Covid-19 | Novo caso aguarda resultados sobre variante inglesa e não implica medidas nas fronteiras

Será que a passageira proveniente do voo de Tóquio está infectada com a nova variante do vírus? Os Serviços de Saúde descartam haver perigo de propagação comunitária e o fecho de fronteiras com a China. A operação prova a eficácia das medidas tomadas, afirmam. Plano de vacinação continua sem datas

 

A passageira diagnosticada com covid-19 à chegada a Macau na passada quinta-feira não apresenta sinais de mal-estar nem indícios de pneumonia, após a realização das primeiras análises no Centro Hospitalar Conde de São Januário, onde está internada. Contudo, os Serviços de Saúde (SS) revelaram que é ainda impossível confirmar se se trata da nova variante do vírus, mais contagiosa.

Por esse motivo, e vincando não existir risco de transmissão comunitária e que os SS estão preparados para lidar com novos casos, o médico Alvis Lo Iek Long avançou que serão realizados novos testes à paciente de 43 anos.

“Existir um caso confirmado significa que a situação é estável e que vamos tomar medidas para evitar a transmissão entre o pessoal da Saúde. [A paciente] esteve em vários lugares durante a viagem e, por isso, vamos fazer testes aos genes para verificar o nível de anticorpos e assim confirmar se tem a nova variante”, revelou durante uma conferência de imprensa realizada na passada sexta-feira, agendada no rescaldo da descoberta do novo caso.

Recorde-se que a infecção, correspondente ao 47º caso em Macau, foi a primeira registada no território em cerca de sete meses. A paciente é uma residente, de 43 anos, que partiu do Dubai a 19 de Janeiro, e que chegou a Tóquio no dia 20 por Singapura, acabando por aterrar em Macau às 21h18 de quinta-feira. Antes disso, foi também revelado que, até chegar a Macau, a paciente esteve no Reino Unido entre 22 de Novembro e 23 de Dezembro para visitar familiares e que, entre 24 de Dezembro e 19 de Janeiro, ficou no Dubai.

Questionado sobre o motivo para a paciente ter testado positivo à covid-19, mesmo depois de ter sido obrigada a apresentar um resultado negativo nas 72 horas anteriores, Alvis Lo vincou que “os testes não oferecem 100 por cento de garantias” e que, quando fez o rastreio, estava assintomática e, provavelmente, em período de incubação.

Já sobre as medidas tomadas para lidar com a chegada dos 109 passageiros distribuídos por dois voos provenientes de Tóquio, o médico revelou que os SS estavam preparados para “o pior”.

“Fizemos vários simulacros e reuniões e preparámo-nos para o pior. Por isso, durante a operação, cada passageiro que chegou a Macau foi tratado como se fosse um caso confirmado. Além disso, todo o pessoal teve de usar equipamento de protecção e fizemos tudo para evitar infecções cruzadas. As bagagens foram desinfectadas três vezes e todos o pessoal da linha da frente que participou (…) vai fazer três testes de ácido nucleico porque estiveram próximo dos passageiros. A tripulação vai fazer quarentena durante 21 dias e testes de ácido nucleico. Com as medidas tomadas, o risco não é grave”, explicou.

Fronteiras sem mexidas

Durante a conferência de imprensa, Alvis Lo Iek Long sublinhou ainda que, devido ao novo caso, não estão a ser ponderadas novas medidas, nomeadamente nas fronteiras. Isto apesar de revelar que as autoridades de Macau estão em “alerta máximo” e em contacto permanente com as autoridades do Interior da China, onde se tem verificado um aumento recente do número de casos de covid-19.

“Só no caso de haver casos na comunidade é que vamos activar o mecanismo de corte das entradas e saídas nas fronteiras. Mas agora, como o caso confirmado foi tratado em circuito fechado não vai afectar as medidas nas fronteiras”, explicou.

Segurança | Governo pondera comprar seguros para quem for vacinado

O Governo está a estudar a aquisição de um seguro para quem for vacinado contra o novo tipo de coronavírus. A informação foi avançada pela secretária pelos Assuntos Sociais e Cultura, Ao Ieong U. O objectivo passa pela compra de um seguro para quem vai receber a vacina, ficando as despesas a cargo do Governo, que já entrou em negociações com o sector dos seguros. “Quando houver uma proposta adequada será divulgada”, indica uma nota do Gabinete de Comunicação Social. Por outro lado, questionada sobre a utilidade do edifício do Instituto de Enfermagem do Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas, a secretária indicou que o Governo espera “aproveitar ao máximo essas instalações para alcançar maior eficácia”, no sentido de formar mais pessoal na área.

Vacinas | Governo ainda sem datas para anunciar

Continua a não haver datas para o início do plano de vacinação contra a covid-19 em Macau. Contudo, apontando que as vacinas encomendadas chegarão ao território até Março Leong Iek Hou, do Centro de Prevenção e Controlo da Doença, diz que não há motivos para a população estar preocupada, até porque as autoridades estão a trabalhar nesse sentido. “Ainda não sabemos a data exacta da chegada das vacinas, mas é no primeiro trimestre. Já temos planos traçados e estamos a preparar, por exemplo, como fazer a avaliação das vacinas, dar formação ao pessoal de saúde (…), aproveitar a Conta Única para as pessoas fazerem o registo e como apresentar essa informação no Código de Saúde. Posteriormente vamos divulgar mais detalhes sobre a vacinação e transmitir o mais cedo possível. Não se preocupem”, referiu.

25 Jan 2021

Voo Tóquio-Macau: Residentes contam como foi

Kits com fraldas, que não foram obrigatórias, distanciamento social, organização, método, aparato policial do aeroporto aos hotéis. Três residentes descrevem a sua experiência nos voos Tóquio-Macau, vindo da Europa, de onde saiu mais um caso positivo de covid-19, com ínfima possibilidade de transmissão local

 

Viajaram por questões prementes para Portugal e não faziam ideia de que, quando do regresso, se deparassem com o cancelamento de voos por parte das autoridades de Taiwan. Um total de 115 residentes chegaram na quinta-feira oriundos da Europa, via Tóquio, separados em dois voos. Três deles contaram ao HM a experiência de viajar com todas as regras de segurança, em contraste com o cenário vivido na Europa.

“O voo para Amesterdão vinha quase lotado. Felizmente que o voo Amesterdão-Tóquio tinha o distanciamento necessário e quando chegámos a Tóquio já tínhamos pessoal dos Serviços de Saúde a dar-nos apoio”, contou o fotógrafo António Mil-Homens, que viajou no segundo voo, de onde saiu o 47º caso positivo de covid-19 registado em Macau.

No entanto, o residente confessa que “o risco e o número de pessoas com contacto próximo foi extremamente reduzido”. “Havia lugares livres entre pessoas e filas vazias entre passageiros. Não se podia ter exigido mais em termos de precauções”, disse.

Num voo de cerca de cinco horas, António Mil-Homens acabou por não usar a fralda providenciada pelas autoridades, que não era de uso obrigatório. “Desembarcámos do avião e fomos divididos em quatro grupos, identificados por cores. Fizemos o teste e tínhamos um balcão só para nós para controlo da emigração.”

António Mil-Homens destaca o enorme aparato policial aquando do transporte para o hotel onde se encontra a cumprir a quarentena de 21 dias. “A sensação que tenho é que como se gerou um movimento de crítica de que vinham residentes de zonas de alto risco, este aparato exterior serviu para demonstrar à população de que estavam a ser tomadas todas as precauções.”

Mais voos precisam-se

Jéssica Leão viajou para Portugal a 11 de Dezembro por motivos familiares, e desde o momento em que aterrou em Lisboa tudo mudou. O voo de regresso foi feito de forma tranquila. “Acho que se fez um grande alarido à volta do uso das fraldas, mas não usei porque foi um voo de cinco horas.”

O contraste com a insegurança sentida na Europa foi grande. “Mostrámos o teste [à covid-19] no momento do check-in em Lisboa para Amesterdão, mas o voo ia cheio. Não tem comparação possível, os voos que fiz na Europa estavam apinhados.”

A residente gostaria que as autoridades organizassem mais acções semelhantes para o regresso de outros portadores de BIR ao território. “Dentro de um certo período de tempo deveria pensar-se nessa hipótese. As medidas aqui são rigorosas para evitar o contágio junto da população, mas é sempre uma decisão do Governo, uma vez que envolve uma grande logística.”

Marta Pereira, jornalista, confessa que sentiu medo quando viajou no espaço europeu. “A Europa não está preparada como está a Ásia. Quando fui para Portugal, via Taiwan, e quando cheguei a Paris, deparei-me com um aeroporto completamente cheio sem distanciamento social.” A chegada à RAEM fez-se com ajuda do pessoal da Air Macau “de forma muito ordeira e organizada”, frisou a residente.

Código de saúde | Cor amarela permite trabalhar e ir à escola

Sobre o período de auto-gestão de sete dias obrigatório para quem tenha feito quarentena e que activa o Código de Saúde amarelo, Leong Iek Hou, do Centro de Prevenção e Controlo da Doença, esclareceu que a sinalética não introduz qualquer impedimento para trabalhar ou ir à escola. As proibições são apenas ao nível da entrada em locais com aglomerações ou contactos com trabalhadores da linha da frente.

“Depois da observação médica de 21 dias é necessário fazer auto-gestão de saúde de sete dias. As pessoas podem ir à escola, podem ir trabalhar, mas estão proibidas de ir a locais com grandes concentrações ou de ter contacto, por exemplo, com o pessoal da linha da frente. O período de auto-gestão é uma medida de dupla proteção, até porque essas pessoas já foram testadas”, explicou a médica.

25 Jan 2021

Covid-19 | Governo alerta para caso assintomático detectado em Zhuhai vindo a Ucrânia

O Centro de Coordenação e Contingência do Novo Tipo de Coronavírus emitiu hoje um alerta para a descoberta de um novo caso de infecção de covid-19 em Zhuhai, para já assintomático, proveniente da Ucrânia. A pessoa em questão chegou a Zhuhai a 2 de Janeiro e, depois de 14 dias de quarentena, regressou à cidade para uma auto-gestão do seu estado de saúde na sua casa por um período adicional de sete dias. No sábado foi realizado um teste de ácido nucleico com resultado positivo. Os especialistas concluíram tratar-se de uma infecção assintomática importada (recaída).

As autoridades de Macau afirmam estar em contacto com Zhuhai sobre esta matéria e, para já, “nos contactos próximos [com a pessoa infectada] não foi encontrado ninguém que tenha estado em Macau”. Além disso, “as informações das autoridades de saúde de Zhuhai indicam que as infecções assintomáticas do fenómeno de recaída são menos infecciosas”.

Ainda assim, o Centro de Coordenação e Contingência fez hoje um apelo para que todas as pessoas que tenham estado no distrito de Doumen, da cidade de Zhuhai, de 16 a 23 de Janeiro e que apresentem sintomas como febre, tosse, dificuldade em respirar ou falta de paladar e olfacto, entre outras indisposições, se desloquem aos hospitais.

“O Centro de Coordenação e Contingência está a monitorizar de perto a situação e se for necessário anunciará outras medidas”, aponta um comunicado.

24 Jan 2021

Covid-19 | Um infectado entre os passageiros do voo vindo de Tóquio

Macau registou um caso importado de covid-19, o primeiro em cerca de sete meses no território, anunciaram as autoridades de saúde. A doente é uma residente de Macau, de 43 anos, que chegou ao território na quinta-feira, num voo oriundo de Tóquio, acrescentou o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus.

“A mulher está assintomática e foi encaminhada para o Centro Hospitalar Conde de São Januário para tratamento em isolamento”, depois de ter obtido resultado positivo em “dois testes rápidos” para a covid-19, de acordo com um comunicado.

As autoridades indicaram que oito pessoas que estiveram próximo da doente infetada encontram-se “sob observação médica, em isolamento”, no Centro Clínico de Saúde Pública de Coloane. Dois voos, oriundos de Tóquio, com um total de 109 passageiros provenientes de zonas consideradas de alto risco, chegaram na quinta-feira a Macau.

Estes passageiros partiram de 14 países, incluindo: Reino Unido, Portugal, Japão, Irlanda, Países Baixos, Estados Unidos, Suíça, Austrália, Coreia do Sul, Indonésia, França, Emirados Árabes Unidos, Espanha e Itália.

Após a chegada, os residentes desembarcaram por grupos, submetidos a testes para a covid-19 e iniciaram já uma quarentena obrigatória de 21 dias, num hotel designado pelas autoridades. Durante este período de observação médica, os residentes vão realizar quatro testes de ácido nucleico, medição diária da temperatura, sem sair do quarto do hotel.

No final desta quarentena, todos ficarão sujeitos a “um período adicional de pelo menos sete dias de autogestão de saúde”, indicaram as autoridades.

22 Jan 2021

Albano Martins alerta para o risco de fecho da ANIMA

Depois de um ano atípico que resultou em dívidas de 2,25 milhões de patacas, Albano Martins aponta que os 32 funcionários e os cerca de 900 animais a cargo da Anima podem ficar em “maus lencóis” caso o financiamento da Fundação Macau não chegue em breve. O representante da associação diz ainda que, apesar de se prestar um serviço público, na hora de ajudar pouco é o reconhecimento

 

O presidente honorário vitalício da Sociedade Protectora dos Animais de Macau (ANIMA), Albano Martins, considera que a associação corre o risco de fechar portas caso os fundos da Fundação Macau não cheguem em breve. Isto, tendo em conta que em 2020 a Anima fechou o ano com um défice de 2,25 milhões de patacas.

“Perante as dívidas que temos apuradas do ano passado, de 2,25 milhões de patacas, o que é que fazemos? Temos de pagar agora em Janeiro. Além disso, ainda falta pagar os salários das pessoas que trabalham, os veterinários e a alimentação dos animais”, partilhou Albano Martins com o HM. “Se não houver resolução em Janeiro a Anima vai ter que fechar e entregar os animais todos ao IAM e o Governo que resolva o problema, porque nós somos uma associação de utilidade pública”, acrescentou.

