Música | Êxitos intemporais em estreia local

São três os protagonistas do espectáculo “Three Phantoms” que está, já a partir de sexta-feira, no Parisien Theater. A ideia é interpretar alguns dos mais famosos temas do teatro musical de Nova Iorque e Londres

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] a estreia asiática da produção “Three Phantoms”, um teatro musical que traz ao palco do Parisien Theater canções dos mais conhecidos musicais interpretados na Brodway e na West End.

São muitas as participações na produção, mas o coração do espectáculo centra-se nos “Three Phantoms” que integram o inglês Earl Carpenter, o irlandês David Shannon e, da Escócia, Kieran Brown.

Os protagonistas têm em comum a participação no conhecido Fantasma da Ópera de Andrew Lloyd Wabber e apostam, agora, numa produção própria em parceria com a Ginger Boys.

A primeira vez na Ásia reúne muitas expectativas. “Estamos muito entusiasmados com esta estreia no continente asiático. Não é só um teatro musical e temos algumas surpresas para o público”, disseram ontem num encontro com a comunicação social.

Sem adiantarem o teor da surpresa, sublinharam que “o público pode esperar um repertório com temas dos mais relevantes espectáculos da Broadway de Nova Iorque e da West End londrina, em que os destaques vão para canções do Fantasma da Ópera, Cats, Saturday Nignt Fever e Les Mirerables.”

Da mostra apresentada ontem aos jornalistas, a promessa será cumprida entre oscilações entre momentos de calma e de frenesim.

Formato a nu

A compilação de peças conhecidas num só espectáculo podia ser arriscada, mas acabou por se tornar “uma ideia muito boa e tornar a apresentação mais relaxada”. Comparando, por exemplo, com o Fantasma da Ópera, a preferência dos protagonistas vai, sem dúvida para este. “Aqui temos oportunidade de cantar diferentes géneros musicais e, artisticamente, andamos entre extremos, o que torna o próprio teatro mais interessante. Não usamos máscaras ou maquilhagem e é tudo centrado na componente musical”, explicaram.

Se, por um lado, o formato actual é mais aliciante, por outro é um desafio para os intérpretes, por ser “mais íntimo e assustador, mostramo-nos mais do que se estivermos a interpretar uma personagem”, explica o trio.

O espectáculo conta ainda com uma componente coreográfica que, de acordo com “os fantasmas”, confere uma dinâmica diferente e mais apelativa. “Transforma o espectáculo numa viagem maravilhosa em que não há apenas pessoas paradas a cantar canções.”

Da chegada a Macau mencionam o contraste e a diferença que encontraram num território tão pequeno. “Macau tem tanta variedade de estilos, temos este local [Parisien], e temos a influência portuguesa e toda uma outra Macau na península”, remataram.

1 Mar 2017

Óscares | Musical de Chazelle com mais estatuetas. “Moonlight” é o melhor filme

O musical “La La Land”, com seis estatuetas, arrecadou o maior número de prémios da 89.ª edição dos Óscares. Mas foi derrotado por “Moonlight” na categoria de melhor filme. A entrega do prémio principal ficou marcada por uma confusão de envelopes

[dropcap style≠’circle’]“L[/dropcap]a La Land” partiu como favorito aos prémios da Academia de Hollywood, com 14 nomeações, mas afinal conquistou seis estatuetas: a de melhor realizador (Damien Chazelle), de melhor actriz principal (Emma Stone), a melhor banda sonora original, a melhor canção original (“City of Stars”), a melhor produção artística e a melhor fotografia.

Além de ter ficado aquém das nomeações alcançadas – que puseram o musical lado a lado com “Titanic” (1997), por exemplo –, “La La Land” falhou na obtenção do prémio mais importante da noite, o de melhor filme, com “Moonlight” a sagrar-se vencedor apesar de um primeiro anúncio errado que dava a vitória ao musical, numa confusão com o envelope que marcou o final da cerimónia.

“Moonlight”, contracenado por Mahershala Ali e Naomie Harris, conta a história de um jovem afro-americano que luta para encontrar o seu lugar à medida que cresce em Miami, pelo que o derradeiro Óscar da noite acaba por responder, em parte, às críticas da falta de diversidade entre os premiados nos últimos anos.

Novos, longos e diferentes

A 89.ª gala dos Óscares, que decorreu no Teatro Dolby, em Los Angeles, ficou ainda marcada por uma série de estreias e recordes.

Damien Chazelle, de 32 anos, que conquistou o Óscar com “La La Land: Melodia de Amor”, tornou-se no mais jovem realizador a ser distinguido; Mahershala Ali, que venceu o Óscar de melhor actor secundário pela sua interpretação em “Moonlight”, foi o primeiro actor muçulmano a receber uma estatueta dourada; enquanto “O Herói de Hacksaw Ridge”, realizado por Mel Gibson, conquistou o de melhor mistura de som, naquele que foi o primeiro Óscar em 21 nomeações para Kevin O’Connell.

“O.J. Made in America”, com quase oito horas, venceu na categoria de melhor documentário, transformando-se no filme mais longo a receber um Óscar, destronando “Guerra e Paz”, a adaptação russa que venceu, em 1969, a estatueta de melhor filme estrangeiro (467 minutos contra 431 minutos).

Política e ausências

Destaque ainda para os Óscares das categorias de melhor filme estrangeiro e de melhor documentário em curta-metragem.

“O Vendedor”, do realizador iraniano Asghar Farhadi, que tinha declarado que não iria estar presente na cerimónia em protesto pelas medidas anti-imigração de Donald Trump, recebeu o prémio para melhor filme estrangeiro; enquanto “Os Capacetes Brancos” (“The White Helmets”), sobre os voluntários que resgatam vítimas da guerra na Síria, conquistaram a estatueta de melhor documentário em curta-metragem.

A cerimónia foi também palco de vários discursos políticos, a começar pelas várias intervenções do anfitrião, Jimmy Kimmel, sobre o facto de os Estados Unidos serem hoje um país “dividido”, passando pela declaração lida pela astronauta iranian Anousheh Ansari em nome de Farhadi, até às frases de apresentadores como Gael García Bernal que, enquanto mexicano e ser humano, se mostrou “contra qualquer tipo de muro” que estabeleça uma separação.

A meio da gala, Kimmel enviou, através do Twitter, uma mensagem ao Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, em menos de 10 minutos, foi partilhada por mais de 150 mil utilizadores.

“Olá Donald Trump. Estás por aí?”, escreveu Kimmel na sua conta no Twitter, durante a cerimónia transmitida em directo por televisões de todo o mundo, após perceber que o Presidente dos Estados Unidos, um utilizador activo das redes sociais, ainda não tinha comentado nada no Twitter, duas horas depois do início da gala.

As estatuetas

Melhor filme:

– “Moonlight”

Melhor realizador:

– Damien Chazelle, “La La Land”

Melhor actor:

– Casey Affleck, “Manchester by the sea”

Melhor actriz:

– Emma Stone, “La La Land”

Melhor actor secundário:

– Mahershala Ali, “Moonlight”

Melhor actriz secundária:

– Viola Davis, “Vedações”

Melhor filme de animação:

– “Zootrópolis” (Byron Howard, Rich Moore e Clark Spencer)

Melhor argumento original:

– “Manchester by the sea” (Kenneth Lonergan)

Melhor argumento adaptado:

– “Moonlight” (Barry Jenkins)

Melhor filme estrangeiro:

– “O Vendedor” (Asghar Farhadi, Irão)

Melhor desenho de produção:

– “La La Land” (David Wasco e Sandy Reynolds-Wasco)

Melhor fotografia:

– “La La Land” (Linus Sandgren)

Melhor guarda-roupa:

– “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los” (Colleen Atwood)

Melhor montagem:

– “O Herói de Hacksaw Ridge” (John Gilbert)

Melhores efeitos visuais:

– “O Livro da Selva” (Robert Legato, Adam Valdez, Andrew R. Jones e Dan Lemmon)

Melhor caracterização:

– “Esquadrão Suicida” (Alessandro Bertolazzi, Giorgio Gregorini e Christopher Nelson)

Melhor montagem de som:

– “O Primeiro Encontro” (Sylvain Bellemare)

Melhor mistura de som:

– “O Herói de Hacksaw Ridge” (Kevin O’Connell, Andy Wright, Robert Mackenzie e Peter Grace)

Melhor banda sonora:

– “La La Land ” (Justin Hurwitz)

Melhor canção original:

– “City of Stars” (Justin Hurwitz, Benj Pasek e Justin Paul, “La La Land”)

Melhor documentário:

– “O.J. Made in America” (Ezra Edelman e Caroline Waterlow)

Melhor documentário em curta-metragem:

– “The White Helmets” (Orlando von Einsiedel e Joanna Natasegara)

Melhor curta-metragem:

– “Sing” (Kristof Deák e Anna Udvardy)

Melhor curta-metragem de animação:

– “Piper” (Alan Barillaro e Marc Sondheimer)

28 Fev 2017

Armazém do Boi | Workshop e exposição para reflectir Macau

Gil Mac regressa a Macau para um woprkshop no Armazém do Boi em que os participantes são convidados a trabalhar em logótipos que representem a cidade. O espaço é de criação e reflexão para que, no final, resulte uma exposição em caixas de cartão que comuniquem o território

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]ma semana para a criação de logótipos em caixas de cartão capazes de reflectir a cidade, é a proposta do workshop Macau™ que vai ter lugar no Armazém do Boi. Gil Mac é o responsável pelo evento.

A participação do artista marca a presença portuguesa na programação de 2017 do Armazém e resultou do open call “Seed in Spring” promovido pela entidade local.

A cidade não é nova para Gil Mac e a ideia, neste regresso, é pensar Macau e o branding do lugar.  “A primeira vez que estive em Macau foi em 2007 com a Teatro do Frio para apresentar um espectáculo a solo no festival Fringe e apaixonei-me pela cidade. Voltei em 2014 com o colectivo (DEMO) para o mesmo festival com o projecto ‘UWAGA!’. Estivemos no Armazém do Boi várias semanas com uma oficina de arte urbana e tipografia”, recorda.

Foi aí que conheceu e se surpreendeu com a criação artística “made in Macau”. “Conheci uma nova geração de artistas muito criativa, com espírito crítico e “politicamente” envolvidos. Fizemos várias intervenções no espaço público e o resultado foi muito interessante”, aponta Gil Mac.

O evento, que vai ter lugar entre 12 e 19 de Março, tem como mote “a riqueza histórica e multicultural do território e a sua contemporaneidade identitária tendo em conta as particularidades”.

Para Gil Mac, o território é detentor de características que se concretizam nos fluxos de turismo e de consumo, na globalização e na mudança dos espaços públicos e privados, e estes serão alguns dos temas em análise.O Macau™ aparece ainda na sequência do trabalho  que, o também designer gráfico, tem vindo a desenvolver dentro do projecto pessoal “whatever ™”.

Comunicar a urbe

As premissas que fundamentam o evento são as necessidades da cidade e as suas representações. No entanto, não se trata de um resultado de intervenção em espaço público mas sim expositivo e com uma linguagem associada à publicidade através do uso do branding, com os olhos postos na síntese que é o logótipo.

A ideia passa ainda por “fazer a desconstrução da comunicação das marcas que se encontram na cidade e a forma como se comunicam.”

O objectivo inicial seria a realização de um workshop durante uma semana, mas na ausência de espaço disponível o programa foi reorientado. O evento será feito em vários momentos. Numa primeira fase, é realizado um briefing, a 12 de Março, com os participantes e onde são dadas as premissas. Segue-se uma semana de trabalho. “Este tempo é um momento em que as pessoas vão olhar para a cidade, reflectir no que ela diz e trabalhar em esboços, fotografias e ideias, para que no fim-de-semana seguinte, num terceiro momento, se faça uma síntese dos logos que foram criados no período anterior e seja criado um objecto gráfico a preto e branco”.

A materialização é feita em caixas de cartão porque, afirma, “são objectos que normalmente têm em si informação acerca dos produtos que transportam e, muitas vezes, esta informação é também um logótipo”.

Para Gil Mac, “o mais importante é a experiência” sendo que a discussão dos diferentes pontos de vista e opiniões sobre a cidade culminarão em trabalhos “mais ricos”.

“No cerne do evento está a reflexão do que é que é Macau neste momento”, afirma. Os participantes vão procurar, de uma forma criativa, comunicar com a cidade, e, ao olhá-la com outros olhos, encontrar nela características que possam ser representadas graficamente. “[Os participantes] serão encorajados a ver a cidade de outra forma nas suas múltiplas facetas: na arquitectura, nos símbolos e dinâmicas”.

O curto período de tempo do workshop também representa um desafio, considera, na medida em que  permite desenvolver capacidades de trabalho sob pressão.

Gil Mac é um artista multifacetado. Conimbricense, nasceu em 1975. Estudou artes gráficas, fotografia e multimédia e teve formação adicional em tipografia. Paralelamente, desenvolve projectos associados ao teatro e à música experimental. Admirador de Camilo Pessanha tem vindo a desenvolver o projecto “Inscrição” que deu o mote, no ano passado, à performance  ORACULO”, no Festival Rota das Letras. Camilo Pessanha regressa à edição deste ano, desta feita com a performance Hydra & Orpheu e o projecto DEMO. A ideia é mostrar a influência do poeta local na geração de escritores modernistas portugueses em que se inclui Fernando Pessoa. 

27 Fev 2017

Correntes D’Escrita | Macau em estreia

“A Sombra do Mar” de Armando Silva Carvalho foi o vencedor do prémio literário Casino da Póvoa no festival Correntes D’Escrita. O anuncio foi feito na quarta-feira numa cerimónia que contou com a presença do Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e a referência à estreia da literatura de Macau no certame

[dropcap]O[/dropcap] escritor Armando Silva Carvalho venceu o prémio literário Casino da Póvoa deste ano com a obra “A Sombra do Mar”, anunciou a organização do encontro de escritores de expressão ibérica Correntes D’Escrita.

De acordo com a acta do júri, “A Sombra do Mar” foi a obra escolhida “pela força imagética da sua escrita e pela tensão conseguida entre ironia e melancolia”.

O júri refere ainda que a nomeação deste livro “resultou da demorada análise e discussão deste e de outros livros finalistas”, tendo sido esta opção deliberada “por maioria”.

Entre as obras finalistas, “particular atenção mereceram” também “Bisonte”, de Daniel Jonas, e “O Fruto da Gramática”, de Nuno Júdice.

““[O festival] continua a alargar o âmbito geográfico, incluindo autores de Macau e da Venezuela.”
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa

Na declaração de voto é dito ainda que “A Sombra do Mar” é uma obra que “traz um conjunto de poemas formando um corpo orgânico de grande unidade estilística e temática, no qual as alusões ao mar e à água constituem um ‘leitmotiv’ que percorre todo o livro em sucessivas variações: água ‘criteriosa e diária’, água ‘arrepiada’ e ‘águas sobreviventes’”.

Entre os finalistas do prémio, no valor de 20 mil euros, estavam também “Outro Ulisses regressa a casa”, do actual ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, “Animais Feridos”, de António Carlos Cortez, “Auto-retratos”, de Paulo José Miranda, “Persianas”, de Miguel-Manso, e “Vem à Quinta-Feira”, de Filipa Leal.

O júri foi constituído por Almeida Faria, Ana Gabriela Macedo, Carlos Quiroga, Inês Pedrosa e Isaque Ferreira.

O prémio literário Papelaria Locus 2017 foi atribuído a “Simplesmente Parecidos”, de Juliana da Silva Barbosa, que concorreu com o pseudónimo de Miura Yigurashi; o prémio Literário Fundação Dr. Luís Rainha a “No Silêncio das Marés”, de Helena Luísa Miranda Coentro; e o primeiro prémio Conto Infantil Ilustrado a “Uma Limpeza Necessária”, do 4.º A da Escola Básica José Manuel Durão Barroso, de Armamar.

O Correntes d’Escritas prolonga-se até amanhã, na Póvoa de Varzim, com uma sessão agendada para segunda-feira no Instituto Cervantes, em Lisboa, reunindo dezenas de escritores em conferências, exposições e sessões em escolas.

