Estreia | Primeira edição de festival de cinema dedicado à dança

A primeira edição do “Rollout Dance Filme Fest” está prestes a começar, um festival de cinema todo ele dedicado à arte da dança. O HM falou com Erik Kwong, organizador da iniciativa, que deu a conhecer a ideia, o objectivo e a satisfação pela adesão internacional dos filmes que estarão em competição

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “Rollout Dance Film Fest” é o festival dedicado ao cinema que aborda a arte de dançar e que arranca com a sua primeira edição a partir de sexta-feira.

“A ideia deste tipo de festivais, com temas mais circunscritos, já fervilha na Europa e mesmo no Brasil mas na Ásia ainda não é comum” explicou Erik Kwong, organizador da iniciativa, ao HM. Apesar de não ser frequente no continente asiático, Erik Kuong é “experiente” neste género de eventos. “Já fazia uma série de actividades e projecções que envolviam cinema e dança, mas em Hong Kong”, explicou, sendo que a ideia de trazer um festival mais coeso e consistente a Macau sempre foi algo que teve em mente.

Por outro lado, dada a sua ligação às artes, e sendo também júri dos filmes que estarão em competição, Erik Kuong considera que a ideia de fazer o festival no território é também uma “forma de mostrar a curadoria local de uma forma mais internacional”.

A paixão pela dança vem essencialmente enquanto forma de expressão. O desafio passa por mostrar uma arte através da outra, aliando o movimento da performance às imagens do cinema. “É dar uso à linguagem do corpo através da linguagem da imagem filmada”, referiu.

Relativamente ao números de aderentes na secção de competição, o responsável não podia estar mais satisfeito. “A organização recebeu cerca de 150 filmes vindos de 35 países. Foi muito bom e ficámos muito surpreendidos. Temos também um júri internacional constituído por seis elementos: um da Austrália, um do Brasil, um de Singapura, um de Hong Kong, um elemento que apesar de ser também de Hong Kong, vive em Macau e eu”.

O contentamento é igualmente manifestado no que respeita ao mérito artístico das películas a serem exibidas. “A qualidade dos filmes que recebemos foi muito além das nossas expectativas”, expressou ao HM.

Fim-de-semana em movimento

O evento tem um prelúdio. A ideia é cativar o interesse e a curiosidade do público local. Para o efeito teve lugar, ontem, a projecção de “Dress to see”, um filme do realizador local Tomas Tse. “A intenção é começar com o que se faz no território anfitrião”, explicou Erik Kuong.

Oficialmente, o “Rollout Dance Film Fest” tem início sexta-feira com o filme de abertura. A escolha incidiu em “Mr Gaga”, o documentário que retrata a vida e o trabalho do coreógrafo israelita Ohad Naharin. No dia de arranque haverá também uma presença local com uma projecção extra, desta feita de “Wanderland”, um filme realizado por Cloe Lao.

O sábado vai ser preenchido com a exibição dos 60 filmes que passaram a selecção inicial e que abrangem o cinema e a dança vindos de todo o mundo.

O filme vencedor receberá 1000 dólares americanos. Segundo Erik Kwong, “apesar de não ser uma quantia muito avultada, representa uma ajuda para a promoção do filme, essencialmente no estrangeiro.” Além do prémio do júri, o festival conta ainda com a atribuição de uma distinção para um filme escolhido pelo público.

Por último, “no domingo vamos ter secções dedicadas à Europa, ao Brasil e contamos com um documentário de HK. Tentamos que o programa seja acessível a todos para cativar as audiências. Queremos chegar ao público em geral”.

De Macau, concorreram um total de seis filmes que estão seleccionados e “esta pode ser uma forma de cativar mais a produção local não só na dança, mas também no cinema associado a esta forma de arte”, explicou Erik Kwong.

Para o organizador esta pretende ser a primeira edição de muitas: “Queremos no futuro encomendar trabalhos para que possam participar e integrar, queremos ser um Festival Internacional”.

13 Dez 2016

“São Jorge” vendido para distribuição no mercado chinês

Ainda em Veneza, aquando da estreia, o filme “São Jorge” de Marco Martins ficou com o destino ditado com a venda para distribuição comercial no mercado da China. Para o realizador, a passagem para o mercado asiático não deixa de ser positiva, apesar de ainda não saber o que esperar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme português “São Jorge” foi vendido para distribuição comercial na China, devendo seguir-se “provavelmente” França, afirmou ontem o realizador Marco Martins, em Macau, onde a longa-metragem fez a sua estreia asiática.

“São Jorge”, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor na secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza em Setembro, é um dos 12 filmes da categoria de competição do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, que decorre até terça-feira.

A exibição do filme – que conta a história de um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver – teve lugar ontem à noite, na Torre de Macau, mas a venda para distribuição comercial para China foi concretizada em Veneza, indicou o realizador em conferência de imprensa.

“O facto de ter sido vendido para distribuição na China deixou-me muito contente e curioso sobre a percepção que o filme teria aqui”, afirmou, quando questionado sobre as expectativas relativamente ao público chinês.

Apesar de “São Jorge” estar focado num “período específico” da história portuguesa, Marco Martins considera que a longa-metragem percorre uma narrativa universal.

“Quando faço um filme tento que seja absolutamente universal e perceptível por qualquer cultura, faixa etária, que seja absolutamente universal independentemente do país em que seja visto e, nesse sentido, acho que o filme fala de sentimentos que são universais. Há um pano de fundo que é a crise – sim –, mas depois é a história de um pai que tenta manter a sua família junta”, realçou.

Obra do acaso

Marco Martins descreveu ainda a génese do filme, contando que foi um pouco por “acaso” que entrou no submundo dos cobradores de dívidas, porque a ideia original era fazer um filme sobre um pugilista amador.

A surpresa chegou quando começou a fazer a pesquisa nos ginásios de boxe – onde “pensava que ia encontrar o cliché habitual dos que trabalham em empresas de segurança ou em discotecas ou em estabelecimentos prisionais”, e acabou por encontrar uma série de boxers que trabalhavam em empresas de cobranças – umas legais e outras legais.

“A partir do momento em que percebi qual era o trabalho que faziam, isso tornou-se mais importante que o boxe em si e foi ganhando um peso na história bastante grande”, relatou Marco Martins, explicando que face às dificuldades, por serem “empresas e esquemas muito fechados”, a pesquisa sobre esse mundo das cobranças difíceis foi feita nas entrevistas com os pugilistas que explicavam o processo.

Neste âmbito, descreveu também a intensa preparação do actor Nuno Lopes para vestir a pele do protagonista: a física, ao longo de cerca de um ano e meio, e ao nível da própria personagem e do acento específico da margem sul de Lisboa, por exemplo.

A inclusão de elementos de documentário – com conversas sobre a situação política e social em Portugal – também foi “ganhando importância”, dado que inicialmente o guião era “muito clássico”, explicou o cineasta. “Essas conversas eram mais interessantes do que estava originalmente no guião e, portanto, houve a vontade de trazer esse lado mais documental para o filme.

“Todas aquelas pessoas que vivem nos bairros – alguns dos cobradores, alguns dos devedores – são pessoas com quem as quais me fui cruzando ao longo da pesquisa”, pelo que surgem “pequenos excertos de grandes diálogos” dessas pessoas que Marco Martins foi levando para o filme, fazendo com que elenco tivesse cada vez mais actores não-profissionais.

“Um aspecto também interessante foi que a ideia era fazer um filme social sobre a crise, quase como um filme mosaico sobre aquele período da ‘troika’ em Portugal, mas quando o universo das cobranças entrou de repente assustei-me porque tinha um filme de género na mão – era de facto, quase um policial negro”, relata, indicando que esse “cruzamento de géneros” ou “híbrido” lhe despertou o interesse para trabalhar “esses dois materiais muito distintos entre si”.

Além disso, “São Jorge” foi uma estreia para Marco Martins por ser o seu primeiro filme em digital, o que marcou uma “grande mudança” na linguagem: “Fizemos uma série de testes e o que nos pareceu mais interessante foi esta ideia de um filme passado de noite”, algo, “de facto, fantástico”.

12 Dez 2016

João Botelho, realizador: “Quando se constroem muros, é preciso pontes que os destruam”

“A Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto é o título e tema do próximo filme de João Botelho. O realizador português esteve em Macau a apresentar o projecto no “Crouching Tigers Project Lab”, secção do Festival Internacional de Cinema que reúne cineastas e a indústria para levar os filmes, que ainda são ideias, ao grande ecrã. Para João Botelho, esta é uma oportunidade de dar o cinema português ao conhecimento asiático

[dropcap]E[/dropcap]stá na secção “Crouching Tigers Project Lab” a apresentar o seu novo projecto, “ A Peregrinação” baseado na obra de Fernão Mendes Pinto. Porquê esta escolha?
Gosto de adaptar livros. Comecei quando fiz os “Tempos difíceis” do Dickens numa adaptação portuguesa. Depois comecei a fazer coisas que considero importantes na cultura portuguesa e penso estarem pouco divulgadas. Adaptei, do Frei Luís de Sousa, o “Quem és tu?” e “A corte do norte” da Agustina Bessa Luís, que é uma escritora que admiro. Fiz “O desassossego” do Pessoa e “Os Maias” do Eça. Acho que agora é a altura de fazer uma coisa que os portugueses se vão esquecendo e que é ter orgulho em alguns dos grandes momentos portugueses. O Fernão Mendes Pinto representa um deles. Foi uma pessoa desprezada durante muito tempo e de repente descobre-se que ele tinha muito mais verdades do que aquilo que se pensava. Naquela altura, os portugueses queriam epopeias que revelassem a grandeza e Fernão Mendes Pinto foi uma pessoa que apenas relatou, e muito bem, os anos que esteve na Ásia. Por outro lado, as contradições do ser humano estão todas na sua obra. Outro aspecto importante é que estamos numa altura em que está tudo a construir muros e o Fernão Mendes Pinto, através das civilizações que vai conhecendo e com quem se vai relacionando, dá um bom exemplo do que é a coexistência pacífica entre os povos. Numa altura em que se constroem muros, é preciso pontes que os destruam. Ele só começou a escrever o livro passados oito anos de regressar a Portugal. Ninguém lhe ligava. Não foi muito bem reconhecido em Portugal. A única pessoa que o reconheceu foi o Filipe II de Espanha. Nem foi em Portugal. Mas era alguém que conhecia, na altura, como ninguém, o oriente. Outra coisa curiosa acerca do Mendes Pinto, é que considerava que, quando os portugueses se portassem mal, deveriam ser castigados por isso.

Um sentido de justiça?
Sim, ele achava que toda a acção tem uma paga.

Este filme é um filme de aventuras e o cinema que faz é conhecido pelo seu lado mais contemplativo. Como é que junta a acção da aventura com este aspecto contemplador?
Tem de ser com muito cuidado. Por exemplo, este filme também é um musical. Adoro o “Por este rio acima” do Fausto, e achei que uma das coisas magníficas que se podem fazer no cinema é, quando há uma acção com crueldade, por exemplo, podemos parar os actores e pô-los a cantar a própria acção. Por exemplo, há uma grande tempestade e em vez de fazer a cena toda (até porque é muito cara), a cena pára a determinada altura e os actores, agarrados aos mastros, cantam a tempestade, cantam o naufrágio. É um filme que tem um bocado de acção, um bocado de contemplação e de narração também.

É um filme também narrado?
O herói deste filme é a grande escrita do Fernão Mendes Pinto e vamos ter uma voz off a narrar o próprio filme, a dele. Uma das coisas que estamos a trabalhar aqui, e que tem sido uma sugestão que agrada à indústria, é de a de que a voz do narrador seja uma voz do país em que está a ser distribuído. Por exemplo, na China será chinesa, no Japão, japonesa, no Brasil, o português brasileiro, na Malásia, o malaio. Mas, para ser fiel, porque o narrador é o Fernão Mendes Pinto que é português, quando estas situações acontecerem, muda-se o pronome, o eu passa a ser ele.

A linguagem também unifica…
Sim, nesta mistura cultural é um meio de unificar, aliás o cinema pode sempre unificar porque no cinema podemos fazer tudo. Não há uma regra para o cinema.

Como é que está a correr a apresentação do projecto nesta secção?
Aqui as pessoas parecem estar muito interessadas neste projecto. Esta secção está muito bem pensada e organizada. De repente houve uma data de produtores, distribuidores e agentes que estão aqui. Vêm da china, de Hong Kong, Malásia, Coreia. São sobretudo asiáticos. Apareceu um grande produtor da China continental que tem uma sucursal em Hong Kong e também tem estúdios em Los Angeles. Segundo eles, quando também lhes perguntamos no que é que estão interessados, a resposta é que estão interessados em tudo. Apareceu-nos outra pessoa, um miúdo fantástico da Coreia que faz efeitos especiais, que se ofereceu para tratar da pós produção deste filme. Nesse caso, ficam os direitos para a Coreia. É uma troca e é muito boa porque vamos precisar disso. Outro representante da indústria de Hong Kong queria comprar-nos os direitos para fazer um filme de animação. Não aceitei. Quero fazer o filme mas posso ceder os direitos daqui a dois anos para o projecto de animação.

