João Santos Filipe VozesObservações [dropcap]K[/dropcap]ou Hoi In é o novo presidente da Assembleia Legislativa (AL). Espero que tudo lhe corra bem e que se mostre à altura do cargo. Mas, e quero estar enganado, não acredito que tenha competências para a posição. Kou tem um percurso no hemiciclo cheio de manchas. Foi um dos homens por trás do projecto de resolução que tentava dizer aos tribunais o que podem fazer, o que é muito preocupante e mostra a falta de noção sobre a separação de poderes. Foi o presidente da Comissão de Regimento e Mandatos que andou a fazer reuniões ilegais sem que os outros deputados tenham sido avisados. Também não conseguiu apresentar uma justificação para a forma como contrariou o regimento. No meio destes casos, o esquecimento de dizer Macau no juramento é um coisa mínima… Pode ser muito simbólico, mas erros todos comentemos. Interessante também foi analisar as dinâmicas entre governantes durante a primeira cerimónia de juramento de Kou Hoi In. Mi Jian está a ser investigado e nota-se claramente que é tóxico. Foram muito poucos os colegas de Governo que se aproximaram dele. Ainda na mesma cerimónia, outro apontamento interessante. O Governo tem uma hierarquia e a sala VIP não é para todos. Um secretário entra, mas o chefe de departamento não… Wong Sio Chak e Alexis Tam estivaram na sala VIP, já Raimundo do Rosário preferiu misturar-se com a ralé política. Será Raimundo o secretário “da malta”? Ou está apenas a desfrutar a liberdade de não ter ambições políticas?
Paul Chan Wai Chi Macau Visto de Hong Kong VozesA crise em Hong Kong [dropcap]N[/dropcap]o dia 1 deste mês, fiquei no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau a acompanhar um familiar e, por isso, não pude ir a Hong Kong assistir à manifestação de 1 de Julho, como costumo fazer. Só consegui testemunhar as dramáticas mudanças que estão a acontecer na cidade através da televisão. Fiquei esgotado, fisíca e psicologicamente, ao ponto de não ter conseguido escrever o artigo dessa semana, pelo que apresento as minhas desculpas. Os confrontos entre os manifestantes e a polícia que então se verificaram não diminuíram de intensidade, antes pelo contrário aumentaram nos dias seguintes. Os distúrbios irromperam em vários distritos e a animosidade entre manifestantes e a polícia foi subindo de tom. Quando as questões políticas não se resolvem nos locais próprios, o divisionismo no seio da sociedade de Hong Kong aumenta de dia para dia. Se o princípio da responsabilização dos funcionários superiores fosse observado, a Chefe do Executivo, Carrie Lam, assumiria a culpa e demitir-se-ia, porque ela é a responsável pela crise social que se vive na cidade. As suas afirmações sobre a “morte” da revisão da lei, não significam que a revisão seja definitivamente “abolida”. Por outro lado, sem a criação de uma comissão de inquérito independente ao comportamento da polícia os conflitos sociais não irão diminuir. No entanto, o Governo de Hong Kong não deu qualquer resposta positiva a esta questão tão clara com a qual poderia ter aliviado as tensões sociais. Se Carrie Lam tivesse anunciado oficialmente a abolição da revisão da Lei de Extradição, tivesse criado uma “comissão de inquérito independente” e tivesse designado o antigo Secretário da Justiça Andrew Kwok-nang Li, do Supremo Tribunal, para chefe da comissão, acredito que a tensão começaria imediatamente a diminuir e haveria boas hipóteses de cura das feridas causadas por toda esta divisão social. Até agora, quem é que mostrou não ter vontade de resolver a crise de Hong Kong? Quem é que está a transformar Hong Kong num palco de luta de gladiadores? Quem é que está a arrastar Hong Kong para uma crise política, pondo em causa o conceito “um país, dois sistemas”? A política é uma arte, embora não seja uma arte marcial e, como tal, não se determina quem perde e quem ganha através do uso da violência. Os chineses têm um ditado que diz “é possível chegar ao poder através da violência, mas não se pode usar a violência para governar um país”. Não se pode negar a competência a a eficácia administrativa de Carrie Lam, mas ela deixa-se muitas vezes cegar pela “arrogância e pelo preconceito” ao ponto de não conseguir aceitar as opiniões das outras pessoas. Sempre que discursa, ou faz declarações públicas, as suas palavras produzem o efeito oposto do esperado. Este facto demonstra que ela se encontra num estado de confusão e que deixa transparecer as suas emoções secretas por entre as frases que pronuncia. Não serve de nada continuar a pedir-lhe que resolva os problemas que foram criados. Os rumores recentes sobre a possibilidade da declaração da “lei marcial” em certos distritos de Hong Kong não são infundamentados. Se a situação se deteriorar, sera possível vir a declara a lei marcial na cidade inteira, que é a última coisa que as pessoas esperam. A questão que se coloca é porque é que não foi avançada até agora nenhuma solução para resolver a crise? As acções do Governo e da polícia dão frequentemente a sensação de que não sabem como sair deste dilema. A forma de sair da crise deveria ter sido pensada a partir da identificação atempada dos seus sinais, lidando com as questões e resolvendo-as, ao invés de ter permitido a criação de uma bola de neve impossível de ser travada. A análise das medidas de contigência tomadas pela polícia na manifestação de 1 de Julho, quando os manifestantes irromperam pelo edifício do Conselho Legislativo, e das acções da polícia no New Town Plaza Mall, em Sha Tin, a 14 de Julho, levou algumas pessoas a suspeitar de que há quem pretenda colocar os manifestantes e os agentes numa posição difícil, de forma a deixar tudo fora de controle. Deng Xiaoping propôs o conceito de “um país, dois sistemas” aquando da transferância de soberania de Hong Kong e Macau, para também vir a ser aplicado em Taiwan, com o objectivo de conseguir uma reunificação pacífica da China. Em Macau, a aplicação deste conceito trouxe prosperidade económica através da liberalização dos direitos do jogo e da política de “turismo de visto individual”. O “Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico” de Macau pode silenciar temporariamente a insatisfação, mas esta “gaiola dourada” não é uma opção para os habitantes de Hong Kong. Quando as reformas constitucionais falharam em Hong Kong, em 2014, as autoridades competentes não se aproveitaram do rescaldo do “Movimento dos Chapéus de Chuva” para apresentarem uma nova proposta reformista. A arrogância daqueles que detêm o poder e a ineficácia de quem os rodeia são responsáveis pela actual situação de Hong Kong. Se a aplicação do conceito “um país, dois sistemas” falhar completamente em Hong Kong”, vai ser muito difícil a sua implementação em Taiwan. Se a crise de Hong Kong se continuar a agravar, os habitantes de Hong Kong e o conceito “um país, dois sistemas” vão sofrer sérios danos. Lucrarão com esta crise serão aqueles que por ela foram responsáveis.
Andreia Sofia Silva VozesSim, somos parte da China [dropcap]A[/dropcap]i Weiwei esteve num conhecido festival de música em Portugal, o NOS Alive. Andou por lá na zona VIP, viu concertos, publicou fotografias no Instagram e falou à RTP sobre a actual situação que se vive em Hong Kong. Contudo, talvez o dissidente chinês se tenha equivocado em algumas das suas palavras, talvez devido às boas sonoridades que por lá passavam. Macau e Hong Kong sempre fizeram parte da China, mas tinham as suas próprias administrações. Depois da transição destes territórios, continuam a fazer parte da China, mas supostamente mantém a sua autonomia financeira e política até às datas que foram decididas pelos governantes na altura, ou seja, 2049 para Macau, 2047 para Hong Kong. Portanto, caro Ai Weiwei, Macau e Hong Kong nunca serão Taiwan, um território que nasceu independente e que hoje vive diplomaticamente isolado, ainda que Xi Jinping deseje que Taiwan seja como Macau e Hong Kong. A génese é diferente e sim, Macau e Hong Kong já são parte da China. A essência é outra: é saber de que forma é que são parte da China. Será que são parte da China respeitando o que foi acordado nos anos 80? Ou será que são parte da China unicamente como o Governo Central quer que sejam? É nisto que vale a pena reflectir.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Globalização 4.0 e a China “Those who push for protectionism are shutting themselves inside a dark house. They have escaped the rain and clouds outside, but also missed the light and air.” President Xi Jinping [dropcap]A[/dropcap]pós a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional uniu-se para construir um futuro partilhado e actualmente, deve fazê-lo novamente. Devido à recuperação lenta e desigual da última década desde a crise financeira global, uma parte substancial da sociedade tornou-se descontente e amargurada, não apenas com a política e os políticos, mas também com a globalização e com todo o sistema económico que a sustenta. Em uma era de insegurança e frustração generalizadas, o populismo tornou-se cada vez mais atraente como alternativa ao “status quo”, mas o discurso populista escapa, e muitas vezes confunde, as distinções substantivas entre dois conceitos, o de globalização e globalismo. A globalização é um fenómeno impulsionado pela tecnologia e pelo movimento de ideias, pessoas e bens. O globalismo é uma ideologia que dá prioridade à ordem global neoliberal sobre os interesses nacionais. Ninguém pode negar que estamos a viver em um mundo globalizado e se todas as políticas devem ser “globalistas” é altamente discutível. Afinal, este momento de crise levantou questões importantes sobre a arquitectura da governança global e cada vez mais eleitores exigem “retomar o controlo” das “forças globais”, e o desafio é restaurar a soberania em um mundo que requer cooperação. Ao invés de fechar as economias através do proteccionismo e da política nacionalista, deve-se forjar um novo pacto social entre os cidadãos e os seus líderes, para que todos se sintam seguros o suficiente nos seus países para permanecerem abertos ao mundo em geral, pois caso contrário, a desintegração contínua do tecido social poderia levar ao colapso da democracia. Além disso, os desafios associados à “Quarta Revolução Industrial (4IR na sigla inglesa)” coincidem com o rápido surgimento de restrições ecológicas, o advento de uma ordem internacional cada vez mais multipolar e a crescente desigualdade. Os desenvolvimentos integrados estão a estabelecer uma nova era de globalização. Se tal irá melhorar a condição humana, dependerá se a governança corporativa, local, nacional e internacional se adaptar no tempo. Enquanto tal acontece, uma nova estrutura para a cooperação global público-privada vem a ganhar forma. A cooperação público-privada consiste em aproveitar o sector privado e abrir mercados para estimular o crescimento económico para o bem público, com a sustentabilidade ambiental e a inclusão social sempre em mente. Mas, para determinar o bem público, é necessário primeiro identificar as causas da desigualdade, por exemplo, enquanto os mercados abertos e o aumento da concorrência produzem vencedores e perdedores na arena internacional, podem estar a ter um efeito ainda mais pronunciado