias aguentam ou não. Mas o tipo de fotografia que faço aguenta mais facilmente num livro com esta dimensão do que se fossem fotografias que andam à procura de uma perfeição técnica que eu não acho ideal. Portanto, tudo isto acabou por ser um exercício de como fazer, à custa de mim próprio.

“Entre o Olhar e a Alucinação”. Que conjunto de fotografias é este? São imagens que não andam à procura da perfeição. Como é que se chegou aqui?
Chegou-se de uma forma um bocadinho acidental, mas foi a partir de uma reflexão do que é e do que pode ser a fotografia. É uma conversa que é preciso desenvolver e aprofundar. A minha preocupação com a fotografia não é apenas tirá-las, trabalhá-las e eventualmente poder ou não expor, e poder ou não publicar. Neste momento, queria desenvolver uma outra vertente, à qual dou muita importância, que é fazer a curadoria de projectos e isso implica pensar na fotografia como arte e pensar nos projectos como um conceito. Neste momento tenho um projecto aprovado, para um ciclo de fotografia contemporânea chinesa, que vai realizar-se em Portugal com três dos mais importantes fotógrafos chineses da actualidade, pessoas cujo trabalho admiro muito. Tenho já a confirmação de que o Instituto Cultural de Macau também vai apoiar este ciclo de três exposições individuais, que virão ao território depois, em 2018 e 2019.

E quem são estes fotógrafos?
A primeira exposição é de Lu Nan, um fotógrafo por cujo trabalho tenho uma admiração imensa. Demorou-me quase um ano a chegar até ele. Vai ser inaugurada em Lisboa em Julho deste ano. Depois, em Outubro, vai haver uma outra exposição que é de Rong Rong, um homem muito conhecido na fotografia contemporânea chinesa, também produtor e divulgador cultural, tem um centro de arte contemporânea em Pequim. O terceiro é um fotógrafo menos conhecido que tem um projecto sobre o Tibete que demorou quase dez anos a conseguir. Yang Yankang tem fotografias lindíssimas sobre o lado mais filosófico e espiritual do Tibete. São três caminhos na fotografia contemporânea chinesa que quis explorar, sendo certo que havia uma quantidade de outras pessoas. E, voltando ao princípio, este livro nasce também de uma preocupação de tentar perceber qual é o caminho que quero explorar relativamente à fotografia.

Podemos dizer que este livro é um ensaio?
De algum modo, é uma experiência e que parte de um princípio que está contido naquela frase de Barthes, que é o mote da exposição, quando basicamente diz que as fotografias não precisam de ser chocantes, o que precisam é de fazer as pessoas pensar. Isto leva a que nós pensemos também como é que encaramos a fotografia como uma estética de representação. Se é uma estética de representação, significa que podemos olhar para uma fotografia de per si ou temos de seguir a corrente tradicional ou politicamente correcta dos trabalhos das pessoas mais conhecidas, que assentam na ideia do storytelling, de contar uma história? Está muito instalada a ideia de que as fotografias contam histórias e que os projectos fotográficos são verdadeiramente importantes, ou mais importantes, quando são capazes de contar histórias.

Como se a fotografia enquanto forma de arte tivesse de ter alguma coisa de fotojornalismo, no sentido da construção de uma narrativa.
Pode confundir-se dentro dessa via, sendo certo que o fotojornalismo tem uma representação da realidade que não permite a deformação dessa mesma realidade. O storytelling pode ser já uma alucinação da realidade e é legítima como forma de contar uma história. Com esta experiência, o que quis tentar foi perceber se é possível ou não juntar várias fotografias que nada têm que ver umas com as outras, apesar de, neste conjunto, haver vários subconjuntos que estão relacionados. O próprio título faz parte de um tríptico que vai estar apresentado na exposição. Há mais dois conjuntos, a que chamei “Night Vision I” e “Night Vision II”, que também são mini-séries de uma pequena história quase sem história. Mas o importante era testar a ideia se é, ou não válido, juntar fotografias que, de per si, possam ser uma história, mas uma história que não induza quem a vê num determinado percurso de interpretação. É engraçado olharmos para as fotografias e pensarmos que elas foram congeladas no tempo. Quando olhamos a realidade a passar dinâmica à nossa frente, certos momentos que são congelados têm um significado diferente do que teriam inseridos nessa sequência normal da visão.

Mas há sempre a possibilidade de se inventar uma narrativa…
Este livro tem uma intenção e tem muitas narrativas. Não é por acaso que as fotografias estão todas sequenciadas e que vão todas ao corte, sem nenhuma paginação especial que as tente influenciar. Não é por acaso que foram alinhadas desta maneira, e isso dá-lhes uma narrativa. Dou dois exemplos: há um contraste entre pessoas, situações e lugares; pelo meio coloco várias fotografias de escadas, que são simbolicamente a ideia de que nós, na vida, gostamos ou deixamos de gostar, vamos por um lado ou podemos ir por outro. O desafio que se coloca a quem vê o livro é saber se gosta deste caminho ou se não gosta, a escada está lá para subir e para descer. O livro acaba, também intencionalmente, com uma fotografia, sem nenhuma outra na página ao lado, de um rosto muito marcante de um homem velho, mas que tem um sinal de esperança, que é o facto de estar a rir. Este livro tem uma intenção – o modo como foi pensado – e pode ter muitas narrativas.

Quem for ver a exposição ou pegar no livro encontra várias imagens captadas no contexto em que vivemos. Para a escolha destas fotografias pesou o factor cidade ou isso não entrou no critério de escolha?
Não entrou. O meu critério de escolha foi o gosto pessoal, de adesão ou não a uma determinada fotografia, a um determinado contexto, ao modo como a fotografia é enquadrada na página ou na moldura.

Mas há uma relação com a cidade que acaba por transportar, até porque vive cá há muitos anos.
É inevitável. Dou comigo a pensar se o facto de vivermos aqui há tantos anos – de lidarmos tanto com estas pessoas, com estas situações, as cozinhas mal-arranjadas, os ambientes às vezes muito hostis – também não faz com que não tenha já capacidade de olhar. E isto é uma coisa que me preocupa. Por isso é, quando olho para Macau como lugar para fazer fotografia ou para registar momentos, tenho sempre um certo medo de não ser capaz de olhar da forma correcta, porque já nada me surpreende. E quando tiramos uma fotografia, do mesmo modo como queremos que essa fotografia surpreenda – como diz Barthes, que faça pensar –, também temos de ser capazes de nos podermos surpreender com aquele momento que estamos a registar. Confesso que, por uma certa saturação em relação à cidade, por já estar a viver em Macau desde 1987, sou capaz de já não ter bem essa capacidade.

Mas a lente, ainda assim, ajuda ao enquadramento, ao exercício do foco sobre algo que a olho nu nos pode escapar.
É a tal ideia de que uma fotografia congelada no tempo pode ter uma leitura que é completamente diferente dessa fotografia inserida num movimento real em que as coisas acontecem. As máquinas fotográficas são formas de seleccionar a realidade, já por si, e eu em cima disso ainda agravo a situação, porque é raro o caso em que não faço um crop da fotografia. Gosto de fazer crops das fotografias – tenho amigos que dizem que isto é desvirtuar a realidade. Mas a máquina já desvirtua a realidade, porque vai só buscar um bocadinho. Os lugares são relativamente importantes no contexto deste projecto, sendo certo que, muitas vezes, uma pessoa sente-se mais motivada para dirigir a máquina para sítios que são uma surpresa do que propriamente para locais que vemos todos os dias e que já não temos capacidade de ver. Realmente, há uma grande diferença entre olhar e ver, e este é o problema dos nossos dias, é o problema da nossa civilização: olhamos muito, mas vemos muito pouco. A fotografia, congelando momentos que, para nós, são significativos, é uma forma de ajudar a ver determinado tipo de realidades. Olhamos para algumas fotografias, como as que estão aqui [no livro], de pessoas. E é legítimo perguntar o que é que esta pessoa estava a fazer antes e o que estava a fazer a seguir? Esta pessoa está neste contexto, que não se percebe muito bem, porque a fotografia está muito cropada, não tem propriamente todo o seu ambiente à volta, mas qual era o contexto em que se estava a mover quando foi fotografada? Há outras questões mais teóricas que têm que ver com fotografia.

