Sofia Margarida Mota Perfil PessoasEva Mok, fotógrafa | Lente para a realidade [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]va Mok é a fotógrafa de Macau que se dedica essencialmente à captura de imagens de rua e de arquitectura. Com 35 anos, foi há apenas cinco que resolveu mudar de vida. Deixou a cadeira de escritório onde trabalhava na como administrativa com a empresa responsável pelo espectáculo “The House of Dancing Water”, e dedicou-se à fotografia, actividade que na altura ainda era completamente nova, e em que a câmara não passava do vulgar telemóvel. Uma das escolhas de Eva Mok é a fotografia de rua à qual prefere chamar de humanista. Para a fotógrafa, trata-se de alargar o conceito e estende-lo ao que mais gosta de fazer. “Capturar imagens capazes de reflectir culturas e hábitos do quotidiano de um lugar em particular é uma experiência muito enriquecedora e é o que mais gosto de fazer”, diz ao HM. Por outro lado, a fotografia é um bom instrumento capaz de reflectir a cultura de uma comunidade”, considera. Macau está incluído. “Apesar de ser a terra natal e o espaço que melhor conhece, continua a ser um lugar onde se encontram imagens únicas”, diz. Pessoalmente, prefere os bairros antigos e as festividades tradicionais para registar. A razão, aponta, é reflectirem as particularidades de uma situação ou de uma história. No entanto, quando se fala de rua de quotidiano as dificuldades num território familiar são acrescidas. “As situações são mais difíceis de identificar porque é a minha própria cultura”, aponta Eva Mok. É a falta de surpresa que está na base desta dificuldade até porque “quando se vai para o estrangeiro e se entra no desconhecido estamos mais atentos a tudo e as imagens aparecem com mais facilidade”, diz. Cada lugar, sua particularidade Além da fotografia, Eva Mok é apaixonada pelas viagens. Depois de deixar o emprego voo para a Europa. Passou pela Rússia, viveu em Portugal e não deixou de conhecer a França, o Reino Unida, a Itália ou a Suíça. Pela Ásia, a Tailândia está nas suas preferências e há uma razão: “É muito fácil fotografar as pessoas na Tailândia. Olham-nos com um sorriso e deixam que registemos o que fazem”, explica. Já me Macau, se se tratarem de situação em que está implicada a venda de um produto, os comerciantes pedem para que se compre de modo a deixarem-se fotografar. Às vezes, entro numa loja e sinto que as pessoas não querem ser fotografadas e às vezes até me dizem coisas do género “se não me compra nada porque é que eu hei de deixar que fotografe”, comenta. Na Europa as pessoas são mais reservadas, refere, pelo que, muitas vezes, escolhe dedicar-se à fotografia de arquitectura. “Também gosto muito de registar os edifícios característicos dos lugares e a Europa é muito boa para isso. Tem igrejas e monumentos incríveis que são um desafio para qualquer fotógrafo”, refere. Um gosto recente A fotografia apareceu quase por acaso e não há muito tempo. “Comecei com a fotografia no final de 2012″, conta. Cansada do trabalho que tinha que sentia “não trazer mais nada de novo” e depois de viajar para Portugal duas vezes em que teve oportunidade de percorrer o país foi juntando uma série de imagens tiradas com telemóvel. Os elogios por parte dos amigos fizeram com que se interessasse cada vez mais pela imagem. O resultado, uma dedicação total. “Comecei a perceber que gostava realmente de capturar imagens e tratei de ter formação na área com a frequencia de cursos”, explica. Trabalhar em Macau como fotógrafa é sempre “uma luta” principalmente se não se trabalha no sector comercial. “Eu só faço fotografia de rua e de arquitectura e é muito difícil sobreviver com o que faço, mas se fotografasse eventos ou casamentos seria mais fácil”, diz. A venda de impressões é quase impossível. “Macau não tem essa cultura e se se tratam de artistas menos conhecidos qualquer valor que se peça é sempre considerado como “demasiado caro”, mas se forem trabalhos de artistas de renome ninguém se queixa dos preços, por muito altos que sejam”, lamenta. “É um grande desafio tentar vender as minhas fotografias” e a solução pode passar por ter de pensar em arranjar alternativas de modo a subsistir. “Estou a pensar em ter alguns trabalhos como free-lancer”, revela. Para já espera ainda ter oportunidade de conseguir uma exposição.
João Paulo Cotrim h | Artes, Letras e IdeiasSe assoprar posso acender de novo Horta Seca, 20 Dezembro [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]recisamos muito de água, mas o que chove são listas. Esse auxiliar de memória, que Umberto Eco elevou à categoria de arte erudita, mas que, no pós-jornalismo onde moramos, raramente se ergue da mera enumeração, sem critério que se entenda, com valor informativo mínimo, a titubear equilíbrios toscos, quando não usado como arma de arremesso. Dizem-se os melhores (livros, podendo ser qualquer artigo) do ano, mas os meses finais agigantam-se, de súbito e em bold. Por exemplo. Para o habitual exercício de listar, o ano encolhe e os meses do Inverno, a não ser que tocados pelo sortilégio de qualquer prémio, perdem-se no nevoeiro da desmemória. Patinhamos no agora, agora mesmo. Coisas de somenos, bem sei, mas a vida em sociedade (comercial) obriga-nos a alinhar por estes compassos, a atentar no assunto. Edita-se demais, o livro vale de menos. Para surpresa minha, o Arno Schmidt ainda passarinhou nestas gaiolas, mas nem que o conjunto das nossas edições fosse incluído mudava o essencial: o rol dos «melhores» pouco mais vai sendo que forma distraída de passar pelo essencial. Nem diária atualização apanharia a corrente de ar dos tempos. Não basta nomear, há que viver com os livros, dialogar com eles, criticá-los, permitir que nos incomodem. Quem passe pelos arquivos, lugar derradeiro da memória, percebe melhor do que falo. Os jornais deixaram de ser espelho. Ainda que estejam pejados de umbigos. Horta Seca, 21 Dezembro Mesmo cuidadosamente envelopado, como só ele sabe, o mais recente volume da obra polimórfica do mano Tiago [Manuel], no caso atribuído à sueca Tilda Markström, tem uma mossa na capa e nos primeiros cadernos. Uma marca que logo interrompem a circulação de azul em torno da palavra-título: «Cancer» (ed. Mmmnnnrrrg). Impossível não ver nisto um sinal, uma semiótica dos acasos. A viagem marcou-o. Uma cicatriz, portanto. Com uma força extraordinária, aliás comum nos seus trabalhos, o Tiago desenvolve o álbum em sucessão de imagens que obedecem a perspectiva única: um alto pode-se tornar o ponto, o cerne que nos muda a textura do corpo e do mundo. O entorno vai ganhando texturas e padrões, os mamilos e as veias transfiguram-se na linguagem que nos rodeia, que nos cerca, que nos atrai a rede cada vez mais apertada, cenário no qual tudo diz e é sinal da morte. Sem palavras, sem nunca dizer cancro em português, língua que tem por costume evitá-la, substituí-la, coisificá-la. As linhas da cicatriz transfiguraram-se em rarefeito contorno onde acomodar as sombras que a doença ainda permite. No fecho, três textos curtos, páginas arrancadas a um diário. «Já não é possível voltar ao paraíso de onde fui expulsa pela morte». Dolorosíssimo testemunho em carne viva de um íntimo processo, viagem que a todos nos toca, tocou, tocará. Santa Bárbara, 22 Dezembro Raramente me lembro dos sonhos, ao contrário do [José] Anjos, que os descreve como quem encena, atirando posições, detalhes e falas. Estou quase a acreditar que não sonho. Desta vez, descobri o sentido físico do pesadelo. Um peso enorme entornava-se sobre mim, que dormia de bruços, como sempre me entrego, corpo de chumbo com asas que me cobria impedindo que voasse ou tão só me erguesse. Ou respirasse. Tive que acordar para resolver. Não voo, ainda assim. Horta Seca, 23 Dezembro A melhor revista de bordo do mundo, para os prémios da especialidade e para mim, fez 10 anos em Novembro e dedicou-se a São Paulo – poema concreto, cidade natal da minha querida Paula [Ribeiro], directora até aos mais mínimos detalhes. Com a UP voa-se, mesmo sem estarmos no avião. Só agora consegui subir a bordo e já chegou nova a chamar-me para Londres, logo com as fotos do Fernando [Martins]. Acontece mensalmente, mas este ergue-se em exemplar arranha-céus de conteúdo e fruição. Dezenas de talentos das mais diversas áreas revelam fragmentos daquela urbe imensa, dos ícones da moda aos ângulos urbanísticos, das obras de arte ao perfil do paulistano, traçado por Marcos Caruso. «Tudo é farto em São Paulo». O tema estende-se por um sem número de detalhes que dá gozo descobrir, que tudo tem que fazer sentido e dançar. Os separadores são cinco fotografias «sinistras» de Bob Wolfenson, retratos em cinco décadas diferentes. A moda, assinada pelo Paulo Gomes, faz sonhar. A entrevista da Rita Lee faz sentido. E ninguém faz revistas em Portugal como a Paula, renovando uma tradição onde o jornalismo incluía atenção, curiosidade e serviço com fartura. Há mais, muito mais. Desconfio que a leitura deve dar à justa para uma ininterrupta volta ao mundo. Entrevista-se até Fernando Lemos, velho embaixador do surrealismo e outras inquietações, que inaugura exposição agora no MUDE, em Lisboa. Um exemplo de alguém entre cá e lá, mestre maior do preto e branco. «Orra, meu!» Esta amplificação de um Brasil que dói de tão cosmopolita sem perder ponta de tropicalidade é excepcional. Sim, nos dois sentidos. O que a paulistana directora da UP tem cometido, mesmo fora dos milhares de páginas que fez levantar voo, e com discreto alarde, vem sendo uma intransigente e amorosa descoberta e demonstração do que Portugal possui de melhor. Ramón Gomez de la Serna via Lisboa como navio de terraços transatlânticos. Quem os tem conduzido de cá para lá e de lá para cá tem sido a Paula, que gosta bastante mais de nós que nós próprios, esse tão estranho hábito. Horta Seca, 27 Dezembro Tombei nele por acaso e coincidiu tornar-se banda sonora destes dias menores. Adoro Adoniran Barbosa, ângulo de uma SP que jamais conhecerei, mas que ele expandiu ao universal. Brota sabedoria dos seus versos, apelo agridoce à preguiça impossível, um fulminante bom senso capaz de nos virar do avesso, pondo-nos a dançar com a tristeza, mas piscando o olho à alegria. Um amigo descobriu umas dezenas de páginas rabiscadas pelo João Rubinato, o nome de dia do artista. «De dia não sou ninguém/ de noite sou alguém/ que toca o violão.» Eram inéditos que suscitaram este magnífico «Se Assoprar Posso Acender de Novo» (ed. DaFne Music), boteco onde se juntam nomes como Criolo, Ana Julia, Diogo Poças, Ney Matogrosso, ou Liniker, entre tantos outros. Além de puxar lustro às pérolas, o produtor Lucas Mayer acrescentou o extremo bom gosto de amantizar a tradição e a contemporaneidade de modo único. Delícia que merece visita a torto e direito. Depois, contém o hino desta passagem de ano. «O mundo vai bem mal e a vida não vai bem/ Vivendo afinal, eu penso ser alguém/ O mundo vai bem mal e a vida não vai bem/ O mundo vai bem mal e a vida não vai bem/ Mas com o pensamento puro aguardamos o futuro.”
