As futuras gerações perante as alterações climáticas

É interessante constatar que a juventude tem vindo a demonstrar grande preocupação pelo futuro, no que se refere à sustentabilidade do nosso planeta. Essa preocupação reflete-se nas iniciativas que os jovens têm vindo a adotar à escala mundial, em prole de um futuro sem combustíveis fósseis, os quais são considerados como a principal causa do aumento da concentração de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera, e consequentemente das alterações climáticas. É incontestável a consequente degradação progressiva do meio-ambiente, a perda de ecossistemas e a diminuição drástica da biodiversidade, o que se reflete na sustentabilidade do nosso planeta e na deterioração das condições de vida.

Das organizações e programas das Nações Unidas que mais ações têm levado a cabo para alterar esta situação, sobressaem a Organização Meteorológica Mundial (OMM) e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), sob os auspícios dos quais foi criado o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, órgão que procede à monitorização das transformações a que o clima tem estado sujeito devido às atividades antropogénicas.

A OMM é a agência especializada das Nações Unidas que tem como missão a cooperação internacional e a coordenação de atividades que envolvem o estado e o comportamento da atmosfera do nosso planeta, a sua interação com a terra e os oceanos, o tempo, o clima e os recursos hídricos.

Por outro lado, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, criado em 1972, tem como missão informar e aconselhar os Estados sobre como melhorar a qualidade de vida das suas populações e das gerações futuras, através da implementação de uma agenda ambiental que entra em consideração com o desenvolvimento sustentável.

Apesar dos esforços da OMM, do PNUA e de outras organizações e programas das Nações Unidas, que se têm refletido no estabelecimento do Protocolo de Quioto e na realização das 27 Conferências das Partes (Conferences of the Parties – COP), onde têm sido estabelecidos compromissos para reverter o aumento da concentração dos GEE, parece estar comprometido o almejado objetivo do Acordo de Paris, que consiste em que o aumento da temperatura média do ar , à escala global, não ultrapasse os 2 ºC, de preferência inferior a 1,5 ºC, até ao fim do corrente século.

Na realidade, esse aumento já ultrapassou 1,1 ºC em relação ao início da era industrial, há aproximadamente 150 anos. A passividade com que os governos dos países e as diferentes partes envolvidas têm vindo a atuar tem sido confrangedora, na medida em que não põem em prática, ou o fazem-no com grande lentidão, as recomendações acordadas nos vários fóruns onde estes assuntos são tratados.

A preocupação com as gerações futuras sobre a sustentabilidade da vida no nosso planeta perante o que pode acontecer ao clima está expressa no tema que a OMM escolheu para celebrar este ano o Dia Meteorológico Mundial (DMM) de 2023: “O Futuro do Tempo, do Clima e da Água através das Gerações” .

O dia 23 de março, data do aniversário da entrada em vigor da Convenção da OMM, é normalmente celebrado pelos serviços meteorológicos nacionais, realizando palestras, visitas de estudo, artigos nos órgãos de comunicação social, emissão de selos comemorativos, etc. A decisão oficial da criação da OMM foi há 150 anos, em 1873, no Congresso Internacional de Meteorologia, que teve lugar em Viena, nessa altura capital do Império Austro-Húngaro.

Neste encontro foi tomada a decisão de criar uma organização que tivesse como funções a coordenação das atividades relacionadas com o intercâmbio de informação meteorológica entre países, a Organização Internacional de Meteorologia , que incumbiu um comité de redigir as regras e os estatutos de uma organização mais vasta, que veio a designar-se por Organização Meteorológica Mundial.

A OMM tem sede em Genebra e conta com 193 membros entre Estados (187) e Territórios Membros (6). Portugal aderiu à OMM em 1951 e, na sequência de diligências conjuntas entre o nosso país e a China, Macau foi aceite como Território Membro em 1996, ainda sob administração portuguesa.