A questão da estética da representação.
É o que procuro, e também tentar perceber como é que consigo apurá-la, sendo certo que há muitas estéticas de muitas representações. Uma coisa sei que não quero, que é a técnica da representação, que é uma coisa completamente diferente: aquela fotografia muito bonita, tecnicamente supercompetente. Há um fotógrafo que tem um trabalho admirável, num campo completamente diferente, o Erwin Olaf, que teve uma exposição aqui na Casa Garden. É um fotógrafo fabuloso, que vem da fotografia de moda. Todas as fotografias que faz são encenadas, são pensadas ao milímetro. Um dia, contou-me que há fotografias, que eu pensava que o ambiente natural era um hotel onde punha os seus figurantes, em que os cenários são todos construídos por ele. Essas fotografias têm obviamente uma história para ele, mas são fotografias tecnicamente representadas, há uma representação técnica da realidade, evidentemente com muita criatividade. Não procuro nada disso, porque acho que os critérios de avaliação das fotografias nos tempos que correm já não passam pelo lado técnico, porque a fotografia deixa de ser um meio para passar a ser um fim. Quando a fotografia deixa de ser tecnicamente um meio para mostrar qualquer coisa – que passa a ser acessória, porque o meio é que é importante –, neste caso já temos a possibilidade de olhar para a fotografia e achar que os meios passem a ser acessórios.

Onde fica a advocacia, no meio disto tudo?
Como não sou rico, tenho de trabalhar, tenho de fazer advocacia. Mas já tenho 58 anos e acho que já tenho o direito de começar a fazer menos advocacia e a fazer mais aquilo que me realiza pessoalmente. Já estou na advocacia há muitos anos, já passei por processos complicados e já tenho a minha dose que chegue de descrença relativamente ao sistema. E em Macau é fácil ter-se descrenças em relação ao sistema. Entretanto, tenho tido oportunidades na vida, como foi a última experiência que tive em Portugal no Ministério da Justiça, de ser parte activa em projectos de reforma significativos, como foi a questão da reforma do sistema judiciário. Mas também isso me deixa, apesar de tudo, um certo amargo de boca. Não sei como explicar. Sou muito devotado ao serviço público no sentido de me dar a ele, passe o auto-elogio, com alguma generosidade. Isso tem-me prejudicado. Aconteceu no princípio dos anos 2000, quando fui para a Ordem dos Advogados, e depois quando fui para o Ministério da Justiça, quando estourei completamente a possibilidade de fazer advocacia em Portugal porque me dediquei a um serviço público. Mas realmente, o sistema judiciário, tal e qual como está montado, é muito conflituante de interesses e, às tantas, é uma máquina trituradora muito complicada. Quando verdadeiramente me consigo libertar, e fugir um bocadinho, é ao ir por este caminho da fotografia, porque também se não o tivesse era capaz de morrer mais cedo e muito mais frustrado. Acho que tenho de dar continuidade a este projecto, tentando avançar para outro livro, dentro da mesma linha, possivelmente. E avançar também nos trabalhos de curadoria, porque há necessidade de darmos a conhecer muito trabalho que está a ser feito por aí. Na Ásia – na China e no Japão, que é uma fotografia que me tem influenciado muito –, temos gente a fazer fotografias de uma forma absolutamente deslumbrante e magnífica.


O desconcerto

[dropcap]H[/dropcap]á um chão, um chão de relva, e há um corpo estendido, aconchegado, num agasalho que inclui um capuz. Está ali um olhar que fixa a lente e que não se percebe o que diz. É um olhar enigmático, entre a surpresa, a solidão, o sono, o abandono. Ou talvez apenas a preguiça, o embalo, a fruição de qualquer coisa que aquela lente não nos quis mostrar. Não sei de quem são estes olhos, onde estavam eles deitados, se quiseram ali estar ou se ficaram assim por falta de opção. A imagem não me diz nada mais sobre este olhar. Viro a página e o resto da história não está lá, porque não é para estar.

Este livro é feito de imagens soltas que se entrelaçam, se se tiverem de relacionar. Às tantas, não é preciso andarmos constantemente à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim de qualquer coisa. Às tantas, é este o princípio esquecido da fotografia: o que há para ver é o que está naquele rectângulo, o que parou no tempo daquele modo, naquele momento, e o resto nada interessa. Às tantas, é só assim, tão simples e, sim, tão complicado, porque aquele olhar fixou-me também.

Viro a página e há outra história qualquer. E mais outra. E há umas escadas. E outras, tantas escadas para subir e descer, uma vertigem de imagens que são densas, escuras, neste livro há muita noite, pouco dia, talvez não pudesse ser de outra maneira. Chego ao fim e há um sorriso, um sorriso velho e desdentado, um sorriso sincero e malandro, como que a ler o que me vai na alma. O desconcerto. Este livro é um desconcerto. Não podia ser de outra maneira.

O livro é de João Miguel Barros, advogado, homem há muito ligado às artes, às letras, às publicações. O nome escreve-se nos jornais sobretudo por causa de outras causas, de outras palavras, do mundo mais encenado que cabe nos códigos e nas leis, nos órgãos de investigação criminal e nos tribunais, nas críticas e no cansaço, nos culpados e nos inocentes. Desta vez, o nome escreve-se nos jornais porque não há história, são muitas histórias, e não há palavras, só imagens.

Construímos mundos e é neles que nos movimentamos, num entediante exercício ao qual demos o nome de quotidiano. Andamos sempre à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim do texto, ao fim do livro, ao fim da rua. “Entre o Olhar e a Alucinação” é um convite a uma paragem, é uma descida vertiginosa ou uma escalada penosa, é um desafio para uma certa solidão. É um desconcerto, daqueles que fazem bem no meio do ruído dos dias. E depois são os olhos que se fixam, porque aquele olhar fixou-me também.

16 Fev 2017

Estelle Valente: “Gosto de fotografar aquilo que não existe”

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceste em França, onde cresceste e estudaste economia, mas acabaste por vir para Portugal, terra dos teus pais, e tornaste-te fotógrafa. Hoje és mais conhecida por ser a fotógrafa oficial da cantora de fado Gisela João. Que te levou a vir para Portugal e deixar a economia para te tornares fotógrafa?

Porque é que larguei tudo em França para vir viver para Lisboa? Essa deve ser a pergunta que mais me fizeram até hoje e, como muita coisa na minha vida, não tem uma resposta racional. É algo que sentia em mim há muitos anos. Sabia que o meu destino, o meu « fado», era aqui. É difícil explicar. Precisei de quase dez anos para tomar essa decisão. Temos várias vidas na nossa vida e eu já tive muitas. Não tenho medo da mudança, de mudar de área. Gosto sempre de experimentar coisas novas. A fotografia nasceu um pouco dessa mudança. Quando cheguei a Lisboa não conhecia quase ninguém e tinha uma sede de descoberta. Comecei a sair sozinha, a eventos culturais, à noite, e a máquina fotográfica foi naquela altura a minha companhia. Deu-me uma segurança e foi fundamental para o meu crescimento, eu que sou uma pessoa bastante tímida. E dessa companhia nasceu uma paixão. Comecei a fotografar muito. Depois aconteceu um daqueles encontros que mudam a vida de uma pessoa: e o meu encontro com a Gisela João foi um deles. Ela não era conhecida na altura e comecei a fotografá-la. Depois saiu o primeiro álbum dela e foi o impacto que foi. Desde então crescemos juntas. No panorama actual da música existem poucos casos assim e, por isso, tudo isto me parece único. Ela é a minha Musa, ela é a minha principal fonte de inspiração. Eu vejo nela todas as musas de Gainsbourg.

Fotografas sempre a preto e branco, e especialmente pessoas. Isso deve-se apenas a compromissos profissionais ou é esse o modo como entendes a fotografia?

A arte, e aqui a fotografia, é um pouco o reflexo daquilo que somos e muito das nossas imperfeições. E por isso as minhas fotos são frequentemente melancólicas, sombrias, misteriosas, poéticas, paradas no tempo. Isso deve ser um pouco aquilo que sou.  E só o preto e branco me permite isso. Também poderá ter a ver com a noite que eu associo muito aos tons pretos e brancos. O que me fascina na noite é que tudo parece possível, como se não existissem limites. E também vejo isso no meu preto e branco. Com o preto e branco consigo transmitir exactamente aquilo que quero, a história que quero contar. É algo mais forte, com mais contraste e impacto. Gosto de brincar com as sombras, ao fim ao cabo com a minha própria sombra, com o meu lado escuro. O facto de fotografar pessoas deve-se ao meu percurso profissional, foi assim que as coisas foram acontecendo ao trabalhar muito com a Gisela e no Teatro São Luiz, onde tenho feito imensos retratos. Mas confesso que o que me interessa mais na fotografia é a ausência, é justamente poder contar a história de alguém sem ele estar presente fisicamente. Gosto de fotografar aquilo que não existe, eu sei que pode parecer estranho. A minha liberdade de imaginação é muito maior nesse caso.

O que é que mais te fascina na fotografia? No fundo, e isso poderia ser aplicado a outros fotógrafos, muitas das tuas fotografias são como poemas.