Prata da casa

“A Póvoa é um sítio mítico da literatura portuguesa. É onde nasceu Eça de Queirós, e por onde passaram Raul Brandão e muitos outros.”
Carlos Morais José, escritor

A cerimónia em foi feito a anúncio do vencedor contou com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, que destacou não só a importância da leitura e do trabalho feito com as escolas, como ainda a presença de Macau que, este ano e pela primeira vez, está representado com o “Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja”, de Carlos Morais José. O evento é “não só apenas uma festa dos portugueses e lusófonos, convida também escritores de expressão ibérica”, destacou, acrescentando que esta iniciativa “funciona como porta de entrada da literatura do mundo em Portugal” e que este continuou ainda a “alargar o âmbito geográfico, incluindo autores de Macau e da Venezuela”.

Para Carlos Morais José, este é um festival de referência e não podia ser feito noutro local. “A Póvoa é um sítio mítico da literatura portuguesa. É onde nasceu Eça de Queirós, e por onde passaram Raul Brandão e muitos outros”, referiu o autor ao HM, salientando que, “sendo uma terra junto ao mar, é um sítio magnífico para reactivar a tradição literária que a terra tem”.

O destaque do evento vai, de acordo com o autor que se encontra na Póvoa para participar numa mesa redonda, para “as conversas que se vão tendo e para a boa organização do festival, que corre normalmente e bem”.

Relativamente à presença da literatura feita em Macau, o trabalho a fazer ainda é muito. “Como não temos uma máquina de marketing, tudo isto depende da boa vontade do editor, Rogério Beltrão Coelho. No entanto, e comparando com outras literaturas presentes, obviamente que ainda não temos muita visibilidade e também não sou um autor consagrado”.

24 Fev 2017

Paulo Reis, ceramista: “Não há cultura no que respeita ao consumo de arte”

Mestre de cerâmica e da arte da azulejaria portuguesa, Paulo Reis dá aulas e tem atelier na escola da Casa de Portugal. Há ano e meio em Macau, sente que falta a ligação à comunidade chinesa, apesar do sucesso com os japoneses que já têm agências de viagens que incluem nos programas aulas com o artista. Ao HM falou da experiência, enquanto professor e artista no território

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] cerâmica é uma arte que vem desde cedo?

Comecei a trabalhar na área da cerâmica há cerca de 30 anos. Foi com a minha irmã que, já na altura, trabalhava na área. Depois surgiram os cursos do Ar.Co e acabei por fazer a formação. A partir daí, montei uma oficina de cerâmica com mais três colegas em que realizávamos o nosso trabalho e, ao mesmo tempo, dávamos aulas. Lembro-me da primeira vez que dei aulas porque foi uma experiência marcante, dado ter sido a detidos na prisão de Vale dos Judeus. Por incrível que pareça, eu tinha 20 e poucos anos e estava à espera de uma recepção que poderia ser agressiva. No entanto, a formação teve uma grande adesão, as pessoas queriam fazer coisas e o relacionamento foi muito interessante. Achei piada que pessoas muito mais velhas do que eu me tratassem por mestre, a mim, que era um miúdo.

Como é que apareceu Macau?

Estou cá há cerca de um ano e meio. A minha vinda resultou de um convite por parte de Amélia António, presidente da Casa de Portugal, para vir substituir o Paulo Valentim. Fui chamado para dar um workshop e acabei por ser convidado a ficar. As condições agradaram-me, não só ao nível financeiro, como também as condições que este espaço tem, para o ensino e para o desenvolvimento do meu trabalho pessoal. Este local funciona como a minha sala de aulas e como atelier.

Que alunos se inscrevem nestas formações?

Tenho um espaço dedicado, por exemplo, só à pintura de azulejo. Normalmente, quem o costuma frequentar são alunos da Casa de Portugal que já tinham aulas com o professor Paulo Valentim. Como grande mestre que era da azulejaria portuguesa, formou pessoas mais viradas para esta arte. Depois há as aulas dos cursos que são dados no horário pós-laboral. Tenho alunos que chegam e que nunca tocaram em barro e outras pessoas que já trabalham comigo há algum tempo, e querem desenvolver os seus projectos.

As pessoas podem ter aqui um espaço de desenvolvimento de projectos pessoais sob a sua supervisão?

Sim. Mesmo estando integradas num dos cursos em que há um tema específico, podem continuar a desenvolver outros projectos e explorar outro tipo de técnicas não relacionadas com a formação que estão a fazer.

Estamos a falar essencialmente de alunos portugueses?

Estamos a falar de portugueses e de estrangeiros também. Neste momento tenho uma aluna americana, uma brasileira, já tive alunos chineses, apesar de neste momento ter maioritariamente macaenses e portugueses. Tenho tido alguma diversidade cultural na participação dos cursos, mas gostava de ter mais.

O que falta?

Divulgação. Tem de existir mais divulgação por parte das entidades e mesmo da imprensa.

Tiveram recentemente um workshop de pintura em azulejo dirigido a japoneses com muita adesão.

Temos sempre actividades e nessa trabalhámos directamente com agências de viagens. É a terceira ou quarta vez que temos grupos de japoneses. No mês passado vieram 120. É um pacote que as agências têm em que, em vez de levarem os clientes aos casinos, têm mais visitas a Macau e uma passagem pela Casa de Portugal para aprenderem a pintar azulejos. Explicamos o que é a azulejaria portuguesa, a técnica, e depois eles fazem o seu trabalho tendo em conta os processos tradicionais do séc. XVII. A pintura do azulejo tem várias fases: o desenho picotado em papel vegetal e depois passado a carvão, a pintura em que usamos o azul que tem três tonalidades diferentes. São características típicas desta que é, talvez, a maior imagem de marca do país no estrangeiro. Temos trabalhos no mundo inteiro.

Sente que há interesse em manter esta arte no território?

Sim, mas não sei até que ponto podemos chegar ao Governo ou aos arquitectos que podiam, por exemplo, incorporar alguns painéis de azulejo português nos seus projectos. Há muita coisa que se poderia fazer para integrar a azulejaria portuguesa em Macau. É também muito complicado entrar na comunidade chinesa. Acabei de ter uma experiência interessante num concurso organizado pelo Sands China. Concorri com uma escultura e, quando saiu a lista dos premiados na categoria em que tinha participado, o único português era eu. Senti que me receberam, senti-me acolhido. Penso que talvez se deva ir por aí, por tentativas, para tentar criar mais contacto com as comunidades locais. Sinto que as comunidades aqui estão todas muito dispersas e sem grande ligação.

Enquanto artista, como tem desenvolvido a sua carreira?

Tenho tido oportunidade de pôr em prática projectos que há muitos anos estavam na gaveta. Aos poucos, vou tentando entrar no mercado local.

Sente que há mercado em Macau?

Acho que, realmente, não há cultura no que respeita ao consumo de arte. Não há o hábito de sair ao fim-de-semana para ver exposições. Acho que é criando esses hábitos, através da educação, que as pessoas se começam a habituar. Há muita coisa do jogo, é por isso que Macau é conhecido lá fora, mas considero que tem muito mais do que isso e, para o pequeno espaço que é, estão sempre a acontecer coisas.

Quais os próximos desafios?

Gostava de começar a preparar formações dirigidas a projectos sociais, especialmente aqui, na Areia Preta, onde há, segundo me consta, mais pobreza e gente com necessidades financeiras. A ideia já está aprovada. Tenho muita vontade em colaborar com orfanatos e outras associações de apoio para que possam vir aqui. A Casa de Portugal dá o espaço e os materiais, eu dou a mão-de-obra. É um projecto que está a marinar e já estou a estabelecer contactos.

 

23 Fev 2017

Art Basel | Christo e Kiarostami em Hong Kong

Março é o mês da terceira edição da Art Basel de Hong Kong. O programa já começa a ser conhecido e os destaques apontam para a presença de trabalhos de Christo e Abbas Kiarostami. O certame promete, acima de tudo, a diversidade e o foco na temática do tempo

 

[dropcap style≠’circle’]I[/dropcap]nstalações, exposições e interactividade são três dos pilares de mais uma edição da Art Basel de Hong Kong. Com data marcada entre 23 e 25 de Março, a feira de arte, que se afirma já como uma das mais proeminentes da Ásia, não tem mãos a medir.

As novidades começam com a estreia de Kabinett, bandeira estandarte da edição de 2017. A secção é uma das mais aclamadas do evento em Miami e a organização visa, com ela, lançar às galerias o desafio de exibirem trabalhos que, normalmente, estão fora da sua alçada. “Esta é uma forma de trazer mais conteúdo histórico e acrescentar profundidade ao evento”, afirmam os responsáveis pelo evento. A ideia é apresentar projectos capazes de incluir tanto as criações individuais, como colectivas.

Este ano, entre muitos nomes, sobressaem os do realizador iraniano Abbas Kiarostami ou do interventor na paisagem de origem búlgara Christo que, após dez anos afastado da criação artística, regressou em 2016 à produção. Para o certame, a organização promete a exibição de três obras raras que integram o trabalho “Christo: the essencial ideas”, a cargo da Galerie Gmurzynska.

Kiarostami, que morreu no ano passado e deixou um legado muito para além do cinema, terá na vizinha Hong Kong uma exposição individual de fotografia. Os trabalhos fazem parte da “Snow Series” de 2002 e trazem imagens de um Irão natural “sob uma estética minimalista”, explica a organização. A exposição estará a cargo da Galeria Rossi & Rossi.

Já do Oriente, a Art Basel vai lembrar o trabalho do artista chinês Sanyu com a apresentação de uma série de desenhos que retratam o contexto histórico do modernismo da China no início do séc. XX.

No total são 19 projectos, “cuidadosamente curados”, que marcam o início do Kabinnet na região vizinha. Os artistas a serem representados incluem ainda Etel Adnan, Cao Yu, Piero Dorazio, Candida Höfer, Kwon Young-Woo, Kit de Lee, Yuko Mohri, OSGEMEOS, Bettina Pousttchi, Qiu Xiaofei, SHIMURAbros, Song Ta, Keiichi Tanaami, Wang Qingsong, Ming Wong e Heimo Zobernig.

Tempo adentro

A abordagem do conceito de tempo marca ainda a edição deste ano. A informação, já adiantada pela organização do certame ao HM, é concretizada com a exibição de trabalhos em larga escala e marca a secção “Encontros”, com a curadoria de Alexie Glass-Kantor.

“Sendo o terceiro ano como curador da secção, quis explorar a relação entre o tempo e a experiência e, especificamente, de que forma o tempo se poderia relacionar com os encontros”, explica Glass-Kantor. A experiência não se fica pela simples exibição e vai rumo à relação com o público. O resultado é um conjunto de obras e instalações que permite a interacção. “Fiz a curadoria da selecção de instalações que incentivam os visitantes a interagir com cada peça, a fim de encontrarem as suas próprias interpretações”, lê-se em nota de imprensa.

“Encontros” é um dos mais prestigiados sectores do evento e pretende ser “uma plataforma única de apresentação de instalações em grande escala que transcendem o conceito tradicional de uma feira de arte”.

Este ano a secção integra 17 trabalhos, entre repetentes e estreantes, em que constam nomes como Rasheed Araeen, Katharina Grosse, Gonkar Gyatso, Joyce Ho, Hu Qingyan, Waqas Khan, Alicja Kwade, Dinh Q. Lê, Li Jinghu, Sanné Mestrom, Rirkrit Tiravanija and Wang Wei.

Ainda dentro do programa conhecido até à data, e sob a alçada do “tempo”, está a apresentação de “Twenty five minutes older” do artista radicado em Hong Kong Kingsley Ng. A ideia é apresentar a cidade de “uma outra forma” através de imagens capturadas nos icónicos eléctricos locais, acompanhadas com excertos de textos de Liu Yichang.

 

 

Do mundo para Hong Kong

Fundada em 1970 por galeristas de Basileia, a Art Basel é responsável pela organização das exposições internacionais de arte contemporânea actualmente realizadas em Basileia, Miami e Hong Kong. O princípio do evento é a criação, em cada edição, de uma cooperação com as galerias da cidade anfitriã, em que a programação e produção são feitas sempre em conjunto com as entidades locais. Um exemplo é a Art Basel Cities, lançada em 2016, em que o trabalho é desenvolvido tendo em conta os conteúdos específicos de cada cidade. O objectivo é a criação de uma rede global com o contributo dos elementos culturais inerentes a cada lugar. Em Hong Kong, a Art Basel local veio substituir a ART HK e mostra, com mais uma edição, o sucesso do evento que junta artistas, indústria e público.

22 Fev 2017

Prémio | Filme sobre Mio Pang Fei distinguido em Lisboa

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme “Mio Pang Fei”, do realizador português Pedro Cadeira, conquistou a Lebre de Prata do Festival Internacional Filmes sobre Arte Portugal, que encerrou no domingo à noite, em Lisboa, anunciou ontem a organização.

Contactada pela Agência Lusa, a directora do festival, Rajele Jain, indicou que a Lebre de Ouro, o prémio mais importante do certame, foi entregue ao filme “Retrato de um anti-poeta” (2009), do realizador chileno Víctor Jiménez Atkin.

“Abraham Cruzvillegas: Autoconstrucción” (2016), dos realizadores norte-americanos Susan Sollins e Ian Foster, recebeu a Lebre de Ferro e foram ainda entregues menções honrosas aos filmes “Pontas Soltas” (2016), de Ricardo Oliveira, e a “When water turns into drops”(2015), da holandesa Jeannice Adriaansens.

O filme “Mio Pang Fei”, do cineasta português Pedro Cadeira, sobre um dos mais conceituados artistas chineses, censurado pela Revolução Cultural Chinesa, que se refugiou em Macau, foi realizado em 2014.

O Festival Internacional Filmes sobre Arte Portugal decorreu entre a passada quinta-feira e domingo, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, exibindo 18 filmes, dos quais cinco portugueses, com estreia mundial ou nacional da totalidade das obras internacionais em concurso.

Nesta nona edição voltaram a estar em foco filmes que abordam temas artísticos em diferentes disciplinas, desde as artes visuais, fotografia, teatro, literatura, música, entre outras.

Desde o lançamento, em 2008, o festival apresentou cerca de 240 filmes, introduzindo o universo e práticas artísticas de mais de 350 criadores, músicos, bailarinos, realizadores e escritores, segundo um balanço da actividade elaborado pela organização.

Criado pela artista e programadora Rajele Jain, o Festival Internacional Filmes sobre Arte Portugal teve inicialmente o apoio do Festival Temps D’Images e, desde 2015, é produzido de forma independente pela Associação Cultural Vipulamati: Ample Intelligence.

O FILME

21 Fev 2017

Sonar | Lendário festival de electrónica já revelou cartaz

Um dos mais aclamados festivais de música electrónica europeia chega a Hong Kong e traz nomes de peso. DJ Shadow, Gilles Peterson e Dave Clarke são os cabeças de cartaz. Não vão faltar motivos para levar os amantes das sonoridades mais dançáveis ao Science Park

 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]arece mentira, mas não é. Está aí o Sónar, importado directamente de Barcelona para Hong Kong. O festival com data marcada para dia 1 de Abril não é nenhuma partida do dia das mentiras, mas uma realidade que irá marcar o calendário da música electrónica da região.

Está longe de ser a primeira vez que o festival que nasceu na Catalunha extravasa fronteiras. A primeira edição fora de Barcelona aconteceu em 2002 em Londres mas, desde então, os ecos das batidas têm atravessado o mundo. O Sónar já passou por cidades como Chicago, Buenos Aires, São Paulo, Santiago do Chile, Hamburgo, Bogotá, Nova Iorque, Seul, Roma, Cidade do Cabo, Copenhaga e Tóquio. Chegou agora a vez de Hong Kong.