O mercado asiático está interessado?
Sim e pela primeira vez. Este pode ser um meio dos filmes, principalmente portugueses, atingirem outros mercados. Eles gostaram muito desta história e pareceram muito interessados. Pode não dar em nada mas acho que vai dar.

O Martin Scorsese acabou de fazer um filme acerca dos Jesuítas no Japão, a peregrinação é também uma abordagem do oriente. Considera que há um interesse crescente e visível pela abordagem da Ásia no cinema ocidental?
Sim, há. Este é o próximo império. Os impérios são como as pessoas: nascem, crescem e morrem. Nós também o fomos. Agora é a China. A Europa estagnou, os Estados Unidos estão com problemas gravíssimos e a China tem tempo. Para a China, mil anos não é nada, eles têm tempo para esta uma ocupação lenta.

Filmou na China, com que impressão ficou?
Foi uma impressão de uma certa violência, ou seja, de vez em quando é preciso fechar os olhos a alguma coisa para poder ver a beleza de coisa inacreditáveis. É uma cultura de massa mas por outro lado tem orgulho e dimensão deste novo império.

Quando é que prevê a estreia de “A Peregrinação”?
Vou filmar de Abril a Julho e espero que lá para Novembro do ano que vem possa estrear.

12 Dez 2016

João Rui Guerra da Mata: “A cultura tem de estar focada no futuro”

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]oão Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues co-realizam “270, San Ma Lo”. O filme, que ainda só é uma ideia, tem como pano de fundo o Hotel Central de Macau e está a ser apresentado no “Crouching Tigers Project Lab”. O HM falou com Guerra da Mata que considera a possibilidade de comunicação entre a arte e a indústria uma oportunidade “fantástica”

A dupla de realizadores João Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues estiveram em Macau para apresentar à indústria cinematográfica o novo projecto “270, San Ma Lo”, para o qual obtiveram ontem um financiamento de 20 mil dólares, atribuídos pela Fox International Productions.

O projecto “Crouching Tigers Project Lab”. Sem querer adiantar ainda muito acerca do filme, Guerra da Mata admite que é uma ideia já com alguns anos. “Partiu de uma carta-branca para participarmos num festival que acabou por não avançar”, explicou ao HM.

No entanto, fazer uma história a partir do Hotel Central de Macau, cuja morada corresponde ao nome da película, não ficou esquecida. “Mas a ideia de fazermos um filme que tivesse este hotel como ponto de partida era um projecto que queríamos mesmo fazer. É um lugar com uma história extraordinária, na altura era o prédio mais alto do chamado império português e nós sempre achámos que o facto daquele hotel ser um ninho de espiões era fantástico”.

“O filme não é o Hotel mas o que se lá passa”, referiu. “Este filme tem muito a  ver com o período da guerra do Pacífico que, na minha opinião, não é muito conhecido em Portugal. É um período que nos interessa muito”, mencionou enquanto desvendou um pouco mais do que poderá aparecer no grande ecrã: “o filme começa na actualidade e depois, sem revelar muito, vamos encontrar Macau e personagens de cá nesse período em que o território foi um importantíssimo centro geopolítico e tinha militares das várias tendências políticas mundiais”. A importância em abordar Macau no contexto da guerra reside no facto de ser “um assunto que ninguém sabe ou, quando muito, é do conhecimento de um grupo muito reduzido em Macau”. O desconhecimento abrange, na opinião do realizador, os países asiáticos: “por outro lado, tenho visto nos encontros que se estão a fazer aqui que é uma história que ninguém conhece”.

Para o mundo

João Guerra da Mata considera a ideia do Festival Internacional de Cinema que está a decorrer “absolutamente extraordinária” porque podia ser uma forma de divulgação de cinematografias de países com menos visibilidade em território chinês e asiático.

A secção em que está a participar, o Crouching Tiger Project Lab, é no entender do cineasta, “uma ideia absolutamente maravilhosa”. “Esta coisa de existir uma secção que selecciona uma série de projectos entre os muitos que foram enviados, e permitir que o autor possa ter uma conversa, durante alguns minutos, em que se apresenta o projecto de modo a que possa haver possibilidades de produção, financiamento e distribuição é uma coisa muito boa”, explicou.  Por outro lado, “o cinema português tem co-produções que já existem num registo imediato, como a França ou a Alemanha e esta iniciativa permite a possibilidade de associação a países asiáticos. Macau podia servir de ponte entre o mundo e o mercado chinês.”

A ideia para o filme está a ser bem recebida, apesar de se encontrar ainda numa fase muito embrionária. “Nas reuniões que tenho tido apercebi-me que já há aqui filmes muito desenvolvidos, o que não é o nosso caso, mas as pessoas mostram-se interessadas”.

De relevo, é a comunicação entre a arte e a indústria e, para Guerra da Mata, “o que é mais interessante é que o cinema enquanto arte, aqui tem o contacto que precisa de ter com a indústria. O cinema é uma arte, mas também é uma indústria”.

Guerra da Mata passou a infância no território e tem-no “sempre muito presente”. Não sendo uma presença “nostálgica”, classifica a sua atracção por Macau como “quase física”. “No entanto tenho pena que não haja um pensamento relacionado com cultura”, admitiu ao HM.

“A cultura não é só o passado, antes pelo contrário, tem de estar focada no futuro e, por causa disso mesmo, custa-me muito ver as coisas serem todas destruídas, porque qualquer dia é tarde demais”, explicou. Para o cineasta, “Macau, culturalmente, é única no mundo por ser um lugar de fusão e influencia mútua pelo que gostava que a cultura luso chinesa não fosse vista como um complemento aos casinos. Gostava que fosse mais dinâmica.”

12 Dez 2016

Obra de Vhils no jardim do Consulado homenageia Camilo Pessanha

“Visível, Invisível” encheu os jardins do Consulado-Geral de Portugal em Macau, na passada sexta-feira. A obra é um retrato que celebra a vida e obra do poeta Camilo Pessanha

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi com um atraso de quase uma hora que começou a cerimónia de inauguração do primeiro trabalho na RAEM de Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils, circunstância que não retirou emotividade ao evento que aconteceu nos jardins do Consulado-Geral de Portugal em Macau.

FOTO: Carmo Correia/LUSA

A obra é um mural com um retrato que homenageia o poeta Camilo Pessanha, no ano do 90º aniversário da sua morte. A efeméride coincide com os 15 anos da fundação da Casa de Portugal em Macau (CPM). De acordo com Amélia António, presidente da CPM, este momento foi “o culminar de um sonho acalentado durante muitos meses”. Amélia António salientou que o mural do artista de rua “é um marco no trabalho e divulgação dos artistas e da cultura portuguesa”, e que ganha particular relevo local por retratar uma figura literária profundamente relacionada com o território.

A mesma felicidade foi partilhada pelo cônsul-geral, que mostrou satisfação por concretizar “o sonho de ter a primeira obra de Vhils na RAEM”, a quem tratou como um “amigo do peito”. Numa altura de intenso investimento chinês em território português, Vítor Sereno destacou a característica lusa de “construir verdadeiras pontes de afecto” com outros povos, em particular através da cultura.

No final do discurso, o diplomata reforçou esse ponto de união que a arte consegue alcançar. “Através do génio de Vhils, e da imortalidade de Pessanha, estamos a celebrar Portugal a 10 mil quilómetros de distância, e a estreitar laços entre os amigos da RAEM e da República Popular da China.” Foram as palavras proferidas antes de retirar o véu e relevar o mural de Vhils a todos os que assistiram à cerimónia.

FOTO: Carmo Correia/LUSA

Dar que falar

O nome da peça, “Visível, Invisível”, de acordo com o artista, estabelece a ligação da obra com o ideário local, “torna a história, que muitas vezes está invisível, visível, sem julgamentos”. A ideia é através da exposição artística gerar discussão em torno da pessoa retratada e da sua obra, avançou Vhils à agência Lusa.

Depois de um intenso trabalho de pesquisa, Alexandre Farto resolveu fazer o retrato de Camilo Pessanha devido à obra e relevância que o poeta tem para a história de Macau. As palavras do poeta, que quis ser enterrado em Macau, eternizam a sua obra e vida que, agora, terá na inspiração de Vhils um reforço. O pano caiu, e o público aplaudiu o mural, que nas palavras de Vítor Sereno, “aqui está para ser usufruído por toda a população de Macau”.

12 Dez 2016

Literatura | Rota das Letras acontece entre 4 e 19 de Março

Só lá para meados do próximo mês é que o programa completo é divulgado, mas a organização do evento decidiu já deixar algumas pistas do que vai ser a sexta edição. O Rota das Letras vem aí, com vontade de trazer mais autores internacionais a Macau

[dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]runo Vieira do Amaral é um autor português. Clara Law é uma realizadora nascida em Macau a viver na Austrália. Philippe Graton é fotógrafo, escritor e autor de banda-desenhada, herdeiro de uma obra que colocou Macau no mundo da BD. Graeme Burnet é escocês e esteve quase a ganhar o Booker deste ano. Nas duas primeiras semanas de Março, vão passar por cá – fazem parte da lista de convidados do Rota das Letras, o festival literário de Macau.

À sexta edição, o formato é para manter, explica ao HM Hélder Beja, director de programação do evento. O festival continua a ter várias dimensões: em torno da literatura, elemento principal, concentram-se outras manifestações artísticas. Vai haver cinema, artes plásticas e música.

“Haverá com certeza uma aposta forte num dos segmentos que é revelado aqui nesta pequena breve apresentação do festival: a banda desenhada, os comics”, explica Hélder Beja. “Pela primeira vez, o festival vai explorar esse campo e anunciará, nos próximos tempos, mais alguns convidados nessa área.” O nome revelado por ora é Philippe Graton.

O fotógrafo e escritor belga é filho de Jean Graton, criador da série de BD Michel Vaillant, da qual faz parte o icónico álbum “Rendez-vous à Macao”. Há quatro anos, Philippe Graton decidiu ressuscitar Michel Vaillant, retomar as aventuras deste piloto de automóveis inventado pelo pai e continuar a série. Vaillant celebra 60 anos em 2017 – na presença em Macau, Graton vai falar do seu trabalho e inaugurar uma exposição. Quem por lá passar vai poder ver as provas originais do álbum “Rendez-vous à Macao”, um trabalho de 1963.

O melhor dos primeiros

De Portugal chega Bruno Vieira do Amaral, um autor que é, para o director de programação do Rota das Letras, aquele que tem o melhor primeiro romance de todos os escritores que se estrearam na literatura portuguesa nos últimos sete ou oito anos.

“‘As Primeiras Coisas’ é um livro especial porque não é uma narrativa de grande fôlego, são curtas narrativas que, todas juntas, criam um todo. É como se fossem contos que fazem parte todos da mesma história. Passa-se na margem sul de Lisboa, de onde ele é natural. É um livro escrito de uma forma muito peculiar”, explica Hélder Beja.

Sobre Bruno Vieira do Amaral, o responsável pelas escolhas do Rota das Letras diz que “é um escritor imensamente bem-humorado na melhor tradição de alguns dos nossos melhores escritores, como Eça de Queirós, que sabem olhar para a realidade e subvertê-la de uma forma muito rara, com uma linguagem muito contemporânea e com histórias dos nossos dias”.

Todos os caminhos foram dar, de certa maneira, a Bruno Vieira do Amaral, um autor com as características que o Rota das Letras procurava. “Publicou este livro pela Quetzal com Francisco José Viegas, que já foi convidado do festival, também por isso não nos é de todo estranho. Trabalha há muitos anos na revista Ler, com Francisco José Viegas”, prossegue Hélder Beja.

Com o romance “As Primeiras Coisas”, o escritor de 38 anos venceu, no ano passado, o Prémio Literário José Saramago. A obra valeu-lhe também o Prémio Fernando Namora 2013 e o Prémio PEN Narrativa do mesmo ano. “Recebeu tudo o que podia receber, ao ponto de ter deixado de trabalhar numa editora para se dedicar a tempo inteiro à escrita”, assinala o director de programação do festival de Macau.

Vieira do Amaral foi ainda uma das dez novas vozes da literatura europeia pela Literature Across Frontiers. “Curiosamente, é uma instituição cuja directora também já esteve em Macau, no ano passado. Todas estas ligações faziam sentido”, afirma. “Provavelmente até pode ser que tentemos trazer mais alguém que seja seleccionado para este programa das novas vozes da literatura europeia através da Literature Across Frontiers, com quem gostaríamos de continuar a trabalhar, já que o fizemos no ano passado para trazer um autor do País de Gales e um autor espanhol, e há a possibilidade de voltarmos a tentar fazer isso.”

Da Escócia e do passado

Ainda em relação a escritores, o Rota das Letras de 2017 vai contar com a presença do autor escocês Graeme Burnet, que chega ao festival através de uma parceria com a Universidade de Macau. Burnet foi um dos finalistas do Prémio Man Booker 2016, com o livro “His Bloody Project: Documents relating to the case of Roderick Macrae”. A obra, que conta a história de um jovem de 17 anos que comete um triplo homicídio, foi a mais vendida de entre todas as finalistas do Booker, nota a organização. Antes, com “The Disappearance of Adèle Bedeau”, o escritor venceu o Scottish Book Trust New Writer Award em 2013.