A liberdade de poder contar uma história de uma forma directa e imediata. Essa possibilidade de construir um poema visual. Agrada-me o facto de ter vários olhares sobre uma foto. Digo sempre que numa fotografia há três histórias: a história real do momento que estou a fotografar, a história « inventada » que eu quero contar e que muitas vezes as pessoas não percebem e, por fim,  a terceira história, a da pessoa que está a olhar para a foto e cuja imaginação pode ser estimulada por esse olhar. O mais bonito é que acabam por ser sempre três histórias diferentes. E é essa magia que me fascina na fotografia. Por isso é que criei há alguns anos um blog onde convido « amantes da escrita » a escrever um texto (um poema ou um conto) inspirado numa foto minha. O resultado tem sido fascinante e muito inspirador ao ver o que as pessoas imaginaram perante uma foto minha sem eu nunca ter pensado nisso nem ter tido a mesma leitura.

E o que te fascina tanto em Lisboa?

A luz, sem dúvida. Por vezes as pessoas que vivem aqui não têm essa noção mas Lisboa tem uma luz diferente, uma luz que penetra e que transforma a tua alma. E essa luz mudou-me de uma forma que dificilmente consigo explicar.

Quais os teus projectos para este ano e quais os sonhos?

A minha vida é feita de sonhos! Projectos concretos tenho alguns, que não posso revelar ainda, mas posso dizer que em breve haverá uma (ou duas) exposições em Lisboa, e provavelmente a edição de um livro. E um projecto com uma passagem por Paris, como não podia deixar de ser. Acima de tudo, quero fugir do óbvio e daquilo que toda gente espera. Quero seguir o meu instinto, foi sempre ele que me guiou até hoje.

1 Fev 2017

Fotografia | International Photo Awards & Convention em Macau

 

A quinta edição da iniciativa International Photo Awards & Convention, organizada pela Associação de Fotógrafos Profissionais da Ásia, tem lugar em Macau e parece ter chegado para ficar. A organização pretende fazer do território o anfitrião permanente do evento, para transformar Macau num centro de encontro da fotografia internacional

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau pode vir a ser palco regular do International Photo Awards & Convention da Associação de Fotógrafos Profissionais da Ásia (PPCA, na sigla inglesa), a partir deste ano. A iniciativa, que assinalará a 5.ª edição na próxima semana, chegou ao território depois de ter passado por Cantão, Hong Kong e Xangai.

“A intenção é fazer, em Macau, o que já se faz em Las Vegas num encontro anual organizado pela Associação de Fotógrafos Profissionais Americana, dedicada a fotografia de casamento”, disse ao HM Allison Chan, directora da PPCA. No entanto, a ideia para a associação asiática é a de que, por cá, “seja dedicada à fotografia em geral e não limitada a um tema”, disse ainda.

Macau parece ser, para a organização, um local de excelência para transformar o evento num acontecimento estável porque “tem muita coisa em comum com Las Vegas”. Uma das razões apontadas é a existência de espaços que permitem expor as fotografias finalistas.

Na edição que decorre a 10 e 11 deste mês, a sala de exposições do Conrad Hotel vai acolher as 500 fotografias que foram escolhidas por decisão do júri. “Em Hong Kong, por exemplo, seria impossível encontrar um espaço assim.” No total, a PPCA recebeu cerca de 10 mil imagens de cerca de três mil profissionais de todo o mundo.

A ideia é “partilhar as últimas tendências da fotografia mundial e inspirar uma maior criatividade, ao mesmo tempo que é esperada a promoção de um intercâmbio com os criadores locais e um incentivo à indústria em Macau”, referiu.

Por outro lado, a Associação de Indústrias Culturais e Criativas, que colabora na organização do evento, considera que esta é uma forma de enquadrar as políticas de diversificação turística e incluir a fotografia numa indústria local a desenvolver. Gary Tang, presidente da associação, considera ainda que “o evento será a plataforma perfeita para motivar os talentos locais, ao mesmo tempo que promove a imagem do próprio território no estrangeiro”.

Espaço para os de cá

Outra novidade é o concurso local que integra a convenção. Dedicado aos fotógrafos do território, os interessados, profissionais ou amadores, podem submeter as suas imagens numa competição especial.

O evento conta ainda com a realização de masterclasses (dia 11), com a orientação de alguns dos melhores fotógrafos internacionais. Fazem parte da lista de oradores Liang Chen, de Taiwan, que ministra a palestra dedicada ao tema “a alma na fotografia”, o americano David Beckstead, que vai falar acerca dos elementos fotográficos, e Dave Koh, de Singapura, que traz o tema da criatividade para discussão.

O primeiro dia, 10 de Janeiro, é dedicado à realização de vários fóruns dos quais a organização destaca: “Latest Photography Trends”, com Allison Chan (Hong Kong), Victor Tong (Malásia), Zhang Huabin (China), Jack Chan (Hong Kong) e Liang Chen (Taiwan); e “Criatividade e Impacto”, com Victor Tong (Malásia), Jason Groupp (EUA), Erich Caparas (EUA), Anthony Mendoza Barlan (Filipinas) e Prito Reza (Bangladesh).

A competição geral é dividida em oito categorias que incluem o retrato, retrato criativo, crianças, paisagens, casamento, pré-casamento, retrato e paisagem captados por telefone. O painel do júri seleccionará os 32 vencedores através de um processo ao vivo e a apresentação do prémio será realizada no dia 10 de Janeiro. O destaque da competição será o anúncio dos dez melhores fotógrafos internacionais durante a apresentação dos premiados na noite de terça-feira.

6 Jan 2017

Dennio Long, arquitecto e fotógrafo | Por entre esboços e detalhes

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um apaixonado pelo património da terra que o viu nascer e isso nota-se assim que se visita a sua página no Facebook com o seu nome. Trata-se de um espaço cheio de memórias, muitas vezes com rostos.

Dennio Long estudou Arquitectura no interior da China mas, nos tempos livres, gosta de fotografar os monumentos dos quais ninguém se lembra, que ficaram esquecidos nas velhas memórias de uma Macau que já não existe. Há ainda fotografias sobre Itália e Portugal.

São os detalhes que ele quer mostrar, para que nem tudo se perca com o passar do tempo. “Como estudei Arquitectura, estive sempre atento aos monumentos de Macau e reparei que as transformações são enormes, e parece que ninguém está a tomar atenção a isso. Por isso tiro fotos aos monumentos a que as pessoas não prestam muita atenção. Dou atenção sobretudo aos que não estão protegidos pela UNESCO, que têm um estilo mais moderno ou que são esquecidos pela população.”

Dennio Long dá como exemplo a zona do Porto Interior ou os pátios tradicionais chineses, a maioria deles em risco de ruína. O arquitecto fala ainda do exemplo da Escola Portuguesa de Macau ou das casas da zona de San Kio, um exemplo de Art Nouveau ao estilo chinês.

“Depois da transferência de soberania, o desenvolvimento económico da cidade foi rápido e as mudanças foram demasiado rápidas, muitas das quais não notamos. Espero que a nossa geração possa ser como a geração mais velha, ou seja, mais responsável, com a criação de memórias da nossa cidade. Esse também é o objectivo da fotografia.”

O interesse pela fotografia começou há dez anos e foi através dela que Dennio Long percebeu que, em Macau, há coisas que se perdem de um dia para o outro para nunca mais voltarem. “Notei uma grande diminuição de monumentos. Costumo andar pela rua, olho uma casa e, como não trago o meu equipamento, não tiro a fotografia. Um mês depois a casa já não está lá.”

O passado ignorado

Além das fotos que partilha nas redes sociais, Dannio Long pretende chamar a atenção do Governo para a forma como a cidade está a crescer e, ao mesmo tempo, a desaparecer.

“As pessoas elogiam os cenários bonitos mas, na prática, não querem voltar ao passado. As pessoas não querem morar nas casas velhas, sobre as quais o Governo não tem capacidade de gestão, por serem privadas. É difícil usar os cofres públicos para fazer algo. O Governo tem de pensar em métodos mais detalhados para proteger as zonas em separado.”

Quanto ao centro histórico, Dennio Long considera tratar-se de um “conceito vago”, onde se misturam vários estilos e temporaneidades. “Há dez anos ainda conseguíamos ver as ligações, mas tudo isso desapareceu. Acho que o que existe actualmente já não corresponde ao centro histórico.”

O arquitecto recorda-se, então, da Europa. “Em Itália há uma zona inteira com arquitectura antiga em várias ruas e isso em Macau não existe, está tudo misturado com outros tipos de arquitectura, quebrou-se a ligação.”

Dannio Long tira fotos da perspectiva de um arquitecto e são os detalhes que mais gosta de mostrar: aquela janela que enferrujou com o tempo, a cortina que ficou, o degrau que nunca mais foi limpo.

“Se olharmos com mais atenção, as fotos publicadas pelo Governo são falsas, são cenários que não correspondem à realidade. Quero apresentar cenários verdadeiros às pessoas, e espero que as minhas fotos possam gerar algum tipo de pensamento nos outros.”

O que faz, considera, é quase único. “Não há muitos fotógrafos profissionais em Macau, e os poucos que existem não gostam muito de tirar fotografias exclusivamente dos monumentos”, remata.

