Portugal | Exposição de Sofia Bobone é hoje inaugurada

A artista plástica Sofia Bobone inaugura hoje a sua primeira exposição de pintura em Portugal. Por convite da Câmara Municipal de Odivelas, estão expostos mais de 30 quadros. São mulheres, animais e pinturas abstractas numa abordagem múltipla da obra da artista

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o início, não era a pintura. Mas passou (também) a ser porque houve mais tempo, houve tempo para aprender. Sofia Bobone, designer, expôs há um par de anos em Macau os seus primeiros quadros e houve quem tivesse achado que a obra deveria ser levada até Portugal. O convite partiu da Câmara Municipal de Odivelas e o trabalho de sete meses, feito a pensar nesta exposição, pode ser visto a partir de hoje.

O desafio que lhe foi colocado, diz Sofia Bobone, teve o condão de a obrigar “a trabalhar muito”. A grande maioria das telas que levou para Portugal foi feita a pensar em “O Corpo e a Cor”, nome escolhido para a mostra. Entre os 33 quadros, apenas dois tinham sido já expostos.

Os quadros dividem-se em três partes. “Foi-me pedido que trouxesse várias coisas. Como é a primeira vez que exponho em Portugal, seria melhor mostrar a variedade do que tenho feito”, explica. Assim, podem ser observados quadros sobre a figura feminina, outros sobre animais – veados e cavalos – e trabalhos abstractos.

“Não tenho um estilo em que só faça uma coisa”, justifica a pintora. “Comecei há pouco tempo e estou a aprender, a explorar técnicas e estilos novos, e tenho estado sempre a variar.” Há, no entanto, uma linha transversal a esta variedade: a cor.

“É muito à base de cor. Todos os quadros têm cores vivas”, aponta. “Por exemplo, nos quadros com figuras femininas e nos dos animais exploro como a cor se reflecte. As mulheres são, na sua maioria, azuis, mas não são quadros abstractos, são completamente figurativos. Percebem-se as formas todas e como a cor pode incidir nelas.”

Para ficar

Apesar de continuar a fazer trabalho como designer gráfica e também como designer de jóias, Sofia Bobone tem dedicado mais tempo à pintura, “um desafio enorme” que a deixa “muito contente”. As telas e os pincéis surgiram numa altura em que ficou sem trabalho e, por isso, com o tempo que ainda não tinha conseguido para se dedicar a um projecto antigo. Mas foi preciso ultrapassar outra barreira.

“A pintura sempre foi algo que quis muito fazer, mas tinha medo de falhar, de não conseguir e de não fazer bem. Depois perdi o medo. Não sei se é da idade”, diz. “Pensei em experimentar e comecei a ter aulas com [o artista plástico] Lao Sio Kit. Ele encorajou-me muito e disse-me que tinha potencial. Fez-me acreditar e, a partir daí, continuei.” Sofia Bobone continua a frequentar o ateliê livre dado por Madalena Fonseca.

O trabalho de design não ficou para trás: é uma actividade a que se dedica a tempo parcial. “Dá para poder continuar a pintar. Como sou eu que faço a gestão do meu tempo, posso fazer as três coisas: design gráfico, de jóias e pintura.”

Concentrada agora na exposição de Portugal, Sofia Bobone não tem planos concretos para novos projectos em Macau. Mas deixa, desde já, uma garantia. “Quero continuar a pintar e, mesmo sem ter uma exposição à vista, vou continuar a desenvolver trabalho. Tenho de me mexer porque isto de ser artista é bonito, mas as pessoas têm de ir à procura de sítios para expor e encontrar pessoas para mostrar o seu trabalho.” O plano da artista passa por aqui. A pintura chegou para ficar.

13 Jul 2017

Pintura | Os sentidos de Denis Murrell

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] inaugurada na próxima segunda-feira uma exposição de Denis Murrell. “Para Baixo e Para Cima” está integrada no Projecto de Promoção de Artistas de Macau, uma organização da Fundação Macau (FM) que conta com a colaboração da Fundação Rui Cunha.

Em comunicado, a FM explica que a mostra reúne mais de 30 obras de Denis Murrell. Na cerimónia de inauguração será lançada uma publicação com o mesmo título da exposição.

Denis Murrell nasceu em Upper Ferntree Gully, nos arredores de Melbourne, na Austrália, em 1947. Vive em Macau desde 1989. Antes de se mudar para o território, foi durante 14 anos professor de inglês na Papua Nova Guiné e na Austrália.

Em 1995, o artista ganhou o 1.º Prémio de Pintura Ocidental na II Bienal de Arte de Macau. No ano seguinte, a sua obra “Ambos” ganhou o primeiro prémio na categoria de pintura de expressão ocidental na XIII da Exposição Colectiva dos Artistas de Macau. Em 2000, a sua pintura “Fantasia Lunar” ganhou uma medalha de bronze no Concurso de Arte Asiática do Século XX Forte Cup, em Washington. Em 2006, Denis foi seleccionado pela empresa Liquitex como Artista do Mês, tendo sido apresentado no seu website. Em 2012, o Museu de Arte de Macau realizou uma exposição que contou, entre outras peças, com mais de 20 trabalhos que Denis Murrell doara ao longo dos anos ao museu.

Considerando-se há muito um artista de Macau, sempre activo, o pintor tem participado em muitas exposições, tanto no território, como no estrangeiro. “Nos últimos anos tem-se dedicado ao ensino, transmitindo aos seus alunos as técnicas do seu estilo particular, que faz uso do acrílico, aguarelas e tinta-da-china, em toda a espécie de papel absorvente”, descreve a FM.

A inauguração está marcada para as 18h30, na Galeria da Fundação Rui Cunha. A exposição estará patente até ao próximo dia 26. A entrada é gratuita.

12 Jul 2017

Exposição | Taipei recebe a primeira exposição com temas LGBTQ na Ásia

No dia 9 de Setembro é inaugurada “Spectrosynthesis – Asian LGBTQ Issues and Art Now”. Esta é a primeira exposição de arte dedicada a temas relacionadas com a homossexualidade exibida num museu estatal na Ásia

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Formosa continua na vanguarda da luta pelos direitos civis, desta vez com um acontecimento cultural pioneiro no continente asiático: a estreia na museologia asiática estatal de um evento de cariz LGBTQ, a exposição “Spectrosynthesis – Asian LGBTQ Issues and Art Now”.

O evento decorre no Museu de Arte Contemporânea (MOCA) e estará patente ao público entre 9 de Setembro e 5 de Novembro, contando com a colaboração de 22 artistas de Hong Kong, Taiwan, Interior da China, Singapura e artistas chineses baseados nos Estados Unidos e no Canadá.

Os 50 trabalhos que constituem “Spectrosynthesis” focam-se na confluência de dois conceitos: espectro e fotossíntese. O tema central da exposição é o espectro de luz que pretende iluminar, dar visibilidade, à riqueza cultural e histórica da comunidade LGBTQ. O próprio arco-íris que simboliza o movimento representa o espectro e a diversificação que existente na própria comunidade.

A exposição tem quase meio século de criação e foi composta pelo curador Sean Hu, um local de Taiwan. As obras tocam em assuntos como a identidade, igualdade, a propensão dos media para a caça à novidade, opressão social, estigmatização, luxúria, vida e morte.

Olhar para fora

A exposição que estará patente no MOCA em Taiwan surge no seguimento de uma tendência internacional de visibilidade a um conjunto de comunidades historicamente ligadas às artes, mais normalmente no Ocidente. Ainda este ano, tanto a Tate Modern, como a Tate Britain organizaram mostras de larga escala dedicadas aos feitos artísticos de criadores LGBTQ.

Um dos incontornáveis destaques da exposição, que é inaugurada em Setembro, é o trabalho “Muted Situation #5: Muted Chorus”, de Samson Young. O artista de Hong Kong, que usa o som como forma de expressão, apresenta uma performance de palco, uma composição de coro, sem qualquer projecção consciente de notas musicais. Este método permite revelar sonoridades que normalmente não estão incorporadas em composições musicais, tais como as respirações dos cantores, os sons produzidos pelo corpos dos artistas e o barulho das pautas musicais a serem folheadas. Tudo entra na performance, numa peça sonoramente inclusiva.

Noutra vertente, o artista de Taiwan, Ho Chun-ming, apresenta uma selecção de 13 quadros intitulada “Man Hole”, cada um com duas composições, que resultaram de uma série de entrevistas conduzidas pelo artista em 2014. Durante as conversas, o pintor convidou os “modelos” a desenharem num pedaço de papel algo representativo da sua vida. Em seguida, o pintor “responde” aos testemunhos em papel preto. A série pretende encapsular em tinta as memórias das pessoas, os desejos, segredos, perdas e explorações.

Em comunicado, Pan Sheau Shei, director do MOCA Taipé, refere que “a arte contemporânea deve ser agradável aos sentidos mas, também, responder a assuntos de relevo cultural que permitam o diálogo com o público, abrindo horizontes e entendimento do mundo”.

Esta exposição surge numa altura de avanço em termos de direitos civis com a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em Taiwan, mais uma vez, pioneiro no contexto asiático.

12 Jul 2017

Museu de Arte de Macau apresenta “Ballada –Animamix Arte Contemporânea”

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] inaugurada esta semana, no Museu de Arte de Macau, a exposição “Ballada – Animamix Arte Contemporânea”. De acordo com o Instituto Cultural (IC), a mostra é composta por 46 peças, incluindo animações, vídeos, instalações, esculturas, pinturas a óleo e pinturas ao vivo de grande dimensão. São trabalhos de artistas da China Continental, Coreia do Sul, Japão e Macau.

A iniciativa é, assegura a organização, uma representação do “campo emergente da arte contemporânea que se desenvolve no sentido da diversidade cultural, visualização de textos, virtualização surrealista e regionalização transnacional”.

A “Bienal de Animamix” teve início em 2007, pretendendo dar a conhecer, através da cooperação e de projectos de intercâmbio, as características estéticas e culturais únicas da arte contemporânea que se desenvolveu sob a influência da animação e da banda desenhada. O MAM participou no evento de arte asiática em 2014, com um projecto subordinado ao tema “Expressão Macau”. “Uma das características de Animamix é um texto narrativo repleto de assombro e mudanças, permitindo que as imagens se tornem numa linguagem visual expressiva”, sublinha o IC.