Hélder Beja adianta que, na componente literária do festival, o evento vai trazer a Macau escritores de países lusófonos e da China Continental, e cada vez mais autores internacionais. “É uma aposta clara, estamos também a trabalhar para tentar ter alguns autores do Sudeste Asiático. Tive oportunidade de ir agora à conferência em Cantão da Asia Pacific Writers & Translators, onde conheci muitos escritores também dessa região do mundo, porque trabalham muito não só com os escritores australianos e neozelandeses, mas também com escritores do Sudeste Asiático. Haverá novidades nesse campo e também será um novo passo do festival em relação ao passado”, explica.

“Depois, teremos autores de língua espanhola, de língua inglesa, de língua francesa. Estamos agora a trabalhar muito arduamente para tentar fechar o programa o mais rapidamente. É sempre complexo, mas o conceito será semelhante.”

Em 2017 há ainda um regresso a Camilo Pessanha. “Provavelmente no início de Janeiro anunciaremos mais algumas novidades sobre o que pensamos fazer. Não será à escala do ano passado, porque entretanto não faria sentido, mas achamos importante voltar a assinalar e também porque houve coisas que quisemos fazer no ano passado e não pudemos, pessoas que quisemos trazer, pelo que vamos aproveitar e trazê-las agora”, conta Hélder Beja.

As outras telas

Quanto ao cinema, está já anunciada a participação da cineasta Clara Law. “Não será a única atracção ao nível do cinema no festival. Estamos também a trabalhar noutras direcções e algumas delas já bastante avançadas.”

“Nascida em Macau e radicada desde os anos 1990 na Austrália, Clara Law regressa ao território para mostrar algumas das suas obras. Autora de filmes como ‘Autumn Moon’, vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Cinema de Locarno em 1992; e de ‘Temptations of a Monk’ (1993), ‘Floating Life’ (1996) e ‘The Goddess of 1967’ (2000), igualmente aplaudidos e premiados no circuito internacional, Clara Law fez também uma incursão pelo documentário com ‘Letters To Ali’ (2004), história de um jovem refugiado afegão que procura asilo na Austrália”, resume a organização.

Quase 50 anos depois deixar Macau, Clara Law esteve recentemente no território a filmar parte do seu novo filme, “Drifting Petals”, parcialmente passado na cidade.

“Também teremos artes plásticas neste festival. Quanto aos concertos, a música continuará a fazer parte. Estamos também a tentar perceber em que moldes. No ano passado, não fizemos os concertos de grande dimensão no Venetian, mas fizemos concertos também com uma grande dimensão no Centro Cultural de Macau. Estamos agora a tentar tomar uma decisão até ao final do ano e perceber qual será a escala da presença musical no festival”, explica o director de programação.

O público que falta

Para Hélder Beja, o Rota das Letras deverá manter a dimensão que atingiu na última edição – “uma edição comemorativa, especial”, a dos cinco anos de existência. “Fizemos o festival crescer para os 15 dias e este ano não vamos sair daí. A escala será exactamente a mesma. Acho que o festival não precisa de crescer mais do que já cresceu”, defende.

Quanto ao público que se quer chamar para o evento, o responsável assume que, “claramente, é preciso continuar a apostar muito junto das comunidades locais chinesas”, mas também diz que “não é esse o público que falta captar”. “Já conseguimos esse público, mas queremos muito mais do que aquilo que já temos. Isso passa muito por fazer mais parcerias com entidades locais, por estar mais presente nos meios de comunicação de língua chinesa, o que não é nada fácil, mas é preciso continuar esse caminho.”

Hélder Beja assinala, no entanto, que há um segmento da população local que ainda tem uma participação tímida no festival: a comunidade anglófona. “Tivemos algumas pessoas no ano passado mas, para a escala que sabemos que a comunidade tem aqui, não foi relevante. Estamos a tentar perceber porquê: se é porque a informação não chega ou se é porque, de facto, é uma comunidade muito especial, porque sabemos que é muito ligada ao ramo da hotelaria, que poderá não ter, à partida, grande interesse por este tipo de actividade cultural. Mas não podemos ter esse preconceito, não queremos tê-lo e vamos fazer um esforço para tentar captar essa franja da sociedade de Macau”, vinca.

O Festival Literário de Macau voltará a ter por base o edifício do Antigo Tribunal.

9 Dez 2016

MIFFA | Shekhar Kapur considera o cinema asiático “dos melhores do mundo”

Teve início ontem a primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. A abertura foi marcada pela conferência de imprensa com o júri da secção de competição. À comunicação social falaram essencialmente das diferenças e particularidades do cinema asiático

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] cinema asiático é mais melodramático, é místico”. A ideia foi deixada ontem pelo presidente do júri do festival internacional de cinema de Macau (MIFFA, na sigla em inglês), Shekhar Kapur. “Às vezes tento explicar aos meus amigos em Hollywood que, o que eles entendem por melodrama, nós (na Ásia) chamamos de misticismo”, explicou na conferência de imprensa que marcou a abertura do festival. Para o cineasta indiano, que tem desenvolvido carreira em Hollywood, a forma como a vida é encarada na Ásia também é diferente da do mundo ocidental. “Penso que aqui aceitamos a ideia que o nascer, o morrer, a traição, o ter filhos, etc, são um conjunto de temas místicos pelos quais temos de passar e acho que é a isto que o ocidente chama de melodrama”, salientou.

Se há traço unificador no cinema asiático, será esta ligação mística, e que abrange não só o cinema, mas é ainda comum à própria cultura. “Aqui temos uma grande ligação ao misticismo e não temos medo disso. Eles chamam-lhe melodrama e nós misticismo”, reiterou.

Já para Giovanna Fulvi, membro do júri e que tem no currículo a programação do Festival de Cinema de Toronto, “comparado com o cinema ocidental, o cinema asiático tem a capacidade de contra uma história através das imagens em que os guiões não são tão importantes como são no ocidente.”

A ideia é partilhada por Kapur que considera que “no ocidente as pessoas esperam que o guião seja o filme, e isso nunca deveria acontecer”.

Outra questão de relevo entre as diferenças do cinema asiático e o ocidental, para o cineasta indiano, é que “na Ásia um filme não tem de ter sempre uma história completa”. Muitas vezes o filme faz mais questões do que dá respostas”, disse.

Desejo versus destino

O cinema ocidental é, muitas vezes, sobre desejo e o asiático é mais acerca do destino, considerou. “Há, claro, diferenças entre a forma de contar histórias japonesa e indiana, mas ainda assim, são mais próximas entre si do que com o cinema ocidental”, explicou, referindo-se aos traços comuns entre tanta diversidade no continente asiático.

Ainda em contraponto com o ocidente, nomeadamente com Hollywood, onde Kapur tem estado mais presente, o cineasta considera que “agora há uma tendência para que os filmes sejam menos melodramáticos. O objectivo é que os filmes sejam uma experiência agradável para o público”. No entanto é com esta tendência que quem quer contar histórias está a distanciar-se das grandes produções feitas com orçamentos elevados e a dirigir-se para produções com custos mais baixos e que venham a ser distribuídas pela televisão.

“É por isso que vemos cada vez mais bons filmes nas plataformas OTT – distribuição de conteúdos de áudio e vídeo através da Internet”.

O cinema asiático está a caminho do ocidente e “o MIFFA já é um passo importante nesse sentido” salientou Kapur.

A primeira edição do MIFFA começou ontem e acaba no próximo dia 13. Fazem parte do júri da secção de competição Shekhar Kapur, Giovanna Fulvi, Stanley Kwan, Jung Woo Sung e Makiko Watanabe.

Um coreógrafo no cinema

Foi ontem exibido “Polina, danser sa vie” de Valerie Muller e Angelin Preljocai . O filme que marcou a abertura do festival Internacional de Cinema de Macau é também a primeira aventura cinematográfica do coreógrafo Angelin Preljocai. Para o agora realizador, “foi muito interessante realizar um filme especialmente em conjunto com Valérie Muller”. O facto de ter a vida associada à dança e agora integrar a realização cinematográfica, não é de estranhar. “Penso que fazer um filme é, tradicionalmente, um acto que inclui música e dança, podemos ver o Fred Astaire por exemplo”, ilustrou. Mas o mais importante, é a ligação óbvia que se sente entre a música e o cinema: “dança é movimento e na minha opinião o cinema também. São ambos movimento e ritmo”.

A bailarina do facebook

Anastasia Shevtsova, dá corpo a “Polina”. A actriz russa estreou-se no grande ecrã com este filme porque a “encontraram no facebook”. Bailarina da Mariinsky Theater, foi convidada através da rede social a participar nos castings para “Polina”. Foram três selecções na Rússia e uma em França. Conseguiu o papel, aprendeu francês e movimentou-se, pela primeira vez, na dança contemporânea. Se a personagem do filme, desde pequena, sentia que a dança ia além do clássico, a actriz descobriu isso mesmo com as rodagens de “Polina”. “Foi uma óptima experiência enquanto actriz e também enquanto bailarina. Tenho formação clássica e não estava habituada à dança contemporânea”, disse em conferência de imprensa. Aprendeu ao longo das filmagens e tal como a personagem, agora prefere a dança contemporânea. “Com este filme também se abriu qualquer coisa nova dentro de mim e espero que resulte”, afirmou.   

9 Dez 2016

Livro | Obra de Luís Cunha analisa tecno-nacionalismo da China

Pequim coopera, mas Pequim compete. A China tem tentado recuperar os anos perdidos e afirmar-se como uma potência também ao nível tecnológico. O facto deu um livro, apresentado em Macau

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]uís Cunha, investigador, há muito que estuda a ascensão geopolítica da China. Já escreveu sobre a política externa de Pequim, a questão de Taiwan, a entrada do país na Primeira Guerra Mundial. “Há um denominador comum a estes todos livros: a tentativa de reflexão sobre este processo de ascensão geopolítica da China”, explica ao HM.

“China’s Techno-Nationalism in the Global Era – Strategic Implications for Europe”, o livro que apresenta hoje no auditório do Consulado-Geral de Portugal em Macau, segue o mesmo alinhamento, ao ser “uma tentativa de despertar para a nova era” que o país atravessa.

O tecno-nacionalismo não é um palavrão que tenha sido inventado por Pequim. Mas quando se fala da China, há todo um contexto que faz com que tenha características próprias. “O tecno-nacionalismo já foi adoptado por outros países, noutras circunstâncias. No caso da China, é diferente”, sublinha o investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

O passado mais distante

A diferença tem que ver, desde logo, com o passado particular do país: o nacionalismo reflecte o facto de “a China ter sido ocupada por várias potências estrangeiras ao longo da sua história”, explica Luís Cunha. “Todo este processo de desenvolvimento e de ascensão da China tem quer ver a procura de uma certa reposição de justiça histórica”.

Por outro lado, continua o investigador, “a China sempre foi muito frágil ao nível do desenvolvimento das ciências, da educação e da tecnologia”. Luís Cunha recorda que, durante muito tempo, as pessoas não tinham sequer consciência de que “a pólvora, a impressão e a bússola tinham sido invenções chinesas”. O confucionismo teve um peso neste quadro, ao fazer com que “a ciência não tivesse um desenvolvimento muito significativo”.

Mas o panorama mudou com o século XXI. “A China quer realmente dar o grande salto em frente na área tecnológica e está a fazê-lo, de uma forma fortíssima”, refere. O livro que é hoje apresentado, numa iniciativa do Instituto Internacional de Macau, destaca precisamente este desígnio chinês. “É uma nova página que se abre no desenvolvimento da China, com uma aposta muito forte na inovação,” com o patrocínio de Pequim.

A obra está centrada na cooperação entre a China e a Europa, e nem todos os exemplos são histórias com um final feliz, como é o caso do Galileu, um programa que a China abandonou para fazer um ao nível nacional. “Há uma forte cooperação, mas também uma grande competição entre as duas partes”, sintetiza. A apresentação da obra de Luís Cunha começa às 18h30.

7 Dez 2016

Lai Sio Kit, artista plástico: “Macau precisa de pessoas que gostem de arte”

Lai Sio Kit inaugura hoje “O tempo corre”, uma exposição que reúne cerca de 4500 pequenas peças. São em formato de azulejo e retratam a passagem do tempo nos painéis que, um dia, fizeram parte dos terraços de Macau. O artista falou ao HM do projecto, da opção por ficar em Macau depois da formação na Academia de Pequim e das portas que se abriram quando, em 2012, foi o vencedor do prémio de Artes Plásticas da Fundação Oriente

 

Como é que “O tempo corre” apareceu?

Comecei este tópico há alguns anos. É, acima de tudo, acerca da cidade de Macau vista de uma forma abstracta. A ideia veio dos azulejos que ainda se encontram em muitos dos terraços de Macau. Nestes espaços, temos o chão coberto por padrões, principalmente nos edifícios mais antigos. Já há cerca de cinco ou seis anos que exploro estes edifícios e os processos de envelhecimento que atravessam ao longo do tempo. Em especial, estou atento à degradação dos azulejos e às transformações que sofrem na cor e textura com a passagem do tempo e para esta exposição fiz painéis em grande escala.

Em que sentido este trabalho espelha a cidade de Macau?

Porque Macau é uma cidade que, além das transformações, conserva ainda espaços antigos e é aí que podemos encontrar a verdadeira cidade e os traços da sua história. Por exemplo, os azulejos, pequenos e quadrados, são parte da história de Macau. Os padrões que formam marcam épocas específicas do território. Mas a coisa mais importante que realmente quero mostrar, e que está logo no nome da exposição, é a passagem do tempo e como se reflecte no território. É com o tempo que desaparecem características e que aparecem outras.

