A segurança informática é uma treta

Portugal ficou quase parado no que concerne ao sistema informático, ao nível de empresas, bancos, hospitais e obviamente de segurança geral. Os criminosos informáticos atacaram forte e feio. Começaram pela Impresa, a empresa proprietária do semanário Expresso e da SIC. Logo aqui, mostraram como um apagão informático pode prejudicar milhares de pessoas e provocar um prejuízo económico significativo.

Mas, logo de seguida veio o maior ataque. Algo de impensável numa multinacional de telecomunicações como a Vodafone. Cerca de cinco milhões de pessoas ficaram sem poder comunicar, não puderam telefonar, receber mensagens, trabalhar nos computadores ou ver televisão.

Foi um apagão fortíssimo que prejudicou de uma forma inacreditável a inactividade dos movimentos bancários, as comunicações oficiais entre polícias e militares, os contactos entre os membros do Governo ou mesmo o trabalho na Presidência da República. Foi um apagão gravíssimo, chocante e prejudicial que obrigou a própria Vodafone a mandar vir os melhores peritos em informática para paulatinamente ir reactivando o sistema.

Pergunta-se como é que uma companhia de tão grande importância como a Vodafone não tem um supersistema de segurança que contrarie estes ataques criminosos? Foram dois dias de desespero. O ciberataque à operadora ainda afectou os serviços importantíssimos dos Bombeiros, a rede Multibanco e o INEM que é um serviço de salva-vidas com as suas ambulâncias sem poderem movimentar-se devido à falta de comunicação com a central. E até aconteceu algo de caricato.

Imaginem a Polícia Judiciária a pretender investigar o ataque e ficou sem rede de telefones e sem poder funcionar, incluindo serviços de piquete, que servem de atendimento ao público e recebimento de queixas. Foi um ataque sem precedentes, nunca aconteceu um caso com tanto impacto, em tantos sistemas e de forma transversal e de uma dimensão inédita por ter afectado várias plataformas distintas, bloqueando os serviços de voz, SMS, dados e TV dos clientes. Todos os especialistas que contactámos concordaram num ponto: este foi um ataque inédito, que fica para a história, e com características que fogem às tendências relacionadas com a obtenção de resultados financeiros por parte dos atacantes, que normalmente avançam com pedidos de resgate para os dados cifrados.

Em vários países da Europa cada vez tem havido mais ataques informáticos, mas quase todos eles com o fim da obtenção de muito dinheiro. Tudo indica que se tratou de um ataque sofisticado, direccionado especificamente a vulnerabilidades estudadas na infraestrutura da Vodafone, de cariz terrorista, ou um ataque fortuito, de alguém que teve acesso a credenciais com privilégios elevados. É difícil de perceber para quem não está por dentro da investigação, mas os especialistas dizem que nenhum dos casos está fora de causa.

Este caso demonstra uma coisa, a questão não é se vamos ser atacados outra vez mas quando e que os ataques podem acontecer de forma sofisticada ou explorando uma vulnerabilidade em sistemas mais antigos. Este será o principal desafio a todo o segmento empresarial, com mais impacto no Estado. O que se pode concluir à partida, é que a segurança informática em Portugal é uma treta. Não estamos preparados tecnologicamente para enfrentar os criminosos informáticos e qualquer dia estamos um mês sem internet.

E os ciberataques não ficaram por aqui. O principal laboratório de análises clínicas, e não só, Germano de Sousa, viu igualmente atacado todo o sistema do grupo e o receio principal quedou-se na possibilidade de a intenção ter sido a caça aos milhares de dados dos clientes do grupo laboratorial. O ataque afectou o contacto com os postos de colheita para os testes covid-19. Foi cortada a informação com o grupo CUF e outros hospitais. Neste caso também não houve qualquer pedido de resgate. No entanto, continuamos a pensar que a maioria das grandes empresas e instituições não possui sistemas de segurança informática e, se for assim, podemos no futuro ter imensos dissabores.

Grande dissabor poderia ter sido uma tragédia que na semana passada o FBI dos EUA transmitiu à Polícia Judiciária portuguesa. Um jovem universitário de 18 anos, viciado há dois anos em vídeos de massacres em universidades, preparava-se para na passada sexta-feira levar a cabo um atentado terrorista na sua universidade lisboeta que poderia matar dezenas de colegas, segundo o imenso equipamento que foi descoberto em casa do jovem. Os pais e alunos do estabelecimento de ensino ficaram em estado de choque e alguns alunos não conseguiram deslocar-se para a universidade. Segurança, palavra indispensável que deve permanecer nas mentes de quem tem responsabilidade. A segurança das pessoas ou dos benefícios nas nossas vidas como as telecomunicações têm de ser vistos de forma diferente e, sem dúvida, as regras têm de ser alteradas e obrigar a criar novos sistemas de segurança para bem de todos os habitantes no planeta.

*Texto escrito com a antiga grafia

14 Fev 2022

Depois da tempestade vem a bonança

De acordo com o calendário chinês, 2022 é o Ano do Tigre. Os tigres são animais ferozes, solitários e impiedosamente territoriais. Os machos dominantes expulsam todos os outros dos seus domínios. Os homens e os tigres encontram-se ao mesmo nível na cadeia alimentar desde o início dos tempos.

Durante as festividades de Ano Novo, todos trocam cumprimentos auspiciosos, chegando mesmo a transformar o tigre em personagem de desenhos animados. Mas na realidade, 2022 é um ano muito sombrio para o mundo e para a China. A Polícia Judiciária (PJ) de Macau assinalou na sua súmula do Trabalho da PJ em 2021 que “este ano (2022) marca a realização de importantes conferências políticas do nosso país e a implementação de importantes políticas económicas da RAEM, a interferência e ataques de forças externas serão inevitavelmente mais intensos”.

Numa cidade pequena como Macau, não reparei em quaisquer ataques de forças externas, mas sei de ciência segura que dois ex-directores dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) são suspeitos de corrupção e que Mok Ian Ian deixa a Presidência do Instituto Cultural e que a directora dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, Chan Pou Ha, vai deixar o cargo, já que se vai aposentar. Depois de terem decorrido mais de dois anos após o surto da COVID-19, para além da implementação de um conjunto de medidas anti-pandemia, o Governo da RAE tem sido incapaz de ajudar as pequenas e médias empresas e os cidadãos mais desprotegidos a ultrapassarem os impactos desta situação. Já todos sofremos bastante os efeitos da tempestade, mas ninguém ousa dizer quando virá a bonança.

As palavras bonitas são reconfortantes, mas em nada ajudam. Em 2021, Macau sofreu tremendas mudanças a nível político e económico. Uma política unilateral conduziu à ausência de supervisão efectiva à administração do Governo da RAE e o atraso nas reformas políticas tem criado problemas constantes no sistema político. A rectificação drástica do sector do jogo e a extinção das salas VIP podem vir a ter um efeito de tsunami na economia de Macau. Se o Governo da RAE não tiver um plano de medidas de contra-ataque, quando a vaga de desemprego e de extinção de negócios chegar, teremos motivos para temer circunstâncias desastrosas para Macau.

Na súmula do Trabalho da PJ em 2021, destacava-se a importância das “conferências políticas do nosso país a realizar em 2022”. Estas conferências políticas não só afectarão Macau, mas serão cruciais para o desenvolvimento da China, das suas relações com Taiwan e ainda para o desenvolvimento das relações Sino-Americanas. Se as “forças externas” são verdadeiramente aterradoras, como frequentemente são designadas pelo Governo da RAE, imagino que só as partes envolvidas o saberão. Mas, penso que o que realmente afecta a situação global, são as questões internas. Não foi a última palha que partiu as costas do camelo, mas os pesos que o dono lhe punha constantemente às costas!

Os tigres não são animais assustadores? Um livro chinês muito antigo relata-nos uma conversa de Confúcio. Certo dia, passava o Mestre com os seus discípulos pela Montanha de Taishan, quando ouviu o choro convulsivo de uma mulher. Confúcio mandou um discípulo perguntar à mulher o motivo do seu desgosto. A mulher respondeu, “O meu sogro e o meu marido tinham sido mortos aqui por um tigre e agora o meu filho teve o mesmo destino.”  Confúcio perguntou-lhe porque é que ela não tinha partido daquele sítio fatal para fugir do tigre, e ela respondeu que não tinha fugido porque naquela zona não existia um Governo opressivo. Depois de ter ouvido a resposta, Confúcio disse aos seus discípulos para terem sempre presente que “um Governo opressivo é mais feroz do que um tigre.”

Muitos chineses conhecem esta história, quer sejam pessoas do povo, quer pertençam às classes dirigentes. Se todos tivessem conseguido compreender o verdadeiro significado da história, acredito que muitos incidentes infelizes da história chinesa podiam ter sido evitados. Embora o tigre seja um animal feroz, se não for provocado ou maltratado, não ataca os humanos por iniciativa própria. Da mesma forma, como é que as águas de um lago podem estar serenas quando estão constantemente a ser agitadas?

O ano de 2022 será seguramente difícil, e a bonança pode não chegar depois da tempestade. Portanto, todos deveremos estar bem preparados para esta eventualidade.

11 Fev 2022

Tsunamis, Meteotsunamis e outros fenómenos similares

Recentemente o público mais atento foi surpreendido pela notícia sobre a ocorrência de um fenómeno pouco vulgar, que consistiu numa perturbação da superfície do oceano Pacífico e que se estendeu pelo Atlântico. Os marégrafos, instalados nas regiões costeiras mais longínquas do local onde foi originado o fenómeno, registaram alterações do nível do mar fora do normal. Os técnicos que procedem à monitorização deste tipo de fenómenos mostraram-se inicialmente surpreendidos, na medida em que não foi registado nenhum sismo que pudesse justificar este tipo de ondas. A surpresa desvaneceu-se quando se tomou conhecimento da ocorrência de uma forte erupção explosiva de um vulcão na região das ilhas Tonga.

O Reino de Tonga é um país constituído por 169 ilhas, onde cerca de um quarto são inabitadas. O arquipélago tem uma área de aproximadamente 700 km2 que se estende por uma vasta região de cerca de 700.000 km2, no Pacífico Sul, a sueste das ilhas Fiji, a uma distância aproximada de 3.300 quilómetros a leste da Austrália.

As ondas no arquipélago chegaram a atingir cerca de 15 metros, propagando-se, à medida que diminuíam de amplitude, pelo Pacífico, até atingirem regiões tão distantes como o litoral do Japão, Austrália, Nova Zelândia e a costa oeste do continente americano. Propagaram-se também pelo Atlântico, onde, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), atingiram Portugal, tendo sido o sinal registado de maior amplitude de cerca de 40 cm em Ponta Delgada e Peniche.

O vulcão parcialmente submerso Hunga Tonga-Hunga Haʻapai estava latente, entre as pequenas ilhas Hunga Tonga e Hunga Haʻapai, daí a ser designado pela junção dos dois nomes. A erupção ocorreu em 14 de janeiro de 2022, atingindo o seu máximo no dia seguinte, a cerca de 65 km a norte da ilha Tongatapu, onde se encontra a capital Nukuʻalofa, dando origem à formação de uma enorme nuvem de fumo e cinzas, em forma de cogumelo, com o diâmetro de cerca de 260 km.

Grande quantidade de cinzas vulcânicas cobriu parte das ilhas, prejudicando culturas e cobrindo a pista de aterragem do aeroporto internacional, o que impediu durante alguns dias a aterragem de aviões com meios de assistência à população. As cinzas vulcânicas prejudicaram também a navegação aérea no espaço aéreo de algumas ilhas do Pacífico Sul. O cabo submarino que liga o Reino do Tonga ao mundo exterior foi também danificado, tendo impedido as comunicações durante alguns dias. Foram registados estragos nas zonas costeiras das ilhas do arquipélago e de algumas regiões bastante longe da zona de geração. No Peru ocorreu um derrame de petróleo correspondente a cerca de 12.000 barris, durante a descarga de um petroleiro, do qual causou grave desastre ecológico a 30 km a norte de Lima, vitimando inúmeros peixes e aves. O número de vítimas mortais foi relativamente baixo, contando-se três no arquipélago de Tonga e duas no litoral do Peru.

A explosão, que projetou material vulcânico a mais de 20 km de altitude, gerou uma onda de choque atmosférica que se propagou com velocidade supersónica, dando várias vezes a volta ao globo, potenciando perturbações na superfície dos oceanos que o IPMA classificou como um meteotsunami. No entanto tal designação é discutível. A queda sobre a superfície do oceano de material vulcânico que havia sido projetado poderá também ter contribuído para a geração dessas perturbações, contribuindo assim para reforçar a ondulação causada pela onda de choque.

Os meteotsunamis não devem ser confundidos com os tsunamis. Os primeiros são em geral menos intensos e consistem em ondulação de grande comprimento de onda associada a fenómenos atmosféricos caracterizados por variações bruscas da pressão, podendo ocorrer, por exemplo, durante a passagem de formações de cumulonimbus (linhas de borrasca) e frentes frias muito ativas. No que se refere ao fenómeno tradicionalmente designado por tsunami, a sua geração nada tem a ver com fenómenos meteorológicos, mas com a ocorrência de eventos geofísicos abruptos, como sismos submarinos, erupções vulcânicas e deslizamento costeiro ou submarino de terras. A queda de meteoritos no mar pode também provocar tsunamis. (Consta que o desaparecimento dos dinossauros foi consequência da queda de um asteroide que provocou um enorme tsunami há cerca de 65 milhões de anos).

Outro fenómeno que poderá ser confundido com tsunami é designado por “storm surge” (traduzido frequentemente para português, embora indevidamente, como “maré de tempestade”). A sua ocorrência resulta do arrastamento das ondas pelo vento contra a costa e a consequente inundação de zonas baixas, quando o mar que se encontra sobre-elevado devido a pressão atmosférica muito baixa (quando a pressão diminui 1 hPa, o nível do mar sobe cerca de 1 cm). Ocorreu um fenómeno deste tipo em Macau, em agosto de 2017, aquando da passagem do tufão Hato. Em novembro de 2013, nas Filipinas, a “storm surge” associada ao tufão Haiyan (chamado Supertufão Yolanda nas Filipinas), foi a causa de muitas das cerca de 6.000 vítimas mortais. As consequências de tsunamis e de “storm surges” são muito semelhantes, embora as características das ondas sejam diferentes.

Nas “storm surges” as ondas são sempre causadas pelo vento, têm maior frequência e propagam-se com menor velocidade, enquanto que as geradas pelos tsunamis são em geral consequência de sismos submarinos e são caracterizadas por maior comprimento de onda, menor frequência e muito maior velocidade. As ondas de um tsunami propagam-se em águas profundas com velocidade próxima da velocidade de cruzeiro de aviões comerciais, ou seja, cerca de 900 km/h. À medida que entram em águas menos profundas, a velocidade das ondas diminui e a amplitude aumenta. Ambos os fenómenos geram ondas que, invadindo as zonas baixas do litoral, podem provocar estragos consideráveis e elevado número de vítimas.

