Parque Mayer

[dropcap]É[/dropcap] o título do mais recente filme do António Pedro Vasconcelos, um drama de costumes, em que através das peripécias do arranque de uma nova “revista” na “Broadway” lisboeta quis retratar a opressão do Estado Novo.

Estamos em 1935, o filme, com um casting com excelentes desempenhos dos actores, não caminha no sentido da construção do grande filme musical e do “glamour”, decide-se por outra abordagem em que o fantasma da policia política é personagem tutelar da narrativa.

É um Parque Mayer com pouco brilho e uma cidade sem chama que o filme nos dá a ver, com poucos e tímidos exteriores, centrado no foco da repressão da criatividade e da vida pela presença da censura e da polícia.

O filme é assim descrito na sinopse: “Lisboa, 1933. Deolinda, uma jovem da província que tem o sonho de ser artista no Parque Mayer, apresenta-se num casting para coristas para a nova revista no teatro Maria Vitória. Durante os ensaios, apaixona-se por Mário, o encenador, mas este está fascinado por Eduardo, a estrela da revista que, por sua vez, tenta seduzir Deolinda… Ao mesmo tempo o Estado Novo começa a apertar o cerco e a liberdade está cada vez mais limitada… Uma homenagem divertida e emocionante ao teatro de revista e a todos os que no Parque Mayer lutaram pela Liberdade”

António Pedro Vasconcelos é um nome de referência no cinema narrativo em Portugal, conhecido do grande público pelos debates sobre futebol onde veste a camisola vermelha do Benfica, e lidera a ARCA – Associação Portuguesa de Realizadores de Cinema e Audiovisual. “Parque Mayer” teve forte comunicação na televisão, imprensa e rádio e, neste primeiro fim de semana e após com 4 dias de exibição, 698 sessões em 58 salas fez 12 078 espectadores, e receita bruta de € 60.628,48.

São raros os filmes de produção nacional que tem acesso ao mesmo número de ecrãs e sessões, como exemplo, neste mesmo fim de semana o filme português mais próximo, Raiva, do Sérgio Tréfaut, apenas pode ser visto num único ecrã numa das 15 sessões.

Rodado nos Estúdios da Plural na Quinta dos Melos em Bucelas onde com a direcção da Clara Vinhais e a equipa da EPC – empresa especialista na construção de cenários para o audiovisual, e em coordenação com Rafael Galdó, responsável pelos efeitos visuais, foram construídos os cenários que permitem o filme viver o Parque Mayer edificado em 1922 com o teatro Maria Vitória, seguido do Teatro Variedades em 1926 e em 1931 o Teatro Capitólio, no espaço até jardins do Palácio Mayer ( prémio Valmor 1902).

As cenas da sala do teatro foram gravadas em Cascais no Teatro Gil Vicente, e de Lisboa exteriores temos a escadaria que leva ao bar Procópio perto Rato e uma rua no cimo do elevador do Lavra.

O mais notável no filme é o desempenho dos actores, e como se reconhece, sem isso nenhum filme funciona na sua relação com o público. Actores seguros na forma e na lógica motivacional das suas acções, dão corpo e vida ao argumento construído com o rigor da construção narrativa clássica dos 3 atos, cenas plantadas, e arco narrativo de personagem, vilões e heróis por força das circunstâncias e as sombras do acaso.

O filme arranca com a detenção de um contestatário ao novo regime que é um dos dois dramaturgos da nova revista em ensaios. A actriz protagonista acaba de chegar de Fátima e vive na sua estreia na revista o primeiro grande milagre da sua vida, o da afirmação da sua individualidade e afirmação do seu talento artístico, vítima de violência por parte do namorado/amante/proxeneta, é salva desse ciclo de inferno por um alto quadro da polícia Política. É este personagem, representado pelo actual director artístico do Teatro Nacional D. Maria II, o Tiago Rodrigues, um fascista bissexual, que coloca o filme acima uma construção panfletária. Notável a todos os títulos é a interpretação do Miguel Guilherme, no papel de produtor, patrão do teatro, pela contenção, sobriedade, tensão e comicidade e humanidade como que vive os acontecimentos com maior ou menor gravidade que surgem ao longo da narrativa. Como já referido, todo casting, está de parabéns serve com grau de excelência o filme, ainda assim é necessário um particular aplauso para a composição histriónica e cliché do protagonista fadista, boémio, marialva, construído pelo talentoso Diogo Morgado. Importa referir a direção segura e focada no desenrolar da narrativa por parte mestre diretor António Pedro Vasconcelos, sem a qual o filme dificilmente sobreviveria.

O Parque Mayer era um lugar excêntrico na cidade de Lisboa, cinema, teatro, boxe, casas de fado, carrosséis, esplanadas, restaurantes. Um lugar de liberdade por natureza, liberdade de costumes e território de artistas. Este filme é no dizer do próprio realizador e do produtor, um gesto de agradecimento a esse espaço de liberdade.

13 Dez 2018

“Hotel Império” | A cidade imaginária de Ivo Ferreira em destaque no MIFF

“Hotel Império” não é um filme sobre uma Macau real, mas sim o resultado da percepção do realizador, Ivo Ferreira, acerca da cidade onde vive há mais de 20 anos. Esta é premissa deixada pelo cineasta ao HM acerca da película que está entre os dez filmes recomendados pela 3a edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. “Hotel Império” é apresentado dia 11 de Dezembro, às 21h30 na Torre de Macau

[dropcap]D[/dropcap]epois da estreia mundial no Festival de Cinema de Pingyao, em Outubro, e de ter sido apontado como um filme “excepcional que dá uma visão única de Macau” pelo director artístico do Festival Internacional de Cinema de Macau, Mike Goodridge, “Hotel Império” de Ivo Ferreira está em destaque no programa da 3.ª edição do maior evento local dedicado à sétima arte a decorrer a partir de amanhã, até dia 14, e que tem projecção marcada para a próxima terça-feira, na Torre de Macau, pelas 21h30.

O filme é uma produção portuguesa e chinesa que traz ao grande ecrã “a cidade e as relações que nela se estabelecem”, começa por dizer Ivo Ferreira ao HM.

Mas não se trata de uma Macau comum e capaz de ser identificada por todos, é antes um território que aparece como resultado de uma interpretação imaginária que o realizador foi construindo. “É uma visão, uma espécie de ideia possível de Macau. Eu não sei o que é Macau, não sei quem são as pessoas. Tenho apenas ideias sobre isso”, aponta.

Em “Hotel Império”, a cidade é “uma espécie de colecção destas ideias que tenho desde os 18 anos, altura em que cheguei cá pela primeira vez”, refere. Duas décadas a viver em Macau permitiram a Ivo Ferreira assistir às transformações do território, e como tal, o filme apresenta também “a forma como o olhar foi mudando ao longo dos anos. É um mundo inventado, uma Macau fora do tempo ancorada em ideias dos anos 90 e em ideias de futuro”.

“[Macau] Tem uma atmosfera muito especial e apesar de tudo há uma espécie de fragrância a melancolia que será, talvez, uma coisa deixada pelos portugueses e que às vezes parece contaminar os espaços.”

IVO FERREIRA REALIZADOR

IDENTIFICAÇÕES DE LADO

O objectivo do realizador em “Hotel Império” não é uma aproximação do real até porque as pessoas que vivem em Macau não vão, na sua grande parte, identificar-se com o que poderão ver, considera. O que Ivo Ferreira pretende é que o público se “entretenha, em vez de ir à pro- cura dos pontos de contacto com a realidade, ou que tente procurar uma pureza dessa Macau que cada um pensa que conhece”, aponta.

De acordo com o realizador português, o cinema não é para ser feito como retrato da verdade, “e mal do cinema se fosse”, até porque “para esse efeito existem géneros muito específicos como o documentário ou determinadas ficções”, aponta.

“‘Hotel Império’ retrata uma Macau que se desenha muito na possibilidade ou da impossibilidade das personagens que habitam aquele espaço e das suas relações”, sublinha Ivo Ferreira.

PALCO DE POUCO CINEMA

Imaginado ou real, o território é um espaço apelativo para fazer cinema. “Tem uma atmosfera muito especial e apesar e tudo há uma espécie de fragrância a melancolia que será, talvez, uma coisa deixada pelos portugueses e que às vezes parece contaminar os espaços”, diz o realizador.

No entanto, não é fácil fazer filmes por cá, e talvez por isso as películas que têm o território como pano de fundo ainda sejam poucas. “A quantidade de vezes que Macau aparece em filmes é irrisória se com- pararmos com outras cidades como Hong Kong, com Lisboa ou com Pequim”, sendo que esta ausência da sétima arte “não é por acaso, com certeza”, aponta.

As dificuldades em produzir cinema no território sentem-se em vários aspectos, e reflectem que Macau é “uma cidade pouco habituada a ser filmada”, o que se vê “nas questões ligadas a autorizações de filmagens com as questões que têm que ver com o próprio tráfego da cidade, por exemplo”, lamenta o realizador.

Mas as circunstâncias podem mudar e o Festival Internacional de Cinema, que teve início em 2016, pode representar uma alavanca nesse sentido. “Aliás, Macau começa a ser falada por causa do festival a já está no mapa da sétima arte. Trata-se de um marco importantíssimo para a imagem do território no exterior e para os realizadores locais”, sublinha.

Por outro lado, a promoção do cinema feito localmente “é uma forma de dar uma imagem da cida- de que vai para além do jogo e dos casinos. Uma imagem que esteja mais ligada à identidade do lugar e que passa pela cultura”, acrescenta Ivo Ferreira.

Não menos importante é o contributo que este tipo de eventos pode trazer para a formação dos próprios residentes, sendo que “contribui para a sua formação intelectual e estabelece um maior contacto com o que se passa no resto do mundo e até dentro do próprio território”, remata.

10 Dez 2018

De cavalo para burro

[dropcap]Q[/dropcap]uando no outro dia acabei de ver “Broken Lance” (“A lança quebrada”) na TV reforçou-se-me a convicção de que dar atenção aos filmes pela assinatura do realizador, segundo o vigente e peremptório dogma do “cinéma d’auteur”, traz menos benefícios do que prejuízos a quem quiser ver o cinema sem os óculos escuros dos estereótipos.

Quase ignoto, pode-se considerar “Broken Lance” como um anódino produto saído em 1954 da linha de montagem de Hollywood. Edward Dmytryk, o seu realizador, nunca se fez digno do pendão e caldeira dos “auteurs.” E se David Thomson, sumo pontífice da história do cinema, o despacha como um que de tanto lhes puxar o lustro as suas fitas redundavam embaciadas e pomposas, também Pauline Kael a insurgente da crítica clássica, além de não ligar pevas ao filme, nunca isenta Dmytryk da sua mordacidade nas escassas referências que lhe faz em 5001 noites de cinema.

Estaríamos conversados não fosse “Broken Lance” uma caubóiada lauta e suculenta como um bacalhau com todos. Ora aqui está um belo exemplo de que para percebermos como as coisas resultam convém perceber como são feitas. No período exuberante de Hollywood as obras tanto poderiam surdir da ambição de um produtor em haurir a popularidade de um elenco, como despontar de um argumentista que trouxesse um guião promissor. Normalmente estas e outras mil intenções, em concordando, transitavam para a produção. De modo que realizadores com influência e arbítrio para convencerem os produtores a investirem nos seus projectos eram apenas um punhado, aqueles que tinham o “nome acima do título” – e mesmo estes, as guerras que tiveram para conseguirem, quando conseguiam, meter a unha na montagem final…

Há filmes bons e filmes maus e é aqui que tudo vem ter antes e depois de qualquer “ideia de cinema.” E se amiúde um filão de filmes notáveis confere com o nome de um autor, raro é que um determinado autor rubrique sempre filmes relevantes. Ora observar o todo pelos seus particulares e a partir das excepções, dar-nos-á dele o melhor, mas bastante peixe graúdo passa pela malha larga dessa rede.