6 Jan 2017

Hugo Teixeira, fotógrafo | O bambu e os mestres

No próximo dia 13 é inaugurada a exposição “Transcience: Daredevils and Towering Webs”, um conjunto de fotografias que retratam andaimes de bambu e os mestres que os montam, pela lente de Hugo Teixeira, na sua primeira exposição em Macau. O HM foi falar com o homem atrás da câmara

O que podemos esperar desta exposição?
Podem ver cianotipia e ambrotipia, são os dois processos de fotografia que prefiro usar. Na cianotipia tiro fotografias num tom azul sob papel de aguarela, que é um processo antigo, enquanto a ambrotipia é fotografia a preto e branco sobre vidro. São ambos processos do século XIX. As cianotipias são imagens de diversos edifícios em Macau cobertos por andaimes em bambu, um projecto que comecei há algum tempo só por interesse pessoal. Depois, a ambrotipia são retratos dos mestres que montam esses andaimes em bambu. A ideia foi unir os dois processos num mesmo tema mas, ao mesmo tempo, ter duas vertentes diferentes para se poder perceber o valor e as diferenças entre ambos.

De onde veio a ideia de fotografar andaimes?
Quando cheguei a Macau adorava andar pela cidade, perdia-me durante horas. Vivo aqui há seis anos. Quando cheguei houve diversos temas que me interessaram, que me chamaram a atenção e que comecei a fotografar, só por brincadeira. Depois, mais tarde, explorei com tempo e cuidado. Os andaimes foi um tema que permaneceu até hoje, e que acabou por interessar o João Ó, que me convidou para fazer uma exposição. Ele também trabalha em bambu, fez várias instalações e estruturas com esse material. Foi um tema em que pude ligar os dois processos fotográficos, no fundo, a fotografia que eu gosto de fazer.

Como começa o seu interesse pela fotografia?
Comecei por roubar a máquina da minha mãe, tirar umas fotografias e depois levar nas orelhas por cortar cabeças, pernas, etc. Mais tarde, fui atraído pela tecnologia. Tinha um amigo que comprou uma daquelas primeiras máquinas automáticas, DSLR. Gostava de ver como aquilo funcionava. Foi um interesse partilhado com outros amigos, isto com 17, 18, 19 anos, e começámos a fotografar como hobby. Nesse tempo, claro, ainda analógico, o digital ainda estava a começar, mas foi aí o princípio.

O gosto aprofundou-se…
Depois de acabar o curso universitário fui para Portugal e interessei-me mais pelo lado de fotojornalismo e da fotografia documental. Nos Estados Unidos tinha começado o curso de Belas-Artes, mas depois vi que não teria emprego, e virei-me mais para a linguística. Fui criado com duas línguas e tinha o interesse por línguas e comunicação. Quando fui para Portugal, fiz o curso de fotojornalismo e fotografia documental na ETIC e depois vim para a China. Comecei a explorar temas de uma forma mais documental, mas ficou-me o interesse por estes processos antigos que aprendi nas Belas-Artes. Tinha um professor que até o papel produzia, fazia as fotografias de raiz. Naquela altura fiquei curioso, mas acabei por não explorar logo as técnicas. Aí fazia mais fotografia a preto e branco, papel, mais tradicional. Mas aquilo ficou.

Alguma ideia porquê?
Estas técnicas antigas já tinham sido a última tecnologia de há muito tempo. Gosto da ideia de pegar numa tecnologia ultrapassada e explorá-la como alternativa.

Curiosa forma de viver a fotografia na era do Instagram.
O Instagram, as selfies, toda essa cultura não me parece que tenha vindo substituir nada do que era feito antes, mas é uma nova vertente. Pessoalmente não me interessa, não gosto muito de partilhar nas redes sociais, mas aprecio como outro meio, outra opção.

Quais são as suas principais influências?
Toda a escola de Dusseldorf, adoro tipografias, repetir o mesmo tema para explorar uma estrutura. Ultimamente, Mark Klett e Trudy Smith. Eles começam do arquivo fotográfico e tentam colocar essas imagens no contexto contemporâneo. O Mark, por exemplo, fez um grande trabalho com fotografias de arquivo de São Francisco em 1906, depois do grande terramoto que destruiu a cidade. Depois fotografou os mesmos locais em 2006, um século depois. Trudy fotografa temas mais sociológicos. Gosto muito do trabalho que fez sobre a forma como se criou a identidade canadiana. Partiu daquelas primeiras imagens dos territórios não povoados, novos territórios recém-colonizados do Canadá.

As suas influências são só fotógrafos?
Não, também cineastas, como por exemplo Wes Anderson. Gosto daqueles enquadramentos direitinhos, tudo muito simétrico, de frente, ou de cima. Os andaimes em bambu são estruturas grandes, muito simétricas. É uma forma diferente de olharmos para os edifícios, são coisas muito temporárias, mas permitem-me focar-me apenas na forma, em vez de ser o edifício tal, ou a igreja tal. Fica simplesmente a forma, depois resta-me procurar um ângulo que permita captar aquele retrato do edifício. Acho um desafio interessante.

Como é o seu processo criativo?
Por exemplo, quando vou a caminho do trabalho, dou uma volta a pé, vejo uma coisa e capto com o telefone. Ah, porque eu sou professor de Inglês, trabalho no Instituto de Formação Turística, já estive no Politécnico, no Externato de São José. A fotografia sempre foi um hobby. Mas gosto de andar e procurar coisas para fotografar, excepto no Verão, em que não dá para andar por aí com a máquina. Depois volto, com mais tempo, porque estou a fotografar com máquinas de grande formato. Normalmente, cativam-me estruturas, enquadramentos, não sei por que me chamam a atenção, mas há algo diferente a que quero voltar, que quero ver com mais cuidado. Primeiro ando à procura dos ângulos certos, como são edifícios enormes, para variar o ângulo, por vezes tenho de me deslocar um quilómetro. Depois volto com a máquina, com o filme, com tripé, e capto quatro ou cinco fotogramas. O passo seguinte é ir para casa revelar, tentar não deixar cair os negativos no meio do chão, tentar não abrir a máquina com as luzes ainda acesas. Metades das vezes tenho de voltar e fotografar outra vez (risos). Depois da revelação vem a digitalização. Grande parte das imagens que vou mostrar já tirei há um ano ou dois. Vivo algum tempo com as imagens, depois faço ampliações digitais sobre acetato, assim como algumas pequenas provas para ver se realmente resulta. Só posteriormente é que faço o formato maior.

E o retrato dos mestres de bambu?
A ambrotopia teve um processo completamente diferente. Convidámos os mestres lá para minha casa, para o terraço. Foi um processo mais simples, fiz uma ou duas imagens, eles perderam a paciência e foram-se embora. Fica aquilo, porque uma imagem é final, é o positivo sobre vidro. Digitalizei mais tarde porque aquilo ainda leva verniz. É um processo mais rápido. Na cianotipia faço grande, depois repito três, quatro vezes até acertar o contraste.

Como surgiu esta oportunidade de retratar os mestres?
Os retratos foram com a ajuda do João Ó, que é o curador da exposição. Ele trabalha já há algum tempo com os mestres do bambu, inclusive convidou alguns para ir a Portugal montar bambu no Museu de História Natural e Ciência de Lisboa. Aproveitei esses elos que ele estabeleceu para fazer a parte dos retratos. Nós partimos da ideia de querer mostrar os processos, não queria apenas mostrar fotografias aleatoriamente. Peguei nos edifícios que já tinha fotografado há algum tempo e tentei com a ambrotipia. Acho que retrata as pessoas de uma forma muito interessante, muito diferente. Como o João já tem estas relações estabelecidas, aproveitámos para convidar os mestres para irem lá a casa. O processo demorava muito tempo, e nalguns casos os senhores já tinham alguma idade, eram reformados, mas porque um amigo de um amigo convidou, eles apareceram. Fazia uma imagem, revelava, e eles perguntavam: ‘Está tudo bem, posso ir embora?’, ‘Pode ir embora, muito obrigado senhor Ho’. Outros que conheciam melhor o João ficavam. Bebiam umas cervejinhas, fumavam um cigarrinho e conversávamos um pouco. Mas foi o João que permitiu fazer a ligação. Porque eu, embora esteja cá há seis anos, não falo chinês para poder estabelecer aqueles elos.


As teias e os mestres

O nome da exposição é “Transience: Daredevils and Towering Webs”, e estará patente na Taipa Village Art Space, entre 13 de Janeiro e 31 de Março. Usando técnicas que remontam ao séc. XIX, o luso-americano Hugo Teixeira foca uma das características de Macau: os andaimes de bambu que enchem a cidade, assim como os mestres que os construíram. As estruturas assemelham-se a gigantescas teias, e são o suporte das aranhas que ousam desafiar a gravidade para construir os prédios de Macau. Também os mestres que montam estas estruturas foram alvo da lente de Hugo Teixeira, em retratos com uma força que só uma técnica cuidada consegue captar.