A semelhança das consequências de tsunamis e de “storm suges” é tão grande que, conforme noticiado na imprensa filipina, o Mayor de Guiuan, a primeira cidade a ser atingida pelo tufão Haiyan, perante a passividade da população relativamente a um aviso de “storm surge”, enviou mensageiros em motociclos para alertar as comunidades costeiras da iminente chegada de um tsunami de grandes proporções. O termo “tsunami” sobressaltou a população que, seguindo instruções, se concentrou em locais de onde pôde ser evacuada. A expressão “storm surge”, difundida em inglês e traduzida para a língua local, foi considerada muito técnica e pouco compreensível por uma população não muito instruída.

(Curiosamente, Guiuan teve um papel importante na história das Filipinas. Reza a história que, no século XVI, foi na ilha Homonhon, pertencente àquela municipalidade, que Fernão de Magalhães desembarcou pela primeira vez naquele arquipélago. Talvez por esta razão a população da cidade é maioritariamente católica).

Outro fenómeno que poderá ser confundido com tsunamis são as “Seiches” (termo do francês falado na Suíça que significa abanar periodicamente). Trata-se, no entanto, de ondas estacionárias que ocorrem geralmente, em determinadas condições, em bacias parcial ou totalmente fechadas, como por exemplo, o lago Erie, um dos cinco lagos na fronteira entre os EUA e o Canadá, ou no lago Lémand, entre a Suíça e a França. Ocorrem normalmente quando ventos fortes associados a alterações bruscas da pressão atmosférica empurram a massa de água contra um dos limites da bacia. Quando o vento cessa, a massa de água inverte o sentido do deslocamento, oscilando durante horas ou mesmo dias.

Tratando-se este texto de um artigo de opinião, permito-me discordar do IPMA no que se refere a ter classificado como um meteotsunami a perturbação dos oceanos Pacífico e Atlântico provocada pela explosão vulcânica do Tonga. Um meteotsunami é um tsunami cujas causas estão relacionadas com fenómenos meteorológicos. Não sendo fenómenos deste tipo a erupção vulcânica nem a onda de choque por ela provocada, não se trata, portanto, de um meteotsunami, mas simplesmente de um tsunami.

*Meteorologista

10 Fev 2022

Portugal-China | 43 anos de relações diplomáticas

Por Rui Lourido*

 

Portugal e a China perfizeram 43 anos de relações diplomáticas, com o seu estabelecimento a 8 de Fevereiro de 1979. Só com o derrube do fascismo, e a implantação da democracia em Portugal, foi possível o reconhecimento do governo da República Popular da China, que ocorreu a 6 de Janeiro de 1975. Portugal orgulha-se de ser a nação europeia que mantém as relações de amizade mais longas (desde o século XVI) com a China, bem como de ter sido pioneira na difusão da sofisticada e avançada civilização chinesa às restantes nações ocidentais, o que viria a influenciar a moda europeia, com um gosto à chinesa – a chinoiserie.

Os sucessos civilizacionais da democracia socialista chinesa, ao ter o povo no centro da acção política do governo da China, permitiram o feito histórico de retirar 850 milhões de habitantes da pobreza (com o acesso universal ao trabalho, saúde, habitação e educação). Com o desenvolvimento económico, os chineses ampliaram a sua abertura ao mundo (aceitando mais responsabilidades no apoio às agências das Nações Unidas) e foram exemplares no combate à pandemia da COVID-19 (com um número incrivelmente baixo de mortes e mesmo de infectados).

As relações entre os dois países têm beneficiado da abertura da China e são baseadas no interesse comum e descritas pelos respectivos governos como exemplares. As autoridades portuguesas têm-se empenhado em aprofundar as suas relações com a China, nomeadamente, com visitas, ao mais alto nível, dos Presidentes da República e de membros do Governo de Portugal – de Ramalho Eanes a Mário Soares, de Jorge Sampaio a Cavaco Silva (visita que acompanhei na qualidade de historiador), e do actual Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Portugal recebeu a visita de estado do Presidente da China, Xi Jinping, em Dezembro de 2018. Durante a visita foram assinados, pelos dois países, 17 acordos de cooperação (incluindo 10 memorandos de entendimento), abrangendo múltiplas áreas. Da cultura às áreas financeira e empresarial (energia, comércio e serviços, transportes, novas tecnologias com o 5G e o STARLAB – laboratório nos domínios do mar e do espaço). Destacamos o acordo de participação na “Nova Rota da Seda”, que potenciará a cooperação bilateral em mercados terceiros, e valorizará o Porto de Sines e a sua ligação à rede ferroviária transeuropeia e euro-asiática, essenciais para Portugal ganhar a uma nova centralidade na economia europeia.

Pensamos que é do interesse geoestratégico de Portugal implementar o mais rápido possível estes acordos com a China (sem hostilizar os nossos aliados tradicionais), a fim de potenciar a favor de Portugal a sua integração neste mundo global, nomeadamente nas redes de novas tecnologias de Inteligência Artificial. Por outro lado, ao diversificar a origem das suas fontes de rendimento, Portugal cria condições para melhor resistir à próxima crise económica ocidental.

Neste âmbito, em 2021, realizou-se uma conversa telefónica entre o Presidente da República Chinesa, Xi Jinping, e o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, na qual foi reafirmada a importância da Parceria Estratégica Portugal-China, assinada em 2005. Foi ainda reconhecido o apoio inestimável da China no combate ao COVID-19, quer na divulgação internacional da descodificação do genoma do SARSCOV2, quer no rápido envio de materiais de protecção à saúde.

Esta parceria permitiu, apesar da pandemia, que as trocas comerciais entre a China e Portugal, de Janeiro a Novembro de 2021, aumentassem cerca de 27% face ao ano anterior, atingindo 805,093 mil milhões de USD, sendo que as exportações da China foram de 481,581mil milhões de USD e as importações da China de 323,512mil milhões de USD.

Os acordos nas áreas da ciência e do ensino superior foram reforçados, a 10 de Dezembro de 2021, pelos ministros da ciência de ambos os países. Entretanto, já tinham sido criados cinco institutos Confúcio em Portugal (Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Coimbra, com o apoio das respectivas universidades públicas), com cerca de 30 professores chineses (suportados pelo governo chinês) que dão aulas de chinês, simultaneamente, nas universidades e em 30 escolas secundárias públicas.

A sociedade civil tem também uma atividade muito diversificada, designadamente na cultura e na investigação. Devido ao serviço público que presta a nível internacional destaco, a Biblioteca Digital Macau-China “Descrições de Macau-China dos Séculos XVI ao XIX”, iniciativa do Observatório da China, em parceria com a Biblioteca Nacional de Portugal, com o apoio da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e o patrocínio da Fundação Macau. Este novo sítio da web disponibiliza mais de 200 mil páginas com as descrições e a cartografia portuguesas, dos séculos XVI ao XIX, relativas a Macau e à China, essenciais para a compreensão do relacionamento entre o Ocidente e a China, e de apoio a estudantes, investigadores e a leitores de todo o mundo.

As televisões públicas da China (CCTV) e de Portugal (RTP) tem vindo a reforçar as relações com a retransmissão de programas de divulgação de ambos os países, em especial das respetivas tradições e culturas, com destaque para a transmissão em directo das cerimónias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno em Beijing 2022.

A nível cultural, o Ano Novo Chinês tem sido comemorado, desde 2014, em várias cidades portuguesas, em especial nas ruas de Lisboa, com um desfile de grupos etnográficos, com música e dança da China e de Portugal. O novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Carlos Moedas, participou no evento digital de comemoração do Ano Novo Chinês, organizado pela Embaixada da China em 2022 (a convite do embaixador Zhao Bentang), comprometendo-se a dar continuidade e a apoiar o aprofundamento das relações com a China. Em 2019, realizou-se um grande festival da cultura portuguesa na China e da cultura chinesa em Portugal, incluindo música, dança, artes plásticas, projetos de arquivos e bibliotecas, contando com o empenho do embaixador de Portugal na China, José Augusto Duarte.

A Comunidade portuguesa na China e a Chinesa em Portugal têm crescido desde a criação da Região Administrativa Especial de Macau. De tal forma que para além da Embaixada em Pequim (Beijing) e do Consulado em Macau, Portugal abriu um novo consulado em Cantão (Guangzhou). Por outro lado, a Comunidade Chinesa em Portugal tem vindo a crescer moderadamente, sendo em 2021 de 27.430 chineses.

As relações entre Portugal e a China devem (como sempre aconteceu) continuar a aprofundar-se com benefício e respeito mútuos!

*Historiador, Presidente do Observatório da China

10 Fev 2022

O corpo perfeito não existe: o mito que complica o sexo

Há um determinado número de condições para que o sexo faça bem. Sexo é demasiado vago para ser esse poço de benefícios que eu tento apregoar. No caso das pessoas que foram socializadas e que se identificam como mulheres, a questão da imagem corporal é um importante factor que pode bloquear ou desbloquear todos os benefícios do sexo. Quanto mais te sentires confortável na tua pele, quanto mais te sentires confortável sem roupa, expondo a celulite, as estrias, as banhas e os outros supostos demónios que foram incutidos, mais confortável te sentirás com o sexo. Isto não sou eu a dizê-lo de forma gratuita, isto é o que a investigação confirma.

Há investigação científica que sugere que é preciso resolver este problema – e obsessão – do corpo perfeito se queremos educar para uma sexualidade mais livre e prazerosa. Mas esta questão do corpo não vai lá só com livros e vídeos de auto-ajuda que de forma débil, e um tanto ou quanto incompleta, tentam ensinar as pessoas a aceitarem o seu corpo tal como é. Não quero soar pessimista, mas procurar uma solução milagrosa no trabalho individual e cognitivo – apesar de ajudar – é ingénuo.

Vivemos desde sempre em sociedades que gostam de cristalizar um ideal de beleza. A indústria – e o tão poderoso marketing por detrás – suscita o consumo de produtos e serviços com um propósito absolutamente indigno: que não deveremos querer ser quem somos. Por isso é que parte deste processo de libertação tem que passar por escrutinar todas as mensagens que são transmitidas por várias vias, desde o seio familiar, até às narrativas mais gerais de como é que podemos apreciar o corpo. Por exemplo, os ginásios escolhem promover os seus serviços com uma ênfase desmesurada nas 300 maneiras de como se pode esculpir e tonificar o corpo: um objectivo que a maior parte das pessoas não irá conseguir alcançar. Desafio-vos a encontrar um espaço de exercício físico que o publicite como um importante promotor da saúde e bem-estar, em vez de focar-se no controlo do corpo.

Se existem situações em que estas narrativas são óbvias e muito condenáveis – por exemplo, ao pensarmos que meninas de 8 anos já andam preocupadas com a gordura e com o seu visual – existem outras formas em que as narrativas operam de forma mais subtil. A associação entre excesso de peso e a saúde é um daqueles mitos que aos poucos começa a ser desconstruído. Não há evidência científica que o peso ou o índice de massa corporal seja um indicador de melhor ou pior saúde. O estigma que as pessoas com excesso de peso passam na sociedade e no acesso a serviços é que está associado a crescentes problemas de saúde. Aliás – e isto vai vos surpreender – a investigação parece mostrar que o défice de peso está mais associado a problemas de saúde do que o excesso. Disto ninguém fala, não é?

O sexo só faz bem se nos sentirmos bem. A forma como nos relacionamos com o nosso corpo é importante para a sexualidade positiva. Não podemos, contudo, assumir que está nos nossos ombros a responsabilidade de resolver um problema que vai existir ainda por muito tempo. Os mitos e as histórias do corpo perfeito e sensual precisam de muita desconstrução ainda. No entretanto, tenta-se viver o maravilhoso mundo do sexo sabendo que o corpo perfeito nunca irá existir.

9 Fev 2022

Desejos de Ano Novo

O Ano Novo chinês começou a 1 de Fevereiro e no dia 7 celebra-se o “Dia do Povo”. Nesta última data comemora-se o aniversário de todos os chineses. Aqui, quero desejar a todos os meus leitores um excelente Ano Novo e um feliz aniversário.

Posso perguntar quais são os vossos desejos para 2022?

Esta pergunta não tem uma única resposta, porque todos temos desejos diferentes. No entanto, os desejos da humanidade para 2022 centram-se certamente na paz mundial e na saúde para todos.

Na Ásia, os testes de mísseis na Coreia do Norte acrescentaram um elemento de instabilidade à segurança global. Na Europa, as relações entre a Rússia e a Ucrânia estão tensas. Por alegadamente defender a sua própria segurança, a Rússia opõe-se à entrada da Ucrânia na NATO. Em defesa dos seus próprios interesses, é fácil de compreender que os Estados Unidos e a Nato dêem as boas vindas à Ucrânia. Muitos analistas acreditam que esta tensão pode conduzir à guerra e afectar a segurança global.

Vamos precisar de algum tempo para ver como é que estas questões na Rússia e na Coreia do Norte se vão desenvolver. Mas de certeza que ninguém quer que degenerem em conflitos armados, e, se tudo correr pelo melhor, em 2022, estes assuntos hão-de resolver-se sem dificuldade de maior.

Outro problema que todos temos de resolver, é a pandemia do novo coronavírus. Este vírus surgiu em 2019 e desde então já sofreu várias mutações, resultando numa variedade de novas estirpes.

Actualmente, as vacinas ainda não são capazes de combater o vírus na totalidade, e ainda não foi descoberto um medicamento capaz de curar eficazmente as pessoas infectadas com sintomas graves. Hamsters e outros animais também podem ser infectados com este vírus. Além de nos questionarmos se se trata de uma “doença zoonótica”, estamos mais preocupados com a elevada infecciosidade do vírus. Se o vírus afecta humanos e animais, então, no caminho da luta contra a epidemia, os seres humanos não só devem salvar-se, como também salvar os animais.

Para combater a epidemia, temos de trabalhar com afinco para prevenir as infecções. Tomar a vacina, usar máscara e evitar multidões são medidas eficazes para este fim. Se suspeitar que está infectado, deve testar-se. Também temos de estar preparados para voltar ao ensino online e ao tele-trabalho, sempre que necessário. Quando sairmos, temos de usar correctamente o “código de saúde” e o “código de deslocação”. Estes dois códigos ajudam a localizar pessoas infectadas pelo vírus e os seus contactos próximos.

Façamos em conjunto um voto pela paz mundial e tomemos medidas anti-epidémicas a nível global. À semelhança do emblema dos Jogos Olímpicos de Inverno, que actualmente decorrem em Pequim, os cinco anéis entrelaçados da bandeira olímpica, simbolizam a unidade dos povos dos cinco continentes.

Desde que todos cumpram o seu dever e tenham fé, ultrapassaremos naturalmente todo o tipo de dificuldades.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

8 Fev 2022

Rescaldo da Hecatombe

Kung Hei Fat Choi. Com a entrada de o novo ano do Tigre Portugal assistiu a mais uma decisão eleitoral por parte do seu povo. Antes de mais, dizer-vos que as empresas de sondagens bem podiam encerrar as portas. Não acertaram uma ou fartaram-se de fazer fretes a quem lhes pagava. Chegámos ao ponto de ter um semanário que se autodenomina de “referência” que aldrabou todos os seus leitores ao publicar em manchete “empatados”, sabe-se lá por ordem do patrão ou para influenciar descaradamente o voto no PSD.