Os eloquentes méritos de “Broken Lance”, que a ele nos prendem, promanam em primeiro lugar do cativante argumento. Veio ele de Philip Yordan, que apesar de vender histórias avulsas, mormente a companhias de 2.ª, o seu estro era sobejamente respeitado pelos pares. Que tenha ganho um Oscar depois de três vezes nomeado, valerá talvez menos hoje do que ter escrito o idolatrado “Johnny Guitar”. “Broken Lance” é um filme com ”mensagem” e está cosido de referências cultas – gato de rabo de fora é a alusão a Rei Lear e seus herdeiros.

Mas à boa maneira clássica isto é exposto sem levantar a voz; quem quiser ou puder, vê, e quem não vir não se perde no enredo. Por esta altura já o western não elidia a sua maior inclinação para o trágico do que para o épico. Fanada a suposta superioridade moral da conquista do Oeste o foco assestava agora nos dilemas e nos conflitos impiedosos que aquela terra sem barreiras acicatava. Portanto o argumento de “Broken lance” não poupa esforços para nos inquietar.

Merecedor de apreço paralelo ao da história é o elenco. Spencer Tracy, ciente do seu Outono, investe na personagem a altivez e a fúria que ela exige, mas também a convicção e o denodo que a tornam respeitável, traços de só um actor sazonado seria capaz. Com ele contrasta um Robert Wagner a filar o osso da sua crescente celebridade e um Robert Wydmark que por esta altura nunca deixava por mãos alheias os seus créditos como vilão.

Com balas deste calibre no revólver Edward Dmytryk tem o tento de não as desperdiçar. Ou seja, não estraga com temperos de “autor” os óptimos ingredientes que lhe deram. E nesta discrição manifesta-se a sua competência.

Artefacto de confecção industrial, comparado com os filmes de hoje “Broken Lance” dá-nos boa medida do quanto cinema se desvigorou. Todo o cinema. Quer o de cariz industrial, tributário dos planos de marketing, quer o que se diz independente ou auto-intitula de cultural, inflamado de propósitos ou afectado de estilo, mas que só ocasionalmente se desonera da falta de polimento e da parcimónia do artesanato.

7 Dez 2018

MIFF | “Shadow” de Zhang Yimou encerra Festival

[dropcap]O[/dropcap] último filme do realizador chinês Zhang Yimou, “Shadow”, vai fechar a edição deste ano do Festival Internacional de Cinema, aponta um comunicado da organização.

Depois de ter passado por Veneza, Toronto e Londres, e de ter sido galardoado com o “Golden Horse” para a melhor realização, o drama histórico do também realizador de “To LIve”, foi seleccionado para encerrar o evento local dedicado à sétima arte, num evento que marca a estreia da película a nível internacional.

De acordo com o director artístico do festival, Mike Goodridge, “‘Shadow’ é um filme visualmente extraordinário e uma história fascinante de intrigas e decepções na corte de um antigo reino. (…) É o filme perfeito para fechar o nosso festival”.

29 Nov 2018

Presidente de Taiwan defende cineasta pró-independência difamada na China

[dropcap]A[/dropcap] Presidente de Taiwan saiu, este Domingo, em defesa de uma cineasta pró-independência criticada na China devido aos comentários com conotação política que teceu, um dia antes, durante um festival de cinema em Taipé.

“Nunca aceitámos o termo ‘Taiwan da China’ (…) Taiwan é Taiwan”, escreveu Tsai Ing-wen na conta oficial da rede social Facebook, citada pela agência taiwanesa CNA.

Na mesma publicação, a Presidente avisou que Taiwan “acolhe todos os cineastas chineses para desfrutarem da liberdade de expressão” da ilha, mas “devem respeitar os pontos de vista de Taiwan”.

“Por mais que desejemos que os visitantes aproveitem a liberdade de Taiwan, eles também devem respeitar o povo de Taiwan e o seu modo de pensar”, acrescentou a chefe de Estado.

Tsai Ing-wen falava sobre a polémica desencadeada por várias intervenções com conotação política durante a recepção dos prémios na 55.ª edição do Festival do Cavalo de Ouro, o equivalente ao Óscar para filmes chineses, realizada no último sábado em Taipé.

Os discursos dos vencedores imediatamente criaram uma disputa entre internautas de Taiwan e chineses, especialmente sobre a intervenção da realizadora taiwanesa Fu Yue, que ganhou o prémio de melhor documentário com o filme “A nossa juventude em Taiwan” sobre a “revolta do Girassol”, em 2014, contra a influência chinesa em Taiwan.

Depois de receber o prémio, Fu afirmou que o “seu maior desejo como taiwanesa” é que o “país seja tratado como entidade independente”. A página do Facebook da cineasta foi inundada por comentários críticos, que, na opinião da Presidente da ilha, não passam de crimes de “cyberbullying”.

“Qualquer um que expresse as suas opiniões livremente não deve estar sujeito a assédio ou ameaças psicológicas”, sublinhou. Nesta edição do festival, o prémio de melhor filme foi para “Um elefante sentado no chão”, do jovem realizador chinês Hu Bo, que se suicidou aos 29 anos depois de terminar este trabalho, em 2017.

O prémio de melhor realizador foi entregue ao chinês Zhang Yimou. Os prémios Cavalo de Ouro, concedidos desde 1962, são os mais aclamados no mundo do cinema chinês, com a participação de produções da China, de Taiwan ou de Hong Kong.

19 Nov 2018

O eu abreviado

[dropcap]Q[/dropcap]uando entro no café e peço uma água das pedras e uma bica, a menina que me atende sorri e eu sorrio de volta. Nenhum de nós imiscua no comércio da vida cotidiana aquilo que de mais pesado e verdadeiro transportamos todos os dias no coração como trocos na algibeira. A maior parte das nossas interacções rege-se pela batuta da cordialidade superficial. Aquilo que somos, aquilo que temos de verdadeiramente único, escondemo-lo. Às vezes, à vista de todos; outras, em sítios de que até nós nos esquecemos.

Manda a etiqueta da convivência social que não andemos nus. Não impomos a nossa intimidade física a outrem. É desadequado. É estranho. Há sítios remotos e cercados para onde vão as pessoas que têm vontade de andar em pêlo. Chamam-se colónias de nudistas e praias de nudistas. Com os nossos segredos, é muito assim; não os partilhamos desnecessariamente porque tal seria infringir um código não escrito e, simultaneamente, um sinal de vulnerabilidade e de desequilíbrio. Mas como são esses segredos que, em grande parte, nos definem, o seu radical escondimento acaba por no fundo configurar uma forma de mentira socialmente aceitável: respondemos afirmativamente às perguntas cotidianas sobre o nosso bem-estar, negamos a existência de problemas quando nos chamam a atenção pela nossa ausência, divergimos imediatamente de assunto quando confrontados com a possibilidade de alguém adquirir indevidamente informação que não pretendemos transmitir. E todos fazemos isso. O tempo todo, ou quase.

Estranha forma de vida, esta, e estranhamente bela. Passamos noventa e tal porcento do tempo a fingir o que não somos para termos oportunidade de sermos o que somos para pouquíssimas pessoas por pouquíssimo tempo. É como se a vida fosse uma espécie de mina de baixo rendimento onde é necessário processar dezenas de toneladas para obter um mísero grama de ouro. Uma mina com uma rentabilidade tão negativa como a nossa já teria sido fechada. A maior parte de nós, no entanto, opta manter as portas abertas, a despeito de por vezes ter imagens muito claras do logro enorme que são as relações humanas: uma gigantesca teia de formas que supostamente devemos assumir, de acções que supostamente devemos ter, de respostas que supostamente devemos dar. E nada disto é claro, e nada disto está escrito. O código mais complexo e poderoso de regulação social encontra-se ausente de qualquer manual.

De vez em quando, somos confrontados com pessoas que, em situações extremas, nos deixam nas mãos muito mais do que aquilo que tínhamos pedido. Que nos emprestam, contra a nossa vontade inicial, parte do peso que carregam e que se dispõem a receber da nossa parte a intolerância e a incompreensão ou a radical bondade de querer ajudar a encontrar no peso e na profundidade uma leveza ou um ângulo que facilite o transporte.

A vida que se diz passar à frente dos olhos quando a mente antecipa a morte não corresponde a mais do que meros segundos de experiências vividas. A uma sequência de imagens de que muitas vezes desconhecíamos a importância. O eu tem uma forma de escalonar a grandeza daquilo que vivemos e o cérebro parece ter outra. Ambas correspondem na forma: qualquer vida pode reduzir-se a um filme de 30 segundos. Esses trinta segundos são a sinopse daquilo que de facto nos faz sentir únicos. São os sete ou oito picos de intensidade no sismógrafo existencial que nos definem e definem em grande parte a nossa forma de agir. O resto, o filme em si, é o cotidiano. É a mentira.

12 Nov 2018

Roteiro de uma novela

[dropcap]P[/dropcap]or uma manhã de 1948 estava Marta no mercado a sopesar a frescura das toranjas quando do fundo do corredor esbravejou uma voz masculina: “Mentiras, Martas, mentiras! Acredita que eu nunca tive sífilis!” Era Arnold – septuagenário, cabeça de Pierrot, calva lunar – quem assim ralhava de maneira tão destemperada. A Marta dirigia o escândalo, causando-lhe grande embaraço e estupefacção nos outros clientes. Mas ao contrário destes, intrigados com o desacato, seria doido?, estaria bêbado?, Marta percebeu tudo. Arnold referia-se a Adrian, personagem central do último romance de Thomas, que nalguns traços é verdade que poderia ser um avatar de Arnold. Desencadeado o drama passemos às apresentações.

Marta, de nome completo Marta Feuchtwanger, era mulher e musa de Lion, mentor de Brecht e escritor a quem os arbítrios da história não entronizaram no Panteão da literatura à medida do prestígio que gozava na época.

Arnold era Schoenberg, o Pedro fundador da música ainda hoje chamada de contemporânea, demiurgo e sumo pontífice da atonalidade e do dodecafonismo. Como boa parte dos criadores, sobretudo os que geram doutrina e se crêem deturpados por epígonos, sentia-se invariavelmente incompreendido. Dissabor que amiúde exprimia com um proverbial mau feitio.

O romance que Schoenberg invectivara era “Doutor Fausto” da autoria de Thomas Mann, publicado no ano anterior. Glosando a lenda de Fausto, o livro narra os sucessos de um compositor, o tal Adrian Leverkühn, que num pacto com Mefistófeles contrai sífilis para que a loucura lhe potencie o génio. Assim é que inventa um novo sistema musical, o dodecafonismo – não haveria Arnold de se sentir insultado?

À data, Schoenberg e Mann, em virtude da obra já fabricada, vasta e basilar, eram duas torres que deitavam sombra imensa na cultura alemã do século. E se na geometria instável e variável das relações humanas, sobretudo entre cabeças de cartaz com cismas de prima-dona, ora se conciliavam, ora gelavam, o certo é que as suas relações iam para além de um mero “passou bem” e conviviam nas soirées dos Feuchtwanger, nem que fosse para se evitarem e formarem círculo em salas diferentes.

Estas tertúlias que o desvelo e a encantadora personalidade de Marta promoviam – “tem o perfil de uma princesa egípcia”, diria dela Thomas – celebrizaram-se por a elas acorrer o who’s who da intelectualidade germânica: além de Thomas o seu irmão Heinrich Mann, Bertolt Brecht, Horkheimer, Theodore Adorno, Kurt Weill e a formidável Alma Mahler-Werfel, que à época já fora viúva do compositor Gustav Mahler, ex-amante de Walter Grupius e de novo viúva do escritor Franz Werfel. Introduzidos os protagonistas talvez seja o momento de desferir um golpe de teatro.

O cenário em que se deu a truculenta peripécia entre Arnold e Marta não era o de alguma cidade em escombros e miasmática na devastada Alemanha de 48. Aconteceu sim no refinado Brentwood County Market, num dos bairros mais gentrificados de Los Angeles. E todos os nomes atrás evocados, além de outros de menor, mas não menos certa fama, igualmente domiciliavam em Pacific Palissades, onde a vida espairecia ao rumor das palmeiras, temperada pela suave brisa do Pacífico e o prazenteiro sol da Califórnia.

É fácil depreender que esta fina-flor ali viera culminar não de vilegiatura, como se em estância de repouso e lazer numa montanha mágica, mas por obséquio do cabo Adolfo. Entre as incontáveis patifarias por ele perpetradas contra a humanidade em geral conta-se esta em particular de ter estropiado de maneira irreversível a cultura alemã em nome de uma pureza primordial, de uma autenticidade acrisolada, de um integrismo inabalável.