A região vizinha irá oferecer um cartaz de luxo que promete mobilizar os amantes da música de dança, com nome como DJ Shadow, Gilles Peterson, Dave Clarke, alguns dos artistas mais que consagrados no panorama electrónico. Os espectadores podem ainda apreciar os talentos que despontam na cena como Lady Leshurr, Kingdom e Evian Christ.

Mas Shadow é, definitivamente, o nome de peso do cartaz. O DJ e produtor multifacetado tem, desde a década de 1990, uma carreira ecléctica que mistura hip-hop, funk, soul, rock, ambiente, jazz e electrónica. Chega a Hong Kong com um incrível show visual que acompanha os concertos da tournée do seu último registo, “The Mountain Will Fall”. O disco não é propriamente dançável, antes propõe ao ouvinte uma variedade de atmosferas sonoras que serão acompanhadas por um exuberante espectáculo multimédia. O norte-americano tem sido inovador desde “Endtroducing”, disco de estreia, pertenceu ao colectivo Unkle, tendo sido fundamental na criação do seminal “Psyence Fiction”. Só este nome vale o preço do bilhete.

Um dia em cheio

Além de DJ Shadow, os festivaleiros podem assistir ao set de Gilles Peterson. O francês, outro colosso da música electrónica, tem um vasto leque de influências e sonoridades na bagagem discográfica. É um dos nomes cimeiros do acid jazz e das sonoridades que fundem electrónica com música latina, africana e hip-hop. Promete fazer mexer quem assistir ao Sónar de Hong Kong.

Outro dos nomes de destaque do cartaz do festival é Dave Clarke, conhecido como o “Barão do Tecno”. O DJ e produtor britânico encerra com estrondo o evento com as suas batidas obscuras de tecno. Neste capítulo importa adiantar que o Sónar encerra cedo e começa cedo, uma particularidade rara neste tipo de festivais. O cartaz começa às 11 da manhã e vai até às 3 da manhã, com música, workshops, exposições e palestras espalhadas por seis palcos.

No domínio dos novatos, destaque para o britânico Evian Christ, que assim que chegou aos escaparates deu nas vistas com a sonoridade que mistura batidas de hip-hop e trance. O jovem produtor já colaborou com artistas como Kanye West e Yeezus, e lançará este ano o seu primeiro disco. Um debutante, que promete ser uma das novas estrelas da electrónica, vem mostrar de que fibra é feito no SonarLab, o palco para talentos em ascensão.

Arte virtual

Mas não só de música vive o Sónar, apesar da vanguarda electrónica ser o fio condutor. Os festivaleiros podem participar em workshops, assistir a palestras e a demonstrações de realidade virtual. O objectivo é aliar criatividade, tecnologia, inovação e negócios num ambiente descontraído e inspirador para os amantes da cultura digital.

Um dos eventos em destaque é o “famous wonder.land”, uma das obras de realidade virtual seleccionadas para o Festival de Cinema de Cannes. A peça de 4 minutos, inspirada no famoso clássico “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, promete empurrar os espectadores pela toca do coelho. A experiência é inspirada no musical criado por Damon Albarn, vocalista dos Blur, e esteve em exibição no UK National Theater. Munidos com headset, quem experimentar esta alucinação digital terá os seus horizontes expandidos no mundo psicadélico de Lewis Carroll reinventado por tecnologia de ponta.

Também haverá lugar para exposições e arte inovadora que têm a tecnologia como veículo principal. Um dos nomes mais prestigiados neste campo é Daito Manabe, que dará uma palestra no Sónar. O japonês, que torna o futuro presente, divide-se em muitas funções. É designer, programador, DJ, VJ, compositor, um homem dos sete ofícios desde que esses ofícios puxem os limites da inovação.

Os festivaleiros terão dificuldades em repartir-se pelo Science Park de Hong Kong, até porque a tecnologia ainda não chegou ao ponto de permitir ubiquidade. Apesar de ser só um dia, o Sónar tem um cartaz vasto, ecléctico e inovador que promete deixar água na boca para mais edições no futuro.

21 Fev 2017

Graffiti | Arte de rua dá passos tímidos em Macau

Macau é uma cidade limpa. É raro ver-se um graffiti, um tag, um stencil, ou qualquer outra manifestação de street art. Não há muitas pessoas a agitar latas de spray, ou a fazer colagens na rua. Daí, a relativa solidão de Pibg nas lides da arte de rua

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]or todo o mundo se pintam murais, paredes vazias, vagões de comboios, bancos de autocarros, tags assinados em todo o lado. Há cidades onde não há um centímetro quadrado de parede que escape ao graffiti. A arte de rua, que anteriormente era considerada vandalismo, saiu da obscuridade e chegou às galerias através de nomes que ganharam notoriedade mundial como Banksy ou Obey. Hoje em dia o graffiti foi acolhido em algumas das cidades mais cosmopolitas e acolhedoras de espírito artístico. Porém, Macau mantém-se limpa, muros brancos, paragens de autocarro imaculadas, sem vestígio deste tipo de expressão que procura emprestar arte aos locais públicos. Neste domínio, Pat Lam é um dos poucos que agita latas de spray e arrisca emprestar alguma cor à cidade. O jovem de 22 anos assina como Pibg, sigla para “Pat is bombing graffiti”, uma frase que dispensa tradução.

Como acontece com muitos artistas, a vontade de criar nasceu em Pat a partir de uma noite de tédio. “Tinha 14 anos e estava aborrecido”, revela. Então, decidiu pegar no skate e sair à rua. Acabou por encontrar uns rapazes portugueses que estavam a fazer um graffiti numa parede. Não sabia muito bem o que era aquilo, mas agradou-lhe. Roubou uma das latas e a sua vida mudou. Além de ter feito amigos aprofundou a cultura de rua, que já tinha, juntando o elemento gráfico ao gosto pelo skate e breakdance.

No entanto, Pat não tem muita companhia nas lides das latas de spray numa cidade limpa de graffitis. “Aqui não há pessoas que se interessem por isto, e os miúdos que gostam não querem pintar, é mais uma moda”, revela. Algo que o entristece. O jovem que assina paredes como Pibg, gostaria que Macau tivesse uma cultura que valorizasse e incentivasse o graffiti, como acontece noutras cidades como, por exemplo, Lisboa.

Chamem a polícia

Mesmo grandes nomes da graffiti já tiveram os seus dias de fugir da polícia, de pintar em sítios escuros e inacessíveis, longe dos olhares da autoridades. É uma ocupação que exige alguma agilidade a escapar à lei, mas já foi mais assim. Pat Lam não foi excepção a esta regra, tendo arranjado sarilhos bem maiores que as suas possibilidades.

Na altura, com 16 anos, Pat pintava em todo o lado com um amigo oriundo do Interior da China. Uma noite meteram-se numa alhada de proporções difíceis de enfrentar. Estavam num edifício em construção, onde já costumavam pintar quando foram apanhados pela polícia. Foram agredidos e passaram dois dias na prisão. “Fomos a tribunal e deram-me uma multa impossível de pagar, só tinha 16 anos, e o meu amigo ficou proibido de voltar a entrar em Macau”.

O problema só se resolveu quando os pais de Pat chegaram a acordo com o construtor da obra. Como resultado, foi obrigado a limpar o edifício durante uma semana. Este foi o mais grave de muitos episódios que teve enquanto graffiter. Mas a situação melhorou nos últimos anos. “Hoje em dia ninguém se importa, posso desenhar de dia, as pessoas passam por mim e não dizem nada”, conta.

Riscos com mensagem

Pat é um amante dos animais e as relações que se estabelecem entre humanos e a bicharada, são para o graffiter uma fonte de inspiração. Daí, ter graffitis de corpos humanos com cabeças de raposa, pássaros, além dos tradicionais bombings – palavras escritas com o design mais tradicional da arte de rua.

Porém, hoje em dia, a maior fonte de inspiração é o seu filho, não só mudou-lhe a vida, como alterou a forma como pinta. Mas o significado mantém-se. “O amor é a minha inspiração, gosto de o pintar, a minha mensagem é muito aberta, não gosto de segredos, se aprecio alguém também gosto de o dizer”, explica o graffiter.

Seguindo esse mantra de abertura e comunhão, Pat Lam fala de Macau com alguma emoção. “Sinto-me em casa aqui, adoro as pessoas e a forma aberta como se relacionam”, conta. O artista revê-se no trato fácil, na forma orgânica como faz amigos de forma natural. “Quando ando pelas ruas sinto-me mesmo em casa”, confessa. Uma abertura que não sente noutras cidades que visitou.

Recentemente, Pat abriu um loja muito especial e multi-facetada ao lado da Igreja de São Francisco Xavier. Chama-se Roomage 30. O espaço conjuga um café, uma loja dedicada ao “lifestyle” e uma galeria. Pegando no mantra que lhe serve de inspiração, dos lucros feitos pela loja 30 por cento revertem para instituições de protecção animal e instituições que apoiam crianças desfavorecidas. Um amor que o inspira a pintar e que é devolvido.

20 Fev 2017

Le French May | Edição de 2017 dá os primeiros passos

A 25ª edição festival Le French May Arts já mexe, em consonância com o vigésimo aniversário da transferência de soberania de Hong Kong. O evento apresenta um cartaz ecléctico, que celebra o espírito francês num tour cultural do clássico ao contemporâneo. Os bilhetes já estão à venda, a preço de lançamento

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á se sente o burburinho da “fête française”. A um mês e meio do início do festival, o cartaz do Le French May Arts começa a compor-se e já tem uma data de abertura, 6 de Maio. Para já, os espectáculos anunciados variam entre a música clássica, ballet, jazz e hip-hop. O festival, que já teve eventos a passar por Macau, ainda não tem nada anunciado para o território. O HM contactou a organização do evento para tentar apurar se estará algo previsto para a RAEM, mas o resto do cartaz ainda está no segredo dos deuses.

O concerto de abertura é uma reformulação moderna de uma obra-prima perdida, com um twist moderno multimédia, acrescentando um espectáculo de luzes à música clássica. O programa, intitulado “O Nascimento do Rei Sol”, leva ao palco do Concert Hall do Centro Cultural de Hong Kong, no próximo dia 6 de Maio, o encanto da Paris do século XVII. Esta obra glorifica a ascensão de Luís XIV ao estatuto quase divino de Rei Sol, a clara representação do absolutismo europeu, numa altura em que a corte francesa endeusava os seus monarcas.

O concerto irá reproduzir parte da música, quase quatro séculos depois, numa adaptação da Ensemble Correspondances dirigida artisticamente pelo maestro Sébastien Daucé, que reconstruiu a obra depois de três anos de pesquisa. O espectáculo de luzes estará a cargo do artista francês Etienne Guiol, que procura transportar o espectador para o reinado de Luís XIV.

Outro dos eventos em destaque no destapar do véu do French May Festival é a estreia da Orquestra Filarmónica da Radio France em Hong Kong, sob a direcção de Mikko Franck. O concerto, agendado para 2 de Junho, trará ao palco da região vizinha a interpretação da famosa evocação de “O Mar”, de Claude Debussy, assim como o conto de fadas musical “A Minha Mãe Ganso”, de Ravel.

Do clássico ao hip-hop

O festival propõe noites de ballet a 11 e 12 de Maio, com o bailado “A Night with the Stars”. O espectáculo será uma homenagem a Paris, assim como aos artistas que se inspiraram na cidade das luzes. De Chopin a Proust, Petit a Carné, Petipa a Piaf, e de Bizet a Prévert. Todas as partes da performance têm uma íntima ligação com a capital francesa. O ballet será interpretado pelos bailarinos da companhia internacional Paris Ópera Ballet, que será abrilhantado pela participação do aclamado pianista Henri Banda.

Numa esfera diametralmente oposta da dança, o Le French May Festival oferece aos seus espectadores, nos dias 18 e 19 de Maio, um espectáculo de dança hip-hop. Com a direcção da principal coreógrafa francesa da especialidade, Marion Motin, a performance demonstra que este estilo musical não é, forçosamente, dominado pelos homens. O espectáculo, intitulado “In the Middle – Women in Hip-Hop”, será interpretado pelo conjunto Marion Motin and Swaggers. A francesa, que começou a sua formação na dança clássica, apaixonou-se pelo hip-hop e chegou mesmo a colaborar com artistas de renome como Madonna.

Mudando a agulha para outra vertente musical, o festival propõe, neste primeiro vislumbre, três noites de jazz à grande e à francesa, com a estreia asiática de três artistas de renome internacional.

No dia 12 de Maio sobe ao palco o Geraldine Laurent Quartet. A saxofonista será acompanhada por piano, baixo e bateria. O concerto será baseado no seu novo disco, “At Work”, uma colecção de músicas que sugere a essência livre do swing parisiense da década de 1930.

A senhora que se segue é Billie Holiday, a diva do jazz, que será homenageada no dia 13 de Maio no espectáculo “Billie Holiday, Passionately”, interpretado ao piano por Paul Lay.

O dia 14 de Maio será dedicado ao trompetista norte-americano Chet Baker, no concerto tributo “Love for Chet”, interpretado pelo Stephane Belmondo Trio.

Para já, estes são os nomes que se conhecem no cartaz do festival que celebra a cultura francesa. Quem se quiser antecipar à subida do preço dos bilhetes, pode usufruir de descontos se os comprar até ao dia 9 de Março. Quem perder a oportunidade, terá de se contentar com ingressos a preços normais. C’est la vie.

17 Fev 2017

João Miguel Barros: “Olhamos muito, mas vemos muito pouco”

Por achar que já tem idade para mostrar a fotografia que faz, João Miguel Barros decidiu avançar para um livro e uma exposição. “Entre o Olhar e a Alucinação” está na Creative Macau a partir do próximo dia 23. É uma experiência sobre um caminho que o advogado quer fazer: ir deixando os processos para trás e apostar na curadoria, trabalhar em fotografia, pensar na estética da representação

[dropcap]C[/dropcap]omo é que começa a fotografia?
Já começou há muitos anos. Talvez nunca tenha tido a coragem de começar pôr as fotografias cá fora. Neste momento, é uma especialização de uma preocupação cultural que já vem do meu tempo da faculdade quando, na altura, com a minha mulher, fizemos a revista SEMA. O gosto pela cultura é presente, tem-me acompanhado ao longo da vida, embora tenha sido muitas vezes distraído pelas questões do Direito, ou mais pelas obrigações profissionais do que pelo gosto do Direito. Nos últimos anos, em especial depois de ter saído do Ministério da Justiça, resolvi assumir que a cultura era – e é – uma área do sentir e do conhecimento demasiado vasta. Portanto, dentro da cultura em geral, identifiquei a área de que mais gosto: a fotografia. Sempre fiz fotografia. Antes da fotografia digital, lembro-me de uma viagem à Índia em que praticamente fiz turismo através da lente das máquinas fotográficas. Chegava ao final do dia completamente estoirado de carregar máquinas e lentes, coisa que neste momento já não faço, porque aperfeiçoei a lógica de funcionamento. Tenho uma câmara mais pequena, com uma lente de 35 mm fixa, e sou muito menos intrusivo na recolha das fotografias. É um gosto antigo, uma prática que tem sido mais ou menos descontinuada ao longo do tempo, mas tem sido uma constante e uma preocupação. Acho que já tenho idade suficiente para poder começar a pensar em pôr cá fora estas fotografias. Mas tem também uma outra componente: tenho o desejo de, um dia destes, começar a afastar-me mais da advocacia, e criar uma pequena galeria e uma pequena editora só para a fotografia a preto e branco. E pensei que um bom exercício seria fazer a experiência de como é que tudo isto funciona a partir de mim próprio.

Daí a exposição e o livro.
Peguei numa pequena verba que pus de lado e disse assim: em vez de ir apostar em alguém, vou apostar em mim. E acompanhei todo este processo, na produção, na escolha dos suportes e do material para a exposição, fiz uma série de ensaios de impressão das fotografias em suportes diferentes, emoldurei de formas diferentes, para tentar perceber qual era o melhor caminho a seguir. Todo o processo de produção do livro foi mais ou menos equivalente. O livro acaba por ser também um desafio, porque fazer livros com uma dimensão como esta, de 30 cm por 23 cm, é um risco, apesar de tudo, porque as fotografias aguentam ou não. Mas o tipo de fotografia que faço aguenta mais facilmente num livro com esta dimensão do que se fossem fotografias que andam à procura de uma perfeição técnica que eu não acho ideal. Portanto, tudo isto acabou por ser um exercício de como fazer, à custa de mim próprio.