5 Jan 2017

Desejos em Confronto 中俄边境的一些镜头

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Verão de 2014, Davide Monteleone iniciou uma viagem ao longo da fronteira da Rússia com a China em busca de algo que fosse real e fizesse sentido. Nessa altura o fotógrafo italiano vivia em Moscovo há mais de uma década. As imagens dos locais remotos, capturadas pela sua objectiva, trazem-me à ideia as palavras de Marcel Proust: “Não conseguimos alterar a realidade em função dos nossos desejos, mas aos poucos os nossos desejos vão-se alterando.”

Juntei aqui quatro fotografias cujo significado, tal como um desejo secreto sem pretensões a tornar-se realidade, não se altera nunca.

Monteleone: “Num local remoto como este os russos ficam à espera que algo aconteça, ao passo que os chineses tentam fazer qualquer coisa.”

Réplica da Catedral de São Basílio. A original, mandada construir no séc. XVI por Ivan O Terrível, está na Praça Vermelha em Moscovo. A réplica que aparece na foto foi construída pelos chineses em Jalainur. As torres pintadas e as cúpulas em forma de cebola são ocas; dentro do edifício aloja-se um museu dedicado à Ciência. © Davide Monteleone
Yu Shi está a estudar em São Petersburgo para vir a ser padre ortodoxo. A foto foi tirada em Harbin, na China. © Davide Monteleone
Um vendedor de comida espera os clientes na margem do rio Songhua, em Harbin, sob as duas pontes ferroviárias – a velha e a nova – pertencentes à Linha Chinesa do Leste. A ponte antiga, à esquerda, foi construída pelos russos no início do séc. XX. A nova, à direita, foi construída pelos chineses. © Davide Monteleone
Passageiros no terminal ferroviário da cidade de Manzhouli, uma pequena cidade chinesa junto à fronteira com a Rússia. © Davide Monteleone
21 Dez 2016

José Drummond na lista final do Sovereign Asian Art Prize

É a terceira vez que José Drummond, artista plástico português radicado em Macau, é nomeado para o prémio mais importante da região vizinha na área das artes. O reconhecimento lá fora não acompanha o que se passa em casa

[dropcap]T[/dropcap]rata-se de uma nomeação directa, conquistada pela presença este ano no Sovereign Asian Art Prize. José Drummond foi finalista na edição de 2016, tendo o seu trabalho sido mostrado na Christie’s, garantindo um lugar na competição do próximo ano. Regressa ao mais importante prémio das artes em Hong Kong com três trabalhos, todos eles feitos com caixas de luz. É a terceira vez que o artista português, a viver em Macau há mais de 20 anos, entra na lista daqueles que a organização entende serem os melhores da Ásia. “É sempre bom. Não acho que os prémios sejam completamente reveladores do trabalho que as pessoas fazem no trajecto da sua carreira, mas são veículos de reconhecimento que acabam por ser importantes, especialmente nos dias de hoje”, comenta José Drummond ao HM. “Nesse sentido, é óptimo.”

Organizado anualmente, o Sovereign Asian Art Prize convida artistas contemporâneos, que estejam a meio da carreira, para submeterem três trabalhos online. As obras são depois avaliadas por um júri da região constituído por especialistas em arte, que escolhem os 30 melhores trabalhos.

É esta selecção que vai estar ex- posta num local público em Hong Kong, sendo que se segue depois uma nova apreciação. O artista vencedor recebe 30 mil dólares norte-americanos. À excepção da obra vencedora, os restantes trabalhos são leiloados durante a gala de atribuição dos prémios. Além da obra seleccionada pelo júri, é ainda distinguido o trabalho que mais votos recebeu do público que foi ver a exposição.

“É um dos prémios mais importantes da região Ásia-Pacífico”, contextualiza José Drummond. “Já começo a ser um repetente, é a terceira vez que estou nesta fase. Penso que será a primeira vez que acontece a um artista de Macau.” O artista português foi o único do território presente na fase final da iniciativa.

DA NOITE E DO DIA

Na edição de 2017, Drummond concorre com um media que tem uma presença importante na sua obra: as caixas de luz. “Tem que ver com o meu interesse em espelhar todos estes conceitos à volta da luz e da sombra. Depois, embora sejam fotografias tiradas no momento, há sempre nos meus trabalhos uma condição teatral, cenográfica, quase encenada. É por isso que tenho optado, para estas séries, pelas caixas de luz.”

As três obras a concurso resultam de fotografias tiradas à noite, um momento em que a cidade se transfigura. Na sequência de um trabalho que tem vindo a fazer, as imagens obedecem a uma narrativa poética, que “tem que ver com o estado de desassossego, com a insónia”.

No primeiro trabalho, “Think of the saddest thing in your life”, vê-se uma fotografia tirada num lago. “É só água. Digo, a determinada altura no texto, como a água pode ser tão opaca quanto a vida. Temos esta ideia de que a água é transparente, mas não é”, observa. “Mais uma vez, tem que ver com a teoria da luz, com as cores. Nesse trabalho usei luz que transformasse a cor normal do lago. Ficou azul porque forcei a que casse assim.”

“All those moments at night when you’re not with me”, a segunda fotografia, “é mais próxima de um instantâneo” e está relacionada com uma investigação que o artista plástico tem estado a fazer, associada à ideia da “ausência do outro, que nos leva a deambular pelas ruas”.

Trata-se de uma série em que José Drummond procurou captar situações que entende serem interessantes na cidade. A imagem em questão mostra o recanto de uma pessoa que “colecciona coisas inúteis que recolhe do lixo”. “Colecciona garrafas de plástico e pendura-as à entrada de casa. Tem as portas de casa abertas e consegue-se ver tudo o que se passa lá dentro.” Há uma certa organização no espaço fotografado, explica: “Tem uma cadeira pendurada, há uma lógica muito pessoal que nos faz confusão. Esta pessoa em especial tem sido objecto da minha investigação há algum tempo, com fotografias em diferentes momentos do dia e com objectos diferentes”.

“Não acho que os prémios sejam completamente reveladores (…), mas são veículos de reconhecimento que acabam por ser importantes.”
JOSÉ DRUMMOND, ARTISTA PLÁSTICO

A fotografia enviada para Hong Kong tem “um ar quase de ficção científica”. “Não tenho qualquer intervenção na imagem, a não ser clicar”, refere. No entanto, o lado cénico mantém-se. “Tudo aquilo é encenado, mas por outra pessoa.” A fotografia insere-se numa série em que Drummond vai à procura de pessoas que estão, de certa forma, fora do que é convencional, “personagens que são deixadas para trás” na sociedade.

O último trabalho, “When my hands make your heads spin”, tem a morte como subtexto. “É uma reflexão. São dois ravers no final de uma festa. O final da festa significa também quase o final do corpo. A paz é quase morte, naquele sentido. Depois de toda a excitação e do excesso que possa ter havido, há depois este momento, completamente oposto”, mostra. “Esta dualidade entre vida e morte é um lado que tenho andado a explorar. É muito difícil falar sobre a morte e registá-la. Nunca conseguimos fazer uma boa representação da morte porque não sentimos a nossa; só a sentimos através da morte dos outros.”

LÁ FORA

Nos últimos anos, José Drummond tem sido mais valorizado fora de Macau do que em casa. “De algum modo, parece que o meu trabalho vai sendo mais reconhecido fora de Macau do que aqui”, diz.

Além do lugar conquistado entre os finalistas da edição de 2016 do Sovereign Asian Art Prize, o artista teve o seu trabalho exposto na Berlin Transart Trienalle, em Agosto passado.

Durante este ano, participou em festivais de vídeo de Portugal, Espanha e Áustria. Juntamente com a artista Peng Yun, teve uma obra no Rosalux Project Space em Berlim. Por cá, fez um trabalho especificamente para a última edição do Festival Literário Rota das Letras.

José Drummond teve ainda um ano muito activo enquanto curador. Foi responsável por mais uma edição do VAFA e do festival de vídeo experimental EXIM, além do papel desempenhado na selecção de obras para a exposição que assinala o nono aniversário da Art For All, cuja inauguração está marcada para esta semana.

O ano do artista plástico termina com uma projecção de um trabalho na Cinemateca Paixão, no próximo dia 28, que serve de introdução à obra que, em Janeiro de 2017, vai apresentar.

20 Dez 2016

Des-fotar: contra o vórtice das imagens

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]conteceu em Maputo. Dois casais. Um deles tinha uma teleobjectiva e entretinham-se a tirar fotos em grupo. Estranho, faziam tudo para tapar a cara. Intrigava-me esse gesto de antepor um punho, três dedos abertos, a mão cerrada entre o clic e o rosto. Punham-se em pose para, afinal, ocultar a cara. Às duas por três, uma transpôs o murete que separa a esplanada do passeio e pediu à amiga, tira-me uma foto. E um segundo antes da outra carregar no botão ela disparou o braço para a frente com os dedos em vê a tapar o rosto e nomeou a coisa: Des-foto. Era um gesto pensado e por desconcertante que pareça tem atrás de si um conceito.