O projecto é constituído por cerca de nove mil peças…

Eu fiz realmente nove mil mas, como não há espaço suficiente nestas paredes (da sala de exposições da Casa Garden) para todas, acabei por trazer para cá cerca de metade. A intenção é cobrir as paredes destas salas com os painéis de modo a transportar as pessoas para dentro de um outro espaço. Acabei por adaptar o que tinha feito às características do local e escolhi os painéis que mais se adaptariam aqui.

Demorou quanto tempo a produzir este projecto?

Mais de um ano. Usei placas e óleo. O óleo pareceu-me o meio mais adequado. Além de gostar especialmente de trabalhar com óleo, é uma técnica com características próprias, nos brilhos ou texturas, que vão ao encontro do que quero transmitir, nomeadamente da mudança de estados.

Ganhou o prémio de artes plásticas da Fundação Oriente em 2012. Em que é que isso contribuiu para que mais portas se abrissem enquanto artista?

Foi uma distinção que me permitiu sair de Macau e, mais concretamente, ir para a Europa. Fui para Lisboa onde encontrei outros artistas com quem pude trocar ideias. Aprendi muito com essa experiência.

Em que sentido?

Em Macau a vida é muito rápida. As pessoas andam sempre muito ocupadas e sem tempo para nada. Há uma espécie de stress no ar. Já em Portugal, tive uma experiência completamente diferente. As pessoas são mais relaxadas. Senti calma. Penso que essa forma de estar, a que senti em Portugal, é muito melhor para quem queira trabalhar a criar. Foi muito bom ter sentido isso.

Estudou na Academia de Belas Artes de Pequim, onde também fez o mestrado. Porquê o regresso a Macau e sair de um grande centro?

Porque os meus pais já são idosos. Estive oito anos em Pequim, e senti que tinha de vir para estar próximo deles e poder cuidar deles. Por outro lado, a arte pode ser feita em qualquer lugar. Outra vantagem de Macau é, precisamente, estar longe de um grande centro. Enquanto artista sinto que quando estamos um pouco mais afastados dos grandes centros ganhamos mais liberdade para criar. Aqui não preciso de me preocupar com a minha família porque estou perto dela e não tenho de me preocupar com tendências artísticas porque estou longe dos centros que as criam. Tenho muito mais liberdade.

Este projecto, que já vem de há algum tempo, vai continuar ou tem projectos novos?

Vou continuar com este. É uma ideia que pode ser sempre desenvolvida de formas diferentes. Mesmo no que toca a exposições, é muito versátil porque tratando-se de padrões e trabalhos acerca de padrões pode ser mudada consoante o espaço ou o contexto. Mas tenho outra ideia para começar a trabalhar. Ao longo dos últimos anos, e com as viagens que tenho feito, fui a muitas florestas. Por isso, depois desta ideia que aborda a cidade, quero abordar a floresta. Vou continuar a utilizar a pintura, mas quero explorar o que conseguir dentro dela. É pintura, mas não será só isso, será uma exploração do que é que a pintura pode ser.

Como é ser artista em Macau?

É muito difícil. Macau precisa de pessoas que gostem, se interessem e conheçam arte. As pessoas estão sempre demasiado ocupadas e não se preocupam com isso. Uma das grandes diferenças que encontro, comparando com a Europa, por exemplo, é que lá as pessoas, de alguma forma, têm sempre algum contacto com expressões artísticas e sabem sempre alguma coisa. Em Macau quando alguém pensa em ser artista ou fazer coisas criativas, a mentalidade ainda é de que é uma perda de tempo.

7 Dez 2016

Livro | João Botas investiga a vida de Manuel da Silva Mendes

O jornalista e vice-presidente da Casa de Macau em Portugal, João Botas, passou por cá para apresentar o livro “Wartime Macau – Under the Japanese Shadow”. Ao HM, falou do novo trabalho que tem em mãos e em que aborda a vida de Manuel da Silva Mendes, figura da história local que, considera, tem sido “menosprezada”

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om fortes ligações a Macau, onde nasceu e viveu até ir para a universidade em Portugal, João Botas está a preparar mais um livro sobre a história de Macau. O jornalista, que tem dedicado os últimos anos à exploração do passado local, vai dedicar a próxima obra a Manuel da Silva Mendes que, considera, é uma figura histórica cuja importância tem sido menosprezada. “A certos níveis, e é possível perceber nos livros, comparando com Camilo Pessanha, [Manuel da Silva Mendes] é muito mais significativo”, referiu ao HM.

A ideia de abordar a história de Manuel da Silva Mendes tem já alguns anos. “Em 2013, a última vez que cá estive, vim fazer pesquisas relacionadas com a história da vida de uma personalidade, para mim marcante, do primeiro quartel do século XX em Macau. É Manuel da Silva Mendes, que viveu entre 1867 e 1931”, explicou.

Com o andar da pesquisa, Silva Mendes foi-se revelando enquanto “personagem curiosa: chegou cá em 1901 e era uma pessoa discreta, formada em advocacia em Coimbra”. Já em Portugal, o advogado tinha sido o primeiro autor de um livro acerca do socialismo e do anarquismo. “A partir de certa altura, sentiu-se desintegrado: a monarquia não mudava e, ao mesmo tempo que defendia um certo anarquismo, não era um homem de ir à luta de forma muito prática. De repente, teve a oportunidade de ter um exílio para clarificar as ideias e vir para Macau. Concorreu para professor do liceu e ganhou” o lugar. De professor do ensino secundário passou a advogado, um percurso que era comum a muitos “bacharéis que, na altura, chegavam a Macau”, explica João Botas.

O primeiro sinólogo português

A relevância para Macau deste homem de início de século XX é, para o investigador, óbvia. “É um homem que, a partir de certa altura, embrenhou-se na cultura chinesa, no gosto e na ânsia de querer aprender e apreender a cultura chinesa, aos mais variados níveis.”

De entre as preferências de Silva Mendes estavam as manifestações artísticas e a filosofia, nas quais “se embrenha de tal forma que se torna um sinólogo de forma praticamente autodidacta e tão exigente para com ele próprio que não há ninguém que o tenha rebatido naquilo que ele foi escrevendo”.

Paralelamente, foi um homem que viveu os problemas do território e “ajudou a fundar alguns dos jornais de Macau, escreve centenas e centenas de artigos ao longo dos 30 anos que aqui viveu, e escreveu também os primeiros livros sobre cultura e filosofia chinesa”.

A vida política também não passaria indiferente ao advogado, e “há quem diga que foi presidente do Leal Senado”, sendo que João Botas refere que, da sua investigação, acredita que possa ter exercido o cargo mas apenas de forma interina.

Manuel da Silva Mendes não é o único vulto que João Botas considera “esquecido” na história de Macau. Ao HM referiu exemplos que mereciam mais destaque. “José Neves Catela é também um homem do início do século XX que veio para Macau. Era da marinha mercante e aqui transformou-se em fotógrafo e agente turístico, tendo trabalhado nos serviços de turismo. Tem umas fotografias brilhantes da década de 20, 30 e 40”, ilustrou o jornalista.

Uma história ímpar

Acerca da colaboração no livro “Wartime Macau – Under the Japanese Shadow”, uma obra que junta, em inglês, trabalhos de João Botas, Roy Eric Xavier e Stuart Braga, com a coordenação e edição de Geoffrey C. Gunn, João Botas conta que a ideia surgiu na sequência do livro que lançou em 2012: “Macau 1937-1945, os Anos da Guerra”.

“Na sequência disso, Geoffrey Gunn, que está em Nagasaki, desafiou-me a dar um pequeno contributo para uma edição da Hong Kong University Press.” O capítulo de que é autor “versa sobre as consequências económicas do território fruto da invasão japonesa na China, primeiro, em 1937, e depois quando a Segunda Guerra Mundial se alastra à Ásia”.

“Em Dezembro de 1941, o Japão fez o ataque a Pearl Harbour, os Estados Unidos entraram na guerra. Poucos dias depois, o Japão tinha as tropas às portas de Hong Kong e começa a invasão daquele território, que é consumada a 24 de Dezembro desse ano. A partir dessa altura, as coisas aqui mudam radicalmente”, contextualiza.

Apesar de Macau não ter sido invadido pelos japoneses, as consequências foram inevitáveis. “O anel de tropas japonesas à volta de Macau impôs um bloqueio económico total, por via marítima e também por via terrestre. Isso fez com que, por via do grande fluxo de refugiados, a população tenha quase triplicado – não há números muito fidedignos em termos oficiais –, mas terá passado de 200 mil antes da guerra para mais de 600 mil”, recordou João Botas.

6 Dez 2016

Sound & Image Challenge | Festival de curtas-metragens arranca hoje

 

O festival Sound & Image Challenge começa hoje e vai até ao dia 11. Este ano foram nomeados 33 filmes para competição e oito videoclips musicais

 

[dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap]s expectativas são boas, naturalmente.” As palavras são de Lúcia Lemos, directora do festival e coordenadora do Centro para as Indústrias Criativas (CIC). A cerimónia de inauguração será hoje, pelas 19 horas, no histórico Teatro Dom Pedro V, com o concerto do grupo New Music Hong Kong Ensemble, que interpretará a peça “Aeolian Scriptures”.

Além do concerto, as festividades contarão com o discurso do presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, entidade que, em parceria com o CIC coordena o festival, e serão apresentados os trailers dos filmes em competição. O certame decorre no Teatro Dom Pedro V de 6 a 9 de Dezembro, e na Cinemateca Paixão nos dias 10 e 11.

Amanhã, o calendário arranca em grande com a mostra do filme de Leonor Teles “Balada de um batráquio”, que venceu o Urso de Ouro de 2016 para a melhor curta-metragem do Festival de Cinema de Berlim. Em seguida, o ecrã será tomado por filmes das Filipinas, Tailândia, Singapura e China. O festival, que começou como um concurso, actualmente perfila-se como uma mostra internacional com “ambição de crescimento ao nível mundial, apesar de ser um evento organizado com poucos fundos”, confessa Lúcia Lemos.

A coordenadora acrescenta que nunca teve a intenção de tornar o festival em algo comercial, que desse avultados prémios aos vencedores, mas que proporcionasse o encontro entre diversas formas de abordar a curta-metragem. Outro dos objectivos é dar aos realizadores a possibilidade de trocarem experiências e contactarem com produtores e distribuidores.

Este ano estarão em concurso 33 filmes na competição Shorts, em contraste com os 25 do ano passado. Na secção Volume entram no concurso oito videoclips de música. Os vencedores serão anunciados no dia 9, pelas 19 horas, assim como as menções honrosas.

Inspirar a comunidade

Lúcia Lemos realça o “orgulho de ver a qualidade dos trabalhos a melhorar”, facto que considera não ser alheio ao facto de os realizadores locais participarem na análise e selecção dos filmes a concurso. “Eles percebem de cinema e têm a responsabilidade de participar na elaboração da shortlist de filmes seleccionados”, explica. É um processo que revela confiança nos criadores locais.

Outro dos objectivos do festival é dar inspiração à comunidade artística de Macau, que continua a fazer trabalhos muito ligados à cidade. Lúcia tem testemunhado o aumento da qualidade cinematográfica, algo que a enche de orgulho. “À medida que o festival vai crescendo, a qualidade dos filmes que são realizados cá cresce em paralelo”, conta a coordenadora do festival. Um crescimento simbiótico que só pode valorizar a oferta cultural de Macau.

6 Dez 2016

This is My City: Documentário, curta-metragem e um Instameet na segunda semana

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rranca hoje a segunda semana do festival This is my city, com o capítulo da série documental “No trilho dos naturalistas” dedicado a Angola. O filme é baseado na longa história de expedições botânicas ao país africano por parte de naturalistas da Universidade de Coimbra, uma tradição que remonta ao século XVIII.

Realizado pelo cineasta lisboeta André Godinho, este trilho leva-nos numa viagem pela biodiversidade de Angola, os ecossistemas tropicais e a forma como são influenciados pelos seres humanos. O projecto será apresentado ao público de Macau por António Carmo Gouveia, director do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra e coordenador da série documental, e por Alexandra Cook, especialista em botânica da Universidade de Hong Kong. O evento tem início marcado para as 18 horas de hoje na Casa Garden.

Na sexta-feira, as atenções viram-se para o cinema, mais propriamente para o formato mais conciso da sétima arte: a curta-metragem. Este capítulo do festival acontecerá no pátio do Albergue SCM a partir das 18 horas. A curadoria será de Maxim Bessmertny, o realizador local de origem russa que se estreou na edição de 2013 com o filme “The tricycle thief”. A curta foi apresentada no Festival Internacional de Filme de Toronto e arrebatou o Prémio de Ouro do Programa Kodak de Bolsas de Estudo de 2015. Maxim irá conduzir uma masterclass sobre curtas-metragens e apresentará um ciclo de filmes de sua curadoria. Este evento voltará à abordagem do conceito PechaKucha, “mostrar e contar”, o que aconteceu pela primeira vez em 2013. A ideia será apresentar vinte imagens que serão discutidas em vinte segundos cada.