“Entre o Olhar e a Alucinação”. Que conjunto de fotografias é este? São imagens que não andam à procura da perfeição. Como é que se chegou aqui?
Chegou-se de uma forma um bocadinho acidental, mas foi a partir de uma reflexão do que é e do que pode ser a fotografia. É uma conversa que é preciso desenvolver e aprofundar. A minha preocupação com a fotografia não é apenas tirá-las, trabalhá-las e eventualmente poder ou não expor, e poder ou não publicar. Neste momento, queria desenvolver uma outra vertente, à qual dou muita importância, que é fazer a curadoria de projectos e isso implica pensar na fotografia como arte e pensar nos projectos como um conceito. Neste momento tenho um projecto aprovado, para um ciclo de fotografia contemporânea chinesa, que vai realizar-se em Portugal com três dos mais importantes fotógrafos chineses da actualidade, pessoas cujo trabalho admiro muito. Tenho já a confirmação de que o Instituto Cultural de Macau também vai apoiar este ciclo de três exposições individuais, que virão ao território depois, em 2018 e 2019.

E quem são estes fotógrafos?
A primeira exposição é de Lu Nan, um fotógrafo por cujo trabalho tenho uma admiração imensa. Demorou-me quase um ano a chegar até ele. Vai ser inaugurada em Lisboa em Julho deste ano. Depois, em Outubro, vai haver uma outra exposição que é de Rong Rong, um homem muito conhecido na fotografia contemporânea chinesa, também produtor e divulgador cultural, tem um centro de arte contemporânea em Pequim. O terceiro é um fotógrafo menos conhecido que tem um projecto sobre o Tibete que demorou quase dez anos a conseguir. Yang Yankang tem fotografias lindíssimas sobre o lado mais filosófico e espiritual do Tibete. São três caminhos na fotografia contemporânea chinesa que quis explorar, sendo certo que havia uma quantidade de outras pessoas. E, voltando ao princípio, este livro nasce também de uma preocupação de tentar perceber qual é o caminho que quero explorar relativamente à fotografia.

Podemos dizer que este livro é um ensaio?
De algum modo, é uma experiência e que parte de um princípio que está contido naquela frase de Barthes, que é o mote da exposição, quando basicamente diz que as fotografias não precisam de ser chocantes, o que precisam é de fazer as pessoas pensar. Isto leva a que nós pensemos também como é que encaramos a fotografia como uma estética de representação. Se é uma estética de representação, significa que podemos olhar para uma fotografia de per si ou temos de seguir a corrente tradicional ou politicamente correcta dos trabalhos das pessoas mais conhecidas, que assentam na ideia do storytelling, de contar uma história? Está muito instalada a ideia de que as fotografias contam histórias e que os projectos fotográficos são verdadeiramente importantes, ou mais importantes, quando são capazes de contar histórias.

Como se a fotografia enquanto forma de arte tivesse de ter alguma coisa de fotojornalismo, no sentido da construção de uma narrativa.
Pode confundir-se dentro dessa via, sendo certo que o fotojornalismo tem uma representação da realidade que não permite a deformação dessa mesma realidade. O storytelling pode ser já uma alucinação da realidade e é legítima como forma de contar uma história. Com esta experiência, o que quis tentar foi perceber se é possível ou não juntar várias fotografias que nada têm que ver umas com as outras, apesar de, neste conjunto, haver vários subconjuntos que estão relacionados. O próprio título faz parte de um tríptico que vai estar apresentado na exposição. Há mais dois conjuntos, a que chamei “Night Vision I” e “Night Vision II”, que também são mini-séries de uma pequena história quase sem história. Mas o importante era testar a ideia se é, ou não válido, juntar fotografias que, de per si, possam ser uma história, mas uma história que não induza quem a vê num determinado percurso de interpretação. É engraçado olharmos para as fotografias e pensarmos que elas foram congeladas no tempo. Quando olhamos a realidade a passar dinâmica à nossa frente, certos momentos que são congelados têm um significado diferente do que teriam inseridos nessa sequência normal da visão.

Mas há sempre a possibilidade de se inventar uma narrativa…
Este livro tem uma intenção e tem muitas narrativas. Não é por acaso que as fotografias estão todas sequenciadas e que vão todas ao corte, sem nenhuma paginação especial que as tente influenciar. Não é por acaso que foram alinhadas desta maneira, e isso dá-lhes uma narrativa. Dou dois exemplos: há um contraste entre pessoas, situações e lugares; pelo meio coloco várias fotografias de escadas, que são simbolicamente a ideia de que nós, na vida, gostamos ou deixamos de gostar, vamos por um lado ou podemos ir por outro. O desafio que se coloca a quem vê o livro é saber se gosta deste caminho ou se não gosta, a escada está lá para subir e para descer. O livro acaba, também intencionalmente, com uma fotografia, sem nenhuma outra na página ao lado, de um rosto muito marcante de um homem velho, mas que tem um sinal de esperança, que é o facto de estar a rir. Este livro tem uma intenção – o modo como foi pensado – e pode ter muitas narrativas.

Quem for ver a exposição ou pegar no livro encontra várias imagens captadas no contexto em que vivemos. Para a escolha destas fotografias pesou o factor cidade ou isso não entrou no critério de escolha?
Não entrou. O meu critério de escolha foi o gosto pessoal, de adesão ou não a uma determinada fotografia, a um determinado contexto, ao modo como a fotografia é enquadrada na página ou na moldura.

Mas há uma relação com a cidade que acaba por transportar, até porque vive cá há muitos anos.
É inevitável. Dou comigo a pensar se o facto de vivermos aqui há tantos anos – de lidarmos tanto com estas pessoas, com estas situações, as cozinhas mal-arranjadas, os ambientes às vezes muito hostis – também não faz com que não tenha já capacidade de olhar. E isto é uma coisa que me preocupa. Por isso é, quando olho para Macau como lugar para fazer fotografia ou para registar momentos, tenho sempre um certo medo de não ser capaz de olhar da forma correcta, porque já nada me surpreende. E quando tiramos uma fotografia, do mesmo modo como queremos que essa fotografia surpreenda – como diz Barthes, que faça pensar –, também temos de ser capazes de nos podermos surpreender com aquele momento que estamos a registar. Confesso que, por uma certa saturação em relação à cidade, por já estar a viver em Macau desde 1987, sou capaz de já não ter bem essa capacidade.

Mas a lente, ainda assim, ajuda ao enquadramento, ao exercício do foco sobre algo que a olho nu nos pode escapar.
É a tal ideia de que uma fotografia congelada no tempo pode ter uma leitura que é completamente diferente dessa fotografia inserida num movimento real em que as coisas acontecem. As máquinas fotográficas são formas de seleccionar a realidade, já por si, e eu em cima disso ainda agravo a situação, porque é raro o caso em que não faço um crop da fotografia. Gosto de fazer crops das fotografias – tenho amigos que dizem que isto é desvirtuar a realidade. Mas a máquina já desvirtua a realidade, porque vai só buscar um bocadinho. Os lugares são relativamente importantes no contexto deste projecto, sendo certo que, muitas vezes, uma pessoa sente-se mais motivada para dirigir a máquina para sítios que são uma surpresa do que propriamente para locais que vemos todos os dias e que já não temos capacidade de ver. Realmente, há uma grande diferença entre olhar e ver, e este é o problema dos nossos dias, é o problema da nossa civilização: olhamos muito, mas vemos muito pouco. A fotografia, congelando momentos que, para nós, são significativos, é uma forma de ajudar a ver determinado tipo de realidades. Olhamos para algumas fotografias, como as que estão aqui [no livro], de pessoas. E é legítimo perguntar o que é que esta pessoa estava a fazer antes e o que estava a fazer a seguir? Esta pessoa está neste contexto, que não se percebe muito bem, porque a fotografia está muito cropada, não tem propriamente todo o seu ambiente à volta, mas qual era o contexto em que se estava a mover quando foi fotografada? Há outras questões mais teóricas que têm que ver com fotografia.

A questão da estética da representação.
É o que procuro, e também tentar perceber como é que consigo apurá-la, sendo certo que há muitas estéticas de muitas representações. Uma coisa sei que não quero, que é a técnica da representação, que é uma coisa completamente diferente: aquela fotografia muito bonita, tecnicamente supercompetente. Há um fotógrafo que tem um trabalho admirável, num campo completamente diferente, o Erwin Olaf, que teve uma exposição aqui na Casa Garden. É um fotógrafo fabuloso, que vem da fotografia de moda. Todas as fotografias que faz são encenadas, são pensadas ao milímetro. Um dia, contou-me que há fotografias, que eu pensava que o ambiente natural era um hotel onde punha os seus figurantes, em que os cenários são todos construídos por ele. Essas fotografias têm obviamente uma história para ele, mas são fotografias tecnicamente representadas, há uma representação técnica da realidade, evidentemente com muita criatividade. Não procuro nada disso, porque acho que os critérios de avaliação das fotografias nos tempos que correm já não passam pelo lado técnico, porque a fotografia deixa de ser um meio para passar a ser um fim. Quando a fotografia deixa de ser tecnicamente um meio para mostrar qualquer coisa – que passa a ser acessória, porque o meio é que é importante –, neste caso já temos a possibilidade de olhar para a fotografia e achar que os meios passem a ser acessórios.

Onde fica a advocacia, no meio disto tudo?
Como não sou rico, tenho de trabalhar, tenho de fazer advocacia. Mas já tenho 58 anos e acho que já tenho o direito de começar a fazer menos advocacia e a fazer mais aquilo que me realiza pessoalmente. Já estou na advocacia há muitos anos, já passei por processos complicados e já tenho a minha dose que chegue de descrença relativamente ao sistema. E em Macau é fácil ter-se descrenças em relação ao sistema. Entretanto, tenho tido oportunidades na vida, como foi a última experiência que tive em Portugal no Ministério da Justiça, de ser parte activa em projectos de reforma significativos, como foi a questão da reforma do sistema judiciário. Mas também isso me deixa, apesar de tudo, um certo amargo de boca. Não sei como explicar. Sou muito devotado ao serviço público no sentido de me dar a ele, passe o auto-elogio, com alguma generosidade. Isso tem-me prejudicado. Aconteceu no princípio dos anos 2000, quando fui para a Ordem dos Advogados, e depois quando fui para o Ministério da Justiça, quando estourei completamente a possibilidade de fazer advocacia em Portugal porque me dediquei a um serviço público. Mas realmente, o sistema judiciário, tal e qual como está montado, é muito conflituante de interesses e, às tantas, é uma máquina trituradora muito complicada. Quando verdadeiramente me consigo libertar, e fugir um bocadinho, é ao ir por este caminho da fotografia, porque também se não o tivesse era capaz de morrer mais cedo e muito mais frustrado. Acho que tenho de dar continuidade a este projecto, tentando avançar para outro livro, dentro da mesma linha, possivelmente. E avançar também nos trabalhos de curadoria, porque há necessidade de darmos a conhecer muito trabalho que está a ser feito por aí. Na Ásia – na China e no Japão, que é uma fotografia que me tem influenciado muito –, temos gente a fazer fotografias de uma forma absolutamente deslumbrante e magnífica.


O desconcerto

[dropcap]H[/dropcap]á um chão, um chão de relva, e há um corpo estendido, aconchegado, num agasalho que inclui um capuz. Está ali um olhar que fixa a lente e que não se percebe o que diz. É um olhar enigmático, entre a surpresa, a solidão, o sono, o abandono. Ou talvez apenas a preguiça, o embalo, a fruição de qualquer coisa que aquela lente não nos quis mostrar. Não sei de quem são estes olhos, onde estavam eles deitados, se quiseram ali estar ou se ficaram assim por falta de opção. A imagem não me diz nada mais sobre este olhar. Viro a página e o resto da história não está lá, porque não é para estar.

Este livro é feito de imagens soltas que se entrelaçam, se se tiverem de relacionar. Às tantas, não é preciso andarmos constantemente à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim de qualquer coisa. Às tantas, é este o princípio esquecido da fotografia: o que há para ver é o que está naquele rectângulo, o que parou no tempo daquele modo, naquele momento, e o resto nada interessa. Às tantas, é só assim, tão simples e, sim, tão complicado, porque aquele olhar fixou-me também.

Viro a página e há outra história qualquer. E mais outra. E há umas escadas. E outras, tantas escadas para subir e descer, uma vertigem de imagens que são densas, escuras, neste livro há muita noite, pouco dia, talvez não pudesse ser de outra maneira. Chego ao fim e há um sorriso, um sorriso velho e desdentado, um sorriso sincero e malandro, como que a ler o que me vai na alma. O desconcerto. Este livro é um desconcerto. Não podia ser de outra maneira.

O livro é de João Miguel Barros, advogado, homem há muito ligado às artes, às letras, às publicações. O nome escreve-se nos jornais sobretudo por causa de outras causas, de outras palavras, do mundo mais encenado que cabe nos códigos e nas leis, nos órgãos de investigação criminal e nos tribunais, nas críticas e no cansaço, nos culpados e nos inocentes. Desta vez, o nome escreve-se nos jornais porque não há história, são muitas histórias, e não há palavras, só imagens.

Construímos mundos e é neles que nos movimentamos, num entediante exercício ao qual demos o nome de quotidiano. Andamos sempre à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim do texto, ao fim do livro, ao fim da rua. “Entre o Olhar e a Alucinação” é um convite a uma paragem, é uma descida vertiginosa ou uma escalada penosa, é um desafio para uma certa solidão. É um desconcerto, daqueles que fazem bem no meio do ruído dos dias. E depois são os olhos que se fixam, porque aquele olhar fixou-me também.

16 Fev 2017

Desporto | Projecto Mana Vida associa exercício a solidariedade social

Cíntia e Guilherme Leite Martins há muito que faziam desporto para se manterem em forma, mas decidiram começar um projecto diferente. Parte dos ganhos obtidos com as aulas de fitness será destinada a instituições de solidariedade, sendo que os participantes também podem fazer os seus contributos a troco de aulas. O lançamento oficial é este domingo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] mais recente projecto de Cíntia e Guilherme Leite Martins visa a prática do exercício físico a pensar nas necessidades das organizações sem fins lucrativos. Com o Mana Vida, há corridas e caminhadas em grupo, ou aulas de fitness, em que parte dos fundos obtidos em cada sessão será destinada a instituições de solidariedade social. Os participantes também podem contribuir com alguma valência, a troco de aulas. As sessões têm decorrido nos trilhos de Coloane, no empreendimento One Oasis ou ainda no Parque Central da Taipa.

“O lema condutor do Mana Vida é o de encorajar as pessoas a terem uma vida mais saudável e a promoverem um sentimento de solidariedade. As pessoas, ao participarem nas nossas actividades e ao contribuírem para a causa do projecto, estão igualmente a construir uma comunidade mais forte e benevolente”, explicaram os responsáveis do projecto ao HM.

A primeira acção do Mana Vida será a oferta de ténis a crianças residentes da Associação do Berço da Boa Esperança, uma associação sem fins lucrativos que tem à sua responsabilidade dois lares residenciais para menores.

“Traçámos como primeiro objectivo a compra de ténis de desporto para jovens e crianças constituintes de uma organização local, com os recursos obtidos através das actividades fornecidas pelo movimento. Deste modo, o Mana Vida funciona como se fosse uma plataforma que procura fazer a ligação entre aquele que pretende fazer exercício físico e simultaneamente ajudar outras pessoas.”

O lançamento oficial do Mana Vida acontece este domingo, na Pousada de Coloane. O evento começa às 9h e prossegue até às 14h, com a realização de diversas actividades desportivas. Segue-se um pequeno-almoço, sem esquecer algumas “conversas descontraídas” sobre a temática da vida saudável.