Este ano, a participação do MAM na “Bienal Animamix 2017-2018”, que tem como tema “Ballada”, faz-se ao lado de instituições como a Power Station of Art de Xangai, o Museu de Arte MoA da Coreia e o Centro de Artes Visuais de Hong Kong.

Doze artistas e grupos artísticos da China foram convidados para participar na exposição. Quanto aos participantes locais, são eles Lei Ieng Wai, Leong Man Teng e Sanchia Lau.

As obras são diversificadas. Quem passar pelo MAM poderá ver “animação de marionetes, imagens aéreas imersivas, animação fosforescente e cenas bizarras criadas com instalações de som mecânicas e itens pré-fabricados”. Diz o IC que “as obras reflectem o pensamento e a representação dos artistas sobre a narração espaço-tempo ou a visão mundial numa perspectiva contemporânea”.

Os trabalhos de grande dimensão, em formatos inovadores, serão exibidos no rés-do-chão, primeiro e segundo pisos do MAM, perfazendo uma área total de mais de 1100 metros quadrados. A inauguração está agendada para quinta-feira, sendo que a exposição pdoerá ser vista até 15 de Outubro.

11 Jul 2017

Isabel Valadão, autora de “O Rio das Pérolas”: “As palavras são o que restará de nós”

Viveu aqui na década de 1980, uma passagem de três anos que a marcou. África tinha ficado para trás, Lisboa foi o destino que se seguiu à vida no Oriente. Mais de três décadas depois, Isabel Valadão regressa a Macau através da literatura. “O Rio das Pérolas”, romance recentemente lançado pela Bertrand, conta a história de Mei Lin, uma mulher que existiu e que agora ganha uma nova vida

Viveu em Macau durante algum tempo, tendo deixado o território em 1986. Como é que surge este regresso, através da escrita, 30 anos depois?

Macau não foi mais uma passagem por um lugar que desconhecemos e que nos desperta curiosidade. Claro que também foi isso. Mas foi, sobretudo, uma etapa importante da minha vida. Angola tinha ficado para trás mas estava sempre presente nos meus pensamentos. Portugal, Lisboa, Cascais tinham apenas sido locais de passagem, apeadeiros impostos pelas circunstâncias. O regresso a Macau por este livro – uma forma de regressar que talhamos à medida dos nossos desejos e não pelos caprichos do tempo – talvez tenha a ver com a saudade mas está, muito certamente, relacionado com a minha formação em História e com o hábito de investigar o que o tempo guardou dos locais, das terras e das gentes por onde passo. 

Tem obra como romancista sobretudo em torno de África, onde viveu, continente que em muito a marcou. “O Rio das Pérolas” obrigou a uma mudança na geografia. Foi fácil esta transição?

Não foi, exactamente, o Continente que me marcou, mas Angola – embora exista uma relação de afecto entre mim e toda a África. “O Rio das Pérolas” é uma memória como são de memórias todos os livros que escrevi – frequentemente romanceadas. Se um dia deste nosso futuro tão incerto me for oferecida a oportunidade de passar por qualquer outro ponto do mundo e por lá me detiver por algum tempo voltarei a sentir-me emocionalmente compelida a investigar e a escrever sobre esse lugar e as suas gentes. A geografia é importante para o contexto. Mas o que é realmente importante são as pessoas, mesmo que algumas delas tenham de regressar da eternidade para as páginas dos romances que vou escrevendo. 

Em “O Rio das Pérolas”, há uma mulher no centro da narrativa. Convida os leitores para uma viagem entre os anos 1940 e 1960. De onde partiu esta história? Quem é a Mei Lin?

Mei Lin existiu na história de Macau. É um personagem que resgatei da vida real e coloquei no meu livro porque é um dos símbolos da mulher chinesa daquele tempo. Provavelmente, dei-lhe o brilho romanceado de uma história de encantar, emprestei-lhe uma personalidade que talvez nunca tenha tido, envolvi-a em mistérios orientais eternamente indecifráveis e ofereci-lhe um coração que ela talvez nunca tenha tido a oportunidade de conhecer. O resto da história é um romance sobre um lugar e as suas gentes… Uma espécie de fresco.

Estamos perante uma obra de ficção, mas com uma componente histórica. É licenciada em História de Arte. Sente que a sua obra ganha significado por partir de factos reais? Como é fazer este exercício de encaixe da história e da ficção?

Não existe nada na ficção que não seja, tenha sido ou venha a ser um dia uma realidade. Antes de ser historiadora sou, sobretudo, escritora e romancista. Mas é na História que me inspiro. E nela, das gentes desse mundo fora. Não existe nada de mais belo e de mais inspirador para um escritor do que as pessoas que se cruzam connosco num determinado momento ou numa esquina por onde o tempo já passou. Cada um de nós é um templo, tantas vezes misterioso na singularidade das nossas vidas, livros abertos que ninguém lê, exemplos de coragem, de altruísmo, de genialidade que o anonimato esconde na morte e enterra na campa mais profunda. Eu gosto muito de descobrir os heróis do passado e emprestar-lhes por um instante a homenagem que a vida lhes negou.

Viveu em vários continentes e teve actividades profissionais completamente distintas. Como é que surge a escrita, no meio de todas estas vivências diferentes?

A escrita chega quando tudo o mais se aproxima do fim. Chega-me numa idade mais madura, depois de todas as experiências que a vida me proporcionou. Chega-me também da necessidade de me ocupar e de me manter viva. De me manter, sobretudo, alerta. E da necessidade imperiosa de não esquecer! É a última casa de quem sobe na direcção da saída grande. Tenho 72. 

Faz investigação na área da defesa e conservação do património. Escrever sobre o passado de locais onde viveu é também, de certo modo, uma forma de preservar outro tipo de património?

Sim. O património imaterial que todos nós somos. As nossas palavras são tudo o que restará de nós para as gerações futuras.

Sei que tem planos para voltar a Macau nas suas obras. Podemos esperar para breve um novo livro?

Provavelmente voltarei a Macau – um dia. Mas o meu próximo romance terá o antigo Reino do Congo como chão. Uma princesa-escrava. Heróis avulsos. Guerreiros, estrategas e generais. Mártires e defuntos. Despojos. Escravatura. Epopeias, algumas que a História esqueceu. E uma história de amor, como não poderia deixar de ser.

11 Jul 2017

Irmãos Gao, artistas plásticos: “As nossas criações, para o público, não passam de crítica política”

Chamam-se Gao Zhen e Gao Qiang e são conhecidos como os irmãos Gao. Os seus trabalhos já passaram por Nova Iorque, Berlim e Londres. Considerados uma referência da arte contemporânea chinesa, além de políticas, as suas obras são uma reflexão da sociedade actual na China

 

Como é que se começaram a interessar pela criação artística?

Foi nas décadas de 60 e 70, no século passado. Quando éramos miúdos já gostávamos de pintar juntos. Fomos directamente influenciados pela nossa mãe que nos questionava acerca do que víamos e do que desenhávamos. Ela era muito boa a recortar papel e os trabalhos que fazia pareciam que lhe saíam naturalmente do coração. O que ela fazia diferenciava-se da cultura folclórica, eram recortes de uma beleza primitiva original. Sem dúvida que, se temos algum talento, o herdámos da nossa mãe.

O vosso trabalho é contemporâneo, mas tiveram formação em arte tradicional chinesa.

No liceu tínhamos de estudar pintura tradicional. Naquela altura, devido às dificuldades económicas, não pudemos continuar a estudar. Passámos seis anos a trabalhar arduamente ainda muito novos. Na mesma altura começámos a aprender pintura tradicional chinesa de paisagem e a fazer cópias de trabalhos das dinastias Song, Yuan, Ming e Qing, e de alguns autores famosos mais contemporâneos. Acabou por ser uma aprendizagem muito forte e intensa, apesar de não ser académica. Mas porque fazíamos livremente aquilo que nos interessava, acabámos por criar várias obras contemporâneas ainda nessa altura. 

Como é que essa aprendizagem influencia o vosso trabalho actual?

Se olharmos superficialmente para a arte tradicional, podemos dizer que não terá grande influência no que fazemos hoje em dia. Mas na nossa estética há uma ligação, que podemos considerar livre, entre os caminhos da arte tradicional e da arte contemporânea. Esta ligação acaba por ter sempre um papel, mesmo que subtil, no que fazemos. Por exemplo, em 2008, com o trabalho “Never Finished Building, n.º 4”, apesar de não usarmos uma nítida influência no resultado final da imagem, no processo criativo e no efeito criado pela peça, tivemos em conta um trabalho da dinastia Song. Escolhemos uma peça do pintor Zhang, o “Qingming River”, e a experiência que este trabalho nos proporcionava enquanto espectadores. Ambas as peças, a nossa e a tradicional, são um registo do estatuto social e da paisagem cultural na vida de um artista. Ambas reflectem o espírito de uma era. Parece que nós, agora, tal como há 800 anos, não estamos satisfeitos com o papel que o artista tem e queremos deixar um texto visual histórico com o que criamos para as gerações futuras. 

Os irmãos Gao são uma referência internacional, com trabalhos nas galerias e museus do mundo. Na China, algumas das vossas obras são alvo de censura, mas continuam em Pequim. Já pensaram mudar de país?

Estamos na cena artística de Pequim há mais de dez anos. Às vezes sentimo-nos um pouco cansados e pensamos em mudar para Nova Iorque para começar uma nova vida e com ela novas criações. No entanto, também estamos muito conscientes da nossa inseparabilidade da nossa terra e história. São a nossa carne e o nosso sangue, e temos algumas dificuldades em demitir-nos dessa responsabilidade. Por isso, andamos sempre num estado de hesitação entre estes dois lugares, mas continuamos na China.

Os vossos trabalhos têm uma componente de intervenção, nomeadamente política. Quais são, para vocês, os aspectos mas pertinentes para abordar na China contemporânea?

No Velho Testamento, Isaías já dizia que “a manhã virá e a noite também”. A situação na China não é mais optimista. A nossa criação artística é um meio de expressarmos livremente a nossa resistência política, uma forma de manter a nossa dignidade básica e a nossa salvação. É também a forma de nos envolvermos com o mundo.

Uma das vossas obras icónicas é a série de esculturas “Miss Mao”.