Como todas as novelas também esta há-de ter moralidade.

Ainda hoje quem traga no bolso cinco melréis de mel coado de snobismo olha por cima do ombro para Los Angeles como para um descampado cultural. Imagine-se em 1948. Hitler votava pela América o desapreço que lhe merecia um povo rafeiro e sem raízes, uma nação dominada por plutocratas e judeus. Do ponto de vista cultural sintetizava-a como “uma anedota estúpida”: “o que é a América senão concursos de beleza, milionários, música idiota e Hollywood?” Em resumo: “uma sinfonia de Beethoven tem mais cultura do que tudo o que a América produziu até hoje.” Convenhamos que esta opinião calava fundo não só na Alemanha nazi, como em muitos círculos intelectuais europeus. Também alguma intelligentzia nova iorquina a partilhava em relação ao que provinha da Califórnia.

O sulco deixado por estas luminárias germânicas nas universidades da Costa Oeste – e não tanto nos filmes, porque aí foram outros alemães que marcaram – foi indelével e contribuiu sobremaneira para dar à América uma primazia ainda hoje incólume. Por mais que cegos não a queiram ver.

9 Nov 2018

Organização do Festival Internacional de Cinema discrimina imprensa de Macau

O actor e cantor Aaron Kwok esteve em Macau para dar uma entrevista antes de participar na conferência de imprensa de apresentação do programa da terceira edição do Festival Internacional de Cinema. A organização separou a imprensa de Hong Kong e do continente da local, e deixou os jornalistas de Macau para segundo plano. Mais grave para os de língua inglesa e portuguesa que não tiveram acesso a tradução

[dropcap]A[/dropcap]imprensa de Macau foi deixada para segundo plano na entrevista à estrela de cinema e Cantopop de Hong Kong Aaron Kwok, que antecedeu a conferência de imprensa de apresentação da 3º edição do Festival Internacional de Cinema.

O encontro com o artista estava marcado para as 13h30 mas Aaron Kwok atrasou-se. À espera da estrela de Hong Kong estavam dezenas de jornalistas da região vizinha, do continente e, claro, de Macau. Como acontece em circunstâncias idênticas, este tipo de entrevistas são conjuntas e acompanhadas de tradução para que o seu conteúdo esteja acessível a todos os interessados, nomeadamente em eventos cunhados de “internacional”. Não foi o caso.

Para a sala onde ia decorrer a conversa, e já por volta das 13h50, foram admitidos em primeiro lugar os jornalistas de Hong Kong e do continente. Cerca de 15 minutos depois, foi a vez de dar lugar à imprensa local.

Depressa que se faz tarde

Com tempo contado dado ao adiantado da hora, a entrevista foi conduzida em cantonês. A organização foi questionada sobre a possibilidade de existir um tradutor, mas a pessoa responsável pela gestão da comunicação limitou-se a referir que não iria existir tradução alguma. Foi ainda sublinhado à mesma responsável que a separação dos jornalistas e a falta de tradução limitavam o acesso aos conteúdos.

Numa primeira reacção não foi dada qualquer justificação para a situação, tendo sido apenas referido que os órgãos de comunicação social em línguas estrangeiras estariam à vontade para fazer perguntas em inglês.

No final do encontro com a imprensa local, houve realmente uma questão em inglês e que teve que ser única. A resposta veio da boa vontade do próprio artista na medida em que o assistente que o acompanhava, quando percebeu que o conteúdo seria noutra língua, tentou finalizar a entrevista de imediato argumentando o atraso da conferência de imprensa. Mas Kwok adiantou-se e respondeu à jornalista.

A organização voltou a ser alertada para este incidente, que mais uma vez punha em causa a consideração pela imprensa local, desta feita em língua estrangeira, sendo que, numa segunda justificação a mesma responsável referiu que não tinha pensado que os jornalistas estrangeiros pudessem estar interessados em falar com o artista de Hong Kong. Foi ainda adiantado que, em eventos futuros, estaria garantida a tradução.

9 Nov 2018

Rosa Coutinho Cabral, cineasta: “Renasci muita coisa pelo caminho”

A cineasta Rosa Coutinho Cabral está em Macau para apresentar o filme “Pé San Ié – O poeta de Macau”, um ensaio visual sobre o exílio de Camilo Pessanha, que será exibido na Cinemateca Paixão na segunda-feira, às 18h. Este é o culminar de um processo de encontros e desencontros com a fantasmagoria do poeta e da cidade onde morreu

[dropcap]E[/dropcap]stá em Macau para apresentar o filme sobre o Camilo Pessanha. Porquê este poeta?
A génese da minha ligação a este poeta extraordinário tem uma pequena história. Aliás, todas a minhas ligações têm uma história, quer seja na vida, na literatura ou no cinema. A génese desta ligação com o Pessanha começou muito cedo, quando eu era miúda. Estava ainda nos Açores e teria menos de 13 anos. Descobri um dia um livro na casa de alguém, comecei a ler, adorei, pedi emprestado, não me lembro se por não ter dinheiro para o comprar ou porque não estaria à venda ali em São Miguel. Mas li Pessanha e como todos os adolescentes, também tinha a pulsão da escrita e acabei por “roubar” palavras a este poeta. Tudo isto está no filme. O mais importante é o que aprendemos acerca de nós próprios em todo o processo. Ficamos a conhecermo-nos melhor através de um conhecimento que nos é exterior.

Um conhecimento de alguma forma projectado?
Não sei se é projectado mas acho que é uma boa palavra, ainda não tinha pensado nela. Mas, sobretudo, quando uma peça acaba, quando terminamos de realizar uma coisa com toda a alegria e sofrimento que lhe é intrínseco, na verdade o que fica de mais importante é o que se conhece acerca de nós através dessa tal exterioridade, projectada ou não, e que neste caso tinha o nome de Camilo Pessanha de Macau. O que fica também é uma ligação, que vou adjectivar de superlativa, a ligação que tive com os outros, comigo e com o objecto do filme, o Pessanha, e como estas várias ligações me trazem até aqui. Não morri pelo caminho. Morri muita coisa, toda gente morre muita coisa pelo caminho, mas também renasci muita coisa pelo caminho. Isto só acontece se houver uma ligação forte com o que se faz.

Como foi o processo para fazer este filme?
Acho que tive o privilégio absolutamente extraordinário de trabalhar com pessoas com quem gostei muito de trabalhar. Umas já conhecia, outras não. Já conhecia o João Cabral, que é meu irmão e quem diz os poemas no filme. Há uma matéria no filme que é a própria poesia do Pessanha. Já conhecia o Pedro Cardeira, aqui de Macau, de um outro filme que tinha feito. O filme não é só meu. São matérias que têm uma ligação muito profunda com cada sujeito que as produz e que, por sorte, se encontraram neste filme e congeminaram qualquer coisa que acho que tem interesse. Também tenho que referir o José Carlos Pontes que fez a música e que, além disso, acompanhou todo o processo de acabamento do filme. Foi o grande apoio do fechar do filme e sem o qual seria impossível terminar este filme. Além destas pessoas que conhecia há duas novidades grandes: a Susana Gomes, que fez a fotografia, e o Carlos Morais José. E acho que o encontro com o Carlos Morais José é muito importante no próprio processo do filme. Este acto de fazer um filme, ou outra coisa, fica sempre marcado pelos encontros.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Da mesma forma que se reencontrou com a primeira leitura…
Na realidade, quando era miúda e descobri o Pessanha percebi que aquelas palavras na poesia eram fundamentais. Eu era uma adolescente, mas talvez também sentisse a dificuldade que é viver neste mundo. Mas acabei por esquecer o Pessanha. Um dia, aqui em Macau, o Rodrigo Guimarães pergunta-me porque é que eu não fazia um filme sobre o Pessanha. Na viagem de regresso a Lisboa o Daniel Pires faz-me a mesma pergunta. Reli o Pessanha e achei que era isso mesmo que queria fazer. Regressei a Macau e comecei a trabalhar com a Susana. Nessa altura, conheci o Carlos Morais José. Ouvi-o falar de Pessanha e pedi quase imediatamente se o podia filmar numa espécie de repérage ainda. Fiquei com a sensação de que aquela pessoa tinha que ver com o âmago deste projecto, no sentido da parte em que queria fazer um documentário ficcionado e não só um filme institucional com entrevistas. Fiquei com um duplo problema porque a partir daí percebi que estava dirigida para dois objectos: um para o documentário e o outro que era o filme. Tinha de fazer os dois e assim fiz, num tempo recorde. Durante ano e meio filmámos e montámos o filme.

Não é a primeira vez que filma em Macau. Qual é a sua relação com o território?
Já conhecia Macau. Já cá tinha filmado. Tive a sorte de o fazer com o Manuel Vicente. Adoro Macau. Há sempre coisas muito estranhas na vida e às quais eu não espero dar nenhuma explicação. Macau é uma destas cidades que produz em mim uma atracção muito forte e que esteja talvez no capítulo das pequenas ou das grandes paixões. Como todas as atracções tem os seus momentos de ódio, repúdio. Mas há qualquer coisa muito profunda que me liga a Macau, embora eu tenha cá chegado já bastante tarde até porque já não sou nova. Mas, de facto, não conheci Macau jovem nem com um olhar quase adolescente. Nada disso. Acho que conheci Macau com o olhar de quem está a entrar no envelhecimento. É uma cidade que tem diversas escala. É uma cidade aparentemente desordenada, cheia de contrastes de épocas, do antigo e do muito velho, que são coisas diferentes ao muito novo e ao muito actual. Estas diferenças agradam-me muito e produzem de um ponto de vista urbano uma espécie de desorientação muito divertida. É quase o que podemos encontrar em grandes metrópoles, porque tudo é abrangente pelo olhar mas é tudo muito diferente. Também gosto muito de estar num sítio com pessoas diferentes e Macau é a diferença por excelência. Há ainda outra questão. Sou açoriana e há uma humidade em Macau que adoro. Sinto-me absolutamente em casa. Outra coisa interessante é que da última vez que saí de Macau senti uma coisa muito especial: senti que me estava a ir embora e não que estava a regressar ao meu lugar a Lisboa. Sinto que me estava a ir embora do meu lugar e agora, quando cheguei, senti que estava a regressar a Macau o que é uma coisa estranha.

O filme foi apresentado no DocLisboa. Como foi a reacção do público?
Da crítica não sei, porque foi há muito pouco tempo. As outras reacções foram de boca a boca, do público que lá estava e que pelo que disseram gostaram muito. O filme é um objecto estranho. Não é um objecto que se diga tradicional. Aqueles que conheciam Macau gostaram da forma como viram a cidade e como filmei Macau. Fico contente com isso, fico orgulhosa por ter correspondido a qualquer coisa que as pessoas esperavam ver e ficaram muito admiradas com uma pessoa como o Carlos Morais José. Aliás, perguntaram-me onde encontrei este actor, esta pessoa, quem é ele, de onde vem. A relação entre os nossos dois discursos presentes no filme corre muito bem, interage muito bem. Eu dediquei-me a falar de cinema e não do Camilo Pessanha e esta relação com uma pessoa que está ali e fala do Camilo Pessanha. Ao mesmo tempo prestou-se generosamente ao jogo e à encenação do que eu queria fazer para poder filmar o morto. Não foi um desafio fácil, ele aceitou o desafio e fê-lo magistralmente.

“Aproximar da morte, de algum modo, aproximar da fantasmagoria e, sobretudo, não querer tornar presente aquilo que está ausente no sentido da carne. Ele não está cá, há outras coisas que podem estar.”