Sofia Margarida Mota EventosFotografia | Exposição de Teresa Senna Fernandes mostra realidades de África “Um Coração Dividido” é o nome da exposição de fotografia que vai ser inaugurada amanhã na Fundação Rui Cunha. A autora é Teresa Senna Fernandes que com apenas 17 anos já participou em duas acções de voluntariado em África. De São Tomé e Príncipe e da Guiné Bissau trouxe experiências e imagens que, espera, sejam capazes de sensibilizar quem as vê [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cerca de 20 imagens a preto e branco que integram a exposição de Teresa Senna Fernandes com inauguração marcada para amanhã pelas 18h30 na Fundação Rui Cunha. Com apenas 17 anos, a jovem que vive em Macau embarcou pela primeira vez para São Tomé em 2016. Ía fazer voluntariado junto de crianças que precisavam de ajuda. A experiência foi marcante e este ano repetida, desta feita rumo à Guiné, uma realidade “mais dura”. Das viagens trouxe a mudança e, para que as realidades por onde passou não sejam esquecidas, trouxe imagens que falam por si. “As fotografias conseguem transmitir e simbolizar muito e são a única coisa que trouxe que pode mostrar um pouco do que vivi ”, começa por dizer ao HM. À falta de palavras são as imagens que têm o poder de ajudar a partilhar outras realidades. “As palavras muitas vezes não são suficientes e a fotografia é capaz de dar uma noção mais aproximada daquelas vidas”, explica ao mesmo tempo que espera conseguir “sensibilizar as pessoas e incentivar cada um a ajudar, nem que seja com pouco”. Mas, e acima de tudo, Teresa Senna Fernandes quer fazer perceber que o mundo não é só esta “bolha chamada Macau”. “O meu objectivo é mesmo alertar as pessoas para o facto de existir mundo além daquilo que conhecem. Aqui em Macau é tudo muito fácil. Aqui, tudo o que se deseja é realizável. Parece que as coisas nos caem aos pés. Espero que com esta mostra as pessoas possam perceber que há muitas situações que precisam de ser vistas e ouvidas para que mudem”, refere. Foi esta necessidade de mostrar, não o que fez, mas outras realidades, que motivaram Teresa Senna Fernandes a fotografar. Um mundo sem cor As fotografias são a preto e branco, e nem podia ser de outra forma. Mais do que um gosto pessoal, a opção de pela imagem monocromática teve que ver com o contraste que o formato permite. “O preto e branco realça muito mais as situações”, diz, sendo que “apesar de serem cores neutras, são cores que conseguem transmitir melhor o contraste: o contraste na própria imagem e entre mundos, aquele em que vivemos e aquele que ali está representado”, apontou a autora. Por outro lado, considera, são tons que tornam a fotografia mais real, mais pesada o que vai de encontro ao peso que também ela sentiu quando confrontada com realidades marcadas pela ausência, dor ou sofrimento. Mas, Teresa Senna Fernandes pretende com as imagens falar sobretudo de esperança e da capacidade que cada um tem ao seu alcance de poder fazer qualquer coisa, por muito pouco que seja, para ajudar quem mais precisa. “Se cada um fizer um bocadinho, as coisas podem ir indo ao sítio e pequenas coisas fazem a diferença”, diz. A jovem fotógrafa tem em conta a sua própria experiência enquanto voluntária, “uma actividade que está ao acesso de quem quiser e uma experiência que, sem mudar o mundo, é capaz de mudar pelo menos um momento no mundo de alguém”. “Embora tenha feito pouco, sei que de alguma forma, fiz alguma diferença, nem que tenha sido somente naquele momento em que estava a tentar ajudar alguém, naquelas espaço, naquelas vidas”, recorda. Coração grande É esta ideia de dar do coração que está na base do nome da exposição. “Um Coração Dividido” é a capacidade de ajudar distribuída por muitos, por todos aqueles que precisam. “Quando se está perante uma realidade daquelas e em contacto com várias crianças naquele contexto, uma pessoa acaba por se sentir dividida. A intenção é fazer com que o nosso coração chegue a todos”, refere, emocionada. Trata-se, para Teresa Senna Fernandes de “um gesto de generosidade”. De acordo com a jovem fotógrafa foi também um tempo para aprender. “Fiz as mais bonitas aprendizagens: aprendi que podemos ser heróis sem capas, títulos ou talentos. Que temos o poder de, com simples toques de amor, que assim se torna mágico, tocar o coração do outro, ao fazer chegar-lhe o nosso. Sim, vi crianças a pedir os restos da nossa comida. E percebi que não há água potável. Vi crianças com os pés lastimáveis, porque descalças. Guardei o toque da minha mão fortemente agarrada pelas mãos delas. Senti o meu coração a partir de cada vez que uma criança me pedia algo que eu não podia dar.”, descreve na apresentação oficial do evento. Além da pobreza há ainda outros momentos. Depois de São Tomé, foi para a Guiné onde conviveu com aquilo que chama de “tradições completamente censuráveis”. A fotógrafa dá exemplos: “o caso dos casamentos forçados, da prática da mutilação genital feminina e tráfico humano”, tudo situações com as quais esteve em contacto de perto e que fizeram com que toda a experiencia se tornasse “muito mais forte e pesada”. Foi com esse peso que veio, mas acima de tudo com uma “grande lição: a sorte que tenho em ser valorizada”. Para Teresa Senna Fernandes cada uma destas viagens contribui para que a postura que tem perante a vida mude. “Nunca voltamos os mesmos depois do contacto que temos neste tipo de experiência”, afirma. “São crianças e jovens que têm, muitos deles, a mesma idade que eu e que sofrem em circunstâncias muito complicadas”.
Andreia Sofia Silva EventosExposição | Luzes da cidade regressam ao lago Nam Van Fotografa as luzes de Macau, Taiwan e Hong Kong, e depois de uma pequena exposição no Café Terra, Tang Kuok Hou expõe no espaço criativo junto ao lago Nam Van até ao final de Dezembro. Uma oportunidade de trabalhar “com uma equipa profissional”, salienta [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] fotógrafo Tang Kuok Hou, um dos fundadores da Associação de Arte e Cultura Comuna de Dialecto, volta a expor o seu trabalho, desta vez no café do Instituto de Formação Turística, junto ao lago Nam Van. As fotografias das luzes cintilantes do território, bem como das regiões de Taiwan e de Hong Kong, voltam a revelar-se ao público em “Fotossíntese”, depois de uma exposição no Café Terra. As duas exposições são semelhantes mas, ao mesmo tempo, diferentes. “Esta exposição é sobre luzes artificiais e trata-se de um trabalho que comecei a expor há três anos. Desta vez combinei as luzes artificiais com o ambiente à volta, e as pessoas também”, contou ao HM. “É ligeiramente diferente da anterior, porque no Café Terra expus imagens tiradas entre 2015 e 2016. Aqui já mostro imagens que tirei a partir desse ano. O público poderá encontrar alguma ligação entre as duas mostras”, acrescentou. Tang Kuok Hou, que se licenciou em Sociologia na Universidade de Macau, revela que esta exposição permitiu-lhe relacionar a fotografia com a sua área de estudos. “Agradeço imenso que tenha sido convidado para apresentar este projecto no espaço junto aos lagos Nam Van, onde pude combinar o meu projecto com os meus conhecimentos na área da sociologia. É uma experiência muito interessante poder participar com uma equipa profissional neste espaço.” Assumindo que as pessoas não são o ponto fulcral do seu trabalho, Tang Kuok Hou confessou que, neste caso, fugiu um pouco à regra. “As luzes revelam algo interessante, é como um espectáculo que se mostra às pessoas. Grande parte das minhas fotografias não contêm pessoas, mas acabamos por descobri-las na cidade. Essa é a grande ideia por detrás do meu projecto”, revelou. Do artificialismo Numa entrevista recente ao HM, o fotógrafo falou do poder do artificialismo urbano e da paisagem que não vem da mãe natureza. “Os espaços artificiais são um dos principais indicadores de como vivemos na nossa sociedade e de como orientamos o desenvolvimento de uma geração futura. A questão dos espaços artificiais levanta também o problema de como preparamos as próximas gerações”, apontou. Relativamente a Macau, Tang Kuok Hou defendeu que “existe um padrão entre paisagens artificiais e naturais”. “Não podemos estabelecer estas duas áreas como se fossem a preto e branco ou estanques e separadas, nem podemos pensar nesta dicotomia como uma divisão entre o que é bom e o que não é. Num espaço natural, por exemplo, não vamos encontrar forma de desenvolver uma sociedade”, considerou.
Sofia Margarida Mota EventosExposição | “Macau, Cem Anos de Fotografia” inaugura amanhã no Museu do Oriente É inaugurada amanhã a exposição “Macau, Cem Anos de Fotografia”, no Museu do Oriente, em Lisboa. A mostra documental, reunida por Rogério Beltrão Coelho, demonstra a evolução da cidade, assim como alguns dos mais marcantes episódios da história de Macau [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m século de Macau através de 220 fotografias carregadas de história. Este é o somatório do acervo fotográfico recolhido por Rogério Beltrão Coelho e que se materializa na exposição “Macau, Cem Anos de Fotografia”. A mostra estará patente no Museu do Oriente, em Lisboa, a partir de amanhã até 7 de Janeiro. As imagens retratam uma Macau praticamente irreconhecível, uma vez que do traço arquitectónico original pouco sobra, sendo notório no espólio apresentado as sucessivas mutações que a cidade teve ao longo das décadas. Porém, os costumes e tradições ainda mantêm alguma ligação com um passado mais recente. Ao longo da exposição estão registado momentos marcantes e tão díspares como o IV Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia (1898), a Exposição Feira de 1926, a viagem aérea do Pátria (1924) e do aviador Humberto Cruz (1931) e o aparecimento da Aviação Naval em Macau. Estão igualmente retratados os efeitos dos tufões (com particular destaque para o de 1874), o início das carreiras dos hidroaviões da Pan American, assim como diversas festas sociais, costumes e tradições característicos do território e a presença institucional portuguesa de Macau em cerimónias relevantes da comunidade chinesa. Lente com história O trabalho de pesquisa e recolha de Beltrão Coelho esbarrou na dificuldade da dispersão da obra fotográfica que se encontra espalhada pelo mundo, principalmente no que toca à fotografia amadora. Além dos espólios de museus e instituições nacionais internacionais, parte substancial da imagética de Macau estará, seguramente, em colecções particulares. Nesta exposição, parte considerável das fotografias são mesmo provenientes do acervo do Museu do Oriente, mas também do Arquivo Histórico Ultramarino, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, da Sociedade de Geografia e do Centro de Documentação do Centro Científico e Cultural de Macau. No que diz respeito aos fotógrafos, um dos profissionais chineses de maior relevo em Macau foi Man Fok, que já fotografava nos anos 70 do século XIX. Entre os portugueses, destaque para José Catela, que retratou a cidade entre as décadas de 1920 e 1940. Lee Yuk Tin foi um fotógrafo com uma das carreiras profissionais mais activas de Macau, sendo um marco incontornável da fotografia do século XX da cidade. O mestre faleceu recentemente no passado dia 29 de Junho com 99 anos. Além dos profissionais, a fotografia de Macau também teve muito contributo de amadores que viram na cidade detalhes dignos de ficarem eternizados fotograficamente. Durante a exposição será exibido ainda o curto documentário, com pouco mais de 6 minutos, “Macau: Cidade Progressiva e Monumental”, realizado por Antunes Amor.
Hoje Macau EventosBD | “Deserto/Nuvem” vence o Prémio de Melhor Álbum Português [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] livro “Deserto/Nuvem”, de Francisco Sousa Lobo, venceu o Prémio para o Melhor Álbum Português no âmbito dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada, foi sábado divulgado no 28.º festival AmadoraBD, que termina no dia 12. Francisco Sousa Lobo foi ainda distinguido com os prémios nacionais de Melhor Argumento para Álbum Português, também por “Deserto/Nuvem” e o de Melhor Álbum de Autor Português em Língua Estrangeira, pelo título “It’s no Longer I That Liveth”. O Prémio Nacional para o Melhor Álbum de Autor Estrangeiro foi para “Os Ignorantes”, do francês Étienne Davodeau, e “Conversas com os Putos”, de Álvaro, venceu o Melhor Álbum de Tiras Humorísticas. O Prémio Nacional de Banda Desenhada para o Melhor Desenho foi para a ilustradora Amanda Baeza, pelo álbum “Bruma”, enquanto o Prémio para o Melhor Ilustrador Português de Livro Infantil foi para Tiago Albuquerque e Nadia Albuquerque, pelo álbum “Sou o Lince Ibérico”, e Jimmy Liao, natural de Taipé, Taiwan, recebeu o Prémio para o Melhor Ilustrador Estrangeiro de Livro Infantil, pelo álbum “Noite Estrelada”. O Prémio Nacional de BD Clássicos da 9.ª Arte, relativo a uma edição original há mais de dez anos, foi arrebatado por “Ronin”, de Frank Miller, e o Prémio para o Melhor Fanzine foi para “Outro Mundo Ultra Tumba”, de Rufolfo Mariano. O AmadoraBD, organizado pela Câmara Municipal da Amadora, cumpre a 28.ª edição até 12 de Novembro com exposições, lançamentos editoriais e a presença de autores portugueses e estrangeiros de banda desenhada.
Andreia Sofia Silva PerfilAntónio Leong, fotógrafo amador, “Tirar fotografias é como escrever um diário” [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]o Largo do Lilau até aos jardins de Lou Kau vão uns meros passos de distância. A história que vive em cada pedra da calçada portuguesa permanece desde um tempo distante. Tal também acontece em São Lázaro, lugar de cultura e de arte e, afinal de contas, de religião: é lá que existe uma igreja e onde se faz anualmente a tradicional festa do São João. Estes são os lugares preferidos de António Leung para fotografar. Capturar imagens através da lente é apenas um passatempo, revelado nas redes sociais, como o Facebook ou Instagram. Por norma, António Leung vai visitando a sua cidade e capturando aquelas imagens que mais lhe tocam o coração. “Gosto de ‘viajar’ na cidade através do meu motociclo”, disse ao HM. A fotografia surgiu na sua vida há pouco tempo. “Por volta de 2012 começou o meu interesse em tirar fotografias. Primeiro comecei por tirar fotos na minha hora de almoço ou depois do serviço, quase todos os dias. Não sou um fotógrafo profissional e tiro fotos como um hobbie”, contou. Na sua página “Antonius Photoscript” contam-se histórias através de imagens que quase dariam para um qualquer guião. Até porque andar de máquina ao peito já faz parte da rotina diária de António. “Tenho um outro trabalho a tempo inteiro. Para mim, tirar fotografias é como escrever um diário todos os dias.” Nas suas imagens cabe uma Coloane soalheira com o seu mercado, as portas vermelhas, as Ruínas de São Paulo no silêncio da noite, uma Macau cheia de uma luz que não vem dos casinos. Num território onde o turismo é a principal actividade económica, e não apenas por causa do jogo, o património acaba por aparecer na maioria das imagens de António. O próprio reconhece que, antes deste hobby, nunca reparou nos velhos edifícios que os portugueses deixaram, ou nas antigas fachadas tipicamente chinesas. “Macau fez um grande esforço para preservar o património, mas antes de começar a tirar fotos nunca tinha notado que tínhamos uma grande presença histórica. Acho que é bom que os jovens conheçam melhor a história e a cultura desta cidade”, apontou. Português desde a primária António Leong não fotografa só a sua terra, mas também outras. As diferenças culturais que existem, e também em termos de espaço, fizeram-no olhar para as particularidades do território. “Fui ao Butão em Junho e levei, pelo menos, três a quatro horas para andar de um ponto turístico ao outro. Mas em Macau podemos visitar todos os pontos turísticos a pé, e, além disso, há uma mistura de diferentes culturas”, frisou. António estudou português desde a escola primária, apesar de ter confessado que não falava a língua de Camões há muito tempo. Na universidade, acabou por estudar engenharia civil, algo completamente diferente da área que abraça nas horas vagas. Não que goste propriamente do curso que tirou. “Naquele tempo não tínhamos muitas escolhas”, referiu. Para o futuro, António Leong gostava de desenvolver novos projectos relacionados com a fotografia. “Gostaria de trabalhar com outros criativos locais, tal como estilistas, e criar esse cruzamento. Também gostaria de fazer photo stories dos residentes”, concluiu.
