Extramuros | Projecto online de Luís Ortet visa criar pontes com cultura chinesa

Há muito que Luís Ortet, jornalista e editor, conversa com chineses para perceber onde vive. Os apontamentos deram lugar a um blogue que, por sua vez, dará lugar a um projecto com colaboradores que irão transmitir os seus pontos de vista. É assim o “Extramuros”, já disponível online

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara escrever sobre a China uma vida não bastará. Para perceber a cultura chinesa são então necessários pedaços de tempo, papel, caneta e muitas conversas, para que se possa compreender um mundo tão diferente do ocidental. Foi o que pensou Luís Ortet.

O jornalista e editor, há décadas radicado em Macau, mantém o hábito de conversar com chineses para treinar o seu mandarim. Foi daí que nasceu a ideia de criar o “Extramuros – A China além da China” (www.extramuros.me), que começou por ser um blogue de apontamentos dessas conversas, mas que já se transformou num website, administrado pela jornalista Catarina Domingues, e que conta com colaborações do artista Rui Rasquinho e da docente da Universidade de Macau Márcia Schmaltz. Há ainda colaboradores de origem chinesa.

“O objectivo dessas conversas que mantenho é treinar a língua, mas o tema das conversas é a cultura chinesa. Coisas que acontecem em Macau e na China, no mundo, e vamos falando sobre isso. Comecei então a reunir uma série de apontamentos sobre essas conversas. Senti que seria de alguma utilidade tornar isso público, e daí nasceu a ideia de ter um blogue”, explicou ao HM Luís Ortet.

Para além dos desenhos de Rui Rasquinho sobre alguns caracteres chineses, há a ideia de escrever sobre livros. “Outra faceta é tentar ter chineses a colaborar, e já temos chineses a escrever. Vamos ter publicações sobre livros. Estamos a acompanhar o projecto da Associação dos Amigos do Livro [presidida por Rogério Beltrão Coelho].” João Guedes, jornalista da TDM, será um dos colaboradores, confirmou Luís Ortet.

“Aquela ideia inicial de apenas ter um suporte para publicar os meus apontamentos deu origem a uma coisa que me ultrapassa. Neste momento sou apenas um dos contribuidores. A ideia é: as conversas que tenho com amigos chineses desde há anos é no sentido de lhes tentar explicar as nossas ideias ocidentais, e eles tentarem explicar-me como é que eles pensam. Isso não é fácil porque eles são muito reservados e têm medo de ferir as pessoas, são muito cuidadosos”, disse o jornalista.

Para Luís Ortet, o seu mais recente projecto é como se fosse “uma pessoa a espreitar para o outro lado do muro, isto é, para outra realidade”.

Perceber o que somos

O projecto, unicamente escrito em português, poderia ganhar outra dimensão ao ser escrito em chinês, defendeu Luís Ortet. “A minha esperança é que um dia haja uma espécie de Extramuros em chinês, para os chineses. Chineses que venham falar connosco, portugueses, que nos peçam para escrever no blogue deles.”

No contexto da relação com a comunidade chinesa, Luís Ortet considera que os portugueses devem hoje, 17 anos após a transferência de soberania, olhar melhor para o seu papel em Macau.

“Temos de pensar bem o que é ser português em Macau nesta altura. Há 17 anos a ideia era que íamos embora, mais tarde ou mais cedo. Em Macau, tecnicamente, somos emigrantes. Somos de Portugal e viemos para aqui num dado momento, mas o que se está a passar é que a presença portuguesa em Macau faz parte da República Popular da China, faz parte da realidade política de Macau”, observa. “Qualquer pessoa que vá para o Reino Unido aprende a língua e insere-se nos costumes ingleses. Nós aqui falamos português, não falamos chinês, mas vivemos na China. Isto faz parte de uma forma que encontrámos para viver. Sabemos, em termos políticos, o que se passa em Macau, porque está escrito na Lei Básica que o português é língua oficial, mas os jornais foram além disso: todas incluem jornalistas chineses”, apontou.

Para Luís Ortet, em 1999, “estávamos a viver a prazo e não sabíamos qual ia ser o futuro”. “Mas já conhecemos 17 anos de futuro, pós-transição, e conseguimos criar uma maneira de estar em Macau em que preservamos a nossa identidade e lutamos por ela. Somos os portugueses da China, mas não nos integrámos no sentido de aprender a língua. Criou-se uma dinâmica própria e que já faz parte de Macau”, rematou o mentor do “Extramuros”.

30 Dez 2016

Entrevista | António Paula Saraiva, autor de “Árvores e Arbustos de Macau”

“Árvores e Arbustos de Macau” é um livro que resulta de quatro anos de trabalho e descreve as mais de 200 espécies da flora local. Da autoria de António Paula Saraiva, a obra é a ilustração da natureza do território e serve de alerta para a necessidade de a conhecer. Está disponível em Janeiro

[dropcap]P[/dropcap]orque é que sentiu necessidade de explorar as espécies de Macau?
Considero que uma das falhas da nossa educação é o pouco caso que se faz da educação biológica. Tenho feito perguntas a várias pessoas acerca de aspectos que, para mim, são muito simples, e as respostas que tenho tido mostram um profundo desconhecimento dos factos mais simples da biologia ou mesmo do ambiente em geral. Tenho um amigo, por exemplo, uma pessoa informada, que ficou muito espantado quando lhe falei do nome das nuvens. Nem lhe passava pela cabeça que as nuvens pudessem ter nome. A maior parte das pessoas desconhece o nome das rochas e anda à procura de Pokémon, que são coisas que nem existem.

Considera que há um desconhecimento da realidade natural à nossa volta?
Sim. Hoje em dia as pessoas passam largos anos na escola e, no entanto, não sabem o nome das árvores que as rodeiam. Mas, por exemplo, sabem as marcas de automóveis. Se não existissem carros, o homem poderia viver, mas sem árvores, não. Há 200 ou 300 anos, havia um interesse e um conhecimento da botânica que não existe hoje. Penso que houve uma regressão. Não só estávamos numa fase de exploração activa do mundo, como havia o espanto da descoberta. A curiosidade acaba por se estender às plantas. Outro aspecto importante é que, antigamente, os remédios eram encontrados nas plantas e por isso muitos botânicos eram médicos. Dizia-se por brincadeira que as senhoras de um certo estrato social tinham de tocar piano e falar francês, mas houve épocas também em que o conhecimento da botânica era um apanágio do homem culto. É algo que hoje em dia desapareceu.

O facto de actualmente existir uma maior consciência ecológica em nada contribui para um maior conhecimento da botânica?
Isto é discutível, mas há muitas coisas que são fingidas e não correspondem à realidade. Toda a gente gosta de falar em ecologia, mas depois isso não se traduz em verdadeiras preocupações. Por exemplo, fala-se que é preciso gastar menos energia, mas as pessoas cada vez têm mais aparelhos de ar condicionado. É uma preocupação um pouco postiça.

Neste estudo da flora local, que particularidades encontrou?
Há um aspecto muito característico de Macau e ainda pouco estudado: a existência das raízes aéreas. Vemos as plantas crescerem contra a lógica porque há situações em que não há terra, nem água e as plantas continuam lá. Isso significa que se estão a alimentar através dessas raízes e sem suporte, mas ainda não se sabe como.

Em Macau há uma maior quantidade desse tipo de plantas?
Talvez, porque este tipo de plantas aparece mais em lugares com muita humidade.

Como é que decorreu toda esta investigação?
Não se pode dizer que seja uma exploração exaustiva, mas tentei que fosse completa. Há dois aspectos que contribuem para que não seja uma investigação exaustiva. Um deles é que estamos na era da globalização e, como tal, aparecem cada vez com mais frequência espécies de outras regiões. Por outro lado, e em relação às plantas espontâneas, há umas que apresentam características mais especiais e por isso saltam à vista, e outras que se confundem. Logo, é possível que aquelas que não apresentam aspectos muito característicos ou distintivos acabem por passar despercebidas e não constem no meu trabalho.

Mencionou a globalização e o acréscimo de espécies com esse fenómeno. Macau é um lugar de misturas. Podemos aplicar a miscigenação à flora local?
Posso responder de duas formas a esta questão. As pessoas quando vão para outros locais adaptam-se sempre, mas tentam também ter algo do seu mundo de origem. Um aspecto muito característico deste fenómeno verificou-se na Nova Zelândia em que os ingleses que foram para lá tentaram recriar a fauna do seu país. Em Macau verifica-se, por exemplo, que houve pessoas que trouxeram videiras. As videiras são características de climas mediterrânicos, mas infelizmente aqui já desapareceram quase todas com o avanço da urbanização. Mas ainda se encontram figueiras que, também sendo do mesmo tipo de clima, permanecem. As misturas culturais não se aplicam à botânica. Existe mesmo a noção de espécie invasora, ou seja, uma espécie que provém de uma outra localização geográfica, mas que se instala de tal forma que começa a acabar com a flora espontânea. Para dar um exemplo conhecido, em Portugal tem havido várias campanhas para acabar com as acácias que são da Austrália ou mesmo com o chorão das praias.

Podemos dizer que este trabalho é o primeiro do género a ser publicado, visto ser uma compilação e estar em três línguas, português, inglês e chinês?
Existe em Macau uma publicação acerca da flora local, mas só está publicada em chinês. É muito completa mas tem a limitação da língua. Nesse sentido, este livro tenta ser mais abrangente a chegar a pessoas que possam falar português ou inglês também. É um livro que tenta entrar por outros caminhos que ainda não foram explorados, nomeadamente o aspecto da reprodução das plantas que, para mim, tem uma importância fundamental: estamos numa época em que tudo é comprado, há viveiros onde se podem comprar as plantas, mas pode ser interessante as pessoas cultivarem as suas próprias espécies e, para isso, é necessário terem alguns conhecimentos. Os livros de botânica que existiam falavam apenas das plantas e não na sua cultura. Outro aspecto que também tentei abordar foi a história da introdução das plantas em Macau. Não havia praticamente fontes sobre a introdução de espécies no território. Encontrei apenas duas listas, uma de 1886 e outra de 1933 mas, entretanto, devido ao fenómeno da globalização e até do enriquecimento de Macau, foi possível trazer mais plantas para cá. Um número razoavelmente grande de espécies já entrou no território perante os meus olhos. É um dos capítulos mais insuficientes do livro e que gostaria de explorar mais, mas acabei por achar que era melhor pôr alguma coisa, e dar início a essa abordagem, do que não pôr nada. Quando introduzia espécies não tinha, por vezes, o cuidado de fazer uma descrição dessa introdução. Isso depois teve de ser feito a partir da memória.

Com factores como o desenvolvimento do território e a poluição, a flora está em risco?
Os chineses gostam mais de fazer as cidades em locais planos ao contrário dos europeus que preferem cidades em colinas. Aqui deitam por vezes montanhas abaixo para planar o terreno e é aí que fazem as suas cidades. No caso de Macau, toda aquela zona do Cotai é uma zona plana e isso leva a que as plantas localizadas nas montanhas estejam mais protegidas, enquanto aquelas que se situam nos locais mais baixos estão mais em risco ou já foram mais ou menos eliminadas. Não totalmente porque, sendo plantas de sítios húmidos, têm mais resistências do que as de sítios secos. Com certeza que a poluição causa danos; no entanto, como é que isso se traduz na evolução da população ou no desaparecimento de certas espécies, já é mais difícil de afirmar.

Quais as maiores dificuldades que teve na concepção deste livro?
Há espécies que não são de fácil identificação e, por isso, pedi ajuda a colegas para o fazer de uma forma mais precisa.

Este é um livro acompanhado de ilustrações. Porque é que decidiu recorrer a este tipo de representação?
O livro tem ilustrações técnicas na parte geral e depois tem a descrição das espécies acompanhadas por fotografias. A opção pelas 44 ilustrações que foram feitas pela Catarina França e pela Mafalda Paiva foi um retomar da tradição dos antigos botânicos que faziam, numa altura em que não havia fotografias, ilustrações e muitas delas muito bonitas. Quando se tira uma fotografia, a planta, que é constituída por uma série de planos, vai aparecer com aspectos focados e outros mais desfocados. Por outro lado, os desenhos têm ruído, ou seja, têm muitos aspectos secundários que dispersam a atenção. Nestas ilustrações todos os órgãos da planta aparecem ‘focados’ para que a sua leitura seja fácil. Há um ajeitar da natureza de forma a torná-la mais compreensiva. Mas foi sobretudo uma homenagem aos antigos botânicos.

EXPOSIÇÃO

https://www.facebook.com/events/1078674292241318/

Entre os dias 29 de Dezembro e 13 de Janeiro, os desenhos da flora de Macau que ilustram a obra de António Paula Saraiva serão objecto de uma exposição no auditório do Instituto Internacional de Macau. Para acompanhar o evento basta seguir a ligação em cima.


29 Dez 2016

AFA | Liberdade artística marca exposição de aniversário

A Art for All Society assinala mais um aniversário com uma exposição sem tema. Uma ideia que, segundo o curador José Drummond, deu oportunidade aos artistas de revelarem melhor a sua individualidade criativa, sem constrangimentos

 

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma exposição livre e capaz de mostrar a identidade de cada autor que a compõe. Esta é a ideia da mostra que assinala o nono aniversário da Art For All Society (AFA), que decorre até sexta-feira no Art Garden, na Avenida Rodrigo Rodrigues.

O evento, que conta com a curadoria de José Drummond, teve na génese “propor aos artistas que encontrassem uma solução própria para contribuir para o aniversário da AFA”. “Esta opção faria mais justiça ao trabalho de cada um até porque, muitas vezes, estar a limitar os artistas a um determinado tema pode ser constrangedor”, disse José Drummond ao HM. O objectivo foi mostrar, de forma representativa, o trabalho de cada um dos membros da associação.

O resultado foi um conjunto de obras que acabam por fazer sobressair trabalhos marcados pela liberdade de criação. “Em virtude dessa liberdade, a exposição é uma montra interessante do que se faz em Macau, especialmente pela diversidade que a própria arte local tem”, referiu o curador.