Macau no Instagram

A fechar a segunda semana de festival haverá uma colisão entre o mundo virtual e o real, com um encontro da comunidade que partilha fotos no Instagram. O rendez-vous será no próximo sábado, dia 10, às 12 horas, no Macau Design Center, e terminará às 18 horas.

Na ementa está um passeio pela cidade, curado para fotógrafos, com o intuito de proporcionar um itinerário urbanístico apetecível às lentes. O Instameet deste ano terá uma página no Instagram, assim como hashtags próprios para a ocasião, de forma a fazer a ponte entre os participantes e a cidade.

6 Dez 2016

James Wong é o nome escolhido para representar Macau na Bienal de Veneza

O multifacetado artista James Wong será o representante de Macau na próxima Bienal de Veneza, que abrirá a 13 de Maio de 2017. O anúncio oficial é feito hoje, ao meio-dia, no auditório do Museu de Arte de Macau

[dropcap style≠’circle’]“C[/dropcap]laro que estou muito feliz, mas também preocupado com este interessante desafio”, confessa James Wong, o artista de Macau que marcará presença na 57.ª Bienal de Veneza. Esta será a primeira vez que expõe num local que desconhece, “tanto no tamanho do espaço, como na natureza do edifício”. Assim sendo, James abordará a especial exposição de uma forma experimentalista, porque “o palco é conceptualmente muito orientado para obras tridimensionais”. Estas circunstâncias favorecem a exposição de esculturas e pinturas, duas formas de expressão artística que James privilegiará na sua apresentação. Também haverá uma instalação, mas algo simples, estável, que não represente muito risco devido aos constrangimentos circunstanciais.

O artista tem dirigido algumas das instituições artísticas de referência em Macau, como o Centro de Pesquisa de Gravuras de Macau, foi também curador no Museu Luís de Camões, entre outros. Mas considera-se, acima de tudo, um amante das artes.

O padrinho

Mais de um quarto de século a dar aulas de arte valeu-lhe a alcunha entre os alunos de “o padrinho do ensino artístico”, algo que diverte o professor, que continua a criar todos os dias. Dividido entre o ensino e a criação artística, James não se considera um artista muito prolífero, “tendo em conta o contexto de Macau, onde muitos artistas têm exposições quatro vezes por ano”. Portanto, “se me perguntar que tipo de artista eu sou, devo ser um preguiçoso”, graceja.

Quanto à inspiração, Wong diz não saber de onde vem, preocupando-se principalmente com a rejeição de qualquer fórmula que restrinja a sua criatividade. Mas não nega que existem origens e uma base para o arranque dos seus trabalhos. “Gosto muito do conteúdo cultural japonês e chinês, sobretudo a estética da caligrafia, as cores e estruturas dos quadros antigos, e o feeling que se esconde por trás”. Estas são as fundações principais das suas esculturas, gravuras, pinturas a óleo, ilustrações e desenhos, que têm sido expostas em Portugal, Japão, Bélgica, Hong Kong, e um pouco por todo o mundo.

Ganhou vários prémios, “o que não é nada de especial”, de acordo com o artista. Porém, a exposição na Bienal tem um peso forte, “é o realizar de um sonho de qualquer artista”. Apesar da felicidade que sente, partilhada pelos seus alunos, e que sabe que os seus pais também sentiriam, Wong já está preocupado com a forma como irá preparar esta tarefa, mas está certo de que será “uma saborosa jornada e que correrá bem.

A horas de ser oficializado como o representante de Macau em Veneza, Wong encontra-se entre a elação e a dimensão do trabalho que o espera. Acha que os seus “amigos mais próximos ainda não tomaram consciência da dimensão do que se está a passar”. No entanto, James Wong não lhes irá adiantar nenhuma explicação porque prefere “que vejam através dos jornais”. O HM faz-lhe a vontade.

5 Dez 2016

Exposição “Alma”, de Omar Camilo, inaugura amanhã na Casa Garden

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já amanhã, dia 6, que inaugura na Casa Garden uma exposição do artista Omar Camilo, que nasceu em Havana, Cuba, mas que fez de Cabo Verde a sua casa. A iniciativa parte da Associação para a Divulgação da Cultura Cabo-verdeana, com o apoio da Fundação Oriente e Fundação Macau. Até ao dia 12 deste mês o público poderá ver e conhecer um total de 34 obras de Omar Camilo.

O nome da exposição, “Alma”, visa transmitir “a essência, aquilo que perdura além da matéria e a busca dessa essência – nas expressões de que ela se reveste nas pessoas, nos espaços e nas relações entre ambos, mas também na essência do próprio exercício artístico”. Para além disso, esta iniciativa da associação cabo-verdiana visa mostrar “o carácter multifacetado de Omar Camilo”, onde a pintura “exibe uma vertente mais alternativa do artista, experimentando diversas texturas e técnicas, onde são notórias, a nível temático, as suas influências latino-americanas, africanas e europeias”.

Outros caminhos

Omar Camilo tem feito ainda trabalhos na área do cinema e fotografia. Na capital cubana estudou direcção de cinema no Instituto Superior de Arte de Cuba, onde realizou vários festivais tendo tanbém feito outros eventos internacionais em cidades como Tóquio, Paris, Barcelona ou Nova Iorque. Só em 2002 se apaixonou por Cabo Verde onde deu várias formações de cinema, tendo ficado a residir na cidade de Praia.

Omar Camilo é ainda fotógrafo freelancer, tendo sido fotógrafo oficial da Agência Lusa entre 2006 e 2011 e também consultor do Escritório das Nações Unidas em Cabo Verde.

O trabalho na pintura ganhou outro destaque quando criou, há dois anos, a galeria Om Art Camilo, tendo já realizado cerca de 30 exposições individuais em Cabo Verde e também Portugal. A associação afirma, em comunicado, que pretende, com a exposição deste artista, “partilhar com todas as comunidades de Macau expressões de vivência social cultural e artística de Cabo Verde, também ela marcada por forte multiculturalidade, de que Omar Camilo é exemplo”.

5 Dez 2016

Desfile | Macau celebra passagem de administração

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau começou ontem a celebrar o 17.º aniversário da passagem de administração de Portugal para a China com uma parada em que se reivindica uma “cidade latina”, onde o português é língua oficial e “ponte” para outros mundos.

“A língua portuguesa também é uma chave para abrir o mundo latino. Por isso, aproveitamos esta vantagem para abrir a porta, para abrir a plataforma, o intercâmbio entre a China, Macau e os países latinos”, disse à agência Lusa o presidente do Instituto Cultural de Macau, Ung Vai Meng.

A ideia da parada é também “promover Macau” e a sua cultura, através dos milhares de pessoas que atrai o desfile, em que participaram 60 grupos locais, de Hong Kong, da China, de Taiwan e de diversos países e territórios de latinos, acrescentou.

O “desfile por Macau, cidade latina” realiza-se desde 2011, dentro das celebrações da criação da Região Administrativa Especial de Macau, integrada na China, a 20 de Dezembro de 1999, quando o território deixou de ser administrado por Portugal.

Dança tuga

Este ano, o Ballet Afro Tuga representou Portugal, naquela que foi a estreia no estrangeiro deste grupo, segundo disse à agência Lusa o director artístico, Hugo Menezes, que fez um balanço muito positivo desta passagem por Macau, realçando “a boa onda” do desfile e “a curiosidade” do público.

O Ballet Afro Tuga, que existe desde 2011, levou até Macau 15 pessoas para esta parada, mas o espectáculo que costuma apresentar integra 40 elementos.

Este grupo junta artistas que residem em Portugal que tocam e dançam percussões e ritmos tradicionais afro-mandigas, oriundos da região que abrange Guiné, Mali, Burkina Faso, Libéria, Senegal, Gâmbia e Costa do Marfim.

As histórias do “Clássico das Montanhas e dos Mares” – “um popular clássico da antiguidade chinesa que regista a geografia do mundo antigo, descreve divindades e animais grotescos e narra mitos bizarros, considerado a ‘enciclopédia’ mais antiga da China” – foram o pano de fundo da parada deste ano.

O cortejo partiu, como habitualmente, das Ruínas de São Paulo, o ex-libris de Macau, com destino à praça do Tap Seac, um local amplo com calçada à portuguesa e edifícios históricos.

Este ano houve, contudo, uma nova rota, com alguns grupos a partirem do Largo do Senado.

Entre os grupos participantes, houve representantes de Espanha, França, Itália, Brasil ou Uruguai, além de Portugal.

O desfile custou 15 milhões de patacas, menos um milhão de patacas  do que no ano passado.

Segundo Ung Vai Meng, a organização estima que este ano a assistência representou mais 20% do que no ano passado, quando foi calculada em 100 mil pessoas.

5 Dez 2016

Armando Teixeira, vocalista dos Balla: “Sou muito inspirado pela música oriental”

Já os Balla existiam há seis anos quando Armando Teixeira percebeu a paixão de tocar ao vivo. Músico e produtor em vários projectos, o vocalista dos Balla actua hoje no Largo do Pagode do Bazar ao lado de Rui Reininho, no âmbito do festival This is My City. Armando Teixeira fala da liberdade criativa que a banda lhe traz e da inspiração que Macau lhe dá

[dropcap]O[/dropcap] que é que os Balla vêm mostrar a Macau?
No último disco [Arqueologia] já tínhamos participações de músicos de Hong Kong, Japão e Filipinas. Esta aproximação ao Oriente já vem do último disco e era algo que queríamos muito, perceber como é a cultura de Macau e a ligação de Portugal à China, conhecer o ambiente. Depois desta participação de músicos do Oriente, fazia todo o sentido vir cá tocar. Tenho pena que eles não possam estar presentes também [músicos de Hong Kong]. Temos essa vontade de mostrar o nosso trabalho a um sítio que nos deu tanto no último trabalho e que nos inspirou bastante. Queríamos perceber também porque é que Macau inspira tanto os músicos portugueses. Os Heróis do Mar têm um disco chamado Macau, os GNR fizeram 35 anos e nas memórias está presente a vinda deles a Macau, em 1990. Há sempre um grande fascínio pelo Oriente: desde Camilo Pessanha até agora, tem vindo a inspirar os artistas portugueses. É isso que queremos perceber, o que é que muda nos músicos portugueses quando vêm cá e porque é que se inspiram em Macau.

Macau é hoje mais chinês do que português. É uma inspiração que continua, mesmo para os músicos portugueses contemporâneos, os novos grupos?
Falo por mim. Sou muito inspirado pela música oriental e um sítio onde a cultura portuguesa coexiste com a cultura chinesa vai sempre necessariamente inspirar-me para fazermos música. Quando se chega a Macau ainda se sente a presença de Portugal, ainda que de maneira discreta. Ficamos com uma ideia de como terá sido a presença portuguesa e fica-se com a vontade de se conhecer mais. Acho que vai inspirar sempre porque é o Oriente que nos faz sentido, que nos diz respeito.

Os Balla começaram em 2000. Que balanço faz destes 16 anos, depois da participação em diferentes projectos?
Os Balla nunca foi uma coisa que levasse a sério, pelo menos com a periodicidade que eu queria. Sempre tive muitas produções, muitos outros projectos, as coisas nunca foram tão rápidas como aquilo que gostaria. Os Balla têm seis álbuns em 16 anos, não é uma média extraordinária.

Poderiam ter mais.
Sim, fiz muitas coisas pelo meio. Lembro-me que desde 2006 só consegui fazer um disco em 2010, tive muitas coisas para fazer e não consegui fazer um disco. Agora tenho dado mais atenção à banda e as coisas são mais periódicas. Tive muitos projectos, os Bizarra Locomotiva e os Da Waesel, os mais visíveis, mas procurava um projecto com o qual pudesse evoluir, mudar e envelhecer também. E os Balla foram isso: é o projecto que procurei e que quis sempre que pudesse evoluir conforme me apetecia. Poderia ir mudando, para mais electrónico ou mais acústico. Os Balla não têm limites, nem eu sei como será o próximo álbum, e é uma coisa que me agrada bastante.

Não é um grupo que se encaixe apenas na electrónica ou na pop.
A pop tem canções e quero que os Balla continuem a fazer canções. Vai sempre situar-se na pop por ter uma estrutura de canção. Há muita experimentação também e quero que continue a existir. É nos Balla que desenvolvo mais a minha veia de composição de canções. Nos outros projectos que tenho são coisas mais experimentais, com mais electrónica, que continuo a gostar bastante. Não me imaginava com os Da Weasel com 50 anos. Não dava para mudar, para ser outra coisa que não aquilo. Com os Bizarra Locomotiva também não podia crescer. Os Balla são uma banda que posso ir alterando e mesmo os músicos vão mudando.

É um projecto que lhe dá flexibilidade enquanto músico.
Completamente. É um projecto onde faço o que quero e que vai evoluindo como quero.

Apesar do começo em 2000, o arranque a sério fez-se em 2006, com o lançamento de um single na Antena 3.
Aí foi o terceiro álbum. Em seis anos foi o terceiro álbum que fiz. Nessa altura lançava dois a três álbuns por ano, com as outras coisas que fazia. De facto, em 2006 é que tivemos mais visibilidade e foi na altura em que tive mais vontade de cantar ao vivo. Até aí não tínhamos feito muitos concertos e eu não fazia questão de tocar ao vivo.