Criámos a primeira escultura “Miss Mao” em 2006. Foi inspirada num trabalho em vídeo que tínhamos feito em 1998 denominado “BeiBei Mao”. Aliás, no fundo, a nossa desconstrução e crítica da ideologia e do sistema de Mao já tinha começado em 1989. Na altura fizemos várias imagens, não só de Mao, mas também de Marx e Lenine, produzidas em fotocopiadoras. Mas a polémica realmente foi instalada com a imagem de “Miss Mao” que já passou por Londres, Paris, Moscovo, Nova Iorque e Singapura. Nunca foi exibida na China devido à censura. De certa forma, “Miss Mao” é uma metáfora política da sociedade pós-Mao. Superficialmente, parece que, na China, a figura de Mao Zedong já está ausente há muito tempo e muitos dos aspectos que lhe são associados já estão irreconhecíveis mas, de facto, a natureza do sistema e as regras não sofreram grandes mudanças. Infelizmente, as pessoas olham mais para a superfície e conseguem ver algumas mudanças sociais, mas não estão cientes de que a natureza totalitária do sistema continua a mesma. É essa a mensagem da “querida” “Miss Mao”. Criámos também várias séries que podem ser divididas em duas categorias. Uma delas tem uma figura sorridente, quase amorosa e com algum humor. Na segunda categoria acrescentámos um pouco de maldade. No entanto, e comparadas com a brutalidade do regime, estas imagens não se podem considerar ultrajosas. O peito que acrescentámos a Mao tem que ver com a propaganda política que lhe está associada de que alimenta o povo. Há mesmo uma canção de propaganda que diz: “Ponho o partido à frente da minha mãe”. É a mãe Mao que amamenta os seus filhos. Por outro lado, é um Mao mentiroso, daí o nariz da obra. “Miss Mao” não é só uma piada visual, mas sim uma crítica política carregada de ironia.

A “Execução de Cristo” também é um trabalho relevante. Porquê esta metáfora?

Na “Execução de Cristo” inspirámo-nos numa obra de Manet, por sua vez inspirado na “Noite de 3 de Maio de 1808”, de Goya. O massacre é um tema que também percorre a história da arte. A composição deste trabalho é inspirada nestes autores e a escolha dos personagens, Cristo e Mao Zedong, teve que ver com a nossa experiência pessoal de sobrevivência. Mao foi um dos grandes tiranos do século XX. Mais de dez milhões de chineses morreram devido à perseguição política que fez. O nosso pai foi uma dessas pessoas. Este trabalho revela a violência do ditador contra a natureza humana. O confronto entre Mao e Jesus Cristo corresponde à situação real de oposição aos valores do Ocidente, à liberdade e aos direitos humanos. 

Na vertente fotográfica, o vosso trabalho é marcado, entre outras obras, pela série “Sense of Space”.

É um trabalho em fotografia que aborda o comportamento. Foi feito em 2000 e, através de um armário, metaforizámos a forma como as pessoas se encaixam no seu espaço, no seu isolamento. Um estado de solidão, de depressão e muitas vezes de sufoco. Tem que ver com o viver num estado totalitário, mas também é relativo à forma de viver nas grandes cidades em que as pessoas são espremidas espiritualmente para poderem sobreviver.

São multifacetados e trabalham sempre em equipa. Como é que corre esta colaboração?

A nossa colaboração é, de facto, muito simples. Se um de nós tem uma ideia, discutimo-la para tentar perceber se tem algum valor. Se ambos sentimos que sim, depois começamos a pensar como é que a podemos concretizar. Se ambos sentimos que não tem valor, normalmente desistimos. Se um de nós acredita muito na ideia, pode avançar individualmente.

Estão no 798 Art District, um espaço privilegiado da cena artística de Pequim. Como é que foram para o bairro das artes?

Em 2004, juntamente com outros artistas, alugámos um estúdio no 798. Estávamos a criar um espaço inovador de criação artística. Fizemos ainda algumas exposições mas, devido à pesada crítica política, as autoridades alarmaram-se e o projecto acabou por não avançar. Mais tarde, acabámos por arrendar, sozinhos, o estúdio onde ainda nos encontramos. A nossa casa é aqui, é aqui que criamos e este é o espaço onde os nossos trabalhos de maior relevo foram produzidos.

Ainda no que respeita ao vosso aspecto interventivo. Como é que lidam com as reacções, tanto do país como do mundo, sendo que são bem diferentes?

Quer na China, quer em qualquer outra parte do mundo, pensamos que as pessoas entendem mal o nosso trabalho e a parte da crítica política acaba por parecer que é a sua totalidade. Às vezes sentimos que as nossas criações, para o público, não passam disso, de crítica política. Na realidade, achamos que somos pensadores que expressam as suas ideias através das artes visuais. A política real é apenas uma parte do nosso pensamento e até mesmo uma pequena parte, mas, claro, uma parte importante. Por esta vertente fazer parte do nosso trabalho, tem causado muita controvérsia. Na realidade, criamos trabalhos de géneros muito diferentes. Prova disso é por exemplo a expressão da mudança na paisagem urbana em fotografia presente na série “Never Completed Buidings”. Foi um trabalho que passou por várias cidades mundiais e que explora a relação entre comunicação e comportamento. Com o bloqueio da Internet, criámos a performance “Broken Wall”. Abordamos ainda as mudanças sociais como “In Beijing, One Day Can Go Far”. Fazemos documentários, pintura e fotografia abstracta também.

Como vêem o futuro da China? E como gostariam que fosse?

Para olhar para o futuro da China temos de fazer uma passagem pela história do país. Temos ainda de construir a história contemporânea das principais forças políticas de modo a conseguir fazer julgamentos de valor realistas. A história provou que a introdução da ditadura soviética e a construção de um sistema totalitário que ainda permanece no comunismo chinês foram um erro. Sun Yat-sen defendia o princípio do povo para um governo constitucional republicano, era o objectivo deste país. Seria o fim dos milhares de anos de história ditatorial imperial e o estabelecimento da primeira república da Ásia – a República da China. Em 1945, depois da guerra, poderíamos ter a construção de um sistema constitucional com eleições democráticas e uma constituição partidária. É lamentável que uma tão prometedora república tenha sido também “rasteirada” pelas conjunções geopolíticas do final da Segunda Guerra Mundial, em 1949, quando o partido comunista soviético apoiou o homónimo chinês. A subversão aconteceu a partir daí. A China embarcou num sistema despótico de um partido único. Foi o caminho para a escravatura. Lamentavelmente, o círculo intelectual ainda não consegue avaliar verdadeiramente esta situação e permanece obcecado com a disputa entre a perspectiva reformista e a “Grande Prosperidade da Revolução Cultural”. Estamos convencidos de que o futuro da China poderá, um dia, passar pelo restauro de alguma justiça histórica, retornar à República da China, criar uma verdadeira soberania do povo e percorrer o caminho de uma democracia constitucional.

10 Jul 2017

Shenzhen | À procura de propostas para Bienal de Urbanismo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]té ao dia 2 do próximo mês, o Instituto Cultural (IC) está a receber propostas para a Bienal Bi-citadina de Urbanismo/ Arquitectura de Shenzhen e Hong Kong, que se realiza na cidade chinesa. O IC é o responsável pelo pavilhão da RAEM no evento, em colaboração com a Associação de Arquitectos e o Instituto de Planeamento Urbano de Macau.

Este ano, a Bienal Bi-citadina escolheu como tema “Cidades, Crescer na Diferença”. Organizada de dois em dois anos, é a única bienal ao nível mundial dedicada exclusivamente à temática permanente da cidade, refere o IC. Conta já com seis edições, onde foram expostas mais de 930 obras provenientes de todo o mundo, organizados mais de 510 eventos e fóruns, atraindo assim mais de 1,1 milhões de visitantes.

Com a participação no certame, o IC espera reforçar a cooperação entre Macau e Shenzhen e promover o intercâmbio cultural, de modo a aumentar o conhecimento dos residentes de Macau sobre as tendências culturais no âmbito do urbanismo e da arquitectura da China e do estrangeiro. Além disso, pretende-se despertar o interesse pela arquitectura, planeamento urbanístico, arte e design.

A recolha de propostas tem como objectivo seleccionar talentos locais e os seus trabalhos, “garantindo assim que a qualidade das obras do pavilhão e o projecto possam decorrer de forma aberta e justa, sendo encorajado o público a participar activamente”, acrescenta o Instituto Cultural.

10 Jul 2017

Teatro polaco apresenta adaptção de o “Rei Lear”, de Shakespeare, no Centro Cultural

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma reinvenção de Shakespeare, anunciada para 10 de Setembro. O Centro Cultural de Macau recebe o espectáculo “Canções de Lear”, uma adaptação alternativa da peça “Rei Lear”, numa encenação da companhia polaca Song of the Goat.

Entre salpicos de cantos gregorianos e salmos bíblicos, ‘Canções de Lear’ é uma versão sonora da icónica tragédia de Shakespeare dirigida pelo co-fundador da companhia Grzegorz Bral”, descreve o Instituto Cultural (IC), responsável pela organização. O espectáculo “desfia uma trama ecléctica de sons” através de 12 canções originais concebidas pelo instrumentista polaco Maciej Rychły e pelo compositor corso Jean-Claude Acquaviva.

Pontilhada por intensos rasgos de percussão, a performance é acompanhada pelo ocasional timbre metálico de um violino, o exotismo de um harmónio indiano e o alaúde africano (kora)”, conta ainda o IC. Onze artistas vão cantar e mover-se sobre excertos seleccionados da peça original, interpretados num cenário minimalista, expandindo a significância da tragédia shakesperiana para o mundo contemporâneo.

A companhia Song of the Goat foi fundada em 1996 em Wroclaw, na Polónia, por Grzegorz Bral e Anna Zubrzycki. Desde então que a trupe experimental tem expandido a sua actividade e reputação internacional, tendo-se tornado numa das mais entusiasmantes e vanguardistas companhias teatrais europeias, refere o IC.

Em 2012, as “Canções de Lear” foram muito saudadas pela crítica em Edimburgo, tendo conquistado outros palcos europeus em diversas digressões. O feitiço polifónico da companhia também atravessou o Atlântico e chegou a reconhecidos festivais como o Next Wave, de Nova Iorque, ou o Santiago a Mil, no Chile.

Para os que tenham interesse em descobrir mais sobre estas “Canções de Lear”, haverá uma tertúlia pré-espectáculo de entrada livre. Moderada em cantonense, a sessão terá lugar na sala de conferências do Centro Cultural, uma hora antes do espectáculo. A ideia será partilhar algumas perspectivas sobre a música, o teatro e o percurso da companhia.

