Normalidade anormal

Em matemática, quando multiplicamos dois números negativos, o resultado é sempre positivo, ao passo que se multiplicarmos um número negativo por um positivo, o resultado será sempre negativo. Os princípios éticos ensinam-nos que as más intenções nunca podem produzir bons resultados. Em situações que saem da norma, tudo é razoavelmente anormal. Se considerarmos que algo é “normal”, em situações anormais, estamos apenas a racionalizar e a normalizar a anormalidade. É lamentável que o hábito de racionalizar fenómenos anormais esteja a ser cada vez mais bem aceite nas nossas sociedades.

De acordo com os jornais de Hong Kong, Ingrid Yeung Ho Poi-yan, Secretária da Administração Pública de Hong Kong, respondeu recentemente a questões relacionadas com a demissão de funcionários públicos, durante a sessão do Comité de Finanças do Conselho Legislativo. Ingrid Yeung Ho Poi-yan declarou que estas demissões eram “normais dentro de uma situação irregular e que toda a Hong Kong está a viver um período anormal”. Admiro a coragem que Mrs. Yeung precisou de ter para dizer a verdade. Mas se a situação anormal não for resolvida, mesmo que o processo de recrutamento de funcionários públicos seja acelerado, ou se for seguido o exemplo da Polícia de Hong Kong, que flexibilizou os requisitos de admissão dos novos recrutas, mesmo assim não se resolve o problema da saída de Hong Kong de pessoal altamente especializado.

Desde a implementação da Lei de Segurança Nacional para Hong Kong em Junho de 2020, a frase “do caos à ordem, da estabilidade à prosperidade” tornou-se um jargão político muito popular. Passados quase três anos, e de acordo com o Relatório de Situação da População Mundial divulgado pelo Fundo de População das Nações Unidas em Abril deste ano, Hong Kong tem a taxa de natalidade mais baixa do mundo, nascendo apenas 0,8 crianças por cada mulher, seguido de perto pela Coreia do Sul com uma taxa de 0,9. Nos últimos anos, as relações entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul têm sido tensas, com a existência de tempos a tempos de conflitos militares e de ameaças nucleares, conduzindo assim a uma taxa de natalidade sistematicamente baixa, e isto pode ser considerado um fenómeno natural. Mas em Hong Kong, após quase três anos de transição “do caos à ordem, da estabilidade à prosperidade”, de acordo com o princípio orientador de “Hong Kong governado por patriotas”, a taxa de natalidade não só não cresceu como diminuiu. As autoridades de Hong Kong deviam reflectir profundamente sobre as causas deste problema e encontrar formas de permitir Hong Kong volte verdadeiramente à normalidade!

Há uma expressão chinesa que diz “quem recuou 50 passos ri-se de quem recuou 100. Fala sobre dois desertores que abandonaram o campo de batalha, o que recuou 50 passos ri-se do que recuou 100 e chama-lhe cobarde, e o último responde que todos têm medo da morte.

Macau e Hong Kong são ambas Regiões Administrativas Especiais e passaram por vários problemas nos últimos anos, embora a situação em Macau seja aparentemente menos grave do que em Hong Kong. Tomemos como exemplo a obra de construção do novo estabelecimento prisional de Macau (Fase III). Em Fevereiro deste ano, a Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Finanças Públicas da Assembleia Legislativa declarou num dos seus pareceres que se fariam todos os esforços para que a Fase III estivesse concluída em Fevereiro ou Março de 2023. Mas num anúncio da Direcção dos Serviços de Obras Públicas, feito em Abril, o empreiteiro da Fase III declarou que o seu progresso tinha sido afectado pela pandemia e que a conclusão estava prevista para o fim deste mês,

O progresso e as custas da obra de construção do novo estabelecimento prisional de Macau (Fase III) deveriam ser eficazmente monitorizadas pela Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Finanças Públicas. No entanto, em Macau, não é surpreendente encontrar atrasos e derrapagens de custos nos projectos governamentais devido diversas causas, incluindo tanto as catástrofes naturais como os factores humanos. Infelizmente, a sociedade de Macau habituou-se a aceitar em silêncio certos fenómenos anormais como sendo normais. Para restaurar verdadeiramente a normalidade na sociedade de Macau, é crucial eliminar os elementos anormais.

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