sobre a desigualdade a nível nacional. Além disso, a crescente divisão entre o precariado e o privilegiado está sendo reforçada pelos modelos de negócios 4IR, que frequentemente derivam os alugueres de capital ou propriedade intelectual e encerrar essa divisão requer que se reconheça que se está a viver em um novo tipo de economia impulsionada pela inovação e que novas normas, padrões, políticas e convenções globais são necessários para salvaguardar a confiança pública. A nova economia interrompeu e recombinou inúmeras indústrias e deslocou milhões de trabalhadores. É de desmaterializar a produção, aumentar a intensidade do conhecimento da criação de valor, pois está a crescer a concorrência nos mercados internos de produtos, capital e trabalho, bem como entre os países que adoptam diferentes estratégias de comércio e investimento, que está a alimentar a desconfiança, particularmente das empresas de tecnologia e a administração de dados. O ritmo sem precedentes da mudança tecnológica significa que os sistemas de saúde, transporte, comunicação, produção, distribuição e energia serão completamente transformados. A gestão dessa mudança exigirá não apenas novas estruturas para a cooperação nacional e multinacional, mas também um novo modelo de educação, completo com programas direccionados para o ensino de novas aptidões aos trabalhadores. Os avanços da robótica e da inteligência artificial no contexto das sociedades em envelhecimento, obrigam a passar de uma narrativa de produção e consumo para uma de partilha e cautela. A globalização 4.0 está apenas a começar, mas o mundo encontra-se muito despreparado. Agarrar-se a uma mentalidade desactualizada e mexer nos processos e instituições existentes não funcionará. Em vez disso, é preciso redesenhá-los a partir do zero, para que se possa aproveitar as novas oportunidades que nos esperam, evitando o tipo de interrupção que estamos a testemunhar. À medida que se desenvolve uma nova abordagem para a nova economia, devemos lembrar que não estamos a brincar um jogo de soma zero. Não se trata de livre comércio ou proteccionismo, tecnologia ou emprego, imigração ou protecção dos cidadãos e crescimento ou igualdade. Essas são todas falsas dicotomias, que se podem evitar desenvolvendo políticas que favoreçam a comunidade, permitindo que todos os conjuntos de interesses sejam perseguidos em paralelo. Os pessimistas argumentarão que as condições políticas estão a impedir um diálogo global produtivo sobre a Globalização 4.0 e a nova economia. Os realistas usarão o momento actual para explorar as lacunas no sistema e identificar os requisitos para uma abordagem futura. Os optimistas manterão a esperança de que as partes interessadas orientadas para o futuro criem uma comunidade de interesse e, em última análise, um objectivo compartilhado. As mudanças que estão em curso não são isoladas para um determinado país, sector ou matéria, são universais e, exigem uma resposta global. O não adoptar uma nova abordagem cooperativa seria uma tragédia para a humanidade. Para redigir um plano para uma arquitectura de governança global compartilhada, deve-se evitar ficar atolado no momento actual da gestão de crises. Especificamente, essa tarefa exigirá duas situações da comunidade internacional que são o envolvimento mais amplo e maior imaginação. O envolvimento de todas as partes interessadas no diálogo sustentado será crucial, assim como a imaginação para pensar sistemicamente e além das próprias considerações institucionais e nacionais de curto prazo. O conceito de Globalização 4.0 foi apresentado pela primeira vez na reunião anual do “Fórum Económico Mundial (WEF na sigla inglesa)” em Davos, a 17 Janeiro de 2019, e foi visto pela comunidade internacional como um sinal de que a globalização entrou em uma nova era, e enquanto os milhares de líderes ricos e poderosos se dirigiam ao WEF, o fundador da organização, Klaus Schwab, pediu aos chefes de Estado internacionais que apresentassem uma abordagem “inclusiva” da globalização. O tema principal do encontro foi “Globalização 4.0: Moldando uma Nova Arquitectura na Era da Quarta Revolução Industrial″. O WEF decorreu entre 22 e 25 de Janeiro de 2019. A globalização produz vencedores e perdedores e há muitos mais vencedores nos últimos vinte e cinco ou trinta anos, mas é necessário cuidar dos perdedores. Durante décadas, houve um forte consenso de que a globalização ajudaria a estimular o crescimento dos salários e a criar mais empregos, não apenas para os países desenvolvidos, mas também para os países mais pobres do mundo. No entanto, nos últimos anos, uma reacção populista contra a globalização consolidou-se, o que levou muitos a expressarem a sua raiva ao verem os seus empregos serem afectados pela automação, indústrias antigas desaparecerem e a migração a atrapalhar a ordem estabelecida. O fórum divulgou um relatório de “Riscos Globais” em que observou que os mesmos estão a intensificar-se, mas a vontade colectiva de enfrentá-los parece estar a faltar. As discussões em Davos ocorreram em um momento crucial, já que a reacção política à globalização ameaça não apenas a economia global, mas também a ordem internacional liberal que tem sido a pedra angular de níveis sem precedentes de prosperidade, crescimento e segurança pós-guerra. Os participantes vieram mais preocupados com as perspectivas para a economia global, ligando uma possível desaceleração a factores como guerras comerciais e Brexit, pois desde o último fórum que decorreu entre 23 e 26 de Janeiro de 2018, as relações comerciais globais e a diplomacia, assim como as políticas domésticas, têm sido incertas. É quase certo que os livros de história se lembrarão de 2016 como o ano em que os dois lados do Atlântico apostaram no populismo e 2019 será lembrado como o ano em que as apostas arriscadas faliram. As promessas vazias do populismo tornam-se aparentes para os eleitores que estavam a exigir soluções viáveis para problemas sérios. A tarefa da liderança global é de ganhar o argumento para mostrar porque o sistema deveria ser reformado e não destruído, sendo essa tarefa particularmente urgente. Quando se fala sobre Globalização 4.0, tem que ser mais inclusivo e sustentável, baseado em princípios leais. O que precisamos é de uma moralização da globalização. O tema da “Reunião Anual dos Novos Campeões 2019”, também conhecido como “Fórum Davos de Verão”, realizou-se de 1 a 3 de Julho de 2019 na cidade costeira de Dalian, China, que contou com mais de mil e novecentos representantes de mais de cem países e regiões e que teve como tema “Liderança 4.0: Ser bem sucedido em uma Nova Era de Globalização”. A mudança da Globalização 4.0 para a Liderança 4.0 não apenas reflectiu a mudança de situação e do padrão económico internacional, mas também o firme compromisso da comunidade internacional de salvaguardar o multilateralismo, os esforços práticos nesse sentido e as suas expectativas de um multilateralismo mais forte. A China tornou-se a espinha dorsal dos esforços internacionais para salvaguardar o multilateralismo, enquanto a maior economia do mundo, os Estados Unidos, recorreu ao unilateralismo e está a provocar fricções comerciais globais ao impor tarifas mais altas às importações. A determinação da China e os esforços para proteger o multilateralismo são elogiados em todo o mundo. A China defende a abertura e está a implementar essa causa aumentando as importações, reduzindo as tarifas e diminuindo o limite de acesso ao mercado para melhorar o seu ambiente de negócios. Todas essas medidas têm sido uma fonte de confiança para a economia global. Quando o presidente chinês reiterou a posição da China e propôs medidas para a globalização económica na concluída Cúpula do Grupo dos 20, em Osaka, essa confiança foi ainda mais estimulada. A diversidade da “Reunião Anual dos Novos Campeões 2019” mostrou o interesse da comunidade internacional nos esforços da China para proteger o multilateralismo e deu o seu apoio. Quase 70 por cento dos participantes vieram do exterior, incluindo muitas empresas dos Estados Unidas das áreas de assistência médica, finanças, ciência e tecnologia e educação, o que prova que a globalização é uma tendência internacional irresistível, apesar do surto de unilateralismo praticado pelo governo de Donald Trump. Actualmente, há uma divisão internacional do trabalho no desenvolvimento social e económico global. Todo o processo de projectar, fabricar, montar e vender todos os componentes de bens envolve empresas de vários países. Tal construiu a base da actual cooperação económica em todo o mundo e é uma razão importante para defender o multilateralismo. Se todos os países se tornarem unilaterais, então as empresas, quer seja a Apple dos Estados Unidos, a Huawei da China ou a Samsung da República da Coreia, descobrirão que é impossível fabricar os seus produtos para compradores globais e ainda assim mantê-los acessíveis e como resultado, entrariam em colapso corporativo e a economia de cada país seria atingida. A globalização económica é a procura objectiva pelo desenvolvimento da produtividade social. É também o resultado inevitável do progresso da ciência tecnológica, do qual todos os países beneficiam. A nova revolução industrial nascida da globalização económica não está apenas a conectar a rede industrial global, mas igualmente a rede de inovação e de valor, mas também está a promover o crescimento inclusivo. A China está a seguir esse caminho e nas últimas quatro décadas, envolveu-se na divisão global do trabalho e nas cadeias de valor, inovação e indústria globais e continua a abertura em todos os aspectos e a melhorar a qualidade da sua economia. A “Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR na inglesa)” da China, a 30 de Junho de 2019 e o Ministério do Comércio divulgaram uma lista revista para investimentos estrangeiros, que inclui um inventário da indústria para incentivar o investimento estrangeiro em todo o país e um rol de indústrias vantajosas para o investimento estrangeiro nas regiões central, ocidental e nordestina. Enquanto os itens da lista negativa diminuíram, os da outra lista aumentaram, sendo que essa maior abertura é um contraste gritante com países que se isolaram do resto do mundo em nome da garantia da segurança nacional. A sociedade humana está a viver uma era de informatização rápida, onde as pessoas se encontram mais próximas umas das outras, em vez de ficarem isoladas e esta tendência inevitável determina que a autoridade do mecanismo de comércio multilateral baseado em regras, com a “Organização Mundial do Comércio (OMC)” no centro, seja respeitada e protegida. É animador que uma pesquisa global conduzida pelo Fórum de Davos tenha mostrado que a grande maioria acredita que a cooperação internacional é muito importante. Os princípios fundamentais do sistema multilateral são amplamente reconhecidos e defendidos. A memória da crise financeira de 2008 que surgiu nos Estados Unidos ainda se mantém fresca na memória colectiva. Durante essa turbulência, foi a estreita cooperação internacional que ajudou a economia global a recuperar-se da crise e precisamos novamente do mesmo espírito cooperativo na luta contra o unilateralismo e o proteccionismo comercial.