A Des-foto é o oposto da Selfie ou a sua simétrica paródia?

Não imagino se a Des-foto é invenção deles ou a imitação de uma vaga que pela primeira vez vi aflorar em solo moçambicano. A Des-foto organiza uma tensão na imagem: o sujeito aderiu à representação mas suspendendo-a, antepondo à sua imagem algo que a trunca. É uma espécie de burka da fotografia?

Por outro lado, se isto for uma moda, corresponderá este novo rito a uma reacção epidérmica, contra-fóbica, à saturação de imagens em que naufraga o mundo – ainda que usando o pêlo do cão agressor para curar a mordidela?

Gosto da foto que encima esta crónica. É de um fotógrafo moçambicano e chama-se….. O visado reage, como se avisasse: “eh, sou pobre mas resta-me o direito à minha imagem!”. E contra a imagem da sua pobreza contrapõe a dignidade de manter isso em reserva, exige o recato do silêncio.

Uma vez viajei pelo Yémen com um realizador que para disfarçar o seu mal-estar, naquele mundo distintíssimo do nosso, se armava com duzentas máquinas a tiracolo. Por milhares de livros que tenhamos lido, por fotos que tenhamos visto, por volumosa que tenha sido a informação digerida, quando estamos no terreno é o corpo quem reage e não a nossa armação racional. Ele defendia-se com a brutalidade do seu aparato tecnológico. E só conseguia lidar com a fobia que o tomava através da mediação da imagem, do antídoto da distância.

Atravessávamos Hadramouth, um longo oásis ligado às antigas rotas das especiarias, e vimos um grupo de pedreiros a amassar tijolos com a mesma técnica dos tempos bíblicos. Eu dispunha-me a fazer uma reportagem e parámos o carro. Ele correu, para despachar o serviço, e antes de qualquer conversa, do mínimo protocolo, rondou os pedreiros como um urubu e clic, clic, zás, catrapás, colheu duas dúzias de imagens em cima dos atónitos iemanitas. Instalou-se um clima de hostilidade que impediu qualquer conversa útil: os pedreiros dispensavam ser souvenires, e como tínhamos agido sem consentimento saímos dali de mãos vazias e, por sorte, vivos.

Sem consentimento: é assim que mais de metade das imagens percorrem o mundo, através das redes sociais, das revistas, dos canais televisivos, formatando opiniões a partir de simulacros destituídos de contexto. É o modo mais perigoso de sobrepormos à realidade “um banco de irreais” que deformam a nossa percepção e a embaraçam em estereótipos e lugares-comuns que nos coarctam o raciocínio. Temos de reaprender a pensar para-além das imagens, a desnaturalizá-las, mais ainda quando com o advento das imagens digitais se torna suspeita a velha máxima de que “uma imagem vale mil palavras”.

Pior, não apenas proliferam as imagens em que não há nada que ver, como assistimos, como insinuou Braudillard, a uma escalada do politeísmo que tem agora nos objectos e nas suas imagens o seu avatar: «Hoje, todas as coisas querem manifestar-se. Os objectos técnicos, industriais, mediáticos, os artefactos de toda a classe, querem significar ser vistos, ser lidos, ser gravados, ser fotografados. Cremos fotografar tal ou qual coisa por prazer e em realidade é ela que quer ser fotografada nada mais somos que a figura que os põe em cena, secretamente movidos pela perversão auto-publicitária de todo o mundo circundante. (…) Já não é o sujeito quem representa o mundo (i will be your mirror!): é o objecto quem refracta o sujeito e, subtilmente, por meio de todas as nossas tecnologias, e lhe impõe a sua presença e a sua forma aleatória.»

Dir-se-ia, estamos possessos.

Será por isso que uma democracia apoiada sobretudo na retórica das imagens é uma democracia enlanguescida, que já não reflecte no significado das suas emoções colectivas e se limita a traduzi-las em espectáculo? Eis o triste ensinamento que nos trazem os “talk-shows”, cujo formato impede o raciocínio de desenvolver-se e obriga à lógica redutora do slogan, os “reality shows”, os últimos episódios da democracia-capturada-pelos-media, no Brasil, e a deprimente campanha para as eleições nos EUA.

Temo que Des-fotar não passe de mais uma moda idiota, mas se trouxer a alguns a necessidade de reflectir sobre o que é uma imagem, o que é uma representação, e se os levar em conformidade a proceder a uma espécie de “economia das imagens”, constituirá, afinal, um acto ecológico. E talvez ajude aqui um dito de Blanchot, que podemos usar como lema: “todos os dias há uma coisa para não ver”.

17 Nov 2016

Instagram | Encontro no território pretende promover turismo internacional

Macau no Instagram e fotografado pelos “melhores”. Foi a ideia do Turismo para trazer à região os melhores “iggers” de Portugal e juntá-los com os da terra, para que as imagens, para além dos casinos, possam circular pelo mundo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro “Instameet Macau” aconteceu no passado sábado. O encontro que normalmente convida os mais prestigiados “iggers” foi agora aberto ao público numa iniciativa do Turismo de Macau em Lisboa. No total, a iniciativa contou com 15 participantes entre locais, oriundos da China continental, portugueses e até de Marrocos que, com o seu olhar, contribuíram para dar a conhecer a terra além dos casinos.

Em época de “diversificação do turismo da região, este foi um encontro que, aliado às novas tecnologias e tendências, pretendeu dar a conhecer a RAEM ao mundo”, afirma o organizador e representante dos escritórios do Turismo de Macau em Lisboa, Gonçalo Magalhães. Neste sentido, convidou duas referências portuguesas para uma semana no território de modo a que este fosse documentado de “outra forma”. A estadia de Ana Morais e Kitato, os “iggers” convidados, terminou com aquele encontro aberto que deixou nos participantes a sensação de “acontecimento a repetir”.

Recepção ventosa

Da semana que recebeu os instagrammers de Portugal, Gonçalo Magalhães faz um balanço “muito positivo”. “Apesar das adversidades que encontraram à chegada de Portugal, porque não só apanharam um, mas sim dois tufões, considero que não parámos de fotografar, de descobrir sítios e de procurar sempre mais coisas em Macau”.

O encontro que marca o final da viagem, ao contrário do que tem sido feito pelo mundo fora, foi pela primeira vez, aberto a todos, o que resultou numa mistura de culturas que “não se esquece”.

“O Turismo de Macau deu-nos a oportunidade de trazer aqui este encontro de “iggers” que, aliado ao P3 através do Luís Octávio Costa, proporcionou um bonito encontro cultural” descreve Ana Morais, convidada e representante da associação Gerador, ao HM, ainda profundamente impressionada com Macau. “Esta é a minha primeira experiência na Ásia e acho tudo maravilhoso”, explicou enquanto comentou que não se sentiu num país estranho. Outro ponto que a responsável pelos encontros refere é “forma simpática das pessoas acolherem os que vêm de fora”.

Já Luís Octávio Costa vai de regresso a casa com a sensação  de que Macau é a verdadeira terra de misturas e contrastes. “Vim, enquanto Kitato,  e fui convidado pelo Turismo de Macau para fazer o que faço no instagram, ou seja, mostrar a minha perspectiva dos sítios por onde passo e não fazer os postais que normalmente se fazem das cidades” sendo esta a característica “mais interessante deste tipo de iniciativas”. Como também é editor do P3, as coisas acabam por se confundir e acaba por mostrar as galerias dentro da publicação.

Para o “igger” um dos motivos a explorar na RAEM “são os prédios e os seus recortes e há muitas pessoas que vêm aqui para fotografar isso mesmo”. Por outro lado, “o que atrai em Macau a nível visual, e para o instagram, é a vida nas ruas e as suas pessoas, sendo que a plataforma obriga a descobrir estas coisas”.

Ligados à cidade

No encontro participou também o arquitecto residente Nuno Assis, já reconhecido pela actividade no instagram. “Este tipo de eventos é importante para a promoção das cidades”, diz. Apesar de não serem muito conhecidas na China, as promoções das cidades através do instagram, na Europa, já começam a ser uma opção tomada por muitas cidades”. Nuno Assis considera que “é importante a cidade e o Governo entenderem que este tipo de eventos são fundamentais para a promoção da cidade e para a aproximação com as pessoas”.

Já Sam, vem da China continental a convite dos colegas que conhece via instagram. Ao saber do evento, não hesitou e juntou-se ao grupo . Para o “igger”, “é um evento muito positivo, não só como promoção do presente mas como “memória para o futuro porque Macau está a mudar muito e é bom ir registando os momentos para que fiquem nas recordações”, considera.

As fotografias e os vídeos resultantes do encontro podem ser acompanhados no Instagram a partir das “hastags” #osfabulososinstameetsgerador, #gerador, #experiencemacaoyourownstyle, #wowmacau e #macau.

