Tradição, alicerce do patriotismo

[dropcap]O[/dropcap] debate das Linhas de Acção Governativa das cinco áreas principais de trabalho foi concluído a 6 de Maio na Assembleia Legislativa. A única vantagem de se ter abreviado a discussão, inicialmente agendada para dois dias e efectuada em apenas um, foi a possibilidade de os deputados terem ido para casa mais cedo. Quem acompanhou a discussão na comunicação social concordará que os ditos “debates” se resumiram a uma sessão de perguntas colocadas pelos deputados aos membros do Governo, ou melhor, a uma demonstração de apreço dos deputados pelo Governo. A forma como os legisladores e os membros do Governo interagiram fazia lembrar uma partida de ténis de mesa, com a bola a ser atirada com regularidade de um lado para o outro. Os deputados faziam o serviço, mas a vantagem era sempre dos membros do Governo. Se a estrutura da Assembleia Legislativa se mantiver, a qualidade interventiva dos deputados não vai melhorar, e desta forma nunca será possível monitorizar o desempenho do Executivo. Por exemplo, quando um deputado interpelou o Governo sobre a demora na construção do novo Estabelecimento Prisional de Macau (EPM) em Coloane e sobre os elevados custos envolvidos, o assunto foi evitado e teve como resposta uma vaga alusão a uma suposta monitorização do projecto. Só num sítio tão especial como Macau este tipo de coisas pode acontecer. Fica a pergunta por responder, quem é o verdadeiro responsável pelo atraso na conclusão do novo EPM?

Não tenho a certeza se o Governo se sente ameaçado com a luta pela liberdade e pela democracia na região vizinha. Mas alguns membros do Governo sentem que Macau se tornou cada vez menos seguro após o regresso à soberania chinesa e que passou a ser uma séria ameaça à segurança nacional. É por isso que foram instalados mais “Olhos no Céu” (“Sistema de Videovigilância em Espaços Públicos” em toda a cidade.

Depois de a “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado” ter sido implementada, foi criado um grupo de trabalho interdepartamental para assegurar o cumprimento desta lei, e foi igualmente criado um conjunto de leis e regulamentos complementares com a finalidade de transformar Macau numa cidade patriótica e inteligente.

Poderão os “Olhos no Céu”, as “super bases de dados” e os diversas “quadros legais” garantir a segurança nacional? A resposta é um redondo NÃO. Algumas pessoas propuseram a introdução da “educação patriótica” e a criação de uma base de educação do amor à pátria e amor a Macau. Macau é efectivamente um local repleto de História. Durante o final da Dinastia Qing, o mercador Zheng Guanying (a sua família residia em Macau há já várias gerações) escreveu um livro intitulado “Advertências em Tempos de Prosperidade”, que se compunha de avisos à corte Qing. O Dr. Sun Yat-sen, no regresso a casa após uma temporada a estudar no estrangeiro, utilizou Hong Kong e Macau como bases revolucionárias para planear o fim da governação Qing. Mesmo o General Ye Ting, que se juntou ao Kuomintang e posteriormente ao Partido Comunista, chegou a residir em Macau.

Karl Marx era um judeu alemão. Durante a sua vida, Israel ainda não era reconhecido como um país. Baidu Baike afirmou que Karl Marx não tinha nacionalidade. Adolf Hitler, Hideki Tojo e Mussolini, defenderam respectivamente o pan-Germanismo, a Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental e a restauração da glória do Império Romano. Acreditavam todos na “educação patriótica” que, em última análise, se virou contra os seus próprios países. Para conhecermos o nosso verdadeiro patriotismo, temos de entender a cultura tradicional chinesa.

O pensador Confusionista Mencius defendia que o bem-estar do povo se sobrepõe ao bem-estar do país e só aqueles que recebem o apoio popular estão em posição de poder governar. Analisando a rebelião popular para derrubar a Dinastia Shang e matar o rei, Mencius advogava a morte dos tiranos cruéis e não a morte do rei. Quando comparada com as teorias da era moderna, a tese de Mencius da “supremacia dos direitos do povo”, que já existia antes da “Teoria do Governo” de John Locke, revela-se muito mais avançada do que a “Declaração de Independência” dos Estados Unidos.

Mencius foi uma figura profética, um verdadeiro patriota e um homem de estado, deliberadamente ignorado pelos sucessivos monarcas chineses. As suas palavras e os seus feitos merecem ser estudados nas escolas e integrar os conteúdos de uma verdadeira educação patriótica.

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