Sofia Margarida Mota EventosTrilogia fotográfica de Lu Nan no Museu Berardo [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] inaugurada no próximo dia 10, no Museu Berardo, a exposição “Trilogia Fotografias [1989-2004] do fotógrafo chinês Lu Nan. A mostra conta com a curadoria de João Miguel Barros e traz a público parte do trabalho desenvolvido por Lu Nan durante um período de 15 anos. “A obra de Lu Nan é a projecção moderna (também já datada no tempo) de uma trilogia clássica simbolicamente representada na Divina Comédia de Dante Alighieri”, lê-se na apresentação oficial da exposição, sendo que “cada uma das suas partes são, igualmente, projecções exemplares do que pode ser, na Terra, o Inferno, o Purgatório e o Paraíso”. No entanto, e de acordo com o curador, não se trata de um retrato de uma fantasia. As imagens recolhidas durante mais de uma década são “de um realismo cortante, “por vezes doloroso, que impressiona”, refere João Miguel Barros. Tal como na trilogia dantesca, a mostra está dividida em três partes, correspondentes aos estágios da obra poética: a vida dos hospitais de doenças mentais, as comunidades católicas nas zonas rurais e mais recônditas da China e a que levou Lu Nan a acompanhar a vida quotidiana do Tibete. De acordo com João Miguel Barros, “o inferno, o purgatório e o céu retratados no trabalho do fotógrafo de Pequim, “é a China de uma época talvez já diferente da actual, como bem poderia ser a realidade de muitos outros países e lugares por esse mundo fora”. Do povo esquecido às quatro estações As condições de vida dos doentes psiquiátricos da China constituem a primeira parte da trilogia de Lu Nan. De 1989 a 1990, o fotógrafo contactou com 14 mil doentes mentais em 38 hospitais, espalhados por 10 províncias e grandes cidades do China. As imagens constituem “O Povo Esquecido” é que é apresentada “de forma verdadeira e poderosa, as condições de vida de um estrato social esquecido”, refere o curador. A viagem continua e encontra o purgatório “Na Estrada: a fé católica na China”. As imagens forem recolhidas entre 1992 a 1996 em que o fotógrafo visitou mais de 100 igrejas, O objectivo foi o de capturar a forma como o amor e a fé se concretizam na vida quotidiana dos crentes. “Mostra que a divindade interior está integrada na vida quotidiana e que, no fundo dos seus corações, é essa a verdadeira Igreja”, comenta João Miguel Barros. “Quatro estações: o dia-a-dia dos camponeses tibetanos”, terceira e última parte da trilogia, foi produzida de 1996 a 2004. Como o nome indica, o trabalho “acompanha de perto o ciclo das estações, desde a sementeira, na Primavera, à ceifa, no Outono, desde a espera pela colheita, no Verão, até à sobrevivência, durante os meses agrestes do Inverno”. Tal como as duas primeiras partes da trilogia, “Quatro estações” não se centra no que poderiam ser considerados os grandes acontecimentos da vida. É o quotidiano que interessa é a “vida quotidiana que proporciona uma forma básica de as pessoas aferirem o destino”.
Sofia Margarida Mota EventosFotografia | World Press Photo regressa à Casa Garden no final do mês Chegam no final do mês à Casa Garden os trabalhos vencedores da 60.ª edição do mais prestigiado concurso de fotojornalismo do mundo. Este ano Hong Kong não aderiu à mostra pelo que se esperam mais visitantes no território. Entretanto, a parceria com a extensão local foi prolongada por mais três anos e vai contar com um orçamento maior [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]em início no próximo dia 20 mais uma mostra dos vencedores da edição deste ano do Word Press Photo (WPP). O local escolhido para a exposição continua a ser a Casa Garden por ser, “o mais adequado”, diz Diana Soeiro ao HM. A representante da Casa de Portugal espera ainda um aumento de visitantes. A razão, aponta, tem que ver com o facto de os trabalhos não passarem por Hong Kong. “Esperamos mais de 2000 visitantes, valor superior ao das edições anteriores”, conta. A Casa de Portugal é ainda responsável pela renovação da extensão da exposição de fotojornalismo por mais três anos e vai ter também um aumento no orçamento que passará para as 18 000 patacas anuais. Apesar de em Macau o trabalho fotojornalístico não ser considerado com rigor, não é motivo para que as melhores imagens internacionais na área não passem pelo território. O WPP acaba por ser, diz Diana Soeiro, “um bocadinho uma janela para o que se passa lá fora”, sem esquecer que, existem no território vários fotógrafos, “e muita gente com sensibilidade para a imagem”. Por outro lado, a exposição quer ir mais além e está concebida para atingir um público cada vez mais alargado. “Como temos legendas em Português, Inglês e Chinês, conseguimos chegar a mais pessoas”, diz a responsável. De qualquer forma, a representante da Casa de Portugal considera ainda que o próprio fotojornalismo poderá estar em crise. A culpa, afirma, é do mediatismo e da facilidade com que hoje em dia se conseguem capturar momentos. “Os telemóveis vieram facilitar essa parte, basta chegar a um evento, tirar umas fotos e o trabalho está feito. Não são precisos grandes equipamentos nem nenhum profissional”. É para contrariar esta tendência que o trabalho da WPP é cada vez mais pertinente: “Uma Fundação como a World Press Photo, com as respectivas exposições espalhadas pelo mundo inteiro, contrariam esta tendência lembrando-nos da importância do fotojornalismo”, remata Diana Soeiro. Este ano participaram na disputa mais de cinco mil fotógrafos de 125 países, e foram submetidas a apreciação do júri mais de 80 mil imagens. Homicídio por Alepo Sem ornamentos, Mevlüt Mert Altintas está de arma em punho. Não se ouve a voz, mas gritava por Alepo. Ao seu lado um corpo. O embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov, tinha acabado de ser assassinado enquanto fazia o discurso de abertura de uma exposição de fotógrafos do seu país, na Galeria de Arte Contemporânea de Ancara. “An Assassination in Turkey” é o nome da imagem vencedora, registada pela lente do fotojornalista da Associated Press, o turco Burhan Ozbilici. Antes de ser abatido, Altintas, que fazia parte do dispositivo de segurança do diplomata feriu mais três pessoas. “A imagem choca, como chocam quase sempre as imagens vencedoras. É meio hollywoodesca”, diz Diana Soeiro. A força, principalmente na tragédia, é uma tónica em muitas das fotografias do WPP. Pode agradar ou desagradar, mas é impossível ficar indiferente. “Pessoalmente custa-me a exposição de um corpo ali e o gesto triunfante do assassino mas infelizmente foi o que aconteceu e é mais um confronto duro como a realidade a que a World Press Photo já nos habituou”, aponta a responsável pela organização. A China volta a estar em destaque. Desta feita na categoria do quotidiano em que Tiejun Wang arrecada o segundo prémio. A fotografia Sweat Makes Champions mostra, a preto e branco, quatro meninas estáticas, de nódoas negras nas pernas. Treinam para ser as melhores.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteCamilo Pessanha, 150 anos | Antønio Falcão apresenta “Kleptokronos” e “Morri”, um livro de crónicas “Se existir um deus, é o tempo” Antønio Falcão é Ring Joid, mas podia ser outro qualquer. De regresso a Macau é também Pessanha e os muitos que vão habitando dentro de si. Está no território com a exposição “Kleptokronos”, que é inaugurada hoje e para apresentar o livro “Morri”, amanhã. É um dos artistas que integra as comemorações dos 150 anos de Camilo Pessanha do Edifício do Antigo Tribunal e vem mostrar a sua concepção de tempo [dropcap]O[/dropcap] que é que vamos ter em “Kleptokronos”? Quando recebi o convite comecei a pensar no que fazer. Não queria ir buscar imagens que já tinha nem recorrer a paisagens de Macau. Acabei por ter esta ideia, de jogar com o tempo da própria fotografia e tentar, trazer com a técnica, o tempo do Camilo Pessanha. “Kleptokronos” que dizer ladrão do tempo. Uso a técnica da fotografia em que a luz constrói a imagem durante o tempo necessário até ter uma imagem possível. A maioria das fotografias aqui presentes são feitas com várias exposições, e muitas delas, longas. O próprio processo incorporou o conceito de tempo? Sim. A exposição longa traz o tempo para trás e, tecnicamente, é um método em que o tempo se demora pela fotografia adentro. Como é que isto se materializa na exposição? A minha ideia era pegar neste tempo que se comemora do Camilo Pessanha e juntá-lo ao que também se passa agora, à contemporaneidade. Por exemplo, com a questão dos refugiados. Também se lançam ao mar e muitos acabam por naufragar. Faz um paralelo com as situações da actualidade? Sim, tenho uma imagem referente aos fogos que têm passado por Portugal e que se pode relacionar com o poema “Vida” do Pessanha. Fala disso, do lumaréu, de tudo a arder e das flores que deixam de existir. O arder, mais uma vez, também é referente à luz fotográfica que queima. Não foi pegar no poema e fazer uma imagem que se parecesse. Foi outra coisa. Tem alguns auto-retratos. Os auto-retratos têm que ver com outro processo. É um reencarnar-me como uma espécie de Camilo Pessanha de agora no sentido do delírio, da fuga, da própria erosão da pessoa que está fora, num sítio que não é dela mas que acaba por lhe pertencer. Isto passa também pela minha experiência por Macau. O que vivi e não vivi aqui. A ideia é tentar ser uma personagem, mais do que alguém que escreve ou que fotografa. É criar este embrulho para que tudo o que estou aqui a apresentar faça um certo sentido para que saia da realidade e traga outros elementos. Vamos ter uma mistura de Camilo com Ring Joid, uma outra personagem sua? Um pouco por aí. Mas sem rigor nenhum. O Ring Joid – e não interessa o nome porque foi quase aleatório – é o ideal de mim que não consigo representar na vida real. E por isso mantenho-o vivo artificialmente como complemento de uma vida com limites. Ele sou eu à solta. Vai também lançar o livro “Morri”. Porquê o título? Tem tudo que ver com a questão do tempo. Se existir um deus, é o tempo. É a única omnipresença que existe no mundo e da qual todos fazemos parte. “Morri” foi o título que me apareceu. Comecei a escrever, para o Hoje Macau, em 2004, numa altura da minha vida em que quase tinha uma necessidade da escrita para que pudesse continuar a viver ou a ficar perto do chão. Escrevia com outro nome, o de Ring Joid. Acabei por inventar essa personagem. Há sempre duas coisas a viver dentro de mim. É como se andasse com uma companhia. Um puxa para o desvio, para ir por outros caminhos mais longos e mais difíceis. Depois há as histórias ao longo do livro que têm esse carácter da morte. Aliás, o livro acaba com um pequeno texto em que sou eu dentro de um avião a cair, e relato os últimos momentos antes da sua queda. A morte. O livro têm alguns textos actuais também em que, mais uma vez, está presente o tempo. A introdução, em que relato uma situação de quando tinha três anos, representa tudo o que se passa agora. É uma situação biográfica em que tudo o que nós vivemos já vimos acontecer. É como se vivêssemos numa dimensão em que tudo está mais ou menos programado e que já vimos isso mas que não conseguimos perceber e agora, como o tempo se estendeu, tudo se descodificou. “Morri” fala também da história contemporânea de Macau. Os portugueses, as despedidas, as passagens, mas muitas vezes uma história idealizada. Por exemplo, os governadores que eram seres de uma dinastia superior, que passavam por um processo de estudo do oriente, da língua, da filosofia e quando chegavam integravam-se na vida do “outro” e eram admirados por toda a população. Eram textos escritos para um jornal na pressão semanal do fecho. Experiências de temas e de métodos de escrita. Coisas que via, cinema, música, noites. Sempre com o meu outro ser a testar as minhas capacidades, se conseguia realmente escrever alguma coisa. Uma escrita que parte de um trauma que se vai cosendo ao longo dos tempos. Vivemos num mundo isolado dentro deste território e era preciso soltar-me. E na escrita tudo é possível. Tudo existe. Não há freio. E a fotografia? Qual a sua relação com ela agora? A fotografia só funciona se de algum modo participar nela. Não pode ser apenas uma composição visual de elementos exteriores. Isso é uma espécie de malabarismo, tem de estar tudo no lugar para que as bolas não te caiam na cabeça. Eu fico à espera que elas caiam. E depois logo se vê. O que acha das comemorações dos 150 anos do Pessanha e da sua representatividade para Macau? O Camilo Pessanha é um dos poetas mais válidos da literatura portuguesa e também dos mais esquecidos. Já Fernando Pessoa o admirava mas depois houve este tempo todo em que parece que esteve adormecido. Em Macau, penso que nunca foi devidamente reconhecido e por isso é importante tanto a obra como a sua figura e a sua passagem pelo território. É preciso que resista para que as pessoas possam, algumas continuar a relembrar o homem e outras o puderem conhecer. Viveu aqui 17 anos e está de regresso. Como está a viver a visita? Não tenho bem a noção do tempo, quando olho para trás, passaram 17 anos em Macau, passaram seis desde que fui para Portugal. Está tudo compresso na cortina do engenho que capta imagens para dentro do nosso cérebro. Fui embora em 2011 e sempre que volto sinto como se me tivesse ido embora na semana passada. É sempre um sentir-me em casa. É bom e mau mas como estou sempre de partida, e não venho de armas e bagagens para ficar, também não desespero. É a sensação de estar num sítio inóspito. Macau é inóspito? Sim. O mundo é inóspito.