Olhando em retrospectiva para 2020, marcado pela pandemia, Albano Martins lembra que foi um “ano mau” porque apesar de a Fundação Macau ter financiado a associação com 5 milhões de patacas destinadas a despesas correntes, “os casinos cortaram no apoio”, passando a ser de cerca de 80 a 100 mil patacas, quando em anos anteriores foi, nalguns casos, de 400 ou 500 mil patacas ou de 1,3 milhões no caso do Wynn.

O responsável explicou ainda que, após enviar pedido de subsídio à Fundação Macau em Julho de 2020, recebeu ontem a resposta do presidente do organismo, Wu Zhiliang, a revelar que o conselho de curadores “só se reúne em Fevereiro” pelo que “não há hipótese de os apoios chegarem” em Janeiro. “Ao menos pediu imensa desculpa. O problema é que as desculpas não servem para pagar contas”, apontou Albano Martins.

O responsável lembra ainda que existem 32 pessoas a trabalhar na Anima, das quais 16 trabalhadores não residentes (TNR) e que a cargo da associação estão actualmente cerca de 900 animais, além dos animais apoiados fora de portas. Contudo, defende, “não há hipótese nenhuma de reduzir o pessoal”.

“A Anima ajudou sempre a recolher animais de rua. Era suposto termos apenas 80 ou 90 animais e ficámos com 400 cães e 300 gatos. Não é para brincar. Além disso, como são animais antigos, porque nós não matamos, eles vão viver connosco toda a vida. [Se a Anima fechar] estes animais e o pessoal que trabalhava Anima vão ficar em maus lençóis”.

A ferros

Se por um lado, não há dúvidas quanto ao “serviço público” prestado pela Anima, por outro, na hora de contribuir financeiramente para a missão da associação, “o reconhecimento é tirado a ferro e fogo” e é fácil dizer que é possível sobreviver com menos verbas.

“Nós prestamos um serviço público, mas quando é altura de nos ajudarem toda a gente é capaz de dizer que cinco milhões para a Anima é muito dinheiro. O nosso orçamento era 11 milhões. Já reduzimos para 10 milhões e agora para 2021 reduzimos ainda mais para 9 milhões. Estamos a reduzir o mais possível, mas não conseguimos fazer mais”, vincou Albano Martins.

O responsável faz ainda questão de sublinhar que a Anima “não mistura a actividade política com a actividade animal”, ao contrário de outras associações que têm o apoio financeiro de um deputado.

“Temos conhecimento de uma associação que deve ter cerca de 80 animais e 15 pessoas a trabalhar, que recebeu um subsídio de quatro milhões de patacas, não do Governo, mas de um deputado. Nós temos 16 tratadores para muitos mais animais”, desabafou.

22 Jan 2021

Analista diz que Macau tem reservas financeiras para sete anos de governação

O analista do jogo David Green disse à Lusa que é pouco provável que Macau sinta pressão se a recuperação económica pós-pandémica demorar três anos porque tem reservas fiscais para aguentar sete anos de governação.

Ainda que ciente da queda brutal de receitas do jogo, o motor da economia da capital mundial do jogo, o fundador da consultora especializada em regulação de jogos em Macau Newpage Consulting lembrou que o Governo de Macau soube poupar a maioria do montante arrecadado em impostos.

“Embora o Governo obtenha a maior parte das suas receitas fiscais do imposto especial de jogo sobre as receitas brutas de jogo, sub-utilizou cronicamente o seu orçamento de receitas para o período 2004-2019, inclusive”, salientou, o que lhe permite ter alguma ‘folga’ num território que assinala agora um ano de crise pandémica, mas cerca de sete meses sem identificar qualquer novo caso.

“Segundo os comunicados de imprensa da Autoridade Monetária, Macau tinha cerca de 72 mil milhões de dólares em reservas fiscais no final de 2019, o que equivaleria a cerca de sete anos de despesa total normalizada do Governo”, recordou. O analista explicou que a esse montante das despesas há, contudo, que retirar da equação o valor do pacote de estímulo económico extraordinário desenvolvido em resposta ao abrandamento causado pela pandemia de covid-19.

Por outro lado, frisou o facto de Macau não ter dívidas e de ter ainda dinheiro das reservas financeiras a render. “O Governo não tem dívida, e as suas reservas, tendo em conta o aumento dos mercados accionistas, provavelmente obteriam pelo menos o retorno de 5,6 por cento registado em 2019”, afirmou. Ou seja, na prática, resumiu, “uma recuperação que leve outro ou mesmo dois anos civis é pouco provável que cause qualquer problema financeiro para a administração”.

22 Jan 2021

Substâncias perigosas | Armazém em Ká-Hó é obra “urgente”, Wong Sio Chak

O secretário para a Segurança considera a construção de um armazém permanente de substâncias perigosas uma obra “urgente”, apesar de ainda não existirem datas. A nova lei de controlo de substâncias perigosas entra em consulta pública a partir de amanhã e prevê penas de prisão até três anos e multas entre 10 mil e 500 mil patacas

 

O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak considerou ontem que a construção do armazém permanente de substâncias perigosas, previsto para Ká-Hó, em Coloane, é uma obra “urgente”. Contudo, e apesar de ser ponto assente que, em primeiro lugar, serão depositados os materiais “mais perigosos” quando a infraestrutura estiver pronta, são ainda incertas as datas de início e conclusão da obra.

Na conferência de imprensa de apresentação do documento que estará em consulta pública a partir de amanhã sobre o Regime Jurídico do Controlo de Substâncias Perigosas, Wong Sio Chak recordou ainda que, após vários avanços e recuos sobre a construção do armazém, que chegou a ser projectado com cariz temporário e pensado para um aterro, não há mais tempo a perder e que a localização escolhida é a que oferece mais garantias.

“A proposta original passava por construir o armazém num aterro (…) mas isso levaria mais de 10 anos e, com base da natureza perigosa dos materiais, não devemos prolongar este projecto. [O local escolhido] é o mais remoto, longe dos cidadãos e das zonas habitacionais e, por isso, é o local que oferece melhores condições de segurança.

Esperamos com a utilização deste terreno instalar infra-estruturas de segurança e, sobretudo, criar condições que cumpram as normas técnicas para o armazenamento permanente de substâncias perigosas. É impossível garantir que, no futuro, tendo em conta o desenvolvimento da sociedade, não vão existir mais mudanças, mas, para resolver, de raiz, este problema (…) esta é uma [obra] absolutamente necessária e urgente”, sublinhou o secretário.

Recorde-se que o anúncio da construção do armazém no terreno do antigo centro de reabilitação de toxicodependentes “Desafio jovem”, foi feito em reunião plenária do passado mês de Novembro pela directora dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Chan Pou Ha.

Questionado sobre onde se encontram actualmente armazenadas as substâncias perigosas, Wong Sio Chak respondeu que o paradeiro “não pode ser revelado”, mas que estão “espalhadas pela cidade”, sob o controlo atento da PSP.

Controlar e prevenir

Com o objectivo de estabelecer um regime de controlo e prevenção da ocorrência de acidentes graves decorrentes do transporte, fabrico, manuseio e utilização de substâncias perigosas, o Governo anunciou que a partir de amanhã será lançada a consulta pública sobre o Regime Jurídico do Controlo de Substâncias Perigosas.

A recolha de opiniões sobre a proposta de lei irá vigorar durante 45 dias, e procura validar junto da população alterações como o “estabelecimento dum regime sancionatório criminal e administrativo mais dissuasor”. Isto porque o diploma prevê penas de prisão até três anos para o crime de produção, detenção ou transação de substâncias perigosas proibidas e multas entre 10 mil e 500 mil patacas pela prática do crime de desobediência, ou seja, para quem não cumprir “as medidas cautelares” ou se opuser à fiscalização das autoridades.

O documento, que categoriza as substâncias perigosas em nove classes (como explosivos, gases e líquidos inflamáveis), prevê ainda isenções como a possibilidade armazenar em casa até três garrafas de gás cuja capacidade não exceda 90 dm3. Produtos como estupefacientes, resíduos hospitalares e antibióticos ficam fora deste regime.

Para Wong Sio Chak, o diploma é da maior importância para a manutenção da segurança da população e recordou “a grande explosão no porto de Beirute, no Líbano e a explosão de um camião cisterna de petróleo na autoestrada Wenling na China, ambas ocorridas no ano passado e que causaram muitas mortes e danos materiais”.

“Muitas vezes, estes acidentes estão relacionados com a falta de regimes legais adequados, má gestão e falta de consciência de segurança, pelo que a construção de um regime de gestão de substâncias perigosas em Macau está, de facto, intimamente relacionada com a vida da população e a segurança de pessoas e bens, requerendo efectiva atenção e participação activa de todos os sectores da sociedade e de todos os residentes”, vincou o secretário.

22 Jan 2021

Viva Macau | Deputados chumbam audição a ex-governantes

O hemiciclo não quer ouvir Edmund Ho, ex-Chefe do Executivo, e Francis Tam, ex-secretário para a Economia e Finanças, sobre a concessão de 212 milhões de patacas à falida companhia aérea Viva Macau. O pedido foi feito pelos deputados Pereira Coutinho e Sulu Sou, com o último a lamentar o facto de o mecanismo de audição nunca ter sido usado

 

Os deputados chumbaram o pedido de audição apresentado pelos deputados Sulu Sou e Pereira Coutinho sobre o empréstimo de 212 milhões de patacas à falida companhia aérea Viva Macau. A proposta visava auscultar ex-governantes envolvidos no processo, tal como Francis Tam, que foi secretário para a Economia e Finanças, e Edmund Ho, ex-Chefe do Executivo.

Sulu Sou considerou que o relatório apresentado pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que ilibou o então conselho de administração da Viva Macau da prática de crimes, ficou incompleto. “Alguns factos não são suficientes.

A investigação do CCAC não é completa porque não ouviu o então Chefe do Executivo e secretário, e se ouviu isso não consta no relatório. Se não foram ouvidos, a AL deve fazer esse trabalho.”

Sulu Sou lamentou também que em Macau nunca tenha sido utilizado o mecanismo de audição. “Essa ferramenta está enferrujada porque nunca foi utilizada. Em Hong Kong foi utilizada quatro vezes para questões importantes, como o tratamento da SARS. Os governantes têm sorte porque em Macau nunca foi activado o mecanismo de audição”, frisou o deputado.

Também Pereira Coutinho disse que o processo pedido “tem como finalidade principal inteirarmo-nos da verdade do que aconteceu”, porque está em causa “um montante avultado do erário público”.

Já está bom

Quem votou contra considerou que o CCAC já fez o seu trabalho e que não compete à AL investigar mais o assunto, que também já foi analisado pela Comissão de Acompanhamento para os Assuntos das Finanças Públicas da AL. “A AL e o CCAC são órgãos distintos. O CCAC é um órgão independente e já procedeu à investigação, divulgando o relatório onde disse ter verificado um grande número de documentos e falado com muitas pessoas”, disse Chan Wa Keong.

O deputado adiantou, citando o relatório do CCAC, que tanto Edmund Ho como Francis Tam “actuaram de forma imparcial” na concessão dos empréstimos, “pelo que devem ser respeitados os trabalhos do CCAC”. Também Vong Hin Fai votou contra por considerar que a proposta de audição “tem vícios a nível técnico”.

A deputada Agnes Lam votou desfavoravelmente por considerar que uma audição não iria resolver a questão essencial, que é a recuperação das 212 milhões de patacas concedidas pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização à Viva Macau. “Mesmo com a audição não conseguimos resolver o caso e, por causa disso, votei contra”, rematou. Além de Sulu Sou e Coutinho, a proposta contou com os votos favoráveis de Ng Kok Cheong e Au Kam Sam.

22 Jan 2021

Eleições presidenciais | Pandemia coloca entraves ao voto no estrangeiro

Nestas eleições para as presidenciais portuguesas aumentaram as mesas de voto no estrangeiro, mas em diferentes partes do mundo há quem enfrente dificuldades – burocráticas, geográficas e de prevenção – que comprometem o exercício do direito. O HM ouviu portugueses no estrangeiro, nenhum irá votar, mas, quase todos, concordam que o voto por correspondência devia ser uma opção

 

Os cidadãos portugueses que residem fora de Portugal e estão recenseados no local onde vivem podem exercer o seu direito de voto na eleição para a Presidência da República amanhã e domingo. Em Macau, os eleitores podem votar nas instalações do Consulado Geral de Portugal, entre as 8h e as 19h. Este ano, a eleição no estrangeiro conta com cerca de 170 mesas de voto em 150 serviços consulares, um aumento de quase 30 por cento comparativamente ao número de mesas de voto em 2016, comunicaram os dos Negócios Estrangeiros, da Defesa Nacional e da Administração Interna.

Em contexto de pandemia, a Comissão Nacional de Eleições lançou uma campanha de esclarecimento cívico baseado na mensagem “votar é seguro”, que inclui recomendações para desinfetar as mãos, respeitar o distanciamento e usar sempre máscara. Mas, apesar dos esforços desenvolvidos, há eleitores no estrangeiro que continuam a enfrentar entraves a colocarem o voto na urna.

Os portugueses que residem em Hong Kong ficam impedidos de votar por causa das restrições fronteiriças, a menos que se sujeitassem às quarentenas exigidas para a viagem em cada um dos sentidos. “Em Hong Kong não haverá mesas de voto. Infelizmente, os portugueses residentes em Hong Kong não terão hipótese de votar para as presidenciais, uma vez que o voto é apenas presencial”, explicou anteriormente o Cônsul-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong.