Segundo a Convenção da OMM – Artigo 3(d) – os territórios, desde que tenham serviços meteorológicos próprios, podem tornar-se Territórios Membros, passando a ter os mesmos direitos que os Estados em algumas questões relacionadas com o funcionamento da organização. É o caso da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), que possui os Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG) desde 1952, e da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK), cujo serviço meteorológico (Hong Kong Observatory), foi criado em 1883. Os respetivos delegados podem votar para a eleição do Secretário-Geral em pé de igualdade com os Estados Membros, o que faz com que a China tenha direito a três votos nessa eleição. Os votos, em princípio, são independentes, mas ninguém acreditaria que os Territórios Membros votariam de modo divergente ao da potência administrante.

Perante esta situação, no 14.º Congresso da OMM (Genebra, 5–24 de maio, 2003), o delegado do México manifestou a sua estranheza por esse facto, tendo o Secretariado esclarecido que a China e o Reino Unido haviam submetido o pedido de admissão de Hong Kong, China, no 12.º Congresso (1995), e que analogamente, a China e Portugal submeteram um pedido semelhante ao 13.º Congresso (1999), em relação a Macau, China. Em ambos os casos, o Congresso aceitou os pedidos, conforme o estabelecido na Convenção da OMM.

Esta situação, no entanto, não é caso único, na medida em que outros países que administram Territórios Membros, como a França, os Países Baixos e o Reino Unido, também têm direito a mais do que um voto. Tal deve-se ao facto de administrarem, respetivamente, a Polinésia Francesa e a Nova Caledónia, Curaçau e São Martinho, e Territórios Britânicos das Caraíbas. Portugal esteve em situação análoga no XIII congresso da OMM (4-26 maio 1999), devido ao facto de Macau ainda estar sob administração portuguesa.

Portugal e os restantes países de língua portuguesa têm-se batido, nos congressos da OMM, pela adoção do português como língua oficial desta organização. O argumento defendido pelos países lusófonos baseia-se na realidade de o português ser uma das línguas mais faladas no mundo. Com cerca de 280 milhões de falantes, mais do que os de língua russa, é a quinta língua à escala mundial e a mais falada no hemisfério sul.

Acontece, porém, que essa medida implicaria um forte acréscimo nas despesas com a tradução de documentos, e no recurso a intérpretes durante as sessões. Segundo aqueles que se opõem às pretensões dos países lusófonos, o facto de haver seis línguas oficiais (árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo) já implica um grande esforço financeiro por parte da OMM. Conseguiu-se, no entanto, que o português alcançasse o estatuto de língua de trabalho, com recurso a um fundo para o qual contribuem alguns membros, nomeadamente Angola, Brasil, Portugal e Região Administrativa Especial de Macau.

Os temas selecionados para as celebrações anuais do DMM refletem frequentemente as preocupações relacionadas com a evolução do clima. Por exemplo, nos últimos dez anos, o conceito “clima” é referido seis vezes: “The Future of Weather, Climate and Water across Generations, 2023”; “The Ocean, Our Climate and Weather, 2021”; “Climate and Water, 2020”; “Weather-ready, climate-smart, 2018”; “Climate knowledge for Climate Action, 2015”; “Weather and Climate: Engaging youth, 2014”.

Perante a realidade do facto de se constatar um aumento da frequência de fenómenos meteorológicos extremos, da subida do nível do mar em consequência do degelo de glaciares e calotas polares, dos oceanos estarem mais quentes e com maior grau de acidez, é natural a preocupação sobre as condições de vida das novas gerações. Neste contexto, a OMM está a trabalhar no sentido de desenvolver uma infraestrutura à escala mundial para monitorização da concentração dos GEE, com o intuito de apoiar a implementação do Acordo de Paris.

Atendendo a que o tempo, o clima e os recursos hídricos não conhecem fronteiras, é importante que as Nações Unidas, como instituição transnacional, e outras instituições internacionais, continuem a zelar pelas gerações futuras, e a reunir esforços para que estas tenham a possibilidade herdar um planeta mais sustentável. Todos nós, a título individual e coletivo, somos também responsáveis pela concretização desse objetivo.

*Meteorologista

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