Hoje Macau EventosFotógrafo de Macau participa em acção solidária sobre incêndios de Pedrógão Grande [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] fotojornalista Gonçalo Lobo Pinheiro, radicado em Macau, é um dos nomes que participa com imagens suas na acção “Uma Imagem Solidária”, que consiste na entrega de um donativo aos bombeiros em troca de imagens captadas pelas lentes de fotojornalistas e outros fotógrafos profissionais. A iniciativa decorre esta semana no Museu das Telecomunicações, em Lisboa. António Falcão, fotógrafo que viveu em Macau, também é um dos participantes. As imagens captadas por quase 200 fotojornalistas e outros fotógrafos profissionais podem ser vistas e trocadas por donativos, por um valor mínimo de 20 euros (184 patacas), na quarta-feira, a partir das 18h00, e na quinta-feira, a partir das 10h00, disse à agência Lusa o mentor da iniciativa, o fotojornalista António Cotrim. O que começou por ser uma acção de fotojornalistas, sob o lema “o melhor de cada um de nós para o melhor de todos nós”, estendeu-se a outros profissionais da fotografia, “que se mostraram interessados em participar”, contou o fotojornalista da agência Lusa. “Nesta altura de solidariedade não deve haver barreiras entre fotógrafos com e sem carteira de jornalista, deve haver união”, referiu o fotojornalista. As imagens, de tema livre, serão impressas no formato 30x40cm. Algumas fotografias, adiantou António Cotrim, chegaram de Macau, da China, da Alemanha, de França e do Brasil. Na página da iniciativa na rede social Facebook já foram sendo divulgadas algumas das imagens que estarão disponíveis para venda por um valor mínimo “simbólico, que não paga o trabalho de quem fotografou, que tenta ir ao encontro do maior número de participantes”. Dois grandes incêndios começaram no dia 17 de Junho em Pedrógão Grande e Góis, tendo o primeiro provocado 64 mortos e mais de 200 feridos. Foram extintos uma semana depois. Estes fogos terão afectado aproximadamente 500 habitações, 169 de primeira habitação, 205 de segunda e 117 já devolutas. Quase 50 empresas foram também afectadas, assim como os empregos de 372 pessoas. Os prejuízos directos dos incêndios ascendem a 193,3 milhões de euros, estimando-se em 303,5 milhões o investimento em medidas de prevenção e relançamento da economia.
Andreia Sofia Silva EventosFotografia | Bruno Saavedra expõe “Made in China” em Lisboa O tempo de residência em Macau ajudou-o a compor um projecto que está em exposição até finais do mês de Setembro em Lisboa, na Casa Independente. “Made in China”, da autoria do fotógrafo Bruno Saavedra, é uma viagem pela “Ásia lisboeta”, com imagens que fogem do “óbvio” [dropcap]C[/dropcap]omo surgiu o projecto “Made in China”? A exposição tem fotografias da Ásia, mas de uma Ásia lisboeta. Todas as imagens foram feitas no Intendente, na Mouraria e nos Anjos, aqui em Lisboa. “Made in China” é uma exposição de fotografias resultante do trabalho desenvolvido na quinta edição do workshop “Narrativas Fotográficas do Intendente”, leccionado pela fotógrafa Pauliana Valente Pimentel, e realizado pela Casa Independente em 2016. Deste workshop, também estão expostos mais três trabalhos: “Glowing Up”, de Ana Antunes, “Pequena Cirurgia”, de Ana Bernadino, e “Caixa de Viagens”, de Sara Maia. O trabalho para esta exposição foi desenvolvido entre os meses de Novembro de 2016 e Fevereiro deste ano. Como a Pauliana sabia que vivi em Macau durante quase quatro anos, insistiu que eu desenvolvesse o trabalho sobre a comunidade chinesa. Macau estará decerto presente nesta exposição. Que zonas do território ou que partes das culturas decidiu retratar? Os quase quatro anos que vivi em Macau ajudaram-me de uma forma muito directa no desenvolvimento deste trabalho. O projecto narrativo retrata uma visão diferente e subtil da comunidade chinesa no Intendente, e fui à procura de detalhes e imagens que, de alguma forma, me fizessem conhecer a história das suas vidas e o modo como os chineses vivem nas freguesias mais cosmopolitas de Lisboa. Durante três meses, visitei casas, restaurantes, centro de estética, cabeleireiros, centro de massagens, escolas, lojas, supermercados, templos, igrejas, médicos, cafés, jornais. Acabei por descobrir que no Intendente existe uma verdadeira China, mas restrita e muito fechada. É uma China sofrida com memórias de outros, mas também nossas. Ouvi histórias, verdadeiros contos chineses. Pessoas que vivem clandestinamente e trabalham 16 horas por dia para conseguir juntar algum dinheiro com o sonho de regressar à sua terra natal. Finalizei o trabalho pela altura das comemorações do Ano Novo Chinês. Era o início do ano do Galo. Eles levam a mudança do ano muito a sério e está enraizado nas suas crenças e tradições. Na véspera do Ano Novo, os chineses limpam e arrumam a casa, cortam o cabelo, fecham as contas, presenteiam os deuses que protegem a casa, preparam as roupas, organizam as contas e o comércio. A cor vermelha, por ser yang e vibrante, é a predominante durante as comemorações do Ano Novo. O vermelho simboliza a transformação, o movimento e a vida, por isso, as mulheres usam um vestido novo nesta cor para atrair a sorte e o amor ao longo do ano. Que China poderá o público ver nesta exposição? Tentei fugir do óbvio dos retratos chineses, e entrar o máximo que conseguisse na vida dos chineses. Não foi fácil, mas a insistência também me ajudou muito. Também contei com a ajuda de uma amiga de Macau para a tradução e comunicação, a Virginia Or, que esteve quase sempre comigo. Nesta exposição o público poderá ver uma Ásia lisboeta, muito restrita e fechada. O público português está a começar a ter uma curiosidade crescente sobre os países que estão deste lado do mundo? A China e todos os países da Ásia sempre geraram curiosidade, mas penso que é preciso quebrar algumas barreiras, como a da língua. O público português tem um grande interesse pela cultura e costumes chineses, mas a verdade é que aqui em Lisboa essa curiosidade pode ser “quebrada” muito facilmente: basta irmos aos bairros do Intendente, Mouraria e Anjos. A China, e até Macau, são os territórios que geram mais curiosidade e interesse? A presença de Portugal em Macau representou um notável encontro entre Oriente e Ocidente, e é por esse motivo que, até aos dias de hoje, a China gera interesse no Ocidente. E para mim não há dúvidas de que este seja um dos principais motivos para que exista toda esta curiosidade e interesse pela China. Expectativas para este projecto? Poderá vir a Macau? O projecto fica até dia 30 de Setembro na Casa Independente, mas tenho muita vontade de o levar a outras galerias e espaços culturais aqui em Portugal. Neste momento estou em contacto e analisando algumas propostas. Levar o “Made in China” a Macau seria a concretização de um sonho, espero poder realizá-lo.
Sofia Margarida Mota EventosFotografia | Lago Baikal, na Sibéria, em exposição em Macau [dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]ao Ip é um “assalariado” local. É esta a apresentação do também fotógrafo que se aventurou no Inverno siberiano em busca de imagens únicas. Cansado da monotonia diária, fez-se à estrada de câmara em punho. Lao foi ao lago Baikal para criar um conjunto de 30 imagens que vão estar, a partir de sexta-feira, expostas no espaço da associação Find Art Macau. No entanto, o lago parece ser apenas o mote. De acordo com a apresentação do evento, Lao trouxe um documento dos cenários e vidas que acontecem nesta zona em que parte do ano é gelada. O fotógrafo foi para Baikal no Inverno do ano passado e as temperaturas rondavam os 30 graus negativos. Mas não foi o frio que deteve o jovem de 28 anos. As paisagens são descritas como “magníficas” e mostram a existência de uma beleza particular, em situações extremas. A luz do dia e as particularidades nocturnas foram capturadas. A ideia é conseguir transmitir “uma atitude positiva quando se olha o ambiente, seja ele qual for”, lê-se na apresentação da mostra. A exposição conta com a curadoria do artista plástico João Lázaro das Dores.
Hoje Macau EventosIlha de Hengqin | Armazém do Boi acolhe exposição de fotografia A terceira edição da exposição de fotografias que retratam o desenvolvimento da Ilha de Hengqin começa este sábado. Os trabalhos, da autoria de sete fotógrafos de Macau, estarão expostos no Armazém do Boi até 16 de Julho [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s investimentos anunciados na vizinha Ilha de Hengqin, também conhecida como Ilha da Montanha, têm levado a profundas transformações no pequeno território do continente e nas vidas que o povoam. Sete fotógrafos de Macau deram seguimento a um trabalho de recolha de imagens que retratam estas transformações, iniciado em 2011. A terceira edição da exposição “Following The Changes in Hengqin’ 2011-2014-2017” é inaugurada já este sábado no Armazém do Boi, estando patente até ao dia 16 de Julho. Tudo começou em 2011, quando Frank Lei Ioi Fan, o mentor do projecto, fez o primeiro trabalho sobre as pequenas aldeias que, aos poucos, vão sendo sugadas pelas torres de betão e pelo desenvolvimento económico. Esse projecto teve como título “The Disappearing Neighbouring Villages – Rediscovery of Hengqin Island Photographic Exhibition”. Em 2015, houve uma sequela, com o nome “Below Laobeishan: Hengqin Today Photos and Videos Creative Exhibition”. Segundo um comunicado do Armazém do Boi, Frank Lei e os restantes fotógrafos têm procurado retratar o constante e rápido desenvolvimento da Ilha de Hengqin, “documentando as mudanças drásticas que afectaram a sociedade e a vida das pessoas desde que o Governo Central lançou o Plano Geral de Desenvolvimento de Hengqin, em 2009”. A nova edição da exposição que agora se inicia “conta a história de Hengqin através da perspectiva de sete fotógrafos”, contando também com uma selecção de alguns trabalhos já exibidos entre 2011 e 2014. O Armazém do Boi vai também compilar e publicar a obra “The once dusty land – Images of Hengqin: 2011-2014-2017”, enquanto documento visual periódico. A exposição tem entrada livre e conta com apoio da Fundação Macau.
