“Photometragens” de João Miguel Barros é inaugurada hoje nas Oficinas Navais, nº1

“Photometragens” traz a partir de hoje, pelas 18h30, aos Estaleiros Navais nº 1, doze histórias independentes e aleatórias de João Miguel Barros. As narrativas são contadas através de mais de 100 fotografias, acompanhadas por palavras, como se de um “livro de contos” se tratasse

 

[dropcap]V[/dropcap]inha da direita, seguro do caminho a seguir, mas foi forçado a parar. Estava, sem dúvida, numa encruzilhada e obrigado a fazer opções. E logo agora, de novo, depois de um processo doloroso que o obrigara a fazer escolhas próprias de quem não tem escolha…”. Este é um excerto do texto que acompanha a história do primeiro capítulo de “Photometragens”, a exposição do João Miguel Barros que tem inauguração marcada para hoje, pelas 18h30, nos Estaleiros Navais, nº1.

Na parede da nova estrutura situada na Barra, está uma instalação com 30 imagens que mostram fragmentos desordenados de um viaduto. “A composição desta instalação é a mistura dos muitos sentidos possíveis que uma pessoa pode escolher. É um bocadinho caótico, mas o título acaba por ser ‘Sentido único’”, explica o fotógrafo ao HM.

Este é o primeiro dos doze capítulos da mostra onde o artista junta palavras à imagem para conseguir “uma síntese de uma reflexão sobre aquilo que se vê e se sente”. “Nós olhamos muito mas vemos pouco e isto é uma tentativa de cristalizar em imagens muito simples”, revela.

Por outro lado, trata-se de uma exposição para ser vista como quem “lê um livro de contos porque são narrativas independentes entre si em que não existe uma unicidade temática”.

Ao “Sentido único”, seguem-se as “As árvores”, um segundo capítulo que “acaba por ser um bocadinho a síntese de dois mundos”, aponta, referindo-se ao oriente e ocidente, regiões entre as quais o autor se move. Aqui, e do lado esquerdo da parede está uma imagem que apresenta árvores de bambu. A história continua com outras espécies e termina com duas fotografias de oliveiras “uma coisa muito portuguesa”. No texto que acompanha a narrativa lê-se: “A vida levou-o a outras paragens. Ficou sem a imensidão desses descampados, mas conseguiu conquistar o direito a ter meia dúzia de oliveiras no seu quintal, que admirava pela sua eterna juventude”.

É com as fotografias das oliveiras como referência que João Miguel Barros fala da sua predilecção pela imagem a preto e branco como sendo uma opção pessoal para “recriar a realidade”. “As cores são normalmente o que se vê. Quanto queremos recriar temos que partir para outras formas de representar a realidade”, refere.

Mar em movimento

“Ainda miúdo perguntava ao avô, no meio de muitas histórias de bravos marinheiros e gigantes marinhos por descobrir: ‘quantas marés cabem neste mar?’. E recordava que invariavelmente ele lhe respondia: ‘todas as que conseguires contar’”, é com base neste excerto que João Miguel Barros convida o público para um capítulo interactivo, o das “Marés vivas”.

Neste terceiro momento, as imagens além das palavras, vão ser acompanhadas por um vídeo em que as pessoas são convidadas a sentar-se e olhar para o mar em movimento. “Na experiência que tive quando este vídeo passou no Museu Berardo as pessoas sentavam-se e começavam a contar as marés. O mar tem este sentido hipnótico”, diz o fotógrafo. Para João Miguel Barros trata-se da série “mais completa, apresentando ainda um conjunto de nove fotografias que mostram a evolução da água que vai avançando na areia ao longo de maré”.

“Visões Nocturnas III” marca o quarto capítulo de “Photometragens” e reflecte o fascínio do fotógrafo pela imagem nocturna. “Esta é uma das séries das ‘Visões Nocturnas’ que são centradas na noite ou nas escuridões”, aponta. Esta obscuridade permite várias interpretações.

Ao passar por esta parte da mostra o autor comenta que “a maioria destes capítulos são contemplativos, mas em todos eles há uma preocupação fundamental que tem que ver com o contar uma história”. A ideia torna-se tão mais importante quando se vive uma altura em que a fotografia está acessível a todos. “Toda a gente faz fotografais fantásticas com um telemóvel mas o que distingue o nível a seguir da fotografia é a história e a capacidade de a contar, e aquilo que ainda está acima disso é a capacidade de contar histórias com uma dimensão humana. Ainda não estou nesse patamar”, sublinha.

À noite sucede-se “O precipício” que nasceu “de uma experiência em que há um corpo que se tenta equilibrar em cima de uma corda”. Aqui o fotógrafo tenta captar o movimento em contra luz. Mais uma vez João Miguel Barros destaca o seu gosto especial pelos pretos e brancos e explica agora que as edições que faz não vão além de meros ajustes. “Nunca coloco numa imagem o que não existe nem tiro o que lá está. Não faço manipulação de imagens nesse sentido.