Uma das características que pontua as artes plásticas locais e que, de algum modo, a caracteriza é precisamente a diferença que se pode ver em cada uma das criações porque “em Macau é difícil encontrar dois artistas que sejam semelhantes ou que estejam na mesma linha”. Drummond atreve-se mesmo a dizer que é uma arte “em que não há modas ou estilos e há realmente um trabalho individual em que cada um explora a sua expressão, sendo que, se podem existir elos de ligação entre um ou outro artista, existe, ainda assim, uma voz única em cada um”.

Para o curador, este aspecto poderia até ser encarado de uma forma negativa mas, no caso de Macau, até acaba por ser benéfico. “Este hipotético desapego a modas, tendências ou estilos acontece essencialmente por existir uma outra coisa que poderia ser negativa: o não ter um verdadeiro mercado de arte, uma história de arte ou uma série de estruturas”, apontou.

Por outro lado, é um aspecto que foge à influência do crescimento recente das indústrias culturais, na medida em que é um fenómeno que “causa algum constrangimento aos artistas”. Para o artista plástico, estas indústrias podem obrigar os criadores a produzirem trabalhos “mais comerciais”.

Um caminho difícil

Os nove anos que estão a ser comemorados pela AFA não tiveram um trajecto facilitado. “Ao longo deste tempo foram muitas as dificuldades e começaram logo por ter tido de mudar, pelo menos quatro vezes, de localização, o que acaba por ser muito negativo”, explicou José Drummond.

As dificuldades que a associação foi encontrando limitaram o trabalho e as possibilidades de afirmação. “A inquietude a prazo e em prazos de dois anos, em que cada vez que se muda de espaço volta a fazer-se obras, por exemplo, impossibilita o planeamento a médio prazo”, disse.

Para o curador, o grande destaque do trabalho desenvolvido está precisamente no que a AFA tem feito pelos próprios artistas. Ao olhar para o início, José Drummond recorda que a realidade artística da altura era muito diferente. “Além dos espaços institucionais – e mesmo estes eram em muito menor número do que hoje –, existiam mais uns três espaços onde os artistas se podiam mostrar e nenhum deles tinha a perspectiva de um espaço expositivo que pudesse colmatar a lacuna da galeria comercial”, explicou ao HM.

Com a AFA, os artistas tiveram um espaço que, além de aberto à experimentação, também podia ser usado para a venda de trabalhos. “A questão da venda, na altura, foi importantíssima para que alguns deles pudessem começar a ter estúdios e a ser mais reconhecidos, especialmente na sociedade local”, explicou o curador. Nove anos depois, há artistas que, através do trajecto ao qual a AFA deu início, passaram a ser reconhecidos, alguns mesmo internacionalmente.

Mas o caminho ainda não acabou e Macau precisa de mais e melhor no panorama de arte local e, essencialmente, na arte contemporânea. O aspecto prioritário para Drummond é a formação com uma “aposta na educação na área artística, especialmente com uma visão contemporânea”. “No que respeita à formação, é usual ver membros da AFA a darem workshops dentro das instalações da associação de modo a motivar energias e a estender o leque de acções na sociedade.”

28 Dez 2016

José Drummond na lista final do Sovereign Asian Art Prize

É a terceira vez que José Drummond, artista plástico português radicado em Macau, é nomeado para o prémio mais importante da região vizinha na área das artes. O reconhecimento lá fora não acompanha o que se passa em casa

[dropcap]T[/dropcap]rata-se de uma nomeação directa, conquistada pela presença este ano no Sovereign Asian Art Prize. José Drummond foi finalista na edição de 2016, tendo o seu trabalho sido mostrado na Christie’s, garantindo um lugar na competição do próximo ano. Regressa ao mais importante prémio das artes em Hong Kong com três trabalhos, todos eles feitos com caixas de luz. É a terceira vez que o artista português, a viver em Macau há mais de 20 anos, entra na lista daqueles que a organização entende serem os melhores da Ásia. “É sempre bom. Não acho que os prémios sejam completamente reveladores do trabalho que as pessoas fazem no trajecto da sua carreira, mas são veículos de reconhecimento que acabam por ser importantes, especialmente nos dias de hoje”, comenta José Drummond ao HM. “Nesse sentido, é óptimo.”

Organizado anualmente, o Sovereign Asian Art Prize convida artistas contemporâneos, que estejam a meio da carreira, para submeterem três trabalhos online. As obras são depois avaliadas por um júri da região constituído por especialistas em arte, que escolhem os 30 melhores trabalhos.

É esta selecção que vai estar ex- posta num local público em Hong Kong, sendo que se segue depois uma nova apreciação. O artista vencedor recebe 30 mil dólares norte-americanos. À excepção da obra vencedora, os restantes trabalhos são leiloados durante a gala de atribuição dos prémios. Além da obra seleccionada pelo júri, é ainda distinguido o trabalho que mais votos recebeu do público que foi ver a exposição.

“É um dos prémios mais importantes da região Ásia-Pacífico”, contextualiza José Drummond. “Já começo a ser um repetente, é a terceira vez que estou nesta fase. Penso que será a primeira vez que acontece a um artista de Macau.” O artista português foi o único do território presente na fase final da iniciativa.

DA NOITE E DO DIA

Na edição de 2017, Drummond concorre com um media que tem uma presença importante na sua obra: as caixas de luz. “Tem que ver com o meu interesse em espelhar todos estes conceitos à volta da luz e da sombra. Depois, embora sejam fotografias tiradas no momento, há sempre nos meus trabalhos uma condição teatral, cenográfica, quase encenada. É por isso que tenho optado, para estas séries, pelas caixas de luz.”

As três obras a concurso resultam de fotografias tiradas à noite, um momento em que a cidade se transfigura. Na sequência de um trabalho que tem vindo a fazer, as imagens obedecem a uma narrativa poética, que “tem que ver com o estado de desassossego, com a insónia”.

No primeiro trabalho, “Think of the saddest thing in your life”, vê-se uma fotografia tirada num lago. “É só água. Digo, a determinada altura no texto, como a água pode ser tão opaca quanto a vida. Temos esta ideia de que a água é transparente, mas não é”, observa. “Mais uma vez, tem que ver com a teoria da luz, com as cores. Nesse trabalho usei luz que transformasse a cor normal do lago. Ficou azul porque forcei a que casse assim.”

“All those moments at night when you’re not with me”, a segunda fotografia, “é mais próxima de um instantâneo” e está relacionada com uma investigação que o artista plástico tem estado a fazer, associada à ideia da “ausência do outro, que nos leva a deambular pelas ruas”.

Trata-se de uma série em que José Drummond procurou captar situações que entende serem interessantes na cidade. A imagem em questão mostra o recanto de uma pessoa que “colecciona coisas inúteis que recolhe do lixo”. “Colecciona garrafas de plástico e pendura-as à entrada de casa. Tem as portas de casa abertas e consegue-se ver tudo o que se passa lá dentro.” Há uma certa organização no espaço fotografado, explica: “Tem uma cadeira pendurada, há uma lógica muito pessoal que nos faz confusão. Esta pessoa em especial tem sido objecto da minha investigação há algum tempo, com fotografias em diferentes momentos do dia e com objectos diferentes”.

“Não acho que os prémios sejam completamente reveladores (…), mas são veículos de reconhecimento que acabam por ser importantes.”
JOSÉ DRUMMOND, ARTISTA PLÁSTICO

A fotografia enviada para Hong Kong tem “um ar quase de ficção científica”. “Não tenho qualquer intervenção na imagem, a não ser clicar”, refere. No entanto, o lado cénico mantém-se. “Tudo aquilo é encenado, mas por outra pessoa.” A fotografia insere-se numa série em que Drummond vai à procura de pessoas que estão, de certa forma, fora do que é convencional, “personagens que são deixadas para trás” na sociedade.

O último trabalho, “When my hands make your heads spin”, tem a morte como subtexto. “É uma reflexão. São dois ravers no final de uma festa. O final da festa significa também quase o final do corpo. A paz é quase morte, naquele sentido. Depois de toda a excitação e do excesso que possa ter havido, há depois este momento, completamente oposto”, mostra. “Esta dualidade entre vida e morte é um lado que tenho andado a explorar. É muito difícil falar sobre a morte e registá-la. Nunca conseguimos fazer uma boa representação da morte porque não sentimos a nossa; só a sentimos através da morte dos outros.”

LÁ FORA

Nos últimos anos, José Drummond tem sido mais valorizado fora de Macau do que em casa. “De algum modo, parece que o meu trabalho vai sendo mais reconhecido fora de Macau do que aqui”, diz.

Além do lugar conquistado entre os finalistas da edição de 2016 do Sovereign Asian Art Prize, o artista teve o seu trabalho exposto na Berlin Transart Trienalle, em Agosto passado.

Durante este ano, participou em festivais de vídeo de Portugal, Espanha e Áustria. Juntamente com a artista Peng Yun, teve uma obra no Rosalux Project Space em Berlim. Por cá, fez um trabalho especificamente para a última edição do Festival Literário Rota das Letras.

José Drummond teve ainda um ano muito activo enquanto curador. Foi responsável por mais uma edição do VAFA e do festival de vídeo experimental EXIM, além do papel desempenhado na selecção de obras para a exposição que assinala o nono aniversário da Art For All, cuja inauguração está marcada para esta semana.

O ano do artista plástico termina com uma projecção de um trabalho na Cinemateca Paixão, no próximo dia 28, que serve de introdução à obra que, em Janeiro de 2017, vai apresentar.

20 Dez 2016

Concerto | Noite de jazz esta quarta-feira no Café Terra

A Associação Promotora de Jazz de Macau organiza esta quarta-feira, no Café Terra, um concerto com quatro músicos locais e um da Malásia. Mars Lee, presidente da entidade, irá tocar guitarra e garante que dar um concerto num café é a melhor forma de desfrutar do ambiente

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] noite desta quarta-feira, dia 21, promete ser bem diferente ali para os lados do Café Terra, localizado junto ao Teatro D.Pedro V. Isto porque a Associação Promotora de Jazz de Macau irá organizar um concerto em que o próprio presidente da entidade, Mars Lee, vai tocar ao lado de mais dois músicos locais e um malaio. A entrada é gratuita e, segundo contou ao HM Mars Lee, o objectivo é fazer com que o público aproveite o som do jazz de uma outra forma.

“Esta não é a primeira vez que tocamos em cafés e é sempre uma experiência enriquecedora, porque apesar de não ser um espaço muito grande, as pessoas gostam de estar a ouvir música enquanto estão sentadas com a sua bebida. É sempre bom realizar este tipo de eventos.”

Com entrada gratuita, este evento fecha o ano de actividades da Associação Promotora de Jazz de Macau, que recentemente organizou a 5ª Semana de Jazz de Macau, com um concerto no Centro Cultural de Macau (CCM).

Boas sensações

Actuar num café é diferente de actuar num palco, mas ainda assim Mars Lee espera uma boa recepção por parte do público. “Diferentes concertos provocam diferentes sensações, e as pessoas sentem-se bem neste tipo de ambiente. É uma cultura importante no jazz, estar calmo a ouvir música, e neste café consegue-se este tipo de ambiente.”

O presidente da Associação Promotora de Jazz de Macau defende que mais concertos poderiam ser realizados no território, numa altura em que há cada vez mais cafés a abrir portas. “A música pode ajudar. A música ao vivo é ainda uma grande questão em Macau, devido aos problemas do barulho, com a nova lei. As pessoas estão a gostar mais de música ao vivo. Esperamos que no futuro haja mais locais como este.”

Mars Lee planeia realizar mais concertos deste tipo no próximo ano, mas ainda nada é concreto. “Somos uma associação sem fins lucrativos e temos algumas propostas submetidas ao Instituto Cultural. Estamos à espera de respostas. Vamos tentar organizar alguns concertos”, rematou.

19 Dez 2016

Clube Militar | Fim de ano assinalado com mostra de arte colectiva

A partir de hoje, o Clube Militar recebe uma exposição dedicada aos artistas locais. São 36 obras que representam o momento presente de cada um dos convidados num conjunto, que, pela sua diversidade, congrega a essência de Macau: a miscigenação

 

[dropcap style≠’circle’]“S[/dropcap]alão dos Artistas de Macau” dá nome à exposição que é inaugurada hoje na Galeria Comendador Ho Yin, no Clube Militar. José Duarte, curador do evento, referiu ao HM que a ideia é “aproveitar o final do ano e o aniversário da transferência de administração para apresentar uma amostra dos artistas locais”.

Integram a iniciativa artistas, na maioria de Macau, mas que podem ter nascido na China, Portugal ou outros países, desde que sejam residentes do território. No total são 36 nomes que deram corpo a igual número de obras. “Procurámos conversar com os artistas para que escolhessem e sugerissem uma obra ou um conjunto de trabalhos dos quais pudesse sair um projecto que, de algum modo, representasse a fase actual em que estão ou que para eles fosse particularmente significativa”, explicou o curador. Daí resultaram os trabalhos que vão estar até 6 de Janeiro em exposição.

Os criadores têm as mais variadas influências: “Vêm da pintura tradicional chinesa, pintura contemporânea moderna e caligrafia. É, por assim dizer, uma amostra do trabalho criativo que se faz no território no domínio da pintura, do desenho e da caligrafia”, referiu José Duarte.

A principal intenção foi não ceder a separações pelo que, ao longo da exposição, “se passa, facilmente, de um quadro de pintura tradicional para um outro abstracto e essa é também um experiência que pode desafiar sentidos e sensibilidades”.

José Duarte não deixa de sublinhar a miscelânea que caracteriza a arte que se faz, neste momento, em Macau. Os artistas foram convidados pela Associação de Promoção de Actividades Culturais (APAC), entidade organizadora, e José Duarte considera que “esta é uma oportunidade de ver que existe criatividade e grande diversidade de ideias no panorama artístico local”. “A arte em Macau se calhar está mais viva do que se possa, por vezes, pensar”, considerou.