João Luz VozesMiss Dengue 2019 [dropcap]N[/dropcap]a terça-feira foram anunciadas as felizes contempladas de um concurso que só podia ter acontecido em Macau. Falo da magnífica e mui glamorosa “cerimónia de entrega de prémios da primeira fase do questionário sobre a prevenção da febre dengue 2019”. Sim, este foi o nome do evento, de acordo com um comunicado divulgado pelo GCS. Carpete vermelha, flashes das revistas cor-de-rosa, a nata de quem é quem num frenesim de elegância e influência. Ok, estou a fantasiar um bocado. Os prémios variaram entre o sempre apetecível telemóvel, um aparelho para eliminar ácaros e algo que parece uma antena para contactar extraterrestres ou abrir portais de outras dimensões. Atenção, não estou a escarnecer da necessidade de informar a população quanto às formas de prevenir a dengue, que já matou quase 500 pessoas nos primeiros seis meses do ano. Mas há formas para consciencializar a sociedade sem transformar um assunto sério de saúde pública numa competição infantil. Enfim, esta é a forma como o Governo fala com os cidadãos, como se fossem crianças. Queres comer um gelado, residente malandreco?! Então, toca de acabar rapidamente os trabalhos de casa. Confesso que invejo quem tem como trabalho ter estas ideias. Assim sendo, sugiro que para o ano se eleve a fasquia e se organize a Miss Dengue 2019. O mais luxuoso e incontornável dos concursos de beleza febril. Estou só a atirar sementes ao ar, na esperança que germinem neste surrealista solo. Nunca se sabe.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCaçando Unicórnios [dropcap]O[/dropcap]s unicórnios são seres míticos (raros), que agora vêm a sua correspondência no mundo do sexo. Os casais que andam à procura de um unicórnio estão à procura ‘da’ mulher que se possa juntar à sua actividade sexual e fazer parte no tão desejado ménage à trois. Esta procura por unicórnios – que parece ocupar as plataformas na procura de parceiros sexuais/amorosos – é problemática de várias formas. Até começam a existir grupos no facebook para aquelas (unicórnias) que já sofreram com esta caça. E o que é, exatamente, um unicórnio? O unicórnio é uma mulher que gosta de homens e de mulheres. Um pré-requisito fundamental para que o ménage a trois corra na perfeição: alguém que goste de interagir com vulvas e pénis. Nestas plataformas românticas, têm se visto formas muito sofisticadas de atrair estes unicórnios para o leito heterossexual – o que só demonstra a falta de ética que este processo de procura do unicórnio anda a sofrer. Os ditos unicórnios andam a ser atraídos por conversas que se julgavam íntimas e próximas, normalmente com uma mulher – normalmente a julgar que o jogo é a dois – que depois descambam para uma tentativa de empurrá-la não só para a cama, mas para a cama com um namorado que está pronto para apreciar o amor lésbico. Bem sabemos que a pornografia veio normalizar esta forma de amor homossexual – e que o mantém dentro dos limites da suposta normalidade sexual pornográfica. Estes caçadores de unicórnios põem em evidência valores muito instrumentalistas do sexo. Como se as pessoas – os ditos unicórnios – estivessem ao dispor desta sexualidade que serve para acalmar os apetites dos casais que assim o querem. Também põem em evidência valores particularmente masculinos – ao enfatizar esta constelação de um homem com duas mulheres para a melhor orgia possível. Claro que a política do pénis único nestas formas de sexualidade costumam ser a regra e raramente a excepção. O que até parecia uma abertura progressiva à sexualidade – em casal heterossexual inovar a sua sexualidade ao incluir um terceiro elemento, é um mobilizar dos valores já vigentes de papéis de género e dar-lhe uma nova e confusa roupagem que afinal… vem redefinir pouco estes valores mais tradicionais. Há unicórnios que se referem a esta prática de caça ao unicórnio como uma forma de bifobia, por não se compreender de facto o que é a bissexualidade. Assume-se que esta vontade por vulvas e pénis é plural. Quando se pensa na bissexualidade dá-se como garantida a disponibilidade por participar nestas formas de sexo colectivas quando pode nem ser o caso. Mas por outro lado, há unicórnios que fazem uso desta identidade com orgulho. Transformam em verbo o acto de se unicornizar – e disponibilizam-se para serem os unicórnios que os casais heterossexuais andam à procura. Nenhuma ideia de unicórnio ou caça ao unicórnio é problemática em si. Só que temos assistido a representações de bissexualidade que são problemáticas, pontos de partida conceptuais que exaltam o sexo como produto (quase comercializável) em vez de um processo de partilha constante. Pelo que tenho visto – e com razão – se é para tratar os unicórnios como objectos de prazer unilaterais, na sua procura e na sua interação, mais vale pagarem a prostitutas para fazerem ‘uso’ de unicórnios. Porque muitas vezes não se assume que os unicórnios se envolvam sem retribuição (que pode ser emocional, relacional e sexual) na dinâmica das relações. Para quem já anda nestas andanças à bastante tempo, e quem oferece aconselhamento a quem anda à procura de um terceiro elemento para satisfazer as suas fantasias, parece claro que os casais estão pouco preparados para perceber os seus limites de prazer e são invulgarmente protectivos em relação ao que eles querem (em vários domínios) e não consideram o unicórnio como um ser com vontade própria. Como qualquer encontro sexual: esta procura e ‘caça’ ao unicórnio abertura à comunicação e à discussão/negociação dos limites do que é o respeito e o prazer nestas formas (ainda assim populares no imaginário) do sexo.
Sofia Margarida Mota VozesO plástico de cada dia [dropcap]D[/dropcap]e manhã na pastelaria, enquanto aguardo pelo café, vejo duas crianças a comprar pão. Compram cinco pães. Cada carcaça é colocada num saco pequeno, e depois os cinco sacos vão para um maior. Há também uma senhora que compra dois bolos do mesmo género, uma sandes e uma pequena baguete. O procedimento é idêntico ao anterior. Mas aqui, os sacos pequenos repartem-se e cada grupo de alimentos já nos seus saquinhos é distribuidor por dois sacos maiores. A senhora lembrou-se de levar um café, mas pelos vistos as mão não chegavam para o transporte. Mais um saco pequeno para levar o copo. Até agora, num intervalo de tempo de menos de dois minutos: 13 sacos de plástico. O ritmo não melhora. Meia hora depois, num supermercado perto da redacção, o senhor à minha frente na fila para pagar compra dois maços de cigarros, uma cuvete de melancia e uma garrafa de água. Dois sacos de plástico. Segui eu com o tradicional um maço de cigarros, uma garrafa de água e um bule de vidro. O rapaz da caixa, que já vinha de saco em punho recuou quando me viu. Pôs de lado. A mim seguia-se uma fila de clientes, e umas centenas de sacos para gastar. É assim o consumo de plástico que o Governo finge querer combater. É este Executivo que não vai penalizar os estabelecimentos que não cumpram a lei que está em análise. É esta a educação que se está a dar às crianças que continuam sem fazer ideia de que têm um papel nesta luta por um bocadinho menos de poluição. É esta a sensibilização aos adultos que na prática não querem mesmo saber.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSomos campeões [dropcap]P[/dropcap]ara todos os estudantes do ensino secundário de Hong Kong o dia 10 de Julho é um marco importante, porque é nesse dia que são anunciados os resultados dos exames finais de curso, designados por HKDSE. Deste resultado depende o futuro dos estudantes. Os que passarem continuam rumo à Universidade, os que não passarem rumam em direcção ao mundo do trabalho. Dos exames deste ano destacaram-se 12 campeões. Os ditos campeões são alunos que ficam classificados em primeiro lugar em pelo menos sete disciplinas. Ao contrário dos anos anteriores, dois destes campeões não vieram das escolas tradicionalmente mais importantes. Esta mudança demonstra que os resultados dependem em muito do empenho dos estudantes. Quem trabalha com afinco tem necessariamente boas notas. Às escolas, aos colegas e aos pais cabe o papel de formação e encorajamento, o papel de apoio aos candidatos. Mas o mais importante é o esforço de cada um. Esperemos que esta mudança sirva para que os estudantes, que não frequentam as escolas mais afamadas, compreendam a importância do empenhamento pessoal. Esta é a grande verdade. O HKDSE é um exame público. Os enunciados são criados pela Autoridade de Examinação de Hong Kong. As grandes vantagens do exame público são a objectividade e a equidade. É muito difícil haver fugas dos conteúdos destes enunciados. Usar os mesmo critérios de avaliação para todos, faz com que a credibilidade dos exames seja bastante elevada. Em Macau, para acesso às quatro Universidades, existe apenas um exame conjunto. Futuramente o exame de acesso à universidade irá fundir-se com o exame final do secundário e terá a sua importância acrescida. Este ano, apresentaram-se 56.000 candidatos ao HKDSE. Nos anos 80, apenas existia o Exame de Certificação Educativa de Hong Kong (HKCEE – sigla em inglês). O exame actual, o HKDSE, ainda não tinha surgido. Todos os anos, cerca de 130.000 candidatos participavam no HKCEE. Nesta época, quando o candidato falhava o exame, tinha de repeti-lo no ano seguinte ou ingressar directamente no mundo do trabalho. Hoje em dia a situação é muito diferente. Actualmente, quando o estudante não tem resultados satisfatórios, embora não possa ingressar directamente na Universidade, tem a possibilidade de aceder a um programa de equivalências onde pode obter um bacharelato e futuramente uma formatura universitária. À medida que o tempo passa o sistema educativo muda. Quanto mais facilitado for o acesso às universidades, menos valor terão os cursos superiores. Nos anos 80 um curso superior dava acesso imediato a uma posição bem remunerada, os licenciados passavam a pertencer à classe média e construíam uma vida confortável. Podiam comprar casa, carro e criar uma família. Mas hoje em dia, quer seja em Macau ou em Hong Kong, quem é que pode atingir esse nível de vida quando acaba a Universidade? A popularização do ensino superior provocou a sua própria desvalorização e os estudantes deixaram de acreditar que o curso lhes vá proporcionar um bom futuro. Esta situação acaba por desencorajá-los e isso ressente-se nos estudos. Não se aplicam o suficiente porque não acreditam que o seu esforço vá verdadeiramente dar frutos e acabam por sair da Universidade mal preparados. Se uma geração com poucos conhecimentos vier a ocupar lugares de destaque, que tipo de sociedade nos espera? O principal objectivo da Universidade é a formação de pessoas especializadas de forma a permitir o bom funcionamento da sociedade no seu todo. A conjuntura social não pode ser controlada pela Universidade, mas os factores que a condicionam afectam directamente o desempenho académico dos estudantes. Se as condicionantes actuais se mantiverem, é pouco provável que o desempenho académico em termos globais melhore e, em última análise, a vítima da situação será a sociedade em geral. Cumprimentemos os campeões que obtiveram as melhores notas nos exames; no entanto, e ao mesmo tempo, devemos reflectir sobre os resultados académicos em termos globais. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Andreia Sofia Silva VozesA demissão que não acontece [dropcap]A[/dropcap] situação política em Hong Kong está longe de ter fim à vista e a situação pode ter implicações na relação que a China tem com outros países do Ocidente, ainda que já se tenha percebido que nem sempre a comunidade internacional dá a devida a devida importância a questões políticas ou de direitos humanos quando se trata da China. Agora é o Financial Times que vem escrever que Carrie Lam até se quis demitir, mas a China não deixa. Depois de ter dado uma entrevista onde chorou e falou do seu amor por Hong Kong, a Chefe do Executivo quis sair depois de ter largado a bomba. Se a China não aceita a sua demissão, a governante mais não pode fazer do que retirar a proposta de lei da extradição, e é se quer manter o mínimo de ordem e de estabilidade na região. É certo que, numa altura destas, a saída da governante e o agendamento de novas eleições poderia ser ainda mais caótico no meio da confusão política que já se vive em Hong Kong. Os jovens saíram à rua onde clamam não só pelo fim da lei da extradição, mas também por mais democracia, e tão depressa não vão sair de lá. Atirem, por isso, a proposta de lei para um lugar onde ninguém se lembre de a ir buscar.