Porquê?
Gostava mais da parte do estúdio. Nessa altura foi quando descobri o prazer de tocar ao vivo, uma coisa que ainda não tinha percebido.

Já gravaram com Rui Reininho. Como foi essa experiência?
A primeira vez que gravei com ele foi há 12 anos e também participei num espectáculo que fez, quando fez 50 anos, chamado “Ecoponto”. Cruzámo-nos mas sempre tive uma admiração muito grande pelo trabalho do Rui, e ele também teve pelo meu trabalho. Foi uma coisa importante na altura e daí para cá já fizemos dois discos. Produzi e compus alguns temas para um disco dele a solo. Somos amigos e vamos continuar a fazer sempre coisas em conjunto.

O que é que os Balla trouxeram de novo à música portuguesa?
Os Balla trazem à música portuguesa a liberdade de fazer canções e o modo diferente de fazer canções. Se, no início, eram canções feitas com samples, uma coisa que não existia, quis criar canções com estruturas clássicas. Isso foi mudando, o sample perdeu algum interesse para mim como compositor, comecei a fazer o que sempre fiz, ligado à electrónica, e procurei incorporar cada vez mais elementos de música electrónica. Foi isso que me motivou no meu último disco e que me motiva para fazer canções.

Não faz mesmo ideia do que vai gravar a seguir?
A seguir vou fazer um disco da filarmónica do sítio onde vivo, os Olivais. Existe uma colectividade que tem uma banda filarmónica muito completa e sempre gostei muito dos metais. Dá para perceber pela música que faço. É uma ideia, mas acho que as coisas vão acontecer. Fará mais sentido ir buscar as minhas canções e que se enquadram mais nesse tipo de linguagem.

As sonoridades da música chinesa clássica poderiam inspirá-lo?
Inspiram-me bastante, talvez para um projecto que tenho com um contrabaixista, onde temos alguma liberdade. Tanto da minha parte, como da dele há a influência da música oriental, da ópera chinesa, que inspira bastante a música experimental.

2 Dez 2016

Rui Reininho, músico: “Vim para Macau afinar o meu diapasão a Oriente”

Há muitos anos, da última vez que cá esteve, o território deu-lhe uma música para construir. Agora, a convite dos Balla, regressa para um concerto no Bazar, ao final da tarde de hoje. Espera levar daqui outras perspectivas, porque o Oriente lhe faz bem. Rui Reininho está aqui

[dropcap]A[/dropcap] última vez que o Rui esteve em Macau para um concerto foi em 1990.
Eu tenho isso bem fresco porque temos uma página na biografia dos GNR, a que chamamos as impressões orientais, onde estão as fotos de Macau, indesmentível. Estava escrito no palco “Rock Macau – 90”, e encontrei uma t-shirt que levei de recuerdo que diz, precisamente, GNR Rock Macau 90. Portanto, 26 anos depois regresso a convite do “homem Balla”. Vim numa bala.

Qual é a sensação de regressar a Macau passado tanto tempo?
É preciso coragem, especialmente na circunstância em que estava. A viagem é longa, custa um bocadinho, mas vale a pena quando se chega e se vêem aqui coisas tão interessantes. Há indícios de Portugal em todo o lado, os autocarros dizem “seja cordial”, é muito interessante ver o registo linguístico de Portugal. Depois começam as estórias todas, parece que estão a querer limpar todos os símbolos do colonialismo português, mas depois esquecem-se de outras coisas como a esfera armilar que ainda está ali. É bonito, de uma certa maneira, há uma certa violência num sítio que foi ganho aqui ao mar. Em 1990 não havia sequer aeroporto. Mas há coisas que são impressionantes. Nós ontem viemos no jetfoil e passámos sob aquela ponte enorme. Pronto, são cidades que apostam muito na engenharia, na construção. Isto devia ser um paraíso para a Mota Engil e para a Soares da Costa. Para mim, é só um espanto.

Qual a sensação de estar prestes a voltar pisar o palco em Macau?
Macau é daqueles sítios que nos ficam, sem prejuízo para o Bombarral e Trancoso, terras que eu guardo com saudade. Mas, de facto, os espectáculos aqui foram tão marcantes quanto aqueles que as pessoas nos atribuem como emblemáticos, por exemplo o do Estádio de Alvalade.

Há uma história de cumplicidade com o Armando Teixeira.
Tornou-se numa grande amizade. Contactamos há muitos anos, a partir de um projecto pequenino a convite da Fnac para fazer uma versão do “Once in a lifetime” dos Talking Heads. Depois surgiu o convite da Sony para fazer um disco a solo, e eu convidei o Armando para produtor. Para mim, ele é o produtor mais brilhante da música pop nacional, mas ecléctico, sem comparação com mais ninguém. O Armando é completo. Além de dar muito atenção ao som, corta e cose muito bem, é um mestre em editing. Tem uma visão muito global e específica. Ainda por cima, trabalhar com um amigo é extraordinário, e tem ascendência sobre mim, sim. É aquela pessoa que me ralha. Mesmo em termos de comportamento, ele é muito mais disciplinado. Eu tenho aquele lado infantilópide que mantive e o Armando disciplina e diz “não, tens de fazer outro take”, é daquelas pessoas que vai buscar o melhor de mim e conhece-me bem.

Vocês fizeram uma colaboração num livro com música, o “Chá, café e etc”…
Sim, nós vamos começar o espectáculo com um intro de quatro chás seguidos. É um início difícil, espero que as pessoas não pensem que o espectáculo é só isso. Depois temos os Balla. Aí vem a minha parte como artista convidado, vamos tocar também o “Vídeo Maria” dos GNR.

Como é ver outros artistas pegarem nos temas dos GNR?
Nós, os grandes, como a dona Amália, não gostamos muito de ver os outros a fazer interpretações dos nossos temas. Estou a brincar (risos). Por acaso, não é coisa que me agrade muito, aquelas versões televisivas ou em concursos. Não é pensar que tenho mais mérito, mas acho estranho, esquisito. Espero que me poupem nas exéquias, porque eu, como na música “Valsa dos detectives”, dou uma volta no caixão. Não darei porque uma das minhas vontades é ser “cromado” (risos) ali na Rua da Torrinha numa cromagem de pára-choques (risos). Curiosamente, gostei da chamada homenagem no disco “Revistados” porque era outra geração com gente ligada ao R&B e Hip Hop, e acho que tem ali versões muito engraçadas.

O que é que o público de Macau pode esperar hoje?
Será surpreendente e acho muito interessante que este festival aconteça numa zona da cidade que é de grande incidência da cultura chinesa. Recordando o concerto de 1990, a reacção foi um bocado fria, até porque as pessoas não conheciam as músicas. Também havia os sorridentes mas eles, na altura, estavam mais interessados numa banda pop rock de Hong Kong.

Chegou há pouco tempo a Macau, como têm sido estes primeiros tempos?
Ainda não aterrámos, mas estamos num sítio maravilhoso, a Casa Garden, a cinco minutos do Jardim Camões. É uma casa colonial, tropical, com bambus. Acredito muito nas vibrações dos sítios, portanto, é um sítio com uma portugalidade muito intensa e antiga, mercantil. É interessante este toque colonial, gosto muito da decadência dos impérios e de os visitar. Aliás, um dos próximos países que hei-de visitar são os Estados Unidos da América do Norte. Acho que nos próximos anos vamos ter ali surpresas.

Os GNR celebraram agora 35 anos…
Estamos sempre a celebrar porque nunca parámos. Foi um ano cheio de espectáculos e vamos fazer um prolongamento. Para o ano sou eu a fazer 35 anos de GNR – como entrei um ano a seguir, temos mais uma desculpa. Vamos também fazer um espectáculo no Porto. O Porto fica sempre assim com aquela pedra no sapato, “foram a Guimarães e não vieram aqui?”, parece o Porto a rosnar. Começamos por Coimbra, na passagem de ano.

Voltar a estúdio está nos vossos planos? 
O estúdio é nosso, o selo é nosso. Mesmo agora, quando fizemos a biografia, eu e o Toli juntámo-nos e acabou por nascer o “Arranca coração”, que é o chocolatinho no café. Há sempre a necessidade e o prazer de estar a funcionar e a trabalhar, porque temos de investir em nós próprios. A música em Portugal, infelizmente, não é uma indústria, o que tem para oferecer agora é pouquinho, exige mais do que dá.

Voltando ao DVD…
Quando já não se usam DVDs vamos fazer um objecto obsoleto, vintage, porque temos aqueles fãs teimosos que perguntavam, sem parar, “para quando um DVD dos GNR”. Foi um problema que tivemos com as editoras, nunca nos fizeram um DVD. Agora é o máximo de liberdade. Este DVD foi baseado no concerto do Campo Pequeno, está agora a ser editado e deve sair em Fevereiro.

Fez anotações numa edição do “Alice no país das maravilhas” do Lewis Carrol, e as letras dos GNR sempre tiveram algo de poético e surreal. Alguma vez pensou em experimentar a literatura?
Não posso disparar em todas as direcções, se não mandam-me internar (risos). As “Dunas” deixo para o povo. Às vezes digo, por graça, que apesar da pretensão de ser um liricista, ou poeta, vou ficar mais conhecido na minha pequena história como o homem que inventou o “paptchiuariauá”. É quase o meu “obladiobladá” dos Beatles. Tenho um esboço de romance, e alguns convites, mas acho que já vou um bocado tarde. Mas da última vez que estive em Macau surgiu-me a “Ana Lee”, e ali ao lado saiu o “Tóquio Joe”.

O que é que o Rui gostava de fazer no futuro?
O libretto que estou a fazer, maior que estes edifícios em termos de gigantismo, será o meu Godzilla. Tenho o sítio, referências e as pessoas indicadas para o projecto. Neste domínio é muito bom viajar, ter recuo. Para mim, a maior felicidade era que me despoletasse assim uma coisa, um livro de sonetos por aí fora, à Byron.

Que música é que o Rui ouve em casa?
Muito pouca, tenho ouvido o “Substance” dos Joy Division, mas também posso ir ao “Out of the blue”, do Miles Davis, ou a um Mahlerzinho. Infelizmente, já não tenho aquelas incidências vínicas que me permitam beber uma taça de espumoso.

(ouve-se, em plano de fundo, um piano a ser afinado)

Ele toca o “tim tim tim”, o afinar de um piano, é um momento perturbante. Digamos que vim aqui a Macau afinar pelo diapasão oriental. Vai ser bom para perspectivar, e de certeza que esta semaninha vai trazer mudança na minha vida. Vou afinar as minhas frequências com o Oriente, há aqui outro comprimento de onda.

2 Dez 2016

Jane Camens | Macau pode vir a acolher encontro internacional de escritores e tradutores

A escritora australiana Jane Camens esteve em Macau numa sessão na Livraria Portuguesa que assinalou o final do encontro anual da associação que dirige. Ao HM falou dos desafios da escrita e da tradução, e do desejo de que a iniciativa venha a acontecer no território

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau pode vir a acolher o encontro anual promovido pela Asia Pacific Writers & Translators Inc (APWT). A iniciativa, que tem como objectivo promover o contacto entre profissionais do meio literário, nomeadamente escritores e tradutores da região asiática, vê o território como especialmente atractivo para o efeito.

O desejo foi manifestado por Jane Camens, directora da entidade, que vê na possível realização da iniciativa em Macau uma forma de ter presentes mais autores portugueses, ao mesmo tempo que considera que é um lugar especial no que respeita às competências da tradução.

Para Jane Camens, Macau é um lugar isolado no que respeita à internacionalização literária. O facto não se deve à falta de autores ou de tradutores, mas porque as obras dos escritores locais, na sua maioria, não estão traduzidas. “Em Macau vejo muito poucos trabalhos a serem traduzidos para inglês, quer escritos em língua portuguesa, quer em língua chinesa”. A falta de acesso a trabalhos em inglês faz com que se sinta “bloqueada”. “Parece que Macau é um mundo privado e essa também é uma das características que me fascina aqui.”

Mas é também em Macau que Jane Camens vê a profissão do tradutor como uma das mais bem desenvolvidas. A autora e ex-residente do território considera que, dada esta característica de “excelência na tradução”, a cidade reúne condições para receber o encontro internacional da associação que dirige. “Estivemos aqui e conversámos com representantes da Universidade de Macau acerca da possibilidade de organizar o encontro no território. Pode ser uma oportunidade de trazer mais escritores portugueses e, francamente, penso que, aqui, existem profissionais com capacidades de tradução incríveis”, explica ao HM.

A coexistência de duas línguas e as consequências profissionais que isso traz podem ter benefícios para aprendizagem da própria APWT: “Penso que, a esse nível, também podemos aprender muito do que é feito aqui em Macau ao nível da tradução”.

A tradução não é preguiçosa

O trabalho de tradutor não é o de um transcritor numa outra língua. Jane Camens salvaguarda que esta não é a sua área mas, enquanto autora, vê o tema da tradução profundamente debatido nos encontros que organiza e fala do seu passado. “Tive uma experiência com profissionais que traduziram textos meus para espanhol e o conselho dado por um poeta italiano presente foi de que os tradutores não se devem sentir obrigados a ficar presos ao texto. Também são criadores e o texto final é de alguma forma deles, pelo que é necessário que se sintam livres para trabalhar isso mesmo”, ilustra Jane Camens.