Treinar em grupo

Cíntia e Guilherme Leite Martins pretendem atrair pessoas para treinar em conjunto. “Sabemos que não é fácil uma pessoa levantar-se e ir correr ou andar sozinha, portanto, criámos grupos e pontos de encontro para que a pessoa se sinta motivada e encontre alguém para fazer o mesmo. A parte engraçada disto é que nós procuramos sempre maneiras de incentivar um participante a formar um grupo que seja conveniente para ele e para os amigos. Existindo essa adesão, adicionamos a actividade no nosso calendário.”

Uma das opções de treino disponíveis é “You&Me”, cujas aulas têm como princípio “desenvolver a proficiência, social e emocional, a confiança e auto-estima, entre pais e filhos”.

Há ainda as opções de Body Sweat e Kickn TRX, que são “treinos funcionais realizados ao ar livre”. “São treinos que se baseiam em movimentos naturais do ser humano, como pular, correr, puxar, agachar, girar e empurrar. O praticante ganha força, equilíbrio, flexibilidade, condicionamento, resistência e agilidade”, explicam Guilherme e Cíntia.

Já a modalidade “Stroller Mania” é uma forma de exercício que pode ser feita com adultos e os carrinhos de bebé. “É algo que já se faz pelo mundo e tem o objectivo de recuperar a actividade física das mães, sem terem que comprometer o seu tempo com os filhos. As mães são ainda apresentadas a uma comunidade com um estilo de vida semelhante.”

Existe ainda a opção pelas modalidades gratuitas como corridas ou a chamada “power walk” [caminhada], em zonas como a marginal da Taipa e os diversos trilhos existentes. “Estas últimas actividades têm como objectivo incentivar o indivíduo a sair do sofá [ou da cama], conhecer lugares desconhecidos no território, aproveitar a natureza local e reforçar o espírito de comunidade.”

À procura de apoios

Com um plano semanal de aulas a decorrer, e com alguns participantes fixos, Cíntia e Guilherme Leite Martins confessam, no entanto, que tem sido difícil encontrar colaboradores. “O Mana Vida funciona maioritariamente à base da doação de tempo das pessoas e de pessoas que nos têm ajudado ao nível logístico. O processo de cativar colaborações tem-se revelado ligeiramente lento, pois leva tempo para alguém conseguir compreender como este mecanismo de solidariedade funciona.”

Foi daí que surgiu a ideia de implementar a “troca de serviços”. “Alguém que queira colaborar connosco poderá trocar os seus serviços por uma das nossas aulas. Isto capacita a pessoa a dar-se conta de que o seu talento tem importância e que também está a contribuir para a vida dos outros.”

Neste momento, o Mana Vida precisa de “treinadores qualificados, tradutores, agentes de social media, fotógrafos, produtores de som e imagem, patrocinadores e pessoas positivas interessadas em ajudar com novas ideias”.

É certo que o Mana Vida visa estabelecer laços em Macau, mas a ideia é também ir mais além. “A longo prazo, estamos a traçar um plano para lançar este projecto para fora de Macau, pois consideramos que o modelo que estamos a criar é extensível a outros locais do mundo. O querer ajudar não pode ter limites, o importante é manter-se verdadeiro e focado ao propósito deste esforço”, rematam os criadores da iniciativa.

15 Fev 2017

António Conceição Júnior: “Sou religioso no sentido mais livre do termo”

Faz este ano quatro décadas de um percurso criativo que vai da moda à pintura, passando pela fotografia. António Conceição Júnior reflecte sobre o caminho andado e o que está para vir

[dropcap]4[/dropcap]0 anos de carreira, grande parte deles passados em Macau, embora tenha conhecido algumas “aventuras” no estrangeiro. Que diferenças fundamentais encontrou e de que modo podem elas ter um determinado papel na produção artística?
Não chamaria de carreira ao meu percurso, mas antes de vivências. Macau foi fundamental para a minha consolidação como criativo. Olhando para trás concluo que fui sobretudo criativo, quer no Museu, quer nas várias áreas de design em que me envolvi. Macau proporcionou-me momentos excelentes, enquanto as minhas experiências estrangeiras em Portugal, quase empre associadas a Macau – na grande exposição “Macau 400 Anos de Oriente” inserida na Quinzena de Macau na Fundação Gulbenkian em 1980, na Coordenação das acções de Lançamento da Missão de Macau em Lisboa em 1990, entre as quais realizei a minha primeira apresentação na área da Moda, e depois na Europália em 1991 foram muito enriquecedoras, porque sempre que me foi dada carta branca, liderando projectos ou acções, estes correram muito bem. Retribuí sempre com o máximo esforço e dedicação à confiança em mim depositada. Estas vivências vieram reforçar uma sensação de confiança no modo como liderei esses projectos. Comecei muito cedo, aos 27 anos a propôr ideias e liderar projectos e quando não sou eu, confesso que sinto alguma dificuldade em me integrar porque sempre tive ideias próprias.

Nos anos 80, refundou o Museu Luís de Camões e lançou o projecto do Complexo Cultural, que não chegou a avançar. Quer explicar a ideia central desse projecto? E será que hoje faria sentido criar uma instituição desse tipo?
Um esclarecimento: O Museu Luís de Camões foi criado em 1960. Sucedi ao seu primeiro director, Luís Gonzaga Gomes, em 1978, mas fui o primeiro a tempo inteiro. Tendo regressado a Macau em 1977, o então Governador Garcia Leandro contactou-me a pedir que analisasse o panorama cultural de Macau e procurasse uma forma de divulgar culturalmente o território. Lembro que, nesses tempos, Macau não dispunha sequer de uma galeria de exposições. A resposta, após a ponderação necessária, foi que eram precisos instrumentos e que um Centro Cultural era indispensável para uma abordagem abrangente, integradora, supra-linguística, da questão cultural. O projecto ficou latente e a minha energia canalizou-se para a reformulação do próprio Museu, enquanto suporte e espaço para os artistas plásticos de Macau. Foi nessa altura que foram assinados os primeiros acordos de cooperação com o Hong Kong Arts Centre e com a Fundação Calouste Gulbenkian. Mais tarde, o Governador Carlos Melancia nomeou-me seu assessor para a cultura e convidou-me para dar forma a um Centro Cultural. Estávamos em 1988 e, nessa altura, mudei o conceito para Complexo Cultural, tendo como base aquilo que hoje se chama de “sustentabilidade”. Incluía um hotel, um centro de convenções e uma Escola de Artes, aberta não apenas a Macau mas, após estudo feito, também ao Sudeste Asiático, o que permitiria não apenas uma interactividade entre os diversos componentes do Complexo Cultural como um intercâmbio entre os alunos de diferentes origens. Por volta de 2008, fui encontrar em Xangai um Centro Cultural com um projecto idêntico, o que mais consolidou a minha convicção de que estava certo. Hoje faria sentido um Complexo Cultural se não existisse o actual Centro Cultural. Tal como tive ocasião de dizer ao último Governador de Macau, que achou então o meu projecto demasiado ambicioso, não se faz um Centro Cultural para menos de 50 anos…

Ao longo destes anos ressalta, nos numerosos artigos que escreveu, o conceito de cidadania, a que parece atribuir uma importância singular. O que é para si a cidadania e de que modo a vivência de Macau serviu para apurar esse conceito?
Tive consciência de que Macau tinha a dimensão de uma cidade-piloto onde se poderiam realizar coisas fantásticas, quando regressei e dei início ao meu trabalho no Museu. Estávamos sob administração portuguesa, sendo a maioria da população chinesa, com muita gente de passagem, oriunda quer de Portugal quer da China. A consciência de pertença à cidade era algo que importava reforçar, fixar. São de então os primeiros projectos de classificação do património, a que o arquitecto Francisco Figueira tanto se dedicou e com quem tive o prazer de colaborar, são dessa altura as primeiras campanhas de limpeza da cidade (por acaso é meu o logo e o slogan “cidade nossa, cidade limpa”que ainda hoje usamos), são de então os primeiros encontros de artistas, o aparecimento dos primeiros jornais com artigos de reflexão sobre a cidade, etc, etc. Com o tempo, e sobretudo na década de 1990, o conceito de cidadania impunha-se com mais urgência e importância, no sentido de assumpção de todos os direitos e deveres de e para com a cidade. Era fundamental reflectir sobre a consciência cívica e o papel que cada um tinha a desempenhar neste processo. Eu, ligado ao então Leal Senado e responsável pela política cultural da Câmara, estava intrinsecamente ligado à vida da urbe, encontrando na Cultura a resposta para a Cidadania.

O que acha do actual momento cultural da cidade? Somos mesmo uma Cidade de Cultura ou não passa de um slogan?
Todas as cidades são portadoras de cultura. O slogan dos anos 1990 é uma redundância. A cidade de hoje é culturalmente mais dinâmica, está dotada de mais infra-estruturas. Há cerca de 25 museus, o Centro Cultural tem uma actividade bastante intensa no que toca a espectáculos e há mais exposições. Abriu uma Cinemateca. Abriram bibliotecas em diversos pontos da cidade facilitando o acesso à leitura. Há lançamentos de livros, há debates, há Fundações que têm uma programação intensiva, há jornais e revistas como nunca houve.

A sociedade civil tem feito alguns eventos de muito interesse como a “Rota das Letras”, “This is My City”, o Albergue tem feito também inúmeras exposições. Questiono, porém, qual a fatia da população que a tudo isto acede e que identifica como seu, como necessário, como imprescindível. Está a ser feito um esforço para a elevação do nível cultural da população, mas penso estarmos ainda longe do desejável…

E na comunidade macaense, além do minchi e do chupa-ovo, o que se pode passar?
Sinceramente, não sei dizer qual será o seu futuro. Penso que, mesmo sendo pequena, deve ser considerada indispensável. A comunidade tem mostrado capacidade de se organizar em diferentes Associações, o que para mim revela a sua vitalidade, seja para a “comisaina” ou para outros fins que a agrega enquanto grupo identitário. A autenticidade deste sentir, pensar e estar na cidade enriquece o tecido social. Não nos esqueçamos de que, a meu ver, a comunidade macaense, de que orgulhosamente faço parte, é uma nação de indivíduos com histórias genéticas todas diferentes, mas unidas pela ligação umbilical a Macau.

Tem espraiado a sua criatividade por áreas diversas, da banda desenhada à fotografia, da pintura à moda, passando pelo design de espadas, entre outros. Existe alguma área em que se sinta mais à vontade ou a cada momento experimenta uma inclinação específica?
Costumo dizer que tenho as minhas “gavetas” abertas. Cada uma delas corresponde a uma área. Atrevo-me a pensar que me sinto à vontade em todas essas áreas.

Nos anos 90, muitos pensaram que, devido à sua óbvia qualidade e originalidade, a sua marca de moda acabaria por se impor a nível mundial, mas isso não chegou a acontecer. Por quê?
Abri a “gaveta da moda” no início dos anos 90, a convite do Governador Melancia, representando em Lisboa uma das potencialidades que Macau poderia oferecer. Participei na Europália, na Bélgica, tendo sido convidado para ficar pela Europa a desenvolver um projecto. Razões pessoais e familiares levaram-me a ficar por aqui, mas após este arranque demorou apenas 4 anos até ser convidado por Pequim para me apresentar com um stand e uma passagem de modelos. Levei comigo uma importante empresa portuguesa que fabricou a colecção que dei o nome “Mãe China”. Seguiu-se a minha nomeação honorífica para Consultor Honorário de Moda de Pequim e conversações nas quais reconheciam A.CEJUNIOR como um nome para a China e, com o tempo, para o mundo, oferecendo e solicitando condições que considerei estupendas para ambas as partes. Para grande espanto meu, a empresa portuguesa minha parceira recusou… Isto insere-se bem nas (des)”aventuras” que já referi. 

Por que razão se deixou enredar pela arte do trajo?
Comecei a interessar-me pelo vestuário por uma razão muito prática e particular. Quando me tornei director do Museu precisava de andar engravatado e não havia pronto-a-vestir em Macau, só alfaiates. Então, passei a desenhar as proporções dos meus fatos para um alfaiate vizinho mos confeccionar. Uma das minhas características, quando me interesso por uma coisa, é ir até ao fundo do assunto. Desmanchei casacos comprados em Portugal para ver e perceber como eram feitos. E foi uma coisa que se foi prolongando e o desenho de moda passou a surgir na ponta do lápis, aliado a leituras, referências e memórias.

De algum modo, as suas criações refaziam ou situavam-se em pontos da antiga Rota da Seda, uma ideia que o actual governo da RPC deseja reactivar. Já pensou apresentar uma proposta no sentido de dar o seu contributo para esse objectivo?
Sim, tive uma colecção chamada “Rota do Oriente”, outra chamada “Samarkanda”, e ainda outra chamada “Mandhala no Topo do Mundo”. Recordo-me que no tempo do Governador Carlos Melancia, após o êxito da minha apresentação em Portugal, em 1990, o eng. Melancia defendia a ideia de que o Governo deveria apoiar-me para lançar o nome de Macau. Na altura eu era o único. Agora isso não acontece, mas a minha Rota da Seda mantém-se, agora mais amadurecida. Curioso é que, como já contei, a apresentação em Pequim foi coroada de êxito e a própria R.P. da China me quis aproveitar.

Ou seja, admite regressar à moda ou isso são águas passadas?
Hoje em dia há muitos jovens, muitos mesmo. Todos têm sonhos. É evidente que sonhar não é um exclusivo dos jovens, mas no contexto actual não sei. A minha preocupação é sobretudo que os jovens que se querem lançar por estes caminhos se municiem com suficiente bagagem cultural que é o verdadeiro alimento para a criatividade.

Passemos à fotografia. No seu trabalho, em geral, existe uma coerência que se liga à questão do detalhe, do pormenor, como se destacasse algo do seu contexto, exibindo esse algo desconectado, em si mesmo, ou nos dissesse que há mundos dentro de mundos. Por quê este fascínio, ou se quiser, obsessão?
Não é obsessão. Fascínio admito que sim. Não encontro uma explicação lógica senão o facto de ter desenvolvido uma forma peculiar de olhar a realidade, talvez em busca de uma transcendência indecifrável. Algo que me toque plásticamente mas não só. Algo que não seja vulgar nem dramático mas que assuma uma força telúrica ou espiritual sob a forma de uma beleza plástica que não requeira explicações da minha parte.

Nas suas fotografias, parece existir uma busca de beleza primeva, pré-humana, quase divina ou simulatória da presença de Deus. Considera-se religioso? Identifica-se com algum credo actual?
Essa busca não é voluntária. Aliás ao termo busca eu preferia “encontros”. Diria que aquele que mais importância teve para mim foi “Primum Lumen”, um encontro com a luz a manifestar-se de maneiras extremamente belas e cujos registos fotográficos mostram essa beleza. Sou religioso no sentido mais livre do termo. Identifico-me com esta frase verdadeiramente primeva: “como não lhe conheço o nome, chamo-lhe Tao. Sem um nome deve ser a Mãe de todas as coisas, com um nome é o antepassado dos deuses”.

Como lê os recentes desenvolvimentos da política internacional, nos EUA e na Europa? E qual o papel da China?
Trump representa uma América desconhecida para mim e, também, um lado mais conhecido, que é o do espectáculo. A Europa por ser lado, debate-se com um dilema que há 20 anos discutia com o prof. Roberto Carneiro: qual seria o futuro de uma Europa com a migração que já se fazia sentir então, sendo a indagação feita sobre o que seriam os produtos de casamentos entre cristãos e muçulmanos. Hoje as coisas agudizaram-se profundamente. Há 20 anos não havia o DAESH. Por seu lado, tenho para mim que a China tem agido de uma forma sábia, aproveitando os vácuos criados pela nova administração americana e manifestando-se também como uma potência confiável no jogo de forças onde Putin também parece ter-se intrometido, nesta grande confusão que é o mundo actual.

40 anos depois, valeu a pena ou a vida é, fundamentalmente, uma grande chatice?
Diria que valeu e vale a pena. Tenho-me como um homem novo.