Porque é que este filme é um objecto estranho?
Só posso falar da estranheza do objecto, ou da forma como fiz o filme pensando no filme acabado. Esta é uma circunstância nova. É estranho porque a tal ligação que tive com este Camilo Pessanha foi um encontro muito profundo, especialmente, por razões próprias com a dor. Tinha de chegar aí e tinha de trabalhar esta ligação de uma forma que se convertesse cinematograficamente. Essa ligação tinha de ser uma faca afiada, profunda, até ao fim do mundo. Finalmente, tinha de me colocar a mim própria, pela primeira vez num filme feito por mim, ensaiar numa experiência quase repetitiva este acto de me aproximar de alguém que não está cá. Aproximar da morte, de algum modo, aproximar da fantasmagoria e, sobretudo, não querer tornar presente aquilo que está ausente no sentido da carne. Ele não está cá, há outras coisas que podem estar. Isso era um grande desafio e torna imediatamente o objecto deste filme num objecto estranho.

Depois há o modo de fazer, como é que se faz isso?
São as questões que coloco no filme. Como faço e experimento isso? Acho que o cinema é, acima de tudo, um acto de experimentar que deve ser feito com a maior honestidade possível. Acho que ninguém faz tudo o que quer, mas acho que me aproximei o quanto baste para me sentir bem. Uma pessoa experimenta e eu experimentei o espaço por forma a decantar essa presença do Camilo Pessanha nesta cidade e a cidade Macau de Caminho Pessanha.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Teve uma experiência semelhante, mas com uma pessoa viva. Manuel Vicente. Foi muito diferente?
A diferença reside num ponto muito simples. A vida e a morte. O Manuel Vicente veio a Macau pela última vez comigo. Ele próprio diz, a dada altura no filme, “sei lá se volto a Macau”. Eu acho que ele sabia que não voltava, intuía. Acho que aquele filme foi uma despedida do Manuel Vicente a Macau. Era a Macau de Manuel Vicente. Eu gosto muito de cidades, e a forma como se vive e usa a cidade. Portanto, o Manuel Vicente deu-me uma perspectiva de Macau mas com aquela diferente, ele estava vivo, tinha carne e osso. E o Camilo Pessanha não tinha carne nem osso. Esta realidade de trabalhar atrás de um fantasma, atrás da morte, foi uma coisa muito profunda para mim e foi aquilo que tentei descobrir cinematograficamente.

Acha que este filme é mais seu que os outros?
É. Duas ou três pessoas que me conhecem há muito tempo disseram-me que este é o meu melhor filme. Não sou um cineasta VIP, fiz pouca coisa e não estou na boca do mundo. Não faço parte do mainstream e também nunca quis fazer. Sempre tentei fazer o que queria e acho que, finalmente, comecei a ter essa possibilidade. Quero contar coisas que tenham uma certa universalidade no fim, o Camilo Pessanha é importante porque a dor dele tem uma certa universalidade, a dor da humanidade, a dor dos desvalidos da sorte. Imagino que nem toda a gente goste, ou que um número muito reduzido de pessoas goste, não me importo, mas estou-me a aproximar cada vez mais do que quero fazer. Por outro lado, é um filme que também foi buscar à própria natureza do Camilo Pessanha, à sua forma de fazer. De algum modo, é um ensaio que se divide em quatro e esses quatro ensaios estão constantemente a recomeçar e a matar o anterior. Ou seja, é uma reinscrição ao jeito de Pessanha. A sua procura da eterna perfeição que ele tentou fazer reescrevendo os seus poemas, por vezes deixando de escrever. Mas, como o Carlos diz no filme, um poeta é sempre um poeta, mesmo que deixe de escrever.

1 Nov 2018

Cinema | Extensão a Macau do DocLisboa entre 5 e 10 de Novembro

A extensão a Macau do DocLisboa está à porta. Entre os dias 5 e 10 de Novembro, vão ser exibidos 14 filmes, com destaque para a estreia no Oriente de “Pé San Ié – O poeta de Macau”, um ensaio visual sobre o exílio de Pessanha. A edição deste ano apresenta ainda os filmes vencedores do Sound & Image Challenge 2017 e EU Short-film Challenge 2017

 

[dropcap]E[/dropcap]stá aí a grande festa do cinema documental. Pela sexta vez, chega a Macau a extensão do festival DocLisboa, que já vai na 16ª edição. Entre os dias 5 e 10 de Novembro, vão ser exibidos 14 filmes, com início na Cinemateca Paixão e continuação na Sala Dr. Stanley Ho, no Consulado-Geral de Portugal em Macau.

A cerimónia de abertura do evento, organizado pelo IPOR, tem como destaque a estreia em “casa” de “Pé San Ié – O poeta de Macau”. A sessão inaugural marca a primeira vez que o ensaio cinematográfico sobre o “exílio do maior poeta simbologista português: Camilo Pessanha” é exibido em Macau, lê-se no comunicado que anuncia a extensão do DocLisboa. Da autoria de Rosa Coutinho Cabral, produzido por Maria Paula Monteiro, o filme conta com a participação de Carlos Morais José, que “interpreta vários personagens e ajuda a realizadora a encontrar a singularidade deste poeta “fin de siécle”, na longínqua cidade de Macau onde viveu, escreveu e morreu”. O filme será exibido às 18h de 5 de Novembro na Cinemateca Paixão.

Em comunicado, a organização destaca o sucesso com que o género documental tem contribuído para a internacionalização do cinema português, “como atestam os mais de vinte prémios nacionais e internacionais que vários títulos portugueses inseridos neste género fílmico receberam, só durante a primeira metade de 2018”. A extensão do DocLisboa tem como objectivo celebrar esse sucesso e reforçar “o desenvolvimento das trocas culturais entre Portugal e a RAEM”, “naquilo que é hoje um eixo fundamental da estratégia nacional para a promoção da cultura e das artes”.

Som e imagem

Outro dos pilares do cartaz deste ano da passagem do DocLisboa por Macau é a exibição dos filmes vencedores dos concursos Sound & Image Challenge 2017 e EU Short-film Challenge 2017.

Assim sendo, a partir das 18h do dia 6 de Novembro, terça-feira, são exibidos no Auditório Dr. Stanley Ho, no Consulado-Geral de Portugal em Macau, uma série de películas premiadas nos concursos mencionados. Este dia arranca com a exibição de “Cheirar o cheiro”, de autoria de Chu Hio Tong, que venceu o Prémio Identidade Cultural de Macau do Sound and Image Challenge. O filme gira em torno do início da relação amorosa entre John e Faye, um fascínio totalmente dominado pelo olfacto e que leva a uma frustrante troca de identidade desvendada, precisamente, pelo cheiro.

O dia prossegue com a exibição de “Overlunch”, que ganhou o prémio EU short film challenge / EU short film challenge award. A película, de autoria de Helen Chai Sam I, foca-se na forma como quatro funcionários de escritório decidem o sítio onde vão almoçar. Diariamente, os diversos cenários por onde passam os colegas de trabalho reflectem ângulos e visões sobre “propaganda eleitoral, política e as implicações morais da persuasão”. Ainda no dia 6 de Novembro é exibido “Vira Chudnenko”, de Inês Oliveira. O filme foca-se num episódio trágico que chocou Portugal, quando quatro cães esfacelaram uma mulher até à morte.

Documentos lusófonos

Na quarta-feira, dia 7 de Novembro, é exibido “Spell Reel”, de Filipa César. O filme resulta do arquivo de material audiovisual de Bissau e explora a forma apaixonada como nasce o cinema guineense, “enquanto parte da visão descolonizadora de Amílcar Cabral, o líder da libertação assassinado em 1973”. A película de Filipa César é exibida às 18h30, no Auditório Dr. Stanley Ho.

No dia seguinte, o destaque vai para “O Canto do Ossobó”, de autoria de Silas Tiny, um filme que retrata as maiores roças de produção de cacau em São Tomé e Príncipe durante o período colonial português. A película fez-se com o regresso do cineasta ao seu país onde encontrou vestígios de um passado marcado pelo trabalho forçado frequentemente equiparado à escravatura.

“Ramiro”, de Manuel Mozos, é exibido no dia 9 de Novembro, também às 18h30 no Auditório Dr. Stanley Ho nas instalações do consulado. O filme retrata a vida de Ramiro, um “alfarrabista em Lisboa e poeta em perpétuo bloqueio criativo. Vive, algo frustrado, algo conformado, entre a sua loja e a tasca, acompanhado pelo cão, pelos fiéis companheiros de copos e pelas vizinhas: uma adolescente grávida e a avó a recuperar de um AVC”.

A sexta sessão da extensão de Macau do DocLisboa é marcada por “Altas cidades de ossadas”, de João Salaviza, um filme que explora as questões filosóficas sobre o que é o ser humano num contexto despido de tecnologia.

Finalmente, a fechar a extensão de Macau do DocLisboa, é exibido no dia 10 de Novembro, às 17h30, no Auditório Dr. Stanley Ho, o documentário “Camilo Pessanha – 150 anos depois”, de autoria de Rosa Coutinho Cabral. A película centra-se na vida e obra do autor de Clepsydra e encerra, em beleza, a festa do cinema documental.

30 Out 2018

Com vista para as traseiras

[dropcap]Q[/dropcap]uanto mais vejo a sequência inicial do filme “Janela indiscreta” de Hitchcock, mais ela se me afigura macabra e deplorável.

Vamos dar com James Stewart de pijama transpirado e perna engessada, imobilizado numa cadeira, a dormitar. Entra de súbito o rosto radioso de Grace Kelly em crescendo para câmara, mas afinal era para os lábios de Stewart, oferecida a um beijo mais abrasador do que o Verão urbano. No dueto subsequente Grace executará o que deveriam ser invencíveis manobras de sedução, desde o voluptuoso vestido de colecção pronto a ser despido (ou nem seria preciso…) até a um suculento jantar de lagosta, encomendado ao extremamente elitista e boémio “Clube 21”, servido por criado de libré. Qualquer espectador que não seja feito de gelatina, é infalível que neste ponto já lhe inflamassem as gónadas, mesmo ignorando que dali a um ano Kelly adviria indisponível enquanto Princesa do Mónaco.

Pois Stewart nada. De todo refractário às astúcias da Vénus furta-se a elas com relutância de peixe velho em picar o engodo, empregando um sarcasmo pedante, de quem se reivindica impermeável a frivolidades. O enfado dele é exuberante, como se soubesse que estava a ser filmado, e atinge mesmo a desonestidade emocional, quando a instâncias da frustrada Grace justifica a sua incomodada indiferença como sendo uma passageira hesitação. Nunca falha ser amarelo o nosso riso vendo-a sair porta fora com um “adeus” vexado por tão inverosímeis negas. Toda a cena é indesculpável.

Ah e tal…, isso são vocês deslumbrados com a novidade e a expectativa da cena…, ou esqueceram que a rotina gera o marasmo e a excessiva solicitude a lassidão do caçador perante a presa capturada?

Seria plausível o argumento, não fossem as cãs de James Stewart denunciarem os seus 46 anos de idade. E já não era o James Stewart cândido e generoso, personificação da virtuosa mediania que víramos na década de 40. Ele viera ter a este aposento com vista para o saguão após uma sequência de filmes com Anthony Mann, realizador sumamente asseado e pragmático, que não só o meteu a cavalo e aos tiros nas bravias florestas do noroeste americano, como lhe transfigurou o carisma. Posta de lado a sua proverbial inocência, o James Stewart de agora não desdenhava a ira da vingança, haja dela necessidade para desagravar injustiças.

Vá lá, faça-se um exame de consciência: mas que homem de 46 anos solteiro e autónomo, inevitavelmente titular de um acervo de desilusões na vida e decerto advertido que os dados da sorte não rolam com a boa estrela de outrora, que varão maduro permaneceria impávido aos fervores de Grace Kelly, bem condizentes com a avidez dos seus 23 anos? Mas quem preferiria entreter-se a bisbilhotar a vulgaridade dos vizinhos do que a explorar até onde consentiria a paixão de Grace Kelly? – de Grace Kelly! Quem?

Em jovens, nas primeiras vezes que vimos esta cena, quando o tempo e as oportunidades ainda eram incomensuráveis, partilhámos com gozo e cumplicidade não tanto a petulância de James Stewart – atire pedras quem não resmungasse que dava deus nozes a quem não tinha dentes… – quanto a torpeza de Hitchcock em comprometer-nos com a intuição de que a recusa será mais libidinosa do que cedência. Mas hoje não consigo deixar de ver na misantropia da personagem de Stewart algo de mórbido e punitivo que o realizador nos quis instilar.

