Imagens | HK Urbex à procura da memória colectiva de Hong Kong

Na cidade dos arranha-céus, um grupo de jovens exploradores documenta, em fotos e vídeo, o interior de edifícios abandonados, na tentativa de os inscrever na memória colectiva de Hong Kong

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e a metrópole é frequentemente associada à modernidade e futurismo – no cinema já foi, por exemplo, a Gotham City de “Batman” e cenário de “Ghost in the Shell” – nos vídeos do grupo “HK Urbex” são os redutos mais antigos, e até decadentes, que estão em destaque.

O grupo de oito elementos, que mantém a identidade oculta, já entrou, sem autorização, em mais de 100 edifícios ou estruturas deixadas ao abandono em Hong Kong, desde um centro de detenção para a antiga agência de serviços secretos, a um hospital psiquiátrico, uma antiga mansão, escolas, cinemas, um mosteiro, um antigo matadouro.

“Há muito património, mas é difícil de ver. Muitos destes sítios são demolidos sem que ninguém conheça a sua história. Partilhamos informação sobre eles para que entrem na consciência colectiva”, diz à Lusa Ghost, de 34 anos, um dos fundadores do projecto.

Os edifícios com valor histórico – mesmo que não reconhecido oficialmente – são o ‘alvo’ preferido, mas também já entraram em “estações de metro [desactivadas], estaleiros de obras”, já que também “fazem parte da narrativa de Hong Kong” e são locais “que as pessoas não vêem normalmente”.

Há também blocos residenciais, sem particular traço arquitectónico, mas que representam uma forma de viver. É o caso do prédio Hoi Hing, em Tai Kok Tsui, onde as 283 fracções estão quase todas abandonadas, mas nem por isso vazias.

Além do avançado estado de decadência – janelas partidas, canos soltos, paredes lascadas – os corredores e os apartamentos do Hoi Hing estão repletos de coisas, móveis, roupa, sacos, caixas, papéis, um amontoado de lixo onde se avistam subitamente objectos pessoais: um sapato de bebé, um jornal de 1982, álbuns de fotografias. Num deles uma família à mesa, miúdos e graúdos de pauzinhos em punho, olha para a câmara com um ar desanimado.

O edifício de 53 anos – que conta na sua história com um macabro caso de homicídio de um casal pelo filho – aguarda demolição, tendo a propriedade sido adquirida por 2,6 mil milhões de dólares de Hong Kong.

O património que morre

Os dois fundadores do projecto HK Urbex (2013), Ghost e Echo Delta, estão atentos às notícias sobre demolições e novos projectos imobiliários, e até desenvolveram um “sexto sentido”. “Há sinais. Notamos que há um edifício sem ar condicionado, a parede está partida, começamos a investigar. Muitas vezes somos as últimas pessoas a entrar nestes edifícios.”

“Na última década muito património foi demolido ou renovado”, diz Echo Delta, lembrando o caso do Queens Pier, cujo anúncio de demolição gerou forte contestação. “Eu era jornalista na altura e estava a cobrir a história. Muitos jovens ficaram indignados e até se acorrentaram ao cais, fizeram greves de fome. Foi a primeira vez que assisti a isso e marcou-me muito”, conta.

Uma combinação de demolições e gentrificação estão a ter um impacto significativo na cidade, garantem os exploradores. “Está a mudar muito rápido, está sempre tudo em obras, não fazemos ideia de qual será o aspecto da cidade daqui a 20 anos”, diz Echo Delta.

“Em cantonês há um termo que quer dizer ‘memória colectiva’ e tem sido muito utilizado nos últimos anos, em que as pessoas se sentem nostálgicas em relação ao antigamente. O processo de gentrificação está descontrolado. Daqui a dez anos, até os sítios mais tradicionais vão ficar como Singapura, onde tudo tem um aspecto muito genérico”, comenta.

Os edifícios “formam a identidade de Hong Kong” e, na opinião dos exploradores, o ímpeto para os proteger insere-se na mesma narrativa da luta política por democracia. “Muitos jovens querem diferenciar-se da China, por isso há tantos grupos pró-democracia, o Occupy Central, o ‘localismo’. De certa forma, isto surge em paralelo com isso, estamos a defender a nossa identidade e parte dela são estes edifícios”, salienta.