João Santos Filipe VozesDa Taipa ao Centro [dropcap]U[/dropcap]m artigo publicado recentemente num jornal português defendia que as pessoas em Macau têm “perspectivas de realização individual, nomeadamente a nível de aquisição de habitação particular”. Não conheço o autor em causa, mas fiquei contente por ele. Deve ter um belo salário e acredito genuinamente que o mereça. Mas, não sei que Macau frequenta. Suspeito que viva numa bolha e que as suas deslocações se limitem entre a Taipa e o Centro da cidade, com umas passagens por Hong Kong. Se calhar são muitos os anos sem passar pelo Iao Hon ou o Toi San. Mas podendo ser este o caso, basta olhar para as estatísticas da DSEC e DSF. A mediana do salário dos residentes é de 20 mil patacas. Segundo a DSF, em Junho, o metro quadrado custava em média 111.806 patacas e a área útil das casas vendidas era em média 57 metros, o que dá um preço médio de 6,37 milhões de patacas por casa. Claro que as pessoas pagam mais do que a área útil e ainda têm de assumir o custo do empréstimo bancário. Porém, neste caso, se uma pessoa poupar metade das 20 mil patacas, precisa de 53 anos para pagar a casa. Mas alguém com um ordenado de 20 mil patacas consegue poupar assim tanto, com despesas como comida, renda, roupa, saúde, deslocações e, de vez em quando, férias ou deslocações a Hong Kong? Mesmo numa vida em casal, com rendimentos duplicados, basta as pessoas “darem-se ao luxo” de ter filhos para dizerem adeus à casa. Ao mesmo tempo, a maioria dos jovens de cultura chinesa paga uma “prestação” aos pais sobre o ordenado que recebem… Fazendo as contas muito por alto, para a maioria da população a casa não passa de uma miragem. Claro que há a habitação económica, mas mesmo essa é para os gananciosos dos Porsches e Mercedes que se “divorciam”, omitem rendimentos e aldrabam os concursos.
João Romão VozesRotas asiáticas do turismo planetário [dropcap]É[/dropcap] lento, mas persistente o processo de afirmação da Ásia enquanto centro de referência do turismo global. Massivos investimentos em infraestruturas e equipamentos turísticos, maior abertura e facilidades na obtenção de vistos e uma sempre crescente procura de serviços turísticos no planeta têm tornado o continente asiático cada vez mais importante, neste gigantesco negócio planetário. A emergência de novas classes médias que tem resultado do acelerado crescimento económico de vários países da Ásia garante os fregueses necessários para os inúmeros empreendimentos hoteleiros que proliferam com financiamentos nacionais ou internacionais. O continente asiático recebeu em 2018 mais de 300 milhões de viajantes em voos internacionais, 23% dos que se registaram no mundo, segundo os dados da Organização Mundial do Turismo. É menos de metade do que se registou na Europa, que ainda concentra metade desses voos. Mas a tendência de transformação é inequívoca: no início do milénio a Ásia representava menos de 15% e a Europa quase 60% dos voos internacionais registados no planeta. Em 2018 a China foi o 4º país mais visitado no mundo e a Tailândia o 10º. Entre 2010 e 2017, países menos habituais nos tops destes rankings, como o Japão e o Vietname, viram triplicar o número de visitantes internacionais. A este desempenho dos destinos turísticos asiáticos não é certamente alheio o crescimento económico sistemático e continuado que se tem registado em países como a China, o país do mundo com maior despesa em turismo internacional – ultrapassando os valores conjuntos do segundo (Estados Unidos) e terceiro (Alemanha) países da lista. O impressionante desempenho da economia chinesa nos últimos anos permitiu o aparecimento de investidores milionários em diversas áreas de negócio nos mais variados lugares do planeta, e permitiu também o aparecimento de uma nova classe média, jovem e urbana, com manifesta apetência (e rendimento) para viajar. Na realidade, o número de pessoas chinesas a fazer viagens internacionais em 2018 (142 milhões) é praticamente o triplo do que se registava em 2010, há menos de dez anos. Não é só a China, certamente: também a Coreia (9º país do mundo em despesa com turismo internacional), Hong Kong (11º), Singapura (12º), Índia (17º), Japão (18º) e Taiwan (19º) contribuem significativamente para esta expansão do turismo na Ásia. Na realidade, os dados também mostram que 80% das viagens internacionais são feitas no interior do continente onde os turistas residem, o que sugere que procura e oferta turística crescem simultaneamente na Ásia criando uma nova centralidade nas rotas turísticas mundiais. Não deixa de ser interessante observar que nem só de infraestruturas e equipamentos se faz o investimento para o desenvolvimento turístico na Ásia: há também uma atenção aos cuidados na prestação de serviços culturalmente enraizada, que ajuda a explicar o esforço generalizado com a educação e a qualificação das pessoas que trabalham na hotelaria e hospitalidade em geral. Exemplo disso são, não só a quantidade de cursos e instituições dedicadas ao tema, mas também o reconhecimento internacional da sua qualidade. O recentemente divulgado Ranking de Shangai, que mede o desempenho das universidades em todo o mundo, tem em primeiro lugar na área do turismo uma Universidade de Hong Kong (e quatro universidades asiáticas – mais uma chinesa e duas coreanas – nos primeiros doze lugares, onde só estão duas instituições europeias). Enquanto investigador académico em economia do turismo, estou bastante familiarizado com a quantidade e a qualidade da investigação que se faz nesta área em países como o China ou a Coreia. Tive mais uma vez a oportunidade de contactar com este efervescente universo de novas ideais e horizontes para o futuro dos serviços turísticos durante a Conferência que assinalou o 25º aniversário da Associação de Turismo da Ásia e Pacífico, na bela cidade de Da Nang, no Vietname -um país que entrou relativamente tarde neste processo de acelerado desenvolvimento turístico mas que regista nos últimos anos um ritmo de crescimento superior ao que se verificou na Tailândia no período em que o turismo tailandês teve a sua expansão mais significativa. E também nesta cidade vietnamita é visível a atenção à educação para os serviços turísticos, com uma universidade onde estudam 5000 alunos só nesta área. Se o centro de gravidade do turismo planetário se vai deslocando para a Ásia, não será só por razões económicas ou pela atratividade dos lugares: a educação e a formação para os serviços também têm papel de relevo.
Sofia Margarida Mota VozesIncomparabilidades [dropcap]É[/dropcap] claro que não se pode comparar o nível de vida do presidente da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, o deputado Chan Chak Mo, com o dos milhares de empregadas domésticas que vêm para Macau em busca de melhores condições. Mas o mais grave é que este tipo de comparação leva a que se pense realmente nestas diferenças, não tanto a nível económico, mas nas diferenças básicas entre o ser humano comum e uns tantos privilegiados e que recaem essencialmente na área do simples bom senso. Não ter o mesmo nível de vida do que os TNR em Macau não significa que não se tenha empatia pelo outro nem pingo de humanismo. Não entender, lá porque se pagam 10 mil patacas por um almoço, que o direito a um salário mínimo, na ordem das cinco mil patacas mensais, é um aperto para viver em Macau causa arrepios. Não, de facto não se comparam situações que de tão absurdas afundam-se no ridículo. E são estes privilegiados sem noção que analisam a lei do salário mínimo em Macau. Tudo isto teria piada se não fosse real ou se visto através da interpretação dos Monty Python, o que não é o caso.
Hoje Macau Vozes“Igreja de Portugueses negros” na Era Marítima Ritchie Lek Chi, Chan [dropcap]A[/dropcap] capital da Indonésia, Jacarta, era conhecida na Idade Média como a “Rainha do Oriente”. Hoje tem uma população de mais de 30 milhões e tornou-se a segunda maior área metropolitana do mundo. Esta cidade densamente povoada esconde a história primitiva da Indonésia, a história dos imigrantes chineses e os vestígios dos europeus que pisaram esta terra durante o período da “Descoberta Geográfia”. Não é difícil encontrar materiais históricos preciosos quando se viaja pela a cidade velha de Jacarta. Apesar da forte atmosfera islâmica, Jacarta preservou igrejas católicas de grande valor histórico. Recentemente, fui a Jacarta e um dos meus familiares que lá mora acompanhou-me na visita a duas igrejas. Uma igreja está localizada no centro da cidade onde os holandeses construíram uma magnífica “Catedral da Assunção” em 1825. A outra está localizada na cidade velha, a antiga e medíocre igreja de “Sião”*1 . A sua existência testemunha a história do desenvolvimento da cidade de Jacarta, bem como o processo histórico da competição e troca de poder entre as duas grandes potências marítimas, Portugal e Holanda da Idade Média. Portanto, em termos de valor histórico, a igreja de “Sião” é a mais importante. Durante a minha visita, conheci uma pessoa de Ambon que se encarregava desta igreja* 2. Ele entusiasticamente apresentou a história da igreja e da antiga cidade de Taman Sari, devido a relações estreitas entre as duas. No início do século XVI, os portugueses antes da sua chegada a Macau, já tinham viajado de Malaca para Maluku e depois para Batávia (o nome antigo de Jacarta). O primeiro local onde os portugueses chegaram foi numa pequena vila de pescadores de Sunda Kelapa (cidade de coco), na cidade velha de Ciliwung, onde construíram uma fortaleza pequena e uma igreja rudimentar fora da muralha antiga da cidade, um seminário e onde residiam escravos vindos da África. Os habitantes locais chamavam de “Igreja portuguesa exterior (muralha)” ou “Igreja de portugueses negros”. De acordo com um documento português, “No século V, foi o Reino Sunda que controlava essa área. Foi o local de nascimento de Jacarta e mais tarde se tornou num importante porto. No século XII, ficou conhecido por seu comércio de pimenta”. No início do século XVII, a igreja de “Sião” foi reconstruída após os holandeses ocuparem Jacarta. Neste momento, o povo Tang (chinês) imigraram e começaram a fazer negócios até ao presente, a região tornou-se numa das maiores Chinatown na Indonésia e no mundo fora. O interior da Igreja de Sião foi conservado por mais de 300 anos, o distinto altar, órgão, mobiliário, móveis e utensílios utilizados nas cerimónias pertencentes à época holandesa. Antes de deixar a igreja, visitei o cemitério holandês fora da igreja e encontrei um dos túmulos que é do vigésimo governador das Índias Orientais Holandesas, Hendrick Zwaardecroon, que governou a Batávia entre 1718 e 1725. As visitas que fiz às igrejas em Jacarta foram o equivalente a frequentar um curso de “Descoberta Geográfica”. Por lá em aprendi mais sobre a importante relação histórica entre a Indonésia, a Europa e a China. *1: “Sião” refere-se ao Monte Sião no sul de Jerusalém. O catolicismo refere-se a Jerusalém ou a Israel, e mais tarde usado como o nome geral da nação judaica. *2: Ambon, a capital das ilhas Molucas, na Indonésia. Explorador português, Francisco Serrão chegou a Ambon em 1512 e tornou-se numa colónia portuguesa em 1526. Artigo publicado no Macao Daily Newspaper em 12 de Junho de 2019
