Btr | Autor de Xangai condensa o tempo para memória futura

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o heterónimo Btr, o autor e fotógrafo produz um ainda raro registo da sociedade contemporânea chinesa. Natural de Xangai, prefere escrever o presente em mutação para que fique um registo dos dias de mudança. A escrita está intimamente ligada a um modo de expressão mais abrangente em que utiliza o desenho, a fotografia e o vídeo. “Tudo para emoldurar a realidade chinesa da actualidade”, afirmou ao HM.

O mundo virtual, por exemplo, é fonte de alterações que ainda não se compreendem, mas que estão a afectar a vida de todos, indica Btr. Em causa estão também as mudanças de valores. Se até há pouco tempo a sociedade chinesa era influenciada pelas antigas tradições e palavras, hoje, diz, tudo isso está a mudar.

“Um dos problemas na língua chinesa é a utilização de palavras-chave como símbolos e o que tenho vindo a constatar é o aparecimento e a criação diária de novas palavras com origem, por exemplo, no vocabulário da Internet”, explica. Para o autor, o fenómeno não é de estranhar até porque “as palavras que tínhamos não seriam capazes de representar a nova realidade”. O facto representa, já por si, uma mudança a ocorrer.

Crítica criativa

O trabalho que produz reúne a utilização de vários meios e começou com uma crítica à arte contemporânea. “Comecei a interessar-me pelo presente através da arte contemporânea há dois anos”, conta. O interesse em particular veio da abundância do estilo no Continente e especialmente em Xangai, “onde há muitas exposições”.

No entanto, longe da crítica tradicional, o autor escreve histórias inspirado pelo que vê. O trabalho que realiza acerca do que se faz na arte contemporânea recria-se com a escrita. “Não faço uma crítica das obras, por assim dizer, escrevo pequenos contos em torno delas, do que elas me transmitem. Acabo por confundir o trabalho crítico com o criativo e criar outra coisa a partir da observação da arte que se faz hoje em dia”.

Btr acabou por achar que a fotografia e o desenho podiam juntar-se à palavra e criar uma aproximação mais verosímil da realidade. Na semana passada, inaugurou a sua primeira exposição a solo em Xangai. “Chama-se yisi yisi, 意思意思, uma expressão chinesa muito difícil de traduzir”, afirma.

No seu todo, a exposição “é uma espécie de livro visual, pendurado nas paredes, e que descreve um dia, repartido em dez momentos na vida de um trabalhador de colarinho branco de Xangai”. Mais uma vez, a ideia é mostrar a contemporaneidade e ilustrar a forma como as redes sociais são capazes de influenciar o quotidiano. “Actualmente na China, as pessoas não tiram os olhos dos telefones, sendo que até o trabalho, penso, é decidido através desta interacção virtual”, constata. É esta mudança, ainda rumo a parte incerta, que mais o incentiva a fazer o seu retrato. Btr diz ainda que em cada conto ou imagem que produz consegue sintetizar, “em formato instantâneo, um passado e um futuro”.

Por outro lado, aponta, já há muitos e bons escritores que retratam a história recente e o panorama rural do país, mas raros os que se dedicam a este momento tão importante que é o presente.

Btr não deixa de sublinhar que o retrato da mudança a que se dedica está condicionado. Se, por um lado, o mundo virtual possibilita um acesso cada vez maior à informação, e a mais interacções, na China essa informação continua a ser circunscrita aos links autorizados, o que acaba por formar uma bolha da qual não se consegue facilmente sair. “Usamos o WeChat para tudo, mas é uma plataforma que funciona como uma bolha e que não autoriza o acesso à informação do exterior. Não podemos aceder ao New York Times”, exemplifica.

Da passagem por Macau, para o festival Rota das Letras, leva a oportunidade “única de estar em contacto com outros autores, tanto chineses, como ocidentais”.

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