Numa cidade que luta com a falta de espaço e bate recordes nos preços do imobiliário, Ghost considera “uma loucura” que existam tantos edifícios remetidos ao abandono, recordando uma notícia de 2015 que dava conta que cerca de 100 escolas permaneciam abandonadas.

Embora longe de ser representativo, um relatório oficial indica que existiam no ano passado 43.660 fracções vagas em propriedades privadas. “É incrível, numa cidade onde as pessoas têm de viver no espaço de duas mesas, é criminoso, viola mais a lei do que nós ao entrarmos nesses sítios”, destaca.

De toda a gente

Apesar de saberem que não é permitido, os dois consideram as incursões importantes. “Não conhecemos a história se não entrarmos”, afirma Echo Delta, lembrando as emoções fortes das suas incursões, onde se comovem, assustam, divertem.

“Os álbuns de fotografias dizem-me muito. Questiono-me sobre o que é feito daquelas pessoas. Cresceram, morreram, ainda estão em Hong Kong? É um pouco triste por vezes, são sentimentos mistos. O sapato de criança que encontrámos, por exemplo, é um pouco mórbido. Não conseguimos deixar de pensar ‘O que se passou aqui?’”, comenta.

Estes salteadores dos prédios abandonados, que têm como mote “Não levar nada, não deixar nada, não matar nada”, começaram por usar máscaras para esconder a identidade, tendo em conta a ilicitude dos actos.

As máscaras acabaram por se tornar numa forma de “combater a cultura das ‘selfies’ e do ego”, sublinha Echo Delta. “Estes sítios onde vamos não nos pertencem, são de toda a gente”.

2 Jul 2017

Pu Ching | Crianças que ajudam crianças

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] espectáculo é musical e integra a iniciativa anual que junta professores e alunos numa produção solidária. Este ano, sobe ao palco da Escola Pu Ching “Ester”, uma peça cantada em inglês. O dinheiro arrecadado com a venda dos bilhetes já tem uma finalidade: vai para a Associação Comunidade de Jesus Cristo Vale da Bênção, em Portugal. De acordo com a apresentação do evento enviada à imprensa, “é uma organização sem fins lucrativos que envia os seus voluntários para várias zonas de Portugal para ajudar famílias com dificuldades, órfãos e os mais necessitados.”

Motivar a solidariedade é o lema do Centro Internacional de Cooperação em Educação (CICE), a organização que tem a seu cargo a iniciativa. “A ideia é tentar ajudar crianças com necessidades, de modo a que os alunos da escola tenham noção de que ajudam outros como eles”, disse ao HM Natacha Fidalgo, que integra o CICE.

A iniciativa já existe há quatro anos e em cada evento é escolhida uma entidade que precisa de ajuda. No início, “os miúdos não tinham bem noção de que eram ricos aqui em Macau, não percebiam que além do território existiam pobreza e crianças com dificuldades.” Com este tipo de trabalho, saíram “da bolha” e aperceberam-se de que há crianças como eles a passarem dificuldades no mundo inteiro.

Por outro lado, e uma das maiores conquistas, considera Natacha Fidalgo, é a de “fazer perceber que, mesmo enquanto crianças, os alunos da Pu Ching podem dar a sua ajuda”.

29 Jun 2017

Poesia | Professor do IPOR lança livro no próximo sábado

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“Pedaços de Espelho e Anubis” é uma edição de autor de Carlos Santos, docente do Instituto Português do Oriente. Alguns dos poemas começaram a ser escritos ainda na adolescência e atravessam várias fases da sua vida

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]arlos Santos, docente de Português do Instituto Português do Oriente (IPOR), lança este sábado o seu primeiro livro de poesia, intitulado “Pedaços de Espelho e de Anubis”. Trata-se de uma edição de autor, com apenas 150 exemplares, que será lançada na galeria Casa do Povo, em Coloane.

O livro contém poemas que Carlos Santos tem escrito ao longo da sua vida. O incentivo de amigos e da esposa fez com que tivesse decidido reuni-los numa só obra.

“Comecei a escrever este livro há muitos anos. Quando o comecei a escrever ainda não era um livro. Depois fui juntando os poemas e no fim pensei que tinha um livro, e determinei que acabava naquele período. Chegou uma altura e disse: ‘Isto está pronto’”, contou ao HM.