João Luz Vozes1984 a caminho [dropcap]S[/dropcap]empre ouvi dizer que uma das características culturais chinesas é a paciência, a forma como o país, o poder e as suas gentes lidam com o tempo, com uma espécie de dom de saber montar estratégias a longuíssimo prazo. Pois, parece-me que 50 anos é um prazo que está a custar muito a passar em Pequim. Vamos esquecer a fantasia do segundo sistema, da Lei Básica e dos acordos internacionais que estabeleceram as transferências de soberania. Hoje quero falar-vos das oportunidades trazidas pela Grande Baía. Além dos chavões, que já todos conhecíamos e que foram apresentados como “desígnios” para Macau, a notícia de que o sistema de crédito social estará a chegar a Guangdong, antes de se tornar obrigatório na China inteira em 2020, e fazer parte do projecto da Grande Baía é das coisas mais perversas que vi no meu horizonte político. Quando não conseguirem comprar um bilhete de avião, arrendar casa, ser promovido ou manter o emprego, por cometer o hediondo crime de pensar diferente, ou ser amigo de alguém que sai fora da ortodoxia do sacrossanto partido, quero ver o que vão fazer os filhos da terra que criticam as manifestações em Hong Kong. O privilégio de ter passaporte português é uma segurançazinha muito confortável, não é? Até dá para apoiar cegamente a autocracia. Mas quando lhes morder os calcanhares, quero ver se marcham alinhados, ou se marcham daqui para fora.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCorpo de Praia [dropcap]C[/dropcap]omo procuramos o corpo perfeito? Representações disto e daquilo que ditam o que é bonito e feio, ou aceitável. As formas como tentamos chegar a este corpo perfeito deixam imenso espaço para discussão. Devemos nós submetermo-nos à maravilha do controlo total do nosso corpo? Quando chegam os meses mais quentes, a pressão publicitária para encontrarmos (em nós) o corpo perfeito parece que se intensifica. As pessoas despem-se com o calor e com isso podem estar a mostrar aquilo que não é aceitável. A celulite, a gordura ou as estrias. Note-se que esta é uma dificuldade particularmente ocidental, talvez particularmente mediterrânica onde as praias são um estilo de vida. De qualquer modo, mesmo que os padrões de beleza se alterem, não deixam de existir – aqui e ali. Há do belo idadismo no que toca a estes corpos. Parece que os corpos velhos já não devem ter direitos de exposição como se fosse uma ofensa, passíveis de censura. Só que os padrões de beleza são construídos – e podem ser reconstruídos também. Não há nada de fundamental no corpo que envelhece, nós é que o essencializamos para algo que não convém a ninguém. ‘Basta’ transformamos a nossa forma de pensar para não nos chocarmos com a pouca perfeição e a velhice de cada um. As pessoas detentoras de vaginas e que se regem pela heteronormatividade das relações parece que cedem mais a estas pressões. Não porque são (só) homens que ditam padrões de beleza – apesar de serem sobretudo os homens. Estas dinâmicas vêm de uma expectativa relacional de que os homens são visuais e as mulheres não, que os homens cedem à tentação dos corpos e as mulheres não, e mais outras coisas parvas que aparecem nos estudos – e representações diárias – que mostram que as diferenças de género são estáticas, biológica e fisiologicamente definidas. Quando já deveríamos ter ultrapassado esta visão retrograda do género, do corpo e da beleza. A censura do corpo feminino leva a absurdos que continuam a prevalecer desde há décadas – provavelmente desde há séculos. Pêlos, mamilos, exposição a menos ou exposição a mais. Parece que o corpo tido como feminino é frequentemente escrutinado ora por uma razão ou por outra. Os burkinis são repressivos, os fios dentais progressivos – caso se tenha um rabo em condições de ser mostrado. Perfeito. O corpo é dissidente quando vai contra a corrente. Mas esta dissidência é só para os corajosos que ousam mostrar-se. Não é fácil submetermo-nos aos olhares de escrutínio constantes. Produz-se saber à naturalidade do corpo que tantos outros querem artificial. Tal como também se produz a artificialidade no sexo. Se o futuro do sexo passa por robôs que podem ser comprados de acordo com as nossas preferências corporais – levamos ao extremo o controlo que queremos ter sobre tudo. Nada contra a criação (e a criatividade) mas dá muita vontade pôr limites quando esta produção implica uma anulação completa do corpo tal como ele é. Estes corpos belos não são só os que têm feições bonitas ou que possuem características dignas de capas de revista actuais. Os corpos de variadas cores da pele, formas e cores de cabelo passam pelo crivo do ‘aceitável’ também. Num mundo onde ainda nos obcecamos pela beleza da pessoa caucasiana só demonstra o quão atrasados ainda estamos para abraçar a nossa beleza (essência?). Não é por acaso que certas gentes andam a criticar a nova pequena sereia da Disney – porque agora será negra. Como se já não estivéssemos demasiado cansados de (re)produzir o corpo aceitável, sem crítica, sem auto-reflexão, sem desejo de controlo. O corpo de praia é o que vai à praia – estou farta de dizer. Tornando o corpo político é o que nos permite ir à praia quando o corpo não é ‘belíssimo’ – de acordo com os critérios que andam aí.
Andreia Sofia Silva VozesQual o nosso lugar? [dropcap]O[/dropcap] recente caso do fim da licenciatura em tradução e interpretação chinês/português para nativos de português, no Instituto Politécnico de Macau (IPM), não é sinal de fraca estratégia do Governo ou do próprio IPM em prol do ensino da língua, mas é resultado da história do território, do seu sistema de ensino e das características socioculturais muito específicas. Em primeiro lugar, o ensino dos bilingues em Macau começou tarde e nunca teve uma estratégia por parte da Administração portuguesa, salvo raras excepções. Além disso, as comunidades de expatriados, e não falo apenas da portuguesa, nunca tiveram muito interesse na aprendizagem do chinês, por falta de necessidade no dia-a-dia. Presumo que em Hong Kong aconteça o mesmo, com a diferença de que o inglês é uma língua mais falada. É de lamentar o encerramento de uma licenciatura pensada para portugueses, ou para pessoas que dominem totalmente a língua, por falta de alunos. Faz-nos pensar no nosso papel em Macau nos dias de hoje, no papel que tivemos e no posicionamento que queremos ter no futuro. E contra mim falo, pois nunca encontrei espaço temporal e mental na minha agenda para aprender chinês. Com a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau à porta, queremos continuar a ser portugueses que apenas falam inglês?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesJurisdição além fronteiras [dropcap]A[/dropcap]pós o anúncio oficial da suspensão da revisão da lei dos condenados em fuga por parte da Chefe do Executivo, este processo chegou ao fim. Embora nos últimos dias ainda se tenham efectuado pequenas manifestações em Hong Kong, têm sido em geral demonstrações pacíficas. No entanto houve uma excepção, a invasão e vandalização do edifício do Conselho Legislativo. Na sociedade actual as pessoas têm a obrigação de se manifestar de forma pacífica, independentemente das causas que defendem. Ninguém pode apoiar manifestações que degeneram em motins e dão origem a violência física e a danos materiais. Uma sociedade evoluída permite que as pessoas manifestem as suas opiniões de forma pacífica e dá espaço para os diferentes pontos de vista. No entanto, não se pode aceitar o recurso à violência como forma de imposição das ideias de um determinado grupo de pessoas. É um comportamento que nos vemos forçados a condenar. Na sequência do ataque ao Parlamento, ficou a saber-se que o edifício não tinha seguro. Não se sabe se este lapso se deveu a uma recusa da companhia seguradora ou a um simples esquecimento por parte do Governo. Seja qual for o caso, este problema tem de ser resolvido. Claro que pôr trancas à porta depois da casa arrombada não é a melhor ideia e, neste caso, não sabemos que companhia seguradora irá estar interessada no negócio depois da vandalização do edíficio. Estamos sem dúvida perante um problema. Se não houver forma de fazer um seguro, será que podemos contar com uma alternativa? A questão central que desencadeou a vontade de rever a lei de extradição dos condenados em fuga foi o alegado crime perpetrado em Taiwan por um residente de Hong Kong. A revisão da lei foi suspensa. Não restam dúvidas que este suspeito vai beneficiar da suspensão revisão da lei. Já não vai ser julgado em Taiwan; significando que não irá responder pelas suas acções perante o Tribunal. No passado dia 28, o jornal Sing Tao Daily anunciou que Yang Yueqiao, deputado do Conselho Legislativo, escreveu à Chefe do Executivo manifestando vontade de ver aprovada a jurisdição extraterritorial do Tribunal de Hong Kong. Do ponto de vista legal, em princípio, um tribunal local só tem capacidade de julgar casos ocorridos no seu território; nas situações que se verificam fora de Hong Kong a legislação local não se aplica. As leis de Hong Kong não podem ser usadas como padrão em julgamentos de crimes praticados além fronteiras. No entanto, se for aplicada a jurisdição extraterritorial, as leis de Hong Kong podem passar a ser aplicadas a casos ocorridos fora do território. Desta forma o suspeito do homicídio de Taiwan poderia vir a ser julgado em Hong Kong. Mas esta possibilidade levanta dois problemas óbvios. Em primeiro lugar, estender a jurisdição local a um caso ocorrido além fronteiras é alargar o seu poder a território estrangeiro. Se as autoridades da outra região discordarem, que consequências poderão daí advir? Ou seja, se as autoridades de Taiwan não concordarem que o suspeito venha a ser julgado em Hong Kong e, por isso, não quiserem entregar as provas comprometedoras, o julgamento não se poderá efectuar. Em segundo lugar, o Governo de Hong Kon é um governo local. Estender a jurisdição da RAEHK a outras regiões está completamente para lá dos limites da Lei Básica da cidade. Sem o consentimento do Governo Central tal nunca será permitido. A possibilidade da jurisdição extraterritorial depende de vários factores, não parece fácil implementá-la para levar o suspeito do crime de Taiwan a comparecer perante a justiça. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesOs outros valores [dropcap]Q[/dropcap]uando valem os valores? Não falo de capital, de cartas hidrográficas de rios de dinheiro, de ábacos de contas recheadas. Falo de princípios, das fundações, dos parâmetros éticos que balizam acção e consciência, coração moral que não deveria ter preço de mercado, mas que é vendido às peças. Hoje em dia assistimos à falência das entidades supra-estatais que nasceram da evolução dos nossos melhores instintos enquanto espécie que tenta ao máximo sacudir os ares de barbárie. As Nações Unidas atribuíram, há uns anos, um papel importante à Arábia Saudita no Conselho dos Direitos Humanos, um país que manda assassinar jornalistas em embaixadas e que tem nos seus quadros operacionais especializados em amputar corpos com motosserra. Erdogan, depois de assinar acordos comerciais com a China, mostrou-se agradado com a “abertura” de Pequim ao permitir a entrada de observadores turcos nos campos de concentração onde uma parte significativa dos uigures estão a ser “reeducados” a serem algo que nunca foram. A Europa deixa morrer às suas portas centenas de pessoas desesperadas por um porto seguro, enquanto o Parlamento Europeu discute quem odeia mais Bruxelas ao som do Hino da Alegria. É sabido que a moral social evolui com oscilações, a ética não ascende a um ritmo estável em direcção a um mundo mais decente. Pelo caminho, outros valores se levantam e as mais bem-intencionadas vozes são abafadas pelo ensurdecedor volume do dinheiro.