A verdade é que assistimos a uma hecatombe nas hostes da direita e da esquerda política portuguesa. O PSD andou embrulhado em eleições internas à pressa e com um líder que mais se preocupou com o seu gato do que apresentar alternativas ao Partido Socialista. Rui Rio já se convenceu que não tem arcaboiço para ser um líder governamental e já anunciou a sua ida para casa a fim de arrumar os papéis que chegou a dizer serem imensos. Os social-democratas estão numa encruzilhada que poderá nunca mais ter cura.

Em vez de procurarem um jovem experiente, homem ou mulher, para novo líder de um caminho de quatro anos, não, andam a falar em nomes patéticos como Luís Montenegro, Paulo Rangel e Carlos Moedas. Nomes que já passaram à história para a liderança, porque Moedas terá que dirigir a edilidade lisboeta. O PSD também pagou o preço da arrogância manifestada a partir de certa altura quando até inventaram uma sondagem que o dava em primeiro lugar.

Adivinhava-se que o PS ganhava as eleições porque António Costa é um político hábil e logo no início da campanha começou a falar em maioria absoluta sabendo do êxito que tinha sido junto do povo o processo de vacinação nacional. Costa também sabia que no interior do PCP e do Bloco de Esquerda as coisas não andavam bem. Apesar de o Partido Comunista ser uma organização fechada, introvertida e com métodos muito precisos, sabia-se há mais de dois anos que existia uma facção no PCP que pretendia a mudança do secretário-geral. E talvez essa facção tivesse razão porque Jerónimo Sousa, além da idade, foi alvo de uma intervenção cirúrgica durante a campanha eleitoral e não tenhamos dúvidas que esse facto fez perder muitos votos comunistas. E não só. Os partidos de esquerda BE e PCP começaram muito cedo a introduzir nas massas populares que o Chega era um perigo, que vinha aí o fascismo, que o líder Ventura era um nazi que poderia levar o país para a desgraça fazendo uma aliança de direita com o PSD, Iniciativa Liberal e CDS. O povo assustou-se e preferiu que tudo ficasse nas mãos da “estabilidade” apregoada por António Costa. E a sua vitória foi estonteante ao conseguir uma maioria absoluta indiscutível.

Nestas eleições para a Assembleia Legislativa, os observadores políticos concordam que no rescaldo da votação a surpresa foi o pormenor mais significativo. Surpresa nas hostes do Bloco de Esquerda onde Catarina Martins abusou da arrogância e deixou os seus simpatizantes a olhar para o novo “partido do táxi”.

Surpresa com os comunistas que não souberam, nem nunca saberão, ser um pouco moderados e não radicalizarem as propostas que apresentam ao povo e com a agravante de se terem virado de faca afiada para o Partido Socialista.

O PCP deu um grande desgosto a pessoas que nem são comunistas, mas que consideram que o histórico António Filipe ao não ser eleito é uma perda insubstituível na bancada parlamentar e que o jovem João Oliveira, possível futuro secretário-geral do partido, também ao não ser eleito, o grupo parlamentar dos comunistas passará a ser um género de tartaruga a caminhar numa praia. Surpresa máxima no CDS-PP, um partido que há 47 anos tem à sua maneira democrata-cristã ajudado a democracia a caminhar. O jovem Francisco Rodrigues dos Santos, muito antes da campanha eleitoral, já tinha sido pendurado na guilhotina partidária por ambiciosos e frustrados como Nuno Melo, Telmo Correia, Paulo Portas e Assunção Cristas.

Nenhum destes centristas queria o “Chicão” a liderar o CDS e propagandearam por todo o país que o CDS com a actual liderança não iria longe. A derrocada foi enorme, foi tão desconcertante que o jovem líder pediu logo a demissão do cargo na noite em que se souberam os resultados. E foi a morte do CDS?

Não cremos nessa hipótese porque é um partido presente em imensas Câmaras Municipais e no norte do país tem milhares de apoiantes, os quais talvez pela sua idade e com medo da pandemia não foram votar.

O CDS poderá continuar a ser um partido que recupere a sua identidade parlamentar daqui a quatro anos. O CDS não é um MRPP que nada tem nem ninguém que o levante, mas o dinheiro nos cofres acabou, terá de sair do Largo do Cardas e o novo líder centrista terá de ter um emprego porque o partido não lhe poderá pagar qualquer salário. Surpresa para o resultado do Iniciativa Liberal, um partido com jovens licenciados, com propostas de puro capitalismo e que se adivinhava não vir a conseguir ter mais que dois deputados.

Passou a ter um grupo parlamentar com oito deputados o que se pode considerar uma boa vitória. Surpresa maior para o neo-fascista André Ventura. O Chega tinha um lugar no Parlamento e agora passou a ser a terceira força política com mais deputados na Assembleia da República. Ventura gritou, vociferou, chamou nomes a todos e anunciou que um dia será governo. Muitos portugueses que pertenciam ao CDS e ao PSD acreditaram no populista e racista votando em grande número no Chega.

Vamos ter um novo Governo e um novo Chefe de Estado, porque Marcelo Rebelo de Sousa limitar-se-á no futuro a cortar fitas. António Costa com a sua maioria absoluta apenas desejamos que não faça o mesmo que o triste passado de Cavaco Silva e de José Sócrates.

7 Fev 2022

Turismo em comum e subsídios à aviação barata

Retomo o assunto da última crónica, assumindo como ponto de partido que o essencial do turismo é comum: pertencem às comunidades locais (ou são mesmo produzidos por elas) os recursos que tornam um lugar atractivo para a visita turística, sejam eles os valores ecológicos associados à biodiversidade do território, as particularidades geológicas, as paisagens e ambientes naturais, os museus e outros elementos materiais do património cultural local, os saberes, tradições ou eventos comunitários, os modos de estar e de viver, a segurança na vida quotidiana, a limpeza das ruas, enfim, são múltiplas as formas com que as características específicas de um determinado território podem contribuir para definir e reforçar a sua atractividade turística.

Em última análise, é da exploração destes recursos (ou deste capital comum às comunidades locais) que vivem as empresas turísticas – e em particular as do transporte aéreo: a pessoa que compra um bilhete de avião raramente está prioritária ou sequer vagamente interessada nos limitados serviços prestados a bordo – a sua motivação é explorar, conhecer, desfrutar de um lugar diferente (ou eventualmente desempenhar uma actividade profissional que requer uma deslocação). Na realidade, frequentemente, o avião é, em si mesmo, uma inevitabilidade aborrecida com a qual se tem que lidar para se chegar ao destino.

Neste sentido, as notícias recentes a revelar que o Turismo de Portugal ofereceu 3 milhões de euros a uma companhia privada de aviação de baixo custo para desenvolver novas operações de transporte em algumas das magníficas ilhas nacionais, constitui um triplo insulto à população: porque financia com fundos públicos uma actividade já de si lucrativa e que beneficia largamente da criação de um mercado que é atraído, não pelos serviços que oferece, mas pelos recursos disponíveis e/ou produzidos pela comunidade que lá vive; porque transfere receitas de contribuintes nacionais para embaratecer as viagens de pessoas vindas países francamente mais desenvolvidos (na realidade, obrigando contribuintes portugueses a pagar-lhes parte das férias); e porque contribui ostensivamente para continuar o processo de destruição sistemática do planeta para o qual o tráfego aéreo – e as emissões de CO2 relacionadas – contribui com reconhecida relevância. Na realidade há um quádruplo insulto, neste caso à nossa inteligência: o subsídio apresenta-se dissimulado como um contributo público para uma campanha promocional a desenvolver em mercados de suposta alta prioridade estratégica para o turismo nacional e não como um subsídio à empresa em questão.

É verdade que estas notícias nem sempre mostram com exactidão os detalhes dos acordos e dos negócios envolvendo entidades públicas (ou parcerias público-privadas) e empresas de aviação, em particular as relacionadas com esta massificação turística de baixo custo, frequentemente tratada como “prioritária” nas estratégias de desenvolvimento turístico do país. Os relatórios e documentos de prestação de contas destas entidades são quanto a isso relativamente opacos ou, no mínimo, confusos, e mesmo as interpelações parlamentares que vão assinalando ocasionalmente esta discussão pública da ação governativa têm sido muito pouco esclarecedoras. Certo é que existem apoios públicos, quer de autarquias, quer de governos regionais, quer de governos nacionais – e eventualmente de vários ao mesmo tempo – para promover a criação destas rotas turísticas em nome de um alegado contributo que a chegada de turistas oferece à comunidade local (e aparentemente esquecendo que a sua existência só é possível porque essa comunidade produz e cuida os recursos e as experiências que tornam o destino atractivo).

Esta farsa de uma suposta economia de mercado que afinal é largamente dependente de decisões e apoios públicos mais ou menos dissimulados tem naturalmente os seus farsantes, que tanto podem ser os diligentes empresários do sector (os que recebem subsídios para as suas iniciativas particulares mas que criticam apoios governamentais às companhias públicas de aviação), como os dinâmicos e empreendedores gestores públicos que elogiam as virtudes da iniciativa privada e o fomento da livre concorrência enquanto oferecem envergonhados subsídios com escassa (ou nula) transparência de processos. Esta farsa de mercado também resulta nisto: num dos mais pobres países da Europa, a população local paga para se trazerem turistas dos países mais ricos, alimentando um duvidoso processo de desenvolvimento, que vai perpetuando um medíocre desempenho da economia nacional e agravando os problemas ecológicos do planeta.

Talvez estas obscuras formas de financiamento público de entidades privadas que vivem da extração de recursos comunitários não fossem possíveis se as comunidades tivessem algum poder de decisão sobre os orçamentos que afinal são de todos. Dificilmente o saberemos, na realidade, porque no consenso neo-liberal dominante há pouco espaço para se divergir desta generalizada “parceira público-privada” em que os riscos são públicos e os lucros privados – e neste caso o subsídio público serve precisamente para reduzir ou eliminar o risco do sagaz investidor privado. Mas também porque são inexistentes ou muito raros os casos em que há um envolvimento efectivo de comunidades locais na definição de políticas de turismo (ou de desenvolvimento em geral). Esse envolvimento é mais do que justificado: não só num plano mais teórico, por ser recomendado em todas as orientações gerais sobre processos de “desenvolvimento sustentável”, mas também no plano mais prático da interferência avassaladora do turismo nos quotidianos e nos modos de vida: ao contrário da generalidade das restantes actividades económicas, o turismo faz-se no interior das comunidades, partilhando os mesmos recursos, os mesmos serviços, os mesmos espaços públicos.

Não são só hotéis e aviões: hoje a população turística aloja-se em áreas originalmente planeadas como habitacionais, definidas em função de uma previsível evolução demográfica, impondo escassez e inflação na oferta de habitação, em Portugal quase exclusivamente dependente de mercados pouco regulados; os transportes públicos locais têm que ser partilhados, eventualmente com prejuízo de quem vive perto de zonas de grande atractividade turística, fenómeno bem conhecido em zonas de Lisboa como Alfama ou Belém; os espaço públicos estão frequentemente congestionados em áreas centrais das cidades, prejudicando a mobilidade e o usufruto pela população local; mesmo em serviços e actividades do domínio privado – como restaurantes, bares ou actividades recreativas -, a população residente é frequentemente prejudicada (ou expulsa) por processos inflacionários relacionados com a presença massiva de turistas com poder de compra mais alto. Subsidiar este tipo de economia alimenta injustiças sociais e certamente não contribui para a consolidação de um modelo de desenvolvimento que ajude a economia nacional a aproximar-se dos padrões dos países mais desenvolvidos da Europa.

4 Fev 2022

Pequim 2022 – A Olimpíada de Inverno e o início do Ano Lunar do Tigre

um passo em frente no sonho Chinês

 

Por Francisco José Leandro

A Carta Olímpica, documento de referência de todas actividades olímpicas e do espírito olímpico, declara que o objetivo último do olimpismo, enquanto filosofia de vida que exalta e combina de forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente, é o de colocar o desporto ao serviço do desenvolvimento harmonioso da pessoa humana. Os cinco anéis entrelaçados, símbolo do movimento olímpico, representam precisamente os cinco continentes unidos por uma sociedade pacífica em torno da promoção e preservação da dignidade humana. Neste sentido, uma das missões principais do Comité Olímpico Internacional (COI) é, precisamente, o de encorajar e apoiar a ética da boa governação, bem como a educação dos jovens e orientar os seus esforços para assegurar que no desporto prevalece o espírito de fairplay.

O COI é uma organização internacional não governamental, sem fins lucrativos, de duração ilimitada, constituída sob a forma de associação dotada de personalidade jurídica, reconhecida pelo Conselho Federal Suíço e que tem por objectivo a implementação da Carta Olímpica, na preparação e realização dos jogos, no final de cada Olimpíada, isto é, no final do período de 4 anos civis consecutivos, entre a realização dos Jogos Olímpicos, que consistem nos Jogos da Olimpíada e nos Jogos Olímpicos de Inverno.

As Olimpíadas são numeradas consecutivamente a partir dos primeiros Jogos da Olimpíada celebrados em Atenas em 1896 e os Jogos Olímpicos de Inverno são numerados pela ordem em que têm lugar. Em 2022, vai realizar-se em Pequim, a XXIV Olimpíada de Inverno. Depois de várias questões associadas à prevenção de uma possível deriva elitista e ao decorrer da primeira Guerra Mundial, teve início no dia 25 de Janeiro de 1924, os primeiros Jogos Olímpicos de Inverno. O sucesso alcançado pela competição, levou o COI a reconhecer oficialmente, em 1926, os Jogos de Chamonix em França como os primeiros Jogos Olímpicos de Inverno.

A ideia da construção de um espírito verdadeiramente olímpico extravasa a mera realização dos jogos e deve ser uma referência para toda a Olimpíada, no sentido da promoção e preservação deste espírito, durante todo o período de preparação e, em todas as actividades associadas aos jogos. Os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim ocorrem, precisamente, entre os dois centenários, isto é, entre o centésimo aniversário do Partido Comunista da China (2021) onde foi declarado que a nação atingiu o objectivo material de se tornar uma sociedade moderadamente desenvolvida e o centésimo aniversário da fundação da República Popular da China (2049), onde se espera que a China venha a atingir o estatuto de uma nação desenvolvida.

Tendo em conta este cenário, na véspera do início destes Jogos, estão reunidos em Pequim três elementos que se combinam e se potenciam.

O primeiro, a vontade do Governo Central da China em prosseguir o espírito da Olimpíada e de lhe associar uma ética da boa governação levando à implementação da visão estratégica do Presidente Xi Jinping para encorajar 300 milhões de pessoas a praticar desportos de Inverno e, deste modo, contribuírem para a construção de uma China saudável, o desenvolvimento da indústria desportiva, a protecção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento coordenado na Região Nordeste da China, na integração da Região constituída por Pequim, Tianjin e Hebei, na Região Sudeste (centrado na província de Cantão), na Região Autónoma Uigure do Sinquião (Xinjiang) e no Tibete.