O que é feito é apenas um ajustamento àquilo que é o padrão estético escolhido para o trabalho em causa”, aponta.

O mar regressa na série que integra o sexto capítulo, “Salgados II”. A história resulta das idas do autor à praia homónima que frequenta todos os anos, conhecida não só pela sua beleza, mas também enquanto ponto privilegiado de observação de pássaros. É o contacto com a natureza e com quem nela habita que João Miguel Barros traz nesta série feita numa madrugada.

Factor surpresa

“Entre o olhar e a alucinação” já é um trabalho conhecido no território. As três imagens de “Photometragens” foram expostas em 2017 fazendo parte da primeira exposição individual do autor. A série traz ao público “a ambiguidade daquilo que vemos à nossa frente quando não há nada, aquilo que realmente estamos a ver e o que de repente pode acontecer sem sabermos o que vamos ver”, explica o fotógrafo.

Uma característica que sobressai em grande parte desta mostra é a presença de imagens em grande formato . A ideia é que as imagens comuniquem com quem as vê numa escala semelhante. “As fotografias em grande formato falam para o público por igual, ou seja , a dimensão da fotografia faz com que a imagem fale com as pessoas à mesma escala. Quando quisermos comunicar de forma intimista podemos escolher uma fotografia de pequeno formato. Têm que se escolher fotografias pequenas até para obrigar à aproximação necessária”, explica o fotógrafo.

Depois da alucinação, o público é convidado a ver o “Teatro Vazio”. Este capítulo composto por duas imagens, as mais antigas de todo o projecto, registadas em 2013, é uma homenagem às pessoas invisuais, adianta João Miguel Barros. Trata-se de uma história “um bocadinho emocional”, de uma bailarina que tinha tido naquele palco os seus momentos de glória e que agora ali regressa para recordar o que já não existe. É uma homenagem secreta aos invisuais, às pessoas que não conseguem ver”, revela. Nas palavras que acompanham as imagens o autor destaca o excerto: “Com o bastão a varrer o espaço à sua frente, caminhando amparada pela linha contínua das bordas das cadeiras da coxia, saiu dali, de um lugar onde tantas vezes fora feliz, mas onde sempre voltava nos momentos em que queria perturbar o silêncio castigador”.

Homenagem reconhecida

“Com o tempo, e sem tempo, passou a viver enclausurado nas cordas do ringue. Batendo. Levando. Chorando. Rangendo os dentes protegidos. E ocasionalmente sorrindo de raiva. Sim, sorrindo. No seu último combate perdeu os sonhos da sua vida. Mas saiu inteiro, pelo seu pé, continuando a sorrir” é um excerto do texto que acompanha o capítulo nono, “Homenagem”, talvez o trabalho mais conhecido do artista e reúne uma selecção de imagens do projecto premiado internacionalmente que documenta um combate de boxe em Macau, em 2017. “Não gosto de boxe, aliás nem percebo as regras do boxe e confesso que quando o combate acabou pensei que o pugilista ganês tinha ganho mas afinal o outro é que levantou o braço”, recorda. Este projecto não ficou por ali e depois do combate João Miguel Barros continuou a seguir o pugilista do Gana. Aliás, este projecto chama-se “Homenagem” justamente por causa do pugilista Emmanuel Danso. Daqui vai surgir um novo projecto, “Blood, sweat and tears”, que já reúne cerca de 150 imagens e que pretende prestar reconhecimento ao atleta.

Regresso nocturno

A noite regressa com “Visões nocturnas I” em que João Miguel Barros se aventurou a invadir as traseiras das lojas de luxo de Hong Kong, por onde se estendem pequenas ruelas, escuras e quase proibidas. “As ruelas têm um mundo de clandestinidade e de gente a viver numa escravatura que é absolutamente estranha”, recorda. “Acaba também por ser uma homenagem às pessoas que na sua invisibilidade dão força àquela economia pujante que é Hong Kong” acrescenta.

Depois da noite, a ponte velha de Macau torna-se mágica. O penúltimo capítulo de “Photometragens” traz a ponte de Macau envolta em neblina. “Naquele dia caía na cidade uma neblina branca que escondia as margens do rio de todos os olhares. Naquele dia a ponte tinha algo de mágico”, conta. Segundo o autor, é o nevoeiro que “paira sempre sobre Macau ainda que às vezes esteja sol”.

A fechar este “livro de contos” está uma imagem isolada, “A caminho do outro lado”. “Acaba por ser um fechar de ciclo e o texto acaba por ser uma ironia porque a perspectiva que dei à fotografia dá a entender que se trata de uma construção a caminho do céu. No texto que a acompanha digo: ‘foi por isso que o novo chefe da cidade, querendo a paz com os deuses, mandou construir aquela estrada gigantesca, para lhe permitir sussurrar à porta divina os seus desejos de eternidade’”, remata.

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