Décadas de criação

As obras são de autores que vão dos 21 aos 76 anos. “Apanhamos 55 anos de criação. Se olharmos para os artistas mais velhos podemos ver uma influência das matrizes mais tradicionais chinesas e que é quebrada, aqui e ali, por artistas que são residentes, mas que não nasceram cá”, referiu o curador.

Por outro lado, a faixa mais jovem caracteriza-se por uma maior diversidade técnica. “Nalguns casos são usadas técnicas tradicionais para temas contemporâneos ou abstractos e, noutros, reflectindo a sua própria matriz cultural, os artistas utilizam técnicas da tradição ocidental.”

Esta é uma exposição que reflecte muito daquilo que é a singularidade de Macau porque “temos jovens chineses a trabalhar com técnicas e simbologias que vêm do Ocidente e isso só acontece por causa desta mistura”. “Também temos o contrário e Rui Rasquinho é um bom exemplo disso”, ilustrou José Duarte.

Para o curador, o “Salão dos Artistas de Macau é uma rapsódia”. Por isso mesmo, “é uma exposição para se ver com algum tempo”. “Tem mudanças de quadros de referência e tonalidades e precisa do seu processamento. Em suma, é uma exposição para ser apreciada no seu conjunto e saborear nos seus detalhes”, explicou ao HM.

Através desta mostra é possível ver que existe crescimento e amadurecimento da arte em Macau. No entanto ainda há um caminho a percorrer em que “o mercado da arte ainda é limitado”. Não é viável pensar num mercado que dependa apenas do financiamento público. José Duarte recorre às regiões vizinhas para ilustrar que a dinâmica da arte existe. “Se olharmos para as regiões próximas de Macau constatamos que existe movimento e que as pessoas vêm as obras e compram. Esta componente civil da arte em Macau ainda está um pouco ausente, mas penso que existem sinais positivos de que também vamos nesse caminho. É preciso ver para se querer comprar”, considerou.

A inauguração do “Salão dos Artistas de Macau” tem lugar às 18h e conta com entrada livre.

16 Dez 2016

Clube Militar | Último concerto das jornadas musicais com orquestra de Hong Kong

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s Jornadas Musicais do Clube Militar, iniciativa que nasceu em 2010, encerram a sétima edição com o Hong Kong New Music Ensemble. “O concerto de hoje é focado na vertente mais contemporânea da música clássica. A formação já conta com alguma história: “Participou no Festival de Artes de Hong Kong, no Festival Internacional de Música de Macau, tem um percurso internacional e é a terceira vez que actua no Clube Militar”, explicou ao HM Tiago Pereira, organizador da iniciativa.

O Hong Kong New Music Ensemble apresenta-se como “um grupo de músicos inovadores que criam música nova de (e para) o século XXI” em que a música clássica é tida na sua forma mais contemporânea.

A ideia de findar o ano com os músicos da região vizinha é sair do que normalmente é associado à música erudita, porque o objectivo é trazer “uma vertente diferente, de modo a abranger todo o espectro que este género ocupa”.

As Jornadas Musicais começaram há seis anos e a ideia nasceu porque Tiago Pereira é assistente regular de concertos de música clássica. “Apesar de termos a Orquestra de Macau e existirem concertos de música de câmara que acontecem, nomeadamente no Teatro do Pedro V, notei que havia todo um leque que acabava por não ser explorado”.

Concertos intimistas

O objectivo das jornadas é aproximar o público dos concertos que, muitas vezes, são dados de forma muito formal. “O conceito que normalmente existe da música de câmara é de que é um evento mais formal, o sarau. Mas o que estávamos à procura era de uma abordagem mais intimista”, referiu. “A ideia é que as pessoas que ouvem música e que a querem descobrir o possam fazer num ambiente mais descontraído, distinto dos ambientes da música clássica, ditos, mais normais.”

Para Tiago Pereira, o concerto de câmara neste formato convida ainda a um conjunto de possíveis interpretações como as sonatas para violino, agrupamentos menores ou mesmo concertos a solo.

A diferença é também marcada pelo convívio que o público pode ter após o concerto, em que os interessados podem jantar com os músicos. “Um jantar a seguir ao concerto é um passo óbvio”, disse o organizador. No entanto, e de modo a manter a proximidade, o convívio à mesa não passa sem regras e “uma delas é não existirem lugares marcados”.

As jornadas realizam-se uma vez por mês que, normalmente, coincide com a última sexta-feira. Por ser Natal a organização abre uma excepção porque “muita gente não está cá por ir de férias”. A iniciativa é ainda interrompida nos meses de Julho e Agosto.

Ao final da sétima edição, Tiago Pereira está satisfeito com os resultados que a iniciativa tem tido. “Já temos uma assistência assídua, conquistada ao longo destes anos e agora os músicos já nos contactam por estarem interessados em participar. Isto deixa-nos muito satisfeitos por que demonstra contentamento de ambas as partes: músicos e público.”

16 Dez 2016

Creative Macau com exposições em dose dupla

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma escultura feita pelo público e concebida por Geralde Estadieu e uma mostra da cerâmica de Kristina Mar são as exposições que a Creative Macau propõe a partir de hoje. O caractere de pessoa – 人 - vai ser produzido com peças impressão em 3D e a ceramista vai mostrar a imperfeição.

Geralde Estadieu é o autor da exposição interactiva que estará aberta à apreciação e participação do público a partir de hoje na Creative Macau. A ideia é a construção do caractere 人(ren), que significa pessoa, com peças impressas em 3D. “Uma ideia que junta o criador e o público num projecto comum”, explicou o autor ao HM.

“A ideia de produzir este caractere numa escultura de grande dimensão e totalmente feita com peças impressas ‘in loco’ partiu de uma iniciativa de Maio do ano passado também aqui em Macau. Foi a primeira vez que o público foi convidado a ver o processo de produção e a Creative acabou por me convidar a fazer um projecto”, referiu Geralde Estadieu.

Chegar à ideia de pessoa não foi complicado. O autor queria, acima de tudo, “uma coisa simples e directamente relacionada com a cultura chinesa”. Por outro lado, é um caractere que, pela sua forma, pode facilmente ser associado ao Homem e entendido pela maioria das pessoas de Macau. “Pode ser reconhecido por chineses e por outras comunidades que também vivem cá. A própria forma remete para o ser humano, o que ajuda muito e faz com que as pessoas se identifiquem.”

O objectivo era ainda aliar a criatividade que está implicada num processo de produção artística à tecnologia, e o 人 expressa isso mesmo: “a relação entre humanos e produção de ponta”.

Paralelamente à unicidade de cada ser humano, cada peça será única na forma e no tamanho. “Outra característica para conferir o caractér único de cada um é a possibilidade que o público vai ter de, se quiser, personalizar as peças com que vai construir o caractere. Estamos a gerar um padrão em que cada peça é única, assim como cada humano o é. Como tal, cada pessoa que participar, pode decorar a peça como bem entender”, explicou o artista e criador ao HM.

A apresentação começa com peças previamente impressas, mas a ideia é manter o produção enquanto a escultura ganha forma. A instalação estará em construção até o próximo dia 30, sendo que o autor prevê que a forma final seja concluída no Natal.

O regresso da imperfeição

A exposição de Kristina Mar vai decorrer em simultâneo na Creative Macau. Para a directora da organização, Lúcia Lemos, faz sentido ter estes trabalhos ao mesmo tempo. “Ambas são construções e ambas têm um cariz artesanal” disse ao HM.

“Tanto na escultura em 3D como nas peças da Kristina Mar, os trabalhos partem do nada e é possível perceber, de formas diferentes, a sua construção”, sendo que, apesar de as peças de cerâmica não serem produzidas ao vivo, o seu carácter artesanal está presente”, concretizou a directora.

Kristina Mar é ainda destacada por Lúcia Lemos pela sua insistência na mostra da imperfeição. “O trabalho dela deixa visíveis as falhas, as quebras, as imperfeições, para que a própria peça possa respirar porque a artista quer que a cerâmica fale por si.”

 

15 Dez 2016

Literatura | Carlos Morais José convidado para o Correntes d’Escritas

É inédito: em 2017, o mais importante festival literário de Portugal vai contar com um autor do território. “O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja” é o bilhete que leva Carlos Morais José até à Póvoa do Varzim. O escritor quer que, com ele, sigam todos os outros que não são devidamente reconhecidos

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi com surpresa que Carlos Morais José recebeu o convite: o autor vai participar na edição de 2017 do festival literário Correntes d’Escritas, um evento que se realiza na Póvoa do Varzim e que conta, ano após ano, com os principais nomes da literatura em português.

“Estou surpreendido porque não é habitual Macau ser considerado como ponto literário da lusofonia. Por outro lado, sinto-me muito honrado com o convite, na medida em que este é o mais importante festival literário de Portugal, com extensões ao Brasil e aos países de língua castelhana”, explica. Pela importância do evento, Morais José espera poder “representar bem a RAEM, mostrando que por aqui existe um forte movimento cultural lusófono, cujas raízes mergulham numa relação secular entre duas grandes civilizações: a chinesa e a portuguesa”.

Porque vive em Macau há 26 anos, o autor fala numa “escrita de exílio”, que é agora reconhecida, o que o deixa “muito satisfeito”. “Mais por Macau do que por mim”, diz. “Esta cidade é, em si mesma e na sua mitologia literária, praticamente inesgotável e há ainda muito por descobrir e explorar.”

Quanto à importância que poderá ter a participação no festival da Póvoa do Varzim, Carlos Morais José confessa-se “algo eufórico” com o facto de, pela primeira vez, um autor de Macau ser convidado a participar.

“Espero levar comigo a literatura lusófona de Macau e farei um esforço no sentido do seu reconhecimento. Escritores como Alberto Estima de Oliveira, Henrique de Senna Fernandes, Luís Gonzaga Gomes, Deolinda da Conceição, Fernando Sales Lopes, Manuel Afonso Costa, Fernanda Dias, António Conceição Júnior, Yao Feng, entre outros, sem nunca esquecer Camilo Pessanha, precisam de ser referenciados e divulgados no espaço lusófono, impondo a RAEM como um lugar extremo da lusofonia onde vivificam de forma singular as letras em português”, explica.

O escritor não deixa de salientar que “é espantoso que em Macau subsista uma tradição muito própria de escrita que, fugindo ao mero exotismo, tenha um lugar na universalidade da nossa língua”. Por isso, pretende que a participação no Correntes d’Escritas consiga contribuir para a divulgação do território “como um espaço longínquo onde o português acaba e o nada começa”.

“Se Pequim pretende fazer desta terra uma ponte para a lusofonia, será sobretudo através da cultura que a nossa comunidade poderá desempenhar um papel útil a esta região”, defende. “A minha escrita, apesar de compulsiva e individual, gostaria de ser uma chave para abrir portas até hoje fechadas, e espero que o foco sobre o meu trabalho seja suficiente para iluminar as obras de outros autores locais que escrevem em português e mesmo a de alguns autores chineses locais, cuja obra se encontra imbuída de características únicas, no contexto da Grande China”. É que, entende, “Macau precisa de ser conhecido no mundo lusófono, além dos casinos e do exotismo bacoco”.

O encanto da ficção

O convite para a participação no Correntes d’Escritas surge depois de ter sido lançado em Lisboa o livro “O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja”, uma obra que foi apresentada esta semana em Macau. É um texto que foge ao que têm sido as incursões literárias de Carlos Morais José.

“Estou surpreendido pela aceitação que o livro está a ter, mas o facto de ser uma novela ajuda muito, pelos vistos, à sua divulgação e aceitação – muito mais do que a poesia ou outras formas literárias, geralmente consideradas mais elitistas e destinadas a um público muito específico”, observa.

“A minha obra é diversificada mas, até agora, não incluía este tipo de ficção. Por isso, de certo modo, não me espanta que a prosa ficcionada tenha mais aceitação do que o resto. As pessoas adoram ouvir histórias porque as fazem sair do seu próprio mundo e entrar num outro reino.” Mas não é só isto: “Parece-me que a minha novela também interroga o leitor de uma forma extrema, na medida em que apresenta um personagem cheio de defeitos e malícias, ou seja, como todos nós. Só uma estrutura moral muito forte nos afasta do Mal e, mesmo assim, crescem dúvidas. Assumem a forma de ervas daninhas na nossa mente mas, ao mesmo tempo e pelo contrário, são essas mesmas dúvidas que instituem a riqueza dos indivíduos e a sua capacidade questionadora e criativa”.

Carlos Morais José é licenciado em Antropologia e vive em Macau desde 1990. É director do Hoje Macau e proprietário da editora Livros do Meio. A 18.a edição do Correntes d’Escritas acontece entre 21 e 25 de Fevereiro de 2017.

15 Dez 2016

Extensão do Douro Filme Festival acontece hoje no Consulado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]contece hoje no auditório do consulado-geral em Macau a extensão do Douro Filme Festival, um festival de cinema mudo em Portugal que, pela primeira vez, chega ao Oriente, com o apoio da Casa de Portugal em Macau (CPM). Criado há dez anos, no Porto, o festival traz este ano um conjunto de películas no feminino, filmadas por 11 realizadoras com películas de super oito milímetros. Os filmes serão acompanhados pela música de Miguel Andrade e Paulo Pereira.

A vinda do festival a Macau pela primeira vez visa celebrar os 120 anos do cinema português, na pessoa de Aurélio da Paz dos Reis, e recordar a realizadora portuguesa Noémia Delgado, que faleceu este ano.

Para Cristiano Pereira, actor e um dos responsáveis pelo projecto, o Douro Filme Festival é um “festival com características únicas”, sendo “único em Portugal e um dos poucos exemplos no mundo”. “Os filmes são todos rodados em película, temos o apoio da Kodak, e são todos rodados com o equipamento de uma nova produtora do Porto, a OPPIA (Oporto Picture Academy). É talvez o festival em todo o mundo que é projectado em película.”

Cristiano Pereira confirmou ainda ao HM que a ideia é estabelecer um curso de filmes feitos com estas películas e criar um festival com base nas películas realizadas pelos alunos.