O segundo está associado à simbologia do Tigre como símbolo de vitalidade e determinação transformadora, usado pelo Presidente Xi Jinping para avançar com o seu compromisso político e transformar o evento, numa oportunidade para desenvolver as energias sustentáveis e fomentar uma cultura de preservação ambiental e reciclagem em larga escala. De facto, pela primeira vez que 100% das necessidades de consumo de energia de todas as instalações terão por base energia renovável e, essas necessidades, continuarão a ter por base energia verde, mesmo depois do fim dos jogos. Para minimizar as emissões de dióxido de carbono, nas deslocações associadas aos jogos, serão utilizados, entre os dias 4 e 20 de Fevereiro de 2022, cerca de 700 veículos movidos a hidrogénio. Os Jogos de Inverno abriram também a oportunidade para um projeto de coordenação inter-regional na área do fornecimento de energia, trazendo eletricidade verde com base em energia eólica e solar das áreas vizinhas para Pequim. Com o estabelecimento da primeira rede eléctrica flexível de corrente contínua (Projecto Zhangbei-Rouzhi de 500 quilovolt) e, por isto mesmo, espera-se que estes jogos sejam os primeiros na História Olímpica suportados por energia 100% sustentável.

O terceiro prende-se precisamente com o facto de que os dois elementos anteriores, constituem passos significativos para a construção do sonho chinês, nos seus aspectos domésticos de desenvolvimento sustentado, oportunidades de desenvolvimento humano, correção de assimetrias, unidade na diversidade, e na sua componente externa, de incremento do prestígio internacional associado aos cinco continentes. Razões certamente para afirmar que Pequim 2022, representa muito mais que o fim da Olimpíada de Inverno e o início ano do Tigre – trata-se de um compromisso renovado com o espírito olímpico, ao serviço do desenvolvimento harmonioso das pessoas e das comunidades, um passo em frente para a concretização atempada do sonho Chinês.

Professor Associado e Vice-director do Instituto para a Investigação sobre os Países de Língua Portuguesa da Universidade da Cidade de Macau

4 Fev 2022

Tantos que fizeram falta

Portugal foi a votos e à hora que escrevemos esta crónica ainda não se sabem resultados. O que se sabemos é o que nos doeu ao ver e ouvir a campanha eleitoral. Os líderes dos partidos não brilharam, não cativaram o povo, não ensinaram nada de política futura e o povo fartou-se de recordar políticos que fizeram história. E o povo tem toda a razão. Portugal teve mulheres e homens que deixaram saudades à política e a quem gosta de aprender política. Nesta campanha eleitoral assistimos a banalidades proferidas por líderes políticos fraquíssimos e a arruadas mobilizadas pelas máquinas partidárias. Não nos referimos às habituais arruadas da baixa lisboeta ou de Santa Catarina, no Porto, do PS e do PSD. Salientamos apenas as arruadas onde houve partidos que chegavam à urbe e não viam ninguém, nem sequer nos mercados. Um dia, o CDS com dez apoiantes elevando as bandeiras do partido encontraram seis pessoas na rua que tinham escolhido. Em outra ocasião, o Bloco de Esquerda realizou um comício num salão e estavam apenas oitenta pessoas sentadas…

Esta campanha eleitoral fez-nos recordar quem fez falta, muita falta. Lembramos uma mulher que era a vida do Bloco de Esquerda, culta, bem-falante, educadíssima, que no seu lugar de deputada respondia a todos os emails que lhe enviavam, mesmo a criticá-la. Referimo-nos a Ana Drago, uma política que lutava, contestava, ensinava e mostrava como há mulheres geniais. A história deixou-nos imensos nomes de mulheres como Ana Drago. Sem medo de nada, com uma seriedade suprema e que não admitia presunções e arrogâncias. Talvez, por isso, Ana Drago deixou o Bloco de Esquerda. Ana Drago fez muita falta nesta campanha porque o seu ex-partido não tem ninguém que saiba proferir um discurso que deixe marcas. O Bloco de Esquerda até teve de chamar o reformado Francisco Louçã para discursar e anunciar algo de positivo.

Fez tanta falta Freitas do Amaral ao CDS, um partido que sempre foi o terceiro maior em Portugal e que passou para “partido do táxi” e arrisca-se a não ter grupo parlamentar. A esta hora que os queridos leitores estão com o jornal na mão já sabem se o CDS elegeu algum deputado. Freitas do Amaral foi genial na sua forma de estar na política, um mestre no professorado que se dedicou a ensinar e a lutar por uma democracia decente. Apenas cometeu um erro: quando mataram Amaro da Costa não soube impor-se de que um assassinato se tinha tratado. Mas, Freitas do Amaral à frente do CDS neste Janeiro de 2022 teríamos os democratas-cristãos apoiados por uma avalanche de portugueses sérios e foi, talvez, a falta de seriedade no CDS que levou Freitas do Amaral a transformar-se no maior amigo de Mário Soares,

Fez muita falta no PSD o político genial que foi Sá Carneiro. Tanta falta que fizeram os seus discursos de sempre lutar por um país melhor procurando sempre que o povo melhorasse o seu nível de vida.

Fez falta, muita falta o velhote Jerónimo de Sousa, que teve de ser alvo de uma intervenção cirúrgica, a qual felizmente correu bem, e que só lhe foi permitido aparecer nos últimos dias de campanha eleitoral. Jerónimo de Sousa é um político cativante, não gosta da demagogia, não gosta que o comité central do seu parido lhe chame velho, não gosta dos fascistas que cada vez mais se escondem nos partidos que ele, Jerónimo, sabe quem são e onde estão. Com Jerónimo de Sousa o Partido Comunista tinha tido comícios cheios de gente e de bandeiras com quase 50 anos de fabricação. Quando Jerónimo de Sousa se dirige aos seus militantes não sabe proferir balelas, barbaridades, parvoíces, não, os militantes do PCP com ele, entram em êxtase e mobilizam-se para a luta em arranjar mais camaradas que não faltem ao voto no partido.

Fez falta, muita falta Mário Soares, considerado por quase todos os portugueses o pai da democracia e o político que a fazer asneiras durante a descolonização, também ofereceu ao país a liberdade em momentos difíceis que atravessámos. Fez muita falta porque o PS ganharia as eleições à vontade se tivesse tido os seus abraços, beijos e afectos a toda a gente que encontrava pelo caminho, incluindo uma bofetada que levou na Marinha Grande. Mário Soares colocou o PS no palanque da governação e fê-lo bem ou mal, mas foi diferente. E teria sido diferente com ele em secretário-geral dos socialistas neste Janeiro de eleições legislativas.

Terminou mais um acto eleitoral em Portugal. A chamada democracia continua cheia de dúvidas, de lacunas e de líderes com grande capacidade de realização política em benefício do povo.

Uma última palavra de parabéns para os jovens que votaram pela primeira vez. Sentiram algo de diferente nas suas vidas. Sentiram que ser adulto e votar é passar a ser responsável pelas vicissitudes do seu país e dos seus compatriotas. Votar pela primeira vez é um facto inesquecível para todos nós, porque acima de tudo significa que ficamos cientes do que é a liberdade.

3 Fev 2022

O governo inactivo

O governo de Hong Kong resolveu diminuir os dias de quarentena obrigatória para quem entra na cidade de 21 dias para 14. Imediatamente, o governo de Macau veio a terreiro sublinhar que por aqui tudo continuaria na mesma, ou seja, três semanas num hotel definido pelas autoridades, sem possibilidade de escolha para quem regressa da Europa.

Não debaterei aqui a cientificidade destas diferentes escolhas e posturas exactamente porque não sou cientista. Aliás, o combate ao covid-19 em Macau tem-se saldado por um grande sucesso. Aparentemente. E aparentemente porque a doença não se combate apenas através de uma política de zero casos mas, sobretudo, criando condições para que a doença não encontre modo de se propagar com resultados mortais ou graves para os seres humanos.

E que condições são estas? Parece ser já corrente na comunidade científica e na maior parte dos países que a condição fundamental para sair deste pesadelo é a vacinação. De facto, as vacinas têm transformado, na maior parte dos casos, aquilo que era uma doença mortal ou grave, numa gripe que não obriga a internamentos e que desaparece ao fim de alguns dias. É por isso que países como a França, a Alemanha ou a Áustria tomaram medidas que, praticamente, tornam a vacina obrigatória, quando não mesmo compulsiva. Quem não estiver vacinado não deveria entrar em restaurantes, em supermercados, em transportes públicos, em concertos, em edifícios públicos, etc..

E, neste ponto, a acção (ou melhor, a não-acção) do governo de Macau surge aos olhos de muitos como incompreensível e mesmo difícil de aceitar tendo em conta as dificuldades que a maior parte das gentes deste território atravessa devido à actual situação. O covid-19 só será derrotado, como o foi a poliomielite por exemplo, através da vacinação. Qualquer outra esperança não terá quaisquer resultados pois o vírus continuará sempre a espalhar-se até não encontrar lugar onde se estabelecer, ou seja, no corpo dos não-vacinados.

A inacção do governo de Macau em relação às vacinas vai fazer com que o problema por aqui nunca acabe. Ho Iat Seng deu o exemplo e foi dos primeiros a ser vacinado, mas o seu exemplo não foi seguido, o que também pode significar que a população não confia inteiramente nem nas vacinas nem no Chefe do Executivo. Não houve uma campanha decente, nem indecente. Não houve o cuidado de pôr as associações a contribuir para a vacinação. Não se criou uma onda de responsabilização cívica que levasse as pessoas a vacinarem-se. E, sobretudo, não se dificulta a vida aos não vacinados com medidas efectivas.

Não me venham com discursos sobre a liberdade de cada um. Esta acaba onde começa a liberdade dos outros, que têm o direito de não serem contagiados e de quererem retomar a sua vida normal. Como todos sabem, felizmente existem vacinas obrigatórias para frequentar as escolas e ninguém se abespinha. Graças a elas, muitas doenças foram erradicadas e muitos dos que não se querem vacinar estão hoje vivos.

No dia em que Macau abrir as suas portas ao mundo, o covid-19 aqui entrará alegremente. E essa alegria decorre do facto de encontrar imensos corpos não vacinados. Enquanto o governo da RAEM não tomar medidas mais severas, muita gente entende que não se deve vacinar. Por quê? Na maior parte dos casos, por mero provincianismo, noutros por egoísmo, mas a maior parte porque não vê vantagens nisso. E dizem: “Eu não penso sair de Macau, porque me hei-de vacinar?” Como se a questão fosse individual e não colectiva. E o governo, que tanto defende que os direitos colectivos se devem sobrepor aos individuais, neste caso fica de braços cruzados à espera que passe. Assim, não passará.

3 Fev 2022

O caminho da libertação

No capítulo 4 do Evangelho segundo Lucas, menciona-se que Jesus leu a seguinte passagem do Livro de Isaías, “o espírito do Senhor Deus está em mim, porque me ungiu para pregar o Evangelho aos pobres. Ele enviou-me para curar os que sofrem, para proclamar a liberdade dos cativos e a libertação dos prisioneiros”. 

A Diocese de Macau foi fundada há 446 anos. Como Macau é apelidada de a “Cidade do Santo Nome de Deus de Macau”, só pode ser uma cidade sagrada. Macau regressou à soberania chinesa há 22 anos, durante os quais a nomeação dos principais funcionários do Governo sempre foi feita de forma estritamente rigorosa. Sob o princípio “Macau governado por patriotas”, a cidade deveria estar livre de corrupção. Mas Macau, para além de ser conhecida com a “Cidade do Santo Nome de Deus de Macau” e de ser “governada por patriotas”, continua a ter dirigentes que cometem várias faltas. Alguns funcionários foram condenados à prisão, outros desapareceram ou perderam a liberdade. Este fenómeno não é decididamente uma boa notícia para o Governo da RAE. Mas como encontrar o caminho para a libertação de forma a que mais ninguém se desvie das boas práticas? Os órgãos judiciais detêm o poder de processar quem viola a lei e a função dos advogados é representar e lutar pelos direitos dos clientes em Tribunal. Os juízes têm a responsabilidade de presidir aos julgamentos e os intelectuais a responsabilidade de conduzir as pessoas na procura e na reconquista da liberdade. 

O Comissariado contra a Corrupção do Governo da RAE anunciou que Li Canfeng e Jaime Roberto Carion, dois ex-directores da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), são suspeitos de corrupção e da prática de actos de prevaricação. Neste caso estão também implicados vários homens de negócios. Se a população de Macau tiver boa memória, ainda se deve lembrar que Ao Man Long, ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, ainda está a cumprir pena pela prática de corrupção. Com o caso de Ao Man Long, o Governo da RAE deveria ter aprendido a lição e ter sido mais cuidadoso com a escolha dos altos funcionários, especialmente, estabelecendo rigorosos critérios de conduta para prevenir a possibilidade de virem a ser cometidos crimes. Seja como for, é lamentável saber que dois ex-directores da DSSOPT estiveram envolvidos em actos de corrupção enquanto exerciam funções. Resta saber se é o cargo que torna as pessoas corruptas, ou se são incorrectamente nomeadas pessoas corruptas para esses cargos? 

Os humanos são os mais inteligentes de todos os primatas. Se prestarmos atenção ao desenvolvimento das pessoas, compreendemos que os humanos não nasceram para ser animais selvagens. Não matam nem mentem sem um objectivo. Desde que tenham as necessidades básicas satisfeitas, as suas vidas podem ser muito simples. Por isso, que motivos levam alguns indivíduos a enveredarem pelo caminho errado? Acredito que isso se deve a qualquer falha no sistema e no mecanismo da sociedade e do Governo. 

Para que uma pessoa obedeça conscientemente às normas e não as viole precisa de ser consciente, mas é igualmente importante que exista supervisão e apoio externos. Se compararmos a forma como os habitantes de Macau atravessam a estrada e o respeito que têm pelos semáforos, com a forma que os japonenses ou os singapurenses agem na mesma situação, torna-se evidente que os humanos se comportam de formas diferentes quando são expostos a diferentes culturas, diferentes educações e diferentes regimes políticos. 

Não é completamente inútil conhecer o passado porque podemos aprender importantes lições desta forma. Macau é uma cidade pequena e densamente povoada onde todos se podem conhecer uns aos outros de diversas maneiras. Em tempos, conheci uma pessoa que trabalhou muitos anos como director de uma escola e que foi representante do sector da educação em Macau. Mas devido a problemas ocorridos na gestão e supervisão do Fundo de Desenvolvimento Educativo, esta pessoa desapareceu da cidade. Quem ocupar o lugar de Secretário, Procurador ou Director, no quadro do Governo da RAE, tem de ter competências profissionais e conhecimentos.   No entanto, quando uma pessoa, mesmo que seja inteligente, é aliciada por grandes quantias de dinheiro, se não tiver ninguém por perto para a aconselhar e se não existirem mecanismos de monitorização, mais cedo ou mais tarde vai cair na armadilha, a menos que tenha uma mente muito forte. 

Para encontrar o caminho para a libertação e quebrar as algemas postas no povo, a monitorização social é indispensável. E muitas vezes, são os dissidentes que conseguem descobrir o oásis, quando a grande inundação se prepara para destruir o mundo.

28 Jan 2022

Como escolher um vibrador?