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesVisão de Oceanos Azuis de Osaka “Toward realization of the “Osaka Blue Ocean Vision” that we aim to reduce additional pollution by marine plastic litter to zero by 2050, which was shared at the G20 Osaka Summit, Prime Minister Abe announced that Japan will support developing countries’ efforts including their capacity building and infrastructure development in the area of waste management at the summit.” G20 Osaka Summit [dropcap]O[/dropcap] mecanismo de cooperação do Grupo dos 20 (G20), nas últimas duas décadas, conseguiu transformar-se de uma reunião de ministros de finanças e governadores de bancos centrais a um mecanismo multilateral de coordenação e diálogo conduzido pelos líderes do bloco, passando de uma estrutura de resposta a crises para um mecanismo de longo prazo, servindo como plataforma principal para a governança económica global. O G20 desempenhou um papel crucial, especialmente ao enfrentar a crise financeira e outros desafios globais. A comunidade internacional tinha grandes expectativas a Cimeira do G20, que se realizou em Osaka, entre 28 e 29 de Junho de 2019, para resolver alguns problemas globais urgentes. Em uma época em que o crescimento económico global está a diminuir, as fricções comerciais se intensificam e uma série de problemas de desenvolvimento estão a surgir, questões que incluem o crescimento económico, desenvolvimento sustentável e governança da Internet tinham de merecer especial atenção. Quanto ao crescimento económico global, é sabido, que desde 2018, a recuperação económica global tem enfrentado crescentes incertezas, embora os novos condutores da economia ainda se encontrem em preparação, a pressão negativa na economia aumentou, e ano passado, o crescimento económico global não conseguiu manter o ritmo de recuperação geral iniciado em de 2017. O crescimento da maioria dos países caiu, com poucas excepções. Os dados do “Fundo Monetário Internacional (FMI)” mostraram, em Abril de 2019, que a taxa de crescimento económica global em 2018 foi de 3,6 por cento, revelando uma queda de 0,2 por cento em relação ao ano anterior. O FMI prevê que a taxa continuará em declínio devendo ser de 3,3 por cento em 2019, a mais lenta desde 2010. A taxa de crescimento das economias desenvolvidas, em geral, no ano passado foi de 1,8 por cento, revelando uma queda de 0,4 por cento em relação ao ano anterior, enquanto para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento, foi de 4,4 por cento, revelando uma queda de 0,2 por cento. A longo prazo, uma taxa de crescimento inferior resulta em menor produtividade do trabalho. O crescimento da produtividade do trabalho nas economias desenvolvidas e em desenvolvimento, actualmente entrou em declínio, com o crescimento económico de muitos países em estagnação. Os factores decisivos para a melhoria da produtividade do trabalho, como a inovação tecnológica, acumulação de capital humano e a reforma dos mecanismos, não fizeram progressos substanciais. A eficácia desses factores também não foi maximizada. A nova revolução científica, tecnológica e transformação industrial está a dar origem a um grande número de diferentes indústrias, bem como a novas formas de negócios e modelos. No entanto, ainda é necessário tempo para realizar a transformação de controladores de crescimento e a acumulação de capital humano é lenta, as barreiras institucionais ao crescimento económico estão a tornar-se graves, enquanto os factores de crescimento para a recuperação são insuficientes. A reformulação das forças motrizes foi uma das principais agendas do G20. O proteccionismo global do comércio tem aumentado nos últimos anos e de acordo com o banco de dados “Global Trade Alert (GTA)”, que é uma organização criada em 2009, quando se temia que a crise financeira global levasse os governos a adoptar políticas generalizadas de estilo procurar o benefício do país à custa dos demais. Ainda dento desse âmbito, o GTA tem dado atenção especial às escolhas políticas dos governos do G-20, desde que os seus líderes fizeram a promessa de “nenhum proteccionismo” na Cimeira de Washington, realizada de 14 a 15 Novembro de 2008. Apesar de inicialmente concebido como uma iniciativa de monitorização de políticas comerciais, à medida que milhares de comunicações de políticas foram documentados, o GTA tornou-se uma matéria-prima amplamente utilizada para análise e tomada de decisões pelas empresas, associações industriais, jornalistas, pesquisadores, organizações internacionais e governos, o que reflecte o facto de o FMI ter dito em 2016, que o GTA tem a cobertura mais abrangente de todos os tipos de medidas comerciais discriminatórias e liberalizadoras do comércio. Segundo o GTA mais de dez mil medidas proteccionistas foram implementadas por dezanove membros do G20 de 2009 a 2018. Os Estados Unidos sendo a maior economia do mundo, implementou mil e seiscentas e noventa e três medidas, tornando-se o líder, com cento e sessenta e nove medidas proteccionistas por ano em média, das quais cento e noventa e sete foram adoptadas em 2018, o que representa um aumento de 28,8 por cento em relação ao ano anterior. A Alemanha introduziu mil e duzentas e vinte e cinco medidas no mesmo período, incluindo cento e quinze novas em 2018, que representam um aumento de 113 por cento. Os países numa época em que o proteccionismo é abundante, devem fazer esforços maiores para impulsionar a liberalização do comércio e chegar a acordos sobre a construção de zonas de livre comércio em todo o mundo. O proteccionismo tornou-se um dos principais impedimentos ao comércio mundial. A “Organização Mundial de Comércio (OMC)”, em Abril de 2019, fez uma previsão preliminar de que o comércio mundial de bens cresceu apenas 3 por cento em 2018, menos 0,7 por cento que a previsão de Setembro desse ano. É de esperar que o crescimento do comércio mundial diminua para 2,6 por cento em 2019, o que representa uma queda de 1,1 por cento em relação à previsão anterior. A “Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD na sigla inglesa)” divulgou em Janeiro de 2019 no seu “Global Investment Trend Monitor”, que os “Influxos de Investimentos Estrangeiros Directo (IED)”, em 2018 caíram 19 por cento em relação ao ano anterior, assinalando o terceiro ano consecutivo de queda. O IED global encontra-se no seu nível mais baixo em uma década, muito inferior ao recorde histórico de 2007, e daí que os membros do G20 precisam de tomar medidas concretas para implementar documentos políticos, como o “Acordo sobre a Facilitação do Comércio da OMC”, a “Estratégia do G20 para o Crescimento do Comércio Global” e os “Princípios Norteadores do G20” para a formulação de políticas globais de investimento para estimular o comércio e o investimento. Os membros do G20 devem dar o exemplo implementando o “Plano de Acção do G20” na “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” aprovado na Cimeira do G20 em Hangzhou realizada de 4 a 5 de Setembro de 2016 e cumprir os compromissos específicos assumidos por todos os membros na Cimeira de Hamburgo, realizada de 7 a 8 de Julho de 2017. Os membros devem simultaneamente trabalhar com as partes interessadas para promover a implementação da “Agenda 2030” em todo o mundo de forma a garantir que os seus objectivos sejam cumpridos a tempo. Os membros a nível nacional e internacional, necessitam de cooperar mais nas acções do G20 com a “Agenda 2030”, como a “Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento”, que produziu o acordo denominado de “Agenda de Acção de Addis Abeba”. O apoio aos países em desenvolvimento deve ser fortalecido e maior número de bens públicos devem ser fornecidos para alcançar esses objectivos. Aquando da Cimeira de Hamburgo, foi divulgado pela primeira vez o “Relatório Anual de Progresso” detalhando os compromissos seleccionados do G20 com a implementação da “Agenda 2030”, que reconhece a importância da inclusão financeira como multiplicadora da erradicação da pobreza, criação de empregos, igualdade de género e empoderamento das mulheres. Na Cimeira de Buenos Aires, realizada de 30 de Novembro a 1 de Dezembro de 2018, a “Actualização de Buenos Aires” delineou as acções colectivas e concretas do G20 para alcançar a agenda. A Cimeira de Osaka avaliou o progresso e a implementação do mais recente plano de acção, tendo alcançado ao mesmo tempo novos consensos e planos para acções concretas no futuro. A conectividade de infra-estrutura cria uma base sólida para o desenvolvimento sustentável e prosperidade global. Actualmente, existe uma séria escassez de investimentos em infra-estrutura, especialmente em áreas como o transporte, energia e comunicação. O “Global Infrastructure Hub” é a única organização dedicada exclusivamente à infra-estrutura nos mercados desenvolvidos e emergentes e concentra-se em colaborar com governos, sector privado, bancos multilaterais de desenvolvimento e outras organizações internacionais para promover o ambiente propício, que permitirá a identificação e desenvolvimento de projectos de infra-estrutura que sejam de alta qualidade, resilientes, sustentáveis e necessários a uma rápida evolução. O seu objectivo é ajudar a preencher a lacuna entre os sectores público e privado, ajudando os governos a libertar triliões de dólares em investimentos privados para financiar a infra-estrutura pública, criando economias produtivas e cidades mais habitáveis. O “Global Infrastructure Hub” funciona assim como uma plataforma de projecto de infra-estrutura global lançada pelo G20, para ligar os sectores público e privado, prevendo que a necessidade de investimento em infra-estrutura chegará a noventa e quatro triliões de dólares até 2040. Os países e regiões, incluindo os membros do G20, são deficientes na coordenação dos seus planos de desenvolvimento de infra-estrutura, padrões de construção e normas de gestão, o que prejudicou a melhoria do facilitamento do comércio e investimento e a construção de uma rede de livre comércio de alto padrão. O G20, não obstante, atingiu uma série de consensos nos últimos anos para promover a conectividade de infra-estrutura e por exemplo, em 2014, foi criado um grupo de trabalho sobre investimento e infra-estrutura. A Cimeira de Hangzhou, dois anos mais tarde, aprovou documentos importantes, incluindo a “Declaração Conjunta de Aspirações em Acções para Apoiar o Investimento em Infra-estrutura” por onze bancos multilaterais de desenvolvimento e endossou a “Aliança Global de Conectividade de Infra-estrutura”, para promover sinergia e cooperação entre vários programas de conectividade de infra-estrutura. A Cimeira do G20 de 2018 listou a infra-estrutura como uma das suas três prioridades e aprovou o “Roteiro para Infra-estrutura” como uma “Classe de Activos” e os “Princípios do G20” para a “Fase de Preparação do Projecto de Infra-estrutura”. Assim, a Cimeira de Osaka podia tomar medidas para abordar o deficit de financiamento, a normalização contratual e chegar a um novo consenso sobre infra-estrutura de qualidade. A China está preparada para fortalecer a cooperação com outras partes dentro dos quadros G20 e a “Iniciativa Faixa e Rota”, estabelece um sistema de investimento e financiamento de infra-estrutura global diversificado e eficaz. A China reiterou a sua disposição de cooperar com os outros membros para promover a infra-estrutura de qualidade e fornecer uma garantia forte para a globalização económica por meio de uma rede de conectividade segura, conveniente e desembaraçada. Quanto à governança do ciberespaço, ao integrar-se em todos os aspectos da vida social, a Internet está a mudar profundamente os métodos de produção e de vida das pessoas, e para aproveitar em conjunto as oportunidades digitais, abordar os desafios digitais e impulsionar o crescimento global, a “Iniciativa de Desenvolvimento e Cooperação em Economia Digital” do G20 que foi lançada durante a Cimeira de Hangzhou, inclui a promoção do fluxo de informações para o crescimento económico, a confiança e a segurança, além de oferecer suporte às políticas para um