“Queremos trazer um curso de cinema em películas de super 8mm, que inclui um curso completo, cinematografia, revelação dos filmes e rodagem, e um festival local. Estamos em Macau neste momento a trabalhar nessa possibilidade, através da amabilidade da CPM e consulado. A ideia é que, no âmbito desse curso os filmes realizados possam levar a um festival local”, apontou.

A vinda a Macau pretende ainda ser uma ponte para o mundo lusófono. “É nossa ambição levar o festival aos países lusófonos, e também apresentaremos este projecto à CPLP”, rematou Cristiano Pereira. O festival decorre apenas hoje, a partir das 19h.

 

Filmes em exibição

“O Amor eterno não é um mito urbano”, de Isabel Venceslau

“A cabeça no ar ou O ar na cabeça”, de Mariana Figueroa [Menção honrosa]

“Memória, substantivo feminino”, de Luísa Sequeira [Menção honrosa]

“Super 75”, de Patrícia Vieira Campos (Pat) [1º Prémio]

“Ariadne e o Minotauro”, de Filipa Gomes

“sem título”, de Amarante Abramovici

“Bailarina amparada”, de Ana Tinoco

“Entranhas”, de Patrícia Nogueira

“Confia que o tempo também devolve”, de Marina Zincovitch Botelho

“Autumn”, de Mervi Junkkonen [Menção honrosa]

“Tons”, de Diana Oliveira

“Aurélia, mulher artista” e “Urbión”, ambos de Cristiano Costa Pereira e “PortoPorto”, de Sério Fenandes

15 Dez 2016

The Winter e São Jorge sagraram-se os grandes vencedores

O argentino “The Winter” venceu na categoria de Melhor Filme porque tudo nele foi belo, através das coisas simples. Depois de Veneza, Nuno Lopes voltou a vencer na categoria de Melhor Actor, com o filme “São Jorge”, que ganhou também na categoria Melhor Realizador

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]iziam as regras do Festival Internacional de Cinema de Macau que um filme não poderia vencer dois prémios, mas o júri não teve escolha. Se “The Winter” (O Inverno), do argentino Emiliano Torres, venceu apenas na categoria principal, como Melhor Filme, o português São Jorge arrecadou dois prémios: o de Melhor Actor (Nuno Lopes) e Melhor Director (Marco Martins). “Sisterhood”, de Tracy Choi, ganhou a estatueta de Melhor Actriz (Jenifer Yu), para além de ter ganho o prémio do público.

“O meu único pedido para os meus colegas do júri foi para verem os filmes com emoções, com o coração”, disse Shekar Kapur após a cerimónia de entrega dos prémios. ”Se alguém fez um trabalho brilhante num filme porque não premiar? Por isso decidimos quebrar as regras”, disse ainda.

O júri falou de “The Winter” como sendo uma bela película onde o minimalismo consegue contar as maiores histórias. “Achei o “The Winter” lindíssimo, os actores incríveis. O filme foi muito completo, bem interpretado, com boa fotografia, com uma história forte. Tive muitas reacções em relação a ele”, disse Giovanna Fulvi, membro do júri.

Emiliano Torres referiu estar sem palavras. “Ganhar um prémio já seria bom, mas ganhar o prémio principal é espectacular. Esperamos que este prémio possa trazer o nosso filme para a Ásia.”

Com excepção de “Sisterhood”, filme local, não houve estatuetas para produções asiáticas. Mas, para Shekar Kapur não há mal nenhum nisso. “Não havia regulamentos que diziam que deveríamos prestar atenção aos filmes asiáticos. São filmes e é isso que é bom no cinema, trespassa geografias e conta histórias sobre nós.”

O risco

“São Jorge” aborda a vida de um pugilista que sem opção arranja emprego numa empresa de cobranças difíceis numa altura em que Portugal vive os constrangimentos de uma crise. Nuno Lopes vê o seu trabalho de actor reconhecido mais uma vez, após vencer em Veneza o prémio na secção “Horizontes”. Apesar de ausente, o actor português deixou uma mensagem via skype a agradecer a distinção: “Tenho pena de não estar presente e é uma honra poder receber este prémio. Quero agradecer ao meu amigo e ao melhor realizador com quem se pode trabalhar” disse referindo-se a Marco Martins.

Marco Martins falou do risco que foi fazer “São Jorge”. “Quando comecei a escrever o guião todos me diziam que era perigoso fazer um filme sobre o presente, porque não temos perspectiva. Concordo com isso, mas para nós era um momento importante, em que muitas pessoas perderam trabalhos e apoios sociais. Assumi o risco, e nunca tinha feito um filme de cariz social.”

O realizador deixou no ar a hipótese de um dia filmar em Macau, mas referiu que filma sobretudo lugares que lhe são próximos. “Escolho sempre temas que me são próximos, fiz muitos documentários na Índia ou no Japão, e Macau gerou em nós um grande fascínio.”

“Elon, não acredita na morte” , a produção brasileira que conta com a realização de Ricardo Alves Júnior ganhou o prémio para a melhor contribuição técnica. Ao HM, o realizador manifestou a sua alegria não só pelo reconhecimento mas por ser um prémio que valoriza a equipa. “Estamos muito satisfeitos com este reconhecimento internacional, e mais do que um prémio individual, este é uma condecoração colectiva que tem em conta o trabalho de todos”, referiu ontem.

Lembrar Muller

Marco Muller foi lembrado por Ricardo Alves Júnior, realizador de “Elon não acredita na morte”. “Para a gente o festival foi importante porque teve a figura do Marco Muller, foi isso que nos levou a fazer a estreia internacional do filme aqui. É importante estar aqui a receber o prémio numa selecção feita por uma figura tão importante do cinema.”

A falta de público em muitos dos filmes foi também notada pelo realizador brasileiro. “(Marco Muller) conseguiu levantar um grande evento, que correu muito bem. O mais importante no festival são os filmes e o público e esperamos que no próximo ano consigamos trazer mais gente para ver os filmes, algo que nos fez muita falta.”

Prémios

  • Melhor Filme – “The Winter”, Argentina
  • Melhor Realizador – Marco Martins – São Jorge – Portugal
  • Melhor Actor – Nuno Lopes – São Jorge – Portugal
  • Melhor Actriz – Lindsay Marshal – Trespass against us – UK
  • Melhor Jovem Actriz – Jeniffer Yu – “Sisterhood” – Macau
  • Melhor Argumento – Amy Jump e Ben Wheatley – “Free Fight” – UK
  • Melhor Contribuição Técnica – “Elon não acredita na morte” – Brasil
  • Prémio do Júri– “Trespass against us” – UK
  • Prémio do Público – “Sisterhood” – Macau
14 Dez 2016

Shekhar Kapur, presidente do júri do MIFFA: “Festival tem todas as características para se solidificar”

 

 

Shekhar Kapur é o cineasta indiano que assumiu a presidência do júri da principal competição na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (MIFFA). Foi contabilista, mas a necessidade de fazer alguma coisa que o divertisse deu-lhe outro rumo à vida. Vive agora entre a Índia e Hollywood, tem no currículo filmes de renome e vê o festival de Macau com um forte potencial de projecção além-fronteiras

 

Como é que apareceu o cinema na sua vida?

Comecei por ser contabilista. Mas percebi que precisava de saber qualquer coisa que me desse algum significado pessoal. Não quero dizer que ser contabilista é uma profissão má, mas acho que que faz muita diferença quando trabalhamos e nos estamos a divertir ao mesmo tempo. Também não quer dizer que enquanto nos divertimos não estejamos a fazer coisas sérias. Quando o trabalho não tem este aspecto lúdico, penso que as pessoas vão envelhecendo, mas num sentido negativo. O meu primeiro movimento para longe da contabilidade em direcção ao cinema foi provocado pela tentativa de olhar para alguma coisa que me fizesse sentir que estaria a brincar também, a divertir-me. É difícil encontrar pessoas em trabalhos muito sérios que se divirtam. Na maioria dos trabalhos as pessoas estão, muitas vezes, a pensar no que vai acontecer a seguir, no que vão fazer a seguir e quem vai fazer o quê, e eu queria fazer alguma coisa em que me sentisse tão apaixonado e completo que nesse momento não pensaria em mais nada. Foi aí soube que tinha de deixar a contabilidade e ir para uma área artística. Foi o cinema.

O filme que o catapulta para a fama foi “Bandit Queen”. Um sucesso em Cannes que acabou por levá-lo para outros destinos e para as grandes produções. Que diferenças temos no seu trabalho antes e depois de “Bandit Queen”?

Há alguns filmes que se destacam porque a sensação é a de que nunca vamos fazer uma coisa tão boa como aquela. Bom ou mau, não se pode dizer. Há muitas pessoas que dizem que “Elisabeth” é melhor que “Bandit Queen” e há quem diga o contrário. Mas, para mim, o “Bandit Queen”, feito naquela altura, foi muito mais intenso.

Porquê?

Porque foi uma autodescoberta. Foi um filme acerca da dominação sobre as mulheres. Apesar de ter essa atitude, senti que era também responsável pela minha ignorância e por não lutar contra isso. Transformou-se numa experiência de redenção. De certa forma, estava zangado comigo e fui fazer um filme acerca da minha zanga. Tentei redimir-me enquanto homem. Como é que alguma coisa pode ser mais pessoal que isto? Como é que qualquer grande produção que se seguiu, nomeadamente em Hollywood, pode ser tão profunda quanto isso? É um daqueles filmes que me assusta e que me põe a questionar se alguma vez conseguirei regressar àquele ponto. Para regressar tenho de me tornar inocente outra vez.

Já perdeu a inocência?

Não, ainda tenho alguma. Mas porque os filmes são cada vez mais caros, somos apanhados no nosso próprio sucesso e depois tornamo-nos prisioneiros. De alguma forma, o fracasso traz-nos liberdade. Se estamos no topo de uma montanha, deixamos de ter oxigénio. Por isso precisamos de descer para respirar. É preciso ter-mos um intervalo para isso mesmo, respirar.

Quando precisa de se reencontrar, como faz agora?

Vou para um ashram e passeio com pessoas que têm uma perspectiva da vida muito maior do que a minha. Encontro-me com vários amigos e acabamos por tentar discutir as questões mais fundamentais da vida. Não há nada melhor do que isso.

Em “Queen Elisabeth” trabalhou, por exemplo, com a Cate Blanchet e contou com várias nomeações e prémios entre os Óscares e os Bafta. Como foi passar para uma produção desta envergadura?

Para mim, o “Bandit Quenn” também foi uma grande produção. No fundo, o tamanho da produção não interessa. O importante é a intimidade que se consegue com o que fazemos. Penso que umas das grandes razões para o sucesso de “Elisabeth” foi a relação entre a equipa que estava ali a trabalhar. Fizemos questão de trabalhar de forma a tornar o filme muito íntimo. Fiquei surpreendido porque até aí nunca tinha feito um filme com mais de 800 mil dólares. Disseram-me que orçamento era de 24 milhões de dólares e eu fiquei sem saber o que fazer com o dinheiro. No primeiro dia de filmagens, já no local, verifiquei que chegavam autocarros, carros e roulottes quando tínhamos pedido que aquele espaço ficasse sem ninguém. Pensei que alguma coisa tivesse corrido mal e que os turistas estivessem a chegar. Acabei por perguntar quem eram aquelas pessoas e responderem-me que era a equipa a chegar. Nunca tinha visto uma coisa assim. Nunca tinha, sequer, tido um trailer para nenhum dos meus filmes, ou um serviço de catering. Lembro-me de estar ali a tirar fotografias, fascinado. Havia uma diferença nesta produção mas, uma vez dita a palavra ‘acção’, é sempre igual: é um momento mágico e esquecemos tudo à volta.

Trabalhou, em “Bombay Dreams”, com Andrew Lloyd Weber, conhecido pelos musicais. Foi um retorno à música que também caracteriza o cinema indiano, no qual começou?

É uma história engraçada. Quando nos conhecemos, ele convidou-me a fazer uma adaptação para o cinema de “O Fantasma da Ópera”. Falámos durante algum tempo e percebi que não podia fazê-lo. Apesar de já ter feito musicais, não sabia como fazer uma coisa em que não acreditasse na própria acção. Mas tornámo-nos amigos. Um dia falei-lhe de “Bombay Dreams”. Noutra altura, estávamos num jantar com outros amigos e acabei por falar nesse projecto. De repente apercebi-me que o Andrew Lloyd me estava a pontapear debaixo da mesa. Queria ser ele a fazer esse filme comigo. Aprendi muito com ele. Um musical é realmente como Bollywood: a história tem de ser muito simples porque a complexidade reside na música. Aprendi isso com ele. Depois achei que deveria existir outro compositor. Falei-lhe de Allah-Rakha Rahman. Quando contactei o Rahman, recusou com receio de ser rejeitado no mundo ocidental. Acabou por aceitar participar. Desde aí já ganhou dois Óscares. (risos)

O que é que está a preparar neste momento?

Estou a filmar uma série acerca da juventude de William Shakespeare. É a minha primeira experiência para televisão. Neste trabalho fiz uma espécie de “trabalho ultrajante”. As pessoas podem mesmo vir a perguntar: isto é Shakespeare? Percebi que Shakespeare, no fundo, escrevia para uma audiência um pouco idêntica à de Bollywood em que as pessoas pobres expressam o que sentem e o seu individualismo muito melhor e de uma forma muito mais forte e mais apaixonada. Os ricos, por exemplo, podem apresentar um bom carro e marcam uma posição, mas os pobres só se têm a si mesmos. É daí que vem também o punk. E no momento em que percebi que Shakespeare, à sua maneira, escrevia “para” o povo das ruas, soube o que tinha de fazer.

Além do cinema, tem investido na protecção ambiental, nomeadamente na protecção da água. O que é que o motivou a ter este papel activo?