Para as que querem abraçar o novo ano a experimentar novas formas de obter prazer, os brinquedos sexuais são uma boa forma de o conseguir. Para quem já espreitou as lojas online ficará certamente assoberbada com a quantidade de artigos existentes no mercado. Há tudo para todos os gostos sexuais e todas as carteiras. Este é um pequeno guia para quem gostaria de comprar o primeiro brinquedo sexual, mas que nunca conseguiu decidir-se por qual. Por razões de natureza algo evidente, focar-me-ei nos brinquedos sexuais para as pessoas com vulva.

A variedade é muita porque há apetites diversos, que reflectem as diferentes formas como nos relacionamos com o sexo, com o nosso corpo e de como ele se comporta. Focar-me-ei nos vibradores, esse feliz ícone da cultura pop, com a ressalva de que a variedade de brinquedos para pessoas com vulvas ou pénis – ou para diversão a dois – dão uma dissertação.

Os vibradores têm a incrível capacidade de estimular toda a zona da vulva, incluindo o clitóris, o órgão do prazer, ajudando a atingir o orgasmo. Um dos mais populares estimuladores clitorianos é a magic wand. Apresentado como um massajador para o corpo no final dos anos 60, aumentou em popularidade desde que a Betty Dodson, a educadora mais fervorosa dos orgasmos para a libertação humana, publicitou o seu uso comum na zona da vulva. Ao contrário do que muita gente pensa, a wand – que tem a forma de uma varinha e acaba com uma ponta grande e arredondada – não serve a penetração. Várias marcas já puseram no mercado a sua versão da wand, apesar do original ser da marca Hitachi que se viu surpresa ao ver o massajador muscular transformado em brinquedo sexual.

Quando foi mencionado num episódio d’O Sexo e a Cidade em 2003, as fãs esgotaram o stock.
Os vibradores de forma fálica já servem a penetração. Um dos mais populares tem o formato que lhe chamam de ‘coelhinho’ (bunny) por ter uma dupla forma fálica e fazer lembrar as orelhas de um coelho. Esta serve para ajudar a estimular a vagina bem como o clitóris, simultaneamente. Há outras ainda mais complexas, que até estimulam a zona do períneo ou penetram o ânus. Dependendo da sofisticação do brinquedo, ele pode vibrar e mexer-se rotativamente para o prazer garantido.

Uma inovação mais recente são os estimuladores de ar que de algum modo simulam sexo oral. Estes brinquedos terminam numa forma em donut, isto é, com um buraquinho no centro onde ‘encaixam’ o clitóris. Coloco-os na categoria de vibrador, porque a maior parte deles pode vibrar também. Estes podem ter dois motores, um de estimulação de ar, e outro de vibração e podem controlá-los como bem vos apetece. Para alguns destes brinquedos, este controlo pode ser tão mais sofisticado com a ajuda de uma aplicação – ao ponto de poder vibrar ao som da vossa música favorita. A marca que tem popularizado estes estimuladores de ar é a Satisfyer, com a melhor relação qualidade-preço. O seu sucesso é tão grande que a marca já descreve o objecto, tal como acontece com Chiclete, Gillette ou Tupperware. Para as que quiserem experimentar, existe a versão one night stand. É baratinha e tem a duração máxima de 90 minutos, sem possibilidade de trocar pilhas ou recarregar baterias. Uma proposta interessante para quem quer fazer o test-drive sem esgotar o orçamento mensal. Para as que se convertem, podem depois investir num brinquedo mais duradouro.

A escolha, por isso, depende muito do que se gosta. Procuram algo para estimulação do clitóris e da zona da vulva? Querem um brinquedo para penetração? Querem um foco mais preciso no clitóris? Mantenho a ressalva que precisam de confirmar se as marcas e os fabricantes utilizam produtos seguros para as partes íntimas. Há muitas marcas com todas estas propostas que vos referi, e como devem calcular, brinquedos sexuais mais baratinhos podem não ter tanta qualidade. Felizmente que há quem se ocupe a experimentar e opinar sobre artigos sexuais, caso queiram dicas mais especificas. Estas são as sortudas que recebem nas suas caixas de correio muitos brinquedos para uma opinião honesta para mais tarde publicarem nas redes sociais. A Scarlet O’Hara é uma dessas pessoas, e recomendo o visionamento caso já tenham um brinquedo sexual em mente, e gostassem da opinião de alguém que já experimentou há volta de centenas brinquedos sexuais.
É isto. Votos de Good Vibrations.

27 Jan 2022

A língua portuguesa é muito difícil

Há muitos anos que ouvimos dizer que a língua portuguesa ortograficamente falando é das mais difíceis do mundo. E concordamos plenamente. A língua portuguesa bem falada ou escrita tem de ser muito bem estudada e investigada.

Muito pouca gente em Portugal sabe escrever. Nós próprios temos a noção que somos limitados sobre o conhecimento devido da nossa língua, apesar de termos optado por um tipo de escrita que seja da compreensão da maioria dos nossos leitores. Em Portugal temos personalidades que são autênticos literatos porque a sua escrita é de um nível muito elevado e que, por vezes, nos obriga a ir abrir o dicionário. Escrevem com elevada simplicidade, mas de uma forma eclética e de alto nível, meia dúzia de portugueses e, isso, é desolador.

Escrever com alto nível é apresentar um conjunto de símbolos, sintáticos, com regras semânticas e palavras-chave que permite criar códigos com instruções para controlar as acções adquiridas pelo conhecimento. É o que acontece ao lermos António Lobo Antunes, Luísa Costa Gomes, Isabel Rio Novo, Gonçalo M. Tavares, Mário de Carvalho, Carlos Morais José, Miguel Sousa Tavares, António Barreto, Mário Cláudio, Miguel Esteves Cardoso, Valério Romão, João Reis ou José Luís Peixoto. São génios da escrita, de uma inspiração invulgar, possuidores de um dom quase sobrenatural. Escrevem como falam. Têm um conhecimento da literatura como nós não imaginamos. Um cantor tem o dom da voz, um carpinteiro produz obras que nem ele sabe como as conseguem obter. Um conhecedor profundo da língua portuguesa oferece aos seus leitores o prazer de aprender o desconhecido.

Toda esta conversa vem a propósito da campanha eleitoral que tem decorrido pelo país fora e onde nunca tínhamos ouvido tantos pontapés na gramática portuguesa. “Há meses atrás” é o habitual em ministros, deputados, líderes políticos, comentadores televisivos e personalidades de elite quando são entrevistadas. E nunca ninguém lhes perguntou que se o caso referido foi “há meses atrás”, então, e à frente? Mas nestas eleições fica para a história da língua portuguesa o erro crasso divulgado pelo próprio líder do partido “Iniciativa Liberal (IL)”, dos jornalistas de televisão e rádio, dos comentadores das redes sociais que têm passado todo o tempo de campanha a proferir a patacoada de dizer “a” Iniciativa Liberal. No feminino. Iniciativa Liberal é um partido político. É masculino. Tem de se pronunciar “O Iniciativa Liberal”. Mas não, não há alma viva na campanha eleitoral que não diga “A Iniciativa Liberal”.

O que é isto afinal? Analfabetismo, não vamos tão longe. Distracção? Indesculpável. Hábito? Hábito de quê, se o partido político tem tão pouco tempo de existência? Temos de concluir que todos os pontapés na nossa língua representam desinteresse em valorizá-la, representam mesmo sem rodeios alguma ignorância, tantas vezes proferida ou escrita por quem vive dessa mesma escrita. Esta ignorância sobre a língua portuguesa fez-nos recordar os editoriais de um sapo que durante anos nem sabia conjugar o sujeito com o predicado. Mas falam, escrevem, candidatam-se a deputados da nação sem saberem o mínimo da língua portuguesa. Uma vez perguntámos a um deputado a razão de ao fim de tantos anos nunca ter usado da palavra no Parlamento. A resposta foi inacreditável, ao dizer-nos que ainda não tinha arranjado quem lhe escrevesse o discurso porque de português bem escrito sabia muito pouco. E era advogado.

A campanha eleitoral tem tido como rainha a ignorância das palavras faladas ou escritas. Os candidatos são inúmeros. Os partidos políticos que concorrem às eleições do próximo dia 30 são tantos que nem os conhecemos a todos. Mas falam, falam por tudo o que é mercado, centro de cidade, restaurante alugado para o efeito. Entregam pelas ruas panfletos, que ao lermos alguns, logo pensamos que Camões desmaiava se visse tal desiderato. Panfletos num português que nem um aluno do segundo ciclo escreveria tão mal. Um horror. Uma tristeza confirmarmos que há muito pouca gente que apresente a língua portuguesa como ela merece, com estilo correcto, com diversidade e lógica mas com as regras devidas a serem cumpridas.

A língua portuguesa está hoje em dia patente em milhares de livros, na maioria chamados “cor-de-rosa”, romances de meia tigela, folhas cheias de asneiras ortográficas onde os próprios revisores nunca frequentaram uma Faculdade onde se ensinasse Literatura. Hoje em dia, toda a fulana que vai a um programa de televisão e que sente o seu ego bater nas nuvens, vai logo escrever um livro. E o pior é que muitas editoras rejeitam grandes obras, textos maravilhosos, mas para poderem ganhar rios de dinheiro apenas optam por lançar no mercado as vedetas da televisão e dos jornais. Desistimos de acompanhar as arruadas e as declarações aos jornalistas, os noticiários que são preenchidos pelas baboseiras de certos políticos.

A nossa mente que adora ler, que sente o que lê, que distingue o bom do mau, rejeita liminarmente os tais pontapés na língua portuguesa. Adorávamos saber escrever a nossa língua de uma forma que nos pudesse dar satisfação plena. Contudo, já nos damos por muito satisfeitos por conseguir enviar-vos estas crónicas, apenas com o intuito de vocês poderem acompanhar o que vai acontecendo pelo nosso Portugal. Como se aproxima aí o Novo Ano do Tigre recebam um abraço e Kung Hei Fat Choi.

*Texto escrito com a antiga grafia

27 Jan 2022

O desenvolvimento da China fortalece os países de língua portuguesa

Por Rui Lourido

 

A China tem-se revelado um parceiro comercial da maior importância para os oito Países de Língua Portuguesa (PLP). Estas nações têm uma enorme diversidade geográfica, uns são continentais, outros são arquipélagos e estão dispersos por todos os continentes: na África estão cinco – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe; na Ásia está Timor-Leste; na América está o imenso Brasil; e na Europa está Portugal. Contudo, todos têm uma característica comum com a China, o facto de terem o oceano a uni-los e, nos últimos anos, todos têm vindo a celebrar acordos económicos significativos com este país. Estas características são importantes para os PLP explorarem, a seu favor, as respectivas participações na iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”.

Os PLP usufruem de vantagens concorrenciais, se beneficiando de um melhor acesso a financiamento, crédito e facilidades económicas da China, pelo facto de terem estreitas relações com a cidade chinesa de Macau (de origem portuguesa). Desde o regresso de Macau à China (criação da RAEM em Dezembro de 1999) que o governo central do país tem vindo a promover o desenvolvimento da região, nomeadamente, com a criação, em 2003, do Fórum para a Cooperação Económica e o Comércio entre a China e os Países de Língua Portuguesa, mais conhecido por Fórum Macau.

A importância do Fórum Macau foi expressamente destacada pelo presidente chinês, Xi Jinping, e pelo primeiro-ministro, Li Keqiang, nas duas reuniões realizadas com o Governo da RAEM, em Pequim, no passado dia 21 de Dezembro. Para além da integração de Macau no projecto da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau (iniciativa que agrega 11 cidades, onde se incluem Macau e Hong Kong), o Governo central reforçou o apoio a Macau com o projecto da “Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”, iniciativa que pretende promover a diversificação e sustentabilidade das actividades económicas de Macau, para “contribuir para o novo avanço da integração de Macau no desenvolvimento” da parte continental da China. Tendo Xi Jinping referido que “a pátria é sempre o forte apoio para a manutenção da estabilidade e da prosperidade de Macau a longo prazo.

Deste modo, o Governo Central vai continuar a cumprir firme e escrupulosamente o princípio de Um País, Dois Sistemas’ e apoiar plenamente a diversificação adequada da economia” de Macau.

As trocas comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa foram de US$167,565 mil milhões, entre Janeiro e Outubro de 2021, um aumento homólogo de 40,92%. As importações Chinesas dos Países de Língua Portuguesa foram de US$115,431 mil milhões, um aumento homólogo de 35,12%, sendo as exportações da China para os Países de Língua Portuguesa de US$52,134 mil milhões, correspondendo a 55,69% de aumento homólogo1. Podemos constatar que a balança comercial é, globalmente, muito favorável aos PLP, com um superavit de 63,297 mil milhões.

Os valores das trocas comerciais da China com os PLP colocam o Brasil em primeiro lugar, seguido de Angola, Portugal, Moçambique e com valores bem inferiores Timor-Leste, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Desde 2009 que o Brasil tem feito da China o seu principal parceiro comercial, quer ao nível das exportações, quer das importações, substituindo cerca de um século de primazia dos EUA. A imensidão continental do Brasil justifica que ocupe, isolado, o primeiro lugar nas trocas comerciais dos PLP com a China. Só as trocas do Brasil, entre Janeiro e Outubro de 2021, totalizam US$138,005 mil milhões, sendo a balança comercial favorável ao Brasil em US$51,774 mil milhões. Algumas previsões internacionais, nomeadamente do FMI, assinalam as potencialidades económicas do Brasil que, ao recuperar da grave crise pandémica, poderá ascender da actual situação de 12.ª maior economia do mundo, em termos de PIB, em 2020, para a 7.ª e mesmo, a médio prazo, para a 4.ª economia do mundo. Não é assim de estranhar que o Brasil tenha sido escolhido para integrar a plataforma de relacionamento internacional com a China – os Brics, que partilha com a Índia, a Rússia e a África do Sul.

O relacionamento da China com os Países Africanos de Língua Portuguesa acompanha o sucesso da China na África, o qual pode ser explicado com base em três principais razões: a China não é um novo parceiro, desde muito cedo que apoiou a independência dos países africanos do colonialismo europeu; a China não impõe a sua visão ou modelo político, como condição para apoiar o desenvolvimento dos países africanos, ao contrário dos governos dos EUA e da Europa; por fim, e não menos importante, os investimentos da China respondem às necessidades estruturais dos países que pedem esse apoio, investindo, nomeadamente, em infraestruturas essenciais ao desenvolvimento autónomo desses países. O comércio entre a China e a África atingiu US$167,8 mil milhões nos primeiros 11 meses de 2020, sendo Angola o terceiro maior parceiro comercial da China no continente africano.

Desde 2012 que a União Europeia deixou de ser o principal parceiro de África. A China é um dos mais importantes parceiros comerciais deste continente tendo, em 2009, ultrapassado os EUA e é o principal parceiro comercial da África do Sul (absorve 2/3 do capital chinês investido na África).

Apesar da pressão contra e ilegítima do governo dos EUA, Portugal e os Países de Língua Portuguesa integraram a Iniciativa Chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”, o maior projecto mundial de comunicação intercontinental, de adesão voluntária e baseado no interesse comum dos países participantes.