No entanto, a missão não é simples, especialmente no que respeita a traduções literárias. A função exige um trabalho árduo e merecedor de mais reconhecimento. Jane Camens refere que “a escolha e o leque de vocabulário são os elementos mais importantes quando se fala de tradução literária. Um tradutor não pode ser preguiçoso no seu trabalho nem com as palavras que utiliza e a correspondência entre palavras tem de ser muito clara”.

Já Sanaz Fotouhi, assistente executiva da APWT, diz ao HM que um dos maiores desafios enfrentados pelos tradutores, até há pouco tempo, foi a falta de reconhecimento. “Muitas vezes as pessoas, ao lerem um trabalho traduzido, fazem-no como se estivessem a ler o original e não têm noção de que existe um tradutor que transpôs e recriou aquela obra para que pudesse ser lida por outras pessoas, noutras línguas”, explica.

Para Sanaz Fotouhi, “quando um livro é traduzido, é transformado numa outra obra e é por isso que agora os grandes prémios literários consideram a tradução”.

Da China para a China

No final do encontro anual que teve lugar em Cantão, Janes Camens não podia estar mais satisfeita. “Este encontro foi surpreendentemente gratificante. Teve a presença de muitos escritores internacionais e foi um sucesso tremendo. Tivemos participações da Islândia, de Itália e mesmo de Portugal. Mas o que mais surpreendeu foi a adesão de escritores chineses”, referiu ao HM.

Relativamente à presença de literatura feita na China Continental e dos seus autores nas iniciativas promovidas pela APWT, a participação ainda não é muita, mas já se começa a fazer sentir. A iniciativa de Cantão “proporcionou um espaço para que os autores chineses comunicassem com outros de outras origens porque achamos que isso não acontece com frequência”, apontou Jane Camens. A autora considera ainda que não existem muitas plataformas internacionais de encontro de autores do Continente porque “já existe um mercado interno massivo na China e, por isso, os autores podem tender a dizer que não precisam de sair do país. No entanto, qualquer escritor gosta de ser lido o mais alargadamente possível”.

1 Dez 2016

Emily Chan, realizadora de “Our Seventeen”, destacada nos filmes asiáticos do MIFF

Emily Chan estreia “Our Seventeen” na secção dedicada ao cinema asiático do Festival Internacional de Cinema de Macau. A realizadora local, que divide o tempo e a profissão entre Pequim e Macau, fala acerca das expectativas, da película e do futuro

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] estreia de “Our Seventeen”, de Emily Chan, está agendada para dia 9 na Torre de Macau. O filme integra a secção “Hidden Dragons”, que aborda a produção asiática.

Emily Chan, realizadora e produtora de Macau, não deixa de manifestar satisfação com o acontecimento. “Estou feliz porque é um evento internacional e é bom fazer parte dos dois filmes realizados por autores locais e que vão estar em exibição”, explica ao HM.

O convite para a participação foi súbito. “Cheguei a pensar que o filme não estaria pronto a tempo, visto ter sido acabado este Verão, mas conseguimos, apesar de passar muito tempo em Pequim”, explica. Também foi devido a um encontro em Pequim que soube do festival. E foi assim que o ex-director do evento, Marco Muller, a desafiou a participar.

A realizadora, que já passa grande parte do tempo dividida entre a capital chinesa e Macau, considera que é necessário que as produções locais se dividam entre filmes artísticos e filmes comerciais. Apesar de referir que o Governo se mostra empenhado em apoiar a indústria, acha que “o que é realmente necessário é que exista público para ver os filmes”. Por outro lado, e de forma a dar lugar à profissionalização, “os artistas locais também precisam de sair e fazer coisas fora de Macau”.

“Our Seventeen”, que se passa na altura da transferência de Administração, trata de um grupo de jovens que procuram a concretização do sonho de serem músicos, ao mesmo tempo que exploram os seus processos de auto-descoberta e de definição de valores. A realizadora diz que é uma película que trata sobretudo da ausência. “Neste filme estamos perante qualquer coisa que falta. As pessoas não estão satisfeitas, há sempre alguma coisa que não está presente”, menciona.

Para Emily Chan, a questão da ausência é uma característica de Macau. “O território está a evoluir demasiado rápido e, neste contexto, o meu objectivo é chamar a atenção para a necessidade de as pessoas pararem um pouco e se encontrarem a si mesmas.” Emily Chan opta por uma abordagem com uma baixa intensidade emocional, transversal à película. “Na verdade, a emoção do filme nunca é demasiado alta ou baixa e a ideia é que a atmosfera seja sempre caracterizada por uma calma relativa, porque a vida em Macau também tem uma certa calma, sendo que falta sempre qualquer coisa.”

As expectativas para a estreia de “Our Seventeen” não são exacerbadas. “É uma boa oportunidade para ter mais um filme em portfólio e dar a conhecer o meu trabalho, visto que o evento pode atrair muitas pessoas, nomeadamente ligadas à indústria internacional. Não tenho qualquer expectativa em especial, estou calma e receptiva ao que aparecer”, ilustra, até porque “enquanto realizadora, o que há a fazer é sempre dar o melhor que se pode”.

Uma oportunidade aos locais

Tal como a realizadora de Macau Tracy Choi (ver texto nestas páginas), a inclusão de artistas de Hong Kong na produção deste trabalho de Emily Chan acontece porque, “dada a sua experiência, são muito profissionais”. No entanto, a realizadora fez questão de “incluir e proteger a participação de elementos locais na equipa”, sendo a maioria.

O orçamento de cerca de três milhões de patacas que, apesar de situar a película numa produção de baixo custo, poderia contribuir para a contratação de mais gente da China Continental ou mesmo de Hong Kong, foi essencialmente usado para “a construção de uma equipa constituída em 90 por cento por pessoas de Macau, porque são estas que precisam de uma oportunidade, nomeadamente de poderem participar num filme dito a sério”.

“Algumas das pessoas que acabaram por financiar este filme são da China e também pediram para integrar mais elementos de Hong Kong, mas fiz questão de proteger a minha equipa maioritariamente constituída por profissionais locais”, refere ao HM.

Rebelde e contadora de histórias

O cinema apareceu na vida de Emily Chan quando ainda era muito nova. “Era muito rebelde, mas fui-me apercebendo que conseguia escrever histórias e expressar-me através de meios ligados à imagem”, recorda.

Ainda na faculdade, onde tirava um curso em Comunicação, começou por fazer alguns documentários mas, com o tempo, começou a criar histórias de ficção. Com a paixão pela realização acordada percebeu que Macau não era o lugar para a desenvolver. “Descobri que aqui não existia espaço para poder ser realizadora. Fui para Pequim e, até agora, a minha vida é de idas e vindas entre Pequim e Macau”, refere.

No geral, a maior inspiração para as histórias que conta “é a vida do quotidiano, no presente”. “Considero-me uma escritora e realizadora de histórias de amor”, diz, enquanto adianta que já está a trabalhar num novo guião que trata a história de um homem natural da China Continental que vive em Macau.

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30 Nov 2016

Tracy Choi, realizadora: “É um filme acerca de memórias”

“Sisterhood”, a primeira longa-metragem da realizadora de Macau, estreia na edição inaugural do Festival Internacional de Cinema. Tracy Choi mostra-se especialmente satisfeita por ser o público de Macau o primeiro a ver a obra que entra na secção de competição do evento

[dropcap]C[/dropcap]Como é ter a estreia do primeiro filme no Festival Internacional de Cinema de Macau, logo na primeira edição?
É uma situação que me deixa especialmente feliz. Além de ser a minha cidade natal, é um filme que também teve parte das rodagens no território e que fala dele. Também tenho aqui os meus amigos e família, e é uma oportunidade de assistirmos juntos à estreia. Estou muito contente que isso tenha acontecido.

É um dos filmes que está em competição na principal secção do festival.
Sim. Ainda não vi os restantes filmes em competição, mas já vi os trailers. Parecem ser filmes muito bons e é uma honra poder partilhar esta secção com eles.

Quais são as expectativas que tem para esta competição?
Nenhumas.

Porquê?
Porque, apesar de não ter visto ainda os filmes, penso que já têm um carácter muito internacional. Parecem todos muito bons.

Vai apresentar “Sisterhood”. Como é que apareceu este trabalho?
Foi o projecto do meu mestrado em Hong Kong. Já tinha esta história na cabeça e quando me graduei candidatei-me a um fundo de apoio do Governo de Macau. Na altura não tinha ainda este nome, penso que se chamava “Sweet Home”, mas a história era muito idêntica. Acabei por ter um financiamento de 1,5 milhões de patacas e fui bater à porta de outras produtoras em Hong Kong para acabar de financiar o filme. Consegui, juntamente com o meu orientador de mestrado, produtoras interessadas e começámos por contratar um guionista para tratar melhor da história e escrevê-la de uma forma mais complexa e densa. Depois, o resto do processo foi acontecendo.

E que história conta?
É sobre uma mulher natural de Macau que foi para Taiwan onde viveu 15 anos. Acaba por regressar ao território, mas já não consegue dizer que se sente em casa porque não sente uma ligação à terra. Macau também tinha mudado muito ao longo desses 15 anos de ausência, pelo que não mais reconhecia a “casa”. Mas o filme também se chama “sisterhood” porque aborda a história de uma relação entre a personagem principal e uma amiga antes de ir para Taiwan, ainda nos anos 90, e da percepção de como essa relação tinha mudado ao longo do tempo.

Um paralelismo entre as mudanças de Macau e das relações?
Sim. A história começa quando a personagem principal, que se chama Sisi, mas é sempre tratada com o número 19, o número de massagista que tinha antes de ir embora, recebe a notícia de que a sua melhor amiga de juventude tinha morrido. É então que regressa a Macau no intuito de “rever” a companheira pela última vez. No regresso, encontra amigos em comum e o filho da tal amiga, que tinha ajudado a cuidar enquanto bebé. São estes encontros que lhe trazem as memórias da relação e da vida antes da partida. É um filme acerca de memórias.

Que assuntos motivam os seus filmes?
São essencialmente questões acerca de mulheres e de género. Acabam por ser os temas que mais me atraem.

A escolha de Gigi Leung, a conhecida actriz de Hong Kong, foi uma estratégia?
Sim, para atrair outro público, mas foi também uma coincidência. Enviámos o guião e ela gostou muito, pelo que aceitou fazer o papel sem pedir o cachet normal. No início foi estranho para mim trabalhar com ela, sentia-me nervosa. Mas ela é muito profissional e vinha sempre muito bem preparada para as filmagens.

Passou de uma produção muito independente para um filme de uma maior produção. Teve de fazer alguma alteração significativa ao que queria inicialmente?
No geral, não. Tive acima de tudo oportunidade de trabalhar numa escala maior e contar com profissionais de Hong Kong. Mas, e tal como pretendia, consegui envolver na equipa pessoas de Macau. Sempre quis que fosse uma produção partilhada com Macau.

Qual é o problema da indústria cinematográfica em Macau?
Penso que o maior deles é não ter audiências. Por exemplo, se foram filmes mais independentes é muito difícil conseguir algum retorno em Macau porque nunca há público suficiente. Daí a necessidade de que o filme seja vendido para outros mercados. Mas, se pensarmos no mercado continental, ficamos limitados, porque nem todos os temas são aceites. Se pensarmos em Hong Kong, temos sempre de conseguir a presença de uma estrela da indústria local de modo a que tenha público. Taiwan é outra alternativa. Mas é muito difícil o cinema de Macau encontrar um caminho. No entanto, e à semelhança da realizadora Emily Chan, a colaboração com a China Continental pode ser uma opção para o cinema de Macau.

Considera que o festival pode vir a contribuir para a indústria do cinema em Macau?
Ainda não sabemos. Claro que é uma boa oportunidade para encontrarmos profissionais de outras partes do mundo. Mas, na verdade, ainda não sabemos o que vai acontecer no festival. Estamos também ansiosos por ver o que vai acontecer.

Planos para o futuro?
Estou a trabalhar em novos projectos. A concretização de “Sisterhood” acabou por abrir muitas portas. Estou também a escrever um novo guião. A história vai ser sobre Macau e sobre a vida de uma mulher que trabalha num casino. Quero trabalhar acerca do mundo actual, e dos constrangimentos e preconceitos que ainda se vivem em Macau, especialmente por parte das mulheres.

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30 Nov 2016

Shee Va, autor de “Espíritos”: “As comunidades não interagem”

É apresentado hoje ao final da tarde o primeiro romance de Shee Va. Depois de um livro em que assumia a ideia de fazer a ponte entre Ocidente e Oriente, o médico recorre agora a outro género literário para descodificar, em português, uma realidade chinesa que não se vê

[dropcap]C[/dropcap]omo é que surgiu a ideia de escrever um livro de ficção?
É uma ideia que vem de há muito tempo. Os espíritos acompanham-nos e estes, à moda chinesa, acompanham-me desde criança, porque ouvi falar deles pela primeira vez – ainda por cima, a povoar Macau – por um amigo de infância. Nessa altura eu vivia em Moçambique, esse rapaz chegou de Macau e contava as histórias todas sobre os espíritos e fantasmas que habitavam as casas antigas de Macau, de modo que isso fez o meu imaginário. Entretanto, quando aqui cheguei, em 2012, conheci um médium, que me contava histórias. Foi a partir do imaginário de infância e das histórias do mestre que resolvi escrever este livro. São crenças e superstições do povo chinês. Vem na linha daquilo que pretendo transmitir com os livros: dar a conhecer ao mundo lusófono – porque escrevo em português – a cultura chinesa. No meu primeiro livro, “Uma Ponte para a China”, tinha mesmo essa intenção.