“Pedaços de Espelho e Anubis” contém poemas que “podem reflectir aspectos pessoais, mas muitos dos assuntos reflectem temas com os quais me preocupei sempre ou pelos quais sempre tive interesse”. “O que pode mudar é a forma como isso se expressa. Há temas que sempre me interessaram”, disse.

O ser humano e o seu poder de concretização e realização é um deles. “A guerra, as cidades, são resultado da actividade do ser humano, a própria noção de ecologia vem do ser humano. Isso interessa-me. As cidades são onde tudo isto nasce, de certa forma. O Jorge Luís Borges falava das cidades onde as ideias e as pessoas se encontravam. A maioria das invenções nasceu nas cidades.”

https://www.facebook.com/events/443184949395400

Lá longe, na Rodésia

Nascido em Moçambique, Carlos Santos começou a escrever muito cedo, ainda na adolescência, embora não se recorde do primeiro poema. “Se há um momento de origem, começou em miúdo. Até aos dez anos vivi na antiga Rodésia, que é hoje o Zimbabwe. Andava na escola inglesa e houve um concurso, escrevi um conto e recebi uma menção honrosa. Esse momento ficou. Sempre tive alguma apetência para as palavras. Depois começou o hábito da leitura que, para mim, era quase como beber água.”

O livro que se prepara para lançar contém poemas desse período, embora muitos tenham sido revistos e trabalhados novamente.

Quando fala do ser humano e das cidades, Carlos Santos fala do escritor argentino Jorge Luis Borges, embora as suas obras não sejam uma influência directa.

“As influências muitas vezes não são explícitas”, assume. “Jorge Luis Borges não é uma influência explícita, porque é outra dimensão, mas influenciou-me através de textos que ele escreveu, a forma como ele vê certas ideias, o que se retira daí é que me influencia. Eu penso desta forma porque foi ele que despoletou a minha forma de pensar”, apontou.

Carlos Santos ainda não se assume inteiramente como poeta, apesar de escrever desde que se lembra. Afirma ter de se habituar à ideia. A ideia é continuar a escrever versos e a publicá-los. Primeiro em Macau, se vender todos os exemplares, e depois em Portugal, sem esquecer a possibilidade de fazer uma versão online.

O docente do IPOR nunca quis escrever apenas para si, deixar as poesias eternamente na gaveta. “Tenho uma ideia, quem quiser ler, muito obrigado”, afirma, sem mais pretensões. Para ele a sua poesia é, acima de tudo, algo directo.

“Quero que a minha poesia seja seca, no sentido em que as palavras que lá estão têm uma função e importância, e não porque fiquem bem lá. É como ter uma bala numa pistola e ter de acertar”, conclui.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

29 Jun 2017

Vhils inaugura amanhã primeira exposição individual em Pequim

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista português Alexandre Farto, que assina como Vhils, inaugura amanhã “Imprint”, a sua primeira exposição individual em Pequim, composta por cerca de 70 retratos esculpidos em baixo relevo.

“Imprint” é constituída inteiramente por trabalhos novos, que espelham “a reflexão contínua do artista sobre a relação entre as cidades contemporâneas e os seus habitantes”, lê-se no texto de apresentação da exposição.

No Cafa Art Museum estarão expostos cerca de 70 retratos, “cada um esculpido num bloco independente”. Embora tenha Pequim como ponto de partida, a exposição “pretende ser simbolicamente representativa dos processos de trabalho numa outra qualquer cidade em qualquer parte do mundo”.

“Enquanto cada retrato fala de individualidade e singularidade, os materiais nos quais são esculpidos falam significativamente de uniformidade e homogeneização, uma vez que estes blocos produzidos em massa podem facilmente ser encontrados em estaleiros de obra e edifícios em todo o mundo”, refere.

Apesar de “Imprint”, que estará patente entre sexta-feira e 23 de Julho, ser a primeira exposição individual de Vhils em Pequim, não é a primeira na China. Em Maio, Vhils inaugurou a primeira exposição individual em Macau, acompanhada de uma série de murais, um trabalho em que o artista português afirma ter saído da zona de conforto.

A mostra em Macau seguiu as linhas da primeira exposição individual em Hong Kong, no ano passado, igualmente designada “Debris”, e que foi fruto de um trabalho de quase dois anos de preparação no âmbito de uma residência artística que Vhils realizou na antiga colónia britânica.