Hitchcock sabia bem o que fazia. A são e salvo nos bem-sucedidos 54 anos que então envergava, é deliberado que faça pouco da protérvia da juventude e desconforte o recato da meia-idade. As duas classes etárias – que é para aprenderem… – o mestre da manipulação ludibria com mão direita as intenções pecaminosos incitadas pela mão esquerda. A cena não é a comédia de uma paixão desmerecida e malograda, mas uma provação apontada à lascívia dos espectadores. E este ostensivo gosto em retirar prazer da negação do sexo poder-se-á crer que seja a versão hitchcockiana da “Noche Oscura” do místico João da Cruz – poema que nos convenceríamos ter sido escrito por um libertino se nos sofismassem acerca da sua espiritualidade. Enganou-nos muito bem enganados, o patife.

26 Out 2018

Pe San Ié – o poeta de Macau

[dropcap]T[/dropcap]eve estreia esta sexta-feira na sala Manuel de Oliveira do Cinema S. Jorge em Lisboa, no segundo dia do 16ª do Festival Internacional DOCLISBOA.

Passava pouco das 18h30 m quando a sala ficou escura e a tela se ilumina num filme que se propõe trabalhar o exercício do cinema numa viagem fantasmática a uma materialidade impossível, a do corpo e olhar do poeta Camilo Pessanha no seu habitar da cidade de Macau, lugar da sua vida e do seu exílio.

O filme anuncia-se a si mesmo como filme ensaio em quatro capítulos, que se pretendem mudança de ângulo no olhar sobre o mesmo tempo e espaço. Como se sabe, o ponto de vista é no cinema a singularidade da escrita cinematográfica, a assinatura autoral.

Um corpo, um homem, um personagem, um sujeito, surge e ocupa a tela, depois de alguns momentos de imagens difusas que se fundem e vão perdendo o carácter de dissipação na afirmação cada vez mais nítida tinta no papel tornada palavra.

Da palavra escrita do poeta surge a presença revelação do homem corpo vivo, inquieto e pensante, que nos diz o que nos alerta para as dificuldades do que nos podemos esperar, anunciando uma primeira revolta impossível, porque, como afirmado por Bazin, o cinema é uma arte impura, e o cinema dos dias do agora, como toda a arte contemporânea, é também um exercício de citação, a si próprio e ao mundo de que se alimenta e que, de forma mais perene do que supomos , é por ele construído. E o que a voz off da realizadora Rosa Coutinho Cabral nos é anunciado é um exercício de cinema.

Como todo o filme vai demonstrar, ao longo do exercício de suspensão fantasmática, entre os diferentes tempos presentes na tela, esse momento de intervalo cinematográfico da criação de um tempo paralelo inexistente, onde a impossibilidade do tempo passado no tempo presente coabitam, interrogando quais os passos e onde, querendo até, inventariar os porquês desse caminho, é esta materialidade deste corpo homem, também ele escritor, também ele amante intimo da língua, também ele solitário no seu sentir a dor e a alegria do mundo, é esta dupla figuração de personagem e de homem verdade no tempo presente, que de forma plena enche o ecrã nesta viagem por uma arquitetura da cidade onde a opulência a existir é da ordem do mistério e da procura impossível do sublime.

De Carlos Morais José são já há muito conhecidos vários talentos, o da escrita, o do jornalista, o do comentador, este filme demonstra que o cinema também é feito de um carisma potencia, onde a verdade do pensamento encontra visibilidade na sonoridade da palavra que o expressa e no corpo que o habita. Talvez seja disso que o filme trata, ou queira tratar, do como é o habitar das palavras pelos poetas. É Carlos Morais José quem o afirma, nesta sua roupagem complexa e paradoxal de fantasma capaz da visibilidade e leitura do real, que no poeta está presente o verbo inicial, a matriz , o arquétipo, o sopro e marca primeira, a revelação inconsciente da esfinge, o suor e a languidez da morte no rio perpétuo do fogo do sangue. O trauma e a viagem inicial e iniciática.

O filme dá-nos ver a escrita de Camilo Pessanha e a escrita do poeta é-nos dada pela voz do actor João Cabral, uma voz é sempre uma leitura própria, uma procura que nos é anunciada. A redundância é usada como recurso estilístico, citação ao cinema ensaio do Godard, talvez nem sempre com a assertividade estética pretendida.

Se, e ainda que o cinema seja o lugar de todos os possíveis, onde se morre e permanece vivo, bola de cristal que dá a ver o futuro e o passado vivido no tempo presente em cada projeção na sala escura dos milagres, apesar da suspensão, do intervalo, a cidade é um organismo vivo que dificilmente se deixa capturar a não ser em sempre escassas parcelas da sua realidade e, filmar hoje Macau de Camilo Pessanha é sempre um exercício mais de imaginação do que materialidade , esse lugar do visível, o “terroir” do(s) cinema(s).

A palavra não é o lugar exacto da prática cinematográfica donde a definitiva relevância do corpo do actor e da materialidade dos elementos em ligação direta sináptica com cada um dos espectadores.

É Jacques Rancière, quem escreve : “no teatro, independentemente da dimensão dada ao gesto e ao espaço, o concreto reside antes de mais nada, na palavra. A conversa em torno de uma fogueira pode dispensar a fogueira, a erva o vento. Ao contrário, no cinema, seja qual for o esforço para o intelectualizar, o concreto está ligado ao visível dos corpos falantes e das coisas que falam. Daqui se deduzem dois efeitos contraditórios: um deles consiste em intensificar o visível da palavra, dos corpos que a carregam e das coisas de que falam; o outro consiste em intensificar o visível como aquilo que recusa a palavra ou mostra a ausência daquilo que de que ela fala”.

Quando o corpo produtor primeiro da fala do filme é uma ausência sem solução, resta a materialidade da campa no cemitério final que o acolheu, a palavra escrita no papel impresso, a marca do peso da mão ausente que ali esteve, e reescreveu, rasurou, escrevendo de novo o já antes escrito. Mas é sobretudo a presença da materialidade do corpo do actor mesmo quando este encena a sombra, a presença impossível do fantasma, que nos transporta ao sopro da vida do poeta. É o corpo e a radicalidade do dito pelo homem que o habita que nos transporta nesta procura de contacto com o poeta maior do simbolismo em Português.

Ainda que o destino apenas possa ter hipotética presença visível no depois e que o mistério passeie de mão dada no interior da beleza das coisas, sabemos que, se não destino, Macau foi facto e fim. Macau foi o território cidade da vida adulta do poeta. Foi em Macau que viveu, respirou, adormeceu, acordou, escreveu, desejou, sofreu, amou. Sim, foi em Macau os seus olhos foram vistos e viram os seus passos percorreram ruas, subiram escadas, seguiram sombras, pisaram nuvens em dores amansadas de ópio.

Se a língua é sempre o território maior da pátria, naqueles expatriados que em lugares tão distantes vivem, e ainda mais quando poetas, torna-se não já a pátria mas o mundo, o lugar onde se não é estrangeiro, o lugar identitário que o corpo habita.

“Camilo Pessanha, o maior poeta simbolista português, escreveu e reescreveu até morrer os poemas de Clepsidra, a sua única obra. O filme não é o seu retrato, nem a ilustração dos seus poemas, mas o ensaio da forma cinematográfica do seu exílio voluntário em Macau. Como filmar este opiómano singular? Dando a câmara de filmar a um morto, ouvindo os seus poemas, seguindo os passos e a reflexão de Carlos Morais José.” Lê-se na sinopse que apresenta o filme, tente-se isso, não é tempo perdido.

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22 Out 2018

Nalini Elvino de Sousa, realizadora e produtora: “Macau e Goa partilham uma história com mais de 500 anos”

Nalini Elvino de Sousa vai estar em Macau no próximo domingo para inaugurar a exposição “Viagem Oriental”, que estará patente no Jardim de Lou Lim Iok até 18 de Outubro. A realizadora, que também se dedica ao intercâmbio cultural e linguístico, tem na calha projectos para promover o ensino do português em Goa, para os quais espera o apoio de Macau

[dropcap]V[/dropciagem Orientalap] começou por ser um livro e agora é uma exposição que traz ao público os objectos de Macau que ainda vivem nas casas de Goa. Como nasceu este projecto e qual foi o processo de recolha de conteúdos?
Tudo começou com a minha curiosidade ao verificar que muitas casas de amigos que visitava tinham loiça vinda de Macau. A minha própria casa está cheia de loiça e mobília de Macau. Como nunca ninguém da família esteve em Macau, comecei a investigar. Havia, até há bem pouco tempo, lojas que vendiam loiça e mobília de Macau, e recentemente voltou a abrir uma na capital em Panjim. Entretanto, e enquanto responsável pela ONG Communicare Trust resolvi, através desta entidade, criar uma competição de imagens onde pedimos aos participantes para fotografarem todos estes objectos orientais que encontrassem em casa. Com o apoio do Gabinete de Apoio ao Ensino Secundário e do Instituto Internacional de Macau, foi possível levar o projecto em frente com a criação de um livro contendo as melhores 40 fotografias e dois textos de introdução sobre a relação entre Goa e Macau. Penso que o interesse que as pessoas que vivem em Goa ainda têm por este tipo de peças está puramente relacionado com o seu exotismo. Na verdade, não acredito que alguém use por exemplo, os conjuntos de chá vindos de Macau. Os meus em casa, estão guardados dentro de um armário. Muitas outras pessoas fazem o mesmo. São elementos decorativos da casa.

Durante a sua vinda a Macau vai também participar numa palestra sobre as relações entre Macau e Goa.
Macau e Goa partilham uma história com mais de 500 anos. Começa em 1557 com o estabelecimento de Macau e a paragem obrigatória na rota da Nau do Trato que também passou a ser conhecida como Nau do Trato de Macau. Era na viagem de regresso do Japão que a Nau vinha carregada de oiro, seda e porcelanas. Muitas das antigas casas em Goa, até hoje, contêm porcelana chinesa dessa altura que é considerada exótica e valiosa: jarrões, jogos de chá variados e pratos decorativos que enchiam as paredes das casas. Também no chão das casas se encontra esta presença através de desenhos extremamente trabalhados feitos de porcelana que se partia durante a viagem de Macau para Goa. Foi a partir destes pequenos pedaços de porcelana coloridos que se criaram pavões, flores, árvores etc. Diz-se até que quando não se conseguiam as cores pretendidas para as decorações se partia uma porcelana de propósito para poder terminar os desenhos. Nos finais do séc. XVI, começaram a crescer as dificuldades para se conseguir fazer esta viagem devido à competição com os holandeses, espanhóis e ingleses. Mais tarde, goeses que vieram trabalhar para Macau também trouxeram porcelanas e outros objectos na mala. Uma ou duas lojas dedicaram-se mais a sério ao comércio destes objectos naquela altura. Actualmente, ainda existe uma que se chama Casa Macaõ. Sim, nem o acento está no lugar correcto. Vou falar sobre isso na palestra. Ter um objecto de Macau em casa é ainda hoje moda.

É responsável também por uma produtora e realizou recentemente o documentário “Enviado especial” em que retrata Aquino de Bragança, um goês que lutou pela paz em África. O que a motivou a fazer este filme?
Todo o trabalho a que me tenho dedicado, seja através da minha produtora, Lotus Film & TV Production, como com a Communicare Trust e até com o meu canal no Youtube Travel & Learn Goa, tem como base a minha relação com Goa, com Portugal e com a lusofonia. Eu sou um produto disso. Os meus pais são de Goa, foram estudar para Portugal onde eu nasci. Muitos dos meus amigos tinham vindo então de Moçambique e eram de origem goesa. Fiz parte, durante 10 anos, do grupo da Casa de Goa – Ekvat. Depois, há 20 anos atrás, resolvi viver em Goa. Talvez por isso, todos os meus documentários denotem estas relações, ou talvez eu seja atraída por este tema sem me aperceber. Aquino de Bragança nasceu em Goa mas decidiu dar a sua vida pela África. Eu admiro pessoas que largam tudo por uma causa. Deve ser o meu lado romântico.