ambiente aberto e seguro. A “Declaração Ministerial da Economia Digital” do G20 e vários documentos como os “Princípios Digitais” do G20, “Preenchimento da Divisão de Género Digital”, “Medição da Economia Digital” e “Aceleração da Infra-estrutura Digital para o Desenvolvimento” foram adoptados durante a “Reunião Ministerial do G20 sobre Comércio e Economia Digital”, em 2018. Os membros do G20 na Cimeira de Buenos Aires reafirmaram a importância da segurança das tecnologias de informação e comunicação e concordaram em continuar os trabalhos sobre inteligência artificial, novas tecnologias e plataformas de negócios. O consenso foi alcançado sobre a maximização do impacto positivo da digitalização e das novas tecnologias no crescimento e produtividade inovadores. Os principais países estão agora a concentrar-se na importância da segurança da informação cibernética. Ainda que a Internet desempenhe um papel insubstituível na comunicação social e nas actividades empresariais, a cooperação na governança do ciberespaço não satisfez a procura de segurança da informação da maioria dos países e regiões. A segurança da informação cibernética inclui a protecção de sistemas de computador, “hardware”, “software” e dados de dispositivos móveis de serem roubados ou destruídos, além de salvaguardar a economia digital e informações comerciais. Os crimes e ataques no mundo cibernético representam uma ameaça comum a governos, empresas e indivíduos, e em particular, evitar a espionagem, terrorismo e até mesmo guerras no ciberespaço para garantir uma ordem económica saudável é uma tarefa urgente para os membros do G20. O G20, para tanto, como principal plataforma de governança global, deve desempenhar um papel importante. O esforço concertado deve ser feito para melhorar a aplicação segura das tecnologias de informação e comunicação, e para combater o uso indevido de actividades criminosas e terroristas. Os membros do G20 também devem trabalhar em conjunto para promover a cooperação em áreas como as tecnologias de informação e comunicação, aplicação da lei, pesquisa e desenvolvimento, inovação e a capacitação institucional. O G20 tem mostrado uma crescente fragmentação na luta contra as alterações climáticas e para acabar com o proteccionismo, em uma Cimeira em que a conquista mais notável foi a trégua entre os Estados Unidos e a China sobre o seu conflito comercial. Assim, durante a reunião de dois dias em Osaka, os líderes do G20 só conseguiram chegar a um acordo sobre uma declaração que reconhece os “riscos” enfrentados pela economia global e todos os países, excepto os Estados Unidos, reafirmaram os seus compromissos ambientais dentro do “Acordo de Paris”. O primeiro-ministro japonês quis mostrar a unidade no termo da reunião, ao afirmar que todos os países tinham apoiado os fundamentos do livre comércio e encontrado um área comum sobre as alterações climáticas apesar das suas diferenças. É difícil encontrar uma solução para tantos desafios globais, mas pelo menos conseguiu-se encontrar uma vontade comum em muitas áreas. O texto final assinala a intensificação das tensões geopolíticas e comerciais, mas não se inclui nenhuma menção ao auge do proteccionismo, tal como pretendia uma parte maioritária de países, face aos múltiplos conflitos comerciais abertos pelos Estados Unidos. A conclusão refere aos trabalhos em conjunto para conseguir um ambiente de investimento livre, justo, não discriminatório, transparente, previsível e estável para manter os mercados abertos. O avanço mais significativo no actual contexto de crispação global sobre o comércio, chegou com a esperada reunião entre os presidentes dos Estados Unidos e da China que acordaram continuar com as negociações e interromper parte das medidas restritivas que aplicam. Quanto às alterações climáticas, os países reafirmaram a irreversibilidade do “Acordo de Paris” e comprometeram-se à plena implementação das suas medidas nacionais contra as alterações climáticas, com excepção dos Estados Unidos. À declaração final foi acrescentado um parágrafo que menciona que os Estados Unidos reiteram a sua decisão de se retirar do “Acordo de Paris” porque supõe uma desvantagem para os trabalhadores e contribuintes americanos e que apesar de tudo (aloucadamente) é reconhecido como líder na protecção ambiental. O presidente americano ao ser inquirido sobre o tema respondeu que não está disposto a sacrificar o potencial do seu país que tem os melhores dados que alguma vez conseguiu em matéria ambiental. O presidente francês propôs alterar o formato do G20 para conseguir acordos mais eficazes sobre o tema ambiental. O texto final contém apesar de tudo o objectivo de reduzir a zero a poluição de plásticos nos oceanos até 2050, meta que foi baptizada como “Visão de Oceanos Azuis de Osaka” e que deve ser alcançada enquanto se reconhece o papel importante do plástico para a sociedade. As organizações ecológicas como a “Greenpeace”, o “Centro Japonês para uma Sociedade Sustentável e Meio Ambiente” e os “Amigos da Terra” rejeitaram por inadequadas as medidas acordadas sobre as alterações climáticas e resíduos de plástico, e organizaram protestos em Osaka aquando da Cimeira.
João Santos Filipe VozesQuanto vale a face? [dropcap]O[/dropcap] que mais me impressiona nos acontecimentos de Hong Kong é a forma como a Chefe do Executivo, Carrie Lam, tem lidado com toda uma geração. Não é segredo que os protestos são em grande parte motivados por jovens. Face à geração mais nova o que faz a Chefe do Executivo de Hong Kong? Ignora-a, autoriza a polícia a carregar cegamente neles e, depois, faz todo o tipo de jogadas, como a retirada da polícia do LegCo, impensável em qualquer parte do mundo, para ganhar alguma razão. Nos últimos dias, Carrie Lam não cedeu um milímetro. A suspensão da lei não é o mesmo que retirada. E se a CE quer ser humilde, corte o mal pela raiz e retire a lei. Comece de novo! Mas não, Carrie não ouve os mais jovens nem uma única vez. Entre as cinco exigências dos manifestantes não aceitou nenhuma. Para ela, a “face” esteve sempre acima da geração que a classe dela abandonou. Estamos a falar de miúdos que sabem que nunca vão ter uma casa digna na terra deles e que não só são ignorados como expulsos do sistema político. Os deputados que elegeram são expulsos do LegCo, os colegas que lutaram por liberdades individuais consagradas na Lei Básica foram presos e nem quando pediram garantias sobre a Lei de Extradição foram ouvidos. Carrie Lam preferiu negociar com os colegas do crime do colarinho branco para garantir votos e passar a lei. Correu-lhe mal. Mas em todo este processo, Carrie Lam só pensou na sua “face” e pela sua “face” está disposta a sacrificar uma geração inteira de jovens de Hong Kong. A forma como o Governo de Hong Kong está preparado para colocar na prisão uma geração inteira, pelo problema que ele próprio criou, é deprimente. E o pior é sabermos que para Lam está tudo bem. Afinal de contas, os filhos dela têm passaporte britânico e podem sempre emigrar.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDesvalorização da educação [dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira da semana passada os jornais de Hong Kong publicaram a notícia do suicídio de uma jovem universitária. No bilhete que deixou, apelava à manutenção da luta contra o projecto de lei de extradição dos condenados em fuga. Lembrava que os esforços empreendidos por dois milhões de pessoas não podiam ser desperdiçados. A notícia também adiantava que a jovem tinha rompido com o namorado. Durante o período de luta contra a lei de extradição já morreram duas pessoas. A primeira foi o homem que se suicidou em Admiralty e agora esta rapariga. Dois suicídios merecem alguma reflexão. Porque é que os jovens são actualmente tão frágeis? Porque é que encaram o suicídio como saída? É compreensível que o suicídio possa ser visto como uma forma de fugir dos problema, mas não os resolve de forma alguma. Os adultos devem enfrentar as dificuldades e lidar com elas com calma. O suicídio, para além de ser uma forma de fuga, provoca grande sofrimento aos familiares. Praticar suicídio por causa da lei de extradição provoca sofrimento à sociedade em geral. Se estes suicídios provocarem problemas sociais desnecessários, então serão ainda mais inaceitáveis. Muitas das pessoas envolvidas nas manifestações contra a lei de extradição são universitários e estudantes do secundário. Existirá um problema no sistema educativo que leve os estudantes a sair para a rua e defenderem as suas opiniões? Penso que a resposta a esta pergunta é muito complexa e não pode ser dada sucintamente. No entanto, uma coisa é certa. Hong Kong era relativamente pobre nos anos 60 e 70. Apenas uma percentagem mínima podia aceder ao ensino superior. Nos anos 80, Hong Kong começou a enriquecer. A pessoas compreenderam que a educação proporciona um futuro melhor. Por isso, nesta altura, houve uma corrida às Universidades, toda a gente queria ter um doutoramento. Pensavam que não teriam de se preocupar com o futuro nunca mais; a entrada na Universidade era um feito glorioso. Nos anos 90, viveu-se a febre do investimento. Imensa gente investiu dinheiro na Bolsa e em vários negócios. Além disso o Governo criou mais cursos superiores para compensar a saída de especialistas para o estrangeiro. Em comparação com os anos 70 e 80, a cotação do ensino superior começou a baixar. Além disso tinha deixado de ser necessário um grau universitário para ganhar dinheiro. Hoje em dia o preço das casas em Hong Kong e em Macau é altíssimo. Alguém que tenha acabado de se formar não consegue comprar um apartamento. A educação superior já não pode proporcionar um futuro radioso. Os jovens começam a desvalorizar o ensino universitário, e interrogam-se se vale a pena perder tempo a frequentar uma Faculdade. Trabalham apenas para a nota que garante passarem. Tudo o que vai para além disso é excessivo. Como não concentram as suas energias nos estudos, aplicam-nas noutras coisas. Coisas essas que podem ser, por exemplo, lutas sociais. Questões de ordem social geram naturalmente problemas sociais. A participação dos estudantes nas manifestações está intimamente ligada à sua atitude perante o estudo. Portanto, se não se ultrapassarem os problemas económicos e de qualidade de vida, será muito difícil Hong Kong voltar a ser uma sociedade harmoniosa e inclusiva. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Andreia Sofia Silva VozesA arte de engonhar [dropcap]A[/dropcap]s autoridades de Macau são peritas na chamada arte do engonhanço. Em bom português, a expressão engonhar ou engonhanço significa tudo o que é oposto à decisão ao acto de fazer. Perde-se tempo pelos mais variadíssimos motivos e interesses. O projecto da Biblioteca Central de Macau é um excelente exemplo de engonhanço: há mais de dez anos que está para se fazer. Depois das polémicas com os concursos públicos e com alegados plágios de projectos de arquitectura que foram negados, a obra avança. Eis que, afinal, há ainda uma coisa que não está bem, e surge em cena Chan Tak Seng, da Aliança do Povo da Instituição de Macau, para dizer que, afinal, a Biblioteca Central de Macau não deveria ser ali, num lugar central como é a avenida da Praia Grande porque, pasme-se, tem muitas pessoas e carros e é uma localização mais comercial. Pergunto-me porque é que este membro do Conselho do Planeamento Urbanístico quer agora alterar um plano que já foi mudado muitas vezes e adiá-lo para quando o novo Executivo tomar posse. Para quê mais meses de, lá está, engonhanço, quando o CPU já debateu este projecto inúmeras vezes e já existem adjudicações? Se é assim com uma biblioteca, imagine-se com tudo o resto que é obra pública.