7 Jul 2017

Fotografia | Bruno Saavedra expõe “Made in China” em Lisboa

O tempo de residência em Macau ajudou-o a compor um projecto que está em exposição até finais do mês de Setembro em Lisboa, na Casa Independente. “Made in China”, da autoria do fotógrafo Bruno Saavedra, é uma viagem pela “Ásia lisboeta”, com imagens que fogem do “óbvio”

[dropcap]C[/dropcap]omo surgiu o projecto “Made in China”?
A exposição tem fotografias da Ásia, mas de uma Ásia lisboeta. Todas as imagens foram feitas no Intendente, na Mouraria e nos Anjos, aqui em Lisboa. “Made in China” é uma exposição de fotografias resultante do trabalho desenvolvido na quinta edição do workshop “Narrativas Fotográficas do Intendente”, leccionado pela fotógrafa Pauliana Valente Pimentel, e realizado pela Casa Independente em 2016. Deste workshop, também estão expostos mais três trabalhos: “Glowing Up”, de Ana Antunes, “Pequena Cirurgia”, de Ana Bernadino, e “Caixa de Viagens”, de Sara Maia. O trabalho para esta exposição foi desenvolvido entre os meses de Novembro de 2016 e Fevereiro deste ano. Como a Pauliana sabia que vivi em Macau durante quase quatro anos, insistiu que eu desenvolvesse o trabalho sobre a comunidade chinesa.

Macau estará decerto presente nesta exposição. Que zonas do território ou que partes das culturas decidiu retratar?
Os quase quatro anos que vivi em Macau ajudaram-me de uma forma muito directa no desenvolvimento deste trabalho. O projecto narrativo retrata uma visão diferente e subtil da comunidade chinesa no Intendente, e fui à procura de detalhes e imagens que, de alguma forma, me fizessem conhecer a história das suas vidas e o modo como os chineses vivem nas freguesias mais cosmopolitas de Lisboa. Durante três meses, visitei casas, restaurantes, centro de estética, cabeleireiros, centro de massagens, escolas, lojas, supermercados, templos, igrejas, médicos, cafés, jornais. Acabei por descobrir que no Intendente existe uma verdadeira China, mas restrita e muito fechada. É uma China sofrida com memórias de outros, mas também nossas. Ouvi histórias, verdadeiros contos chineses. Pessoas que vivem clandestinamente e trabalham 16 horas por dia para conseguir juntar algum dinheiro com o sonho de regressar à sua terra natal. Finalizei o trabalho pela altura das comemorações do Ano Novo Chinês. Era o início do ano do Galo. Eles levam a mudança do ano muito a sério e está enraizado nas suas crenças e tradições. Na véspera do Ano Novo, os chineses limpam e arrumam a casa, cortam o cabelo, fecham as contas, presenteiam os deuses que protegem a casa, preparam as roupas, organizam as contas e o comércio. A cor vermelha, por ser yang e vibrante, é a predominante durante as comemorações do Ano Novo. O vermelho simboliza a transformação, o movimento e a vida, por isso, as mulheres usam um vestido novo nesta cor para atrair a sorte e o amor ao longo do ano.

Que China poderá o público ver nesta exposição?
Tentei fugir do óbvio dos retratos chineses, e entrar o máximo que conseguisse na vida dos chineses. Não foi fácil, mas a insistência também me ajudou muito. Também contei com a ajuda de uma amiga de Macau para a tradução e comunicação, a Virginia Or, que esteve quase sempre comigo. Nesta exposição o público poderá ver uma Ásia lisboeta, muito restrita e fechada.

O público português está a começar a ter uma curiosidade crescente sobre os países que estão deste lado do mundo?
A China e todos os países da Ásia sempre geraram curiosidade, mas penso que é preciso quebrar algumas barreiras, como a da língua. O público português tem um grande interesse pela cultura e costumes chineses, mas a verdade é que aqui em Lisboa essa curiosidade pode ser “quebrada” muito facilmente: basta irmos aos bairros do Intendente, Mouraria e Anjos.

A China, e até Macau, são os territórios que geram mais curiosidade e interesse?
A presença de Portugal em Macau representou um notável encontro entre Oriente e Ocidente, e é por esse motivo que, até aos dias de hoje, a China gera interesse no Ocidente. E para mim não há dúvidas de que este seja um dos principais motivos para que exista toda esta curiosidade e interesse pela China.

Expectativas para este projecto? Poderá vir a Macau?
O projecto fica até dia 30 de Setembro na Casa Independente, mas tenho muita vontade de o levar a outras galerias e espaços culturais aqui em Portugal. Neste momento estou em contacto e analisando algumas propostas. Levar o “Made in China” a Macau seria a concretização de um sonho, espero poder realizá-lo.

7 Jul 2017

Hong Kong | A história que os mortos contam, por Jason Wordie

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um passeio dedicado a quem gosta de história. Está marcada para o próximo sábado, em Hong Kong, mais uma iniciativa do historiador Jason Wordie, que organiza com regularidade caminhadas por diferentes pontos da antiga colónia britânica. Os percursos são acompanhados com enquadramentos e explicações sobre o passado do território.

Desta feita, a proposta leva os interessados até Happy Valley, uma das zonas da ilha de Hong Kong “com maiores contradições urbanas”, refere a organização do evento. Nas imediações do Hong Kong Jockey Club, vários cemitérios recebem os mortos de diferentes religiões: muçulmanos, católicos romanos e hindus.

É ali também que está o Cemitério de Hong Kong – em tempos conhecido como Cemitério Colonial – onde estão sepultados protestantes europeus, ortodoxos russos e seguidores de outras religiões. Várias campas estão ocupadas com os restos mortais de japoneses que viveram em Hong Kong antes da guerra, sendo que muitas delas são de jovens mulheres.

Com o passeio pretende-se dar a conhecer, a partir dos cemitérios, as contribuições sociais e económicas das várias comunidades que passaram por Hong Kong durante o último século e meio.

Jason Wordie é um historiador que vive em Hong Kong e que organiza este tipo de visitas com regularidade. Tem vários livros publicados sobre a antiga colónia britânica e também sobre Macau.

6 Jul 2017

Kodo | Conceito japonês inspira Fortes Pakeong Sequeira

É uma exposição relâmpago. Acontece num stand de automóveis e apresenta sete trabalhos de Fortes Pakeong Sequeira. A ideia é mostrar o que a pintura pode fazer tendo por base o conceito japonês de Kodo, o novo modelo da marca, mas também o ponto de partida para a exploração plástica

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista multifacetado local Fortes Pakeong Sequeira alinhou agora num projecto diferente. O convite para a produção de uma exposição individual que tivesse como mote um modelo de carro veio da Mazda.

Pakeong não hesitou. Kodo, mais do que uma palavra ou modelo de carro, é um conceito. “A palavra é japonesa e transmite uma ideia para apresentar um carro, mas refere-se sobretudo à ideia de movimento, de andamento fluido”, diz o artista ao HM.

Foi esta analogia que deu a Fortes Pakeong Sequeira o mote para começar a produzir os trabalhos que integram a exposição em formato pop up, com data marcada para o próximo sábado.

A mostra do artista local reúne sete trabalhos, entre acrílico e marcador sobre tela, sendo que “uns são grandes e outros mais pequenos”, dependendo como sentia o trabalho que ia fazendo.

Quando teve conhecimento do convite para a produção da exposição, começou a investigar o conceito que lhe foi dado. “Acabei por perceber que para mim era uma área divertida e que Kodo tinha muito por onde pegar”, conta o artista.

Simultaneamente, Fortes Pakeong Sequeira, foi notando que o que teria de tratar seria algo que não se pode tocar, mas que se sente. “É relativo a um objecto irreal, é mais como um sentimento que tem que ver com movimento e mesmo com velocidade”, diz. Para o artista é uma espécie de linha invisível, que anda, e é esta a ideia que pretende transmitir principalmente com as peças que utilizam o desenho a marcador.

Em grande formato

Por outro lado, não deixa de fazer referência a uma tela de grande dimensão que estará no stand da Mazda de Macau. “Um dos trabalhos novos que fiz é uma peça em grande escala. O nome é apenas Kodo.”

É também este o trabalho que materializa a ideia original, feito em apenas uma semana. “Quando comecei esta obra de maior dimensão – três metros por quase dois – era para ser uma peça feita apenas com o recurso a marcador sobre tela.” O objectivo, sublinha, era mostrar com a técnica uma abordagem ao mais básico que o conceito poderia ter. Com o andar da produção, as ideias foram crescendo e Fortes quis transmitir mais. “Depois de dois dias de trabalho senti que não era suficiente. Percebi que havia muito mais coisas que queria dizer e transmitir às pessoas, foi quando comecei a usar acrílico e a cor.”

Para o artista, apesar de o trabalho estar associado a uma campanha de publicidade, não deixa de ser interessante. “O conceito da própria marca é muito bom, e capaz de ser passado para a pintura, por exemplo, até porque se trata de uma ideia que vai além do carro, da máquina em si, e pode ser explorado de várias formas.”

6 Jul 2017

Fotografia | Lago Baikal, na Sibéria, em exposição em Macau

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]ao Ip é um “assalariado” local. É esta a apresentação do também fotógrafo que se aventurou no Inverno siberiano em busca de imagens únicas. Cansado da monotonia diária, fez-se à estrada de câmara em punho. Lao foi ao lago Baikal para criar um conjunto de 30 imagens que vão estar, a partir de sexta-feira, expostas no espaço da associação Find Art Macau.

No entanto, o lago parece ser apenas o mote. De acordo com a apresentação do evento, Lao trouxe um documento dos cenários e vidas que acontecem nesta zona em que parte do ano é gelada.

O fotógrafo foi para Baikal no Inverno do ano passado e as temperaturas rondavam os 30 graus negativos. Mas não foi o frio que deteve o jovem de 28 anos. As paisagens são descritas como “magníficas” e mostram a existência de uma beleza particular, em situações extremas. A luz do dia e as particularidades nocturnas foram capturadas. A ideia é conseguir transmitir “uma atitude positiva quando se olha o ambiente, seja ele qual for”, lê-se na apresentação da mostra. A exposição conta com a curadoria do artista plástico João Lázaro das Dores.