Às vezes somos confrontados com equívocos. Lembro-me, quando era criança, que o meu tio tinha uma quinta e que eu e os meus amigos íamos para lá no Verão, e ficávamos debaixo dos tubos da água a refrescarmo-nos. Nunca pensámos que a água podia ser um recurso que podia gostar. De repente, apercebi-me que a água podia acabar. A minha geração criou o problema por não saber da verdade. Agora também quero fazer um filme que será sobre a água. Penso que quero mostrar a realidade às novas gerações para que não cometam o mesmo erro, o do desperdício de um bem precioso e que pode ser esgotável. As consequências podem ser catastróficas. Quando falam que podemos vir a ter uma crise de água, a minha resposta é que já temos esta crise há mais de 20 anos e nem a vemos. As pessoas que podiam fazer a diferença na preservação da água têm torneiras que nunca vão deixar de correr e nem sabem que uma grande parte da população nem torneiras tem. Também mudámos o princípio fundamental da água. A água sempre foi um recurso comunitário e nós transformamos num recurso pessoal.

Como foi o visionamento e discussão dos filmes que estiveram em competição?

Os filmes que entraram em competição, foram, e tenho de o admitir, muito bons. Entre os membros do júri discutimos muito. Falávamos muito uns com os outros porque cada um lutava de alguma forma pelo seu filme favorito. A discussão era sempre à volta dos destaques do que cada um tinha em especial e que marcavam os membros do júri. Uma sensação importante foi a de que, cada membro, tinha sido afectado pelos filmes que estava a ver e a classificar. E isso é o mais importante.

Que balanço faz desta primeira edição do MIFFA?

Vim a Macau há 30 anos e nessa altura não havia nada. Agora, o que posso constatar é que existem mais infra-estruturas aqui para a realização de um festival desta dimensão do que em muitos pelos quais já passei. Talvez Macau precise de mais salas de cinema. A sala do Galaxy, os outros casinos podiam sentir-se encorajados a fazer mais. Macau também é uma cidade pequena, com pouco trânsito e, por isso, tem potencial para se tornar um grande festival. Este primeiro ano foi muito bom. Penso também que a próxima fase da cultura, também em termos cinematográficos, é esta onda de interesse pelo que se faz na Ásia. Neste contexto, o aparecimento de um festival novo nesta região tem todo o potencial. As pessoas podem dizer que em Macau não há muita gente para assistir a este tipo e iniciativas. Quando comecei com o festival de Goa, dizia-se o mesmo, e tínhamos os mesmos problemas: em Goa há muito turismo e as pessoas não vivem lá. Mas agora, anos depois, os bilhetes esgotam, as salas estão cheias, as pessoas vão de todo o lado.

É uma questão de tempo também?

Sim, e também é uma questão do que é oferecido. Nestes festivais cria-se uma comunidade durante uma semana. As grandes vantagens de Macau já existem: a intenção existe, as infra-estruturas estão lá, o festival já começou e é na Ásia. Tem todas as características para se solidificar.

 

14 Dez 2016

Eric Fok | Exposição recorda passado de Nam Van

 

Depois de “Paradise 20”, Erik Fong inaugura hoje o seu novo projecto. “Tempos de Mudança” é um conjunto de oito desenhos que ilustram a história do porto que um dia existiu em Nam Van

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista plástico de Macau Eric Fok volta a pegar em imagens do passado para que a memória não se perca. Desta feita, resultou “Tempos de Mudança”, o projecto que dá nome e conteúdo à exposição que é hoje inaugurada na Galeria do IFT, nas margens do Lago Nam Van. Os oito trabalhos que integram a colecção utilizam o desenho para mostrar a história da zona onde estão exibidos.

A opção por recordar o passado do lago que, um dia, foi baía e porto é explicada ao HM por Eric Fok como sendo a forma de manter as representações históricas que têm vindo a marcar o seu trabalho e alertar para a importância da história dos lugares de hoje. “Sendo a exposição na zona de Nam Van, onde fica situada a galeria, esta pode ser uma forma de fazer recordar ao público a história daquele local que, por vezes, parece estar esquecida”, observa.

“No passado, Nam Van era um porto muito importante, e marca o ponto de chegada do missionário italiano, Matteo Ricci. Aqui, o tema principal é mostrar, a partir da história e da sua representação, Macau e as mudanças que o território tem sofrido”, reitera o artista.

Do real ao imaginário

Através do desenho, Eric Fok sai agora de um conceito mais realista para dar lugar à representação da imaginação. “Apesar de serem trabalhos que reflectem a história de Macau, ao contrário dos projectos que tenho desenvolvido e que se caracterizam por uma representação aproximada da realidade, neste permiti-me deixar espaço para a imaginação”, explicou ao HM.

Eric Fok realça ainda a imaginação do público e o seu papel na interactividade com os trabalhos que podem ser vistos. “É um conjunto de desenhos que, além de darem lugar ao meu imaginário, têm espaço para que os espectadores possam pensar no que se passou naqueles lugares e situações históricas”.

Também a marcar a diferença com os trabalhos anteriores é o recurso a alguns elementos religiosos. Para o artista, “o passado, as memórias e a religião podem juntar-se e em ‘Tempos de Mudança’ e a escolha recaiu em apontamentos que abordam Adão e Eva”.

Eric Fok nasceu em Macau e licenciou-se em Artes Visuais pelo Instituto Politécnico de Macau. “As suas obras são caracterizadas por um trabalho meticuloso que integra mapas antigos e novas construções criadas com recurso à caneta técnica. O resultado é uma combinação entre tradição e modernidade”, lê-se na biografia do artista.

Alguns dos seus trabalhos já foram exibidos na Bologna Illustration Exhibition – Bologna Children’s Book Fair (2013), no Art Nova100 of China, na Art Revolution Taipei (2014). Erik Fok foi ainda o vencedor do segundo Prémio Fundação Oriente Artes Plásticas. Há obras suas na colecção do Governo, do Instituto Cultural, da Fundação Oriente e também em colecções privadas em Las Vegas, Itália, Reino Unido, Singapura, Macau e Hong Kong. A exposição é inaugurada hoje às 18h e conta com entrada livre.

 

14 Dez 2016

Cinema | Ivo M. Ferreira revela detalhes sobre novo filme, “Hotel Império”

Foi ontem apresentado à comunicação social o novo projecto de Ivo Ferreira, “Hotel Império”. O filme é um mosaico multicultural, falado em quatro línguas, que vive do confronto entre o passado e o futuro

[dropcap style≠’circle’]“É[/dropcap] uma grande alegria poder mostrar a minha Macau.” As palavras são do realizador Ivo Ferreira, durante a conferência de imprensa que apresentou ao mundo o filme que começará a ser rodado depois do ano novo chinês. As estrelas principais da nova película do realizador são Margarida Vila-Nova e Rhydian Vaughan, actor de Taiwan.

O filme fará uma dissecção do que é viver em Macau, da intemporalidade e mutação constante de uma cidade que não pára de se reinventar, por vezes depressa de mais para a apreensão dos sentidos. É neste limbo de circunstâncias que se desenrola a acção. Na esquizofrenia do caos dos bairros tradicionais onde se estende roupa em fios de electricidade, e o aspecto ultra-modernista da Macau dos néons, dos enormes casinos e hotéis. “Vivi no Porto Interior, onde tudo é frágil e sólido ao mesmo tempo, gosto muito deste tipo de contradições”, adianta o cineasta radicado em Macau.

O filme gira em torno de Maria, interpretada por Margarida Vila-Nova, que “ainda anda à procura da personagem”. Maria vive embrulhada em paradoxos e questões identitárias, tal como a cidade onde cresceu. Portuguesa e criada por uma madrasta que fala cantonês, não se sente portuguesa, nem chinesa, nem de Macau. Vive perdida, “não sabe muito bem o que fazer, cresceu mas ainda é uma rapariga”, tenta explicar a actriz. Pelo que foi dado a apreender, é uma personagem que se encontra num limbo emocional. Canta o fado no Casino Flutuante e, quando se prepara para resvalar para o mundo da prostituição, conhece Chu, um irmão que desconhece e com quem cria uma relação complexa. No centro da acção dramática entre os irmãos está uma atracção a roçar o incesto, a herança do Hotel Império e todo o tecido social que alberga.

Ambições altas

O filme será rodado em português, inglês, mandarim e cantonês, algo que não assusta o produtor Luís Urbano, que realça o aspecto mais atmosférico da obra, que será pouco palavrosa. Também o set será poliglota. “Acho que nos vamos divertir muito nestes 36 dias de rodagem”, revela a produtora Isabel Soares, interrompida pelo realizador: “66 dias”. Isabel pede, em jeito de piada, para o cineasta não abusar e o produtor Luís Urbano remata que nesse aspecto “não há negociações”. A familiaridade salta a olhos vistos, e essa é uma atmosfera que Ivo pretende trazer para o set, um feeling “caseiro, mas profissional”.

Segundo Luís Urbano, o homem da produtora Som e Fúria, o filme estará pronto no final de 2017, a tempo de estrear e competir “em festivais de classe A”. O produtor admite que tem grandes ambições para esta película.

Em termos comerciais, Lin Nan, co-produtor chinês da Titan Films International, considera as perspectivas comerciais deste filme “muito interessantes no mercado chinês”. Para tal contribui o facto de ser “falado em cantonês, uma vez que a zona do Cantão é uma das regiões mais aliciantes em termos de bilheteira em toda a China”.

No que toca à distribuição, o co-produtor chinês alerta para o detalhe de este “não ser um filme comercial, portanto, primeiro será dada atenção a canais mais direccionados para o cinema de autor”. Mas, “olhando para o progresso que estamos a ter, não me surpreende nada que cheguemos à distribuição mais mainstream”, revela Lin Nan.

No fundo, este projecto de Ivo Ferreira será uma belíssima caldeirada multicultural, uma tapeçaria complexa. Em todos os aspectos: elenco, financiamento, produção e mesmo em termos narrativos. Um filme nascido num contexto de assimetria, de paradoxo, de mundos diferentes que chocam, mas que se completam numa harmonia estranha. Um pouco à imagem da cidade onde será rodado.

14 Dez 2016

TIMC | “Actos de Design Não-Identificados” hoje na Casa Garden

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] festival This is My City mostra hoje à tarde, na Casa Garden, um conjunto de oito curtas-metragens sobre o que de melhor se faz em Shenzen em termos de design. O projecto “Actos de Design Não-Identificados” foi apresentado o ano passado na Bienal de Arquitectura e Urbanismo de Shenzen e serviu de preparação para a abertura de uma galeria do Museu Victoria & Albert na segunda metade do próximo ano, no Museu de Design de Shekou, em Shenzen. O projecto nasceu de uma colaboração entre o museu e a China Merchants Shekou (CMSK) para apoiar o estabelecimento de uma nova plataforma virada para o design, intitulada Design Society, com abertura em Shenzen em 2017.

Ao HM, Luísa Mengoni, ex-curadora de Arte Chinesa no Museu Victoria & Albert, falou um pouco do projecto. “O que vamos ver hoje é o resultado de uma pesquisa e entrevistas feitas em Shenzen, as quais visaram captar a essência e a natureza destes projectos. Para além de um trabalho de pesquisa feito em estúdios de design, visitamos fábricas e workshops. Tentamos mostrar um pouco mais do que é feito em Shenzen para além do que conhecemos.”

Estreitar laços

Com uma ligação óbvia a Hong Kong, devido à proximidade geográfica, a ideia é que se possam estabelecer laços também com Macau na área do design. “Estou muito satisfeita com o convite que nos foi endereçado pela organização do TIMC. Para nós é uma boa oportunidade para começar algum tipo de colaboração com Macau e talvez desenvolver cooperações futuras. Uma das coisas que realmente queremos fazer em Shenzen é tornar o Delta do Rio das Pérolas uma rede de ligação com instituições relevantes em termos de design, criatividade e inovação. Sem dúvida que há uma oportunidade de colaboração com Macau.”

Convidada a comentar o mercado dos designers locais, Luísa Mengoni considera que é fundamental estabelecer mais laços com Hong Kong e o continente. “A primeira vez que vim para Shenzen em 2012, participei numa exposição que recebeu designers de Macau e Hong Kong. A minha ideia do que se faz em Macau é que é crucial estabelecer uma rede de ligações mais profunda. É muito importante encorajar a criatividade e a inovação, o ambiente digital tem vindo a tornar-se muito proeminente. Estabelecer um diálogo é a melhor maneira de fazer isso acontecer.”

“Há vários desenvolvimentos em termos de design nestas regiões e é importante ter em conta os contextos históricos”, disse ainda Luísa Mengoni.

A galeria do Museu Victoria & Albert será dedicada aos projectos de design que têm sido feitos ao longo dos séculos XX e XXI, sendo também uma plataforma de formação de profissionais nesta área.

13 Dez 2016

Estreia | Primeira edição de festival de cinema dedicado à dança

A primeira edição do “Rollout Dance Filme Fest” está prestes a começar, um festival de cinema todo ele dedicado à arte da dança. O HM falou com Erik Kwong, organizador da iniciativa, que deu a conhecer a ideia, o objectivo e a satisfação pela adesão internacional dos filmes que estarão em competição

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “Rollout Dance Film Fest” é o festival dedicado ao cinema que aborda a arte de dançar e que arranca com a sua primeira edição a partir de sexta-feira.

“A ideia deste tipo de festivais, com temas mais circunscritos, já fervilha na Europa e mesmo no Brasil mas na Ásia ainda não é comum” explicou Erik Kwong, organizador da iniciativa, ao HM. Apesar de não ser frequente no continente asiático, Erik Kuong é “experiente” neste género de eventos. “Já fazia uma série de actividades e projecções que envolviam cinema e dança, mas em Hong Kong”, explicou, sendo que a ideia de trazer um festival mais coeso e consistente a Macau sempre foi algo que teve em mente.

Por outro lado, dada a sua ligação às artes, e sendo também júri dos filmes que estarão em competição, Erik Kuong considera que a ideia de fazer o festival no território é também uma “forma de mostrar a curadoria local de uma forma mais internacional”.

A paixão pela dança vem essencialmente enquanto forma de expressão. O desafio passa por mostrar uma arte através da outra, aliando o movimento da performance às imagens do cinema. “É dar uso à linguagem do corpo através da linguagem da imagem filmada”, referiu.