14 Fev 2017

Hong Kong recebe em Março festival para jovens leitores

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde 2012 que a região vizinha tem um Festival Internacional de Jovens Leitores (HKIYRF, na sigla inglesa). O cartaz de 2017 já foi tornado público e os bilhetes também já estão à venda. Durante dez dias, a partir de 6 de Março, escritores de renome e autores em princípio de carreira juntam-se no evento da antiga colónia britânica. Em comum têm o facto de escreverem para leitores que vão dos quatro aos 17 anos.

O festival tem como grande objectivo “encorajar as crianças e os adolescentes a descobrirem o prazer da leitura e a diversidade de livros, ao facilitar a interacção entre autores e jovens leitores, através de workshops e de sessões com os escritores”, explica a organização.

O cartaz é vasto e são muitos os convidados. Os promotores do HKIYRF destacam Sarah Brennan, de Hong Kong, autora das colecções best-seller “Chinese Calendar Tales” e “Dirty Story”. Também a norte-americana Roshani Chokshi merece uma referência especial: “The Star Maiden”, uma das suas obras, ganhou o British Fantasy Science Award.

Matthew Cooper, de Hong Kong, escreveu três livros para crianças que têm a região como espaço de acção. Sarah Davis, da Nova Zelândia, ilustrou mais de 37 livros. A sua primeira obra (também) enquanto escritora foi publicada este ano.

Além de vários autores de Hong Kong, Nova Zelândia e Estados Unidos, vão estar presentes escritores e ilustradores de Singapura, Austrália, Reino Unido e Coreia do Sul.

Acções motivadoras

O festival tem um programa especial para as escolas. “Todos os anos, levamos autores aos estabelecimentos de ensino para ajudarmos a promover os níveis de literacia em Hong Kong. Acreditamos que a literatura é – e deveria ser – uma componente essencial no ensino de línguas. Queremos contribuir para motivar os alunos dos mais diversos contextos e de diferentes níveis de leitura a desenvolverem o interesse pelos livros e pelas artes que lhes estão associadas”, nota a organização.

Do cartaz fazem também parte eventos abertos ao público em geral: estão agendados vários workshops e palestras para os dias 11 e 12 de Março. Vão decorrer na Comix Home Base, em Wanchai.

O HKIYRF é organizado pela organização sem fins lucrativos responsável pela organização anual do Festival Literário Internacional de Hong Kong.

13 Fev 2017

Arte | Vhils inaugura primeira exposição individual em Macau

Depois do mural no Consulado Geral de Portugal, Alexandre Farto regressa a Macau para uma exposição individual no território. O convite foi feito pelo Instituto Cultural

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista português Alexandre Farto, conhecido como Vhils, vai inaugurar a sua primeira exposição individual em Macau no final de Maio, revelou à Agência Lusa fonte do Instituto Cultural (IC), responsável pela organização da mostra.

“Destroços” vai ser inaugurada a 31 de Maio nas Oficinas Navais N.º1, ficando patente ao público de 1 de Junho a 5 de Novembro.

“A ideia é fazer uma reflexão sobre o meio urbano de Macau e as suas particularidades”, explicou Vhils à Lusa, em Banguecoque, indicando que, “de alguma maneira”, a ideia passa por “confrontá-la com a realidade de outras cidades”.

“Vai haver varias técnicas, não só paredes como os ‘posters’ de rua, as madeiras, o metal, ou seja, vai haver os vários ‘media’ com que trabalho e especialmente paredes no espaço público”, disse o artista.

Esta será a primeira exposição individual de Vhils na RAEM, mas a sua marca pode ser encontrada no território desde 9 de Dezembro, dia em que inaugurou um mural com uma imagem de Camilo Pessanha nos jardins do Consulado de Portugal em Macau, cidade onde o poeta viveu e morreu.

Além de ser a primeira obra do artista em Macau, esse mural constituiu também a primeira numa representação diplomática portuguesa, mas deixou de ser a única.

Desde sexta-feira passada os rostos de Banguecoque, em especial os olhos, passaram a estar gravados na embaixada de Portugal na Tailândia, através de um mural de Vhils em homenagem à relação de longa data entre os dois países, uma obra que marcou também a estreia do artista urbano no ‘país dos sorrisos’.

Pequim depois

O nome da primeira mostra individual de Vhils em Macau é idêntico ao da sua primeira na vizinha Hong Kong, inaugurada em Março do ano passado.

“Debris”, exposta no topo do Pier 4 (Cais 4), reuniu aproximadamente 50 peças, em diferentes materiais, fruto de um trabalho de quase dois anos de preparação no âmbito de uma residência artística que Vhils realizou na antiga colónia britânica.

Terá “várias intervenções” à semelhança e na continuidade da que foi feita em Hong Kong, confirmou Vhils, adiantando que, este ano, tem prevista também uma exposição em Pequim.

A mostra em Macau vai ter lugar nas Oficinas Navais N.º1, mas a ideia é que depois também haja obras espalhadas pelo espaço público. As Oficinas Navais N.º 1 foram antigamente um estaleiro, onde se produziam e se fazia a manutenção dos barcos, revestindo-se, portanto, de um significado especial na história de Macau, com um passado muito ligado ao mar. Localizado na zona da Barra, o espaço foi recentemente revitalizado e convertido num local dedicado à cultura e às artes. A primeira exposição a ter as Oficinas Navais N.º 1 como palco foi inaugurada em Dezembro último.

13 Fev 2017

Manuel Afonso Costa: “Uma parte da minha alma é oriental”

“Memórias da Casa da China e de Outras Visitas” é o mais recente livro de poesia de Manuel Afonso Costa, lançado ontem pela editora portuguesa Assírio e Alvim. A obra não representa apenas um regresso do poeta às publicações, ao fim de dez anos. É também uma forma de assumir que o Oriente, a China, lhe entrou em casa, que é como quem diz, pela alma adentro

[dropcap]Q[/dropcap]uando é que começou a pensar este livro, a escrevê-lo?
Esse livro surge numa linha de continuidade, de uma poética que lhe é anterior. Não há um momento inaugural em que tenha decidido escrever poemas que obedecem a um determinado critério ou objectivo. Não há um thelos, no sentido de finalidade, de algo que esteja definido à priori. Isso acontece, talvez, no romance, em que a pessoa se senta para contar uma história.

Para começar algo do zero.
Sim. Com a poesia, a pessoa desde que começa a escrever, a determinada altura da vida, não deixa de o fazer e acaba por ir reunindo poemas suficientes para publicar. Não tem de existir uma ruptura, um ponto final e depois o começar de outra coisa. Dentro dessa linha de continuidade, tem de haver o aparecimento progressivo de alguma coisa diferente e nova. Mas deixe-me referir que vai haver um encontro de literatura e filosofia, em Macau e em Lisboa, promovido pelo Instituto Internacional de Macau, onde vão falar da minha poesia, com o tema “O aparecer da China na poesia de Manuel Afonso Costa”. Portanto há uma realidade que aparece, que é a China, sendo que não poderia aparecer apenas a partir dos livros.

Aparece também a partir da sua vivência com a sociedade.
Exacto. Já conhecia a China, teoricamente, já tinha visto gravuras, já tinha lido livros. Já tinha tido acesso à poesia chinesa, há muitos anos, mas nada tem que ver com o choque com a realidade. Este livro fala das memórias da casa na China. Claro que não é a casa onde eu vivi, é uma casa simbólica, é o lugar China, no sentido lato, onde vivi e tive o meu espaço próprio.

A descrição do seu livro fala precisamente da casa enquanto símbolo. Metaforicamente falando, que tipo de casa é esta? É uma casa que alberga a sociedade chinesa?
Em concreto, não. Diria que a minha poesia é muito fenomenológica, está sempre muito ligada às vivências. Foi muito importante vir para o Oriente e entrar em contacto com uma realidade. Esta desafia-nos. Existe a intencionalidade da nossa consciência, mas existe também a intencionalidade quase provocatória da realidade sobre nós. A realidade estimula-nos a reagir. Viver aqui, numa sociedade com um grafismo e arquitectura diferentes… Mas não me refiro só a Macau, embora seja o elemento predominante, porque foi o sítio onde passei os meus últimos anos de Oriente. Fui muitas vezes a Hong Kong nos anos 90 e vivi quase um ano em Zhuhai. Então é todo o conjunto que me estimula. Quando me refiro à casa, é uma casa simbólica. Não é essa casa, com a sua arquitectura própria. Ela é concreta porque está plantada num lugar diferente, um lugar cuja entourage [o que está à volta] é diferente. Refiro-me a uma parte do mundo onde vivi grande parte da minha vida, e a nossa vida é toda feita de casa em casa.

De vivência em vivência.
Vamos deixando nessas casas um bocado de nós enquanto lá vivemos. Ficam ligadas a elas todas as memórias. É em casa que escrevemos (eu pelo menos), amamos, cozinhamos, dormimos. A casa desempenha um papel extraordinariamente rico nas nossas memórias. A casa é opaca, está de alguma maneira fechada, uns afectos abrem-se, outros nem tanto. Ao mesmo tempo, a realidade exterior entra pelas paredes da casa. Se não, viveria aqui como se estivesse a viver em Lisboa ou em Paris. Estamos permanentemente em contacto com uma língua diferente e um grafismo diferente. Uma das coisas que mais me impressionou foi andar meio perdido por certas zonas de Macau, onde são ostensivos e quase histéricos os painéis publicitários mostrados ao exterior. Isso dá uma certa geometria estética, colorida, de luz e caracteres, algo extraordinariamente intenso. É essa realidade que entra em contacto com a casa, que entra dentro de nós. E quando escrevemos ou pintamos, enquanto artistas, damos conta dessa transmigração das realidades.

Disse que este livro é o resultado do que tem vindo a publicar até aqui. A última obra intitula-se “Caligrafia Imperial e Dias Duvidosos”. Passou de uma referência à caligrafia, um elemento muito característico da cultura chinesa, para essa vivência da China. De que forma é que estas obras se interligam?
Têm um ponto em comum. O livro “Caligrafia Imperial e Dias Duvidosos” tem cerca de 17 poemas que publiquei numa revista de cultura, sendo uma réplica literária minha do quadro dos tributários que está no museu em Taipé, uma obra de um imperador chinês do século XVIII. É uma obra chinesa, megalómana, e sensibilizou-me muito, tal como a Cidade Proibida e as Muralhas da China. Depois dou-lhe o nome de caligrafia [ao livro] porque um dos elementos do quadro dos tributários é a caligrafia: há uma gravura e há um texto. Com isso o imperador captou toda a realidade, que não conseguiu captar com os sentidos. Foi uma das primeiras formas de ligação à cultura e sociedade chinesa, e à grandeza da poesia e cultura chinesas. Há uma continuidade porque os primeiros poemas deste livro [Memórias da Casa da China e de Outras Visitas] também foram publicados na revista de cultura, na minha segunda passagem pela China. Estes novos poemas não abordam o quadro dos tributários, mas fazem referência a alguns poetas chineses e à literatura chinesa. O modo de dizer da poesia chinesa é sempre mais sentencioso do que o nosso e esse é um aspecto que me sempre atraiu. É uma poesia despojada, onde as coisas aparecem como se fossem sentenças, mas depois não são para ler à letra. Contém outra realidade e sou sensível a essa ironia muito bem disfarçada e austera da poesia chinesa. Chamei-lhe casa pela simples razão de que agora tenho o direito de me referir a uma casa na China.

Ao fim de tantos anos…
Já tenho uma parte da minha alma que é oriental. Eu já tenho uma casa na China. Acharia pretensioso se dissesse isso em 1994, tendo acabado de chegar a Macau. Passou muito tempo, com tantas experiências, e tendo uma parte da minha vida que ver com esta realidade, posso dizer que tenho uma morada no Oriente.

O livro “Caligrafia Imperial e Dias Duvidosos” foi publicado em 2007, há exactamente dez anos. Porquê esse interregno?
Muitas pessoas me perguntam isso. Creio até que este livro é melhor do que o anterior, e acredito que o próximo venha a ser melhor que este. Houve uma continuidade de escrita, fui apurando, em termos de savoir-faire, que é muito importante. Há uma maneira de fazer, com prática, experiência e continuidade. Não vou ser hipócrita: nunca deixei de ler e escrever. A escrita e a poesia são as maiores paixões da minha vida. Acontece que não paro muito em lado nenhum. Estive em Macau de 1993 a 2000, depois fui-me embora, estive em França, nos Estados Unidos, e desde 2011 vivo em Macau. Perco os contactos, as rotinas. Depois tive duas filhas, fiz o doutoramento, algo megalómano, e não tendo nunca deixado de escrever, fui pondo um pouco de lado as questões mais burocráticas. Isso porque é mais fácil escrever do que publicar. Os livros deveriam aparecer publicados por milagre. Gosto infinitamente mais de escrever e ainda mais de ler.

É também crítico literário. É algo que falta em Macau?
Sim, mas não é só em Macau. Temos de ser justos. Em Portugal a crise nesse domínio é avassaladora. E a poesia está, em larga medida, a desaparecer das livrarias por esse mundo fora. Em França escreve-se e publica-se muito pouca poesia.

Como explica isso?
Há uma tendência clara de uma crise das humanidades, está tudo interligado.  O fim do latim e do grego para mim é catastrófico, e basta ler o George Stein [crítico literário] para se perceber porque é que é catastrófico. Há um desinvestimento nas áreas literárias, e os jornais são um espelho da sociedade. Fala-se da crise, dos números, das taxas. Houve um tempo em que todos os jornais, na sua maioria, tinham suplementos literários. Eu, que era uma pessoa com poucas posses, comprava sempre esses suplementos, que eram autênticos dossiers que tinha em casa. Os críticos eram verdadeiros profissionais, criticavam o que gostavam e o que não gostavam.

10 Fev 2017

Three Phantoms estreia dia 28 no Parisian

A classe mundial dos musicais promete encantar as noites de Macau. O Teatro do Parisian é a casa que recebe o espectáculo Three Phantoms, um musical que reúne alguns dos melhores momentos de “O Fantasma da Ópera”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] próximo mês promete agitar a agenda dos fãs de musicais de Macau, assim como de todos os turistas que visitem o Cotai. De 28 de Fevereiro a 26 de Março, o Teatro do Parisian recebe o musical “Three Phantoms”, abrilhantado pelas estrelas que subiram ao palco para interpretar “O Fantasma da Ópera”.

O evento promete abalar as fundações do casino, reunindo uma compilação de músicas que fazem parte do afamado musical do reportório de Andrew Lloyd Webber. Já foi descrito como a melhor noite de gala de teatro musical alguma vez escrito, numa produção que promete deslumbrar os espectadores. Com milhares de performances enquanto fantasmas na famosa peça que encantou as “mecas” dos musicais West End e Broadway, vão subir ao palco três performers: Kieran Brown (Estados Unidos), David Shannon (Irlanda) and Earl Carpenter (Inglaterra).

Earl Carpenter tem uma longa e bem-sucedida carreira internacional, desempenhando papéis principais nalguns dos maiores sucessos musicais do último quarto de século. No seu currículo tem espectáculos de relevo como “Os Miseráveis”, “As Bruxas de Eastwick”, “Sunset Boulevard”, “Evita” e “A Bela e o Monstro”. Carpenter é também o dono e director criativo da Ginger Boy Productions, através do qual foi criado e dirigido este espectáculo que chega ao Teatro do Parisian.

No total, subirão ao palco dez cantores e bailarinos de renome mundial, naquele que tem sido um espectáculo com aclamação crítica, assim como um sucesso junto do público por onde a tournée tem passado. A sessão será acompanhada pela Concert Philharmonic Orchestra. Segundo a nota de imprensa sobre o evento, as performances, a encenação cuidada ao detalhe e o espectáculo de luzes evocaram o drama e a excitação que as músicas merecem.

Os bilhetes estarão à venda a partir de hoje em todas as bilheteiras do Cotai Ticketing, com um preço de 180 patacas.