5 Jul 2017

João Botas, autor de biografia sobre Silva Mendes: “Deixou um legado de um valor inestimável”

“Biografia de Manuel da Silva Mendes 1867 – 1931” é o mais recente livro de João Botas. A obra foi apresentada ao público na mais recente edição da Feira do Livro de Lisboa. O autor considera que Silva Mendes é uma personagem ímpar da história do território

[dropcap]P[/dropcap]orquê a escolha de Manuel da Silva Mendes?
Por vários motivos. Primeiro, porque foi num texto dele que me inspirei para dar nome ao blogue onde tenho vindo a divulgar a história de Macau desde 2008, o “Macau Antigo”, e que já ultrapassou um milhão de visitantes. Depois, porque Silva Mendes foi professor no Liceu de Macau, onde completei o ensino secundário. Acresce que há uns anos fui contactado por familiares de Silva Mendes que diziam querer saber mais sobre a sua vida. Encarei a abordagem como um desafio e, desde logo, pensei em escrever sobre a história da vida e legado de um homem que foi uma figura marcante da história de Macau na primeira metade do século XX e, inexplicavelmente, ainda nada de substancial tinha sido feito.

No decorrer das pesquisas, que factos mais o surpreenderam neste homem?
A multiplicidade de actividades a que se dedicou, um ou outro detalhe de âmbito mais pessoal que, julgo, ninguém até hoje conhecia, a dimensão e qualidade da sua colecção de obras de arte, um legado que em parte ainda hoje pode ser apreciado no Museu de Arte de Macau. Outro facto surpreendente foi a rapidez com que Silva Mendes construiu a sua casa, hoje a United Nations University International Institute for Software Technology. Ele chegou ao território em 1901 e, por volta de 1908, já a mansão estava pronta.

De professor a sinólogo. Qual o legado que deixou a Macau?
Manuel da Silva Mendes deixou um legado de um valor inestimável. Logo após a sua morte, Governo e sociedade civil de Macau, portugueses, macaenses e chineses, tiveram a noção clara da sua importância, a ponto de terem adquirido muitas das peças da sua colecção. As obras de cerâmica de Sek Wan ainda hoje constituem uma das mais valiosas colecções do género ao nível mundial. Não é de somenos importância as centenas de artigos publicados na imprensa local ao longo de quase 30 anos, bem como os livros que publicou, não só sobre Macau do seu tempo, como também sobre a cultura chinesa. 

Como está a ser recebido este livro?
A apresentação ao público na Feira do Livro de Lisboa, bem como as sessões de autógrafos que se seguiram, decorreram muito bem. Houve muitas pessoas a assistir e a participar de forma activa, e isso deixa-me satisfeito, é claro. Até ao momento, as reacções que tenho recebido têm sido muito positivas. Já recebi alguns convites para fazer palestras sobre o livro em Portugal e espero que, em Outubro, (mês em que se assinalam os 150 anos do nascimento de Manuel da Silva Mendes), possa regressar a Macau para a apresentação pública do livro através do Instituto Cultural, co-editor da obra. Por essa altura, o livro já vai estar à venda em várias livrarias do território. Em Portugal, está disponível na Livraria do Turismo de Macau, em Lisboa, e já recebi alguns contactos de outras livrarias que estão interessadas.

A seguir, o que pensa fazer? Que vida vai pesquisar?
Esta foi a minha estreia no mundo das biografias e, confesso, fiquei entusiasmado com o género. Tenho mais dois ou três nomes em carteira de personalidades ‘macaenses’ que gostaria de biografar, mas não depende apenas de mim a sua concretização. Tenho também outros projectos relacionados com a história do jogo e do turismo bastante aliciantes. Faço-o com muito prazer, mas apenas nos tempos livres; além de tempo, são precisos apoios, nomeadamente financeiros. Já escrevi quatro livros (e outro em co-autoria) sobre a história de Macau, mas parece que como cartão-de-visita ainda não chegam para conseguir financiamentos. Para esta biografia, por exemplo, a Fundação Macau concedeu-me cinco mil patacas. Obviamente, recusei.

Porquê o interesse pelos homens de Macau?
O meu interesse pela história de Macau é o mais abrangente possível. Há quase duas décadas que venho coleccionando objectos – e já tenho uns cinco mil – sobre Macau (postais, fotografias, moedas, notas, livros, carteiras e caixas de fósforos, lai sis, jornais, revistas, calendários, bilhetes de cinema e de transportes, folhetos turísticos, etc.) num projecto que intitulei de “Macau Memorabilia” e que, um dia, tenciono transformar numa exposição iconográfica sobre a história de território, no século XX. Tenho uma colecção de cerca de 50 mapas/plantas de Macau que um dia também tenciono mostrar publicamente. Outro projecto antigo que tenho vindo a equacionar é passar para livro muitas das histórias que tenho vindo a publicar no blogue Macau Antigo. 

Acha que o território e a sua história precisam de ser mais conhecidos em Portugal?
Costumo dizer que, nestas coisas, mais nunca é de mais. Na medida das minhas possibilidades estarei, como sempre estive, disposto a dar o meu contributo. Talvez no domínio dos projectos audiovisuais possa haver novidades em breve. Recentemente recebi dois convites, mas para já é prematuro avançar com detalhes.

O que pode ser feito nesse sentido?
Tanta coisa. Mas muito tem sido feito. Quem está minimamente atento não pode deixar de reconhecer a profusão de eventos que se vão realizando em Portugal relacionados com Macau, nomeadamente pela Delegação do Turismo de Macau em Portugal.

5 Jul 2017

MAM | Relíquias da dinastia Qing a partir de Dezembro

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] nome ainda não está definido, mas a exposição é certa. Para já, e provisoriamente, chama-se “Armas Imperiais da Colecção do Museu do Palácio” e tem data de abertura marcada para Dezembro na galeria do quarto piso do Museu de Arte de Macau (MAM).

“A exposição realiza-se mais uma vez no âmbito de uma parceria com o Museu do Palácio Imperial de Pequim, que tem resultado em exposições anuais de grande envergadura”, explica a direcção do museu. Esta já é a 25.a edição da iniciativa que pretende, de acordo com a organização, “dar a conhecer aos visitantes a arte e a cultura da China, através de algumas das mais relevantes relíquias do património cultural do Continente”.

Estarão em exposição cerca de 150 objectos que incluem armas, na sua maioria do período da dinastia Qing, sendo que podem ainda ser vistos objectos que datam de dinastias anteriores.

“Os Manchús no poder durante a Dinastia Qing dedicavam-se tradicionalmente à caça, razão que acrescenta aos motivos estritamente militares o interesse especial pelas armas e por todo um conjunto de objectos cerimoniais ligados ao universo do armamento”, explica a organização.

A exposição organiza-se em torno de três núcleos temáticos. São eles: cerimónias, costumes e organização militar. Em destaque estarão armaduras, capacetes e adornos utilizados pelo imperador nos grandes desfiles imperiais, e arcos e flechas usados nas caçadas imperiais. O MAM destaca ainda a mostra de carimbos na altura nos decretos do imperador.

4 Jul 2017

Taipa Art Village | Esculturas em madeira para ocupar o olhar

São esculturas em contraplacado que desafiam o olhar humano. Estão a partir de amanhã em exposição no Village Art Space e concretizam o resultado de três anos de pesquisa do artista locai Tong Chong

[dropcap style≠’circle’]“R[/dropcap]estless Nature” é a exposição que está, a partir de amanhã, aberta ao público no Village Art Space. A galeria situada na Taipa apresenta os trabalhos do artista local Tong Chong.

Mais do que natureza sem descanso, “Restless Nature” é traduzida pelo curador João Ó por “natureza inquieta”. “Além de manifestar um movimento na natureza, percebi que estes trabalhos representam ainda a inquietação do próprio artista e que a natureza se reflecte nele, até porque ele também está a mudar”, referiu ao HM.

Depois de três anos de pesquisa em torno de uma técnica pioneira na arte de esculpir contraplacado, o resultado é um conjunto de sete peças em que cada uma demorou cerca de seis meses a ser produzida.

Os trabalhos fazem parte da investigação do artista, que durou cerca de três anos. O conjunto de peças integra ainda o projecto de mestrado de Tong na Academia de Artes de Cantão.

Para o efeito, o artista desenvolveu uma técnica pioneira para trabalhar aquilo que é conhecido como contraplacado. “No fundo, o que fez foi pegar no conceito de contraplacado, criar uma massa em madeira e depois trabalhá-la”, explica João Ó. No entanto, sublinha o curador, “o grande desafio de Tong foi encontrar processos de colagem capazes de resistir às intempéries”.

Apesar de Tong Chong ser conhecido essencialmente pelo trabalho na pintura, ao qual tem dedicado os últimos 15 anos, com esta exposição o artista local mostra a sua versatilidade.

A exploração da madeira não é nova. “Ultimamente tem vindo a desenvolver algumas formas pictóricas com a criação de figuras fictícias, aproveitando a forma natural dos troncos.”

A grande diferença é que, desta vez, Tong Chong enveredou por uma análise profunda do próprio processo da escultura. Mudou de carvão sobre tela, em que assumia um estilo naïf, para a construção do objecto em que mantém o estilo, mas através de outra técnica.

Revelar nas falhas

As esculturas em exposição têm uma grande enfâse no espaço negativo que corresponde à matéria tirada durante o processo. “É também este espaço que induz ao movimento que se sente no seu trabalho. Apesar de se tratar de um objecto estático, a peça induz ao movimento em dois sentidos: pelo próprio trabalho e pelo que exige do público. “Alguns dos trabalhos vão estar expostos no meio da galeria, de modo a que as pessoas se possam deslocar à volta das peças, até porque se tratam de objectos tridimensionais.”

O curador fala ainda de algumas das obras que vão estar expostas. “Por exemplo, Chong tem uma peça em que aborda o desenvolvimento de nuvens, noutra cardumes de peixes e uma terceira a que chama de circular. Todas elas, pela sua forma e movimento, vão de encontro a uma mensagem simples: a natureza está em constante mudança e é cíclica, salienta João Ó.

Tong Chong tem marcado o seu trabalho com a exploração da sociedade moderna, das suas culturas e, acima de tudo, do quotidiano do ser humano, das suas acções e hábitos.

O artista enfatiza a emergência de um retorno à natureza e de uma orientação de papéis numa análise do comportamento humano nas sociedades modernas.

4 Jul 2017

Literatura | Granta unificada com edição simultânea em Portugal e no Brasil

Textos de autores portugueses e brasileiros, escritos sem alterações à ortografia, numa revista que vai ser publicada em simultâneo dos dois lados do Atlântico. A Granta quer chegar a escritores de todo o universo lusófono

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] revista literária Granta Portugal terá, a partir de 2018, uma edição única em língua portuguesa, publicada em simultâneo em Portugal e no Brasil pela Tinta-da-China, com textos de autores portugueses e brasileiros e sem alterações ortográficas.