Aquino de Bragança é conhecido pela sua oposição ao colonialismo e intervenção nos processos de descolonização tendo convivido de perto com líderes dos movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas, como Samora Machel. Paralelamente, pautava a sua acção pelo humanismo e por uma atitude de abertura. Este tipo de diplomacia pode ainda hoje ser um exemplo?
Aquino acreditava que só a conversar nos podemos entender. A Graça Machel chamava-lhe “o nosso submarino” porque ele nunca estava presente em conferências do partido, reuniões oficiais, etc. O discurso nesse tipo de reuniões, para ele, era sempre o mesmo. Ele encontrava-se nos corredores dessas mesmas conferências, chegando a um acordo com este ou aquele diplomata. Levava-o para casa, se possível, e a conversar, tomavam decisões importantes. Lembro-me da Sílvia Bragança (viúva do Aquino) confessar-me que ficava, às vezes, apreensiva pois o marido decidia ir a casa de diplomatas que eram completamente contra o seu pensamento. Aquino dizia: “Não te preocupes. Há que encontrar a razão da sua discórdia e com certeza haveremos de encontrar elementos em comum que nos fará chegar a um acordo”. Por vezes, chegava a reunir pessoas com mais do que uma opinião para discutir e chegar a um consenso. Isso é importantíssimo nas relações entre países, tanto na altura como actualmente. Há que ouvir ambos os lados ou não existe uma equilíbrio entre as relações sejam elas culturais, económicas ou de outra natureza.

Pretende trazer o filme a Macau?
Gostaria muito de trazer o filme para Macau. Contactei a Cinemateca, mas não obtive ainda resposta. Acho que é um filme que abre portas para muitas questões.

Tem produzido inúmeros documentários. Qual foi o que mais gostou de fazer?
Quando faço um documentário tenho de estar apaixonada pelo assunto. Então, embrenho-me de corpo e alma ao ponto de perder o sono. Perguntar qual deles gostei mais é como perguntar qual foi o meu namorado preferido. Gostei de todos, por igual.

Está em Goa, um território que teve durante muito tempo a presença dos portugueses. Em que é que esta presença ainda se sente?
A presença mantém-se na arquitectura, no nome de algumas ruas, algumas lojas que mantêm os antigos nomes portugueses, na gastronomia de Goa e na língua, claro. Hoje temos cerca de 900 alunos a aprender português como língua estrangeira. Os professores são poucos, mas vai-se fazendo o melhor que se pode. A Fundação Oriente tem feito um trabalho fantástico neste sentido. Também eu já passei pelo ensino, mas neste momento tenho outros projectos em mente. A geração dos meus pais ainda fala português fluentemente, mas no futuro não sei. Há muito nesta área que pode ser feito e estou a contar com Macau para que possamos trabalhar juntos na área do ensino. Os professores são pagos, na maioria, pela Fundação Oriente uma vez que são goeses reformados que falavam português em casa e que agora ensinam por amor à língua. Os jovens que ensinam português contam-se pelos dedos da mão. São apenas dois ou três. Nenhum dos professores fez um curso, propriamente dito, para ensinar português como língua estrangeira. A Fundação Oriente, com o apoio do Camões, tem realizado alguns workshops para poder melhorar o ensino da língua. Em Deli, a situação é completamente diferente: os professores são extremamente jovens e aprenderam português como língua estrangeira. Muitos estudam por razões financeiras. Há muitos call centers que precisam de indianos que falem português. No entanto, existem alguns que querem ensinar e é a eles que se tem de dar uma oportunidade. Uma das formas que a Communicare Trust encontrou para promover o português, como também as línguas nacionais dos países com quem trabalhamos, foi através da produção de um livro de histórias escrito e ilustrado pelos próprios alunos. O projecto chama-se: “Histórias Daqui e Dali”. O primeiro livro internacional foi publicado em Abril deste ano e foi criado por 200 alunos em Goa e 200 alunos em Portugal. O livro foi editado em Português, Konkani (língua oficial de Goa), Hindi (língua nacional indiana) e Inglês. Nos próximos anos, estamos a pensar trabalhar com Moçambique, Brasil, Timor mas também com Macau. Estamos, de momento, à procura de parceiros. Este projecto é uma forma de promover não só a leitura do português mas também das línguas nacionais dos países com quem interagimos porque, como disse Nelson Mandela: “Sem a língua, não se pode falar com as pessoas e entendê-las; não se pode compartilhar as suas esperanças e aspirações, compreender a sua história, apreciar a sua poesia, ou a sua música”.

11 Out 2018

Filme sobre poeta Camilo Pessanha exibido na extensão de Macau do DocLisboa

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme “Pé San Ié – O Poeta de Macau”, inspirado na vida e obra do poeta Camilo Pessanha, vai ser exibido na extensão de Macau do Festival Internacional de Cinema DocLisboa.
Depois da primeira exibição no DocLisboa, prevista para 19 de outubro, o filme faz a sua estreia asiática a 05 de novembro, na Cinemateca Paixão, na extensão do festival português dedicado ao documentário, que é organizada em Macau pelo Instituto Português do Oriente.

Trata-se de um projeto da realizadora Rosa Coutinho Cabral e da produtora Maria Paula Monteiro, rodado inteiramente em Macau, em 2017, e finalizado este ano.

A mesma dupla é a responsável pelo documentário “Camilo Pessanha – 150 anos”, que será exibido em Macau no auditório Dr. Stanley Ho, sustentado pelo depoimento de investigadores, biógrafos e historiadores, na sua maioria ilustres figuras de Macau.

Segundo a produtora, nesse documentário surgem as várias dimensões do homem e não só do poeta, revelando-o como jurista eminente, republicano, maçom, professor, sinólogo, colecionador, tradutor e falante de chinês, oscilando sempre entre dois eixos: o mundo a Ocidente, onde nasceu, e a Oriente, onde viria a morrer.

9 Out 2018

Não voltarás a Casablanca

[dropcap style≠‘circle’]Q[/dropcap]ue se saiba nenhum dos participantes na conferência de Casablanca de 1943, reunindo Roosevelt, Churchill, De Gaulle e respectivos áulicos, fez menção ao Rick’s Café, onde seria suposto desenfadarem de noite dos imbróglios e subtilezas diplomáticas que os Aliados entre si enredavam de dia. Tê-lo-iam as autoridades encerrado depois de averiguado o assassinato do major Strasser? Terão Rick e Renault cumprido a intenção de incorporarem as forças da França livre em Brazzaville tal como os ouvimos combinar?

Acerca disto resignemo-nos a uma perpétua ignorância. Certo e seguro é, contudo, que Rick e Ilsa nunca mais voltariam encontrar-se depois daquelas noites, em Dezembro de 41, de mortificante espera em Casablanca. Tal certeza tem inabalável base numa evidência. Se por acaso ou deliberação eles houvessem estado posteriormente juntos, fosse para caírem nos braços um do outro, ou para constatarem quão irremediável era a sua divergência, ou mesmo enquanto dois estranhos sem desejo de exumarem o passado; em qualquer das situações alguém teria filmado uma reunião tão querida e suspirada pelos milhões de corações românticos fendidos com o rasgo de virtude que separou Rick de Ilsa. E se não houve filme é indubitável não tenha havido reincidência.

Após um intervalo de 20 anos voltei a ser convidado para casamentos, agora a título de parente dos pais dos noivos. Não arrisco encalhar na periférica “Mesa 19” do filme (que é parvo, mas fere) porque me destinam assento no respeitável quadrante dos tios, daqueles que têm idade para desfrutarem do copo-d’água sem se engasgarem nas dúvidas existenciais próprias de quem sente o futuro a pedir-lhes contas. Em contrapartida é usual os comensais destas mesas tomarem a oportunidade como óptima para mansamente se embriagarem, sem culpa nem ostentação. Assim aproveitam bem o espírito da boda dando largas à melancolia e, nos casos mais melindrosos, ao remorso, interpelando o seu próprio e longínquo matrimónio. Onde estariam àquela hora se em vez do vínculo que os conduziu ali se tivessem decidido por alguma das alternativas em seu tempo preteridas? Nada disto é proferido, claro, porque a ocasião é de alegria e alegria se deve exibir; é só um pathos latente e sigiloso, para não envenenar a festa.

Afastei-me um pouco dos animados grupos que beberricavam sangria de frutos vermelhos (nome da moda de um xarope que rebuça vinho mau ou estraga vinho bom) à procura de um canto onde fumar. Ao lado do cinzeiro estacionava uma senhora encanecida e franzina, que evolava a classe indiscutível das avós insubmissas, das de gin em chávenas de chá, voz grave de timbre arranhado, clube de bridge, pele de muitos verões e cigarros finos de mentol.

Duas ou três larachas de circunstância não eram trocadas quando desferiu à queima-roupa: – Tu és o Zé Navarro? – O artigo definido suscita sempre um certo alarme, que fiz por apaziguar com a ironia de uma frase feita de filme americano:

– Quem pergunta por ele?
– Sou a Quica…

O passado equipara-se à má ficção, redigida por um escritor parcial e volúvel, incapaz de criar um nexo de causa e efeito naquilo que narra. Da Quica não me lembrava de nada a não ser da vivíssima memória que dela retivera: cenas fragmentadas, instantâneos soltos, expressões espontâneas, o contorno de uma silhueta esfumada, um par de cenários fixados pelo que neles aconteceu, roupa de inverno enrodilhada numa cadeira, um hálito.

E estas nebulosas reminiscências de modo nenhum se vinculavam à pessoa diante de mim.

– Reconheci-te pela voz.

Na expressão dela, que há-de ter reflectido o meu pasmo, transpareceu a mais nua e desprevenida sinceridade. Através do estrago que o tempo trabalhara nas feições do outro, ambos tínhamos acabado de aferir a justa medida do nosso descalabro físico desde aqueles impetuosos e desprevenidos dias de prazimento na década de 80.

Trocamos impressões durante um cigarro. Eram díspares e desfasadas as nossas entrecortadas recordações. O embaraço mútuo impediu de partilhar com aquela desconhecida a memória de peripécias e desenvolturas que decerto também ela guardava.

À saída do banquete procurei-a para me despedir, mas não a vi mais.

Ao contrário de Rick e Ilsa, a Quica e eu não fomos poupados ao desencanto com que a passagem do tempo conspurca o passado.

5 Out 2018

Evasão fiscal | Vedeta do cinema chinês multada em 110 milhões de euros

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]estrela do cinema chinês Fan Bingbing, desaparecida há vários meses, foi condenada a pagar o equivalente a mais de 110 milhões de euros por evasão fiscal, anunciaram ontem as autoridades fiscais do país.

De acordo com a agência de notícias Xinhua, a actriz de 36 anos começou a ser investigada pelas autoridades em Junho, depois de ter sido acusada nas redes sociais de evasão fiscal por meio de fraudes contratuais.

Desde então, a actriz mais bem paga da China, segundo a revista Forbes, desapareceu do radar do público e das redes sociais, onde era conhecida pela sua participação activa.

Para evitar uma acção judicial, a actriz, juntamente com as empresas que gere, deverá devolver à administração tributária chinesa um total de 883 milhões de yuans em impostos e multas.

As autoridades tributárias disseram que, durante a investigação, o agente de Fan, de sobrenome Mou, obstruiu o processo ao exortar funcionários a esconderem e a destruírem materiais contabilísticos das empresas.

Manobras de Maio

Os problemas de Fan Bingbing começaram em Maio, quando um ex-apresentador chinês publicou na internet documentos que provavam as alegadas evasões fiscais da actriz.

De acordo com os documentos, a actriz terá recebido oficialmente 10 milhões de yuans por quatro dias de trabalho e 50 milhões de yuans não declarados.

O caso revelou um suposto sistema de “contratos duplos”: um destinado a ser apresentado ao fisco, com um valor baixo, e outro escondido, com o valor real auferido.

As autoridades chinesas estenderam entretanto as investigações a toda a indústria do entretenimento.

Segundo a revista Forbes, Fan Bingbing foi a celebridade chinesa mais bem paga em 2007, com receitas de 300 milhões de yuans.

Fan Bingbing é uma das actrizes de cinema e televisão chinesas mais conhecida, tendo desempenhado o papel de super-heroína no filme de Hollywood “X Men: Dias de um Futuro Esquecido”.