9 Fev 2017

Teatro | CCM estreia este fim-de-semana a comédia “Idiot”

Com “Idiot”, a companhia teatral de Macau Canu Theatre traz-nos um espectáculo de comédia onde não há diálogo e em que as expressões corporais, à maneira da personagem Mr. Bean, fazem tudo o resto

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Japão, uma mulher coloca um anúncio para recrutar um rapaz que lhe faça uns recados durante o dia e tudo o que ela pedir. Um jovem decide responder para ver o que acontece mas, se para uns essa decisão pode ser idiota, para outros pode ser apenas algo diferente. Quem são, afinal, os idiotas do nosso dia-a-dia? É este o mote para a história de “Idiot”, a mais recente produção da companhia teatral local Canu Theatre, que estreia na próxima sexta-feira no Centro Cultural de Macau (CCM), com mais um espectáculo agendado para sábado.

O público poderá ver um exemplo de teatro físico de comédia, sem diálogo entre os seus personagens. Joyce Chan, produtora do espectáculo, contou ao HM que tudo começou em França, onde estudou com Sami Abu Wardeh, actor que dará corpo à personagem principal. Lá teve o primeiro contacto com a forma de interpretação utilizada pelos palhaços e percebeu que tinha de fazer um espectáculo com estes elementos. Daí até à viagem ao Japão, onde viu um anúncio semelhante ao que deu mote à peça, foi um passo. “Os palhaços não fazem propriamente uma interpretação, mas fazem bastantes gestos e usam muito o corpo para transmitir mensagens. Mostram-se bastante ao público, é algo que vem de dentro, intimista. É diferente dos guiões que escrevemos para outro tipo de personagens”, explicou a autora de “Idiot”.

A opção por um espectáculo de comédia acabou por ser natural. “Durante o meu curso tivemos aulas sobre comédia e tragédia. Sempre que fazia trabalhos na área da comédia, e via as reacções do público a rir, sentia-me muito satisfeita, percebia que o público reagia de forma entusiástica ao que via. Pensei também que em Macau não há muitos espectáculos de comédia, então achei que seria uma boa oportunidade para trazer estes elementos para cá e fazer com o que o público local tenha acesso ao que aprendi em França.”

A inspiração de Mr. Bean

Sendo a primeira vez que pisa os palcos de Macau, Sami Abu Wardeh, londrino, revela-se expectante sobre um projecto que considera único. “Tem sido incrível trabalhar neste espaço e ter acesso a todas estas infra-estruturas. Temos muita liberdade para experimentar coisas diferentes”, disse. “Este tipo de interpretação, para mim, é mais honesto, temos mais liberdade, porque a maior parte das interpretações são isso mesmo, interpretações no sentido mais estático. Estou feliz por estar neste projecto. É algo alternativo sob várias formas, não vemos muitos projectos como este”, contou o actor ao HM.

Para Sami Abu Wardeh, a inspiração para compor o “idiota” veio de dois anos de trabalho com Joyce Chan, e também do famoso personagem da série televisiva Mr. Bean, interpretado por Rowan Atkinson. Joyce Chan admitiu que teve de fazer algumas adaptações ao público de Macau na hora de escrever a peça. “O início do projecto não foi fácil porque, no estrangeiro, a reacção à comédia é diferente, muitas vezes é difícil compreender o que é engraçado e o que não é, então fiz algumas adaptações para o público de Macau. Combinei vários elementos.” Fazer um espectáculo sem diálogo é, para Joyce Chan, uma forma mais libertadora de representar. “Uma performance sem linguagem oral é importante porque temos vários actores estrangeiros e usamos muitos gestos e expressões corporais. É uma forma bonita de contar uma história. Espero que as pessoas possam ter uma nova perspectiva, de que uma peça sem diálogo pode funcionar.”

Rir em Macau

Sendo a comédia um género pouco comum em Macau, Joyce Chan espera mudar mentalidades e aproximar o público a um tipo de espectáculo que é raro acontecer no território. “As pessoas gostam de comédia. Tudo depende do pensamento pessoal de cada produtor e a dimensão que pretende trazer para o público. Todos podem ter humor nos seus corações, todos podem sorrir. As pessoas de Macau vão gostar muito deste espectáculo”, apontou. Na calha está uma nova peça, também de comédia, mas mais virada para a crítica do panorama político local. Joyce Chan revelou estar confiante. “No curso abordámos também outro conceito de comédia com base na crítica política, onde exageramos expressões corporais. No futuro gostaria de fazer um espectáculo assim. O Governo de Macau dá-nos a liberdade para falarmos e esse espectáculo que quero fazer é uma forma leve de fazer comédia sobre questões políticas, por isso é que acredito ser possível levar esse projecto avante.”

8 Fev 2017

IIM lança livro sobre evolução económica da região do Delta do Rio das Pérolas

 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ublicado em inglês, sob a chancela editorial do Instituto Internacional de Macau (IIM), “Pearl River Delta – From the World Factory to Global Innovator”, é um livro que estuda o desenvolvimento económico de Cantão, Shenzhen, Foshan, Dongguan, Huizghou, Zhongshan, Jianmen, Zhuhai e Zhaoqing.

Este livro surge na sequência de outros oito volumes, um sobre cada grande cidade, escrito por Thomas Chan, especialista na zona em análise, consultor do Executivo de Hong Kong e do Governo chinês, e por Louise do Rosário, jornalista do Economist. Gonçalo César de Sá, do Macaulink, foi o coordenador da obra.

Mas porquê focar a atenção nesta zona? “Vivem nesta região cerca de 60 milhões de pessoas e achámos que pode ser mais utilizada pelos empresários de língua portuguesa. Existe tudo aqui no sul, este é o grande motor económico da China”, explica César de Sá. Dar a conhecer estas cidades pode despoletar oportunidades de investimento, de criação de parcerias entre empresários de países de língua portuguesa e os seus congéneres chineses do Delta do Rio das Pérolas. Outro dos objectivos passou por transmitir aos empresários portugueses o conceito de desenvolvimento económico local “e dizer: aprendam”, esclarece o coordenador do livro.

Uma ponte económica

Depois da publicação dos oito livros em língua portuguesa, para cada uma das cidades acima elencadas, faltava um que somasse tudo. O problema é que, com o rápido desenvolvimento da zona, as oito publicações em língua portuguesa estavam completamente ultrapassadas. Dessa forma, o IIM resolveu fazer um novo livro, desta vez em inglês, para alargar o público-alvo que estava limitado aos países de língua portuguesa.

A obra já inclui as novas directivas da China para o desenvolvimento da zona. Analisam-se os planos de “integração e criação de uma megalópolis que vai abarcar tudo, desde Guangdong, até Hong Kong e Macau tornando isto uma zona de grande desenvolvimento”, comenta o coordenador do livro.

Neste âmbito estão também grandes obras públicas, como a ponte Hong Kong – Macau – Zhuhai. Para Gonçalo César de Sá, esta obra é “apenas uma pequena peça do puzzle da grande integração económica. Outras peças serão, por exemplo, “a linha de caminho-de-ferro rápida que vai ligar Zhuhai a Cantão, que mais tarde ligará a Hengqin, finalmente entrando em Macau com o metro. Um exemplo de que os chineses planeiam a longo prazo e cumprem a curto prazo”, explica César de Sá.

8 Fev 2017

Hélder Beja, director de programação do Rota das Letras: “É a maior edição do festival”

Já mexe a sexta edição do Festival Literário de Macau. Entre os principais convidados do Rota das Letras contam-se os finalistas de 2016 do Man Booker Prize Madeleine Thien e Graeme Burnet, assim como o escritor chinês Yu Hua. Sérgio Godinho apresenta o seu primeiro romance. Falámos com Hélder Beja, fundador e director de programação do festival.

[dropcap]O[/dropcap] que podemos esperar desta edição do Rota das Letras?
Esta é, de longe, mais uma vez, a maior edição de sempre do festival. Volta a crescer em relação ao ano passado, o que achávamos que não seria possível, mas que acabou por acontecer. Houve uma série de sinergias que levaram a que o festival pudesse crescer, assim como convidados que queríamos e que conseguimos trazer. Na literatura, que é o ‘core’ do festival, diria que o grande destaque de todos é a vinda de Yu Hua a Macau. Para mim, é um dos maiores autores chineses vivos. Do ponto de vista pessoal, é o que mais admiro dos autores da literatura chinesa contemporânea. É um excelente romancista, tem romances como “To Live” e “Brothers”, mas é também um grande ensaísta. O livro que mais gosto chama-se “China in Ten Words” e, ao que parece, vai ser editado em português brevemente. É, para mim, o grande destaque deste ano da programação, pelo menos em língua chinesa.

E em português?
Na língua portuguesa, conseguimos trazer, finalmente, o Pedro Mexia, que já estava para visitar o festival no ano passado. Não pôde, mas vem este ano. É um dos grandes intelectuais do seu tempo, um bom poeta e muito bom crítico literário. Será um prazer tê-lo por aqui, porque é um homem da renascença, pode falar um pouco de todas as coisas.

Que outros autores salienta no cartaz deste ano?
Na programação internacional, estamos muito contentes por termos assegurado a vinda de dois finalistas do Booker, são dois autores bastante interessantes. A Madeleine Thien tem um background relevante com relações familiares à Ásia. O seu último livro, que foi nomeado para o Booker – “Don’t Say We Have Nothing” – é a história de uma família chinesa que atravessa a Revolução Cultural. O livro é muito musical. É a história de um músico que, como outros artistas durante a Revolução Cultural, foi completamente desacreditado, perdeu um bocado o chão e foi tido como burguês. É uma narrativa muito interessante que atravessa três gerações. Depois temos Graeme Burnet, num estilo completamente diferente. O romance que o levou à final do Booker passa-se no século XIX, tem uma linguagem um bocadinho arcaica, mas uma voz narrativa incrível porque é a voz de um miúdo de 17 anos que cometeu um triplo homicídio. O que lemos são as memórias que ele teria escrito enquanto aguardava julgamento. São dois autores que saltaram para a ribalta este ano com as nomeações para a short-list de cinco livros do Booker e que, acho, nos próximos anos vão afirmar-se no panorama internacional. Estavam ambos a fazer festivais aqui na região e conseguimos trazê-los cá.

O festival caminha para a profissionalização a passos largos.
Acho que está à porta da rota dos grandes festivais literários, e este ano vamos dar vários passos nessa direcção. Em primeiro lugar, porque começámos a trabalhar numa rede de contactos com outros festivais. Por exemplo, este festival de Adelaide, onde conseguimos estes dois convidados para Macau, assim como a parceria que estabelecemos com o novo festival de Cabo Verde, o Morabeza, que está a nascer agora. Algo que também queremos fazer é desenvolver o festival dentro do espaço lusófono. O número de nacionalidades no festival também sobe, este ano temos autores de 20 países e regiões. Outro dos aspectos no caminho para a profissionalização é termos mais visitas de jornalistas de vários países como, por exemplo, os meios de comunicação dos países de origem dos convidados, não só aqui a imprensa da região. Acho que este ano estamos a conseguir que o festival se afirme, nos próximos dois/três anos o festival estará, seguramente, num roteiro de festivais que têm os principais nomes de literatura contemporânea. Por aí passará, obviamente, ter prémios Booker com regularidade, Pulitzers e, eventualmente, ter aqui um prémio Nobel. Não é o desígnio do festival mas gostaríamos de ter, pela qualidade dos autores e pela projecção.

Este ano o festival aposta também na banda desenhada.
Temos pensado para os próximos anos temas como humor e a ficção científica. O grafic novel e a BD faziam parte desse grupo e este ano, de repente, havia um grupo de dois ou três autores e a ideia começou a fazer sentido. O Filipe Melo vem cá, o que é para nós muito bom. Vem também o Philippe Graton, filho de Jean Graton, que tem a série Michel Vaillant. Neste caso tudo começou com a relação que ele tinha com Macau. Percebemos que o Philippe estaria disponível para vir e que poderia mostrar os originais do álbum “Rendez-vous à Macao”. Achámos maravilhoso poder fazer isso aqui. Depois começámos a montar um pequeno programa à volta disso. O Dick Ng vem de Shenzhen, mas vive em Hangzhou, conheci-o num pequeno festival em Cantão onde fui há uns meses. Fiquei muito impressionado com ele porque é um jovem chinês que fala muito bem inglês e que se dedica a fazer tiras de comics, acima de tudo, online, onde tem mais de 50 mil seguidores. A BD nunca tinha feito parte do festival de uma forma consistente, é uma novidade este ano.

Tem sido mais fácil conseguir convidados de renome?
Sim, é muito mais fácil porque quando fazes o convite a um autor, por exemplo, da dimensão do Yu Hua, ou da Madeleine Thien, o lastro do festival conta muito. O facto de termos tido no ano passado o Adam Johnson foi muito importante para conseguirmos este ano estes autores. Não estou a dizer que não viriam, mas claro que as pessoas informam-se, querem perceber que festival é este, e cada vez será mais fácil ter convidados com maior notoriedade.

Uma das estrelas do cartaz será Sérgio Godinho.
É uma coisa maravilhosa ter cá o Sérgio Godinho, que vem com o seu primeiro romance, editado pela Quetzal, uma editora amiga do festival. A vinda do Sérgio Godinho foi uma coincidência de timings, ele vai lançar o romance agora em Fevereiro, estará a apresentá-lo em Portugal, a dar entrevistas e depois segue logo para cá. Enfim, ele é um dos grandes cantautores da nossa língua. Obviamente, um bom poeta, não só nas letras, mas também no que tem publicado de poesia. Já tinha arriscado no conto e agora, já com a idade que tem, decide ainda arriscar no romance. Acho que é a prova de que é um artista tremendo.

Vem apenas apresentar um livro?
Não, vamos ter, também, um concerto dele. Temos dois actos musicais, ambos no Teatro do Venetian, um a 15 e outro a 16 de Março. O Sérgio Godinho com um companheiro de palco ao piano, num concerto mais intimista. Ele esteve cá há pouco tempo e houve a preocupação de fazer um concerto diferente. Depois a Christine Hsu, que é uma cantautora de Taiwan, com um repertório mais virado para as baladas, muito do agrado do público chinês. Este ano temos estes dois concertos, já houve edições em que tivemos mais música do que este ano, mas estamos muito contentes com os dois nomes que temos para esta edição.

Como vê a evolução do festival desde a fundação?
É um projecto difícil de qualificar, do ponto de vista pessoal porque, basicamente, abalroou os últimos seis anos da minha vida. Isso tem coisas muito positivas, e outras menos. Sempre acreditámos que o festival poderia crescer, mas talvez nunca tenhamos pensado que pudesse crescer tanto, em tão pouco tempo. Quando olho para o festival, não só em termos de dimensão, mas do impacto, projecção e qualidade, e vemos o que está à nossa zona em termos de festivais literários, acho que este trabalho é muito especial e muito bom. Começou muito pequenino, no Instituto Politécnico de Macau, com muito pouco know-how, a cometer erros naturais e evidentes quando se quer fazer uma coisa arriscada. No segundo e terceiro anos houve dores de crescimento e, a partir do quarto ano, a coisa começou a correr mesmo bem. O terceiro ano foi o da explosão em termos de impacto, porque o cartaz era incrível. De Portugal tivemos Ricardo Araújo Pereira, Valter Hugo Mãe, Dulce Maria Cardoso, José Eduardo Agualusa, etc. Um programa que nunca mais acabava. Mas para nós, organizadores, é no quarto ano que sentimos que o festival amadurece. No ano passado, o quinto, muito bem, e agora estamos na sexta edição. Diria que o balanço é muito positivo. Em 2016 dizíamos que não queríamos crescer muito mais, e não queremos. Em termos de sessões não cresce de certeza, no ano passado foram 104 sessões ao todo.