Em declarações à Lusa, a editora portuguesa Bárbara Bulhosa apresentou esta nova vida da revista, a “Granta unificada”, como “um projecto literário de língua portuguesa – de modo nenhum um projecto português”, em que se manterão a periodicidade semestral e o director, o jornalista Carlos Vaz Marques.

“Creio, aliás, que não há precedente e que será a primeira vez que teremos uma revista literária com edição simultânea em Portugal e no Brasil”, observou.

“Já como Granta Portugal dávamos uma atenção especial à literatura brasileira, tendo publicado autores brasileiros em três números diferentes, [e] queremos contribuir, deste modo, para uma aproximação entre todos aqueles que se interessam pela literatura no nosso idioma, independentemente do espaço geográfico de que provêm”, sublinhou.

Se o modelo da revista sempre assentou em edições temáticas em que eram encomendados textos a diversos autores, a partir de 2018, o leque de autores será bastante mais alargado, indicou Bárbara Bulhosa.

“Com a edição simultânea no Brasil e em Portugal, passaremos a convidar a cada número escritores brasileiros e portugueses, enriquecendo em muito a diversidade e o interesse da revista. Estamos, aliás, interessados em autores de todo o mundo onde se fala e escreve em língua portuguesa”, referiu.

Objecto de coleccionador

Até agora, todos os textos da Granta têm sido sempre acompanhados por uma ilustração, com um ilustrador convidado em cada número, existindo também sempre um ‘portfolio’ fotográfico, traduzindo visualmente o tema de cada edição pela lente de um grande fotógrafo.

A partir do número 11, anunciou a directora editorial da Tinta-da-China e Tinta-da-China Brasil, “a curadoria de imagem da Granta estará a cargo do fotógrafo Daniel Blaufuks, que já viveu no Brasil e acaba de ser distinguido em Portugal com o mais importante prémio para as artes visuais que é atribuído em Portugal, o prémio AICA”.

“Estas duas particularidades visuais – a ilustração dos textos e o ‘portfolio’ fotográfico – dão à Granta um carácter único, tornando-a um objecto bonito e requintado, para coleccionar”, observou.

A Granta Portugal foi criada em 2013, com periodicidade semestral, e saíram até agora nove números, estando em preparação o décimo, que sairá em Outubro ainda apenas em Portugal, pelo que será o 11.º, programado para Maio de 2018, o primeiro com edição simultânea em Portugal e no Brasil.

“Na altura em que surgiu a Granta Portugal, existia ainda uma edição brasileira da revista que, entretanto, deixou de ser publicada”, explicou a editora, acrescentando: “Está na altura de devolvermos a Granta aos leitores brasileiros, num projecto renovado, alargado, mais ambicioso e capaz de fazer pontes entre o Brasil e Portugal”.

“Como marca literária internacional, a Granta foi responsável pela afirmação de grandes nomes da literatura de língua inglesa, como Salman Rushdie, Julian Barnes ou Martin Amis, [e] cada número da revista é composto em idêntica proporção por textos originais e por textos traduzidos a partir de edições da Granta noutras línguas, em particular da Granta de língua inglesa, cujo património de décadas é extraordinário”, salientou.

“Começámos a medo, comprometendo-nos a fazer apenas quatro números, para evitar que o projecto pudesse virar fracasso. O sucesso até a nós surpreendeu: venderam-se oito mil exemplares do primeiro número, um pouco menos daí para cá, mas muito acima das nossas melhores expectativas”, comentou Bárbara Bulhosa.

Os cerca de mil assinantes que a revista tem em Portugal também ajudam a garantir a viabilidade do projecto, referiu a responsável, anunciando que “haverá também uma campanha de assinaturas no Brasil, oferecendo vantagens consideráveis a quem assinar a revista”.

3 Jul 2017

Imagens | HK Urbex à procura da memória colectiva de Hong Kong

Na cidade dos arranha-céus, um grupo de jovens exploradores documenta, em fotos e vídeo, o interior de edifícios abandonados, na tentativa de os inscrever na memória colectiva de Hong Kong

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e a metrópole é frequentemente associada à modernidade e futurismo – no cinema já foi, por exemplo, a Gotham City de “Batman” e cenário de “Ghost in the Shell” – nos vídeos do grupo “HK Urbex” são os redutos mais antigos, e até decadentes, que estão em destaque.

O grupo de oito elementos, que mantém a identidade oculta, já entrou, sem autorização, em mais de 100 edifícios ou estruturas deixadas ao abandono em Hong Kong, desde um centro de detenção para a antiga agência de serviços secretos, a um hospital psiquiátrico, uma antiga mansão, escolas, cinemas, um mosteiro, um antigo matadouro.

“Há muito património, mas é difícil de ver. Muitos destes sítios são demolidos sem que ninguém conheça a sua história. Partilhamos informação sobre eles para que entrem na consciência colectiva”, diz à Lusa Ghost, de 34 anos, um dos fundadores do projecto.

Os edifícios com valor histórico – mesmo que não reconhecido oficialmente – são o ‘alvo’ preferido, mas também já entraram em “estações de metro [desactivadas], estaleiros de obras”, já que também “fazem parte da narrativa de Hong Kong” e são locais “que as pessoas não vêem normalmente”.

Há também blocos residenciais, sem particular traço arquitectónico, mas que representam uma forma de viver. É o caso do prédio Hoi Hing, em Tai Kok Tsui, onde as 283 fracções estão quase todas abandonadas, mas nem por isso vazias.

Além do avançado estado de decadência – janelas partidas, canos soltos, paredes lascadas – os corredores e os apartamentos do Hoi Hing estão repletos de coisas, móveis, roupa, sacos, caixas, papéis, um amontoado de lixo onde se avistam subitamente objectos pessoais: um sapato de bebé, um jornal de 1982, álbuns de fotografias. Num deles uma família à mesa, miúdos e graúdos de pauzinhos em punho, olha para a câmara com um ar desanimado.

O edifício de 53 anos – que conta na sua história com um macabro caso de homicídio de um casal pelo filho – aguarda demolição, tendo a propriedade sido adquirida por 2,6 mil milhões de dólares de Hong Kong.

O património que morre

Os dois fundadores do projecto HK Urbex (2013), Ghost e Echo Delta, estão atentos às notícias sobre demolições e novos projectos imobiliários, e até desenvolveram um “sexto sentido”. “Há sinais. Notamos que há um edifício sem ar condicionado, a parede está partida, começamos a investigar. Muitas vezes somos as últimas pessoas a entrar nestes edifícios.”

“Na última década muito património foi demolido ou renovado”, diz Echo Delta, lembrando o caso do Queens Pier, cujo anúncio de demolição gerou forte contestação. “Eu era jornalista na altura e estava a cobrir a história. Muitos jovens ficaram indignados e até se acorrentaram ao cais, fizeram greves de fome. Foi a primeira vez que assisti a isso e marcou-me muito”, conta.

Uma combinação de demolições e gentrificação estão a ter um impacto significativo na cidade, garantem os exploradores. “Está a mudar muito rápido, está sempre tudo em obras, não fazemos ideia de qual será o aspecto da cidade daqui a 20 anos”, diz Echo Delta.

“Em cantonês há um termo que quer dizer ‘memória colectiva’ e tem sido muito utilizado nos últimos anos, em que as pessoas se sentem nostálgicas em relação ao antigamente. O processo de gentrificação está descontrolado. Daqui a dez anos, até os sítios mais tradicionais vão ficar como Singapura, onde tudo tem um aspecto muito genérico”, comenta.

Os edifícios “formam a identidade de Hong Kong” e, na opinião dos exploradores, o ímpeto para os proteger insere-se na mesma narrativa da luta política por democracia. “Muitos jovens querem diferenciar-se da China, por isso há tantos grupos pró-democracia, o Occupy Central, o ‘localismo’. De certa forma, isto surge em paralelo com isso, estamos a defender a nossa identidade e parte dela são estes edifícios”, salienta.

Numa cidade que luta com a falta de espaço e bate recordes nos preços do imobiliário, Ghost considera “uma loucura” que existam tantos edifícios remetidos ao abandono, recordando uma notícia de 2015 que dava conta que cerca de 100 escolas permaneciam abandonadas.

Embora longe de ser representativo, um relatório oficial indica que existiam no ano passado 43.660 fracções vagas em propriedades privadas. “É incrível, numa cidade onde as pessoas têm de viver no espaço de duas mesas, é criminoso, viola mais a lei do que nós ao entrarmos nesses sítios”, destaca.

De toda a gente

Apesar de saberem que não é permitido, os dois consideram as incursões importantes. “Não conhecemos a história se não entrarmos”, afirma Echo Delta, lembrando as emoções fortes das suas incursões, onde se comovem, assustam, divertem.

“Os álbuns de fotografias dizem-me muito. Questiono-me sobre o que é feito daquelas pessoas. Cresceram, morreram, ainda estão em Hong Kong? É um pouco triste por vezes, são sentimentos mistos. O sapato de criança que encontrámos, por exemplo, é um pouco mórbido. Não conseguimos deixar de pensar ‘O que se passou aqui?’”, comenta.

Estes salteadores dos prédios abandonados, que têm como mote “Não levar nada, não deixar nada, não matar nada”, começaram por usar máscaras para esconder a identidade, tendo em conta a ilicitude dos actos.

As máscaras acabaram por se tornar numa forma de “combater a cultura das ‘selfies’ e do ego”, sublinha Echo Delta. “Estes sítios onde vamos não nos pertencem, são de toda a gente”.

2 Jul 2017

Pu Ching | Crianças que ajudam crianças

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] espectáculo é musical e integra a iniciativa anual que junta professores e alunos numa produção solidária. Este ano, sobe ao palco da Escola Pu Ching “Ester”, uma peça cantada em inglês. O dinheiro arrecadado com a venda dos bilhetes já tem uma finalidade: vai para a Associação Comunidade de Jesus Cristo Vale da Bênção, em Portugal. De acordo com a apresentação do evento enviada à imprensa, “é uma organização sem fins lucrativos que envia os seus voluntários para várias zonas de Portugal para ajudar famílias com dificuldades, órfãos e os mais necessitados.”

Motivar a solidariedade é o lema do Centro Internacional de Cooperação em Educação (CICE), a organização que tem a seu cargo a iniciativa. “A ideia é tentar ajudar crianças com necessidades, de modo a que os alunos da escola tenham noção de que ajudam outros como eles”, disse ao HM Natacha Fidalgo, que integra o CICE.