25 Out 2016

Core Studio, estúdio de fotografia | Nuno Veloso, director

Pouco mais de um ano depois de ter aberto a empresa de audiovisual Core Productions, o fotógrafo Nuno Veloso cansou-se de ter uma enorme sala vazia e decidiu abrir o Core Studio, que pretende proporcionar diferentes experiências no mundo da fotografia

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]uno Veloso sempre fotografou modelos, actores e o fabuloso mundo da moda e do entretenimento. Um ano após ter aberto uma empresa de fotografia e vídeo, a Core Productions, o fotógrafo português decidiu ir mais além e abrir o Core Studio, um espaço que faz lembrar o velhinho fotógrafo, virado para as pessoas.
“O Core Studio é um estúdio aberto ao público. Fotografamos pessoas individuais, não é para clientes ou negócios, no sentido de fotografar produtos ou serviços, mas fotografamos pessoas para fazerem os seus retratos, famílias, crianças, bebés, recém-nascidos. Aqui na Ásia as pessoas gostam muito de fotografar os seus cãezinhos e gatinhos, então o Core Studio é como um estúdio de produção, mas para pessoas”, disse ao HM Nuno Veloso.
A inauguração do espaço aconteceu na passada sexta-feira e o fotógrafo garantiu que no Core Studio não há lugar à fantasia. “É mesmo focado nas pessoas e é quase voltar ao fotógrafo antigo. Nós no Core Studio não queremos colocar as pessoas a serem retratadas na fantasia, mas queremos tirar o retrato delas próprias. Não vamos ter os vestidos e mil e quinhentas coisas em que a pessoa fica escondida no meio daquilo tudo. Se os nossos clientes quiserem ser fotografados assim, não vamos dizer que não, mas estamos mesmo a apostar no retrato da sua própria identidade e não de uma fantasia.” core studio2
O Core Studio apresenta-se como um filho da Core Productions, mas é uma espécie de prenda que Nuno Veloso quer dar a Macau, a terra onde cresceu. “A Core Productions, como produtora de audiovisual, só precisa de uma sala e já não aguentava estar sentado numa secretária e ter ali um espaço com tanto potencial e não fazer nada dele. E foi por aí que decidi abrir o Core Studio, sendo algo onde eu já tenho alguma experiência. Cresci aqui, considero-me uma pessoa de Macau e é uma forma de eu poder dar alguma coisa a Macau, tendo um serviço profissional para as pessoas serem fotografadas”, apontou.

Packs e cocktails

No Core Studio fazem-se retratos de pessoas, mas também de namorados e de famílias, de mulheres grávidas ou dos seus filhos recém-nascidos. Há até a possibilidade de fotografar animais de estimação. Tudo isso com base em pacotes com um preço pré-definido.
“O que eu quero que aconteça no Core Studio é um sítio onde as pessoas vão para serem fotografadas mas que para elas seja uma experiência também. Vai ser divertido de certeza absoluta, porque é essa a nossa forma de trabalhar, e vamos ter pequenas ofertas conforme os packs que vão escolher. Vão poder ter cocktails à entrada, alcoólicos ou não. Têm pequeninos luxos e vão sentir-se quase como estrelas durante aquele tempo em que estão ali para ser retratadas”, contou Nuno Veloso.
O Core Studio pretende ainda ser um espaço de partilha de experiências, já que serão feitos convites a outros fotógrafos para trabalhos. “Sou o dono do estúdio, mas conheço fotógrafos muito melhores do que eu, a fotografar mulheres grávidas ou recém-nascidos, por exemplo. O meu background é mais ligado ao mundo da moda e a fotografar actores e dançarinos e isso vai ser fotografado por mim. Mas nem tudo vai ser fotografado por mim.”
Nas paredes do estúdio de fotografia há ainda lugar para a exposição das fotografias de outros. “
Também temos uma área a que chamo de micro galeria para todos os outros fotógrafos que queiram expor as suas fotografias. De tempos a tempos vamos mostrando outros trabalhos”, explicou Nuno Veloso.
Com o Core Studio, Nuno Veloso quis aproveitar um nicho de mercado e proporcionar momentos diferentes na hora de fotografar, algo que não se consegue com um simples smartphone. core studio4
“Todos somos fotógrafos hoje em dia, e até podemos ter uma máquina muito boa, mas é uma experiência diferente ir a um estúdio profissional de fotografia. Eu chego a dizer que é como uma pessoa ir ao cinema, passar lá uma hora e meia e ficar com as imagens e o filme na memória. E ir a um estúdio de fotografia passa lá uma hora e o que traz consigo, além das memórias, são as fotografias para as poderem ver um dia mais tarde”, rematou.
O Core Studio tem uma página do Facebook com o mesmo nome e fica na Alameda Carlos de Assumpção, Kin Heong Long, 5A.

11 Nov 2015

Casa Garden | World Press Photo 2015 acontece em Outubro

Este ano, as problemáticas contemporâneas estão no centro do World Press Photo, o maior concurso de fotojornalismo do mundo. A 58.ª edição conta com transsexualidade, relações amorosas e trabalho fabril no pódio. A mostra vai estar em Macau entre 10 de Outubro e 1 de Novembro na Casa Garden

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Casa Garden é novamente palco da exposição itinerante do World Press Photo 2015, mostra de fotografia a nível mundial. O vencedor desta 58.ª edição é o dinamarquês Mads Nissen, um jornalista do jornal diário Politiken, representado pela Panos Pictures.
A exposição, organizada pela Fundação Oriente, acontece entre 10 de Outubro e 1 de Novembro. Este “concurso anual de fotografia jornalística” conta com o apoio da Casa de Portugal. Este ano, participaram na competição quase 5700 fotógrafos profissionais de 131 países, incluindo Austrália, Bangladesh, Dinamarca, China, Bélgica, Eritreia, França, Irlanda, Polónia, EUA, Reino Unido, Turquia e Suécia. world press photo
A fotografia vencedora mostra Jon e Alex, um casal homossexual, num momento íntimo em São Petersburgo, na Rússia. “As minorias sexuais enfrentam discriminações de ordem social e legal, assédio e mesmo ataques violentos de ódio por parte de grupos conservadores nacionais e religiosos”, explica a Fundação em comunicado. A fotografia seleccionada está integrada num projecto pessoal de Nissen, destinado à Scanpix. O dinamarquês ganhou ainda o primeiro lugar no prémio Contemporary Issues.
As películas premiadas são apresentadas em exposições numa centena de cidades por mais de 45 países. As pessoas têm ainda direito a fazer download de uma aplicação móvel gratuita, através da qual é possível aceder às fotografias em nove línguas, conhecer a história de cada uma delas, ter acesso a testemunho dos fotógrafos e outros trabalhos dos autores.

Mundo contemporâneo

As três obras principais inserem-se na temática da presente edição – “Problemáticas Contemporâneas”. Na exposição são assim abordados conceitos relacionados com a orientação sexual ou a fuga de países em guerra.
O segundo prémio foi atribuído ao fotógrafo chinês Ronghui Chen, por ter captado um trabalhador fabril em Yiwu, munido de um chapéu de Pai Natal. A cor encarnada do adereço funciona como acessório à própria fotografia, que coloca o jovem trabalhador numa luz também ela vermelha, junto ao material que utiliza.
O terceiro galardão foi parar às mãos do italiano Fulvio Bugani, fotógrafo há mais de 15 anos e com uma série de trabalhos feitos em associação com organizações não governamentais e de ajuda aos desfavorecidos, incluindo a Amnistia Internacional. A fotografia que valeu o prémio a Bugani faz parte de uma série que versa sobre a problemática da transsexualidade na Indonésia, onde este grupo é apelidado de “waria”, nome que aglutina “homem” e “mulher” na mesma frase. A película em questão não tem cor e mostra várias mulheres originárias daquele país à porta da Pesantren Waria Al Fatah, uma escola inteiramente dedicada aos transsexuais, em Java.

8 Set 2015

Fotografia | Artista paquistanês em galeria de Hong Kong

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] artista de fotografia paquistanês Mo Shah expõe uma série dos seus mais recentes trabalhos na galeria Fabrik de Hong Kong. “Test Pattern” é inaugurada hoje e fecha portas a 21 de Setembro, com oportunidade para conhecer o artista às 18h30 desta tarde. Actualmente a viver na RAE vizinha, tem desenvolvido obras com conceitos alicerçados na adoração, na fé, em fragmentos da cultura pop e simbolismo obscuro. De acordo com a organização, esta trata-se de uma exposição de “composições que consolidam um sem número de interesses do artista nas narrativas que exploram a procura desesperada pela beleza”.