Durante a visita de Xi Jinping a Portugal, em Dezembro de 2018, foram assinados 17 protocolos, entre os quais podemos destacar: a abertura de portos portugueses ao transporte marítimo chinês para a Europa e para a África; a abertura às novas tecnologias e ao apoio a centros de investigação científica dedicados ao Espaço e aos Oceanos.

Dando continuidade aos compromissos assumidos, Portugal foi o primeiro país da União Europeia a emitir obrigações do tesouro em Renminbi (Panda Bonds, em maio de 2019, cuja emissão foi um sucesso).

É nossa firme convicção, ser do interesse estratégico da Europa, de Portugal e de todos os países de língua portuguesa, reforçarem as respectivas Parcerias Estratégicas com a China (sem esquecer a Rússia e a Índia e, naturalmente, sem hostilizar a América). É neste contexto que a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” se transformou num importante e consistente projecto para promover um mundo pacífico, através de uma rede de comércio ligando o Oriente e o Ocidente.

Portugal e a Europa devem rejeitar hostilizar a China, recusando o espírito de guerra fria ou de cruzada de nós (os “bons”, os “democratas” do Ocidente) contra os outros (os “maus” do Oriente, o papão do comunismo e da China).
É possível, é necessário, contar com a China para reforçar o espírito de confiança mútua entre os países, para o sucesso urgente no triplo combate, deste mundo globalizado, à pandemia da Covid-19, às alterações climáticas e à diminuição da iníqua partilha de riqueza.

1 Segundo as estatísticas dos Serviços da Alfândega da China, de janeiro a outubro de 2021, https://www.forumchinaplp.org.mo/pt/trocas-comerciais-entre-a-china-e-os-paises-de-lingua-portuguesa-de-janeiro-a-outubro-de-2021-foram-de-us167565-mil-milhoes/

26 Jan 2022

Hamsters infectados com Ómicron

A semana passada, foram detectadas infecções pela variante Ómicron em vários hamsters numa loja de animais em Hong Kong.

Para prevenir a propagação do vírus aos seres humanos, o Governo de Hong Kong pediu aos residentes que entregassem às autoridades todos os hamsters comprados depois de 22 de Dezembro último, para que fossem abatidos de forma humanitária. Alguns residentes cooperaram com o pedido do Governo e entregaram os hamsters, mas alguns defensores da vida animal juntaram-se à porta das instalações para impedir o processo, pedindo que em vez de os entregarem às autoridades os entregassem a eles. Os especialistas de saúde que aconselharam o Governo de Hong Kong a tomar esta decisão receberam emails ameaçadores, acção que o Chefe do Executivo condenou publicamente.

O Governo de Hong Kong tomou a decisão de abater de forma humanitária os hamsters porque estes animais têm a capacidade de transmitir os vírus a outras espécies, nomeadamente ao Homem. Só com esta medida se pode quebrar a cadeia de transmissão do vírus de forma eficaz. Existem precedentes para este tipo de actuação. Em Novembro de 2020, algumas martas que viviam em quintas na Dinamarca foram infectadas por cinco variantes diferentes do novo coronavírus, e o Governo dinamarquês ordenou o abate de 17 milhões destes animais. Em Maio de 2020, algumas martas na Holanda também foram infectadas e contagiaram os trabalhadores das quintas. As autoridades mandaram abater mais de 370.000 animais. Há alguns anos, registou-se gripe das aves em Hong Kong e a doença das vacas loucas no Reino Unido. Ambos os Governos adoptaram o mesmo método para prevenir a propagação aos humanos destas doenças.

Alguns residentes de Hong Kong defenderam que apenas os hamsters infectados deviam ser abatidos e que os que não estavam infectados deveriam ser poupados. Não havendo certeza se o animal está ou não infectado, terá de ser mantido sob observação. Os defensores deste argumento acreditam certamente que os hamsters são seres vivos e que necessitam de cuidados humanos. Mas é impossível através da observação primária perceber se os animais estão doentes. Após este incidente, cerca de 2.000 hamsters precisariam de tratamento. Se fossem postos em quarentena e sob observação médica, teria de se encontrar um local onde fosse possível levar a cabo esta observação. Alimentar todos estes animais seria outro problema. Não sabemos se o Governo de Hong Kong disporia de instalações, de veterinários e trabalhadores suficientes e para garantir a operação. Mas se a solução deste problema fosse adiada, as consequências para a sociedade de Hong Kong poderiam vir a ser desastrosas. Se neste grupo de hamsters, apenas um estivesse infectado, a infecção podia propagar-se aos outros e a partir daí poderia passar para outros animais e também para as pessoas, o que tornaria difícil o controlo da epidemia e provocaria uma sobrecarga no sistema de saúde. Salvar hamsters é salvar vidas, mas depois destas vidas terem sido salvas, surgiriam mais vítimas humanas. Qual será, pois, a melhor decisão?

Abater hamsters de forma humanitária é uma decisão que se destina a salvaguardar o bem-estar público, mas não deixa de ser difícil. Porque é que especialistas que cumprem o seu dever no interesse do púbico têm de estar sujeitos a intimidações? Se por causa destas ameaças os especialistas ficarem relutantes em continuar a desempenhar serviço público e se recusarem a aconselhar o Governo sobre as medidas para combater a pandemia, no final é a sociedade de Hong Kong que será prejudicada. Será isto que os residentes de Hong Kong desejam?

É a primeira vez que se registam infecções em hamsters por este vírus. A epidemia não conhece fronteiras, por isso este incidente em Hong Kong é uma boa referência para Macau, lembrando-nos que os animais podem ser infectados por este vírus. Em Macau existe a Lei No. 7/2020 “Lei para a Prevenção de Epidemias em Animais”. O Artigo 7 estipula que se tiver sido confirmado, ou que exista sinais da ocorrência ou de propagação de epidemias em animais, o Gabinete dos Assuntos Municipais pode tomar medidas conducentes ao fim da propagação. As medidas incluem melhoramento das instalações e dos cuidados prestados, isolamento obrigatório, abate dos animais de forma humanitária, etc. O Artigo 3 estipula que a lista das “doenças animais” seja determinada por indicação do Chefe do Executivo. A prevenção é a melhor forma de tratamento, dada a prevalência de doenças infecciosas, será esta uma altura adequada para Macau considerar que sejam adicionadas outras patologias à lista das “doenças animais” para que se possa combater a propagação dos vírus?

Os hamsters de Hong Kong eram animais domésticos. O Governo, para prevenir a propagação de uma doença infecciosa, pediu à população para entregar os seus hamsters para que fossem abatidos de forma humanitária. A questão das indemnizações não foi mencionada na imprensa. Talvez o Governo de Hong Kong possa considerar esta questão para tranquilizar os residentes que tenham de entregar os seus animais.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk 

25 Jan 2022

Juntos para os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim. Juntos por um futuro compartilhado

No seu discurso de ano novo de 2022, o Presidente Xi Jinping enfatizou que “Não pouparemos esforços para apresentar excelentes Olimpíadas ao mundo. O mundo está voltando os olhos para a China, e a China está pronta. ”A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022 será revelada no dia 4 de Fevereiro, o dia do “Início da Primavera” no calendário lunar chinês, indicando que os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022 irão penetrar no Inverno frio da pandemia de COVID-19 que envolve o mundo e, iluminarão um futuro brilhante para a humanidade com o espírito olímpico deixar brilhar.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim apresentarão ao mundo uma gala simples, segura e maravilhosa. A China compromete-se a sediar uma Olimpíada “simples, segura e maravilhosa” com uma abordagem “verde, inclusiva, aberta e honesta”, estabelecendo um novo padrão para os Jogos Olímpicos. A China realiza preparativos gerais de maneira suave e ordenada contra a pandemia que tem estado a expandir-se pelo mundo. Entretanto, a China tira proveito do legado dos Jogos Olímpicos de Verão de Pequim 2008, modernizando vários locais desportivos para “Estádios Olímpicos Duplos”. Pela primeira vez na história das Olimpíadas, todos os estádios dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim serão sustentados de maneira totalmente verde. Tendo publicado duas versões de livro de instruções sobre contramedidas COVID-19 e aderido ao gerenciamento preciso e de circuito fechado da epidemia, a China coloca a saúde e a segurança dos participantes em primeiro lugar. Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim serão realizados conforme programado, demonstrando o espírito chinês de cumprimento de promessas, autoconfiança e abertura.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim envolveram mais de 300 milhões chineses em desportos de Inverno e, assim promoveram efectivamente a cultura olímpica e os intercâmbios e aprendizado mútuo entre as civilizações.

Nos últimos 6 anos , desde que Pequim ganhou a licitação para sediar esta Olimpíadas de Inverno, os desportes de Inverno na China têm continuado a aquecer nas regiões do sul, oeste e leste, dando forte impulso à China, com o objectivo de construir uma nação de potência desportiva e saudável, expandindo notavelmente o mercado global de desportos de inverno. A China, aproveitando os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim como uma oportunidade, adopta novas práticas para melhorar o ambiente ecológico, constrói novos modelos para o desenvolvimento de regiões e cidades e cria um novo ambiente para o progresso do ser humano e da sociedade. Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim coincidirão com o Ano Novo chinês. A China mostrará ao mundo uma civilização oriental antiga enquanto vigorosa, uma moral de grande país de abertura e inclusão, e reunirá a vontade e a força para construir conjuntamente um futuro compartilhado.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim têm conquistado amplo apoio da comunidade internacional. Politizar os desportos e interromper os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim não será suportado. Actualmente, as grandes mudanças do mundo sem precedentes no último século e a pandemia ocorrem combinadas, o apelo ao fortalecimento da solidariedade e cooperação para enfrentar desafios comuns está se tornando mais forte do que nunca. O slogan dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, “Juntos por um futuro compartilhado”, está alinhado com o lema olímpico “Mais rápido, mais alto, mais forte, juntos”, a tendência dos tempos de paz, desenvolvimento e cooperação, bem como as expectativas do mundo. A 76.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou por consenso a resolução sobre a Trégua Olímpica para os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, co-patrocinada por 173 estados membros. A 10ª Cimeira Olímpica, realizada pelo COI, declarou o apelo da comunidade desportiva internacional para apoiar os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim e opor-se à politização dos desportos.

Mecanismos multilaterais, incluindo o G20, Fórum de Cooperação China-África, Fórum China-CELAC e Organização para Cooperação de Xangai, juntamente com a maioria dos países,expressaram firme apoio aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, reflectindo plenamente a justiça e a aspiração da comunidade internacional. É de destacar, que mesmo a imprensa dos EUA admite, que a posição dos EUA sobre os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim foi seguida por somente 9 países, incluindo Reino Unido, Canadá, Austrália e Lituânia etc., demonstrando o fracasso do governo dos EUA em politizar o evento.

O desporto é a linguagem comum da humanidade que transcende as fronteiras e civilizações nacionais. O espírito olímpico é o melhor retrato do progresso contínuo e da autotranscendência da humanidade. Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim vão injectar um forte impulso na reparação das feridas da epidemia, aumentando a confiança no desenvolvimento, consolidando a solidariedade e a amizade no mundo e promovendo a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade. Vamos dar as mãos com toda a confiança e trabalhar juntos por um futuro compartilhado!

Por Liu Xianfa, Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da RPC na RAEM

24 Jan 2022

De 2012 a 2022

Penso que toda a gente ouviu dizer que certo profeta terá afirmado que o mundo ia acabar em 2012. Durante o Inverno de 2012, viajei até Xangai e Hangzhou, na China. Apesar do frio, o lago Ocidental de Hangzhou estava repleto de turistas. O mundo não acabou em 2012 e a receita bruta de Macau sobre o jogo excedeu as 300 000 000 000 patacas. Hong Kong e Macau prosperavam e nas duas cidades as pessoas viviam em paz.

Nenhum profeta previu o fim do mundo em 2022. No entanto, Abhigya Anand, uma criança astróloga indiana, fez as seguintes previsões para o corrente ano:  a indústria imobiliária vai ser afectada, as relações entre a China e a Índia vão estar tensas, vão existir rupturas nas cadeias de abastecimento e vão ocorrer inundações devastadoras. O profeta francês Nostradamus previu que haveria oito desastres significativos em 2022, mas nenhuma menção ao fim do mundo. No entanto, 2022 vai ser definitivamente um ano muito mais conturbado do que foi 2012.

Quanto a Macau, em 2021 a receita bruta dos jogos de fortuna atingiu os 86,8 mil milhões de patacas, bastante abaixo da previsão de 130 mil milhões de patacas feita pelo Governo, valor que equilibraria as despesas do Executivo.

A rápida propagação da variante Ómicron deu origem em todo o mundo à quinta vaga de surtos de Covid-19. O fim da quarentena para quem viaja entre Hong Kong e Macau não está à vista e se a pandemia se agravar, Macau pode entrar a qualquer momento em confinamento em relação à China continental. A previsão do fim do mundo é aterradora, mas incomparável aos impactos devastadores da Covid-19 na sociedade e na vida das pessoas.

Alguns especialistas acreditam que a pandemia de Covid-19 irá continuar em 2023. E durante mais quanto tempo vão os residentes de Macau aguentar a retracção da economia?

Não sou profeta, mas quando observamos as mudanças que ocorreram em Hong Kong e em Macau ao longo destes dez anos, salta à vista que a atmosfera social já não é tão pacífica como costumava ser. Sob o princípio orientador “Hong Kong governado por patriotas” e “Macau governado por patriotas”, os agentes políticos das duas RAEs são “uniformemente” aprovados enquanto patriotas. Na ausência de oposição e de dissidência, o comboio da administração conduzido pelo Chefe do Executivo corre suave e eficientemente. No entanto, se o comboio não tiver travões, vai descarrilar mais cedo ou mais tarde. Além disso, os relatórios recentemente publicados pelo Comissariado contra a Corrupção e o Comissariado da Auditoria de Macau fizeram soar o alarme de negligência por parte do Governo da RAE. Os quatro sectores industriais para a promoção da diversificação adequada da economia de Macau, a ser realizada na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau, em Hengqin, estão ainda numa fase inicial de desenvolvimento. Contudo, é uma realidade que os residentes de Macau que compraram apartamentos em Hengqin se vêem impedidos de se instalar nas suas propriedades porque os seus direitos e interesses legítimos na aquisição de imóveis sitos em Distrito de Hengqin não foram protegidos. Mesmo o Conselho de Consumidores de Macau é incapaz de fazer o que quer que seja em relação a esta situação. Assim sendo, como é que a população de Macau pode ter a confiança necessária para investir e participar no desenvolvimento dos quatro sectores industriais in Zona de Cooperação Aprofundada?

Politicamente falando, podem ser usados muitos meios para atingir uma oposição nula. Mas isso não significa que a administração do Governo venha a ser altamente proficiente, na medida em que não existe oposição nem monitorização do Quarto Poder. Assemelha-se à situação de uma pessoa a quem faltam glóbulos brancos, que corre um risco maior de morte. Quanto à segurança nacional, é preciso lembrar que as maiores crises de poder na História foram causadas pelos fracos desempenhos das equipas governativas, como foi o caso das Dinastias Ming e Qing e durante o período da República da China. Assim, governantes que aceitam e conjugam os diversos elementos e que caminham de mãos dadas com o povo são a melhor garantia de segurança nacional e regional.