A iniciativa já existe há quatro anos e em cada evento é escolhida uma entidade que precisa de ajuda. No início, “os miúdos não tinham bem noção de que eram ricos aqui em Macau, não percebiam que além do território existiam pobreza e crianças com dificuldades.” Com este tipo de trabalho, saíram “da bolha” e aperceberam-se de que há crianças como eles a passarem dificuldades no mundo inteiro.

Por outro lado, e uma das maiores conquistas, considera Natacha Fidalgo, é a de “fazer perceber que, mesmo enquanto crianças, os alunos da Pu Ching podem dar a sua ajuda”.

29 Jun 2017

Poesia | Professor do IPOR lança livro no próximo sábado

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“Pedaços de Espelho e Anubis” é uma edição de autor de Carlos Santos, docente do Instituto Português do Oriente. Alguns dos poemas começaram a ser escritos ainda na adolescência e atravessam várias fases da sua vida

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]arlos Santos, docente de Português do Instituto Português do Oriente (IPOR), lança este sábado o seu primeiro livro de poesia, intitulado “Pedaços de Espelho e de Anubis”. Trata-se de uma edição de autor, com apenas 150 exemplares, que será lançada na galeria Casa do Povo, em Coloane.

O livro contém poemas que Carlos Santos tem escrito ao longo da sua vida. O incentivo de amigos e da esposa fez com que tivesse decidido reuni-los numa só obra.

“Comecei a escrever este livro há muitos anos. Quando o comecei a escrever ainda não era um livro. Depois fui juntando os poemas e no fim pensei que tinha um livro, e determinei que acabava naquele período. Chegou uma altura e disse: ‘Isto está pronto’”, contou ao HM.

“Pedaços de Espelho e Anubis” contém poemas que “podem reflectir aspectos pessoais, mas muitos dos assuntos reflectem temas com os quais me preocupei sempre ou pelos quais sempre tive interesse”. “O que pode mudar é a forma como isso se expressa. Há temas que sempre me interessaram”, disse.

O ser humano e o seu poder de concretização e realização é um deles. “A guerra, as cidades, são resultado da actividade do ser humano, a própria noção de ecologia vem do ser humano. Isso interessa-me. As cidades são onde tudo isto nasce, de certa forma. O Jorge Luís Borges falava das cidades onde as ideias e as pessoas se encontravam. A maioria das invenções nasceu nas cidades.”

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Lá longe, na Rodésia

Nascido em Moçambique, Carlos Santos começou a escrever muito cedo, ainda na adolescência, embora não se recorde do primeiro poema. “Se há um momento de origem, começou em miúdo. Até aos dez anos vivi na antiga Rodésia, que é hoje o Zimbabwe. Andava na escola inglesa e houve um concurso, escrevi um conto e recebi uma menção honrosa. Esse momento ficou. Sempre tive alguma apetência para as palavras. Depois começou o hábito da leitura que, para mim, era quase como beber água.”

O livro que se prepara para lançar contém poemas desse período, embora muitos tenham sido revistos e trabalhados novamente.

Quando fala do ser humano e das cidades, Carlos Santos fala do escritor argentino Jorge Luis Borges, embora as suas obras não sejam uma influência directa.

“As influências muitas vezes não são explícitas”, assume. “Jorge Luis Borges não é uma influência explícita, porque é outra dimensão, mas influenciou-me através de textos que ele escreveu, a forma como ele vê certas ideias, o que se retira daí é que me influencia. Eu penso desta forma porque foi ele que despoletou a minha forma de pensar”, apontou.

Carlos Santos ainda não se assume inteiramente como poeta, apesar de escrever desde que se lembra. Afirma ter de se habituar à ideia. A ideia é continuar a escrever versos e a publicá-los. Primeiro em Macau, se vender todos os exemplares, e depois em Portugal, sem esquecer a possibilidade de fazer uma versão online.

O docente do IPOR nunca quis escrever apenas para si, deixar as poesias eternamente na gaveta. “Tenho uma ideia, quem quiser ler, muito obrigado”, afirma, sem mais pretensões. Para ele a sua poesia é, acima de tudo, algo directo.

“Quero que a minha poesia seja seca, no sentido em que as palavras que lá estão têm uma função e importância, e não porque fiquem bem lá. É como ter uma bala numa pistola e ter de acertar”, conclui.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

29 Jun 2017

Vhils inaugura amanhã primeira exposição individual em Pequim

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista português Alexandre Farto, que assina como Vhils, inaugura amanhã “Imprint”, a sua primeira exposição individual em Pequim, composta por cerca de 70 retratos esculpidos em baixo relevo.

“Imprint” é constituída inteiramente por trabalhos novos, que espelham “a reflexão contínua do artista sobre a relação entre as cidades contemporâneas e os seus habitantes”, lê-se no texto de apresentação da exposição.

No Cafa Art Museum estarão expostos cerca de 70 retratos, “cada um esculpido num bloco independente”. Embora tenha Pequim como ponto de partida, a exposição “pretende ser simbolicamente representativa dos processos de trabalho numa outra qualquer cidade em qualquer parte do mundo”.

“Enquanto cada retrato fala de individualidade e singularidade, os materiais nos quais são esculpidos falam significativamente de uniformidade e homogeneização, uma vez que estes blocos produzidos em massa podem facilmente ser encontrados em estaleiros de obra e edifícios em todo o mundo”, refere.

Apesar de “Imprint”, que estará patente entre sexta-feira e 23 de Julho, ser a primeira exposição individual de Vhils em Pequim, não é a primeira na China. Em Maio, Vhils inaugurou a primeira exposição individual em Macau, acompanhada de uma série de murais, um trabalho em que o artista português afirma ter saído da zona de conforto.

A mostra em Macau seguiu as linhas da primeira exposição individual em Hong Kong, no ano passado, igualmente designada “Debris”, e que foi fruto de um trabalho de quase dois anos de preparação no âmbito de uma residência artística que Vhils realizou na antiga colónia britânica.

Nascido em 1987, Alexandre Farto cresceu no Seixal, onde começou por pintar paredes e comboios com graffiti, aos 13 anos, antes de rumar a Londres, para estudar Belas Artes, na Central Saint Martins. Captou a atenção a ‘escavar’ muros com retratos, um trabalho que tem sido reconhecido ao nível nacional e internacional e que já levou o artista a vários cantos do mundo.

Além de várias criações em Portugal, Alexandre Farto tem trabalhos em países e territórios como a Tailândia, Malásia, Hong Kong, Itália, Estados Unidos, Ucrânia, Brasil.

Em 2014, inaugurou a sua primeira grande exposição numa instituição nacional, o Museu da Electricidade, em Lisboa: “Dissecação/Dissection” atraiu mais de 65 mil visitantes em três meses.

Esse ano ficaria também marcado pela colaboração com a banda irlandesa U2, para quem criou um vídeo incluído no projecto visual “Films of Innocence”, editado em Dezembro de 2014, e é um complemento do álbum “Songs of Innocence”.

Em 2015, o trabalho de Vhils também chegou ao espaço, através da Estação Espacial Internacional, no âmbito do filme “O Sentido da Vida”, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.

Paralelamente ao desenvolvimento da sua carreira criou, com a francesa Pauline Foessel, a plataforma Underdogs, projecto cultural que se divide entre arte pública, com pinturas nas paredes da cidade, e exposições dentro de portas, em Lisboa.

29 Jun 2017

BOK | Artistas locais abordam a sociedade e desafiam os sentidos

São dois espectáculos de artistas locais que marcam a programação de hoje do festival de teatro experimental BOK. O teatro vai tratar alertar para a necessidade de comunicação. A música é um apelo à imaginação

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntrar nestes dias no edifício do antigo tribunal é não saber ao que se vai e, ainda assim, estar curioso para o que quer que possa acontecer. O festival BOK domina o espaço e promete pôr o público a experimentar novidades. Hoje, faz parte do programa teatro e música de artistas locais. Miki To e as “Water Singers” vão estar em palco para dois espectáculos que pretendem não deixar o público indiferente.

“Moderation” é a peça da dramaturga local Miki To. É um espectáculo que usa o tabuleiro de xadrez chinês como metáfora para jogos de forças e de interesse sociais e políticos.

Em palco vão estar, paralelamente, duas situações que se metaforizam mutuamente. Dois jogadores de xadrez de 1933 que se defrontaram antes da guerra com o Japão. Um chinês, outro nipónico, um com 19 anos, outro com 60. O mais velho, na altura, ganhou. Hoje, está na mesa um outro jogo. “O tabuleiro é o espaço onde a geração mais jovem de Macau tenta comunicar com as instituições locais, com um Governo que muitas vezes não a entende”, disse Miki To ao HM.

Dois confrontos que mais do que jogos são, considera a dramaturga, interacções políticas e sociais. “Por vezes, jovens e Governo posicionam-se em lados opostos da sociedade, mas não podemos ver estas posições a preto e branco, não se trata disso. Temos de ver os cinzentos, temos de ver onde comunicam. Neste sentido acontecem os movimentos, tal como no xadrez”, explicou a dramaturga.

A ideia apareceu com a observação da realidade vivida por muitos dos jovens de Macau. “Há pessoas que estão com ideias novas, que imaginam um futuro e que sabem o que querem fazer dele. No entanto, estas ideias não são muitas vezes as esperadas pela própria sociedade”, diz.

É para alertar para a importância de ideias “mais frescas” que “Moderation” existe. “Esta frescura é importante e mostra que os jovens querem tentar algo de novo, mas estamos numa sociedade com demasiadas regras e gostava de, com esta peça, encorajar estes jovens a avançarem, a atreverem-se e não se deixarem sufocar pelo estabelecido”, confessou Miki.

Diferentes, mas com respeito

Por outro lado, de acordo com a criadora de “Moderation”, “tal como num jogo, mesmo com o confronto, tem de existir o respeito e com isso espaço”. Em causa está aquilo que julga existir neste momento na sociedade local: o desrespeito pela diferença, sendo que é necessária “mais comunicação e, ao invés de se situarem em extremos opostos, Governo e sociedade precisam de arranjar uma forma de trabalhar para um lugar em que as diferenças sejam respeitadas”, explicou.

Para a dramaturga, o festival Bok representa já um movimento que dá oportunidade à geração mais jovem de mostrar o seu trabalho no território.