Andreia Sofia Silva EventosFotografia | Tang Kuok Hou e as paisagens artificiais A obra de Tang Kuok Hou não é novidade nos meandros artísticos de Macau, onde já participou em diversas exposições. O fotógrafo trabalha essencialmente com paisagens artificiais, que visam revelar um significado que a realidade não mostra. Em Setembro, vai expor no café do Instituto de Formação Turística, junto ao lago Nam Van [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rtificialismo, imaginação, sentimentos. Todas estas palavras cabem nas fotografias de Tang Kuok Hou. O fotógrafo tem neste momento algumas imagens expostas no café Terra, mas já está a preparar uma nova exposição para Setembro, que estará patente no café do Instituto de Formação Turística, localizado junto ao lago Nam Van. Ao HM, o fotógrafo levanta a ponta do véu daquilo que o público poderá ver. “Será uma exposição que varia entre a arquitectura e a fotografia a preto e branco”, apontou. Não sendo um fotógrafo que retrata a crueza do dia-a-dia, o trabalho de Tang Kuok Hou não deixa de mostrar a realidade que nos rodeia, mas de uma outra forma. “O trabalho que faço em fotografia é difícil de descrever”, assume. “Sou licenciado em Sociologia e o meu trabalho tem em conta o que sinto em relação às circunstâncias sociais. O meu projecto principal é acerca das paisagens artificiais.” O artista entende que as suas fotografias capturam, essencialmente, “a relação entre objectos e a paisagem”, embora considere que o que realmente fazem é “a procura da relação entre a sociedade e o ser humano”. “Como é que as pessoas criam os edifícios, os espaços. Como é que isto é feito de forma artificial e não de uma forma natural. Ou seja, a conexão entre os humanos e a natureza”, acrescenta. Artificialismo local Questionado sobre as paisagens artificiais que povoam territórios como Macau ou Hong Kong, Tang Kuok Hou fala da forma como esse artificialismo afecta as populações. “Os espaços artificiais são um dos principais indicadores de como vivemos na nossa sociedade e de como orientamos o desenvolvimento de uma geração futura. A questão dos espaços artificiais levanta também o problema de como preparamos as próximas gerações.” Em Macau, o fotógrafo considera que “existe um padrão entre paisagens artificiais e naturais”. “Não podemos estabelecer estas duas áreas como se fossem a preto e branco ou estanques e separadas, nem podemos pensar nesta dicotomia como uma divisão entre o que é bom e o que não é. Num espaço natural, por exemplo, não vamos encontrar forma de desenvolver uma sociedade”, considerou. “No entanto, quando falamos de espaços artificiais, podemos ter mais elementos para dar à sociedade e que alimentam o seu desenvolvimento. Acabam por ser ligar à nossa vida. O equilíbrio entre elementos naturais e artificiais tem sido o foco de muitos dos meus projectos”, referiu o artista. Se até agora Tang Kuok Hou tem focado o seu trabalho em Macau, o artista começa a sentir que está na hora de sair. “No passado estava mais concentrado na sociedade local, mas agora estou virado para um contexto mais asiático, especialmente para Hong Kong e Taiwan. Estou também interessado no Japão. Penso que neste país há cidades com formas interessantes de se protegerem. Conseguem o seu desenvolvimento de uma forma original. Macau é muito pequeno e por isso penso que devo ir para outros lados para desenvolver os meus projectos”, diz. De Taiwan para Macau Tang Kuok Hou chegou a estudar Design de Arquitectura em Taiwan durante dois anos, mas não foi esse o caminho que seguiu. De regresso à sua terra natal, o fotógrafo optou por se licenciar em Sociologia. A escolha do curso acabou por influenciar a obra que tem hoje. “Consegui juntar diferentes pontos de vista e formular diferentes opiniões que aparecem agora no meu trabalho.” Apesar das várias exposições que já teve, Tang Kuok Hou fala das dificuldades de fazer fotografia a tempo inteiro. “Actualmente, o Governo não tem uma política de apoio aos jovens artistas para poderem desenvolver os seus projectos. Acabamos por ter de encontrar outros empregos e fontes de rendimento para podermos fazer os nossos projectos pessoais. Não acontece só na fotografia, mas sim um pouco em todas as áreas artísticas. Aqui é muito difícil tornarmo-nos artistas profissionais”, remata.
Sofia Margarida Mota EventosIIM | Inscrições abertas para concurso de fotografia local O Instituto Internacional de Macau já abriu as inscrições para mais uma edição do concurso de fotografia dedicado ao território, “A Macau que eu mais amo”. Este ano há novidades: a organização quer imagens capazes de registar uma cidade além dos edifícios [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma Macau além do cimento e dos monumentos. Um território além do visível à primeira vista e mesmo do palpável é o desafio que o Instituto Internacional de Macau (IIM) faz na edição deste ano do concurso de fotografia. “Ao contrário das edições anteriores desta iniciativa, este ano, o IIM pretende aproximar os concorrentes dos valores culturais e tradicionais do território”, explicou António Monteiro ao HM. A ideia é alargar os motivos de interesse dos participantes e convidar à exploração de características do território capazes de ir além do interesse comum pelos edifícios ligados ao património local. “Queremos aproximar os jovens e, de forma geral, os residentes, a participar num concurso em que registem imagens que não se resumam ao património físico e em que espelhem também os valores tradicionais da comunidade local”, refere o responsável. O objectivo é preservar a dinâmica social e cultural do território de modo a que sejam registadas características “que possam estar em risco de desaparecer ou de serem esquecidas”. Como exemplo, António Monteiro sugere que seja dada mais atenção a situações que envolvam pessoas, gastronomia, lojas ou letreiros que caracterizem Macau, “visto serem também elementos inerentes à cultura local”, diz. “É preciso ver mais do que as Ruínas de S. Paulo e o Farol da Guia. As pessoas geralmente tendem muito a fotografar o património físico, mas não focam aspectos que tenham que ver com festividades, por exemplo, com as culturas tradicionais, e é isso que estamos a querer fazer nesta edição”, esclarece. O próprio nome, sublinha António Monteiro, remete para este objectivo, ou seja, para a procura de situações que envolvam também a emoção. “A Macau que eu mais amo” pretende que “as pessoas se dirijam a assuntos que as façam sentir mais o lugar onde vivem, sendo que é uma forma de colocar a população a olhar para a Macau invisível”. Imagens de todos O concurso é dirigido a dois tipos de participantes, tendo uma componente geral e uma outra orientada para os mais jovens. “O evento foi sempre mais aberto para a vertente jovem, não só crianças, mas principalmente estudantes universitários”, refere o responsável. O foco nos estudantes tem também como objectivo chegar a pessoas que tenham na sua formação a componente de imagem e da fotografia, de modo “a usarem esse conhecimento e poderem com ele, fazer os seus registos de Macau”. Os prémios dividem-se entre montantes em dinheiro e certificados de participação. Para as três melhores imagens há prémios de cinco mil, três mil e duas mil patacas. Há também uma menção honrosa que é composta por um certificado e a oferta do montante de 500 patacas, “o que é uma novidade”. Há ainda o prémio especial para o melhor trabalho apresentado pelo sócio da Associação de Fotografia Digital de Macau, que co-organiza a iniciativa com o Instituto Internacional, com o valor de mil patacas. As candidaturas estão abertas a todos os residentes até 31 de Agosto. António Monteiro não deixa de referir o crescente número de participações, principalmente da faixa mais jovem da população. A razão, aponta, é o investimento na divulgação tendo em conta este tipo de público. “Temos tentado fazer uma maior promoção junto das escolas, tanto do ensino secundário, como nas universidades”, explica. “Além disso, tentamos promover a iniciativa de modo a abranger um público mais geral e temos investido, por exemplo, na divulgação via Facebook, onde conseguimos chegar a mais pessoas”, remata.
João Luz EventosChan Hin Io faz radiografia à cidade com imagens panorâmicas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] afastamento visual pode dar perspectiva ao observador e revelar algo que a proximidade esconde. Este é o mote ao livro “Paisagem Pitoresca – Fotografias Aéreas de Macau Captadas por Chan Hin Io”, lançado hoje na Academia Jao Tsung-I sob a égide do Instituto Cultural (IC). O público que se deslocar à festa de lançamento poderá apreciar fotografias e vídeos da cidade vista de grande altitude. O fotógrafo local captou imagens de cortar a respiração de diversos cenários da cidade, formando um mosaico composto por edifícios, festividades, pontes e projectos de construção. As imagens mostram o tecido de que é feito Macau, colocando a nu o desenvolvimento urbano e a rede de artérias da cidade. As imagens parecem retiradas de um compêndio de cartografia, por vezes revelando uma perspectiva quase surrealista do chão. À medida que fotografava, Chan Hin Io filmou um vídeo que será exibido hoje durante o lançamento do livro. O fotógrafo local, que pegou nos últimos anos no tema da paisagem urbana de Macau, assim como nos costumes do território, tem sido galardoado com alguma frequência com prémios de fotografia. Com a cidade como musa transversal à sua carreira, Chan Hin Io fotografou os bairros de Macau, as memórias de ofícios e negócios tradicionais e o património arquitectónico da cidade. A sua obra tem como pontos altos os livros “Bairros de Macau: Fotografia Documental por Chan Hin Io”, “Memórias dos Ofícios e Negócios Tradicionais de Macau” e “Vida em Macau 2012 – Fotografias de Chan Hin Io”. Outro dos destaques maiores na carreira do fotógrafo é o livro “O Lugar onde o Património Mundial Brilha – Fotografia do Centro Histórico de Macau”, que originou uma exposição que está patente em Lisboa, no Centro Científico e Cultural de Macau até 31 de Maio. Depois da capital portuguesa, a exposição será mostrada em Guimarães, no Palácio Vila Flor entre 23 de Junho e 15 de Agosto.
Sofia Margarida Mota EventosBtr | Autor de Xangai condensa o tempo para memória futura [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o heterónimo Btr, o autor e fotógrafo produz um ainda raro registo da sociedade contemporânea chinesa. Natural de Xangai, prefere escrever o presente em mutação para que fique um registo dos dias de mudança. A escrita está intimamente ligada a um modo de expressão mais abrangente em que utiliza o desenho, a fotografia e o vídeo. “Tudo para emoldurar a realidade chinesa da actualidade”, afirmou ao HM. O mundo virtual, por exemplo, é fonte de alterações que ainda não se compreendem, mas que estão a afectar a vida de todos, indica Btr. Em causa estão também as mudanças de valores. Se até há pouco tempo a sociedade chinesa era influenciada pelas antigas tradições e palavras, hoje, diz, tudo isso está a mudar. “Um dos problemas na língua chinesa é a utilização de palavras-chave como símbolos e o que tenho vindo a constatar é o aparecimento e a criação diária de novas palavras com origem, por exemplo, no vocabulário da Internet”, explica. Para o autor, o fenómeno não é de estranhar até porque “as palavras que tínhamos não seriam capazes de representar a nova realidade”. O facto representa, já por si, uma mudança a ocorrer. Crítica criativa O trabalho que produz reúne a utilização de vários meios e começou com uma crítica à arte contemporânea. “Comecei a interessar-me pelo presente através da arte contemporânea há dois anos”, conta. O interesse em particular veio da abundância do estilo no Continente e especialmente em Xangai, “onde há muitas exposições”. No entanto, longe da crítica tradicional, o autor escreve histórias inspirado pelo que vê. O trabalho que realiza acerca do que se faz na arte contemporânea recria-se com a escrita. “Não faço uma crítica das obras, por assim dizer, escrevo pequenos contos em torno delas, do que elas me transmitem. Acabo por confundir o trabalho crítico com o criativo e criar outra coisa a partir da observação da arte que se faz hoje em dia”. Btr acabou por achar que a fotografia e o desenho podiam juntar-se à palavra e criar uma aproximação mais verosímil da realidade. Na semana passada, inaugurou a sua primeira exposição a solo em Xangai. “Chama-se yisi yisi, 意思意思, uma expressão chinesa muito difícil de traduzir”, afirma. No seu todo, a exposição “é uma espécie de livro visual, pendurado nas paredes, e que descreve um dia, repartido em dez momentos na vida de um trabalhador de colarinho branco de Xangai”. Mais uma vez, a ideia é mostrar a contemporaneidade e ilustrar a forma como as redes sociais são capazes de influenciar o quotidiano. “Actualmente na China, as pessoas não tiram os olhos dos telefones, sendo que até o trabalho, penso, é decidido através desta interacção virtual”, constata. É esta mudança, ainda rumo a parte incerta, que mais o incentiva a fazer o seu retrato. Btr diz ainda que em cada conto ou imagem que produz consegue sintetizar, “em formato instantâneo, um passado e um futuro”. Por outro lado, aponta, já há muitos e bons escritores que retratam a história recente e o panorama rural do país, mas raros os que se dedicam a este momento tão importante que é o presente. Btr não deixa de sublinhar que o retrato da mudança a que se dedica está condicionado. Se, por um lado, o mundo virtual possibilita um acesso cada vez maior à informação, e a mais interacções, na China essa informação continua a ser circunscrita aos links autorizados, o que acaba por formar uma bolha da qual não se consegue facilmente sair. “Usamos o WeChat para tudo, mas é uma plataforma que funciona como uma bolha e que não autoriza o acesso à informação do exterior. Não podemos aceder ao New York Times”, exemplifica. Da passagem por Macau, para o festival Rota das Letras, leva a oportunidade “única de estar em contacto com outros autores, tanto chineses, como ocidentais”.