Nascido em 1987, Alexandre Farto cresceu no Seixal, onde começou por pintar paredes e comboios com graffiti, aos 13 anos, antes de rumar a Londres, para estudar Belas Artes, na Central Saint Martins. Captou a atenção a ‘escavar’ muros com retratos, um trabalho que tem sido reconhecido ao nível nacional e internacional e que já levou o artista a vários cantos do mundo.

Além de várias criações em Portugal, Alexandre Farto tem trabalhos em países e territórios como a Tailândia, Malásia, Hong Kong, Itália, Estados Unidos, Ucrânia, Brasil.

Em 2014, inaugurou a sua primeira grande exposição numa instituição nacional, o Museu da Electricidade, em Lisboa: “Dissecação/Dissection” atraiu mais de 65 mil visitantes em três meses.

Esse ano ficaria também marcado pela colaboração com a banda irlandesa U2, para quem criou um vídeo incluído no projecto visual “Films of Innocence”, editado em Dezembro de 2014, e é um complemento do álbum “Songs of Innocence”.

Em 2015, o trabalho de Vhils também chegou ao espaço, através da Estação Espacial Internacional, no âmbito do filme “O Sentido da Vida”, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.

Paralelamente ao desenvolvimento da sua carreira criou, com a francesa Pauline Foessel, a plataforma Underdogs, projecto cultural que se divide entre arte pública, com pinturas nas paredes da cidade, e exposições dentro de portas, em Lisboa.

29 Jun 2017

BOK | Artistas locais abordam a sociedade e desafiam os sentidos

São dois espectáculos de artistas locais que marcam a programação de hoje do festival de teatro experimental BOK. O teatro vai tratar alertar para a necessidade de comunicação. A música é um apelo à imaginação

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntrar nestes dias no edifício do antigo tribunal é não saber ao que se vai e, ainda assim, estar curioso para o que quer que possa acontecer. O festival BOK domina o espaço e promete pôr o público a experimentar novidades. Hoje, faz parte do programa teatro e música de artistas locais. Miki To e as “Water Singers” vão estar em palco para dois espectáculos que pretendem não deixar o público indiferente.

“Moderation” é a peça da dramaturga local Miki To. É um espectáculo que usa o tabuleiro de xadrez chinês como metáfora para jogos de forças e de interesse sociais e políticos.

Em palco vão estar, paralelamente, duas situações que se metaforizam mutuamente. Dois jogadores de xadrez de 1933 que se defrontaram antes da guerra com o Japão. Um chinês, outro nipónico, um com 19 anos, outro com 60. O mais velho, na altura, ganhou. Hoje, está na mesa um outro jogo. “O tabuleiro é o espaço onde a geração mais jovem de Macau tenta comunicar com as instituições locais, com um Governo que muitas vezes não a entende”, disse Miki To ao HM.

Dois confrontos que mais do que jogos são, considera a dramaturga, interacções políticas e sociais. “Por vezes, jovens e Governo posicionam-se em lados opostos da sociedade, mas não podemos ver estas posições a preto e branco, não se trata disso. Temos de ver os cinzentos, temos de ver onde comunicam. Neste sentido acontecem os movimentos, tal como no xadrez”, explicou a dramaturga.

A ideia apareceu com a observação da realidade vivida por muitos dos jovens de Macau. “Há pessoas que estão com ideias novas, que imaginam um futuro e que sabem o que querem fazer dele. No entanto, estas ideias não são muitas vezes as esperadas pela própria sociedade”, diz.

É para alertar para a importância de ideias “mais frescas” que “Moderation” existe. “Esta frescura é importante e mostra que os jovens querem tentar algo de novo, mas estamos numa sociedade com demasiadas regras e gostava de, com esta peça, encorajar estes jovens a avançarem, a atreverem-se e não se deixarem sufocar pelo estabelecido”, confessou Miki.

Diferentes, mas com respeito

Por outro lado, de acordo com a criadora de “Moderation”, “tal como num jogo, mesmo com o confronto, tem de existir o respeito e com isso espaço”. Em causa está aquilo que julga existir neste momento na sociedade local: o desrespeito pela diferença, sendo que é necessária “mais comunicação e, ao invés de se situarem em extremos opostos, Governo e sociedade precisam de arranjar uma forma de trabalhar para um lugar em que as diferenças sejam respeitadas”, explicou.