Então, quais os desafios que o festival tem pela frente?
O que queremos a partir de agora, e que já fazemos este ano, é alargar o festival com outros pequenos projectos. Estabelecer parcerias, uma delas com o festival Morabeza, em que a partir deste ano teremos um escritor de Cabo Verde a visitar o festival de Macau, e vice-versa. Acho que será importante para a literatura de Macau mostrar-se noutros países do espaço da lusofonia. Temos também uma parceria com a Universidade de Macau, que começa este ano, para uma residência literária, que arrancará com uma autora de Singapura. Desta vez a residência é curta, serão apenas duas semanas antes de a autora começar a participar no festival, mas queremos que seja mais longa e que desagúe no festival. Outra coisa que gostaríamos de fazer é criar no futuro, em parcerias com instituições de ensino, uma bolsa de tradução literária para um aluno interessado em desenvolver as suas capacidades na tradução português-chinês, chinês-português, de literatura, algo que não há. Há muitas opções em termos de cursos de tradução mas são todas elas, praticamente, só técnicas. Gostávamos de dar esse contributo. Outra coisa que começou no ano passado, e que queremos fazer mais em 2017, é que o festival tenha episodicamente pequenos eventos ao longo do ano.

Haverá também lugar à actualidade.
Sim, darem um pouco de atenção aos assuntos actuais, o festival também quer posicionar-se aí e discutir temas mais prementes, criar uma zona em que um tema da actualidade esteja presente. Isto começou com certos convidados que conseguimos confirmar e, depois, começámos a construir um programa à volta deles. A Clara Law, nascida cá, tem um documentário – “Letters to Ali” – sobre os refugiados afegãos na Austrália. Foi talvez o ponto de partida. De repente percebemos que havia a possibilidade de trazer o Henrique Raposo e o José Manuel Rosendo para falarem sobre o Médio Oriente, o terrorismo e as migrações. Depois temos também a Sanaz Fotouhi, que foi produtora de um documentário de mulheres afegãs refugiadas. Tudo isto começou a compor-se e a fazer sentido. Não digo que há seis meses este tema estivesse na nossa cabeça, mas acabou por aparecer e faz todo o sentido discutir isto neste momento.

7 Fev 2017

Exposição | Realidade das empregadas de Hong Kong em Lisboa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] realidade das empregadas domésticas filipinas que residem em Hong Kong vai estar exposta em Lisboa na exposição “Arquivo e Democracia”, com fotografias de José Maçãs de Carvalho. A iniciativa estará patente no novo Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia e é inaugurada amanhã.

“José Maçãs de Carvalho. Arquivo e Democracia”, com curadoria de Ana Rito, reúne trabalhos fotográficos e videográficos da obra do fotógrafo num projecto desenvolvido no oriente. A exposição documenta um acontecimento protagonizado por uma comunidade de empregadas domésticas filipinas, que se reúnem nas ruas do centro de Hong Kong, habitando-as como se de uma casa ou um quarto se tratasse, fazendo coincidir o espaço público com o espaço privado.

“As filipinas são imigrantes e ocupam o último lugar da pirâmide social de Hong Kong. São as empregadas domésticas dos chineses, ganham miseravelmente e não podem, nem em grupo, alugar quartos. Por isso dormem nas casas onde trabalham, nas cozinhas, em camas desmontáveis. Têm um dia de folga que é o domingo e invadem, literalmente, o centro da cidade”, explica o artista numa nota sobre a exposição.

A exposição “Dimensões Variáveis”, também inaugurada amanhã no MAAT, tem curadoria de Gregory Lang & Inês Grosso e vai propor “um novo olhar e novos diálogos sobre a relação entre artistas e arquitectura”, com obras de mais de 40 artistas e arquitectos portugueses e estrangeiros.

6 Fev 2017

Cinema | Joshua Wong em documentário “inspirador” para norte-americanos

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m documentário sobre o jovem de Hong Kong que fundou o movimento Scholarism está a dar que falar nos Estados Unidos. “Joshua: Teenager vs. Superpower” foi distinguido com o prémio do público Sundance Film Festival

O activista Joshua Wong, que se tornou o rosto dos protestos pró-democracia em Hong Kong há dois anos, quando ainda era um adolescente, é a estrela de um documentário que está a inspirar os norte-americanos, conta a Agência Lusa.

Assinado pelo cineasta Joe Piscatella, “Joshua: Teenager vs. Superpower” é o novo documentário sobre o jovem activista de Hong Kong, que no final de Janeiro conquistou o prémio do público no Sundance Film Festival na competição dedicada ao World Cinema Documentary.

“A reacção [do público norte-americano] foi muito, muito boa. (…) Tivemos conversas muito interessantes nas sessões”, disse à Lusa o também activista de Hong Kong Derek Lam, que acompanhou Joe Piscatella e Joshua Wong ao Sundance Film Festival, nos Estados Unidos.

O documentário, que acompanha o activismo de Joshua Wong, aborda directa e indirectamente vários acontecimentos relacionados com a sociedade chinesa, incluindo a repressão estudantil na Praça de Tiananmen, a 4 de Junho de 1989, em Pequim, e a transição de Hong Kong da soberania britânica para a China, a 1 de Julho de 1997, explicou Derek Lam.

“Este filme é uma introdução muito boa sobre a situação política em Hong Kong”, para aqueles que se interessam pela “história ou em saber por que é que é uma cidade tão diferente de outras na China”, disse.

“O ponto principal” é que o público ocidental “vai ficar a saber mais sobre a situação política em Hong Kong”, disse Derek Lam, afirmando que “talvez o mais importante” é que o filme inspira as pessoas a lutar pela defesa dos ideais em que acreditam.

Milhares de pessoas têm-se manifestado nos Estados Unidos em protesto contra a eleição, tomada de posse, e medidas de Donald Trump desde que é Presidente.

“Muitas vezes nas sessões de perguntas e respostas [após a exibição do filme] falavam do Presidente [Donald] Trump e perguntavam-nos o que podiam fazer. Talvez este filme lhes dê alguma inspiração: se queres mesmo mudar a tua situação, é altura de te afirmares”, disse.

Em Hong Kong nem por isso

Além da distinção no Sundance Film Festival, o documentário “Joshua: Teenager vs. Superpower” foi seleccionado pela Netflix, serviço norte-americano de televisão pela Internet.

Já a exibição em Hong Kong é vista como “difícil” por Derek Lam. “As salas de cinema têm uma autocensura muito grande. É quase impossível”, disse.

No ano passado, o filme “Ten Years”, sobre a próxima década em Hong Kong sob a influência chinesa – eleito “melhor filme” nos Hong Kong Film Awards –, foi um sucesso de bilheteira até ter sido retirado das salas de cinemas da antiga colónia britânica pelo que vários observadores apontaram como razões políticas.

Nascido em 1996, Joshua Wong era um aluno do secundário quando, aos 14 anos, fundou o grupo estudantil Scholarism, que liderou a luta contra a disciplina de Educação Nacional que o Governo de Hong Kong pretendia introduzir nas escolas em 2012.

Joshua Wong continuou os protestos de rua, ficando internacionalmente conhecido como o rosto das manifestações pró-democracia e em prol do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo que paralisaram várias zonas de Hong Kong durante 79 dias em 2014.

Esses protestos, conhecidos por “Umbrella Movement” [Movimento dos Guarda-Chuvas], acabaram, no entanto, por ser desmobilizados pelas autoridades, sem qualquer concessão por parte do Governo, mantendo-se o ‘status quo’ na escolha do líder da cidade por um colégio eleitoral de apenas 1200 membros, a maioria ligados a interesses pró-Pequim.

Em 2016, Joshua Wong co-fundou o partido político Demosisto, que defende a realização de um referendo sobre a “autodeterminação” e o futuro estatuto de Hong Kong após 2047.

Em Setembro, o Demosisto elegeu Nathan Law, de 23 anos, como o mais novo deputado de Hong Kong. Na altura, com apenas 19 anos, Joshua Wong não se candidatou por não ter a idade mínima exigida de 21 anos.

O agora estudante universitário de 20 anos continua também a participar em fóruns e palestras, tendo sido notícia quando foi impedido de entrar na Malásia e Tailândia, e já este ano atacado em Taiwan, juntamente com outros activistas e deputados, por manifestantes pró-Pequim. “Não ganhámos a última batalha”, disse, afirmando, no entanto, que continua “optimista em ganhar a guerra”, disse à AFP Joshua Wong.

6 Fev 2017

Arte | Decreto de Donald Trump mina exposições e intercâmbios

A decisão de barrar a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de vários países muçulmanos está a ter consequências práticas aos mais diversos níveis. Há curadores e artistas com projectos que passaram a ser impossíveis. Existe ainda o receio de que Donald Trump acabe com o financiamento para a arte

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] alerta é deixado por artistas e curadores que trabalham com arte do Irão: a impossibilidade de acesso aos Estados Unidos para aqueles que constam da lista de países malditos definida por Donald Trump está a ameaçar o intercâmbio, a organização de exposições e a realização de residências artísticas.

O Art Newspaper conta que dois artistas iranianos cancelaram uma viagem dos Estados Unidos para o Canadá, com receio de terem problemas no regresso a casa, apesar de serem detentores do cartão de residência permanente. Iam à cerimónia de inauguração de uma exposição de arte contemporânea no Museu Aga Khan.

A publicação explica que até mesmo os cidadãos iranianos que têm passaporte americano ou os que residem nos Estados Unidos há muitos anos se sentem ameaçados e inseguros. Para reforçar a sensação de incerteza, as notícias que dão conta dos planos da Administração Trump em relação ao fundo nacional para as artes: diz-se que o Presidente quer acabar com este mecanismo.

O responsável pela revista online Reorient, Joobin Bekhrad, cancelou, por enquanto, as viagens para os Estados Unidos. Bekhrad faz um trabalho significativo na divulgação da arte do Médio Oriente e tem dupla nacionalidade – é iraniano e canadiano. “Dizem que, por ser também canadiano, não devo ter razões para me preocupar, mas não acredito”, explica. “Vou sentir falta de ir a exposições, mas penso que não valem a humilhação.”

Sanções para a arte

Têm sido realizadas várias exposições importantes de artistas iranianos nos Estados Unidos. O Warhol Museum confirmou esta semana que vai para a frente com uma mostra do artista iraniano (também com nacionalidade americana) Farhad Moshir, programada para Outubro. “O artista aborda tradições e o isolacionismo histórico do Irão, demonstrando, em simultâneo, o poderoso apelo e influência da cultura ocidental no seu país natal”, declarou um porta-voz do museu.

Já a curadora Roya Khadjavi-Heidari que, no ano passado, organizou uma exposição de arte iraniana e cubana no nova-iorquino Rogue Space, admite estar preocupada com um projecto que tem em mãos: uma iniciativa agendada para Abirl, composta por 30 trabalhos de três irmãos do norte do Irão, Morteza, Mojtaba e Sina Ghasemi.

Khadjavi-Heidari está fortemente envolvida em programas de intercâmbio cultural e o decreto presidencial tem um forte impacto no seu trabalho. “Julgo que não se pensou nas consequências, é uma medida que vai trazer muitas complicações. A arte nunca fez parte das sanções, sempre conseguimos trazer obras com alguma facilidade”, aponta. “Estou preocupada. Será impossível a estes três artistas conseguirem os vistos de entrada.”

Em Paris, a curadora Leila Varasteh recorda que, mesmo sem a iniciativa de Donald Trump, já era difícil fazer chegar ao Ocidente obras de artistas iranianos, por causa das sanções a Teerão propostas pelos Estados Unidos e que os países europeus subscreveram.

“É difícil ir buscar arte e não posso pagar aos artistas porque, se o fizer, congelam as minhas contas bancárias”, explica. “Durante a Administração Obama, houve ainda uma pequena esperança que agora desapareceu. É uma pena porque as trocas culturais entre os Estados Unidos e o Irão eram fantásticas. Tudo aquilo que vem do Irão está a ser cancelado, de dentro do país e também dos iranianos que vivem no estrangeiro.”

Ainda assim, os protestos nos Estados Unidos e na Europa contra as novas interdições de entrada em solo norte-americano fazem com que Leila Varasteh diga que “a esperança está a voltar aos poucos”.

Medo de estar, medo de sair

Nascida no Irão, a artista Bahar Behbahani vive em Brooklyn e tem dupla nacionalidade. Com uma exposição neste momento em New Hampshire, confessa não se sentir segura, não obstante o facto de ter passaporte norte-americano.

Behbahani tem sido aplaudida por uma série de trabalhos que têm por base os jardins persas. Em 2007 fez um filme sobre uma mulher no Irão que observa um jardim perfeito, mas fá-lo de pernas para o ar. Na semana passada, diz a artista, teve a mesma sensação de deslocamento e estranheza nos Estados Unidos. “Quase dez anos depois, senti-me de novo ao contrário. Na última semana senti-me confrontada com a minha nacionalidade, mas também com o facto de ser artista. Não é relevante de onde se vem, quando nos sentimos ameaçados com as notícias de que o fundo para as artes poderá ser eliminado. Isso também é uma ameaça”, afirma. “Não sou só eu a ter esta sensação. Há tantos americanos que se sentem também de pernas para o ar, em vários aspectos. São tempos difíceis para todos.”

O artista iraniano Shahpour Pouyan, a viver em Nova Iorque com um cartão de residência permanente, diz sentir-se “preso”. “Não posso deixar o país e, como artista, tudo isto significa que não posso fazer exposições e mostrar os meus trabalhos lá fora”, explicou ao New York Times. Shahpour Pouyan é um dos artistas que cancelou a viagem ao Canadá.

3 Fev 2017

Vhils apresenta trabalho na embaixada portuguesa em Banguecoque

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] português Alexandre Farto, que assina como Vhils, vai criar este mês uma obra na embaixada de Portugal em Banguecoque, que será a primeira do artista na Tailândia.

De acordo com o Instituto Camões, a peça, criada “no muro exterior da embaixada de Portugal, situada no terreno oferecido em 1820 pelo Rei Rama II”, será inaugurada no próximo dia 10.

Contactado pela Lusa, Alexandre Farto adiantou tratar-se de uma obra isolada em Banguecoque, que será a primeira que fará na Tailândia, mas escusou-se a revelar qual o seu conteúdo.

A obra é uma iniciativa da embaixada de Portugal e do Centro Cultural Português em Banguecoque, com o apoio do Instituto Camões e do Minor Group.

Alexandre Farto cresceu no Seixal, onde começou por pintar paredes e comboios com graffiti, aos 13 anos, antes de rumar a Londres, para estudar Belas Artes, na Central Saint Martins, depois de não ter conseguido média para uma faculdade portuguesa.

A técnica que notabilizou Vhils consiste em criar imagens, em paredes ou murais, através da remoção de camadas de materiais de construção, criando uma imagem em negativo. Além das paredes, já aplicou a mesma técnica em madeira, metal e papel, nomeadamente em cartazes que se vão acumulando nos muros das cidades.

Em 2014, Alexandre Farto inaugurou a sua primeira grande exposição numa instituição portuguesa, o Museu da Electricidade, em Lisboa: “Dissecação/Dissection” atraiu mais de 65 mil visitantes em três meses.

Esse ano ficaria também marcado pela colaboração com a banda irlandesa U2, para quem criou um vídeo incluído no projecto visual “Films of Innocence”, que foi editado em Dezembro de 2014, e é um complemento do álbum “Songs of Innocence”.

Em 2015, o trabalho de Vhils também chegou ao espaço, através da Estação Espacial Internacional, no âmbito do filme “O Sentido da Vida”, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.

Em Março do ano passado, inaugurou a primeira exposição individual em Hong Kong, “Debris”, no topo do Pier 4, uma mostra que reflecte a cidade e a identidade de quem nela habita para ver e, sobretudo, “sentir”. Em Dezembro, chegou a vez de Macau, com um mural nos jardins do Consulado de Portugal. Foi a primeira obra de Vhils numa representação diplomática portuguesa.

Ainda no ano passado, Vhils recebeu o prémio personalidade do ano 2015 da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal.

Paralelamente ao desenvolvimento da sua carreira criou, com a francesa Pauline Foessel, a plataforma Underdogs, projecto cultural que se divide entre arte pública, com pinturas nas paredes da cidade, e exposições dentro de portas, em Lisboa.

3 Fev 2017