Andreia Sofia Silva EventosJosé Maçãs de Carvalho, fotógrafo: “Interessa-me a aparência das coisas no plano visual” Com “Arquivo e Democracia” transportou para Lisboa a realidade das empregadas filipinas de Hong Kong que usufruem das ruas da cidade para aproveitarem os domingos de descanso. A exposição está no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia. As histórias de vida são duras mas, ainda assim, José Maçãs de Carvalho, fotógrafo e subdirector do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, assume não retratar episódios do ponto de vista sociológico, mas sim meramente visual. O ex-residente de Macau prepara novos projectos para o território [dropcap]C[/dropcap]omo surgiu a possibilidade de fotografar as empregadas filipinas de Hong Kong? A ideia de fazer um ensaio visual sobre a questão já existe desde o tempo em que vivi em Macau [entre 1994 a 1998]. Desde 1999 tenho regressado a Macau anualmente e desde 2009 que comecei a filmar com mais regularidade. Porquê o nome “Arquivo e Democracia”? Desde 2011 que investigo a matéria do arquivo. Já fiz sete exposições cujos títulos têm a palavra. Aliás, a minha tese de doutoramento (2014) é sobre Arquivo e Memória. Aqui, em Hong Kong, o ‘Arquivo’ vem pelo excesso, excesso de pessoas na rua ao domingo, excesso no gesto, enfim, acumulação também. ‘Democracia’ porque a forma como ocupam as ruas configura uma espécie de democracia plena, total. O que mais o fascinou durante a realização deste projecto a Oriente? Filmei entre 2009 e 2012. Sempre achei este acontecimento muito curioso, estranho, e por ser contingente. Se não se for ao domingo a Hong Kong nunca se vê este fenómeno. Em Macau, as empregadas domésticas residem nos seus próprios apartamentos, o que faz com que não estejam nas ruas nos seus dias de folga como em Hong Kong, onde vivem em regime interno na casa dos patrões. Pensou em abordar também a realidade das empregadas em Macau? Não me interessa aquele acontecimento como facto social, não adopto um ponto de vista sociológico. Interessa-me a aparência das coisas no plano visual, portanto não são as empregadas filipinas que me interessam, mas a forma como aquelas mulheres ocupam a zona mais rica de Hong Kong e como interagem com a arquitectura. As empregadas filipinas e indonésias em Hong Kong têm estado no epicentro de uma discussão sobre os direitos humanos e laborais. Como é que a fotografia pode contribuir para esse debate e reflexão? A arte pode sempre contribuir para o debate se tiver uma ligação ao real. Macau surge também retratada no projecto “Arquivo e Melancolia”, recentemente em exposição no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC). Porquê ir buscar uma imagem tirada dos anos 90, numa altura em que o território era tão diferente? Que história faltava contar? O filme que mostrei no MNAC foi filmado em 2011 e retomava uma fotografia que fiz numa loja de parafusos, no Porto Interior, quando vivia em Macau, no fim dos anos 90. Mais uma vez, esse filme não é sobre Macau, é sobre uma acumulação excessiva e periclitante de milhares de parafusos e porcas; um epítome da precariedade do arquivo e da memória. Tem algum novo projecto pensado sobre Macau e sobre a Ásia? Há vários projectos em progresso: uma exposição que desenvolverei com a Margarida Saraiva, ainda sem data, e ainda um projecto de fotografia que iniciei em 1999 e que retrata o quotidiano de ex-alunos meus de Macau. Macau teve uma comunidade portuguesa pujante nos anos 80 e 90, período em que viveu no território. Que memórias guarda, que análise faz à produção de arte em Macau na altura? As melhores memórias. Macau é a minha segunda terra. Até poderia morrer em Macau. Nesse tempo a produção artística era muito irregular: coisas fracas e coisas muito boas. Anos depois da transição, Macau ainda constitui um fascínio para os artistas portugueses? Diria que a Ásia, mais do que Macau. É subdirector do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Estão pensadas parcerias com o território? Para já, não. Temos parcerias com o Museu Russo de S. Petersburgo e a Universidade da Sorbonne, em Paris. Temos ainda em estudo uma parceria com uma universidade inglesa. Novo livro lançado a 18 de Março As fotografias sobre as empregadas filipinas que ocupam as ruas de Hong Kong e o trabalho desenvolvido sobre esse tema são parte integrante do novo livro de José Maçãs de Carvalho, a ser lançado no próximo dia 18. A obra chama-se “Arquivo e Intervalo” e é o resultado da exposição no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), tendo o apoio da editora Stolen Books e do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. A obra reúne quatro textos “que se aproximam de quatro filmes em torno da matéria do arquivo e que, de algum modo, também epitomam questões fulcrais da prática fotográfica e videográfica”, escreve o autor. Desde 2010 que José Maçãs de Carvalho tem trabalhado “em exclusivo problemáticas relativas ao arquivo e à sua expressividade”. Os textos do novo livro “problematizam a substância do arquivo naquilo que ele tem de excesso, precariedade e esquecimento, mas também aquilo que o marca como lugar e temporalidade”, acrescenta. Os textos de “Arquivo e Intervalo” têm organização de José Maçãs de Carvalho e são da autoria de José Bragança de Miranda, Pedro Pousada, Adelaide Ginga e Ana Rito. A apresentação será feita no próximo dia 18, no MAAT, em Lisboa, pelo escritor Gonçalo M. Tavares e por José Bragança de Miranda, investigador e ensaísta.
Isabel Castro EventosGonçalo Lobo Pinheiro retratou a pobreza em Macau: “Era como se fosse um deles” [vc_row][vc_column][vc_column_text] Numa cidade de muito brilho, de muita luz, foi à procura de um lado mais sombrio: a pobreza. O fotojornalista Gonçalo Lobo Pinheiro publicou, no final do ano passado, uma série de imagens no jornal Público que mostram um lado esquecido de Macau. “No Cárcere da Pobreza” vai estar em análise na próxima quinta-feira, na Universidade de Macau, num seminário que serve para se falar das diferentes realidades do território [/vc_column_text][vc_column_text css=”.vc_custom_1489019654286{margin-top: -30px !important;}”][dropcap]C[/dropcap]omo é que surgiu a ideia de procurar um lado pouco visível de Macau? É o papel do jornalista – e do fotojornalista – procurar este tipo de abordagens. Tenho vontade de andar à procura de histórias diferentes. Em Macau não é muito fácil encontrar esta diferença. Tentei perceber – dentro deste dinheiro, desta vida quase luxuosa para muita da população –, onde é que havia estes nichos de gente que, de facto, não tem rosto, que passa por dificuldades. Fiz vários contactos. Falei com a Santa Casa da Misericórdia, que me disse que a Caritas estava mais indicada para o trabalho que pretendia fazer. Depois comecei a encurtar distâncias, até que me deram abertura para poder entrar dentro da Casa Corcel, que é onde estão pessoas sem abrigo, pobres. Há outras pessoas que só vão lá comer. É uma ajuda aos mais necessitados. Tentei também, através deles, ir ao contacto das famílias desfavorecidas: existem algumas, na Ilha Verde, na Taipa, que moram em barracas. Só que aí foi muito mais difícil. Acabei por deixar cair a ideia. Depois foi a história normal: fui fazendo marcações para poder ir à Caritas. Numa primeira fase, ia acompanhado, até mesmo por uma questão de apresentação – para não chegar ali uma pessoa que não sabem quem é –, e para servir também de tradução, porque a maior parte das pessoas não falam outra língua que não o chinês. Foi assim que começou. Depois passei lá vários dias, várias semanas, em momentos diferentes, fui lá de manhã, à tarde, à noite… Como é que foi o processo de conseguir ganhar a confiança de pessoas que não falam a mesma língua? Tem de se estar ali, só a olhar para eles, e sorrir. Alguns são muito sisudos, até viram a cara. E depois vai-se fotografando. Uns diziam que podia fotografar; outros diziam logo à priori que não há cá fotografias, nem à ponta do dedo mindinho. Tem de se andar naquele jogo. Depois fotografa-se, mostram-se as fotografias para ficarem entusiasmados. Aqui é que se criam as ligações. A ideia era eu estar ali como se fosse um deles. Obviamente que, nos primeiros dias, era mais complicado, porque viam um intruso ali. Depois de se habituarem, passou a ser muito mais fácil e circulava à vontade. Tinha algumas restrições quando ia para a ala feminina – ia acompanhado de uma senhora –, mas, fora isso, andava tranquilo. Estavam a fumar, ia para ao pé deles. Havia um que estava a fazer a barba, eu passava pela casa de banho. Fazia uma vida como se estivesse ali. Mas teve de se ganhar essa confiança – os primeiros dias foram muito complicados. Quando olhamos para estas fotografias, imaginamos histórias de vida. Foi possível ir percebendo como é que as pessoas foram parar a esta casa? Algumas histórias consegui perceber: há casos em que as famílias não quiseram mais saber deles, outros porque gastaram o dinheiro todo e deixaram de ter meios de subsistência, e outros ainda porque tiveram problemas de saúde e nunca mais voltaram a ser os mesmos. A maioria estava resignada – muitos deram a entender que a vida deles não vai sair daquele marasmo –, mas outros não. Mesmo tendo 60 ou 70 anos tinham esperança de melhorar a sua condição. Há histórias complicadas, como a de um chinês de Moçambique que estava triste porque não podia ver os filhos. Depois havia um que era chefe de cozinha, mas que teve uma trombose. Há pessoas que não têm dinheiro para pagar a renda. Há várias histórias. “Tem de se estar ali, só a olhar para eles, e sorrir. E depois vai-se fotografando.” Sente que o facto de os ter fotografado lhes deu uma dignidade diferente? Espero que sim. A minha ideia era também ir por aí. Não era só mostrar as pessoas que estão marginalizadas na sociedade, mas também que as fotografias dessem essa dignidade. Tenho fotos mais complicadas do que outras mas procurei, nesta sequência de 15 imagens que publiquei, mostrar o lado mais bonito do que não é nada bonito, que é estarem ali, naquelas condições. Procurei fazer mais retratos, sempre que possível, com as pessoas a sorrir, mas não interferi muito nisso. O meu trabalho foi feito para mostrar as condições complicadas em que eles estão, mas são pessoas que têm um rosto, com vida, com história. Antes de chegarem ali, viveram muitos anos e fizeram outras coisas. Podem ser 100 ou 200 pessoas – o que parecerá ridículo numa terra com quase 700 mil habitantes – mas têm a sua voz e o direito a aparecerem. Este não foi um projecto vulgar em Macau. Há mais ideias deste género para o futuro? Neste momento não estou a trabalhar em nada em específico. Tenho ideias para fazer mais algumas coisas, estou a estabelecer contactos com associações. Vamos ver. Mas tenho, pelo menos, duas ideias que gostaria de fazer nos próximos dois anos. Isto requer disponibilidade, porque tenho de partir às minhas expensas. Conforme o meu tempo, vou fazendo as coisas. Às vezes pode durar uma semana ou então um mês, dois, um ano. Mas estou a fazer contactos, porque também há esse lado mais burocrático. Depois faço a minha agenda: hoje vou, amanhã não vou, posso ficar uma semana ou duas sem ir e isso é interessante. Se for diariamente, não é muito bom. Haver descansos permite renovar o olhar. As reportagens deviam ser assim: deixar fluir, ver como é que as coisas correm. Não quero ter esse tipo de pressão, quero estar tranquilo.[/vc_column_text][vc_custom_heading text=”Galeria” font_container=”tag:h4|text_align:left” use_theme_fonts=”yes” css=”.vc_custom_1489051468346{margin-top: 5px !important;margin-bottom: 0px !important;padding-left: 20px !important;}”][vc_gallery interval=”5″ images=”16099,16098,16097,16096,16095,16093,16092,16090,16089,16088,16087,16086,16085,16084,16077″ img_size=”large” onclick=”” css_animation=”fadeIn” css=”.vc_custom_1489051293835{margin-top: -10px !important;margin-bottom: -30px !important;padding-bottom: 0px !important;}”][/vc_column][/vc_row]
Isabel Castro EventosJoão Miguel Barros: “Olhamos muito, mas vemos muito pouco” Por achar que já tem idade para mostrar a fotografia que faz, João Miguel Barros decidiu avançar para um livro e uma exposição. “Entre o Olhar e a Alucinação” está na Creative Macau a partir do próximo dia 23. É uma experiência sobre um caminho que o advogado quer fazer: ir deixando os processos para trás e apostar na curadoria, trabalhar em fotografia, pensar na estética da representação [dropcap]C[/dropcap]omo é que começa a fotografia? Já começou há muitos anos. Talvez nunca tenha tido a coragem de começar pôr as fotografias cá fora. Neste momento, é uma especialização de uma preocupação cultural que já vem do meu tempo da faculdade quando, na altura, com a minha mulher, fizemos a revista SEMA. O gosto pela cultura é presente, tem-me acompanhado ao longo da vida, embora tenha sido muitas vezes distraído pelas questões do Direito, ou mais pelas obrigações profissionais do que pelo gosto do Direito. Nos últimos anos, em especial depois de ter saído do Ministério da Justiça, resolvi assumir que a cultura era – e é – uma área do sentir e do conhecimento demasiado vasta. Portanto, dentro da cultura em geral, identifiquei a área de que mais gosto: a fotografia. Sempre fiz fotografia. Antes da fotografia digital, lembro-me de uma viagem à Índia em que praticamente fiz turismo através da lente das máquinas fotográficas. Chegava ao final do dia completamente estoirado de carregar máquinas e lentes, coisa que neste momento já não faço, porque aperfeiçoei a lógica de funcionamento. Tenho uma câmara mais pequena, com uma lente de 35 mm fixa, e sou muito menos intrusivo na recolha das fotografias. É um gosto antigo, uma prática que tem sido mais ou menos descontinuada ao longo do tempo, mas tem sido uma constante e uma preocupação. Acho que já tenho idade suficiente para poder começar a pensar em pôr cá fora estas fotografias. Mas tem também uma outra componente: tenho o desejo de, um dia destes, começar a afastar-me mais da advocacia, e criar uma pequena galeria e uma pequena editora só para a fotografia a preto e branco. E pensei que um bom exercício seria fazer a experiência de como é que tudo isto funciona a partir de mim próprio. Daí a exposição e o livro. Peguei numa pequena verba que pus de lado e disse assim: em vez de ir apostar em alguém, vou apostar em mim. E acompanhei todo este processo, na produção, na escolha dos suportes e do material para a exposição, fiz uma série de ensaios de impressão das fotografias em suportes diferentes, emoldurei de formas diferentes, para tentar perceber qual era o melhor caminho a seguir. Todo