Relativamente ao números de aderentes na secção de competição, o responsável não podia estar mais satisfeito. “A organização recebeu cerca de 150 filmes vindos de 35 países. Foi muito bom e ficámos muito surpreendidos. Temos também um júri internacional constituído por seis elementos: um da Austrália, um do Brasil, um de Singapura, um de Hong Kong, um elemento que apesar de ser também de Hong Kong, vive em Macau e eu”.

O contentamento é igualmente manifestado no que respeita ao mérito artístico das películas a serem exibidas. “A qualidade dos filmes que recebemos foi muito além das nossas expectativas”, expressou ao HM.

Fim-de-semana em movimento

O evento tem um prelúdio. A ideia é cativar o interesse e a curiosidade do público local. Para o efeito teve lugar, ontem, a projecção de “Dress to see”, um filme do realizador local Tomas Tse. “A intenção é começar com o que se faz no território anfitrião”, explicou Erik Kuong.

Oficialmente, o “Rollout Dance Film Fest” tem início sexta-feira com o filme de abertura. A escolha incidiu em “Mr Gaga”, o documentário que retrata a vida e o trabalho do coreógrafo israelita Ohad Naharin. No dia de arranque haverá também uma presença local com uma projecção extra, desta feita de “Wanderland”, um filme realizado por Cloe Lao.

O sábado vai ser preenchido com a exibição dos 60 filmes que passaram a selecção inicial e que abrangem o cinema e a dança vindos de todo o mundo.

O filme vencedor receberá 1000 dólares americanos. Segundo Erik Kwong, “apesar de não ser uma quantia muito avultada, representa uma ajuda para a promoção do filme, essencialmente no estrangeiro.” Além do prémio do júri, o festival conta ainda com a atribuição de uma distinção para um filme escolhido pelo público.

Por último, “no domingo vamos ter secções dedicadas à Europa, ao Brasil e contamos com um documentário de HK. Tentamos que o programa seja acessível a todos para cativar as audiências. Queremos chegar ao público em geral”.

De Macau, concorreram um total de seis filmes que estão seleccionados e “esta pode ser uma forma de cativar mais a produção local não só na dança, mas também no cinema associado a esta forma de arte”, explicou Erik Kwong.

Para o organizador esta pretende ser a primeira edição de muitas: “Queremos no futuro encomendar trabalhos para que possam participar e integrar, queremos ser um Festival Internacional”.

13 Dez 2016

“São Jorge” vendido para distribuição no mercado chinês

Ainda em Veneza, aquando da estreia, o filme “São Jorge” de Marco Martins ficou com o destino ditado com a venda para distribuição comercial no mercado da China. Para o realizador, a passagem para o mercado asiático não deixa de ser positiva, apesar de ainda não saber o que esperar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme português “São Jorge” foi vendido para distribuição comercial na China, devendo seguir-se “provavelmente” França, afirmou ontem o realizador Marco Martins, em Macau, onde a longa-metragem fez a sua estreia asiática.

“São Jorge”, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor na secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza em Setembro, é um dos 12 filmes da categoria de competição do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, que decorre até terça-feira.

A exibição do filme – que conta a história de um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver – teve lugar ontem à noite, na Torre de Macau, mas a venda para distribuição comercial para China foi concretizada em Veneza, indicou o realizador em conferência de imprensa.

“O facto de ter sido vendido para distribuição na China deixou-me muito contente e curioso sobre a percepção que o filme teria aqui”, afirmou, quando questionado sobre as expectativas relativamente ao público chinês.

Apesar de “São Jorge” estar focado num “período específico” da história portuguesa, Marco Martins considera que a longa-metragem percorre uma narrativa universal.

“Quando faço um filme tento que seja absolutamente universal e perceptível por qualquer cultura, faixa etária, que seja absolutamente universal independentemente do país em que seja visto e, nesse sentido, acho que o filme fala de sentimentos que são universais. Há um pano de fundo que é a crise – sim –, mas depois é a história de um pai que tenta manter a sua família junta”, realçou.

Obra do acaso

Marco Martins descreveu ainda a génese do filme, contando que foi um pouco por “acaso” que entrou no submundo dos cobradores de dívidas, porque a ideia original era fazer um filme sobre um pugilista amador.

A surpresa chegou quando começou a fazer a pesquisa nos ginásios de boxe – onde “pensava que ia encontrar o cliché habitual dos que trabalham em empresas de segurança ou em discotecas ou em estabelecimentos prisionais”, e acabou por encontrar uma série de boxers que trabalhavam em empresas de cobranças – umas legais e outras legais.

“A partir do momento em que percebi qual era o trabalho que faziam, isso tornou-se mais importante que o boxe em si e foi ganhando um peso na história bastante grande”, relatou Marco Martins, explicando que face às dificuldades, por serem “empresas e esquemas muito fechados”, a pesquisa sobre esse mundo das cobranças difíceis foi feita nas entrevistas com os pugilistas que explicavam o processo.

Neste âmbito, descreveu também a intensa preparação do actor Nuno Lopes para vestir a pele do protagonista: a física, ao longo de cerca de um ano e meio, e ao nível da própria personagem e do acento específico da margem sul de Lisboa, por exemplo.

A inclusão de elementos de documentário – com conversas sobre a situação política e social em Portugal – também foi “ganhando importância”, dado que inicialmente o guião era “muito clássico”, explicou o cineasta. “Essas conversas eram mais interessantes do que estava originalmente no guião e, portanto, houve a vontade de trazer esse lado mais documental para o filme.

“Todas aquelas pessoas que vivem nos bairros – alguns dos cobradores, alguns dos devedores – são pessoas com quem as quais me fui cruzando ao longo da pesquisa”, pelo que surgem “pequenos excertos de grandes diálogos” dessas pessoas que Marco Martins foi levando para o filme, fazendo com que elenco tivesse cada vez mais actores não-profissionais.

“Um aspecto também interessante foi que a ideia era fazer um filme social sobre a crise, quase como um filme mosaico sobre aquele período da ‘troika’ em Portugal, mas quando o universo das cobranças entrou de repente assustei-me porque tinha um filme de género na mão – era de facto, quase um policial negro”, relata, indicando que esse “cruzamento de géneros” ou “híbrido” lhe despertou o interesse para trabalhar “esses dois materiais muito distintos entre si”.

Além disso, “São Jorge” foi uma estreia para Marco Martins por ser o seu primeiro filme em digital, o que marcou uma “grande mudança” na linguagem: “Fizemos uma série de testes e o que nos pareceu mais interessante foi esta ideia de um filme passado de noite”, algo, “de facto, fantástico”.

12 Dez 2016

João Botelho, realizador: “Quando se constroem muros, é preciso pontes que os destruam”

“A Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto é o título e tema do próximo filme de João Botelho. O realizador português esteve em Macau a apresentar o projecto no “Crouching Tigers Project Lab”, secção do Festival Internacional de Cinema que reúne cineastas e a indústria para levar os filmes, que ainda são ideias, ao grande ecrã. Para João Botelho, esta é uma oportunidade de dar o cinema português ao conhecimento asiático

[dropcap]E[/dropcap]stá na secção “Crouching Tigers Project Lab” a apresentar o seu novo projecto, “ A Peregrinação” baseado na obra de Fernão Mendes Pinto. Porquê esta escolha?
Gosto de adaptar livros. Comecei quando fiz os “Tempos difíceis” do Dickens numa adaptação portuguesa. Depois comecei a fazer coisas que considero importantes na cultura portuguesa e penso estarem pouco divulgadas. Adaptei, do Frei Luís de Sousa, o “Quem és tu?” e “A corte do norte” da Agustina Bessa Luís, que é uma escritora que admiro. Fiz “O desassossego” do Pessoa e “Os Maias” do Eça. Acho que agora é a altura de fazer uma coisa que os portugueses se vão esquecendo e que é ter orgulho em alguns dos grandes momentos portugueses. O Fernão Mendes Pinto representa um deles. Foi uma pessoa desprezada durante muito tempo e de repente descobre-se que ele tinha muito mais verdades do que aquilo que se pensava. Naquela altura, os portugueses queriam epopeias que revelassem a grandeza e Fernão Mendes Pinto foi uma pessoa que apenas relatou, e muito bem, os anos que esteve na Ásia. Por outro lado, as contradições do ser humano estão todas na sua obra. Outro aspecto importante é que estamos numa altura em que está tudo a construir muros e o Fernão Mendes Pinto, através das civilizações que vai conhecendo e com quem se vai relacionando, dá um bom exemplo do que é a coexistência pacífica entre os povos. Numa altura em que se constroem muros, é preciso pontes que os destruam. Ele só começou a escrever o livro passados oito anos de regressar a Portugal. Ninguém lhe ligava. Não foi muito bem reconhecido em Portugal. A única pessoa que o reconheceu foi o Filipe II de Espanha. Nem foi em Portugal. Mas era alguém que conhecia, na altura, como ninguém, o oriente. Outra coisa curiosa acerca do Mendes Pinto, é que considerava que, quando os portugueses se portassem mal, deveriam ser castigados por isso.

Um sentido de justiça?
Sim, ele achava que toda a acção tem uma paga.

Este filme é um filme de aventuras e o cinema que faz é conhecido pelo seu lado mais contemplativo. Como é que junta a acção da aventura com este aspecto contemplador?
Tem de ser com muito cuidado. Por exemplo, este filme também é um musical. Adoro o “Por este rio acima” do Fausto, e achei que uma das coisas magníficas que se podem fazer no cinema é, quando há uma acção com crueldade, por exemplo, podemos parar os actores e pô-los a cantar a própria acção. Por exemplo, há uma grande tempestade e em vez de fazer a cena toda (até porque é muito cara), a cena pára a determinada altura e os actores, agarrados aos mastros, cantam a tempestade, cantam o naufrágio. É um filme que tem um bocado de acção, um bocado de contemplação e de narração também.

É um filme também narrado?
O herói deste filme é a grande escrita do Fernão Mendes Pinto e vamos ter uma voz off a narrar o próprio filme, a dele. Uma das coisas que estamos a trabalhar aqui, e que tem sido uma sugestão que agrada à indústria, é de a de que a voz do narrador seja uma voz do país em que está a ser distribuído. Por exemplo, na China será chinesa, no Japão, japonesa, no Brasil, o português brasileiro, na Malásia, o malaio. Mas, para ser fiel, porque o narrador é o Fernão Mendes Pinto que é português, quando estas situações acontecerem, muda-se o pronome, o eu passa a ser ele.

A linguagem também unifica…
Sim, nesta mistura cultural é um meio de unificar, aliás o cinema pode sempre unificar porque no cinema podemos fazer tudo. Não há uma regra para o cinema.

Como é que está a correr a apresentação do projecto nesta secção?
Aqui as pessoas parecem estar muito interessadas neste projecto. Esta secção está muito bem pensada e organizada. De repente houve uma data de produtores, distribuidores e agentes que estão aqui. Vêm da china, de Hong Kong, Malásia, Coreia. São sobretudo asiáticos. Apareceu um grande produtor da China continental que tem uma sucursal em Hong Kong e também tem estúdios em Los Angeles. Segundo eles, quando também lhes perguntamos no que é que estão interessados, a resposta é que estão interessados em tudo. Apareceu-nos outra pessoa, um miúdo fantástico da Coreia que faz efeitos especiais, que se ofereceu para tratar da pós produção deste filme. Nesse caso, ficam os direitos para a Coreia. É uma troca e é muito boa porque vamos precisar disso. Outro representante da indústria de Hong Kong queria comprar-nos os direitos para fazer um filme de animação. Não aceitei. Quero fazer o filme mas posso ceder os direitos daqui a dois anos para o projecto de animação.

O mercado asiático está interessado?
Sim e pela primeira vez. Este pode ser um meio dos filmes, principalmente portugueses, atingirem outros mercados. Eles gostaram muito desta história e pareceram muito interessados. Pode não dar em nada mas acho que vai dar.

O Martin Scorsese acabou de fazer um filme acerca dos Jesuítas no Japão, a peregrinação é também uma abordagem do oriente. Considera que há um interesse crescente e visível pela abordagem da Ásia no cinema ocidental?
Sim, há. Este é o próximo império. Os impérios são como as pessoas: nascem, crescem e morrem. Nós também o fomos. Agora é a China. A Europa estagnou, os Estados Unidos estão com problemas gravíssimos e a China tem tempo. Para a China, mil anos não é nada, eles têm tempo para esta uma ocupação lenta.

Filmou na China, com que impressão ficou?
Foi uma impressão de uma certa violência, ou seja, de vez em quando é preciso fechar os olhos a alguma coisa para poder ver a beleza de coisa inacreditáveis. É uma cultura de massa mas por outro lado tem orgulho e dimensão deste novo império.

Quando é que prevê a estreia de “A Peregrinação”?
Vou filmar de Abril a Julho e espero que lá para Novembro do ano que vem possa estrear.

12 Dez 2016

João Rui Guerra da Mata: “A cultura tem de estar focada no futuro”

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]oão Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues co-realizam “270, San Ma Lo”. O filme, que ainda só é uma ideia, tem como pano de fundo o Hotel Central de Macau e está a ser apresentado no “Crouching Tigers Project Lab”. O HM falou com Guerra da Mata que considera a possibilidade de comunicação entre a arte e a indústria uma oportunidade “fantástica”

A dupla de realizadores João Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues estiveram em Macau para apresentar à indústria cinematográfica o novo projecto “270, San Ma Lo”, para o qual obtiveram ontem um financiamento de 20 mil dólares, atribuídos pela Fox International Productions.

O projecto “Crouching Tigers Project Lab”. Sem querer adiantar ainda muito acerca do filme, Guerra da Mata admite que é uma ideia já com alguns anos. “Partiu de uma carta-branca para participarmos num festival que acabou por não avançar”, explicou ao HM.