Ao contrário das eleições legislativas, nas presidenciais o voto tem de ser presencial, ficando excluída a via postal. O Consulado explicou ao HM que até hoje a questão do voto por correspondência para as presidenciais não foi objecto de legislação na Assembleia da República.

Os eleitores que residem actualmente em Hong Kong correspondem a cerca de 10 por cento do total de eleitores dos cadernos eleitorais de Macau, dos quais fazem parte mais de 70 mil cidadãos. Mas apesar da sua representatividade, não se espera uma menor afluência às urnas. “Os eleitores de Hong Kong não serão muitos e, no passado, nunca votaram em grande número aqui em Macau. Logo, julgamos que a afluência total não será muito afectada”, respondeu o Consulado.

Conta-quilómetros

O universo de dificuldades extravasa as restrições fronteiriças. No caso de Bruno Madeira, é “principalmente por uma questão logística” que não vai votar. O português vive há seis anos em Turku, na Finlândia, a cerca de 170 quilómetros da capital do país. Entre um Inverno rigoroso, seria necessário percorrer mais de 300 quilómetros num só dia para votar. Mas a pandemia também não incentiva a deslocações. “A situação na Finlândia não é grave como em muitos sítios, como em muitos países, mas a nível pessoal tento não usar transportes públicos, não me deslocar se não [for] absolutamente necessário”, descreveu ao HM.

Outro elemento que teve em conta foi a existência de um cenário eleitoral em que “todos sabemos quem irá ganhar”. Recorde-se que várias sondagens têm apontado o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, como vencedor das eleições. Apesar de não ser o candidato das suas cores políticas, Bruno Madeira considera que Marcelo “tem feito um bom trabalho” e é uma “boa figura política”, descrevendo-o como “um tipo fixe”. “Desse ponto de vista, a necessidade de votar, de mudar quem se senta naquela cadeira, também não vejo como essencial neste momento”, declarou.

O cidadão português não recebeu recomendações da embaixada sobre as eleições, apesar de, até há alguns meses, existir bastante comunicação, por exemplo sobre a deslocação da equipa de voleibol feminino júnior à Finlândia para disputar um torneio. “Sobre as votações presidenciais do nosso país, paradoxalmente, não recebi nenhum email, absolutamente nada”, notou.

No entender de Bruno Madeira, em contexto de pandemia as pessoas evitam deslocar-se e a situação poderia ter sido “um bocado mais prática, mais directa a nível de decisão política” caso fosse permitido votar por correspondência ou online, nomeadamente para quem reside mais longe das mesas de voto. “Esta escolha de votar presencialmente, hoje em dia, não é muito positiva”, rematou.

A geografia também coloca desafios a Catarina Dias, que vive em Milão. “Infelizmente, se não houver alteração do preço dos comboios, não vou votar. Num ano economicamente difícil não posso suportar o custo da viagem de ida e volta a Roma de comboio e, devido ao covid, não posso colocar a opção de ir de carro com outras pessoas e dividir a viagem”, observou a fisioterapeuta.

A página electrónica da Embaixada de Portugal em Itália explica que está proibida a circulação entre todas as regiões italianas, com algumas exceções, nomeadamente por motivos de trabalho. Dadas as restrições de circulação em vigor no país, os eleitores que pretendam deslocar-se à Embaixada deverão ter consigo uma declaração preenchida e assinada para apresentar às autoridades, apontando a necessidade de participar nas eleições.

Catarina Dias reflecte que o voto presencial se torna “bastante complicado” numa altura marcada por restrições de movimentos e em que “mais do que nunca” há quem não consiga suportar os custos de uma viagem longa. “Sem dúvida alguma que optaria por votar por correspondência se existisse essa opção”, respondeu.

Saúde em primeiro

Com uma situação em Estocolmo, que descreve como sendo “muito complicada”, Sílvia Sardeira vai optar pela prevenção. “Não queremos correr riscos. Temos uma bebé em casa e não queremos ficar doentes”, explicou. A produtora de eventos culturais vive há dez anos na capital sueca e, actualmente, evita andar de transportes públicos por causa da pandemia. Uma ida à embaixada implicaria deslocar-se ao centro da cidade, “exactamente onde há mais pessoas e todas as linhas de transportes se cruzam”.

Um percurso que não é isento de riscos. “Teria de ir de metro, vivemos na última estação de uma das linhas, portanto seria bastante tempo, mais de 40 minutos no metro, e trocar de linha, trocar de metro. É complicado”, descreveu.

Percurso burocrático

Nem todos os emigrantes actualizam o cartão de cidadão a saída do país ou mesmo mudanças de residência efectuadas já no exterior, mantendo no documento de identificação outras moradas. Maria Inês Carreira indicou ao HM que não existem restrições no Brasil, onde vive, e poderia votar. Mas a burocracia atravessou-se no caminho das eleições. “Sou residente no Brasil já há alguns anos, só que nunca mudei o meu endereço no cartão de cidadão.

Tentei mudar agora quando estive em Portugal no Verão, mas não consegui justamente por causa das restrições do covid-19”, esclareceu. A sua morada fiscal continua a ser a casa dos pais, pelo que é considerada eleitora do outro lado do Atlântico.

Na Europa acontecem casos semelhanças. Andreia Baldé não está registada no Consulado português em Londres, já que trata dos assuntos burocráticos em Portugal, apontando dificuldades de aceder à representação diplomática na cidade britânica, bem como “falta de organização e informação”. Não vai votar, mas revela que se o fizesse a cruz seria em frente ao nome de Marcelo Rebelo de Sousa. “É o único que pode dar a Portugal o que [o país] precisa neste momento. Um presidente que transmite confiança e é um presidente do povo”, disse, elogiando o trabalho do chefe de Estado nos últimos cinco anos.

Também no Reino Unido, João Vilas-Boas apontou como entraves à votação o facto de ter mudado de casa e o consulado requerer a actualização do cartão de cidadão, aliado à necessidade de voto presencial. “Não me parece de todo lógico num ano de pandemia”, lançou.

O português não acredita que o Estado português adopte mudanças para simplificar e desburocratizar os procedimentos depois da situação que se vive. “Acho que a opção de voto postal deveria estar sempre disponível, em particular para as comunidades residentes no estrangeiro”, defendeu. “Os consulados portugueses são muito ineficientes, onde tudo é moroso e burocrático, em particular o de Londres. Não faz sentido que para algo tão simples como mudar de casa implique a perda de contacto com o consulado, e com isso o direito ao voto”, acrescentou João Vilas-Boas.

Estrangeiro | “Aumento significativo” na votação antecipada

Dados preliminares mostram que a votação antecipada para a eleição do Presidente da República contou com a participação de cerca de 5.400 cidadão. A informação foi avançada num comunicado conjunto dos ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Defesa Nacional e da Administração Interna.

A votação decorreu entre os dias 12 e 14 de Janeiro, em 115 postos da rede consular portuguesa distribuídos por 73 países. Mais de 400 votos corresponderam a forças militares e de segurança destacadas pelo mundo, incluindo no Afeganistão. Em Macau votaram antecipadamente 24 cidadãos.

“Assinala-se um aumento significativo do número de cidadãos que exerceram o voto antecipado no estrangeiro, comparativamente com os dados verificados nos últimos actos eleitorais, designadamente para o Parlamento Europeu (844) e Assembleia da República (4413), ambos em 2019”, diz a nota. Recorde-se que o voto antecipado no estrangeiro se destinava aos cidadãos recenseados em território nacional mas temporariamente deslocados no estrangeiro, por exemplo, enquanto estudantes ou docentes em instituições de ensino superior.

Por outro lado, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) recordou que quem se inscreveu para o voto antecipado e não exerceu esse direito de voto pode fazê-lo este fim de semana, sem precisar de apresentar justificações.

22 Jan 2021

Covid-19 | Crise no comércio e restauração de portugueses em Macau agrava-se sem mercado de Hong Kong

O comércio e a restauração gerida por portugueses em Macau vivem uma crise motivada pela pandemia que está a ser agravada, sobretudo, pelo desaparecimento do mercado de Hong Kong, alertaram à Lusa empresários do sector.

“Os nossos clientes do Sudeste Asiático, Japão, Coreia do Sul e [Ilha] Formosa [Taiwan], que nos chegavam via Hong Kong, desapareceram. Os nossos clientes de Hong Kong também deixaram de vir. Vamos mantendo contacto com muitos deles aguardando por melhores dias”, lamentou Manuela Salema, que gere um espaço dedicado à venda de produtos portugueses na zona velha da ilha da Taipa.

“Ficámos assim reduzidos aos clientes e bons amigos de Macau e, também, aos que nos vão chegando, a conta-gotas, do continente”, do interior da China, explicou a proprietária do Cool-Thingz & PortugueseSpot, agora que se assinala um ano desde que o território registou o primeiro caso de covid-19, mas há cerca de sete meses sem identificar qualquer contágio, tornando-o num dos locais mais seguros do mundo no controlo da pandemia.

“O Plano de Apoio às PME [Pequenas e Médias Empresas] ajudou-nos a fazer face a alguns dos custos fixos mais pesados (…). Também foi bem-vindo o Plano Pecuniário aos Trabalhadores e o Plano Pecuniário às Empresas. Por outro lado, as duas fases do Plano de Subsídio ao Consumo, sem dúvida animou a procura”, acrescentou, numa referência às ajudas financeiras extraordinárias do Governo de Macau dirigida à população e PME face à crise causada pela pandemia.

“Aguardamos com alguma ansiedade que novas medidas de apoio sejam tomadas pela Administração. A crise é grande e a sua duração, sem fim à vista, vai-se prolongando no tempo e aumentando as dificuldades”, concluiu Manuela Salema.

Perto, o dono do restaurante português A Petisqueira não tem um melhor cenário para descrever. “A maioria da nossa clientela vinha de Hong Kong, entre 65 a 70%”, afirmou Eusébio Tomé. “E outros chegavam via aeroporto internacional de Hong Kong, da Coreia do Sul, Japão ou Singapura”, frisou o empresário português.

Por ouro lado, parte da clientela também era oriunda da China continental, mas que tinham outros circuitos, precisou: “Iam a Hong Kong, em família, à Disney[land], por exemplo, e depois davam um salto a Macau, não é o mesmo mercado dos chineses que vêm do continente directamente para Macau e que os casinos vão buscar directamente nos autocarros para irem gastar dinheiro para os ‘resorts’”.

Contas feitas a 2020, sem que descortine grandes mudanças no início deste ano, o mercado de Hong Kong ter-lhe-á roubado entre 65 a 70% dos clientes, afiançou.

Em termos gerais, Hong Kong costumava ser “o principal mercado de Macau”, lembrou o analista do jogo Ben Lee. O especialista da consultora IGamix sublinhou, contudo, que “quando a China abriu os seus portões, os visitantes de Hong Kong foram substituídos” por aqueles que chegavam da China continental.

Algo que, de resto, aconteceu tanto no segmento VIP [grandes apostadores] doméstico como internacional”, acrescentou. Macau, contudo, conseguiu manter alguma atractividade no segmento do não-jogo junto da outra região administrativa especial chinesa, dada a proximidade, já que fica a cerca de uma hora de ‘ferry’ ou pela nova ponte. E em especial em alguns nichos de mercado que vão da restauração ao pequeno comércio, sobretudo o mais especializado e que ofereciam produtos mais distintivos.

Apesar da dificuldade de se quantificar a contribuição de receitas dos residentes de Hong Kong, só no jogo, Lee estimou que esteja algures nos 9% no período pré-covid. A crise causada pela pandemia obrigou o Governo de Macau a avançar em 2020 com um plano de ajuda e benefícios fiscais extraordinários sem precedentes dirigido à população e às pequenas e médias empresas.

Macau não regista casos há cerca de sete meses, está há quase dez meses sem identificar contágios locais e sem contabilizar qualquer morte ou infeções entre profissionais de saúde.

21 Jan 2021

Cônsul-Geral das Filipinas saiu de Macau após seis anos de serviço

Lilybeth R. Deapera concluiu o seu tempo de serviço como Cônsul-Geral das Filipinas em Macau. A representante diplomática abandonou o território dia 15 deste mês, a bordo de um voo especial destinado ao repatriamento de cidadãos retidos no território. A informação foi avançada ontem pelo consulado, em comunicado de imprensa.

Deapera começou o seu serviço em Macau em Janeiro de 2015, sendo a primeira mulher a assumir o cargo, depois de ter passado por Londres, Caracas e a Cidade do México. “A Cônsul-Geral Deapera assumiu o bem-estar dos filipinos em Macau como a sua prioridade de topo. Antes da pandemia, o Consulado Geral das Filipinas realizava reuniões mensais com líderes comunitários para dar resposta a vários assuntos e preocupações”, destaca o Consulado.

O Consulado Geral das Filipinas na RAEM afirma que sob a tutela de Lilybeth R. Deapera tentou-se cumprir o objectivo da prestação mais “eficiente e eficaz de serviços”, destacando a redução do tempo de resposta na emissão de documentos e medidas como etapas “claras e concisas” no processamento de documentos.

Milhares repatriados

A organização de voos de repatriação para os filipinos retidos em Macau ou cujos contratos acabaram depois do cancelamento de voos directos para as Filipinas, em consequência da pandemia, também mereceu menção do Consulado. O avião da Philippine Airlines que partiu na sexta-feira fez o 14º voo de repatriação coordenado pelo Consulado Geral das Filipinas desde Março do ano passado. No total, foram repatriados 2.643 cidadãos filipinos.

O comunicado aponta ainda que a representante diplomática “trabalhou incansavelmente para educar o público sobre os seus direitos e responsabilidades como visitantes” na RAEM. No entanto, a actuação de Lilybeth R. Deapera no território não foi isenta de críticas.