Neste caso, optou por um romance para fazer passar a mensagem.
Sim, e há ainda a minha faceta de médico. O espírito deste livro é o de uma criança que morreu com uma doença genética. Cinco anos depois, os pais decidem refazer a vida e terem outro filho. Procuram ajuda junto da medicina ocidental e dos espíritos, porque a mãe da criança sentiu um espectro na altura em que o filho faleceu. Guardou o segredo durante cinco anos, nunca contou nada ao marido, mas quando decidem refazer a vida revelou que viu esse espírito, pelo que quer descobrir quem é.

Macau tem uma sociedade extremamente pragmática, consumista. É uma cidade que não pára. A vivência espiritual encontra espaço aqui?
Sempre. Os espíritos fazem parte da cultura chinesa, tanto que existem duas festividades chinesas relacionadas com os antepassados: uma no quarto mês lunar e outra no nono. O culto dos mortos é muito importante para os chineses. Uma das coisas que este mestre que conheci me disse – e que está também na base do livro – foi que se eu quisesse conhecer o futuro dos meus filhos poderia consultar um médium, que através da condução dos antepassados se pode prever a vida futura. Ou seja, há uma ideia na cultura chinesa de que os entes falecidos, que moram no firmamento, são espíritos bons que conduzem a nossa vida. Por isso é que, na cultura chinesa, é prestado culto a esses antepassados, para que nos protejam. Isto existe muito mesmo nesta população que é citadina e não tem que ver com o facto de haver muitos imigrantes que vêm de zonas rurais. Faz parte da educação, faz parte da cultura chinesa.

Tendo vivido grande parte da vida no Ocidente – primeiro em Moçambique, depois em Portugal, com algumas passagens por Macau –, mas tendo um contexto familiar chinês, sente que está numa posição privilegiada para desdobrar este tipo de códigos culturais?
Julgo que sim. Por poder fazer essa ponte é que pretendo fazer isso, mesmo que seja através de um romance. Consigo interpretar aquilo que os chineses sentem e transmitir ao mundo ocidental. Na apresentação que Beatriz [Basto da Silva] fez em Lisboa deste livro, achou interessante ter, pela primeira vez, uma pessoa chinesa a falar destes aspectos, porque normalmente os chineses são muito fechados, não se revelam muito. Eu, provavelmente sendo um aculturado, consigo revelar algumas coisas que os outros eventualmente não revelariam. Acho que posso ser essa ponte que liga o mundo ocidental ao mundo oriental.

Como é que lida com o facto de ter influência de tantas culturas diferentes?
A minha cultura é ocidental e a forma de pensar será ocidental. Mas não posso deixar de ter as raízes chinesas e elas chamam. Esta forma de revelar as coisas é talvez um chamamento. Tenho a necessidade de aprender – porque para mim também é uma aprendizagem – com a cultura chinesa e verificar que tem aspectos interessantes, mesmo que sejam no oculto. Por exemplo, há aspectos da medicina tradicional chinesa que são interessantes. Enquanto médico, devo compreendê-los. Outros, provavelmente, nunca chegarei a compreender, porque são conceitos fora do parâmetro ocidental. Quando se pergunta se a medicina ocidental se poderá ligar à oriental, penso que há aspectos em que sim. Em relação à cultura, penso o mesmo. Vivendo eu com um sentir ocidental, também sinto algumas coisas da cultura chinesa. Este sentir poderá ser raiz ou é genético? Isso não sei explicar. Este livro é também a procura da vida além da morte – podemos ir buscar as explicações conforme as religiões ou conforme as culturas. Talvez esta seja a minha pesquisa para o lado oriental. Acho que tem muito interesse quando se lida com uma cultura diferente poder compreendê-la. Talvez seja isso que quero transmitir. Portugal, neste momento, tem muitos chineses, o mundo inteiro tem muitos chineses. As populações não podem viver fechadas. Uma coisa que sinto em Macau é que foi durante muito tempo – e hoje em dia também – um sítio multicultural, mas em que as comunidades não interagem. Para mim, isso é mau – podia ganhar-se muito mais com a comunicação.

É médico, é amante de música clássica e faz estas incursões pelo mundo das letras. Como é que funciona o exercício da escrita?
É um hobby, tenho um prazer enorme em escrever. O trabalho é enorme, o trabalho de médico é stressante, talvez isto seja uma maneira de fugir ao stress. Para mim, o acto de escrever é muito individual, preciso de estar muito isolado para poder escrever e reflectir. É uma necessidade – é como se formasse um jardim meu e, quando estou a escrever, estou sozinho. Normalmente aproveito para escrever de madrugada, porque já descansei o suficiente: quando acordo tenho a cabeça e as ideias arrumadas. Poder-se-á dizer que o exercício da escrita é um escape, mas também é um prazer.


Depois de Lisboa, Macau

O livro de Shee Va, “Espíritos”, é apresentado hoje, às 18h30, na Fundação Rui Cunha, depois de ter sido lançado em Lisboa, no Fórum do Livro de Macau. À semelhança do que aconteceu na capital portuguesa, a sessão de hoje conta com a apresentação da historiadora Beatriz Basto da Silva. A obra é editada pela Livros do Oriente. As receitas da venda revertem integralmente para a Associação Amigos do Livro em Macau.


Uma semana, dois livros

“Espíritos” não é o único livro da autoria de Shee Va a ser apresentado esta semana em Macau. Amanhã, ao final da tarde, também na Fundação Rui Cunha, o médico lança uma obra sobre ópera: trata-se do primeiro tomo de dois acerca das óperas que fizeram parte dos cartazes do Festival Internacional de Música ao longo dos seus 30 anos de existência. O primeiro volume aborda as óperas até 1999. O lançamento do livro encerra a última sessão do ciclo “Conversas ilustradas com música”, sob o tema “Os sete pecados mortais na ópera”. O último pecado abordado é a ira, com a “Elektra” de Richard Strauss. A sessão começa às 18h30.

30 Nov 2016

Curtas | Migrações pelo olhar dos alunos da UM

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] tema “As Migrações” dinamizou os alunos da Universidade de Macau (UM) e deu origem a 20 filmes que vão participar na terceira edição do concurso de curtas-metragens. A iniciativa é do Programa Académico da União Europeia para Macau, em colaboração com o departamento de Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais da UM. “Os alunos da disciplina de produção de vídeo são convidados a fazerem curtas-metragens de cinco minutos acerca de um tema seleccionado”, explica ao HM Rui Flores, elemento da organização e do júri do concurso.

No ano passado, o tema foi “O Desenvolvimento”, em que a escolha teve por base “o alinhamento com o ano europeu do desenvolvimento”. A edição de 2016 teve em conta a situação actual da Europa e do que se passa um pouco por todo o mundo. “Achámos que seria interessante sugerir aos alunos que falassem sobre migrações também sob a perspectiva de Macau”, explica o organizador.

Para Rui Flores, o tema é actual e encaixa no próprio contexto da região. “É um território que ao longo dos anos tem sido construído com migrantes e a sua presença é extremamente importante para o seu próprio desenvolvimento.”

As razões do sucesso do número de filmes recebidos podem ter que ver, segundo o organizador, com a visibilidade que os alunos sentem que os trabalhos têm com a sua participação. Por outro lado, o tema em si poderá ter contribuído para a grande participação até porque “mesmo a grande parte dos nossos alunos chineses têm pais que não são de Macau, pelo que é uma temática que acaba por lhes dizer muito”. “Segundo sei, a técnica que foi mais usada foi a do documentário em que os alunos recorreram a familiares e amigos que são migrantes em Macau”, refere.

As películas vão ser exibidas na quinta-feira pelas 19h e o prémio para o vencedor será de cinco mil patacas, com a oportunidade de ver o filme exibido na extensão de Macau do conhecido festival Doclisboa.

O júri é constituído por Timothy Simpson, director adjunto da Faculdade de Ciências Sociais da UM, Patrícia Ribeiro, do Instituto Português do Oriente, João Francisco Pinto, da TDM e Rui Flores, gestor executivo do Programa Académico da União Europeia para Macau.

 

29 Nov 2016

Debate propõe reflexão sobre o rumo da imprensa portuguesa

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] estado actual e o futuro da imprensa portuguesa em Macau são o foco do debate agendado para a próxima sexta-feira no Clube Militar. A iniciativa integra a comemoração dos 25 anos do jornal Ponto Final e este é o primeiro grande tema que a publicação se propõe debater.

Apesar de ter como conteúdo principal a imprensa, dada a sua pertinência social, a iniciativa é dirigida a todos. “É um momento não só para o encontro de jornalistas, como também da comunidade civil, até porque a questão da liberdade de imprensa é uma questão que acaba por ser transversal àquilo que é o segundo sistema de Macau”, explica Marco Carvalho, director do Ponto Final, ao HM.

A data escolhida não foi ao acaso e teve como fim poder integrar a presença de João Figueira. O professor da Universidade de Coimbra é também o autor da obra que “passa em revista os últimos 15 anos da imprensa portuguesa na região”. Da análise que fez, João Figueira conclui que, ao contrário do que teria sido de esperar, o jornalismo português em Macau está cada vez mais dinâmico.

Marco Carvalho recorda que a imprensa em língua portuguesa de Macau tinha sido “praticamente condenada à morte” ainda em 1999, num artigo publicado pelo jornal Público. “No entanto, 17 anos depois, o que vemos é o contrário”, refere. “Não só mostra uma dinâmica própria e que era difícil de prever, mas também tem vindo a multiplicar-se.”

O director do jornal ilustra a situação actual que, para além dos três diários, apareceram recentemente novas publicações, como é o caso do semanário Plataforma Macau e de uma série de projectos que, apesar de não serem em língua portuguesa, são feitos por jornalistas portugueses.

“Possivelmente, nunca como neste momento, quase 17 anos depois da transferência de administração, se abordou tanto e de uma forma tão científica o estado da imprensa de língua portuguesa em Macau”, sublinha, enquanto faz referência aos apontamentos dispersos acerca do assunto que existiam no passado.

O terceiro elemento do debate é José Carlos Matias, representante da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau e que está a organizar um inquérito local acerca da liberdade de imprensa. “É um tema que está na ordem do dia e que começa a ter alguma pertinência tendo em conta a evolução em termos políticos que sucede em Hong Kong e mesmo em Macau”, defende Marco Carvalho.

Em suma, “é para saber o rumo da imprensa portuguesa que o Ponto Final organiza este debate”.

29 Nov 2016

IPM | Lançado primeiro concurso internacional de tradução

 

O primeiro concurso mundial de tradução de português-chinês vai acontecer pela mão do Instituto Politécnico de Macau. A ideia é motivar alunos de todo o mundo para a aprendizagem do par linguístico e chamar a atenção para a importância de Macau como plataforma bilingue

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Instituto Politécnico de Macau (IPM) vai promover o primeiro concurso mundial de tradução português-chinês. A iniciativa, que conta com o apoio do Gabinete para o Ensino Superior de Macau (GAES), pretende usar o território enquanto plataforma para preconizar uma das características de Macau – a coexistência e entendimento entre duas línguas.

“O tema da tradução é uma constante desde a chegada dos portugueses ao território e actualmente assume especial importância não só no que respeita à Administração e à área jurídica, como também para um melhor entendimento do quotidiano da cidade”, explicou ontem Lei Heong Iok, presidente do IPM, na conferência de imprensa de apresentação do concurso.

Já para Sou Chio Fai, coordenador do GAES, a iniciativa tem como principal função a atracção de estudantes interessados no par linguístico em causa e chamar a atenção para o território. O dirigente alerta ainda para a constante necessidade de tradutores, sendo que “é preciso formar mais quadros bilingues não só na área da tradução, mas com experiência em algum tipo e especialização. Por exemplo, pessoas com experiência na área empresarial, financeira, em engenharia ou em arquitectura”, referiu ao HM, à margem da conferência.

São todos bem-vindos

O concurso é dirigido às instituições de todo o mundo que façam parte da Associação de Megadados Linguísticos (LBDA, na sigla inglesa), às instituições de ensino superior de Macau e de Portugal, e àquelas que integrem cursos de tradução ou de áreas afins.

A distinção dos vencedores tem uma recompensa que se espera apetecível. O primeiro prémio leva para casa 100 mil patacas, o segundo 80 mil e o terceiro 50 mil. Foi ainda criado um prémio especial para as equipas das instituições de Macau em que o primeiro classificado tem direito a 50 mil patacas e o segundo a metade do valor.

Para participar, os alunos interessados deverão constituir uma equipa que poderá ter dois ou três estudantes e devem ter um orientador da sua escola. O professor que irá orientar os trabalhos premiados tem também direito a um prémio.

As inscrições podem ser feitas até 31 de Janeiro no site do IPM, sendo que vão ser dados três meses para a concretização dos trabalhos de tradução. Os vencedores são conhecidos no próximo mês de Agosto.

29 Nov 2016