o processo de produção do livro foi mais ou menos equivalente. O livro acaba por ser também um desafio, porque fazer livros com uma dimensão como esta, de 30 cm por 23 cm, é um risco, apesar de tudo, porque as fotografias aguentam ou não. Mas o tipo de fotografia que faço aguenta mais facilmente num livro com esta dimensão do que se fossem fotografias que andam à procura de uma perfeição técnica que eu não acho ideal. Portanto, tudo isto acabou por ser um exercício de como fazer, à custa de mim próprio. “Entre o Olhar e a Alucinação”. Que conjunto de fotografias é este? São imagens que não andam à procura da perfeição. Como é que se chegou aqui? Chegou-se de uma forma um bocadinho acidental, mas foi a partir de uma reflexão do que é e do que pode ser a fotografia. É uma conversa que é preciso desenvolver e aprofundar. A minha preocupação com a fotografia não é apenas tirá-las, trabalhá-las e eventualmente poder ou não expor, e poder ou não publicar. Neste momento, queria desenvolver uma outra vertente, à qual dou muita importância, que é fazer a curadoria de projectos e isso implica pensar na fotografia como arte e pensar nos projectos como um conceito. Neste momento tenho um projecto aprovado, para um ciclo de fotografia contemporânea chinesa, que vai realizar-se em Portugal com três dos mais importantes fotógrafos chineses da actualidade, pessoas cujo trabalho admiro muito. Tenho já a confirmação de que o Instituto Cultural de Macau também vai apoiar este ciclo de três exposições individuais, que virão ao território depois, em 2018 e 2019. E quem são estes fotógrafos? A primeira exposição é de Lu Nan, um fotógrafo por cujo trabalho tenho uma admiração imensa. Demorou-me quase um ano a chegar até ele. Vai ser inaugurada em Lisboa em Julho deste ano. Depois, em Outubro, vai haver uma outra exposição que é de Rong Rong, um homem muito conhecido na fotografia contemporânea chinesa, também produtor e divulgador cultural, tem um centro de arte contemporânea em Pequim. O terceiro é um fotógrafo menos conhecido que tem um projecto sobre o Tibete que demorou quase dez anos a conseguir. Yang Yankang tem fotografias lindíssimas sobre o lado mais filosófico e espiritual do Tibete. São três caminhos na fotografia contemporânea chinesa que quis explorar, sendo certo que havia uma quantidade de outras pessoas. E, voltando ao princípio, este livro nasce também de uma preocupação de tentar perceber qual é o caminho que quero explorar relativamente à fotografia. Podemos dizer que este livro é um ensaio? De algum modo, é uma experiência e que parte de um princípio que está contido naquela frase de Barthes, que é o mote da exposição, quando basicamente diz que as fotografias não precisam de ser chocantes, o que precisam é de fazer as pessoas pensar. Isto leva a que nós pensemos também como é que encaramos a fotografia como uma estética de representação. Se é uma estética de representação, significa que podemos olhar para uma fotografia de per si ou temos de seguir a corrente tradicional ou politicamente correcta dos trabalhos das pessoas mais conhecidas, que assentam na ideia do storytelling, de contar uma história? Está muito instalada a ideia de que as fotografias contam histórias e que os projectos fotográficos são verdadeiramente importantes, ou mais importantes, quando são capazes de contar histórias. Como se a fotografia enquanto forma de arte tivesse de ter alguma coisa de fotojornalismo, no sentido da construção de uma narrativa. Pode confundir-se dentro dessa via, sendo certo que o fotojornalismo tem uma representação da realidade que não permite a deformação dessa mesma realidade. O storytelling pode ser já uma alucinação da realidade e é legítima como forma de contar uma história. Com esta experiência, o que quis tentar foi perceber se é possível ou não juntar várias fotografias que nada têm que ver umas com as outras, apesar de, neste conjunto, haver vários subconjuntos que estão relacionados. O próprio título faz parte de um tríptico que vai estar apresentado na exposição. Há mais dois conjuntos, a que chamei “Night Vision I” e “Night Vision II”, que também são mini-séries de uma pequena história quase sem história. Mas o importante era testar a ideia se é, ou não válido, juntar fotografias que, de per si, possam ser uma história, mas uma história que não induza quem a vê num determinado percurso de interpretação. É engraçado olharmos para as fotografias e pensarmos que elas foram congeladas no tempo. Quando olhamos a realidade a passar dinâmica à nossa frente, certos momentos que são congelados têm um significado diferente do que teriam inseridos nessa sequência normal da visão. Mas há sempre a possibilidade de se inventar uma narrativa… Este livro tem uma intenção e tem muitas narrativas. Não é por acaso que as fotografias estão todas sequenciadas e que vão todas ao corte, sem nenhuma paginação especial que as tente influenciar. Não é por acaso que foram alinhadas desta maneira, e isso dá-lhes uma narrativa. Dou dois exemplos: há um contraste entre pessoas, situações e lugares; pelo meio coloco várias fotografias de escadas, que são simbolicamente a ideia de que nós, na vida, gostamos ou deixamos de gostar, vamos por um lado ou podemos ir por outro. O desafio que se coloca a quem vê o livro é saber se gosta deste caminho ou se não gosta, a escada está lá para subir e para descer. O livro acaba, também intencionalmente, com uma fotografia, sem nenhuma outra na página ao lado, de um rosto muito marcante de um homem velho, mas que tem um sinal de esperança, que é o facto de estar a rir. Este livro tem uma intenção – o modo como foi pensado – e pode ter muitas narrativas. Quem for ver a exposição ou pegar no livro encontra várias imagens captadas no contexto em que vivemos. Para a escolha destas fotografias pesou o factor cidade ou isso não entrou no critério de escolha? Não entrou. O meu critério de escolha foi o gosto pessoal, de adesão ou não a uma determinada fotografia, a um determinado contexto, ao modo como a fotografia é enquadrada na página ou na moldura. Mas há uma relação com a cidade que acaba por transportar, até porque vive cá há muitos anos. É inevitável. Dou comigo a pensar se o facto de vivermos aqui há tantos anos – de lidarmos tanto com estas pessoas, com estas situações, as cozinhas mal-arranjadas, os ambientes às vezes muito hostis – também não faz com que não tenha já capacidade de olhar. E isto é uma coisa que me preocupa. Por isso é, quando olho para Macau como lugar para fazer fotografia ou para registar momentos, tenho sempre um certo medo de não ser capaz de olhar da forma correcta, porque já nada me surpreende. E quando tiramos uma fotografia, do mesmo modo como queremos que essa fotografia surpreenda – como diz Barthes, que faça pensar –, também temos de ser capazes de nos podermos surpreender com aquele momento que estamos a registar. Confesso que, por uma certa saturação em relação à cidade, por já estar a viver em Macau desde 1987, sou capaz de já não ter bem essa capacidade. Mas a lente, ainda assim, ajuda ao enquadramento, ao exercício do foco sobre algo que a olho nu nos pode escapar. É a tal ideia de que uma fotografia congelada no tempo pode ter uma leitura que é completamente diferente dessa fotografia inserida num movimento real em que as coisas acontecem. As máquinas fotográficas são formas de seleccionar a realidade, já por si, e eu em cima disso ainda agravo a situação, porque é raro o caso em que não faço um crop da fotografia. Gosto de fazer crops das fotografias – tenho amigos que dizem que isto é desvirtuar a realidade. Mas a máquina já desvirtua a realidade, porque vai só buscar um bocadinho. Os lugares são relativamente importantes no contexto deste projecto, sendo certo que, muitas vezes, uma pessoa sente-se mais motivada para dirigir a máquina para sítios que são uma surpresa do que propriamente para locais que vemos todos os dias e que já não temos capacidade de ver. Realmente, há uma grande diferença entre olhar e ver, e este é o problema dos nossos dias, é o problema da nossa civilização: olhamos muito, mas vemos muito pouco. A fotografia, congelando momentos que, para nós, são significativos, é uma forma de ajudar a ver determinado tipo de realidades. Olhamos para algumas fotografias, como as que estão aqui [no livro], de pessoas. E é legítimo perguntar o que é que esta pessoa estava a fazer antes e o que estava a fazer a seguir? Esta pessoa está neste contexto, que não se percebe muito bem, porque a fotografia está muito cropada, não tem propriamente todo o seu ambiente à volta, mas qual era o contexto em que se estava a mover quando foi fotografada? Há outras questões mais teóricas que têm que ver com fotografia. A questão da estética da representação. É o que procuro, e também tentar perceber como é que consigo apurá-la, sendo certo que há muitas estéticas de muitas representações. Uma coisa sei que não quero, que é a técnica da representação, que é uma coisa completamente diferente: aquela fotografia muito bonita, tecnicamente supercompetente. Há um fotógrafo que tem um trabalho admirável, num campo completamente diferente, o Erwin Olaf, que teve uma exposição aqui na Casa Garden. É um fotógrafo fabuloso, que vem da fotografia de moda. Todas as fotografias que faz são encenadas, são pensadas ao milímetro. Um dia, contou-me que há fotografias, que eu pensava que o ambiente natural era um hotel onde punha os seus figurantes, em que os cenários são todos construídos por ele. Essas fotografias têm obviamente uma história para ele, mas são fotografias tecnicamente representadas, há uma representação técnica da realidade, evidentemente com muita criatividade. Não procuro nada disso, porque acho que os critérios de avaliação das fotografias nos tempos que correm já não passam pelo lado técnico, porque a fotografia deixa de ser um meio para passar a ser um fim. Quando a fotografia deixa de ser tecnicamente um meio para mostrar qualquer coisa – que passa a ser acessória, porque o meio é que é importante –, neste caso já temos a possibilidade de olhar para a fotografia e achar que os meios passem a ser acessórios. Onde fica a advocacia, no meio disto tudo? Como não sou rico, tenho de trabalhar, tenho de fazer advocacia. Mas já tenho 58 anos e acho que já tenho o direito de começar a fazer menos advocacia e a fazer mais aquilo que me realiza pessoalmente. Já estou na advocacia há muitos anos, já passei por processos complicados e já tenho a minha dose que chegue de descrença relativamente ao sistema. E em Macau é fácil ter-se descrenças em relação ao sistema. Entretanto, tenho tido oportunidades na vida, como foi a última experiência que tive em Portugal no Ministério da Justiça, de ser parte activa em projectos de reforma significativos, como foi a questão da reforma do sistema judiciário. Mas também isso me deixa, apesar de tudo, um certo amargo de boca. Não sei como explicar. Sou muito devotado ao serviço público no sentido de me dar a ele, passe o auto-elogio, com alguma generosidade. Isso tem-me prejudicado. Aconteceu no princípio dos anos 2000, quando fui para a Ordem dos Advogados, e depois quando fui para o Ministério da Justiça, quando estourei completamente a possibilidade de fazer advocacia em Portugal porque me dediquei a um serviço público. Mas realmente, o sistema judiciário, tal e qual como está montado, é muito conflituante de interesses e, às tantas, é uma máquina trituradora muito complicada. Quando verdadeiramente me consigo libertar, e fugir um bocadinho, é ao ir por este caminho da fotografia, porque também se não o tivesse era capaz de morrer mais cedo e muito mais frustrado. Acho que tenho de dar continuidade a este projecto, tentando avançar para outro livro, dentro da mesma linha, possivelmente. E avançar também nos trabalhos de curadoria, porque há necessidade de darmos a conhecer muito trabalho que está a ser feito por aí. Na Ásia – na China e no Japão, que é uma fotografia que me tem influenciado muito –, temos gente a fazer fotografias de uma forma absolutamente deslumbrante e magnífica. O desconcerto [dropcap]H[/dropcap]á um chão, um chão de relva, e há um corpo estendido, aconchegado, num agasalho que inclui um capuz. Está ali um olhar que fixa a lente e que não se percebe o que diz. É um olhar enigmático, entre a surpresa, a solidão, o sono, o abandono. Ou talvez apenas a preguiça, o embalo, a fruição de qualquer coisa que aquela lente não nos quis mostrar. Não sei de quem são estes olhos, onde estavam eles deitados, se quiseram ali estar ou se ficaram assim por falta de opção. A imagem não me diz nada mais sobre este olhar. Viro a página e o resto da história não está lá, porque não é para estar. Este livro é feito de imagens soltas que se entrelaçam, se se tiverem de relacionar. Às tantas, não é preciso andarmos constantemente à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim de qualquer coisa. Às tantas, é este o princípio esquecido da fotografia: o que há para ver é o que está naquele rectângulo, o que parou no tempo daquele modo, naquele momento, e o resto nada interessa. Às tantas, é só assim, tão simples e, sim, tão complicado, porque aquele olhar fixou-me também. Viro a página e há outra história qualquer. E mais outra. E há umas escadas. E outras, tantas escadas para subir e descer, uma vertigem de imagens que são densas, escuras, neste livro há muita noite, pouco dia, talvez não pudesse ser de outra maneira. Chego ao fim e há um sorriso, um sorriso velho e desdentado, um sorriso sincero e malandro, como que a ler o que me vai na alma. O desconcerto. Este livro é um desconcerto. Não podia ser de outra maneira. O livro é de João Miguel Barros, advogado, homem há muito ligado às artes, às letras, às publicações. O nome escreve-se nos jornais sobretudo por causa de outras causas, de outras palavras, do mundo mais encenado que cabe nos códigos e nas leis, nos órgãos de investigação criminal e nos tribunais, nas críticas e no cansaço, nos culpados e nos inocentes. Desta vez, o nome escreve-se nos jornais porque não há história, são muitas histórias, e não há palavras, só imagens. Construímos mundos e é neles que nos movimentamos, num entediante exercício ao qual demos o nome de quotidiano. Andamos sempre à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim do texto, ao fim do livro, ao fim da rua. “Entre o Olhar e a Alucinação” é um convite a uma paragem, é uma descida vertiginosa ou uma escalada penosa, é um desafio para uma certa solidão. É um desconcerto, daqueles que fazem bem no meio do ruído dos dias. E depois são os olhos que se fixam, porque aquele olhar fixou-me também.