Só sons

Um concerto só de vozes e sons sem qualquer elemento visual é a proposta de “Picturesque”. O espectáculo é a primeira criação do grupo “Water Singers” constituído por quatro alunas do curso de música do Instituto Politécnico de Macau. A proposta é dirigida à imaginação.

As “Water Singers” existem desde 2014 e “Picturesque” é a primeira criação do ensemble feminino. O uso exclusivo do som foi uma escolha. “Pensamos que as pessoas, normalmente, imaginam mais o que olham do que o que ouvem, e o que é ouvido tem menos espaço na imaginação do que o que é visto”, explicou Bobo Loi. “Não é só música, o espectáculo tem vozes, efeitos de som, enfim, elementos que possam transportar as pessoas para dentro de si ou para uma viagem ao deserto, à floresta, à China ou à Europa”, rematou a intérprete.

28 Jun 2017

Plataforma online de museus ibero-americanos inclui 144 portugueses

O Museu Machado de Castro, que inclui a colecção de arte chinesa doada por Camilo Pessanha, é um dos museus presentes nesta nova plataforma

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Registo de Museus Ibero-americanos (RMI), plataforma online que reunirá mais de nove mil museus de Portugal, Espanha e América Latina, incluindo 144 da Rede Portuguesa de Museus, vai ser lançado na quarta-feira, em Madrid. O subdiretor-geral do Património Cultural David Santos revelou que a criação desta plataforma internacional é um dos projectos mais importantes do Ibermuseus, proposto há uma década, no I Encontro Ibero-Americano de Museus, em Salvador da Baía, no Brasil.

“É um projecto extremamente importante no sector dos museus porque dá acesso a informação ao público em geral sobre mais de nove mil museus e possui uma parte, mais restrita, para uso de investigadores e profissionais desta área”, explicou o responsável.

O projecto RMI vai ser lançado oficialmente hoje, quarta-feira, às 19h, hora de Macau, no Museu da América, em Madrid, com o objectivo de “seguir o caminho da cooperação e do diálogo, com vista ao fortalecimento de políticas públicas para o desenvolvimento do sector, considerando os museus como verdadeiras ferramentas de transformação social”.

Este projecto internacional do Ibermuseus – que reúne 22 países, incluindo Portugal – contou com a colaboração da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), representada no Observatório Ibero-Americano de Museus, onde foi incluída informação de todos os museus da Rede Portuguesa de Museus.

De acordo com David Santos, o portal foi criado com diversos filtros que dão acesso aos países e respectivos museus por tipologias, fornecendo informação variada das suas características, história e colecções. “Esta plataforma também vai ser fundamental para os museus contactarem entre si e estabelecerem parcerias, fortalecendo a colaboração internacional e a criação de projectos”, sublinhou.

David Santos recordou que, ao longo destes dez anos, o Ibermuseus desenvolveu vários projectos mas “o mais importante é, de facto, o RMI, pela sua dimensão, informação disponível e possibilidades de cooperação que facilita”.

A plataforma “possibilitará a investigação e o conhecimento da diversidade de instituições que formam este panorama diverso e fundamental para a preservação da memória”, acrescentou o subdirector-geral do património.

Toda a informação sobre o projecto estará acessível no site do Registo de Museus Ibero-Americano. A par do lançamento oficial do RMI em Madrid, o momento vai ser celebrado no Brasil, no Peru e no México.

28 Jun 2017

Lançado livro sobre diáspora judaica lusófona

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s comunidades de matriz judaica portuguesa espalhadas pelo espaço lusófono são o tema do livro “Judeus e Cristãos Novos no Mundo Lusófono”. “São conjuntos de textos que organizei, estando uma parte alinhada pelo tema da pesquisa histórica dos judeus de matriz portuguesa na diáspora. Há ainda alguns textos centrados na literatura produzida por autores que tenham alguma ligação ao judaísmo português”, explicou à Agência Lusa a coordenadora do trabalho, Marina Pignatelli.

De acordo com a investigadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), “há um texto, que está um pouco desgarrado mas que tem interesse e está ligado ao tema do judaísmo, que trata da imagem dos judeus no cinema português”. 

“O livro tem ainda textos mais etnográficos e antropológicos como o meu, centrado em Moçambique, que tratam mais das comunidades judaicas do presente”, sublinhou a coordenadora, doutorada em Ciências Sociais com especialidade em Antropologia Cultural.

Marina Pignatelli adiantou que o livro contém textos de 17 autores, em quatro línguas, nomeadamente português, espanhol, francês e inglês, que retratam as comunidades de matriz judaica portuguesa no Brasil, São Tomé e Príncipe, Moçambique e outros locais, como em Hamburgo ou na costa ocidental de África.

“A diversidade das línguas dos autores dos textos do livro reflecte bem o interesse internacional que existe na área dos estudos judaicos em relação à matriz portuguesa do judaísmo”, referiu a autora.

O investigador Tudor Parfitt, professor de estudos judaicos da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade Londres e membro do Centro de Estudos Hebraicos e Judaicos de Oxford, considerado o “Indiana Jones” britânico, pela sua procura por comunidades judaicas em todos os cantos do mundo, é um dos autores presentes na obra.

Macau presente

A coordenadora disse que a ideia do livro surgiu em 2010, quando decidiu pesquisar as comunidades sefarditas portuguesas, tendo descoberto uma pequena sinagoga em Maputo, com uma pequena comunidade e contactou Tudor Parfitt que a orientou a investigar as comunidades sefarditas em Moçambique e sugeriu que após isso, organizasse um congresso e escrevesse um livro sobre o tema.

Marina Pignatelli acabou por realizar o congresso em Novembro de 2015, que contou com a presença de centenas de investigadores. Os textos do livro coordenado por Marina Pignatelli são de investigadores que participaram neste evento, realizado em Lisboa.

“Os investigadores escreveram sobre as suas pesquisas mais recentes em torno do judaísmo de matriz portuguesa, no contexto de antigas colónias portuguesas ou noutros pontos da diáspora sefardita portuguesa”, disse a investigadora.

“Quando se fala no termo sefardita, fala-se muito, em geral, da diáspora judaica espanhola que fugiu da perseguição da Inquisição em Espanha”, acrescentou.

Para Marina Pignatelli, este livro serve para “marcar a presença e a importância da diáspora judaica de matriz portuguesa, os sefarditas portugueses, no mundo, tanto quanto a espanhola”.

Em 1946, o rei Manuel I assinou o decreto de expulsão dos judeus de Portugal, como havia acontecido anos antes com os judeus em Espanha, que foram expulsos daquele país em 1492.

“Esta matriz portuguesa mostra que o mundo sefardita não é só espanhol, está em paralelo 50/50 (português e espanhol), se quiser. Isto é visível no Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Japão, Índia, entre outros locais”, afirmou.

Outros investigadores que participam no livro são Florbela Veiga Frade, investigadora na Universidade Nova de Lisboa, Nancy Rozenchan, da Universidade de São Paulo, Asher Salah, da Universidade Hebraica em Jerusalém, o escritor são-tomense Orlando da Glória Silva Piedade, o pesquisador independente Saul Kirschbaum, o investigador da Universidade de Córdoba Marcos Pelayo e o autor francês Gérard Nahon, entre outros.

A obra, de 388 páginas, é publicada pelas Edições Colibri e já está a venda ao público português.

28 Jun 2017

Teresa Villaverde é a grande vencedora de festival em Basileia

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme “Colo”, da realizadora portuguesa Teresa Villaverde, foi distinguido com o grande prémio Bildrausch Ring of Cinema Art, no festival suíço Bildrausch, na cidade de Basileia. O festival, criado em 2011, classifica-se como um “festival de festivais” e é dedicado ao cinema de autor, tendo premiado, em 2016, Apichatpong Weerasethakul e Ruth Beckermann, ‘ex-aequo’, e, no ano anterior, Guy Maddin e Evan Johnson, a par de Shinya Tsukamoto.

O júri da competição internacional do Bildrausch Filmfest deste ano, considerada o “coração” do evento, foi composto pelo realizador filipino Lav Diaz, pela produtora holandesa Ilse Hughan e pela montadora austríaca Monika Willi.

Em comunicado, a Portugal Film salientou que o evento “convida novos filmes que pela sua linguagem cinemática idiossincrática e abordagem diferente à narração provocaram alguma agitação no circuito internacional dos festivais”.

Além de ter marcado presença com “Colo” numa competição internacional que incluía nomes como o sul-coreano Kim Ki-Duk ou o inglês Terence Davis, Teresa Villaverde foi objecto de uma secção própria sob o nome “Punk frágil”, na qual foram exibidos quatro filmes da cineasta: “A Idade Maior”, “Três Irmãos”, “Os Mutantes” e “Transe”.

“A acumulação de acontecimentos fatídicos desenvolve-se em histórias que têm um tipo de urgência dramática raras vezes vista no ecrã hoje em dia. Ela teimosa, delicada, resoluta e consistentemente rejeita imagens falsas e narrativas embelezadas, quer no seu cinema quer na vida em geral”, pode ler-se na descrição da secção dedicada a Villaverde disponível na página do festival.

Histórias do cansaço

“Colo” é a mais recente longa-metragem de Teresa Villaverde e estreou-se, em Fevereiro, no festival de Berlim, tendo desde então passado por festivais em Hong Kong, Áustria, Uruguai e Turquia, além de ter sido o filme de abertura do IndieLisboa deste ano.

Protagonizado por Beatriz Batarda e João Pedro Vaz, “Colo” é um filme com pouca esperança, sobre “sociedades exaustas” e sobre “a ideia do direito à felicidade, uma coisa de que praticamente já nem se fala”, disse a realizadora à Lusa em Fevereiro.

São personagens desamparadas, vítimas de um problema de comunicação: “Estão nitidamente perdidos, sem colo e sem saber sequer onde é que hão-de procurar esse colo e resolver as coisas. E eu, que estou a olhar para eles, também não sei o que lhes hei-de dizer. O filme é muito isso”, descreveu a realizadora.

Nascida em Lisboa em 1966, trabalhou com João César Monteiro, José Álvaro Morais e João Canijo antes de se estrear como realizadora nos anos 90.

É da mesma geração de realizadores como Pedro Costa e João Pedro Rodrigues, que também têm feito um percurso premiado e reconhecido por festivais internacionais. “Três Irmãos” (1994) teve estreia mundial em Veneza, “Os Mutantes” (1998) e “Transe” (2006) estrearam-se em Cannes, por exemplo.

27 Jun 2017