Vida errática

Mo Shah nasceu na cidade da Karachi, no Paquistão, mas cedo começou a sua jornada interior e artística, tendo estado na Coreia do Norte, no Bangladesh e vivido em Nova Iorque, Bruxelas, Londres e Hong Kong.Mo Shah O fotógrafo e artista visual licenciou-se na Universidade de Nova Iorque e foi nessa cidade que começou a fazer as suas experiências na área. “O extenso arquivo de viagens de Shah está bastante presente na sua arte, que explora a relação entre indivíduos e instituições enquanto representações da sociedade”, esclarece a organização. Há, ainda, uma clara adoração pelo mundo do cinema nos trabalho do paquistanês, com várias homenagens à sétima arte a tomarem forma junto de locais icónicos. “No seu trabalho prevalecem o fascínio pelo cinema, história, existencialismo, surrealismo, iconografia e o oculto”, frisa.

Técnicas televisivas

“Transmission Eternal” foi a primeira exposição a solo do artista e teve lugar em 2013 na sua terra-natal, na cidade de Lahore. Foi no mesmo ano que venceu o Prémio de Escolha dos Críticos na Exposição Nacional de Arte Fotográfica. Mais recentemente, Shah esteve presente para integrar a Exposição de Arte Contemporânea da Ásia, incluindo na edição deste ano. Três das suas produções podem ainda ser apreciadas no Museu de Arte Contemporânea de Seul, na Coreia do Sul. O museu adquiriu recentemente estas três peças para a sua exposição permanente.
A mostra que estreia amanhã deve o seu nome a uma técnica utilizada nos primórdios da televisão para testar a qualidade do sinal de transmissão, graficamente conhecido como uma série de risco paralelos de diferentes cores primárias. “A minha mais recente colecção de trabalhos vai buscar esta relíquia à história e transmite um mundo de possibilidades e realidades infinitas”, explica o próprio autor.

26 Ago 2015

Bruno Saavedra expõe fotografias em Portugal

O brasileiro, ex-residente em Macau, apresenta pela primeira vez em Portugal uma mostra do seu trabalho com a máquina fotográfica. “Flavors” chega à zona de Almeirim em Setembro

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] fotógrafo luso-brasileiro Bruno Saavedra, ex-residente de Macau, expõe pela primeira vez em Portugal, em Setembro, apresentando fotografias de corpos envolvidos em ingredientes culinários. A mostra, constituída por 30 fotografias, intitula-se “Flavors” (Sabores), e é inaugurada no dia 5 de Setembro, na Galeria Municipal de Almeirim, no Ribatejo, ficando patente até ao final o mês.
Em declarações à Lusa, Bruno Saavedra afirmou que apresenta “fotografias de corpos envolvidos em ingredientes culinários, que se movem em torno do universo que cada modelo escolheu, naquele momento, para o tempero da sua carne”. “O seu olhar, a expressão do rosto, das mãos, do corpo são a apresentação de um ser feito alimento”, reforçou o artista.
“Num espaço branco como uma janela de luz, cada um e cada uma sente a sua pele – toca-lhe, cheira-a, prova-a. Com ela combina odores, texturas, sabores que a temperam e a transformam num objecto novo, sedutor ou apenas provocador, manchado ou abjecto, mas sempre sensual”, explicou o fotógrafo, de 28 anos.
A exposição desenvolve-se em torno dos sabores e alimentos do dia-a-dia, procurando “chamar à atenção, de uma forma artística, para todos desperdícios alimentares no mundo”. Na composição das fotografais foram utilizados alimentos como leite condensado, caldo verde, borras de café, mostarda ou puré de batata.

Fora de prazo

Todos “os alimentos utilizados estavam fora do prazo de validade”, realçou o fotógrafo à Lusa. “O projecto ‘Flavors’ começou a ser desenvolvido em Janeiro com pessoas de vivência comum que se mostraram disponíveis para fazer algumas experiências”, disse o fotógrafo.
“Numa tentativa de quebrar barreiras, convidei duas pessoas com deficiência auditiva para fazer parte do projecto – para mim foi um desafio e uma experiência inesquecível poder fotografar essas pessoas e perceber que a arte pode ultrapassar qualquer forma de linguagem”, contou Saavedra.
Questionado sobre a escolha de Almeirim para a sua primeira exposição, o fotógrafo, natural de Itamaraju, no Estado brasileiro da Bahia, afirmou que foi a primeira localidade que o acolheu quando chegou a Portugal, em 2004, e “daí fazia todo o sentido apresentar ali a primeira exposição”.
Para a cerimónia de inauguração, o fotógrafo afirmou que se realizará uma “performance” surpresa, “envolvendo sensações sabores e sons”. Em 2010, a convite da Casa de Portugal em Macau, Bruno Saavedra colaborou com a instituição nas programações cultural e artística, e, no ano seguinte, começou a estudar fotografia com o fotógrafo António-Mil-Homens.
Regressado a Portugal em 2014, e depois de uma formação em maquilhagem, na Make Up School, começou a desenvolver vários projectos artísticos. Em Maio último desenvolveu o projecto artístico para o espectáculo de homenagem à fadista Argentina Santos, “Gosto da Parreirinha”, levado à cena no Centro Cultural de Belém.

21 Ago 2015

Creative | Exposição de fotografia “Cities” inaugurada hoje

Trazer um olhar sobre outras cidades ao território é o objectivo máximo da exposição que começa hoje na Creative Macau. Cinco fotógrafos locais escolheram uma cidade e mostram-na em fotos muito pessoais

[dropcap style=’circle’]I[/dropcap]naugura hoje às 16h30 na Creative Macau a exposição “Cidades: Fotografias a Preto e Branco”, que reúne o olhar de cinco fotógrafos locais sobre cinco cidades à sua escolha. Carmo Correia, Wilson Caldeira, Tang Kuok Ho, Marina Carvalho e Ieong Man Pan foram os fotógrafos convidados para mostrar um pouco mais “de outras cidades que não são Macau”.
“Queríamos quebrar um bocadinho o ciclo das exposições sempre sobre Macau e as coisas de Macau”, disse ao HM a directora da Creative, Lúcia Lemos.
A única imposição colocada ao artistas foi a de efectivamente não escolherem Macau como cidade a apresentar. “Quando se fala em exposição e fotografia pensa-se logo em Macau e ultimamente tem havido imensas exposições sobre Macau e o que envolve. Esta exposição serve para quebrar isso e oferecer ao público outras cidades”, rematou.

Foto de Marina Carvalho
Foto de Marina Carvalho

A maioria dos fotógrafos está representado por cinco fotografias, mas no todo são cerca de 28 as imagens em grande formato que compõem a mostra. Até 20 de Agosto, os interessados podem conhecer o olhar do outro sobre estes locais, que vão da Ásia aos EUA.
“Esta é uma partilha do que os fotógrafos querem mostrar, não só de tema, porque os fotógrafos foram livres de escolher o que queriam expor, respeitando o facto de ser a preto e branco”, continua Lúcia Lemos, indicando que da mostra fazem parte imagens “muito interessantes”, compostas por “retratos, detalhes, paisagens ou ruas”.

Contar uma história

Ao HM, o fotógrafo Wilson Caldeira explicou que escolheu a cidade de Melbourne, na Austrália, porque viveu lá nove meses. “As fotografias não contam nada de especial, eu fazia a minha rotina no subúrbio onde vivia e esse é mesmo o meu interesse: criar rotinas sem hierarquia a fotografar”, explicou. Sem disciplina, o trabalho de Wilson Caldeira é um “misto de qualquer coisa”. As cinco fotografias escolhidas fazem parte de um trabalho “com várias dezenas de imagens” que contam a narrativa da sua passagem pela cidade australiana.

Foto de Carmo Correia (Nova Iorque)
Foto de Carmo Correia (Nova Iorque)

Carmo Correia abraçou o convite e, juntando o útil ao agradável – porque partia numa viagem para Nova Iorque e Chicago – , decidiu fotografar a pensar na exposição.
“Tinha a hipótese de [escolher] estas duas cidades, mas como já conhecia Chicago e estava com vontade de fazer qualquer coisa nova, numa cidade que também para mim era nova, escolhi Nova Iorque”, contou ao HM.
As cinco fotografias pretendem mostrar a cidade mais conhecida do Estados Unidos. “Escolhi cinco imagens que no seu conjunto dizem: isto é Nova Iorque, é esta cidade. Que não pudesse ser outra coisa, ou seja, acabam por não ser monumentos, como a torre A ou B. Não quis que fosse óbvio”, justifica.
Para a fotógrafa é inquestionável a necessidade de Macau ver além de si próprio. “Acho que Macau devia olhar muito mais lá para fora, o território está sempre muito focado para olhar para dentro. É giro mostrar Macau para fora, mas nós devíamos olhar muito mais para o que está lá fora”, remata.
A capital portuguesa, Lisboa, está representada pelo olhar de Marina Carvalho. Já Ieong Man Pan escolheu a cidade chinesa Sichuan-Meigu e Tang Kuok Ho representa Nanquim. A exposição é de entrada livre e termina a 20 de Agosto.

23 Jul 2015