4 Out 2018

Filme “Hotel Império” de Ivo M. Ferreira tem estreia mundial na China

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme “Hotel Império”, do realizador português Ivo M. Ferreira, vai ter estreia mundial no Festival de Cinema de Pingyao, que começa no dia 11, na China, revelou a produtora O Som e a Fúria.

“Hotel Império” foi rodado em Macau, onde Ivo M. Ferreira vive há largos anos, e conta a história de uma portuguesa nascida na cidade – interpretada por Margarida Vila-Nova – que, juntamente com outras pessoas, habita um antigo hotel em vias de ser destruído para dar lugar a um edifício moderno.

Em 2016, quando apresentou o projeto do filme no Festival Internacional de Cinema de Macau, Ivo M. Ferreira explicou que a longa-metragem tem como pano de fundo um tema recorrente e muito presente na vida da cidade: a mudança acelerada do espaço, impulsionada pelo desenvolvimento económico.

“O hotel evidentemente que tem uma carga simbólica sobre Macau, vai ser destruído para ser construído um hotel-casino. Tem que ver com (…) a erosão da cidade [que] poderá criar uma identidade, a erosão poderá unir-nos, unir vizinhos que não se falavam. Acho que o filme gravita muito à volta desse ambiente, de que a destruição pode unir para proteger a cidade”, explicou na altura realizador.

Além de Margarida Vila-Nova, o filme conta com a participação de Rhydian Vaughan, um ator taiwanês de ascendência britânica, e vários atores de Macau.

“Hotel Império”, que Ivo M. Ferreira rodou depois de “Cartas da Guerra”, terá estreia mundial na segunda edição do Festival Pingyao Crouching Tiger Hidden Dragon, criado em 2017 pelo realizador chinês Jia Zhangke e pelo programador Marco Muller.

O festival foi batizado com o nome de um filme de Ang Lee, “Crouching Tiger Hidden Dragon” (“O Tigre e o Dragão”), de 2000.

Trailer

3 Out 2018

Cinema | Nova edição do festival Kino inclui clássicos de Fassbinder

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap]já no próximo dia 21 de Outubro que arranca na Cinemateca Paixão a nova edição do festival Kino, dedicado ao cinema alemão, e que conta com a parceria do Instituto Goethe de Hong Kong. De acordo com um comunicado da organização, o cartaz inclui um total de 18 filmes e quatro clássicos do realizador Rainer W. Fassbinder.

O Kino “incluirá oito das mais recentes longas metragens alemãs, focadas em temas como a rebelião e a coragem, o amor e a dúvida, o desejo e o despertar, assim como dois filmes suíços, na qualidade de ‘convidados especiais’, que darão prova do poder da imagem contemporânea.”

De acordo com os programadores da Cinemateca Paixão, “muitos destes filmes foram nomeados ou venceram categorias nos Prémios do Cinema Alemão e no Festival Internacional de Cinema de Berlim 2018, incluindo Trânsito, Styx, e Western, que foi nomeado também para o Prémio Un Certain Regard  no Festival de Cinema de Cannes 2017”. A Cinemateca vai também exibir os filmes 303 e Vento Contrário, “ambos com um enfoque feminino”. Quanto a  O Jardim, “passa-se contra o pano de fundo da vida de uma família alemã moderna na década de 1970”.

Em foco

O trabalho de Fassbinder vai estar em destaque com a exibição da mini série “Realizador-em-foco”. Esta foi “especialmente preparada para o público de Macau”, tal como “quatro filmes de diferentes períodos, como O Amor É Mais Frio Que A Morte (1969), a sua primeira longa metragem realizada aos 24 anos, O Comerciante das Quatro Estações (1972), uma obra popular e aclamada pela crítica, O Casamento de Maria Braun (1978), um trágico filme de amor do topo da sua carreira, e o derradeiro filme de Fassbinder: Querelle (1982)”.

O trabalho do realizador será também abordado numa palestra protagonizada por Born Lo, amante de cinema e arquitecto em Hong Kong.

O festival abre com o filme “A Revolução Silenciosa”, que se baseia “num evento real, mostrando como uma ideia podia inadvertidamente causar dramáticas mudanças na vidas dos adolescentes durante o sensível contexto político da Alemanha de Leste na década de 1950”. Este filme mereceu ao realizador Lars Kraume o Prémio de Melhor Realizador Nacional no Festival de Cinema de Munique 2018.

1 Out 2018

Filme “A árvore” de André Gil Mata estreia-se hoje nos cinemas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme “A Árvore”, do realizador português André Gil Mata, estreia-se hoje nos cinemas portugueses, depois de ter passado por vários festivais, como Berlim e IndieLisboa.

De acordo com a Nitrato Filmes, “A Árvore” terá exibições no Porto, em Lisboa, em Coimbra e, nas semanas seguintes, será mostrado em Amarante, Castelo Branco, Tavira e Guimarães, em alguns casos com a presença do realizador.

“A Árvore”, que foi selecionado para o festival de Berlim, valeu a André Gil Mata o prémio de melhor realização para longa-metragem portuguesa, em abril no IndieLisboa.

Na altura, André Gil Mata afirmou à agência Lusa que o filme foi produzido e rodado na Bósnia-Herzegovina, onde fez o doutoramento.

“A Árvore” segue uma personagem dividida por dois atores (Petar Fradelic e Filip Zivanovic) que vagueia por uma aldeia numa floresta num ambiente de desolação, de guerra e escuridão.

Com planos longos, quase sem diálogos, sublinhando a imagem e o som, “A Árvore” é um filme marcado pela guerra. Pode ser a guerra dos Balcãs, sabendo-se que o filme foi rodado na Bósnia, mas pode ser outro conflito atual, do passado ou de um futuro.

Para André Gil Mata, o filme “joga muito com essa questão de circularidade do tempo e da repetição das coisas e dessa questão de as nossas vidas serem muito mais circulares do que lineares”.

Nascido em 1978 em São João da Madeira, André Gil Mata foi curador no Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira e cofundador da produtora Bando à Parte. É autor das curtas-metragens “Num globo de neve” (2017), “O coveiro” (2012) “Casa” (201) e “Arca d’água” (2009) e das longas “How I fell in love with Eva Ras” (2016) e “Cativeiro” (2012).

27 Set 2018

Cultura | Residentes vão menos a museus e a monumentos

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]lém dos museus e dos monumentos, também o cinema registou quebras de afluência de público no segundo trimestre do ano. As salas locais perderam quase oito mil espectadores.
O número de residentes que visitaram museus ou locais considerados património mundial ou local registou uma quebra de 12,8 por cento, durante o segundo trimestre deste ano. Entre Abril e Junho deste ano, cerca de 100,6 mil residentes visitaram este tipo de locais culturais, enquanto há um ano o número tinha sido de 115,4 mil, de acordo com dados publicados, ontem, pela Direcção de Serviços de Estatística e Censos (DSEC).
Segundo os dados revelados, cada residente terá feito, em média, 3,1 visitas a museus ou monumentos. Assim, 69,7 mil residentes visitaram museus e 66,6 mil foram aos locais de património mundial, o que corresponde a uma quebra de 10,2 por cento e 24,2 por cento face ao período homólogo.
A tendência de quebra foi igualmente registada ao nível do cinema. A sétima arte continua a ser a actividade cultural mais popular do território. No entanto, no espaço de uma ano, as salas de cinema perderam 7,9 mil espectadores. No segundo trimestre tinham ido ao cinema 173,4 mil residentes, o número caiu para 165,5 mil este ano.
Uma das principais causas para esta quebra é o cinema local. Este ano foram 30 mil os residentes que assistiram a filmes produzidos em Macau. Uma quebra de 17,2 por cento face a 2017, altura em que 36,2 mil residentes tinham assistido a cinema local. Esta tendência também pode estar relacionada com o filme Sisterhood, da realizadora Tracy Choi, que foi estreou no ano passado e atraiu muitas pessoas às salas.

Biblioteca com tendência positiva
No que diz respeito às bibliotecas, houve um aumento da participação dos residentes em cerca de 1,6 por cento. Entre Abril e Junho deste ano , 131,6 mil pessoas frequentaram os espaços de leitura, enquanto no ano passado o número fixou-se nas 129,5 mil.
Mais uma vez, tal como nos anos anteriores, destaque para uma maior participação da população estudante, que representou a proporção de 76,8 por cento dos residentes que foram à biblioteca. Já os não-estudantes constituíram 25,1 por cento. Este número poderá voltar a sofrer um novo aumento na próxima contagem, uma vez que a Biblioteca Central, a mais popular do território, alargou o horário de funcionamento até à meia noite.
Finalmente, as exposições também tiveram um crescimento, de 3,2 por cento face ao período homólogo, com um total de 36 mil residentes. Cada participante assistiu em média a duas exposições.

19 Set 2018

Filme português interactivo estreia-se em Macau

Macau estreia de 24 de Setembro a 2 de Outubro um projecto de produção de um filme interactivo em que os espectadores são chamados a intervir, em tempo real, na narrativa do filme, tornando-os protagonistas e coautores

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] filme é intitulado “Cadavre Exquis” e faz parte do projecto “Os Caminhos que se Bifurcam”, da autoria do investigador Bruno Mendes da Silva, vice-coordenador do Centro de Investigação em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve.

O filme, que conta com um guião e a ‘voz-off’ de Vítor-Reia Batista, vai concorrer a festivais internacionais e será exibido em 2019, em Portugal, em vários espaços expositivos, informou ontem a organização.

A produção do filme, que inclui uma ‘masterclass’ a 26 de Setembro aberta à comunidade também na Universidade de São José, em Macau, é da responsabilidade de Maria Paula Monteiro. Esta é a segunda aposta da produtora em Macau, depois do filme sobre a vida e obra de Camilo Pessanha intitulado de “PeSanlé – O Poeta de Macau”.

“É uma honra ajudar a contribuir para a educação científica em instituições académicas em Macau, que se debruçam sobre a investigação inovadora na área dos estudos artísticos e culturais, o caso da Universidade de S. José”, sublinha o mentor do projecto e também realizador de “Cadavre Exquis”, Bruno Mendes da Silva, citado num comunicado da organização. “Devo dizer que estou muito entusiasmado com a produção deste filme, o primeiro do género em Macau. É um desafio fantástico para alguém que, como eu, já trabalhou nesta cidade”, acrescenta o investigador.

Parceria algarvia

O filme junta 11 parcerias com a Universidade do Algarve, à cabeça das quais estão a Universidade de São José, o Instituto Cultural de Macau e a Creative Macau.

A produtora e fundadora da ART 8 Macau, Maria Paula Monteiro, diz que o objectivo do filme passa por “ampliar o espaço de desenvolvimento” em áreas como arte digital, tecnologia e comunicação associada ao cinema, em Macau, aproveitando o intercâmbio da produção, dos produtores artísticos e do conhecimento científico.

18 Set 2018

Labirinto da saudade

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]o nome do filme documentário/ensaio de Miguel Gonçalves Mendes que teve estreia a 24 de Maio com distribuição da NOS Lusomundo Audiovisuais e fez 1.722 espectadores nas 170 sessões que tiveram lugar nas salas das Amoreiras e El Corte Inglês em Lisboa, Alameda Shop e Arrábida Shopping no Porto, Alma Shopping em Coimbra. O número referido de espectadores corresponde a uma receita bruta de 9.225,16€. Mas dizer isto é quase nada dizer sobre o filme e sobre as condições de produção e visibilidade/exibição do cinema português.

O labirinto da Saudade, é uma adaptação da obra homónima, é um ensaio documental narrado pelo próprio Eduardo Lourenço que percorre os espaços da sua memória e da própria história e identidade portuguesa, em busca da resposta do que é, afinal, isto de se ser português.

É assim que a produtora LONGSHOT apresenta o filme e com esta introdução começa-se a perceber melhor ao que o filme vem e o que trabalha.