Em 2019, empregadas domésticas filipinas a trabalhar no território recolheram assinaturas para enviar uma petição ao Presidente Rodrigo Duterte, exigindo a demissão da diplomata. Em causa estavam as suas declarações sobre a exclusão das empregadas domésticas da proposta de lei de salário mínimo pelo Governo de Macau. Na altura, a Cônsul-Geral afirmou que se os trabalhadores “acham que não é justo para eles, têm a opção de não vir trabalhar para Macau”.

21 Jan 2021

Detido residente envolvido em empréstimos ilegais milionários

Um residente de Macau envolvido num esquema de agiotagem foi ontem entregue à Polícia Judiciária pelas autoridades do Interior. Outros cinco suspeitos foram detidos em Junho de 2019. O grupo fazia parte de uma rede criminosa que operou durante quatro anos oferecendo empréstimos ilegais de mais 25 milhões de dólares de Hong Kong

 

As autoridades do Interior da China entregaram ontem à Polícia Judiciária (PJ) um residente de Macau suspeito de fazer parte de uma rede criminosa que se dedicava à agiotagem através de uma plataforma de empréstimos ilegais.

O homem foi detido em Zhuhai a 24 de Junho de 2020, depois de ter fugido de Macau a 12 de Maio de 2019. Ao todo, a rede criminosa que operou durante quatro anos, entre 2015 e 2019, ofereceu empréstimos ilegais de mais 25 milhões de dólares de Hong Kong.

Numa conferência de imprensa realizada no posto fronteiriço das Portas do Cerco e onde foi possível assistir à entrega do suspeito às autoridades de Macau, a porta-voz da PJ revelou que o suspeito de 33 anos detido em Zhuhai é o autor moral dos crimes de usura, associação criminosa e branqueamento de capitais alegadamente cometidos pela rede que fazia empréstimos ilegais. De acordo com a PJ o suspeito aproveitava “diversos pretextos” para convencer as vítimas com condições de crédito rápidas, acabando, posteriormente por cobrar 10 por cento de juros por cada operação.

Além disso, para materializar o processo, o suspeito exigia às vítimas que depositassem o dinheiro dos juros numa conta bancária aberta para o efeito. Contas feitas, terão sido oferecidos empréstimos ilegais a 61 pessoas, num valor de mais de 25 milhões de dólares de Hong Kong. No total, 200 pessoas terão pedido empréstimos à associação criminosa, revelou a PJ.

Questionada sobre o facto de, durante a entrega, a identidade do suspeito não ter sido preservada como habitualmente, com o uso de uma máscara protectora, a porta-voz da PJ apontou que a decisão foi do próprio suspeito.

A peça que falta

Recorde-se que a detenção do suspeito entregue ontem às autoridades de Macau vem no seguimento da detenção de outros cinco suspeitos envolvidos na mesma rede criminosa, detidos no dia 24 de Junho de 2019 pela PJ.

De acordo com um comunicado oficial, na altura, a PJ mobilizou 18 investigadores para deter quatro indivíduos locais em quatro apartamentos e em duas lojas situadas em diferentes zonas da cidade, incluindo o cabecilha e os elementos principais da rede. O quinto suspeito acabou por ser interceptado no Aeroporto Internacional de Macau, tendo sido também apreendidos vários instrumentos utilizados para a prática do crime e documentos referentes aos empréstimos.

Segundo a mesma nota, a PJ começou a receber denúncias de residentes e de serviços públicos desde Junho de 2017, nomeadamente da Autoridade Monetária de Macau, da Direcção dos Serviços de Economia e do Instituto para os Assuntos Municipais, indicando que uma agência financeira estaria a oferecer serviços de empréstimos ilegais.

Durante a conferência de imprensa de ontem, a PJ revelou ainda que uma pessoa envolvida no caso, continua a monte e que, por isso, a investigação prossegue.

Caso se confirmem as acusações, o suspeito pode ser punido com pena de prisão entre 1 a 5 anos pelo crime de usura, entre 5 a 12 anos pelo crime de associação criminosa e de limite máximo superior a 3 anos pelo crime de branqueamento de capitais.

21 Jan 2021

Governo está a analisar mais de 700 opiniões para projecto da Biblioteca Central

Os projectos para a nova Biblioteca Central, que vai ocupar o lote do antigo Hotel Estoril, geraram mais de 700 opiniões de residentes. Mok Ian Ian estima que sejam precisos dois meses para analisar os pareceres. A presidente do Instituto Cultural falou do projecto da biblioteca à margem da cerimónia de abertura da 20ª edição do Festival Fringe

 

A Presidente do Instituto Cultural (IC), Mok Ian Ian, revelou ontem que foram recebidas mais de 700 opiniões de residentes sobre os projectos propostos para a nova Biblioteca Central. Além disso, o Governo convidou especialistas de construção civil para apresentarem pareceres profissionais. Mok Ian Ian indicou ainda que, em princípio, será possível fazer o balanço das opiniões recolhidas no espaço de dois meses, após o qual se vai “fixar um plano final”.

De acordo com a representante do IC, os temas centrais aos quais os residentes prestam atenção prendem-se com as instalações vizinhas da biblioteca, bem como a sua função. Além disso, destacou que alguns deputados estão atentos ao custo da construção, mas que o orçamento só poderá ser feito depois da selecção do projecto. “Ainda estamos a fazer uma análise sobre a biblioteca e achamos que é ideal termos um plano ecológico de construção”, disse Mok Ian Ian. A previsão inicial é de que o edifício fique construído em 2025.

Estão a ser equacionados projectos de quatro equipas de arquitectos internacionais: Mecanoo (Holanda), ALA (Finlândia), Grafton Achitects (Irlanda) e Herzog & de Meruon (Suíça). Quando os projectos conceptuais para a biblioteca foram apresentados, o Instituto Cultural indicou que a área bruta pode atingir mais de 10 mil metros quadrados, com o edifício da Biblioteca Central a ocupar o lote do antigo Hotel Estoril.

Arranque do Fringe

Mok Ian Ian falou à margem da cerimónia de abertura da 20ª edição do Festival Fringe. “Tivemos em conta que o impacto da epidemia vai durar, por isso nesta edição convidámos artistas locais, ocupando uma proporção de mais de 80 por cento. (…) Claro que há impedimentos para convidar artistas estrangeiros, mas com as novas tecnologias podemos ultrapassar muitos impedimentos”, descreveu. Uma das formas encontradas para contar com a participação de artistas do exterior foi a realização de conferências online.

Até dia 31 de Janeiro, a cidade vai contar com 18 programas e 16 actividades de extensão, depois do cancelamento do workshop de dança “Combstrength Technique in Body Playground”.

Durante a primeira semana podem encontrar-se programas da série “Crème de la Fringe: On Site”, que apresenta dança contemporânea em diferentes espaços da cidade, ou “Vida em suspenso: uma instalação performativa em 5 capítulos”, que permite ao público reflectir sobre o significado de ser vítima ou agressor.

21 Jan 2021

Covid-19 | Faz amanhã um ano que Macau registou primeira infecção

Foi a 22 de Janeiro de 2020 que Macau registou o primeiro caso de contágio de covid-19, de uma mulher oriunda de Wuhan. O Governo adoptou então medidas urgentes, muitas delas inéditas, como o fecho dos casinos. Hoje, Macau está no fim da lista dos países em termos do número de casos de covid-19 e sem óbitos

 

Macau foi um dos primeiros territórios a identificar infectados com o novo coronavírus, mas é hoje um dos locais mais seguros do mundo, sem registar contágios há cerca de sete meses.

Os dados oficiais dão força à campanha que as autoridades têm procurado passar de um território livre de covid-19: há cerca de sete meses sem registar casos, há quase dez meses sem identificar contágios locais, sem contabilizar qualquer morte ou infecções entre profissionais de saúde.

De resto, é preciso olhar para o ‘ranking’ da plataforma ‘online’ Worldmeter, que reúne as estatísticas mundiais sobre a pandemia, para descobrir Macau no fundo da tabela de casos e óbitos, concorrendo com territórios como as Ilhas Salomão, Samoa, Micronésia, Vanuatu, Cidade do Vaticano e Ilhas Marshall.

A 22 de Janeiro as autoridades de saúde anunciaram o primeiro caso, uma mulher natural da cidade de Wuhan, onde se crê que a pandemia teve origem. Um padrão nas diferentes vagas, em que foram identificados dois contágios locais relacionados com os casos importados: a celeridade das medidas e das restrições decididas pelas autoridades, tanto fronteiriças como dentro do território, com destaque para o inédito encerramento dos casinos.

No final de Janeiro, dois dias após ter sido detectado o primeiro caso em Macau, as autoridades avançaram para a venda racionada de máscaras, cujo uso se tornou obrigatório nos transportes públicos e nos serviços públicos. A cada dez dias, cada pessoa pode adquirir dez máscaras em cerca de meia centena de farmácias convencionadas no território, a um preço reduzido: oito patacas.

Reacções rápidas

Logo no início de Janeiro, mal Pequim decidiu avisar o resto do mundo sobre o vírus altamente contagioso identificado em Wuhan, Macau avançou para o reforço da medição da temperatura corporal nos postos fronteiriços, com a medida a alastrar para quem quisesse entrar nos casinos, serviços públicos e, mesmo hoje, em alguns casos, simplesmente no acesso às habitações.

Em Março, em entrevista à Lusa, um representante dos serviços de saúde explicou que 40 por cento dos casos tinham sido detectados precisamente através da medição da temperatura corporal, uma decisão que se pode também explicar pela experiência em outros ‘combates virais’, como foi o caso em 2009/2010, com a gripe suína.

Macau fechou então escolas, estabelecimentos de diversão nocturna e espaços desportivos, remeteu os funcionários públicos para o teletrabalho e encaminhou milhares de residentes que entraram no território para hotéis onde foram obrigados a cumprir quarentena de 14 dias (entretanto alargada para 21 dias), com ‘direito’ a testes regulares de despiste à covid-19.

Hoje, ainda, e apesar de Macau não registar casos há cerca de sete meses, é muito raro descobrir pessoas sem máscaras na rua, ainda que a lei não obrigue a tal. As mesmas pessoas que se isolaram em casa assim que foram anunciadas as acções de prevenção iniciais, mesmo que o Governo não tivesse determinado, mas apenas aconselhado o confinamento.

O histórico no combate a outros vírus ajudou também a delinear a estratégia a seguir pelas autoridades de saúde para proteger, com sucesso, o pessoal da linha da frente.

Os profissionais de saúde trabalharam por turnos de 14 dias, equipados com material de protecção individual, que incluía óculos, luvas e máscaras. E, uma vez revezados, seguiam para uma quarentena de outros tantos dias, cumprida numa residência anexa ao local onde prestaram tratamento aos primeiros infectados, num total de 46 desde o início da pandemia.

À excepção da China, na prática, Macau mantém as fronteiras fechadas a todos aqueles que não possuam o estatuto de residentes, obrigando-os, ainda assim, quando regressam, a uma quarentena obrigatória de 21 dias num quarto de hotel.

21 Jan 2021

Jogo | Economistas alertam para resultados abaixo das expectativas do Governo

O Governo prevê que as receitas do jogo cheguem a 130 mil milhões de patacas este ano, mas os economistas Albano Martins e José Sales Marques alertam para o excesso de optimismo e para a possibilidade de os números serem bem diferentes. A desilusão pode começar já no Ano Novo Chinês, que deverá ter menos visitantes do que é esperado

 

O economista Albano Martins considera que tudo joga contra o optimismo do Governo na previsão de receitas do jogo para 2021, apesar de ser um dos territórios mundiais mais seguros no controlo da pandemia.

A tradição conservadora do Executivo na previsão das receitas do jogo no orçamento deu lugar a um invulgar optimismo, estranhou o economista, que duvida que o valor arrecadado se aproxime das projecções anunciadas para a capital mundial do jogo, que assinala agora um ano desde que registou o primeiro caso de covid-19, uma mulher natural de Wuhan, na China.

“Tudo joga contra a expectativa dos 130 [mil milhões de patacas de receitas] para este ano. O montante permanece uma grande incógnita, mas acredito que seja melhor do que em 2020, que foi uma catástrofe. Mas não os 10,8 [mil milhões de patacas], a não ser que o Governo de Macau tenha informação privilegiada”, procurou resumir, em declarações à Lusa.

“Nunca vi a Administração ser tão optimista, ela que é normalmente tão conservadora”, enfatizou o economista.
O Governo de Macau estimou que o jogo possa render 130 mil milhões de patacas este ano, mesmo assim, metade do valor projectado inicialmente no Orçamento de 2020. “A técnica habitual nos orçamentos é subestimar receitas e maximizar despesas para não haver ‘buraco’”, explicou.

Contudo, isso pressupõe que em média os casinos consigam ter receitas mensais de 10,8 mil milhões de patacas. Isto quando em Dezembro, o melhor mês em 2020 para as concessionárias da capital mundial do jogo no período pandémico, as receitas foram de 7,8 mil milhões de patacas.

“A não ser que o Governo de Macau tenha informação privilegiada de Pequim, algo como um aval da China que permita perceber que ainda este ano, por exemplo, se verifique um crescimento do segmento VIP, e que pode valer mais de metade da receita”, admitiu Albano Martins, que salientou as restrições nos fluxos turísticos, com o segmento de massas a ser fortemente afetado.

“É muito difícil de prever, há demasiadas variáveis, sendo uma delas o facto de a China estar bem ou mal-humorada, de poder fechar ou abrir a torneira”, em especial num período em que têm aumentado os casos, contrariando a ideia de que o país tinha a situação pandémica completamente controlada, até porque a maioria dos contágios resulta de surtos locais.

Ano Novo, vida velha

Também à Lusa, o economista José Luís Sales Marques defendeu que a economia deve viver em Fevereiro “um Ano Novo Chinês invernoso”. Em causa está o facto de Pequim e depois a China terem desencorajado a população a viajar por altura do Ano Novo Lunar chinês, quando tradicionalmente tem lugar a maior migração interna do planeta, e Macau regista habitualmente um crescimento significativo do fluxo turístico e enchentes nos casinos.