No entanto, fazer uma história a partir do Hotel Central de Macau, cuja morada corresponde ao nome da película, não ficou esquecida. “Mas a ideia de fazermos um filme que tivesse este hotel como ponto de partida era um projecto que queríamos mesmo fazer. É um lugar com uma história extraordinária, na altura era o prédio mais alto do chamado império português e nós sempre achámos que o facto daquele hotel ser um ninho de espiões era fantástico”.

“O filme não é o Hotel mas o que se lá passa”, referiu. “Este filme tem muito a  ver com o período da guerra do Pacífico que, na minha opinião, não é muito conhecido em Portugal. É um período que nos interessa muito”, mencionou enquanto desvendou um pouco mais do que poderá aparecer no grande ecrã: “o filme começa na actualidade e depois, sem revelar muito, vamos encontrar Macau e personagens de cá nesse período em que o território foi um importantíssimo centro geopolítico e tinha militares das várias tendências políticas mundiais”. A importância em abordar Macau no contexto da guerra reside no facto de ser “um assunto que ninguém sabe ou, quando muito, é do conhecimento de um grupo muito reduzido em Macau”. O desconhecimento abrange, na opinião do realizador, os países asiáticos: “por outro lado, tenho visto nos encontros que se estão a fazer aqui que é uma história que ninguém conhece”.

Para o mundo

João Guerra da Mata considera a ideia do Festival Internacional de Cinema que está a decorrer “absolutamente extraordinária” porque podia ser uma forma de divulgação de cinematografias de países com menos visibilidade em território chinês e asiático.

A secção em que está a participar, o Crouching Tiger Project Lab, é no entender do cineasta, “uma ideia absolutamente maravilhosa”. “Esta coisa de existir uma secção que selecciona uma série de projectos entre os muitos que foram enviados, e permitir que o autor possa ter uma conversa, durante alguns minutos, em que se apresenta o projecto de modo a que possa haver possibilidades de produção, financiamento e distribuição é uma coisa muito boa”, explicou.  Por outro lado, “o cinema português tem co-produções que já existem num registo imediato, como a França ou a Alemanha e esta iniciativa permite a possibilidade de associação a países asiáticos. Macau podia servir de ponte entre o mundo e o mercado chinês.”

A ideia para o filme está a ser bem recebida, apesar de se encontrar ainda numa fase muito embrionária. “Nas reuniões que tenho tido apercebi-me que já há aqui filmes muito desenvolvidos, o que não é o nosso caso, mas as pessoas mostram-se interessadas”.

De relevo, é a comunicação entre a arte e a indústria e, para Guerra da Mata, “o que é mais interessante é que o cinema enquanto arte, aqui tem o contacto que precisa de ter com a indústria. O cinema é uma arte, mas também é uma indústria”.

Guerra da Mata passou a infância no território e tem-no “sempre muito presente”. Não sendo uma presença “nostálgica”, classifica a sua atracção por Macau como “quase física”. “No entanto tenho pena que não haja um pensamento relacionado com cultura”, admitiu ao HM.

“A cultura não é só o passado, antes pelo contrário, tem de estar focada no futuro e, por causa disso mesmo, custa-me muito ver as coisas serem todas destruídas, porque qualquer dia é tarde demais”, explicou. Para o cineasta, “Macau, culturalmente, é única no mundo por ser um lugar de fusão e influencia mútua pelo que gostava que a cultura luso chinesa não fosse vista como um complemento aos casinos. Gostava que fosse mais dinâmica.”

12 Dez 2016

Obra de Vhils no jardim do Consulado homenageia Camilo Pessanha

“Visível, Invisível” encheu os jardins do Consulado-Geral de Portugal em Macau, na passada sexta-feira. A obra é um retrato que celebra a vida e obra do poeta Camilo Pessanha

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi com um atraso de quase uma hora que começou a cerimónia de inauguração do primeiro trabalho na RAEM de Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils, circunstância que não retirou emotividade ao evento que aconteceu nos jardins do Consulado-Geral de Portugal em Macau.

FOTO: Carmo Correia/LUSA

A obra é um mural com um retrato que homenageia o poeta Camilo Pessanha, no ano do 90º aniversário da sua morte. A efeméride coincide com os 15 anos da fundação da Casa de Portugal em Macau (CPM). De acordo com Amélia António, presidente da CPM, este momento foi “o culminar de um sonho acalentado durante muitos meses”. Amélia António salientou que o mural do artista de rua “é um marco no trabalho e divulgação dos artistas e da cultura portuguesa”, e que ganha particular relevo local por retratar uma figura literária profundamente relacionada com o território.

A mesma felicidade foi partilhada pelo cônsul-geral, que mostrou satisfação por concretizar “o sonho de ter a primeira obra de Vhils na RAEM”, a quem tratou como um “amigo do peito”. Numa altura de intenso investimento chinês em território português, Vítor Sereno destacou a característica lusa de “construir verdadeiras pontes de afecto” com outros povos, em particular através da cultura.

No final do discurso, o diplomata reforçou esse ponto de união que a arte consegue alcançar. “Através do génio de Vhils, e da imortalidade de Pessanha, estamos a celebrar Portugal a 10 mil quilómetros de distância, e a estreitar laços entre os amigos da RAEM e da República Popular da China.” Foram as palavras proferidas antes de retirar o véu e relevar o mural de Vhils a todos os que assistiram à cerimónia.

FOTO: Carmo Correia/LUSA

Dar que falar

O nome da peça, “Visível, Invisível”, de acordo com o artista, estabelece a ligação da obra com o ideário local, “torna a história, que muitas vezes está invisível, visível, sem julgamentos”. A ideia é através da exposição artística gerar discussão em torno da pessoa retratada e da sua obra, avançou Vhils à agência Lusa.

Depois de um intenso trabalho de pesquisa, Alexandre Farto resolveu fazer o retrato de Camilo Pessanha devido à obra e relevância que o poeta tem para a história de Macau. As palavras do poeta, que quis ser enterrado em Macau, eternizam a sua obra e vida que, agora, terá na inspiração de Vhils um reforço. O pano caiu, e o público aplaudiu o mural, que nas palavras de Vítor Sereno, “aqui está para ser usufruído por toda a população de Macau”.

12 Dez 2016

Literatura | Rota das Letras acontece entre 4 e 19 de Março

Só lá para meados do próximo mês é que o programa completo é divulgado, mas a organização do evento decidiu já deixar algumas pistas do que vai ser a sexta edição. O Rota das Letras vem aí, com vontade de trazer mais autores internacionais a Macau

[dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]runo Vieira do Amaral é um autor português. Clara Law é uma realizadora nascida em Macau a viver na Austrália. Philippe Graton é fotógrafo, escritor e autor de banda-desenhada, herdeiro de uma obra que colocou Macau no mundo da BD. Graeme Burnet é escocês e esteve quase a ganhar o Booker deste ano. Nas duas primeiras semanas de Março, vão passar por cá – fazem parte da lista de convidados do Rota das Letras, o festival literário de Macau.

À sexta edição, o formato é para manter, explica ao HM Hélder Beja, director de programação do evento. O festival continua a ter várias dimensões: em torno da literatura, elemento principal, concentram-se outras manifestações artísticas. Vai haver cinema, artes plásticas e música.

“Haverá com certeza uma aposta forte num dos segmentos que é revelado aqui nesta pequena breve apresentação do festival: a banda desenhada, os comics”, explica Hélder Beja. “Pela primeira vez, o festival vai explorar esse campo e anunciará, nos próximos tempos, mais alguns convidados nessa área.” O nome revelado por ora é Philippe Graton.

O fotógrafo e escritor belga é filho de Jean Graton, criador da série de BD Michel Vaillant, da qual faz parte o icónico álbum “Rendez-vous à Macao”. Há quatro anos, Philippe Graton decidiu ressuscitar Michel Vaillant, retomar as aventuras deste piloto de automóveis inventado pelo pai e continuar a série. Vaillant celebra 60 anos em 2017 – na presença em Macau, Graton vai falar do seu trabalho e inaugurar uma exposição. Quem por lá passar vai poder ver as provas originais do álbum “Rendez-vous à Macao”, um trabalho de 1963.

O melhor dos primeiros

De Portugal chega Bruno Vieira do Amaral, um autor que é, para o director de programação do Rota das Letras, aquele que tem o melhor primeiro romance de todos os escritores que se estrearam na literatura portuguesa nos últimos sete ou oito anos.

“‘As Primeiras Coisas’ é um livro especial porque não é uma narrativa de grande fôlego, são curtas narrativas que, todas juntas, criam um todo. É como se fossem contos que fazem parte todos da mesma história. Passa-se na margem sul de Lisboa, de onde ele é natural. É um livro escrito de uma forma muito peculiar”, explica Hélder Beja.

Sobre Bruno Vieira do Amaral, o responsável pelas escolhas do Rota das Letras diz que “é um escritor imensamente bem-humorado na melhor tradição de alguns dos nossos melhores escritores, como Eça de Queirós, que sabem olhar para a realidade e subvertê-la de uma forma muito rara, com uma linguagem muito contemporânea e com histórias dos nossos dias”.

Todos os caminhos foram dar, de certa maneira, a Bruno Vieira do Amaral, um autor com as características que o Rota das Letras procurava. “Publicou este livro pela Quetzal com Francisco José Viegas, que já foi convidado do festival, também por isso não nos é de todo estranho. Trabalha há muitos anos na revista Ler, com Francisco José Viegas”, prossegue Hélder Beja.

Com o romance “As Primeiras Coisas”, o escritor de 38 anos venceu, no ano passado, o Prémio Literário José Saramago. A obra valeu-lhe também o Prémio Fernando Namora 2013 e o Prémio PEN Narrativa do mesmo ano. “Recebeu tudo o que podia receber, ao ponto de ter deixado de trabalhar numa editora para se dedicar a tempo inteiro à escrita”, assinala o director de programação do festival de Macau.

Vieira do Amaral foi ainda uma das dez novas vozes da literatura europeia pela Literature Across Frontiers. “Curiosamente, é uma instituição cuja directora também já esteve em Macau, no ano passado. Todas estas ligações faziam sentido”, afirma. “Provavelmente até pode ser que tentemos trazer mais alguém que seja seleccionado para este programa das novas vozes da literatura europeia através da Literature Across Frontiers, com quem gostaríamos de continuar a trabalhar, já que o fizemos no ano passado para trazer um autor do País de Gales e um autor espanhol, e há a possibilidade de voltarmos a tentar fazer isso.”

Da Escócia e do passado

Ainda em relação a escritores, o Rota das Letras de 2017 vai contar com a presença do autor escocês Graeme Burnet, que chega ao festival através de uma parceria com a Universidade de Macau. Burnet foi um dos finalistas do Prémio Man Booker 2016, com o livro “His Bloody Project: Documents relating to the case of Roderick Macrae”. A obra, que conta a história de um jovem de 17 anos que comete um triplo homicídio, foi a mais vendida de entre todas as finalistas do Booker, nota a organização. Antes, com “The Disappearance of Adèle Bedeau”, o escritor venceu o Scottish Book Trust New Writer Award em 2013.

Hélder Beja adianta que, na componente literária do festival, o evento vai trazer a Macau escritores de países lusófonos e da China Continental, e cada vez mais autores internacionais. “É uma aposta clara, estamos também a trabalhar para tentar ter alguns autores do Sudeste Asiático. Tive oportunidade de ir agora à conferência em Cantão da Asia Pacific Writers & Translators, onde conheci muitos escritores também dessa região do mundo, porque trabalham muito não só com os escritores australianos e neozelandeses, mas também com escritores do Sudeste Asiático. Haverá novidades nesse campo e também será um novo passo do festival em relação ao passado”, explica.

“Depois, teremos autores de língua espanhola, de língua inglesa, de língua francesa. Estamos agora a trabalhar muito arduamente para tentar fechar o programa o mais rapidamente. É sempre complexo, mas o conceito será semelhante.”

Em 2017 há ainda um regresso a Camilo Pessanha. “Provavelmente no início de Janeiro anunciaremos mais algumas novidades sobre o que pensamos fazer. Não será à escala do ano passado, porque entretanto não faria sentido, mas achamos importante voltar a assinalar e também porque houve coisas que quisemos fazer no ano passado e não pudemos, pessoas que quisemos trazer, pelo que vamos aproveitar e trazê-las agora”, conta Hélder Beja.

As outras telas

Quanto ao cinema, está já anunciada a participação da cineasta Clara Law. “Não será a única atracção ao nível do cinema no festival. Estamos também a trabalhar noutras direcções e algumas delas já bastante avançadas.”

“Nascida em Macau e radicada desde os anos 1990 na Austrália, Clara Law regressa ao território para mostrar algumas das suas obras. Autora de filmes como ‘Autumn Moon’, vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Cinema de Locarno em 1992; e de ‘Temptations of a Monk’ (1993), ‘Floating Life’ (1996) e ‘The Goddess of 1967’ (2000), igualmente aplaudidos e premiados no circuito internacional, Clara Law fez também uma incursão pelo documentário com ‘Letters To Ali’ (2004), história de um jovem refugiado afegão que procura asilo na Austrália”, resume a organização.

Quase 50 anos depois deixar Macau, Clara Law esteve recentemente no território a filmar parte do seu novo filme, “Drifting Petals”, parcialmente passado na cidade.

“Também teremos artes plásticas neste festival. Quanto aos concertos, a música continuará a fazer parte. Estamos também a tentar perceber em que moldes. No ano passado, não fizemos os concertos de grande dimensão no Venetian, mas fizemos concertos também com uma grande dimensão no Centro Cultural de Macau. Estamos agora a tentar tomar uma decisão até ao final do ano e perceber qual será a escala da presença musical no festival”, explica o director de programação.

O público que falta

Para Hélder Beja, o Rota das Letras deverá manter a dimensão que atingiu na última edição – “uma edição comemorativa, especial”, a dos cinco anos de existência. “Fizemos o festival crescer para os 15 dias e este ano não vamos sair daí. A escala será exactamente a mesma. Acho que o festival não precisa de crescer mais do que já cresceu”, defende.