Eduardo Lourenço e o filme que é filmado na sua cabeça

Diz Eduardo Lourenço após uma sessão de visionamento em casa de Pilar Del Rio: “Nunca imaginei na minha vida ser actor de mim próprio. Obrigado Miguel. Isto foi uma das grandes surpresas da minha vida, tudo isto. Que não sei bem o que é: uma espécie de ficção – uma ficção encantatória -, diria, para me dar algum relevo antes de me ir embora. É uma espécie de requiem. É uma imagem interessante porque uma das coisas que mais me impressionou na vida foi o primeiro filme que eu vi sobre Dom João, rodeado de musas. Há demasiadas musas neste filme. Tenho a sorte de ter tido bons amigos na vida, como este cineasta.

No princípio, por ser baseado no livro, pensei que não haveria qualquer referência à Annie, a minha mulher. Mas está lá tudo, o que devia estar, o amor e uma ausência sem solução. E com ela estão os meus amigos que partilharam estes pensamentos e foram de uma generosidade talvez excessiva, pra mim, e que me é muito difícil de suportar.

Eu sou eu. Comigo eu entendo-me. Ou vou-me entendendo mais ou menos. Mas não posso, não consigo pensar-me com o olhar dos outros.

Sinto-o como uma coisa excessiva para uma pessoa que não tem uma notoriedade que corresponda a esta espécie de “conto de fadas”. Com alguns pontos infelizmente negativos, pelo meio.

Tudo isto é moderado e modelado pelas intervenções dos diálogos que eu vou tendo com as diversas pessoas que se cruzam no meu percurso. Gente que quis dialogar comigo, que quis perceber o que é que eu andei a dizer por ai de maneiras talvez um pouco crípticas e misteriosas.

O filme é demasiado, demasiado grande para mim, demasiado… quer dizer, toca-me em pontos que são muito sensíveis. Não quero dizer com isto que achei o filme chato. Pelo contrário, a questão é que chato sou eu na realidade. E eu não posso sair deste filme como se não estivesse lá dentro. E isso é obra e consagração de quem fez o filme.

Eu não queria nada imitar o Agostinho da Silva mas tenho algum receio que me transformem numa espécie de segunda versão do Agostinho. E é muito interessante que no filme apareçam essas referências ao Brasil. Que às vezes parecem um tema tabu. Esse diálogo com o Gregório é um dos melhores. Nunca tinha oportunidade de dizer o que me vai realmente na alma sobre o Brasil – essa presença/ ausência. De nós com ele e deles de nós.

Tudo isto foi uma aventura, uma das aventuras, digamos, pouco romanescas como no nosso passado. Sobretudo, dos tempos em que fomos descobridores de mundos. Mas eu não descubro nem descobri coisa nenhuma.

O que eu conheço já está descoberto há muito tempo. Eu limito-me a navegar na navegação dos outros por minha própria conta.

Cada um julgará da minha performance neste filme ou falta dela. No Sentido que poderá ter esta navegação, por conta de um sonho, que é maior do que eu.

Claro que nunca imaginei ser ator de mim próprio. E eu tenho a consciência de que não sou ator de modo nenhum. Como disse nunca imaginei na minha vida ser ator de mim mesmo. Esta é uma aventura que não corresponde às minhas capacidades. Esta aventura de me vestir nela de uma maneira criadora como aquilo que tentei fazer, por minha própria conta, quando escrevi o Labirinto da Saudade. De maneira que esta foi uma nova oportunidade de refletir toda uma mitologia que muitos contestam, e talvez até com razão, e assim foi me oferecida a oportunidade de emendar de novo um certo número de temas ou propósitos.

Enfim, quem me ouve, quem me lê. Sobretudo quem me leu estará em circunstâncias de me corrigir que bem preciso. É um belo filme. Mas eu preferia que fosse outra pessoa a vestir esta coisa que me fica larga. Não houve nada que me tivesse chocado. Uma pessoa mitifica-se como pode. Mas pronto está feito, está feito.”

Miguel Gonçalves Mendes (o realizador do documentário José e Pilar) filma “O Labirinto da Saudade” de Eduardo Lourenço. O filme é uma viagem pelo interior de uma mente brilhante, inquieta, e amante. Um amor continuado pela mulher com quem casou e viveu longos anos em França, um amor continuado pelo capacidade e exercício do pensamento, um amor continuado por um território real e simbólico com uma história já próxima do milenar, — faltam 169 anos, foi em 1179 que o Papa Alexandre III assinou a bula Manifestis Probatum que concede o título de Rei a Afonso Henriques — que se chama Portugal.

Aos 94 anos, o escritor e filósofo Eduardo Lourenço faz eco em nós das perguntas que até hoje nele perduram. Que traumas nos definiram enquanto povo? Quem somos? O que fizemos? Que atrocidades cometemos? Quais os caminhos que podemos seguir?

São estas questões o ponto de partida e o caminho percorrido em “O Labirinto da Saudade”, filme sobre uma “nação condenada desde a sua origem a esgotar-se em sonhos maiores do que ela própria”. Mas atenção, talvez que até hoje, esse seja um património comum à génese de todas as nações, qual a nação que pode existir e não soçobrar se nela não houver lugar para um sonho de si maior mesmo que ela própria, um sonho talvez até mesmo impossível? Pode um País existir sem sonho?

E no caso particular Português, que sonho é esse que nos faz, que nos alimenta e nos distingue?

Narrado e protagonizado pelo próprio Eduardo Lourenço, o documentário percorre os corredores da memória própria e da história de Portugal. Cruza-se com fantasmas e amigos do seu presente – Álvaro Siza Vieira, José Carlos Vasconcelos, Diogo Dória, Gonçalo M. Tavares, Lídia Jorge, Ricardo Araújo Pereira e Gregório Duvivier, que assumem o papel de interlocutores e coadjuvantes condutores das reflexões escritas no livro.

O cinema é o dispositivo por excelência do sonho partilhado e, neste filme encantatório, como o referiu Eduardo Lourenço, há um personagem que é um homem hoje com quase um século de existência para quem por razões de carácter – aquilo que lhe é próprio – e de destino – a possibilidade escolhida no conjunto sempre múltiplo das possibilidades que nos contextos foi encontrando – teve como objecto de trabalho e de afecto pensar o território que o viu nascer. Esse território tem nome de nação, chama-se Portugal. Materialidade e Sonho, inteligência e agudeza de espírito, simplicidade e encanto, um sonho que foi e é vida, é o que cada espectador partilha sente e vive quando da visibilidade em grande ecrã na sala escura deste filme que é uma das pequenas/grandes obras cinematográficas de Portugal em 2018. Não perca.

11 Set 2018

Tracy Choi, produtora e realizadora de cinema: “Queremos fazer algo mais comercial”

Por estes dias, o segundo grande projecto cinematográfico de Tracy Choi, depois de “Sisterhood”, está a ser filmado numa velha fábrica vazia na Areia Preta. “Ina” é o novo filme da realizadora que agora desempenha o papel de produtora, em parceria com António Faria. No premiado “Sisterhood”, Tracy Choi abordou a questão da homossexualidade. Neste filme o olhar incide sobre o tráfico humano

[dropcap]C[/dropcap]Como surgiu a possibilidade de trabalhar com António Faria?
Este projecto começou, na verdade, há cinco anos atrás. O “Ina” foi, inicialmente, uma curta-metragem que apresentamos no “Macau Stories 3”, que reúne várias curtas-metragens com histórias sobre Macau. Com este filme queremos fazer algo na área do suspense, mas sobretudo queremos fazer algo mais comercial. Participámos na primeira e segunda edição do “Macau Stories” e, nessa altura, queríamos fazer um filme mais comercial e mais próximo do público, para que fosse mais fácil captar a sua atenção. No “Macau Stories 3” foi a primeira vez que trabalhei com o António Caetano de Faria e durante estes cinco anos trabalhámos juntos muitas vezes. Colaborei com ele na realização de um documentário e ele também me ajudou em vários projectos. Fazer o “Ina” é uma boa oportunidade para nós. Outro realizador que colabora connosco enviou o “Ina” em formato de curta-metragem para várias pessoas da área do cinema, um dos distribuidores americanos viu o trailer, adorou e disse que iria fazer com que o “Ina” fosse distribuído a nível internacional. O único problema que colocou é que não poderia colocar no mercado uma curta-metragem, tinha de ser em formato filme. Então, começámos a pensar se seria possível, depois de cinco anos, voltar à película e se teríamos dinheiro para fazer o projecto. O filme tem 90 minutos, procuramos investidores.

E conseguiram fundos do Governo de Macau?
Sim, pedimos apoio ao Fundo das Indústrias Culturais.

Este é o segundo projecto cinematográfico desde o “Sisterhood”.
Sim. Tenho alguns projectos pessoais em andamento, mas na verdade este é o segundo grande projecto cinematográfico em que estou envolvida. E é também a primeira vez que desempenho funções de produtora, antes trabalhei sempre como realizadora. Estou a aprender novas coisas e a pensar o quão complicado é produzir (risos). É um trabalho bastante diferente, e quando estou a realizar penso que tudo tem de estar perfeito no filme, mas depois, como produtora, penso no dinheiro que temos e na forma como temos de cortar aqui e ali.

FOTO: Sofia Mota

Mesmo com os subsídios do Governo, continua a ser difícil fazer cinema em Macau?
Sim, totalmente. Além do facto dos apoios financeiros não serem suficientes, é difícil encontrar pessoas ou entidades que queiram investir na produção de um filme em Macau. Não há muitas pessoas interessadas em fazer isso, porque constitui sempre um risco muito elevado e claro que o retorno será sempre pouco. Não podemos ver, de facto, que haja lucros. É difícil ter lucros quando não temos uma grande estrela a trabalhar connosco, por exemplo. É a primeira vez que estamos a tentar captar investimento numa produção verdadeiramente local, porque no caso de produções em Hong Kong ou China os investidores têm uma maior confiança ao nível de obtenção de lucros.

Falou-me da aposta no suspense. Que tipo de história podemos esperar em “Ina”?
A história começa com a Ina, a personagem principal, na adolescência, um pouco confusa, porque está a crescer e tem problemas relacionados com drogas. Estamos agora a filmar a segunda parte, que se foca mais na forma como Ina cresce enquanto mulher. O seu pai morre e abordamos temas como as seitas e o tráfico de mulheres. Então, ela tem de decidir que pessoa quer ser.

São temas sensíveis em Macau. Procura, com este filme, criar um debate em torno destas questões?
Sim, a questão do tráfico humano é um pouco sensível, mas pensamos que vale a pena falar sobre o assunto e abordá-lo, porque podemos não ter conhecimento sobre a verdadeira situação do tráfico humano em Macau, mas há ainda muitas coisas a acontecer. Além disso, estamos mesmo a apostar numa película mais comercial para que possa ser vendida no mercado internacional, para chegarmos a um público maior. É por isso que é importante pegar em temas que geram preocupação para que possamos discuti-los.

Com “Sisterhood” abordou vários elementos da cultura local. Com o “Ina” também têm esse objectivo, de mostrar a cultura de Macau e as suas pessoas?
Como queremos fazer um projecto mais comercial, talvez a parte cultural não esteja muito presente na história, ainda que tenhamos filmado 90 por cento das cenas em Macau e feito uma ou duas filmagens na China. De certa forma, mostramos o território, mas mais numa perspectiva de como Macau é actualmente. Não de forma muito realista, diria, mas penso que de certa forma mostra há um pouco da cultura local no filme.

Há planos para a apresentação do filme no mercado chinês?
Ainda estamos a planear essa parte. Para entramos no mercado chinês temos de ter uma espécie de aprovação prévia quanto ao conteúdo do filme. Nós não queremos alterar o conteúdo, e se passarmos nessa análise, tudo bem. Se não passarmos, também não há problema.

Quando estará concluído o filme?
A pós-produção deverá estar concluída este ano e a estreia será este ano ou no próximo. Como estamos a trabalhar com um distribuir norte-americano, ele já começou a vender parte do conteúdo do filme em regime de pré-venda, ainda que estejamos em processo de filmagens. É bom ter esta abertura ao mercado internacional para que o cinema de Macau não fique sempre atrás do que é feito em Hong Kong e na China. Se conseguirmos, de facto, chegar lá fora e obter alguns lucros aí os investidores locais vão ver que também podem obter algum retorno. É bom dizer às pessoas que temos outro caminho a seguir. Também gostaríamos de estar presentes na próxima edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, mas tudo vai depender dos prazos da pós-produção.

6 Set 2018