“As recomendações (…) e o aumento dos casos na China a impressão que temos é que vamos ter um Ano Novo Chinês invernoso”, estimou Sales Marques, agora que se assinala um ano desde que o território registou o primeiro caso de covid-19, mas está há cerca de sete meses sem identificar qualquer contágio. “É muito cedo para tirar conclusões, mas a perspectiva não é muito encorajadora”, ainda que seja o “princípio do ano e se espere que, com a vacina, as previsões possam ser mais positivas”, acrescentou.

Recuperação tímida

Sales Marques sustentou que manda a prudência não se fazer qualquer tipo de prognóstico em relação ao comportamento da economia de Macau para 2021, sobretudo na área do jogo, que tem evidenciado uma recuperação tímida, mas com muitas variáveis difíceis de analisar.

“Os dados sobre o mercado VIP não são famosos”, exemplificou. Em Dezembro, o melhor mês de 2020 durante o período da pandemia, “o peso do mercado VIP no jogo foi apenas de 26 por cento, quando normalmente é de metade”, justificou.

Sales Marques admitiu a dificuldade de fazer previsões num contexto pandémico, mas defendeu que “quando o Executivo fez as projecções, obviamente que tinha elementos à sua disposição e procuraram ser razoavelmente prudentes”.

O economista duvida que este ano se venham a repetir as ajudas financeiras governamentais de 2020, sem precedentes e dirigidas à população e pequenas e médias empresas. “Não existem mais dados de que venham a ser dados mais apoios. De resto, não está orçamentado pelo Governo, e existem expectativas de que a economia regresse um pouco à normalidade”, salientou. Contudo, “se alguma vez a situação piorar, é evidente que o Governo terá de tomar outra atitude, admitiu.

Derrocada de visitantes

No ano passado, o território perdeu 85 por cento dos visitantes em comparação com 2019, segundo dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) ontem divulgados. Em 2020 entraram 5.896.848 visitantes no território, longe dos quase 40 milhões registados no ano anterior.

O período médio de permanência dos visitantes foi de 1,4 dias, mais 0,2 dias, relativamente a 2019. A esmagadora maioria dos visitantes, mais de 4,7 milhões, veio da China continental, segundo a DSEC.

A China continental beneficia de excepções face às restrições fronteiriças determinadas no âmbito do combate à pandemia do novo coronavírus. Os últimos dados apontam para um aumento de 3,6 por cento em Dezembro, em relação aos números de Novembro, mas um decréscimo de 78,6 por cento quando comparado com o mesmo mês de 2019.

Neste momento, e segundo o ‘ranking’ da plataforma ‘online’ Worldmeter, que reúne estatística mundial sobre a pandemia, Macau encontra-se no fundo da tabela em termos de casos e óbitos por covid-19, estando ao lado de territórios como Ilhas Salomão, Samoa, Micronésia, Vanuatu, Cidade do Vaticano e Ilhas Marshall.

Sector VIP instável e ligeira recuperação no segundo semestre, diz Bernstein

Analistas da consultora Stanford Bernstein defendem que o sector do jogo pode “recuperar no semestre de 2021 e atingir a retoma em 2022, com o regresso à normalidade no ambiente de operações e no mercado bolsista”. Em relação ao jogo VIP, as previsões apontam para alguma instabilidade este ano, cenário que se deverá prolongar até 2022.

“O sector VIP vai continuar a sofrer com o escrutínio das transferências de dinheiro e as preocupações de clientes e agentes na relação com os junkets. No entanto, tal pode resultar num impacto positivo para o jogo de massas directo e premium”, com a transferência de clientes do segmento VIP, explica o comunicado da consultora citado pelo portal GGRAsia.

Macau irá continuar a sofrer alguma instabilidade este ano no que diz respeito à vinda de turistas da China, uma vez que persistem “obstáculos” quanto à emissão de vistos e a necessidade de apresentação de testes à covid-19 negativos.

Além disso, há também o impacto negativo da “contínua suspensão” dos vistos turísticos para excursões. “Muitos clientes de Macau estão a adiar viagens, mesmo ao nível do consumo premium, enquanto as viagens na China recuperam. Não esperamos nenhuma abertura na bolha de viagem [sem a realização de uma quarentena obrigatória] com Hong Kong até finais do primeiro trimestre, ou mesmo no segundo”, frisaram os analistas.

“As restrições de viagem relacionadas com Macau não serão eliminadas até ao segundo semestre de 2021”, adiantaram os analistas da Bernstein, mas poderá haver uma “forte” melhoria nas receitas do jogo de massas e no número de visitantes assim que as opções de viagem “regressem ao normal”.

Quanto ao desempenho dos casinos, a Bernstein prevê que o segmento do mercado de massa chegue 75 por cento dos valores de 2019, com o sector VIP a aproximar-se apenas dos 50 por cento.

“O sector já está a atingir um melhor EBITDA [lucros antes de impostos, juros, depreciações e amortizações] com os actuais níveis de receitas e a projecção da forte recuperação do sector de massas (e do segmento não jogo) deverá registar-se um aumento do crescimento dos lucros EBITDA”, lê-se.

21 Jan 2021

Exposição | Instituto Cultural quer trazer a Macau trabalhos de Siza Vieira

O Museu de Arte de Macau poderá receber a exposição “In/Disciplina”, com obras dos arquitectos Álvaro Siza Vieira e Carlos Castanheira. O Instituto Cultural contactou a Fundação de Serralves para tornar a mostra uma realidade, mas a pandemia remeteu o processo de volta à estaca zero

 

O Instituto Cultural (IC) pretende trazer para Macau a exposição “In/Disciplina”, que faz a retrospectiva das obras de arquitectura de Álvaro Siza Vieira, vencedor de um prémio Pritzker, e Carlos Castanheira. A exposição esteve patente na Fundação de Serralves, no Porto, entre 19 de Setembro de 2019 e 5 de Janeiro de 2020.

A confirmação foi dada ao HM pelo IC. “O Museu de Arte de Macau (MAM) pretende, no que se refere à exposição ‘Álvaro Siza – In/Disciplina’, exibir, de forma sistemática, as obras arquitectónicas de destaque projectadas por Álvaro Siza em todo o mundo e pretende acrescentar ainda os seus projectos de arquitectura no Interior da China, em Macau e noutras cidades asiáticas.”

Foi, neste contexto, solicitado “ao curador da exposição uma nova escolha de obras”, mas a pandemia veio adiar os planos, não existindo, para já, um calendário concreto. “Devido à situação pandémica, o conteúdo, a dimensão, a duração, e os pormenores dos preparativos da exposição, entre outros, estão sujeitos a uma nova avaliação após discussão com os co-organizadores, pelo que não há mais informações a disponibilizar de momento.”

Do lado da Fundação de Serralves, também existe vontade de colaboração. “Existe todo o interesse na realização da exposição In/Disciplina no MAM, tendo já sido tomadas as providências necessárias para que tal seja possível. A crise sanitária obrigou à reavaliação de alguns aspectos relativos à exposição, nomeadamente as datas de exibição, algo que está a ser analisado pelo IC do Governo da RAEM e por Serralves.”

Mudança de cadeiras

O projecto de expor as obras de Siza Vieira em Macau foi tornado público por Carlos Castanheira numa entrevista ao HM. Confrontado com a resposta do IC, o arquitecto, que assina há muitos anos projectos com Siza Vieira, sobretudo na Ásia, disse estar afastado deste projecto, pelo menos para já.

“Não sei que contactos Serralves tem mantido com o IC, e vice-versa. Esta situação da pandemia tem-nos limitado muito. Não tenho tido contactos com ninguém de Macau, não tem havido razão”, frisou.
Carlos Castanheira recorda que o projecto começou a ser desenvolvido quando Alexis Tam era ainda secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, não afastando a hipótese das alterações se ficarem a dever à mudança de Executivo.

“Perdeu-se muito trabalho feito, mas, pelo que sei, os serviços são os mesmos, assim como a maioria das pessoas. Só nos resta aguardar e ver se esta pandemia nos larga para que a exposição, com um ou outro formato, avance e seja uma realidade”, rematou o arquitecto.

20 Jan 2021

DSAL | Cloee Chao denuncia caso de croupiers chantageados com despedimento

A Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo entregou uma carta a pedir a intervenção da DSAL num caso de cerca de 10 croupiers pressionados a apresentar demissão. Cloee Chao considera que os argumentos do casino não são válidos, sobretudo quando todas as concessionárias estão a distribuir bónus aos funcionários

 

A presidente da Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo, Cloee Chao, entregou ontem uma carta à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) a alertar para um caso de cerca de 10 croupiers, de um casino de uma subconcessionária não mencionada, que terão sido chantageados, através de cartas de aviso, com despedimentos por justa causa. Isto, caso os funcionários não apresentem a demissão por sua própria iniciativa.

De acordo com Cloee Chao, o empregador justificou o acto com o facto de os trabalhadores terem ultrapassado o limite de 45 dias de faltas justificadas ou injustificadas, previsto na lei das relações de trabalho, por motivo de acidente ou doença. Para a responsável, o argumento não faz sentido pois, para além de as faltas terem sido aprovadas pelas chefias, durante a pandemia as empresas de jogo têm incentivado os funcionários a pedir licenças sem vencimento.

Além disso, argumenta Chao, que também trabalhou como croupier, “é impossível não falhar nesta carreira”. “É como perguntar a um motorista com 20 anos de experiência se nunca recebeu uma multa”, disse aos jornalistas.

À porta das instalações da DSAL, a presidente da Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo revelou ter contactado o casino em questão e que, na réplica, a empresa afirmou não favorecer uma “política de despedimento”. Contudo, acrescenta, até à manhã de ontem os 10 croupiers chantageados não foram informados acerca do seu futuro.

Cloee Chao considera ainda que, dependendo da gravidade, existe um mecanismo que permite ao empregador anular cartas de aviso e que é injustificável despedir 10 trabalhadores quando concessionárias como a MGM, Wynn e Melco anunciaram recentemente o pagamento de bónus para os seus funcionários.

“Acredito que a culpa é do departamento de recursos humanos deste casino. Várias concessionárias anunciaram o pagamento de bónus aos seus funcionários, que já custaram centenas de milhões de patacas. Não é preciso despedir uma dezena de croupiers para poupar algumas centenas de milhares de patacas”, vincou a responsável.

Sentir na pele

Uma das croupiers, que acompanhou Cloee Chao na entrega da carta na DSAL, revelou ter sido forçada a demitir-se ao final de um ano, logo após ter recebido a terceira carta de aviso. “Fui informada que se não tivesse pedido a demissão, entraria numa lista negra, que me impediria de trabalhar no sector do jogo no futuro,” apontou.

Segundo revelou a ex-trabalhadora do casino satélite, que pediu para não ser identificada, o seu único requisito passa por manter o cargo, para poder cumprir obrigações, como o pagamento da hipoteca da casa. Situação agravada por problemas físicos que impediram de assumir outro tipo de trabalho.

20 Jan 2021

MP | Explicador arguido por nove crimes de abuso sexual de crianças

O Ministério Público (MP) deduziu a acusação contra um explicador de um centro de explicações pela prática de nove crimes de abuso sexual de crianças, tendo sido aplicadas ao arguido as medidas de coacção de prestação de caução, apresentação periódica às autoridades e proibição de ausência do território. O MP esclarece ainda que, “a prática de importunação sexual ou acto exibicionista de carácter sexual contra menor de 14 anos pode constituir o crime de abuso sexual de crianças”.

Nesse sentido, “não obstante a falta de apresentação de queixa, o respectivo processo, por razões excepcionais relativas à protecção de interesses do ofendido, pode começar legalmente por iniciativa do MP, no sentido de se efectivar a responsabilidade penal do agente do crime”. O inquérito relativo ao processo de investigação já foi remetido para o Tribunal Judicial de Base para a marcação do julgamento.

O caso foi descoberto em Outubro do ano passado, quando “umas menores, com idade inferior a 14 anos, tinham sido ofendidas sexualmente por um explicador de um centro de explicações”. A investigação concluiu que o arguido “se aproveitou, por várias vezes, na orientação do estudo a alunos no centro de explicações, para as acariciar ou tocar intencionalmente nas partes corporais íntimas de várias alunas menores, actos que o arguido continuou a praticar não obstante as menores terem evitado ou recusado expressamente”.

Foram as menores que apresentaram queixa ao responsável do centro de explicações. O arguido pode incorrer numa pena de prisão de até três anos por cada crime cometido”, aponta o MP.

20 Jan 2021

Mercados | Concurso público não prejudica bancas com menor capacidade económica

O Governo garantiu ontem que o concurso público para atribuir bancas nos mercados públicos não irá prejudicar os vendilhões com menor capacidade económica, pois terá em conta critérios como a experiência e o tipo de produtos. Os espaços não serão transformados em “centros comerciais”, assegura o Executivo

 

Em reunião com a 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), que está a analisar a proposta de lei sobre a gestão dos mercados públicos, o Governo assegurou que não será dada primazia ao valor das propostas apresentadas pelos vendilhões no concurso de atribuição de bancas. Isto, tendo em conta que a proposta de lei prevê ser este o novo mecanismo a adoptar, em detrimento do actual regime de sorteio. Até aqui, o Governo tinha apontado apenas que matéria seria regulada através de diplomas complementares.

“O Governo referiu que o procedimento do concurso público vai ser regulado por diplomas complementares, nomeadamente quanto à duração do concurso, os requisitos, entre outros. O Governo disse também que os critérios não vão dar primazia às propostas que apresentem o valor mais elevado para a atribuição de bancas, pois vai ter em conta questões como a experiência dos concorrentes e o tipo de produtos a disponibilizar ao público”, transmitiu ontem Ho Ion Sang, que preside à Comissão.