Em 2022, sob o impacto da quinta vaga desta pandemia, vai ser difícil assistir à recuperação da economia. Politicamente, existe apenas “uma voz”, por isso não se espera grande agitação na governação. Existe um provérbio chinês que nos diz, “da maior das desgraças nasce a felicidade”, que significa que quando a situação já não pode piorar, muda para melhor. Posto isto, desde que consigamos encontrar uma forma de sobreviver em 2022, já nos podemos considerar bem-sucedidos. E se conseguirmos permanecer fiéis aos nossos ideais, seremos vencedores. Quanto às outras questões, Deus lá saberá como lidar com elas.

21 Jan 2022

Aumento das propinas

A semana passada, alguns jornais anunciaram que as propinas das Universidades de Macau iam aumentar. Porque as propinas vão sofrer um aumento acentuado, alguns deputados da Assembleia Legislativa propuseram que a questão fosse debatida no Plenário. Subsequentemente, o Governo de Macau emitiu um comunicado, assinalando que tinham sido tomadas várias medidas para reduzir este aumento. Este incidente atraiu a atenção de diversos sectores da sociedade.

A fórmula de cálculo das propinas universitárias e o seu justo valor são questões complicadas. É impossível afirmar após uma análise primária se o valor de 30.000 ou 40.000 patacas anuais é excessivo, adequado ou baixo. O rendimento per capita em Macau é de cerca de 20.000 patacas mensais, pelo que 30.000 patacas representam um mês e meio de salário e 40.000 patacas equivalem a dois. Que impacto é que o pagamento deste valor tem na vida das pessoas? Como é que vai afectar o orçamento familiar? Vale a pena pensar sobre o assunto.

A partir das notícias publicadas nos órgãos de comunicação social, não é difícil perceber que se compararmos o valor das propinas entre cursos semelhantes em Hong Kong e em Macau veremos que em Macau os custos são inferiores. Um dos factores mais importantes para calcular o valor das propinas é o custo de manutenção das Universidades.

Como é sabido, o custo de vida em Hong Kong é muito elevado, e como tal não é surpreendente que os custos de manutenção de uma Universidade em Hong Kong sejam elevados. As Universidades são subsidiadas pelo Governo.

Os fundos governamentais são provenientes dos impostos pagos pela população. As receitas do Governo de Hong Kong estão sobretudo dependentes dos impostos pagos sobre a venda de terrenos e sobre as actividades industrial e comercial. Não existem muitas fontes de rendimento e as receitas provenientes dos impostos têm sido menores, o que levou o Governo de Hong Kong a adoptar a política de “Recuperação de Custos”. Associa-se a esta situação o facto de já há muito tempo Hong Kong ter uma baixa taxa de natalidade, tendo passado de 130.000 finalistas do secundário por ano, na década de 80, para cerca de 50.000 na actualidade. No entanto, enquanto nessa altura havia duas Universidades hoje em dia existem treze. Com uma limitação dos subsídios que recebem do Governo e uma acentuada redução do número de alunos, como é que é possível que as Universidades de Hong Kong continuarem a funcionar sem aumentem o valor das propinas?

A situação financeira do Governo de Macau é completamente diferente da do Governo de Hong Kong. Antes da pandemia, o Governo de Macau tinha receitas muito elevadas provenientes dos impostos sobre a indústria do jogo.

Estas receitas faziam de Macau uma cidade próspera. Os habitantes de Macau nunca se preocupavam com falta de dinheiro. Mas já passaram mais de dois anos sobre o início da pandemia e as receitas do Governo de Macau foram fortemente afectadas, o que veio dar origem a um déficit fiscal. Há pouco tempo, a Pfizer anunciou que a epidemia vai terminar em 2024. O relatório 19/123 do Fundo Monetário Internacional assinala que em 2025 a situação económica de Macau irá regressar à normalidade. Os sólidos alicerces financeiros e estas boas notícias enchem de confiança os residentes da cidade, que compreendem que a epidemia é apenas uma dificuldade que será ultrapassada a curto prazo. Desde que todos trabalhem em conjunto para vencer as dificuldades, o dia de amanhã só poderá vir a ser melhor.

Como é que as Universidades podem conseguir mais recursos financeiros para apoiarem o seu funcionamento e o seu desenvolvimento? Para reduzir a propagação do vírus, tem de haver redução de contactos sociais. Na altura mais complicada da epidemia, não existiam aulas presenciais, apenas online. Será que a sociedade aceita uma emenda à lei que permita que as Universidades explorem a possibilidade de oferecerem formação superior online? Se os alunos estrangeiros estudarem online, o vírus não viaja até Macau. Ao mesmo tempo, o número de estudantes pode aumentar, bem como o rendimento das Universidades e a sua situação financeira vai naturalmente melhorar.

Durante a epidemia, os trabalhadores têm estado preocupados com os empregos, as empresas com os seus negócios, o Governo com a manutenção do estilo de vida da população, com a situação pandémica e com as receitas dos impostos. Nestas circunstâncias, o aumento de qualquer tipo de contribuição representa uma decisão difícil. Mesmo que não houvesse epidemia, haveria sempre algumas pessoas que se queixariam dos aumentos das propinas. Numa situação em que as pessoas lidam com dificuldades económicas, é possível que haja muita oposição a esta decisão.

“Aumentar as fontes de rendimento e reduzir as despesas” é um princípio importante da gestão financeira. A “Redução de Despesas” vai afectar os accionistas, por isso o aumento das fontes de rendimento é sempre preferível. A solução reside em encontrar uma forma adequada de aumentar as fontes de rendimento de forma a que todos possam ser felizes e virem a ter um sorriso no rosto outra vez.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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18 Jan 2022

Olhe, não falaram de nós!

Os leitores imaginem a maioria dos pavilhões desportivos em Portugal. A sua lotação não dá para quatro mil espectadores. Quatro mil pessoas é muita gente. Por vezes, na televisão vemos manifestações de 500 protestantes e parece que estão presentes mil ou dois mil. Nós estávamos a falar com um jovem de 30 anos que veio a Portugal passar as férias de Natal e Ano Novo. Jovem enfermeiro que emigrou para os Países Baixos (Holanda) e assistimos juntos ao debate entre António Costa e Rui Rio, a maior audiência televisiva da semana. E no final, oiço o enfermeiro exclamar: “Olhe, não falaram nada de nós! Nós somos quatro mil enfermeiros que fomos embora nestes dois anos de pandemia”.

Quatro mil enfermeiros que Portugal perdeu? Isto é escandaloso, arrepiante e desolador. Emigraram por várias razões. O jovem enfermeiro disse-nos que a maioria tinha um salário de miséria em Portugal e não recebia as horas extraordinárias que a covid-19 provocava. Que ele próprio chegou a estar de serviço no Hospital de São João, no Porto, 24 horas interrompendo o serviço de enfermagem apenas para comer umas sandes. Não tinha contrato de trabalho e quando pressionou a gestão hospitalar disseram-lhe que tinha de aguardar por algum tempo. Resolveu logo ir-se embora.

Tinha um colega em Amesterdão e pegou na mala, beijou os pais e a irmã e foi ganhar três vezes mais, com casa e telemóvel gratuitos e ainda um subsídio para os transportes e alimentação. As horas extras são pagas a dobrar aos sábados, domingos e feriados. Obviamente, que a vida nos Países Baixos é mais cara, talvez por isso o nosso enfermeiro se sente feliz porque o contrato de trabalho inclui a residência gratuita. Na verdade, o debate da semana entre o socialista e o social-democrata estiveram mais de uma hora a falar de tudo menos da desgraça que vai pelo interior dos nossos hospitais. Um milhão de portugueses não tem médico de família e num centro de saúde chega-se a encontrar apenas dois enfermeiros.

O debate político foi uma caça ao voto, os dois políticos querem a cadeira de São Bento e apenas se preocuparam com o que muito pouco interessa ao povo. O desplante foi tão grande que António Costa até arranjou a desculpa de o Orçamento do Estado ter sido reprovado para não “oferecer” os prometidos miseráveis 10 euros aos pensionistas e Rui Rio afirmou que vai baixar os impostos quando todos os portugueses sabem que ainda vão pagar mais taxas no futuro.

Nada disseram da ferida enorme de quatro mil enfermeiros terem emigrado e de as nossas instituições hospitalares terem ficado numa aflição em matéria de recursos humanos. Quatro mil enfermeiros que decidiram ir embora dá muito que falar. Toda a gente pergunta porque é que o Governo não se decide pelo aumento de salários aos enfermeiros e ao pagamento imediato das horas extraordinárias. Os enfermeiros tiram um curso, estagiam e praticam a profissão para depois deixarem o que gostam de fazer no seu país, deixam os pais e irmãos, deixam os namorados e namoradas e alguns nunca mais pensam em casar porque terminam a ligação amorosa. Menos natalidade é um facto real que tem a ver com este problema.

São jovens enfermeiros que sonharam namorar, casar e ter filhos. Trabalharem no seu Portugal para bem de todos os que têm a fatalidade de entrar para um hospital. O debate político entre António Costa e Rui Rio foi uma desilusão, onde se preocupava Rio se Costa se ia embora se perdesse e Costa indagou o opositor como é que formava governo se ganhasse as eleições. Os problemas reais que estão a transitar o nosso país para um dos mais pobres da Europa, que observamos uma classe média a desaparecer, pois, amanhã só teremos ricos e pobres.

Os nossos enfermeiros têm emigrado essencialmente para o Reino Unido, Suíça, Espanha, Países Baixos e Emirados Árabes Unidos. É onde vivem como gente e ainda conseguem ajudar a família que reside em Portugal. Só no último ano (2021), o número total de enfermeiros que manifestaram intenção de emigrar corresponde a cerca de um terço dos novos enfermeiros formados anualmente pelas escolas portuguesas.

Assim, enquanto até Junho (de 2021) tinha havido 277 pedidos de emissão de declarações para emigrar, entre Junho e Dezembro esse número ascendeu a 636. E a emigração de enfermeiros não para, nem sequer reduz o número dos que se vão embora. E as nossas autoridades não sabem do que se está a passar? Não ouviram um dirigente da Ordem dos Enfermeiros dizer que está em perigo o funcionamento dos nossos hospitais por falta de enfermeiros? O assunto é grave e este tipo de emigração nada tem a ver com o do pedreiro ou dos motoristas. Estamos perante uma especialidade que trata da nossa saúde e que não podemos viver sem a sua presença nos nossos hospitais. No debate televisivo da semana entre Costa e Rio, naturalmente, que o tema deveria ter vindo a lume e cada um dos intervenientes tinha que se ter pronunciado o que faria para evitar a emigração de enfermeiros, caso subissem ao cargo de primeiro-ministro após o dia 30 deste mês.

*Texto escrito com a antiga grafia

17 Jan 2022

Turismo em comum e democracias participativas

No turismo, o que é especial é comum: os motivos e recursos que atraem turistas a um determinado destino ultrapassam em larga medida a esfera dos serviços turísticos e até a das transações de procura e oferta inerentes às actividades económicas de agentes privados – ou mesmo públicos. Ainda que certamente existam, muito raros serão os casos de viajantes que se deslocam a determinando sítio motivados pela excelência dos serviços de transporte (por muito magníficas condições que se ofereçam em comboios, autocarros ou aviões, também se pode desfrutar dessas comodidades para viajar até outros destinos). Também é raro que se escolha um destino de viagem porque se pode usufruir de determinada unidade hoteleira, até porque hoje há uma oferta altamente diversificada e relativamente sofisticada de serviços de alojamento onde quer que nos desloquemos.

São outras as razões que normalmente nos motivam a ir aos sítios. Excluindo razões pessoais ou profissionais de viagem – em que não há exactamente a livre escolha de um destino mas a necessidade de visitar um sítio predefinido – são razões e motivos profundamente enraizados e partilhados por comunidades locais que nos atraem enquanto turistas. Podem ser características ecológicas e paisagísticas (as praias, as montanhas, os lagos, os parques naturais, a geologia, a fauna, etc.) e as diferentes actividades possíveis nesses lugares (educativas, desportivas, entretenimento, relaxamento). Podem ser aspectos culturais, mais relacionados com elementos materiais (monumentos, museus, arquitectura de edifícios e espaços públicos, artesanatos locais) ou imateriais (modos de vida, eventos, tradições, música ou outras artes performativas, culinária, formas de vestir). Pode ser mais simplesmente o prazer ou à vontade com que se circula em ruas limpas, ambientes despoluídos ou comunidades acolhedoras e seguras.

Quaisquer que sejam estas razões, estamos invariavelmente no domínio do comum, dos recursos comunitários, cuja utilização – ou até produção – resulta de acção colectiva, sem proprietários. Frequentemente são flexíveis as estruturas hierárquicas que regulam a sua utilização – quando as existem: são recursos de todos e não são de ninguém e qualquer pessoa pode deles usufruir. E no entanto, a apropriação dos benefícios resultantes da sua utilização turística está longe de ser comunitária: não só traduz um processo profundamente injusto de privatização, como acaba por beneficiar um número muito limitado de entidades, que em última análise vive da extração de recursos que são de todos – e que lá permanecem, para continuarem a ser extraídos. No caso do turismo, são as empresas de transporte e alojamento quem mais beneficia destes recursos comunitários, frequentemente absorvendo mais de 70 ou 80 por cento dos gastos de quem viaja, e oferecendo um contributo mínimo (ou nulo) para a sua produção, preservação ou valorização.

Estes motivos mais do que justificam o envolvimento das comunidades em processos de planeamento do desenvolvimento turístico. E justificam também que o seu poder de influência seja equiparado (pelo menos) ao do poder das empresas que operam no local – e que normalmente rejeitam essa condição de igualdade reivindicando o mérito da criação de empregos – e negligenciando, quer o facto de viverem da exploração de mercados criados a partir dos recursos comuns a quem vive naquele local, quer o reconhecimento de que a actividade turística também gera problemas económicos, sociais, culturais e ambientais a quem vive em zonas de destino massificado. Barcelona é um desses casos, cidade de bom clima e boa comida, com uma notável dinâmica cultural, incluindo patrimónios antigos e artes contemporâneas, praia e boa vida nocturna, futebol de alto gabarito e notável arquitectura urbana, tudo ligado por muito razoável e acessível rede de transportes públicos.

A massificação turística que se foi construindo sobretudo a partir dos Jogos Olímpicos de 1992 foi criando sucessivos problemas de ocupação do espaço, homogeneização cultural e gentrificação, que foram transformando o centro da cidade em lugar de entretenimento para turistas, em vez de local de encontro de residentes. Os problemas tornaram-se mais evidentes e os conflitos mais acesos quando a crise financeira de 2007-2009 começou a gerar outras vítimas, as do desemprego conjugado com a usura dos mercados de habitação, os novos desalojados nas suas próprias cidades de residência, que foram perdendo as suas casas, cada mais integradas na dinâmica do turismo através de alugueres de curta duração suportados por plataformas digitais alegadamente “colaborativas” – mas que na realidade constituem poderosos instrumentos para maximizar novas formas de exploração de recursos, territórios e pessoas.