Para a dramaturga, o festival Bok representa já um movimento que dá oportunidade à geração mais jovem de mostrar o seu trabalho no território.

Só sons

Um concerto só de vozes e sons sem qualquer elemento visual é a proposta de “Picturesque”. O espectáculo é a primeira criação do grupo “Water Singers” constituído por quatro alunas do curso de música do Instituto Politécnico de Macau. A proposta é dirigida à imaginação.

As “Water Singers” existem desde 2014 e “Picturesque” é a primeira criação do ensemble feminino. O uso exclusivo do som foi uma escolha. “Pensamos que as pessoas, normalmente, imaginam mais o que olham do que o que ouvem, e o que é ouvido tem menos espaço na imaginação do que o que é visto”, explicou Bobo Loi. “Não é só música, o espectáculo tem vozes, efeitos de som, enfim, elementos que possam transportar as pessoas para dentro de si ou para uma viagem ao deserto, à floresta, à China ou à Europa”, rematou a intérprete.

28 Jun 2017

Plataforma online de museus ibero-americanos inclui 144 portugueses

O Museu Machado de Castro, que inclui a colecção de arte chinesa doada por Camilo Pessanha, é um dos museus presentes nesta nova plataforma

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Registo de Museus Ibero-americanos (RMI), plataforma online que reunirá mais de nove mil museus de Portugal, Espanha e América Latina, incluindo 144 da Rede Portuguesa de Museus, vai ser lançado na quarta-feira, em Madrid. O subdiretor-geral do Património Cultural David Santos revelou que a criação desta plataforma internacional é um dos projectos mais importantes do Ibermuseus, proposto há uma década, no I Encontro Ibero-Americano de Museus, em Salvador da Baía, no Brasil.

“É um projecto extremamente importante no sector dos museus porque dá acesso a informação ao público em geral sobre mais de nove mil museus e possui uma parte, mais restrita, para uso de investigadores e profissionais desta área”, explicou o responsável.

O projecto RMI vai ser lançado oficialmente hoje, quarta-feira, às 19h, hora de Macau, no Museu da América, em Madrid, com o objectivo de “seguir o caminho da cooperação e do diálogo, com vista ao fortalecimento de políticas públicas para o desenvolvimento do sector, considerando os museus como verdadeiras ferramentas de transformação social”.

Este projecto internacional do Ibermuseus – que reúne 22 países, incluindo Portugal – contou com a colaboração da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), representada no Observatório Ibero-Americano de Museus, onde foi incluída informação de todos os museus da Rede Portuguesa de Museus.

De acordo com David Santos, o portal foi criado com diversos filtros que dão acesso aos países e respectivos museus por tipologias, fornecendo informação variada das suas características, história e colecções. “Esta plataforma também vai ser fundamental para os museus contactarem entre si e estabelecerem parcerias, fortalecendo a colaboração internacional e a criação de projectos”, sublinhou.

David Santos recordou que, ao longo destes dez anos, o Ibermuseus desenvolveu vários projectos mas “o mais importante é, de facto, o RMI, pela sua dimensão, informação disponível e possibilidades de cooperação que facilita”.

A plataforma “possibilitará a investigação e o conhecimento da diversidade de instituições que formam este panorama diverso e fundamental para a preservação da memória”, acrescentou o subdirector-geral do património.

Toda a informação sobre o projecto estará acessível no site do Registo de Museus Ibero-Americano. A par do lançamento oficial do RMI em Madrid, o momento vai ser celebrado no Brasil, no Peru e no México.

28 Jun 2017

Lançado livro sobre diáspora judaica lusófona

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s comunidades de matriz judaica portuguesa espalhadas pelo espaço lusófono são o tema do livro “Judeus e Cristãos Novos no Mundo Lusófono”. “São conjuntos de textos que organizei, estando uma parte alinhada pelo tema da pesquisa histórica dos judeus de matriz portuguesa na diáspora. Há ainda alguns textos centrados na literatura produzida por autores que tenham alguma ligação ao judaísmo português”, explicou à Agência Lusa a coordenadora do trabalho, Marina Pignatelli.