No seguimento do esclarecimento, o deputado acrescentou ainda que a comissão sugeriu que o Governo discrime critérios de forma detalhada na proposta de lei. O Executivo afirmou que “vai estudar essa matéria”.

Sobre o mecanismo de atribuição de bancas “por ajuste directo”, outro ponto de discórdia em reuniões anteriores, por carecer de detalhes, Ho Ion Sang explicou que o objectivo passa apenas por facilitar situações em que se verifique, por exemplo, uma mudança de instalações dos mercados públicos, contornando a necessidade de realizar um novo concurso público.

“A concessão por ajuste directo tem como objectivo responder a razões de interesse público (…), nomeadamente quando há uma mudança de local dos mercados públicos. Nestes casos, o Governo irá atribuir as bancas por ajuste directo. No entanto, isso não está reflectido na proposta de lei”, acrescentou Ho Ion Sang. Perante o cenário, o Governo comprometeu-se a melhorar a redacção do diploma.

Crise de identidade

Outro dos temas em debate ontem foi o facto de o conceito de “Mercado Público” apresentado no diploma prever uma finalidade mais abrangente, pois refere ser um espaço destinado, não só à compra de bens de consumo diário, mas também à aquisição de serviços pelo público.

Segundo Ho Ion Sang, o Governo apontou que o objectivo do novo diploma é diversificar serviços dos mercados públicos, mas que, apesar disso, não tenciona transformar os espaços em “centros comerciais”.

“O Governo referiu que o objectivo dos mercados passa pela venda de produtos e bens diversificados aos residentes. Perante isto, a comissão perguntou se no futuro os mercados vão ser transformados em centros comerciais e o Governo respondeu que não. No futuro, os mercados públicos poderão vir a ter serviços como sapateiros ou de duplicação de chaves”, partilhou o deputado.

Também sobre o tópico ficou a promessa de melhorar o texto da proposta de lei, com o objectivo de deixar claro para os residentes que os mercados públicos vão continuar a vender produtos como “carne e legumes fescos”.

Ho Ion Sang referiu ainda que o Governo quer “revitalizar” os mercados públicos, oferecendo mais escolha, sem deixar de satisfazer as necessidades dos clientes que gostam de comprar de forma mais tradicional.

20 Jan 2021

Governo invoca interesse dos alunos para compensação de aulas por parte de professores

O interesse dos alunos e a flexibilidade das datas de consultas foram argumentos apresentados pelo Governo para justificar a obrigatoriedade de os professores das escolas públicas terem de compensar o tempo despendido em consultas médicas. Entre 2017 e 2019, mais de três mil aulas não foram compensadas

 

O Governo justificou a proposta de os professores das escolas públicas passarem a ter de compensar o tempo gasto em consultas médicas – tanto as que marcam por iniciativa própria como por prescrição médica – com o interesse dos alunos. Esta é uma das medidas da proposta de alteração ao Estatuto do Pessoal Docente das Escolas Oficiais. O diploma está a ser discutido pelos deputados da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa.

O presidente da comissão, Vong Hin Fai, disse que face à oposição de alguns deputados ao novo regime por entenderem que “reduz os direitos e interesses dos docentes”, o Governo respondeu que “tem de ter em conta o interesse dos alunos em terem as aulas”. Outro argumento apresentado foi a flexibilidade na marcação de consultas.

“O Governo salientou que na consulta por prescrição médica, o docente ou doente pode negociar com o médico para escolher uma data, daí esta alteração”, explicou Vong Hin Fai.

Entre 2017 e 2019, as aulas que não foram compensadas aumentaram de ano para ano e totalizaram 3.240, com apenas 36 repostas voluntariamente pelos docentes. Só em 2019, o número de aulas que não foram repostas fixou-se em 1.245, enquanto sete foram leccionadas. “As aulas compensadas foram poucas em comparação com as aulas que não foram, envolvendo 332 docentes”, analisou o presidente da Comissão.

Com esta proposta, alguns dos motivos para faltas justificadas do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau deixam de existir, nomeadamente quando forem a exames ou reuniões de avaliação de alunos.

São deixados de fora cinco cenários, que incluem o exercício de actividade sindical, doação de sangue e formação académica, profissional e linguística.

“O Governo respondeu que se no futuro for criada uma lei sindical, então vai ser tratado de acordo com a lei sindical. Mas de acordo com o proponente, atendendo a que os exames e reuniões de avaliação dos alunos são importantes para o interesse público, estas cinco situações são consideradas injustificadas”, explicou Vong Hin Fai.

Matéria de reflexão

A proposta de impedir os professores que sejam despedidos depois de processo disciplinar de exercer nas escolas oficiais, mesmo reabilitados, também esteve em cima da mesa. “Alertámos o Governo para ter em conta o Código Penal e outras leis”, relatou Vong Hin Fai, acrescentando que depois desse aviso e da opinião da assessoria, o Governo respondeu que vai fazer um novo estudo e análise.

Alguns deputados observaram que a proposta proíbe o exercício de funções nas escolas públicas, mas permitido que trabalhem em escolas privadas, centros de explicações ou creches no futuro e que “se a lei é tão rigorosa então o Governo deve atender melhor a todas as profissões que têm a ver com o ensino”. Assim, questionaram se a proibição deve ser alargada, por exemplo, ao ensino primário e centros de explicações.

20 Jan 2021

EUA | Biden toma hoje posse como Presidente, com a cidade de Washington sitiada

Joe Biden toma hoje posse como Presidente dos Estados Unidos da América num dos momentos mais conturbados da história moderna do país. Além da pandemia, a cidade de Washington encontra-se vigiada por 25 mil tropas da Guarda Nacional devido ao risco elevado de motins nas ruas. Joe Biden já tem um plano para reverter uma série de políticas de Trump em áreas como a imigração e combate à covid-19

Com agências

 

É num cenário de quase guerra civil que Joe Biden toma hoje posse como Presidente dos EUA. Depois do assalto ao Capitólio por apoiantes de Donald Trump, a 6 de Janeiro, dia em que foi confirmada a vitória de Biden, a cidade de Washington tem estado barricada nos últimos dias. Cerca de 25 mil homens da Guarda Nacional, o exército de reserva norte-americano, foram destacados para travar potenciais protestos ou motins na cerimónia de tomada de posse de Biden e Kamala Harris, vice-presidente.

Diante da colina do Capitólio haverá uma “zona vermelha” protegida pelos guardas, enquanto que o parque do “National Mall”, onde centenas de milhares de norte-americanos se deslocam habitualmente de quatro em quatro anos para assistir à cerimónia de tomada de posse, está encerrado e fechado a cadeado. Pelo menos dois civis foram detidos nos últimos dias em redor desta “zona vermelha”. Hoje dezenas de estações de metro estarão fechadas ao público, e foram alterados voos e viagens de autocarro para Washington, além de canceladas reservas no website Airbnb.

A Reuters falou com a norte-americana Dana O’Conner, que descreveu a capital do país como “uma cidade fantasma, mas com militares”. Nos anos anteriores, as cerimónias de tomada de posse reuniam sempre milhares de pessoas, mas este ano o cenário é bem diferente.

“Não queremos ver grades. Sem dúvida que não queremos ver tropas armadas nas nossas ruas. Mas temos de adoptar uma postura diferente”, disse a Mayor de Washington, Muriel Bowser, ao canal NBC, no domingo. A governante disse que, depois do ataque ao Capitólio, “os chamados patriotas poderiam tentar derrubar o seu próprio Governo e matar polícias”.

Christopher Miller, Secretário da Defesa ainda em funções, emitiu um comunicado esta segunda-feira, a afirmar que estas medidas são “normais ao nível do apoio militar para grandes eventos”. “Apesar de não termos nenhuma informação que indique uma ameaça interna, não deixamos nada para trás para garantir a segurança da capital”, acrescentou Miller, que agradeceu também “o apoio do FBI na assistência a esta missão e a cada um dos mais de 25 mil guardas”.

Esta segunda-feira o ensaio para a tomada de posse de Joe Biden foi interrompido por razões de segurança, depois de um incêndio ocorrido num centro de refugiados próximo do Capitólio, na capital norte-americana. Fontes dos serviços de segurança norte-americanos, citados pela agência Associated Press (AP), disseram que todos os que se reuniam para uma parada, incluindo elementos de uma banda militar, foram orientados para se refugiarem num local seguro dentro do complexo do Capitólio, em Washington.

Os participantes no ensaio indicaram ter recebido a informação das forças de segurança presentes de que o incidente não era um exercício. Quatro agentes da polícia adiantaram à AP que houve um incêndio a alguns quarteirões de distância e que o ensaio foi suspenso por “razões de segurança”. Uma hora depois, e extinto o fogo, o Capitólio voltou a abrir portas.

“Por uma questão de precaução o complexo do Capitólio foi temporariamente encerrado. Não há ameaça para o público”, escreveram os serviços secretos norte-americanos na rede social Twitter, segundo a Reuters.

Combater a China

Janet Yellen, futura secretária do Tesouro do Executivo de Biden, disse esta terça-feira que os EUA vão utilizar um grande arsenal de ferramentas para conter as práticas “abusivas, injustas e ilegais” da China. Janet Yellen falava num discurso no Comité do Senado norte-americano no âmbito do escrutínio aos novos membros do Governo.

A antiga presidente do Banco Central norte-americano (FED, na sigla em inglês) foi questionada sobre qual a atitude que a administração de Joe Biden, que será empossado quarta-feira, vai adoptar face a Pequim, após uma guerra comercial entre as duas maiores economias mundiais durante o mandato presidencial do Presidente cessante Donald Trump.

“Temos de combater as práticas abusivas, injustas e ilegais da China”, disse Yellen, defendendo que Pequim está a “prejudicar” as empresas norte-americanas, exemplificando com as barreiras comerciais e com subsídios corporativos “ilegais”. “[Pequim] rouba propriedade intelectual e envolve-se em práticas que lhe conferem uma vantagem tecnológica injusta. (…) Estamos a preparar-nos para usar uma gama completa de ferramentas para enfrentá-los”, acrescentou.

Por outro lado, e tendo como pano de fundo a crise pandémica desencadeada pela covid-19, Yellen aproveitou a audiência para pedir apoio ao Congresso para um grande estímulo fiscal destinado a “evitar o risco de uma recessão mais prolongada e dolorosa” nos Estados Unidos.

“Os economistas nem sempre estão de acordo, mas creio que, actualmente há um consenso: sem uma ação mais forte, arriscamo-nos a uma recessão mais prolongada e dolorosa, bem como cicatrizes a longo prazo na economia”, avisou Yellen na audiência virtual com o Comité de Finanças do Senado.

Na sua intervenção, Yellen reconheceu que um estímulo desta magnitude acrescentará problemas ao “crescente peso da dívida” do país. “Mas, actualmente, com a taxas de juro a níveis historicamente baixos, o mais inteligente que podemos fazer é ir em frente. A longo prazo, acreditamos que os benefícios vão superar os custos, sobretudo se nos preocuparmos em ajudar as pessoas que estão a sofrer há muito tempo”, frisou.

Yellen, quando confirmada no cargo, será a primeira mulher a liderar o Departamento do Tesouro da história dos Estados Unidos, já depois de ter sido a primeira a ocupar a presidência da Reserva Federal (FED), cargo que desempenhou entre 2014 e 2018.

Antony Blinken, futuro secretário de Estado, considerou que Donald Trump “teve razão” para demonstrar uma posição “mais firme com a China”, embora estivesse em desacordo em muitos temas. “O princípio de base estava correto”, disse Blinken no Comité de Negócios Estrangeiros do Senado norte-americano sobre a firmeza demonstrada pela Administração Trump, mas fez questão de vincar o seu “desacordo” em relação a “muitos pontos” da estratégia do Presidente cessante.

“Devemos fazer face à China com uma posição de força, não de fraqueza”, defendeu Blinken, que assegurou que tal implicará “trabalhar com os aliados em vez de denegri-los” e “participando e liderando as instituições internacional em vez de se retirar delas”.

Sobre o conflito israelo-palestiniano, Blinken indicou que Joe Biden defende que a única saída possível é “a solução de dois Estados”, reconhecendo, porém, que uma tal conclusão “não é realista a curto prazo”. Nesse sentido, apelou aos palestinianos e aos israelitas para, no imediato, “evitarem medidas unilaterais que tornem o processo ainda mais difícil”.

Por outro lado, o futuro chefe da diplomacia norte-americana adiantou que a administração Biden terá de “restaurar” a posição dos Estados Unidos no mundo, construindo sobre algumas das políticas externas de Trump. Para Blinken, muitas das decisões da política externa de Trump “deixaram muito a desejar”, ignorando questões críticas como a das alterações climáticas.

Na audiência de confirmação perante o Senado relativamente não contenciosa, Blinken disse que, se for confirmado no cargo, trabalhará com o Congresso para fortalecer e melhorar o acordo nuclear com o Irão, de que Trump retirou os Estados Unidos em 2018. Assegurou também que vai tentar trabalhar sobre os “acordos de normalização israelo-árabes” que Trump selou nos últimos meses de sua presidência.

Blinken salientou ainda que a promoção dos direitos humanos e da democracia serão parte integrante da aproximação da administração Biden no que diz respeito às relações internacionais e pediu para que os Estados Unidos possam acolher uma cimeira mundial de líderes eleitos democraticamente.

Quem é quem?

Outro órgão que também será dirigido, pela primeira vez, por uma mulher, é a CIA [Agência Central de Inteligência]. Avril Haines trabalhou com Barack Obama como conselheira para a área da segurança nacional.