Paulo José Miranda Em modo de perguntar h | Artes, Letras e IdeiasEstelle Valente: “Gosto de fotografar aquilo que não existe” [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceste em França, onde cresceste e estudaste economia, mas acabaste por vir para Portugal, terra dos teus pais, e tornaste-te fotógrafa. Hoje és mais conhecida por ser a fotógrafa oficial da cantora de fado Gisela João. Que te levou a vir para Portugal e deixar a economia para te tornares fotógrafa? Porque é que larguei tudo em França para vir viver para Lisboa? Essa deve ser a pergunta que mais me fizeram até hoje e, como muita coisa na minha vida, não tem uma resposta racional. É algo que sentia em mim há muitos anos. Sabia que o meu destino, o meu « fado», era aqui. É difícil explicar. Precisei de quase dez anos para tomar essa decisão. Temos várias vidas na nossa vida e eu já tive muitas. Não tenho medo da mudança, de mudar de área. Gosto sempre de experimentar coisas novas. A fotografia nasceu um pouco dessa mudança. Quando cheguei a Lisboa não conhecia quase ninguém e tinha uma sede de descoberta. Comecei a sair sozinha, a eventos culturais, à noite, e a máquina fotográfica foi naquela altura a minha companhia. Deu-me uma segurança e foi fundamental para o meu crescimento, eu que sou uma pessoa bastante tímida. E dessa companhia nasceu uma paixão. Comecei a fotografar muito. Depois aconteceu um daqueles encontros que mudam a vida de uma pessoa: e o meu encontro com a Gisela João foi um deles. Ela não era conhecida na altura e comecei a fotografá-la. Depois saiu o primeiro álbum dela e foi o impacto que foi. Desde então crescemos juntas. No panorama actual da música existem poucos casos assim e, por isso, tudo isto me parece único. Ela é a minha Musa, ela é a minha principal fonte de inspiração. Eu vejo nela todas as musas de Gainsbourg. Fotografas sempre a preto e branco, e especialmente pessoas. Isso deve-se apenas a compromissos profissionais ou é esse o modo como entendes a fotografia? A arte, e aqui a fotografia, é um pouco o reflexo daquilo que somos e muito das nossas imperfeições. E por isso as minhas fotos são frequentemente melancólicas, sombrias, misteriosas, poéticas, paradas no tempo. Isso deve ser um pouco aquilo que sou. E só o preto e branco me permite isso. Também poderá ter a ver com a noite que eu associo muito aos tons pretos e brancos. O que me fascina na noite é que tudo parece possível, como se não existissem limites. E também vejo isso no meu preto e branco. Com o preto e branco consigo transmitir exactamente aquilo que quero, a história que quero contar. É algo mais forte, com mais contraste e impacto. Gosto de brincar com as sombras, ao fim ao cabo com a minha própria sombra, com o meu lado escuro. O facto de fotografar pessoas deve-se ao meu percurso profissional, foi assim que as coisas foram acontecendo ao trabalhar muito com a Gisela e no Teatro São Luiz, onde tenho feito imensos retratos. Mas confesso que o que me interessa mais na fotografia é a ausência, é justamente poder contar a história de alguém sem ele estar presente fisicamente. Gosto de fotografar aquilo que não existe, eu sei que pode parecer estranho. A minha liberdade de imaginação é muito maior nesse caso. O que é que mais te fascina na fotografia? No fundo, e isso poderia ser aplicado a outros fotógrafos, muitas das tuas fotografias são como poemas. A liberdade de poder contar uma história de uma forma directa e imediata. Essa possibilidade de construir um poema visual. Agrada-me o facto de ter vários olhares sobre uma foto. Digo sempre que numa fotografia há três histórias: a história real do momento que estou a fotografar, a história « inventada » que eu quero contar e que muitas vezes as pessoas não percebem e, por fim, a terceira história, a da pessoa que está a olhar para a foto e cuja imaginação pode ser estimulada por esse olhar. O mais bonito é que acabam por ser sempre três histórias diferentes. E é essa magia que me fascina na fotografia. Por isso é que criei há alguns anos um blog onde convido « amantes da escrita » a escrever um texto (um poema ou um conto) inspirado numa foto minha. O resultado tem sido fascinante e muito inspirador ao ver o que as pessoas imaginaram perante uma foto minha sem eu nunca ter pensado nisso nem ter tido a mesma leitura. E o que te fascina tanto em Lisboa? A luz, sem dúvida. Por vezes as pessoas que vivem aqui não têm essa noção mas Lisboa tem uma luz diferente, uma luz que penetra e que transforma a tua alma. E essa luz mudou-me de uma forma que dificilmente consigo explicar. Quais os teus projectos para este ano e quais os sonhos? A minha vida é feita de sonhos! Projectos concretos tenho alguns, que não posso revelar ainda, mas posso dizer que em breve haverá uma (ou duas) exposições em Lisboa, e provavelmente a edição de um livro. E um projecto com uma passagem por Paris, como não podia deixar de ser. Acima de tudo, quero fugir do óbvio e daquilo que toda gente espera. Quero seguir o meu instinto, foi sempre ele que me guiou até hoje.
Sofia Margarida Mota EventosFotografia | International Photo Awards & Convention em Macau A quinta edição da iniciativa International Photo Awards & Convention, organizada pela Associação de Fotógrafos Profissionais da Ásia, tem lugar em Macau e parece ter chegado para ficar. A organização pretende fazer do território o anfitrião permanente do evento, para transformar Macau num centro de encontro da fotografia internacional [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau pode vir a ser palco regular do International Photo Awards & Convention da Associação de Fotógrafos Profissionais da Ásia (PPCA, na sigla inglesa), a partir deste ano. A iniciativa, que assinalará a 5.ª edição na próxima semana, chegou ao território depois de ter passado por Cantão, Hong Kong e Xangai. “A intenção é fazer, em Macau, o que já se faz em Las Vegas num encontro anual organizado pela Associação de Fotógrafos Profissionais Americana, dedicada a fotografia de casamento”, disse ao HM Allison Chan, directora da PPCA. No entanto, a ideia para a associação asiática é a de que, por cá, “seja dedicada à fotografia em geral e não limitada a um tema”, disse ainda. Macau parece ser, para a organização, um local de excelência para transformar o evento num acontecimento estável porque “tem muita coisa em comum com Las Vegas”. Uma das razões apontadas é a existência de espaços que permitem expor as fotografias finalistas. Na edição que decorre a 10 e 11 deste mês, a sala de exposições do Conrad Hotel vai acolher as 500 fotografias que foram escolhidas por decisão do júri. “Em Hong Kong, por exemplo, seria impossível encontrar um espaço assim.” No total, a PPCA recebeu cerca de 10 mil imagens de cerca de três mil profissionais de todo o mundo. A ideia é “partilhar as últimas tendências da fotografia mundial e inspirar uma maior criatividade, ao mesmo tempo que é esperada a promoção de um intercâmbio com os criadores locais e um incentivo à indústria em Macau”, referiu. Por outro lado, a Associação de Indústrias Culturais e Criativas, que colabora na organização do evento, considera que esta é uma forma de enquadrar as políticas de diversificação turística e incluir a fotografia numa indústria local a desenvolver. Gary Tang, presidente da associação, considera ainda que “o evento será a plataforma perfeita para motivar os talentos locais, ao mesmo tempo que promove a imagem do próprio território no estrangeiro”. Espaço para os de cá Outra novidade é o concurso local que integra a convenção. Dedicado aos fotógrafos do território, os interessados, profissionais ou amadores, podem submeter as suas imagens numa competição especial. O evento conta ainda com a realização de masterclasses (dia 11), com a orientação de alguns dos melhores fotógrafos internacionais. Fazem parte da lista de oradores Liang Chen, de Taiwan, que ministra a palestra dedicada ao tema “a alma na fotografia”, o americano David Beckstead, que vai falar acerca dos elementos fotográficos, e Dave Koh, de Singapura, que traz o tema da criatividade para discussão. O primeiro dia, 10 de Janeiro, é dedicado à realização de vários fóruns dos quais a organização destaca: “Latest Photography Trends”, com Allison Chan (Hong Kong), Victor Tong (Malásia), Zhang Huabin (China), Jack Chan (Hong Kong) e Liang Chen (Taiwan); e “Criatividade e Impacto”, com Victor Tong (Malásia), Jason Groupp (EUA), Erich Caparas (EUA), Anthony Mendoza Barlan (Filipinas) e Prito Reza (Bangladesh). A competição geral é dividida em oito categorias que incluem o retrato, retrato criativo, crianças, paisagens, casamento, pré-casamento, retrato e paisagem captados por telefone. O painel do júri seleccionará os 32 vencedores através de um processo ao vivo e a apresentação do prémio será realizada no dia 10 de Janeiro. O destaque da competição será o anúncio dos dez melhores fotógrafos internacionais durante a apresentação dos premiados na noite de terça-feira.
Andreia Sofia Silva Perfil PessoasDennio Long, arquitecto e fotógrafo | Por entre esboços e detalhes [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um apaixonado pelo património da terra que o viu nascer e isso nota-se assim que se visita a sua página no Facebook com o seu nome. Trata-se de um espaço cheio de memórias, muitas vezes com rostos. Dennio Long estudou Arquitectura no interior da China mas, nos tempos livres, gosta de fotografar os monumentos dos quais ninguém se lembra, que ficaram esquecidos nas velhas memórias de uma Macau que já não existe. Há ainda fotografias sobre Itália e Portugal. São os detalhes que ele quer mostrar, para que nem tudo se perca com o passar do tempo. “Como estudei Arquitectura, estive sempre atento aos monumentos de Macau e reparei que as transformações são enormes, e parece que ninguém está a tomar atenção a isso. Por isso tiro fotos aos monumentos a que as pessoas não prestam muita atenção. Dou atenção sobretudo aos que não estão protegidos pela UNESCO, que têm um estilo mais moderno ou que são esquecidos pela população.” Dennio Long dá como exemplo a zona do Porto Interior ou os pátios tradicionais chineses, a maioria deles em risco de ruína. O arquitecto fala ainda do exemplo da Escola Portuguesa de Macau ou das casas da zona de San Kio, um exemplo de Art Nouveau ao estilo chinês. “Depois da transferência de soberania, o desenvolvimento económico da cidade foi rápido e as mudanças foram demasiado rápidas, muitas das quais não notamos. Espero que a nossa geração possa ser como a geração mais velha, ou seja, mais responsável, com a criação de memórias da nossa cidade. Esse também é o objectivo da fotografia.” O interesse pela fotografia começou há dez anos e foi através dela que Dennio Long percebeu que, em Macau, há coisas que se perdem de um dia para o outro para nunca mais voltarem. “Notei uma grande diminuição de monumentos. Costumo andar pela rua, olho uma casa e, como não trago o meu equipamento, não tiro a fotografia. Um mês depois a casa já não está lá.” O passado ignorado Além das fotos que partilha nas redes sociais, Dannio Long pretende chamar a atenção do Governo para a forma como a cidade está a crescer e, ao mesmo tempo, a desaparecer. “As pessoas elogiam os cenários bonitos mas, na prática, não querem voltar ao passado. As pessoas não querem morar nas casas velhas, sobre as quais o Governo não tem capacidade de gestão, por serem privadas. É difícil usar os cofres públicos para fazer algo. O Governo tem de pensar em métodos mais detalhados para proteger as zonas em separado.” Quanto ao centro histórico, Dennio Long considera tratar-se de um “conceito vago”, onde se misturam vários estilos e temporaneidades. “Há dez anos ainda conseguíamos ver as ligações, mas tudo isso desapareceu. Acho que o que existe actualmente já não corresponde ao centro histórico.” O arquitecto recorda-se, então, da Europa. “Em Itália há uma zona inteira com arquitectura antiga em várias ruas e isso em Macau não existe, está tudo misturado com outros tipos de arquitectura, quebrou-se a ligação.” Dannio Long tira fotos da perspectiva de um arquitecto e são os detalhes que mais gosta de mostrar: aquela janela que enferrujou com o tempo, a cortina que ficou, o degrau que nunca mais foi limpo. “Se olharmos com mais atenção, as fotos publicadas pelo Governo são falsas, são cenários que não correspondem à realidade. Quero apresentar cenários verdadeiros às pessoas, e espero que as minhas fotos possam gerar algum tipo de pensamento nos outros.” O que faz, considera, é quase único. “Não há muitos fotógrafos profissionais em Macau, e os poucos que existem não gostam muito de tirar fotografias exclusivamente dos monumentos”, remata.