Olavo Rasquinho VozesInfluência das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais [dropcap]D[/dropcap]esde que o planeta Terra se formou, há cerca de 4,54 mil milhões de anos, a atmosfera tem vindo a sofrer alterações na sua composição química, conteúdo em aerossóis e temperatura média. Também o clima, que na sua definição mais simplista é a média das condições meteorológicas num período de pelo menos trinta anos, se tem alterado ao longo dos éones. Exemplos das consequências destas alterações são as numerosas glaciações que o nosso planeta tem sofrido. Todas essas oscilações do clima tiveram causas naturais. Acontece, porém, que desde o início da era industrial, há menos de dois séculos, o clima se tem alterado de tal maneira que há praticamente unanimidade no meio científico de que as causas estão relacionadas com o aumento da concentração dos gases de efeito de estufa. Segundo o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC), é 95% certo que as causas sejam antropogénicas, devidas principalmente ao uso intensivo de combustíveis fósseis. O IPCC é merecedor de toda a credibilidade, na medida em que foi criado por duas entidades das Nações Unidas, a Organização Mundial de Meteorologia e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. O principal objetivo do IPCC é disponibilizar aos decisores políticos avaliações científicas regulares sobre as alterações climáticas, assim como opções de adaptação e mitigação, alertando também para os riscos futuros. O IPCC não realiza a sua própria investigação, mas os seus cientistas recorrem a milhares de trabalhos de investigação publicados em todo o mundo e elaboram com certa regularidade relatórios de avaliação sobre as alterações climáticas (Assessment Reports on Climate Change). Desde a sua criação, em 1988, o IPCC já elaborou cinco relatórios deste tipo e está preparando o sexto, que se prevê que esteja pronto no primeiro semestre de 2022. Uma das organizações que tem vindo a colaborar com o IPCC, através de relatórios sobre a avaliação da influência das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais, é o Comité dos Tufões (ESCAP/WMO Typhoon Committee), cujo secretariado está sediado em Macau desde 2007. É uma realidade comprovada que o teor em gases de efeito de estufa na atmosfera tem vindo a aumentar, com especial relevo para o dióxido de carbono. A célebre curva de Keeling mostra que, desde 1958, altura em que se iniciou de maneira sistemática a medição da concentração do dióxido de carbono na atmosfera, o seu teor tem vindo a aumentar progressivamente. Consultando o website “Earth’s CO2 Home Page” (https://www.co2.earth/keeling-curve-monthly) pode-se verificar que a concentração do dióxido de carbono no observatório de Mauna Loa (Hawai), passou de menos de 300 partes por milhão (ppm) em 1958 para mais de 400 ppm na atualidade. Estima-se que no início da era industrial era cerca de 280 ppm. Mesmo após 2005, ano em que entrou em vigor o Protocolo de Quioto, que não chegou a ser ratificado pelos Estados Unidos da América, não se nota na curva de Keeling qualquer decréscimo de concentração de dióxido de carbono, antes pelo contrário. Curva de Keeling De acordo com este protocolo os países assinantes comprometeram-se a tomar medidas para o decréscimo de emissões de gases de efeito de estufa, em particular do dióxido de carbono. Poder-se-á afirmar que o Protocolo de Quioto não cumpriu os seus objetivos. Infelizmente o mesmo parece estar a acontecer com o Acordo de Paris, estabelecido em 2015, que volta a preconizar medidas para a diminuição das emissões de gases de efeito de estufa. Desde o início da era industrial que houve um aumento da temperatura média do ar de cerca de um grau Celsius, o que parece ser pouco, mas se pensarmos que basta um aumento de algumas décimas de grau para que a água passe do estado sólido para o estado líquido, quando a sua temperatura está próxima dos zero graus, facilmente se compreende as graves implicações desta subida de temperatura. As imagens de satélite mostram com clareza a rápida diminuição das calotas polares. Com base nos estudos recolhidos pelo IPCC poder-se-á perguntar: qual será a influência das alterações climáticas nos ciclones tropicais? A resposta não é fácil, mas parece que seria provável uma maior atividade desses fenómenos meteorológicos, atendendo a que o aquecimento do ar e do mar é uma realidade e que os ciclones tropicais se formam sobre as áreas mais aquecidas dos oceanos. No entanto, a elevada temperatura da superfície do mar não é a única condição para a formação dos ciclones tropicais. Sabe-se, em termos estatísticos, que para que ciclones tropicais se formem, devem ocorrer simultaneamente as seguintes quatro condições: – Temperatura da superfície da água do mar de pelo menos 26,5 graus Celsius; – Uma perturbação no campo da pressão atmosférica nos níveis baixos da troposfera (depressão ou vale); – Um anticiclone nos níveis altos da troposfera; – Pequena variação na vertical da velocidade e direção do vento (cisalhamento vertical ou, em inglês, vertical wind shear). Se ocorrerem simultaneamente estas quatro condições é muito provável a formação de um tufão se o fenómeno ocorrer no noroeste do Pacífico ou no Mar do Sul da China, um furacão no Atlântico ou no Pacífico oriental (a leste da linha de mudança de data), um ciclone se for no Índico. Para estudar a evolução do clima recorre-se a registos de dados meteorológicos referentes a muitas dezenas de anos e a modelos físico-matemáticos com os quais se podem tirar conclusões sobre como reagem a atmosfera e os oceanos à maior ou menor quantidade de gases de efeito de estufa. E é isso que os climatologistas têm vindo a fazer e as conclusões não são nada otimistas no que se refere às consequências, nomeadamente o degelo das calotas polares, a subida do nível médio do mar, maior frequência de fenómenos meteorológicos extremos, como por exemplo ondas de calor, desertificação em determinadas regiões e chuvas intensas noutras, etc. Como os ciclones tropicais se formam sempre no mar, onde as observações meteorológicas são muito mais escassas do que em terra, não há um registo longo da ocorrência destes fenómenos. Essas observações eram quase exclusivamente obtidas, antes do advento dos satélites meteorológicos, com recurso a boias e tripulações de navios. Como seria expectável, quando havia indícios dessa formação, como por exemplo diminuição brusca da pressão atmosférica e aumento do vento e da nebulosidade, os navios manobravam para se afastarem. Por outro lado, a quantidade de boias com equipamento meteorológico era escassa e perdiam-se ou deterioravam-se facilmente. Estas limitações implicaram escassez de dados referentes à formação de ciclones tropicais antes de meados da década de sessenta do século passado, aquando do advento dos satélites meteorológicos, o que teve como consequência que as conclusões dos estudos sobre a evolução da intensidade e frequência dos ciclones tropicais só passaram a ser mais fiáveis a partir dessa altura. De acordo com o Quinto Relatório de Avaliação sobre as Alterações Climáticas do IPCC (Fifth Assessment Report on Climate Change – AR5), editado em 2014, não se podem tirar conclusões seguras sobre se as alterações globais ou qualquer outra causa particular tenham influenciado a atividade dos ciclones tropicais. No entanto, no que se refere ao Atlântico Norte, constatou-se que essa atividade tem aumentado desde 1970. No que se refere aos ciclones tropicais que ocorrem no noroeste do Pacífico e no Mar do Sul da China, o Comité dos Tufões tem vindo a elaborar relatórios sobre as implicações das alterações climáticas nesses fenómenos, antevendo-se aumento de intensidade, mas diminuição da frequência. Não é absolutamente certo que assim seja, mas há a certeza de que, considerando a tendência de aumento da pressão demográfica nas áreas tradicionalmente afetadas por tufões, cada vez mais gente ficará exposta a estes fenómenos.
João Santos Filipe VozesBaía e Mi Jian [dropcap]A[/dropcap] UM apresentou um estudo sobre a vontade dos residentes participarem na Grande Baía. A informação disponibilizada aos jornalistas foi muito limitada pelo que os comentários merecem alguma cautela. No entanto, houve um ponto que me levantou muitas dúvidas, nomeadamente o “perfil tipo” das pessoas mais disponíveis para participarem na Grande Baía. Segundo as conclusões, entre as profissões mais interessadas estão “deputados”, “chefias de departamentos do Governo” e “líderes de associações”. Acredito que as respostas desse tipo de entrevistados tenham sido essas, mas são pouco credíveis e são políticas. Se olharmos para deputados, os ordenados no Interior da China são muito mais baixos do que em Macau e não são profissões sem risco. Se forem acusados de corrupção ou algo semelhante, os deputados ou chefias do Governo arriscam-se a ser condenadas à morte no Interior da China ou a longos tempos da prisão. Com um salário mais baixo e com estes riscos, alguém acredita que um deputado ou membro do Governo trocasse o seu cargo por outro na Grande Baía? Eu não acredito. Outra nota para as denúncias de corrupção contra Mi Jian, da Direcção de Estudos e Políticas. Segundo um comunicado do Governo, houve um encontro interno, na sexta-feira passada, para falar das denúncias com todos os trabalhadores. Mas, um porta-voz desses Serviços disse ao Jornal de Tribuna de Macau, no Domingo, que só sabia das queixas pela imprensa. Ridículos. Se Mi Jian quer que as pessoas acreditem na sua inocência, em vez de emitir comunicados que cheiram a estalinismo por todo o lado devia ter organizado uma conferência de imprensa. Agarrar o touro pelos cornos. Em vez disso a sua direcção andou a “dizer inverdades” aos jornalistas. Fica-lhe bem, principalmente quando espera que as pessoas acreditem na sua palavra face às acusações de corrupção.