O cubano Alejandro Mayorkas deverá ser o próximo Secretário da Segurança Interna, numa altura em que Joe Biden prepara um plano de reforma das leis da imigração. O Departamento de Segurança Interna do Governo norte-americano tem actualmente 240 mil funcionários que prestam serviço nas fronteiras e nos postos de alfândega, sem esquecer a área da cibersegurança e protecção civil.

Para Secretário da Defesa foi apontado o nome do General Lloyd Austin, que também trabalhou com Obama e que será o primeiro governante de raça negra neste cargo. Na área dos Transportes foi escolhido o Mayor Pete Buttigieg.

Um dos primeiros trabalhos nesta pasta será coordenar o investimento de 20 milhões de dólares já anunciado por Joe Biden para salvar as empresas que têm enfrentado uma enorme queda no número de passageiros devido à pandemia da covid-19.

Denis McDonough foi nomeado para Secretário dos Assuntos de Veteranos, uma escolha que gerou alguma controvérsia pelo facto de McDonough nunca ter servido nas forças armadas. Susan Rice irá chefia o Conselho de Política Nacional da Casa Branca.

Sobre esta equipa, Joe Biden disse ser “a certa para este momento da história”. “Sei que cada um desses líderes começará a trabalhar desde o primeiro dia para enfrentar as crises interconectadas que as famílias enfrentam hoje”, frisou.

Fim das políticas de Trump

Segundo a Reuters, Joe Biden deverá assinar dezenas de ordens executivas e enviar muitas leis para o Congresso nos primeiros dias a seguir à tomada de posse, para reverter políticas da Administração Trump. Muitas dessas medidas versam sobre a pandemia da covid-19, incluindo a aprovação de um orçamento de 1,9 mil de biliões de dólares para a distribuição de vacinas e apoio económico aos cidadãos.

A Administração Biden deverá obrigar ao uso de máscara nos autocarros, aviões e outros espaços públicos, a implementação de moratórias e alívio nas despesas com a educação. Biden quer também aumentar o número de testes e regras mais claras de saúde pública, além de assinar uma ordem executiva que permite ajudar escolas e negócios a abrirem portas em segurança.

Outras prioridades visam as áreas do ambiente e imigração. O novo Presidente deverá pôr um fim à polémica medida de separação de crianças dos pais imigrantes na fronteira dos EUA, priorizando a reunificação das famílias.

Deverá também chegar ao fim as medidas apertadas sobre asilos, tal como as restrições adicionais a quem viaja do México ou Guatemala. Biden quer também acabar com a declaração de Emergência Nacional que permitia o envio de fundos federais do Departamento de Defesa para construir um muro na fronteira dos EUA com o México.

Trump não recebe

Esta segunda-feira a ainda primeira-dama dos EUA, Melania Trump, despediu-se com uma mensagem que instou os cidadãos norte-americanos a “escolher o amor ao ódio” e “a paz à violência”. Em vídeo, distribuído pela Casa Branca, com uma duração de sete minutos, Melania afirmou: “Devemos centrar-nos em tudo o que nos une, superar o que nos divide e escolher sempre o amor ao ódio, a paz à violência”. Apesar destas palavras amáveis, os Trump (Donald e Melania) vão romper uma das tradições mais antigas da investidura presidencial e sair da Casa Branca sem receber os seus sucessores, o democrata Joe Biden e a sua esposa, Jill.

Pressão para manter

Os Estados Unidos vão utilizar um grande arsenal de ferramentas para conter as práticas “abusivas, injustas e ilegais” da China, garantiu ontem a futura secretária do Tesouro, Janet Yellen, num discurso no Comité do Senado norte-americano. “Temos de combater as práticas abusivas, injustas e ilegais da China”, disse Yellen, defendendo que Pequim está a “prejudicar” as empresas norte-americanas, exemplificando com as barreiras comerciais e com subsídios corporativos “ilegais”. “[Pequim] rouba propriedade intelectual e envolve-se em práticas que lhe conferem uma vantagem tecnológica injusta. (…) Estamos a preparar-nos para usar uma gama completa de ferramentas para enfrentá-los”, acrescentou. Por outro lado, e tendo como pano de fundo a crise pandémica desencadeada pela covid-19, Yellen aproveitou a audiência para pedir apoio ao Congresso para um grande estímulo fiscal destinado a “evitar o risco de uma recessão mais prolongada e dolorosa” nos Estados Unidos.

20 Jan 2021

André E. Teodósio: “O meu trabalho é a desmontagem de um dogma”

André E. Teodósio tem 43 anos. É encenador, músico, cantor, actor, escritor, apaixonado, excêntrico, activista e defensor das comunidades mais desprotegidas. É um dos directores do colectivo Praga e foi considerado em 2012 pelo jornal Expresso um dos portugueses mais influentes

 

A distinção do Expresso em 2012 é uma responsabilidade muito grande. Sente-se bem nesse lugar?

Isso surge de uma coisa muito específica, provavelmente de eu ter conseguido, muito cedo, acesso a determinados modos de produção que outra pessoa da minha idade anteriormente não tinha. E acho que tem a ver com a acessibilidade aos modos de produção … não sei se terá necessariamente a ver com a própria prática artística em si. Não faço a mínima ideia. Mas isso também não me motivou muito, porque as relações de escala laborais variaram muito mesmo quando fui nomeado. Creio que sempre lutei ou pautei a minha prática artística por uma saída do preponderante. Não sei se terá alguma influência mas sei que de alguma forma contribuí para a disponibilização de pessoas, de práticas, de modos de olhar o mundo e de formas laborais que eram bastante atípicas no seio institucional. E até mesmo enquanto prática colaborativa e solidária com várias pessoas, portanto isso se calhar poderá ter sido mais visível para as pessoas. Mas isso já existia com outros colectivos, tanto no Colectivo Praga – eu não estou lá desde a fundação – como no Cão Solteiro, na Sensurround, na Casa Conveniente como em muitas outras estruturas que desapareceram ou por asfixia ou simplesmente por mutação de projecto. Portanto, não sei em que sentido é uma grande influência porque eu é que me senti sempre influenciado por muitas coisas. Ao contrário de Harold Bloom não tenho nenhuma “angústia da influência”, pelo contrário acho que é mesmo a contaminação … bom, dizer esta palavra hoje em dia … mas é a contaminação que é importante, que é fundamental.

Mas é muitas vezes mal compreendido, ou mesmo mal-tratado. Já o ouvi dizer que isso acontece desde sempre na sua vida.

Há duas coisas, uma é a maneira como eu me apresento fisicamente, isso desde cedo foi bastante problemático porque não foi consentâneo com aquilo que era esperado de um rapaz, eu sempre vesti roupas da minha mãe. Mas quando não me apetece “levar com nada” mascaro-me de pessoa – entre aspas – normal. Na maior parte dos dias sou insultado. Conto esta história várias vezes, eu estava na rua com um amigo e disse-lhe que todos os dias era insultado e ele responde-me que isso era com certeza um exagero, nisto passa um carro e ouve-se “eh paneleiro”. Todos os dias é a mesma coisa, há um insulto. Porque a minha indumentária, os meus gestos, a minha apresentação física não se coaduna com uma ideia cristalizada daquilo que é um homem e então há esse lado, que é um lado diário, que infelizmente perdura ao longo de 43 anos. Ainda no outro dia a minha mãe me ligou e disse “espero que não tenhas saído de vestido” – depois do lançamento do livro da Joacine Katar Moreira eu estava de vestido – “porque estamos a atravessar momentos políticos em que isso já não é possível. As ruas estão vazias há uma direita em ascensão”. Com 43 anos ser a minha mãe a ligar-me, preocupada com uma coisa que nunca foi uma preocupação sua, é bastante significativo de uma consciência do espaço que eu quero ocupar e do espaço que a sociedade me está a dar ou não. Depois há um lado, eu não lhe chamo de irreverência mas sim de consciência crítica, em relação a tudo o que me é dito. Eu sou gémeos, tenho este traço de não estar contente comigo próprio, portanto eu também exijo à sociedade estar à altura do não comprometimento com uma ideia fixa daquilo que a sociedade quer para si própria. E tendo isso em conta coloco sempre a dúvida. Alguém me diz que “não se pode fazer assim”, ou que uma determinada coisa “é assim”, e eu automaticamente questiono e tento reflectir as razões que levam a criar determinados tipos de dogma. E depois não tenho pejo em dizer, porque a minha liberdade, a liberdade pela qual os nossos pais lutaram, é a liberdade democrática e de comunicação e não assente numa mediação por gestos vazios, uma espécie de terceira via que é bastante característica de pessoas que cultivaram uma esquerda profunda e que se desviaram para uma esquerda centro; a ideia de um aburguesamento dos ideais e da liberdade, uma higienização dos comportamentos, até críticos, dizia eu, não vou abdicar dessa liberdade conquistada pelos nossos pais e de alguma forma conquistada por mim diariamente através da violência a que estamos todos sujeitos, a que muitos de nós estamos sujeitos, por discordarmos, por nos vestirmos de maneira diferente ou por termos ademanes que não são esperados. Não vou abdicar dessa liberdade. Até ao momento em que tiver que abdicar dela. E depois logo decido se saio de novo, se vou para outro sítio, ou se estou pronto para dar o corpo às balas. Mas não aceito uma ordem de ninguém. E acho que isso é muito comum em muitas pessoas, na verdade eu só estou provavelmente num spot light qualquer, ou estive num spot light qualquer, que permitiu isso ser visível. Mas não acho que a luta seja feita sempre de uma forma visível, há muitas pessoas que estão a fazer a mesma luta que eu, mas uma luta invisível.

Em Setembro de 2020, a sua criação Inverted Landscapes apresentada em Berlim, foi alvo (segundo palavras suas) de abuso de poder, xenofobia, queerfobia e racismo, ao serem expulsos da rua por um segurança da Axel Springer. É um forte ataque à liberdade individual e artística. O que é que aconteceu?

Tendo decidido deixar de usar o espaço do museu e ir para o espaço público confrontamo-nos sempre com vários problemas em relação ao nosso tipo de comportamento. Muitas pessoas acharam que era indigente apesar de ainda não haver a obrigatoriedade do uso da máscara e mantermos o distanciamento. Havia pessoas que passavam por nós diariamente na rua e nos chamavam inconscientes indigentes etc., por estarmos a ensaiar em jardins públicos. E diziam-no bem alto para serem escutados por uma audiência.

Mas essa situação não aconteceu em Berlim?

Foi cá em Portugal, no jardim da Estrela e no jardim do Campo dos Mártires da Pátria. Depois em Berlim aconteceu que um senhor, ao ver um homem negro e duas mulheres que não parecem as mulheres icónicas ou que não são consentâneas com uma ideia canónica, a ocupar um espaço público e a “fazer umas coisas esquisitas” expulsou-nos da rua. Expulsou-nos da rua sem qualquer tipo de pejo em dizer que a rua lhe pertencia. Que os monumentos lhe pertenciam, que o prédio lhe pertencia, não a ele mas à Companhia, e que ele estava a zelar por ela. O que gerou uma grande insegurança em relação àquilo que para nós era um território de liberdade. E veio provar de facto – e a performance é sobre isso, Inverted Landscapes – que nós não temos território em lado nenhum. Não há espaço para nós. Há uma historiografia, mas essa historiografia não tem espaço. Pode ter determinadas comunidades que o abraçam determinados “safe spaces” mas são sempre coisas enclausuradas, reservas onde nós nos podemos auto qualificar ou manifestar lá dentro mas que não são transversais à sociedade toda.

Quem são esses “nós” de que fala?

Pessoas que têm opressões variadas, pessoas precarizadas, marginalizadas etc.

As categorizadas “minorias”?!

Exacto. Depois o episódio final deu-se quando eu ia a entrar no avião com a Ana Tang e o Paulo Pascoal (actores da performance). A mim, enquanto pessoa aparentemente branca, não me foi colocado nenhum entrave para entrar no avião, mas a Ana Tang e o Paulo Pascoal foram subordinados numa espécie de avaliação da sua nacionalidade e da sua aptidão para entrar naquele voo (Berlim/Portugal) …eu não posso falar muito sobre isso porque na verdade o processo está em tribunal na Alemanha com o caso do Paulo. No caso da Ana, perguntaram-lhe se falava inglês – porque presumiram que ela era “não europeia” – e supõem uma capacidade comunicativa que não é a real. Em relação ao Paulo foi um entrave do princípio ao fim, foi chamado pela polícia, foi levado pela polícia …foi bastante grave.

Só porque é negro?

Porque é um negro angolano. E viajávamos os três em conjunto. Mas qualquer pessoa que não seja coincidente com os interesses da maioria tem sempre entraves de acessibilidade a recursos e meios.

Mas eles não queriam que o Paulo entrasse no voo? Qual a justificação dada? Porque é negro?

Sim, porque é negro e angolano e estamos a atravessar uma pandemia por isso não podia ir no voo.

Como assim?

Eu perguntava “mas se for um americano”? Responderam “um americano é um europeu”.

Um americano não é um europeu.

Exacto. Foi o que nós dissemos. Muito grave, foi muito grave. Foi mesmo muito grave. Nós tínhamos uma declaração da embaixada e o Paulo tinha um comprovativo de residência. Pedimos para fazer uma chamada para a pessoa da embaixada que nos contratou e que nos passou as declarações e eles não nos deixaram ligar. Estavam sempre a inventar mecanismos e razões para a não inclusão ou aceitação do Paulo no voo; para o expulsar.

Mas foi detido?

Ele foi detido, entre aspas. Não foi levado algemado mas foi detido pelo SEF. Foi levado para uma sala própria para ser inquirido.

Conseguiram trazê-lo?

Entrámos no último minuto antes de fechar a “gate”. Foi horrível. Foi mesmo horrível.

Disse numa entrevista recente que o próximo passo é a identity bender. “Hoje sou uma cadeira, amanhã sou uma flor. ” É sem dúvida um lugar de total liberdade – o oposto do que aconteceu em Berlim – e eu pergunto-lhe, para si há um Ser e um estamos a ser?