Estes conflitos abririam caminho a uma recomposição política sem precedentes na cidade, conduzindo ao poder autárquico novas forças que viriam a atribuir novas centralidades aos conceitos de “comum”, comunidade ou participação nas instituições. Isto também se aplicaria ao turismo, com a criação de um órgão consultivo da câmara municipal – o Conselho de Turismo – onde têm assento, com um delicado equilíbrio numérico, associações empresariais directa e indirectamente ligadas ao turismo, associações de residentes de cada bairro, peritos diversos e organizações não-governamentais com conhecida relevância local, enfim, os protagonistas do turismo, quer enquanto prestadores dos serviços necessários, co-habitantes de um espaço super-ocupado, ou vítimas de uma massificação predatória do território.

Tive oportunidade recente de estudar o assunto, com um colega catalão e outro holandês, com base num conjunto de entrevistas feitas em Barcelona quando a pandemia ainda o permitia. Ficámos a saber do potencial deste tipo de organismo para promover e reforçar laços colaborativos entre agentes com agentes e motivações diferentes e até contraditórios. Mas também constatámos as dificuldades para se gerar alguma forma de consenso sobre as matérias mais complexas, sobre as quais a divergência de posicionamentos – e de potenciais benefícios, já agora – são mais profundas e expostas. O tempo não resolve essas divergências, antes pelo contrário: participar exige tempo, discussões longas e acesas, paciência para frequentemente se chegar a becos sem saídas colectivas. Sobra apenas a expressão dos diferentes interesses que marcam as tensões e conflitos sociais da cidade e já não é pouco, dizem-nos: aprender com lentidão novas formas de colaborar e fazer em conjunto, ao mesmo tempo que se oferece uma fotografia instantânea de quem apoia ou rejeita cada proposta, quem beneficia ou fica prejudicado com cada iniciativa, já são contributos preciosos para haver melhores e mais informadas políticas locais. Para os interessados, o trabalho está publicado na revista académica “Urban Research & Practice”.

14 Jan 2022

Resoluções Sexuais 2022

O Ano Novo de 2022 pede resoluções sexuais. Inspirada nas propostas de muitos investigadores e terapeutas sexuais para o ano de 2022, sistematizei aqui alguns dos desafios que as pessoas poderão abraçar para uma sexualidade feliz e saudável no novo ano.

Descobre o que te dá prazer. Esta é uma dica útil para dois tipos de cenários. Primeiro, para os que não têm prática de masturbação para perceber que tipo de caricias e intensidades são prazerosas. Para os que erradamente julgam que a masturbação é algum motivo de vergonha, é importante reiterar que é um importante veículo para a auto-descoberta.

Outras vantagens já foram descritas na literatura, como ajudar a dormir, aliviar o stress e até fortalecer o sistema imunitário. Segundo, há quem até saiba o que lhe dá prazer e, ainda assim, pode aumentar o repertório de experiências e técnicas. As pessoas e as relações estão sempre a mudar, e estar disponível para (re-)explorar novas experiências sensoriais é um dos segredos para uma vida sexual satisfatória a longo-prazo. Não há limites para esta descoberta. Os brinquedos sexuais são ferramentas que podem otimizar esta exploração. Em breve farei um guia de como comprar brinquedos sexuais: que são muito diversos e para muitas carteiras e objectivos.

Descobre que o sexo é muito mais do que a penetração. Se se começar a interiorizar que o sexo tem muitas formas e práticas, só há vantagens em abraçar esta diversidade. Assim é possível acomodar vários apetites e vontades sexuais em vários momentos das nossas vidas. Há alturas em que pode apetecer umas coisas, em vez de outras. Existem muitas formas de ligação e intimidade que até podem não envolver o toque nos genitais. Só a oportunidade de sentir a pele dos outros, com intenção e consciência, pode ser uma experiência sexual muito gratificante.

Aprende a comunicar o que te dá prazer. Esta dica é muito cliché, mas difícil de ser concretizada. A comunicação tem muito que se lhe diga, principalmente sobre temas sexuais. A investigação é clara que comunicar sobre as fantasias com as parceiras e parceiros está associado com maior prazer sexual e com maior qualidade da relação. Mas também se sabe que é preciso alguns cuidados na comunicação. Comunicar não é atirar as frustrações sexuais para o outro.

Uma boa dica é de que estas conversas devem acontecer fora da cama. Também é preciso ter algum tacto na forma como se fala, começar com as coisas boas da relação sexual e depois explorar alternativas ou partilhar fantasias que gostariam de ver concretizadas. A comunicação é como dançar o tango, precisa de duas pessoas. Mas também precisa que as pessoas estejam em alguma sintonia, para que seja possível ouvir o que outro precisa na cama (ou fora dela).

Estas sugestões são apoiadas por terapeutas sexuais na sua prática diária, bem como pela evidência científica. As dicas são gerais. Prometo rever em breve dicas mais práticas para uma mão cheia de truques na manga. Por exemplo, aprendi no podcast sobre sexo e psicologia do Dr. Justin Lehmiller que há investigação que comprova que gemer e vocalizar com volume durante o encontro sexual está associado a mais prazer. Só com disponibilidade para perceber que o sexo não é um script biologicamente programado é que se abrem as oportunidades de aprender e transformar o sexo, e de como ele é vivido no dia-a-dia. E assim viver um 2022 com mais prazer, por consequência.

12 Jan 2022

Reforço das medidas preventivas

Dada a possibilidade de um novo surto epidémico em Hong Kong, o Centro de Coordenação de Contingência para reforçar a resposta ao novo coronavírus de Macau pede que os residentes estejam mais vigilantes, prestem mais atenção à higiene pessoal, usem máscaras, reduzam os ajuntamentos, tentem evitar festejos e reuniões e deslocações a zonas de grande incidência epidémica.

O Governo está simultaneamente a estudar a implementação de medidas adicionais para prevenir a ocorrência de um surto, nas quais se incluem a necessidade de mostrar o certificado de vacinação ou um teste negativo ao ácido nucleico para aceder a determinados locais.

Até agora, os casos positivos da variante Ómicron que surgiram em Macau, eram todos importados, não existindo registo de infecções locais. Tendo em vista as medidas supracitadas, o Governo pretende obviamente aumentar o nível de consciencialização da população, reforçar a prevenção e diminuir o risco de propagação do vírus. Todos devem cooperar.

As novas medidas ainda não foram anunciadas, mas, pela lógica, os locais que irão pedir o certificado ou o teste negativo deverão ser bares, discotecas, saunas, restaurantes, cinemas, ginásios, salões de beleza, etc. Os restaurantes serão os locais que levantam mais preocupações.

Após a divulgação destas notícias, os profissionais da restauração manifestaram as suas preocupações. Em primeiro lugar, como é obvio, expressam o receio que haja redução de clientela. Alguns profissionais de catering assinalaram que já houve cancelamentos de alguns banquetes, e acredita-se que estes cancelamentos continuem. Parece inevitável que o sector da restauração vá ser afectado. Em segundo lugar, se as medidas de inspecção forem implementadas, será necessário destacar funcionários para fazer a verificação dos certificados e dos testes. Terão os restaurantes funcionários suficientes para a realização de mais esta tarefa? Se o cliente apresentar um certificado falso, o restaurante pode ser responsabilizado e incorrer em pena?

Os funcionários que fazem a verificação dos certificados e dos testes não são peritos que possam atestar a autenticidade desses documentos. Se vierem a ser responsabilizados pela documentação falsa, estaremos perante um caso de “uma pessoa comete um crime e o castigo recai sobre outra”. A verificar-se esta situação as preocupações do pessoal da restauração não deixam de ser razoáveis.

Depois do surto da epidemia, Macau implementou o código de saúde. Este código pode ajudar a identificar pessoas que estão infectadas com o vírus, ou que tiveram contacto próximo com quem está. Esta medida foi sem dúvida eficaz. O certificado de vacinação e o teste negativo são registados no código de saúde. Esta informação fica disponível no telemóvel. Os funcionários dos restaurantes podem aceder à informação através do telemóvel do cliente. Deve ser dada especial atenção quando estes dados são apresentados em papel. Como é que os funcionários dos restaurantes podem ser responsáveis pela autenticidade destes documentos? Se um cliente apresentar em papel um certificado ou um teste falsificado, qual vai ser a responsabilidade do restaurante perante a inspecção? Todos estes factores devem ser tomados em linha de conta pelo Governo antes de formular as medidas preventivas de reforço.

O Governo tem de combater a epidemia, mas todos nós a temos de combater ainda mais. Se todos estivermos saudáveis, Macau estará naturalmente saudável. O Ano Novo chinês está a chegar. Na sociedade chinesa, as famílias juntam-se para celebrar esta ocasião. Se alguns membros da família viverem em Macau e outros na China continental, será possível as pessoas considerarem ficar em Macau, não se reunindo desta vez com os seus familiares do continente, por causa da epidemia?

Actualmente, só a vacinação pode prevenir os efeitos negativos do vírus. Há algum tempo, peritos em saúde publicaram um artigo no Journal of the American Medical Association, assinalando que as vacinas e os anti-corpos têm um efeito limitado no tempo, sugerindo que devemos tratar este vírus como tratamos outras infecções respiratórias. Ezequiel J. Emanuel, vice-reitor para as iniciativas globais da Universidade da Pensilvãnia, declarou:

“Temos de ajustar os nossos objectivos para conseguirmos gerir esta situação e podermos viver normalmente na presença do vírus, tal como fazemos com a gripe.”

A comunicação social não falou sobre as medidas que devem ser tomadas para implementar esta teoria. Cientistas da Organização Mundial de Saúde assinalaram que os resultados preliminares da investigação mostraram que o risco de hospitalização com a variante Ómicron é inferior ao risco de hospitalização com a variante Delta, risco esse que diminui acentuadamente em pessoas vacinadas. Na ausência de medicamentos que possam combater eficazmente o vírus, o melhor método de protecção continua a ser a vacinação.

A Pfizer assinalou que em 2024 este vírus será uma espécie de vírus da gripe, e esta declaração dá-nos esperança. Esperamos que se possam criar medicamentos que combatam eficazmente o vírus e que o possamos erradicar o mais rapidamente possível.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk 

11 Jan 2022

A política: A grande porca

A Paródia foi fundada em 1900 por Rafael Bordalo Pinheiro. O novo jornal dava conta, através da caricatura e do cartoon, dos principais acontecimentos políticos e sociais de então. Sob o título “A Política: a Grande Porca”, Bordalo Pinheiro inaugurou uma série de zoopolítica onde os grandes vícios da política e das instituições nacionais eram transfigurados em animais. Aqui, a política foi apresentada como uma grande porca que amamentava uma ninhada de bacorinhos, cada um deles representando partidos políticos e seus membros, identificados por siglas nos respectivos traseiros.

Pois, durante toda a semana passada só me lembrei de Rafael Bordalo Pinheiro ao assistir às dezenas de debates, e ainda faltam alguns, que decorreram por vários canais de televisão entre os políticos que vão a eleições no próximo dia 30. Os debates se decorressem em 1900 encheriam as páginas do jornal de Bordalo Pinheiro. Tivemos pena de não possuir um jornal humorístico porque esgotava diariamente pela certa. Os debates não foram debates. Dez minutos para cada interveniente, que passavam o tempo a lavar roupa suja, não chegaram para nada. Teria sido pelo tão miserável tempo concedido aos intervenientes que nenhum político falou do que interessava ao povo? Não se falou do problema da habitação, da saúde, do apoio social, das reformas miseráveis que existem em Portugal, do desemprego, dos impostos que aumentam mensalmente, das infraestruturas necessárias nas aldeias e algumas vilas.

Em nada se falou do que seria importante. Apareceram os líderes do PS, PSD, PAN, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, CDS e do Chega.

António Costa, sempre preocupado em conseguir os votos suficientes para uma maioria absoluta. Rui Rio, impreparado, não apresentou uma proposta governativa para bem do país no caso de ganhar as eleições e ainda se pôs a “namorar” com o líder do CDS. Sobre Inês Sousa Real não faço a mínima ideia como é que pode ter pensado em ser uma política em defesa de pessoas, animais e da natureza. Não disse uma palavra que defendesse a agricultura e nem sequer se lembrou de referir as muitas matas e residências que arderam nos últimos anos e que ainda não foi feita qualquer reflorestação ou sobre as famílias atingidas pelos fogos e que vivem das esmolas dos amigos ou de beneméritos como o empresário de futebol Jorge Mendes. O Cotrim Figueiredo tem dado a ideia de que não sabe o que quer. Ninguém percebe o que é Iniciativa Libera. O senhor dá a ideia que não sabe o que é o liberalismo, que não sabe ainda se se alia ao PSD para tentar uma maioria de governo de direita. O Francisco Rodrigues dos Santos, mais conhecido como o “Chicão”, ainda não se convenceu que devia dedicar-se a coleccionar soldadinhos de chumbo e pôr-se a fazer guerras com a bonecada. Ele bem quer guerrear os adversários de debate televisivo, mas o que diz ultrapassa o ridículo e tem mostrado bem que apenas anda na política para possuir um “tacho” sem se aperceber que o CDS está a definhar. Catarina Martins surpreendeu os auditórios. Calma, sabendo do que fala, apresentando propostas, estragou tudo ao não ter sido mais dura e falar de “homem para homem” com o neofascista André Ventura. Este, já chega. Já chega de tanta demagogia, de tanta trapalhada, de ser tão malcriado para certos adversários, chega de mentiras e de tentar arrebanhar a maioria silenciosa fascista que inequivocamente existe no país, chega de Ventura por não ter um bocadinho de ventura. Como lhe disse António Costa “não passará”. Jerónimo de Sousa tem estado a despedir-se, diz as suas verdades em defesa dos mais desprotegidos, prossegue com a linha cunhalista de sempre e as suas intervenções nos debates não vão conseguir que o povo lhe dê 10 por cento dos votos.

Enfim, a política é efectivamente em 2022 a mesma coisa que em 1900 quando Bordalo Pinheiro afirmou que era uma grande porca. Todos querem defender a ida para o poder. O poder dá dinheiro, influência, negócios obscuros, corrupção infindável. Todos os políticos têm-se portado muito mal porque o povo português na sua maioria está a cada vez mais pobre. E ainda por cima os preços dos produtos estão a aumentar assustadoramente. Os restaurantes estão vazios. A cultura nem se vê. O Ministério da Saúde não sabe o que fazer com o vírus ómicron e colocou as criancinhas a vacinarem-se. Para se ser político tem de se ser muito competente, sério, trabalhador e não estar a pensar constantemente quanto é que aquela adjudicação de um projecto de milhões me pode dar de comissão…

Se os debates eram para elucidarem o povo do que poderá melhorar a sua vida, nada disso aconteceu. As eleições estão à porta e nos debates nada foi anunciado para bem de todos nós. Nem o debate do próximo dia 13 entre António Costa e Rui Rio nos irá trazer qualquer solução. Ambos querem o poder e ambos não se importam de um dia se aliarem. Na verdade, a política é uma grande porca…


# Rafael Bordalo Pinheiro

*Texto escrito com a antiga grafia

10 Jan 2022