Quanto ao público que se quer chamar para o evento, o responsável assume que, “claramente, é preciso continuar a apostar muito junto das comunidades locais chinesas”, mas também diz que “não é esse o público que falta captar”. “Já conseguimos esse público, mas queremos muito mais do que aquilo que já temos. Isso passa muito por fazer mais parcerias com entidades locais, por estar mais presente nos meios de comunicação de língua chinesa, o que não é nada fácil, mas é preciso continuar esse caminho.”

Hélder Beja assinala, no entanto, que há um segmento da população local que ainda tem uma participação tímida no festival: a comunidade anglófona. “Tivemos algumas pessoas no ano passado mas, para a escala que sabemos que a comunidade tem aqui, não foi relevante. Estamos a tentar perceber porquê: se é porque a informação não chega ou se é porque, de facto, é uma comunidade muito especial, porque sabemos que é muito ligada ao ramo da hotelaria, que poderá não ter, à partida, grande interesse por este tipo de actividade cultural. Mas não podemos ter esse preconceito, não queremos tê-lo e vamos fazer um esforço para tentar captar essa franja da sociedade de Macau”, vinca.

O Festival Literário de Macau voltará a ter por base o edifício do Antigo Tribunal.

9 Dez 2016

MIFFA | Shekhar Kapur considera o cinema asiático “dos melhores do mundo”

Teve início ontem a primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. A abertura foi marcada pela conferência de imprensa com o júri da secção de competição. À comunicação social falaram essencialmente das diferenças e particularidades do cinema asiático

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] cinema asiático é mais melodramático, é místico”. A ideia foi deixada ontem pelo presidente do júri do festival internacional de cinema de Macau (MIFFA, na sigla em inglês), Shekhar Kapur. “Às vezes tento explicar aos meus amigos em Hollywood que, o que eles entendem por melodrama, nós (na Ásia) chamamos de misticismo”, explicou na conferência de imprensa que marcou a abertura do festival. Para o cineasta indiano, que tem desenvolvido carreira em Hollywood, a forma como a vida é encarada na Ásia também é diferente da do mundo ocidental. “Penso que aqui aceitamos a ideia que o nascer, o morrer, a traição, o ter filhos, etc, são um conjunto de temas místicos pelos quais temos de passar e acho que é a isto que o ocidente chama de melodrama”, salientou.

Se há traço unificador no cinema asiático, será esta ligação mística, e que abrange não só o cinema, mas é ainda comum à própria cultura. “Aqui temos uma grande ligação ao misticismo e não temos medo disso. Eles chamam-lhe melodrama e nós misticismo”, reiterou.

Já para Giovanna Fulvi, membro do júri e que tem no currículo a programação do Festival de Cinema de Toronto, “comparado com o cinema ocidental, o cinema asiático tem a capacidade de contra uma história através das imagens em que os guiões não são tão importantes como são no ocidente.”

A ideia é partilhada por Kapur que considera que “no ocidente as pessoas esperam que o guião seja o filme, e isso nunca deveria acontecer”.

Outra questão de relevo entre as diferenças do cinema asiático e o ocidental, para o cineasta indiano, é que “na Ásia um filme não tem de ter sempre uma história completa”. Muitas vezes o filme faz mais questões do que dá respostas”, disse.

Desejo versus destino

O cinema ocidental é, muitas vezes, sobre desejo e o asiático é mais acerca do destino, considerou. “Há, claro, diferenças entre a forma de contar histórias japonesa e indiana, mas ainda assim, são mais próximas entre si do que com o cinema ocidental”, explicou, referindo-se aos traços comuns entre tanta diversidade no continente asiático.

Ainda em contraponto com o ocidente, nomeadamente com Hollywood, onde Kapur tem estado mais presente, o cineasta considera que “agora há uma tendência para que os filmes sejam menos melodramáticos. O objectivo é que os filmes sejam uma experiência agradável para o público”. No entanto é com esta tendência que quem quer contar histórias está a distanciar-se das grandes produções feitas com orçamentos elevados e a dirigir-se para produções com custos mais baixos e que venham a ser distribuídas pela televisão.

“É por isso que vemos cada vez mais bons filmes nas plataformas OTT – distribuição de conteúdos de áudio e vídeo através da Internet”.

O cinema asiático está a caminho do ocidente e “o MIFFA já é um passo importante nesse sentido” salientou Kapur.

A primeira edição do MIFFA começou ontem e acaba no próximo dia 13. Fazem parte do júri da secção de competição Shekhar Kapur, Giovanna Fulvi, Stanley Kwan, Jung Woo Sung e Makiko Watanabe.

Um coreógrafo no cinema

Foi ontem exibido “Polina, danser sa vie” de Valerie Muller e Angelin Preljocai . O filme que marcou a abertura do festival Internacional de Cinema de Macau é também a primeira aventura cinematográfica do coreógrafo Angelin Preljocai. Para o agora realizador, “foi muito interessante realizar um filme especialmente em conjunto com Valérie Muller”. O facto de ter a vida associada à dança e agora integrar a realização cinematográfica, não é de estranhar. “Penso que fazer um filme é, tradicionalmente, um acto que inclui música e dança, podemos ver o Fred Astaire por exemplo”, ilustrou. Mas o mais importante, é a ligação óbvia que se sente entre a música e o cinema: “dança é movimento e na minha opinião o cinema também. São ambos movimento e ritmo”.

A bailarina do facebook

Anastasia Shevtsova, dá corpo a “Polina”. A actriz russa estreou-se no grande ecrã com este filme porque a “encontraram no facebook”. Bailarina da Mariinsky Theater, foi convidada através da rede social a participar nos castings para “Polina”. Foram três selecções na Rússia e uma em França. Conseguiu o papel, aprendeu francês e movimentou-se, pela primeira vez, na dança contemporânea. Se a personagem do filme, desde pequena, sentia que a dança ia além do clássico, a actriz descobriu isso mesmo com as rodagens de “Polina”. “Foi uma óptima experiência enquanto actriz e também enquanto bailarina. Tenho formação clássica e não estava habituada à dança contemporânea”, disse em conferência de imprensa. Aprendeu ao longo das filmagens e tal como a personagem, agora prefere a dança contemporânea. “Com este filme também se abriu qualquer coisa nova dentro de mim e espero que resulte”, afirmou.   

9 Dez 2016

Livro | Obra de Luís Cunha analisa tecno-nacionalismo da China

Pequim coopera, mas Pequim compete. A China tem tentado recuperar os anos perdidos e afirmar-se como uma potência também ao nível tecnológico. O facto deu um livro, apresentado em Macau

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]uís Cunha, investigador, há muito que estuda a ascensão geopolítica da China. Já escreveu sobre a política externa de Pequim, a questão de Taiwan, a entrada do país na Primeira Guerra Mundial. “Há um denominador comum a estes todos livros: a tentativa de reflexão sobre este processo de ascensão geopolítica da China”, explica ao HM.

“China’s Techno-Nationalism in the Global Era – Strategic Implications for Europe”, o livro que apresenta hoje no auditório do Consulado-Geral de Portugal em Macau, segue o mesmo alinhamento, ao ser “uma tentativa de despertar para a nova era” que o país atravessa.

O tecno-nacionalismo não é um palavrão que tenha sido inventado por Pequim. Mas quando se fala da China, há todo um contexto que faz com que tenha características próprias. “O tecno-nacionalismo já foi adoptado por outros países, noutras circunstâncias. No caso da China, é diferente”, sublinha o investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

O passado mais distante

A diferença tem que ver, desde logo, com o passado particular do país: o nacionalismo reflecte o facto de “a China ter sido ocupada por várias potências estrangeiras ao longo da sua história”, explica Luís Cunha. “Todo este processo de desenvolvimento e de ascensão da China tem quer ver a procura de uma certa reposição de justiça histórica”.

Por outro lado, continua o investigador, “a China sempre foi muito frágil ao nível do desenvolvimento das ciências, da educação e da tecnologia”. Luís Cunha recorda que, durante muito tempo, as pessoas não tinham sequer consciência de que “a pólvora, a impressão e a bússola tinham sido invenções chinesas”. O confucionismo teve um peso neste quadro, ao fazer com que “a ciência não tivesse um desenvolvimento muito significativo”.

Mas o panorama mudou com o século XXI. “A China quer realmente dar o grande salto em frente na área tecnológica e está a fazê-lo, de uma forma fortíssima”, refere. O livro que é hoje apresentado, numa iniciativa do Instituto Internacional de Macau, destaca precisamente este desígnio chinês. “É uma nova página que se abre no desenvolvimento da China, com uma aposta muito forte na inovação,” com o patrocínio de Pequim.

A obra está centrada na cooperação entre a China e a Europa, e nem todos os exemplos são histórias com um final feliz, como é o caso do Galileu, um programa que a China abandonou para fazer um ao nível nacional. “Há uma forte cooperação, mas também uma grande competição entre as duas partes”, sintetiza. A apresentação da obra de Luís Cunha começa às 18h30.

7 Dez 2016

Lai Sio Kit, artista plástico: “Macau precisa de pessoas que gostem de arte”

Lai Sio Kit inaugura hoje “O tempo corre”, uma exposição que reúne cerca de 4500 pequenas peças. São em formato de azulejo e retratam a passagem do tempo nos painéis que, um dia, fizeram parte dos terraços de Macau. O artista falou ao HM do projecto, da opção por ficar em Macau depois da formação na Academia de Pequim e das portas que se abriram quando, em 2012, foi o vencedor do prémio de Artes Plásticas da Fundação Oriente

 

Como é que “O tempo corre” apareceu?

Comecei este tópico há alguns anos. É, acima de tudo, acerca da cidade de Macau vista de uma forma abstracta. A ideia veio dos azulejos que ainda se encontram em muitos dos terraços de Macau. Nestes espaços, temos o chão coberto por padrões, principalmente nos edifícios mais antigos. Já há cerca de cinco ou seis anos que exploro estes edifícios e os processos de envelhecimento que atravessam ao longo do tempo. Em especial, estou atento à degradação dos azulejos e às transformações que sofrem na cor e textura com a passagem do tempo e para esta exposição fiz painéis em grande escala.

Em que sentido este trabalho espelha a cidade de Macau?

Porque Macau é uma cidade que, além das transformações, conserva ainda espaços antigos e é aí que podemos encontrar a verdadeira cidade e os traços da sua história. Por exemplo, os azulejos, pequenos e quadrados, são parte da história de Macau. Os padrões que formam marcam épocas específicas do território. Mas a coisa mais importante que realmente quero mostrar, e que está logo no nome da exposição, é a passagem do tempo e como se reflecte no território. É com o tempo que desaparecem características e que aparecem outras.

O projecto é constituído por cerca de nove mil peças…

Eu fiz realmente nove mil mas, como não há espaço suficiente nestas paredes (da sala de exposições da Casa Garden) para todas, acabei por trazer para cá cerca de metade. A intenção é cobrir as paredes destas salas com os painéis de modo a transportar as pessoas para dentro de um outro espaço. Acabei por adaptar o que tinha feito às características do local e escolhi os painéis que mais se adaptariam aqui.

Demorou quanto tempo a produzir este projecto?

Mais de um ano. Usei placas e óleo. O óleo pareceu-me o meio mais adequado. Além de gostar especialmente de trabalhar com óleo, é uma técnica com características próprias, nos brilhos ou texturas, que vão ao encontro do que quero transmitir, nomeadamente da mudança de estados.

Ganhou o prémio de artes plásticas da Fundação Oriente em 2012. Em que é que isso contribuiu para que mais portas se abrissem enquanto artista?

Foi uma distinção que me permitiu sair de Macau e, mais concretamente, ir para a Europa. Fui para Lisboa onde encontrei outros artistas com quem pude trocar ideias. Aprendi muito com essa experiência.

Em que sentido?

Em Macau a vida é muito rápida. As pessoas andam sempre muito ocupadas e sem tempo para nada. Há uma espécie de stress no ar. Já em Portugal, tive uma experiência completamente diferente. As pessoas são mais relaxadas. Senti calma. Penso que essa forma de estar, a que senti em Portugal, é muito melhor para quem queira trabalhar a criar. Foi muito bom ter sentido isso.

Estudou na Academia de Belas Artes de Pequim, onde também fez o mestrado. Porquê o regresso a Macau e sair de um grande centro?

Porque os meus pais já são idosos. Estive oito anos em Pequim, e senti que tinha de vir para estar próximo deles e poder cuidar deles. Por outro lado, a arte pode ser feita em qualquer lugar. Outra vantagem de Macau é, precisamente, estar longe de um grande centro. Enquanto artista sinto que quando estamos um pouco mais afastados dos grandes centros ganhamos mais liberdade para criar. Aqui não preciso de me preocupar com a minha família porque estou perto dela e não tenho de me preocupar com tendências artísticas porque estou longe dos centros que as criam. Tenho muito mais liberdade.

Este projecto, que já vem de há algum tempo, vai continuar ou tem projectos novos?

Vou continuar com este. É uma ideia que pode ser sempre desenvolvida de formas diferentes. Mesmo no que toca a exposições, é muito versátil porque tratando-se de padrões e trabalhos acerca de padrões pode ser mudada consoante o espaço ou o contexto. Mas tenho outra ideia para começar a trabalhar. Ao longo dos últimos anos, e com as viagens que tenho feito, fui a muitas florestas. Por isso, depois desta ideia que aborda a cidade, quero abordar a floresta. Vou continuar a utilizar a pintura, mas quero explorar o que conseguir dentro dela. É pintura, mas não será só isso, será uma exploração do que é que a pintura pode ser.

Como é ser artista em Macau?

É muito difícil. Macau precisa de pessoas que gostem, se interessem e conheçam arte. As pessoas estão sempre demasiado ocupadas e não se preocupam com isso. Uma das grandes diferenças que encontro, comparando com a Europa, por exemplo, é que lá as pessoas, de alguma forma, têm sempre algum contacto com expressões artísticas e sabem sempre alguma coisa. Em Macau quando alguém pensa em ser artista ou fazer coisas criativas, a mentalidade ainda é de que é uma perda de tempo.

7 Dez 2016