Sim, há duas coisas. Eu estou a falar de alguém que já teve capacidade de ter uma identidade firmada, o que não é tão comum assim socialmente. As pessoas negras, migrantes transgénero, a sua identidade ainda não está firmada não têm o seu espaço. E parece-me um pouco impossível poderem sair de uma coisa que ainda não conquistaram ou a que não tiveram direito. Acho que há duas coisas, uma é o meu estado a partir do estado onde eu tenho capacidade de escolha e outra é alguém que não tem capacidade de escolha. Quem não tem capacidade de escolha precisa de ter todos os meios para poder conquistar a sua identidade. Em relação a mim, acho que já tendo uma identidade firmada não porque a quis ter, mas porque me foi dada socialmente, processualmente, legalmente até, o meu trabalho é o mesmo de uma desmontagem de um dogma. Acho que as pessoas podem ser o que quiserem. Mas também podem encarar a sua vida como “estando a ser qualquer coisa” como estando a ser um protocolo de verdade, como estando a ser um protocolo legal, como estando a ser um protocolo médico, etc. Então o meu processo de criação o meu processo ontológico vá, é essa ideia de que “eu não tenho de ser” mas “eu posso estar a ser o que quiser”. E o “estar a ser” está em relação com o mundo. Eu sou o peso de uma cadeira. Os nossos corpos em termos quânticos são isso tudo – já existe – é uma retração, uma simplificação da linguagem para nos entendermos a nós próprios ou para nos espelharmos através de uma imagem. Mas na verdade nós já somos muita coisa, uma matéria descartável dessa força e dessa vitalidade que é a energia e que é a vida. Somos uma matéria descartável disso, nós existimos mas o que conta é o “o que é”, o que está a sair do nosso corpo, porque é aí que a nossa vitalidade, a nossa energia está a surgir, porque o nosso corpo vai lentamente sendo abandonado como uma metamorfose. A minha identidade está relacionada com as várias partes de uma totalidade na qual eu faço uma morfose consoante a minha condição. Quando o meu cão se senta ao meu colo eu sei que estou a ser alguém que tem uma relação com o cão, mas também estou a ser uma cadeira e tenho um propósito uma finalidade. E pronto tem a ver com isso, sair de um dogma daquilo que me é imposto que é “eu sou o André sou um homem branco blá blá blá” e poder sair desse simplismo que é a minha presença no mundo ou a nossa presença no mundo.

A arte é em si uma identity bender? Onde tudo é tudo e onde tudo é nada? O sítio para o pensamento?!

Sim, é uma ferramenta cognitiva é uma forma de entender o mundo mas que provém de um excesso de tempo e de um excesso de meios. Só quem de facto tem algum tempo livre e alguns meios consegue estar nesse processo em que sai da prisão de ter de estar no mundo de uma determinada forma; a prisão do corpo, a prisão da língua, a prisão da alimentação, a prisão da sociedade, a prisão legal…e acho que a arte é essa saída da prisão.

A libertação de tudo?

Sim, é dobrar a língua. É partir a língua que aprendeste…é partir a identidade que aprendeste, partir o teu nome, partir a nacionalidade… é partir. É sempre partir. É amplificar uma experiência a partir desses suportes… sim, é isso… ampliar a experiência.

A propósito de partir, agora noutro contexto, há um relatório anual da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) do Conselho da Europa que alerta para o crescimento dos discursos de ódio, o aumento do racismo, da discriminação racial e da intolerância. Estão a surgir vários movimentos conservadores, ou ligados à extrema-direita contra a chamada “ideologia de género”; rejeitam a distinção de sexo e género, argumentando que qualquer género separado do sexo biológico não deve ser reconhecido. O que podemos fazer para combater estas ideias?

Não sei…é uma resposta que não tenho para dar. Não será uma acção colectiva como foram em anos anteriores … mas pequenas bolhas de mudança. Existem vários grupos activos na reivindicação de direitos e de mudanças e todos eles têm de ser escutados pelo poder e de alguma forma fortalecidos pela nossa presença e pela nossa audiência. Agora …não sei na esfera civil como é que isso politicamente é possível uma vez que a fragmentação que existe na ordem civil existe também no poder. E aí já estamos a falar no âmbito global e geral onde todas as mudanças e todas as reivindicações pequeninas podem acontecer, ou não, mas que não influenciam ou abanam o status quo desse poder. Não sei como é que se faz. Mas tenho tentado estar engajado politicamente e socialmente de diversas formas … mas não sei mesmo como é que isso tem alguma consequência geral a não ser uma consequência prática de os grupos onde os quais me incluo conseguirem conquistar algumas coisas. Pode haver uma mudança através de todas estas mudanças pequeninas mas ainda é muito difícil vê-las e acho que passam por estratégias maiores como repensar a participação social, repensar aquilo que são os meios de comunicação, repensar a responsabilidade na internet individual e também nacional, repensar a economia, repensar a distribuição, repensar a presença exterior de determinados países e a sua relação ou conivência com determinadas formas de agir … muitas coisas que é preciso ir fazendo e que eu acho que estes microcosmos podem ir desencadeando aos bocadinhos. Não acho que a arte tenha de pensar sobre estas coisas, mas acho que a arte que perpetua a lógica que até aqui chegou não é uma arte que sirva neste momento. Não é que seja negativa, mas não é operativa para aquilo que é necessário neste momento.

Para terminar, pedia-lhe que desenvolvesse esta ideia que li num post seu. “Um determinado tipo de mundo está a definhar, preso aos seus costumes e práticas de sustentação do seu status quo, mas nós continuamos a ser a seda vibratória impossível de ser detida. Porque até à morte e nela, “A body convulsion / is our dance version”.”

Isso fazia parte dos textos do Inverted Landscapes, e tem a ver com tudo isto na verdade. Nós não vamos parar, nós sabemos que estamos aqui numa fase transitória, e que somos simplesmente carne para esta vida ganhar mais força mais eco e, portanto, há uma coisa que é superior a nós. Não precisa do nosso corpo e da nossa voz, temos de ser obreiros dessa força e dessa voz e caminhar para a frente porque ela vibra em nós. Essa mudança vibra em nós, não precisa de nós para nada. Quando já não estivermos à altura daquilo que a vida nos exige, ela abandonar-nos-á mas o nosso sopro vai continuar e a nossa matéria vai continuar, e os ecos das mudanças que fizermos vão continuar para os outros; as conquistas sociais, as conquistas estéticas etc. Então é isso, esta força da vida que é uma seda vibratória. É uma coisa que se mexe sem nós, neste corpo que está aqui entre um espaço e um tempo que habita este planeta. E é isso, esta performance é isso. Não parar. Nós não vamos parar. Mesmo que venha um senhor dizer-nos que não podemos estar ali, que no teatro nos digam que o que fazemos é dança com texto, que os políticos nos digam que nós não podemos existir, mesmo que nos insultem todos os dias na rua, nós vamos avançar. Vamos avançar com as nossas saias, com as nossas cores, com os nossos corpos, com as nossas identidades por conquistar, outras já em completa transformação, vamos avançar. Vamos avançar e não vamos parar.

ENTREVISTA Teresa Sobral
FOTOS Inês Oliveira

19 Jan 2021

CCAC | Bancários suspeitos de burlar através de empréstimos no valor de 770 milhões

O Comissariado contra a Corrupção descobriu um caso suspeito de burla através de empréstimos hipotecários praticado por funcionários bancários, ligados a uma associação criminosa que foi, entretanto, desmantelada. A investigação deste caso começou em 2010. Alguns membros da rede estão proibidos de sair da RAEM

 

Foi descoberto, pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC), um caso suspeito de burla de empréstimos hipotecários que terá sido praticado por “alguns funcionários bancários em conluio com uma associação criminosa”.

Segundo o comunicado do CCAC divulgado ontem, um total de nove pessoas, incluindo “o cabecilha, os autores principais da associação criminosa e alguns funcionários bancários”, em conjunto com 370 mutuários, terão falsificado documentos.

Através deste acto conseguiram, “com recurso a meios fraudulentos”, 362 empréstimos concedidos por 11 bancos num montante total de 770 milhões de patacas. Terão sido também obtidos “benefícios ilícitos” no valor de 220 milhões de patacas.

Segundo o CCAC, a associação suspeita da burla, e que entrou em funcionamento há mais de dez anos, foi, entretanto, desmantelada.

O caso está a ser acompanhado pelo Ministério Público (MP) e em causa estão os crimes de associação criminosa, falsificação de documentos, burla de valor consideravelmente elevado e violação do dever de sigilo, regulado pela Lei da Protecção de Dados Pessoais. Alguns membros da associação criminosa ficam proibidos de deixar a RAEM enquanto decorrer a investigação.

Dez anos de investigação

O CCAC começou a investigar o caso depois de receber uma denúncia sobre o alegado envolvimento de uma associação que se dedicava à prática de burlas, e que seria liderada por um homem de apelido Chan. A investigação começou em 2010 e só terminou o ano passado.

Este, “em conluio com funcionários que exercem actividades na área da concessão de empréstimos em bancos locais” e também em conjunto com outros indivíduos, “falsificaram documentos para obter, por meios fraudulentos, empréstimos hipotecários concedidos por bancos”.

No decurso da investigação, o CCAC concluiu que a associação parecia dedicar-se a actividades de intermediação imobiliária, quando na realidade “concedia também empréstimos privados para obter juros elevados”.

“Quando os mutuários não conseguiam pagar os empréstimos, era exigida a falsificação conjunta de documentos para pedir empréstimos imobiliários aos bancos, como forma de pagamento daquelas dívidas, sendo que os mutuários precisavam também pagar despesas emolumentares de alto valor”, explica ainda o CCAC.

A associação procurava, assim, “residentes desesperados por dinheiro” em locais como casinos ou “recomendados por conhecidos”. Eram também publicados anúncios em jornais onde era prometida uma “rápida apreciação e aprovação de empréstimos”, por forma a angariar clientes.

Um dirigente de um banco “chegou a falsificar documentos para pedir empréstimos a diferentes bancos, com o objectivo de obter fundos destinados ao investimento ou ao apoio do funcionamento daquela associação, bem como à aquisição das propriedades dos mutuários, a preços inferiores aos do mercado”, conclui o CCAC.

Além disso, “alguns funcionários bancários envolvidos violaram as normas relativas ao sigilo das instituições financeiras, tendo revelado ilicitamente informações bancárias de clientes a membros da referida associação”.

Houve também interferência no processo de investigação do CCAC, uma vez que “estes elementos chegaram a instruir alguns dos mutuários sobre a forma como deveriam responder às interrogações do pessoal do CCAC, com a intenção de interferir e de se furtar à investigação”.

19 Jan 2021

PJ | Dois detidos por plantar canábis em casa

Um residente de Macau e outro de Taiwan foram ontem detidos por cultivar quatro plantas de canábis na própria casa, localizada junto ao hospital Kiang Wu. De acordo com a lei, os suspeitos podem ser punidos com uma pena de prisão que pode ir até 15 anos

 

A Polícia Judiciária (PJ) deteve ontem dois homens que albergavam em casa, uma área reservada à plantação de canábis. Os suspeitos, de 28 e 22 anos, moravam juntos na mesma habitação, localizada nas redondezas do Hospital Kiang Wu. No total, foram apreendidas quatro plantas de canábis.

Numa conferência de imprensa promovida junto da residência dos detidos, a PJ revelou ter recebido informação sobre o facto de os dois suspeitos, um residente de Taiwan e outro de Macau, estarem a produzir estupefacientes em casa.

Desencadeada a investigação, a PJ viria a interceptar ontem pelas 12h00, o cidadão de Taiwan, que trabalhava como relações públicas, no momento em que este saía de casa. Ao mesmo tempo, os agentes da PJ detiveram o segundo suspeito, desta feita no Cotai, no interior do estabelecimento comercial onde trabalha como vendedor.

Após as detenções, ambos foram levados de volta para o apartamento que partilham em Macau, sendo que, durante as buscas, a PJ descobriu uma área dedicada à plantação de canábis, onde estavam quatro plantas cultivadas em garrafões de plástico com terra até cima, fazendo as vezes dos vasos.

Consultando as imagens divulgadas pela PJ, as quatro plantas de canábis estavam guardadas dentro de uma tenda de cultivo e expostas a iluminação térmica de cor violeta. Além dos acessórios de conservação, foram ainda apreendidos instrumentos de plantação, como fertilizantes.

Durante o interrogatório, os dois suspeitos confessaram que, além da produção do estupefaciente, eram também consumidores. Segundo a PJ, tanto o cidadão de Taiwan como o de Macau vendiam droga a terceiros.

Quanto ao valor ou potencial valor da plantação de canábis apreendida, a PJ revelou que só poderá avançar com um montante após analisar o material.

De mal a pior

O caso ainda não foi ainda entregue ao Ministério Público (MP), mas os suspeitos arriscam-se a ser punidos, só pelo crime de “produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, com uma pena de prisão entre 5 a 15 anos.

Contudo, segundo a PJ, os suspeitos são ainda acusados dos crimes de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” e “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, pelos quais podem ser punidos, respectivamente, com pena de prisão de 5 a 15 anos e com pena de prisão de 3 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 240 dias.

Recorde-se que em Novembro de 2020 o tema da legalização do consumo de canábis esteve na ordem do dia, quando o gabinete do secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, apontou que a implementação de políticas de legalização da substância em alguns países e regiões constitui “sem dúvida, uma influência negativa” sobre as medidas de controlo da canábis e os seus efeitos noutros países.

Na altura, Wong Sio Chak considerou que, o facto de Relatório Mundial da Droga do UNODC 2020, apresentado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, revelar que, em 2018, existiam 200 milhões de consumidores de canábis, é um dado “muito grave”.

19 Jan 2021