De acordo com a investigadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), “há um texto, que está um pouco desgarrado mas que tem interesse e está ligado ao tema do judaísmo, que trata da imagem dos judeus no cinema português”. 

“O livro tem ainda textos mais etnográficos e antropológicos como o meu, centrado em Moçambique, que tratam mais das comunidades judaicas do presente”, sublinhou a coordenadora, doutorada em Ciências Sociais com especialidade em Antropologia Cultural.

Marina Pignatelli adiantou que o livro contém textos de 17 autores, em quatro línguas, nomeadamente português, espanhol, francês e inglês, que retratam as comunidades de matriz judaica portuguesa no Brasil, São Tomé e Príncipe, Moçambique e outros locais, como em Hamburgo ou na costa ocidental de África.

“A diversidade das línguas dos autores dos textos do livro reflecte bem o interesse internacional que existe na área dos estudos judaicos em relação à matriz portuguesa do judaísmo”, referiu a autora.

O investigador Tudor Parfitt, professor de estudos judaicos da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade Londres e membro do Centro de Estudos Hebraicos e Judaicos de Oxford, considerado o “Indiana Jones” britânico, pela sua procura por comunidades judaicas em todos os cantos do mundo, é um dos autores presentes na obra.

Macau presente

A coordenadora disse que a ideia do livro surgiu em 2010, quando decidiu pesquisar as comunidades sefarditas portuguesas, tendo descoberto uma pequena sinagoga em Maputo, com uma pequena comunidade e contactou Tudor Parfitt que a orientou a investigar as comunidades sefarditas em Moçambique e sugeriu que após isso, organizasse um congresso e escrevesse um livro sobre o tema.

Marina Pignatelli acabou por realizar o congresso em Novembro de 2015, que contou com a presença de centenas de investigadores. Os textos do livro coordenado por Marina Pignatelli são de investigadores que participaram neste evento, realizado em Lisboa.

“Os investigadores escreveram sobre as suas pesquisas mais recentes em torno do judaísmo de matriz portuguesa, no contexto de antigas colónias portuguesas ou noutros pontos da diáspora sefardita portuguesa”, disse a investigadora.

“Quando se fala no termo sefardita, fala-se muito, em geral, da diáspora judaica espanhola que fugiu da perseguição da Inquisição em Espanha”, acrescentou.

Para Marina Pignatelli, este livro serve para “marcar a presença e a importância da diáspora judaica de matriz portuguesa, os sefarditas portugueses, no mundo, tanto quanto a espanhola”.

Em 1946, o rei Manuel I assinou o decreto de expulsão dos judeus de Portugal, como havia acontecido anos antes com os judeus em Espanha, que foram expulsos daquele país em 1492.

“Esta matriz portuguesa mostra que o mundo sefardita não é só espanhol, está em paralelo 50/50 (português e espanhol), se quiser. Isto é visível no Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Japão, Índia, entre outros locais”, afirmou.

Outros investigadores que participam no livro são Florbela Veiga Frade, investigadora na Universidade Nova de Lisboa, Nancy Rozenchan, da Universidade de São Paulo, Asher Salah, da Universidade Hebraica em Jerusalém, o escritor são-tomense Orlando da Glória Silva Piedade, o pesquisador independente Saul Kirschbaum, o investigador da Universidade de Córdoba Marcos Pelayo e o autor francês Gérard Nahon, entre outros.

A obra, de 388 páginas, é publicada pelas Edições Colibri e já está a venda ao público português.

28 Jun 2017

Teresa Villaverde é a grande vencedora de festival em Basileia

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme “Colo”, da realizadora portuguesa Teresa Villaverde, foi distinguido com o grande prémio Bildrausch Ring of Cinema Art, no festival suíço Bildrausch, na cidade de Basileia. O festival, criado em 2011, classifica-se como um “festival de festivais” e é dedicado ao cinema de autor, tendo premiado, em 2016, Apichatpong Weerasethakul e Ruth Beckermann, ‘ex-aequo’, e, no ano anterior, Guy Maddin e Evan Johnson, a par de Shinya Tsukamoto.

O júri da competição internacional do Bildrausch Filmfest deste ano, considerada o “coração” do evento, foi composto pelo realizador filipino Lav Diaz, pela produtora holandesa Ilse Hughan e pela montadora austríaca Monika Willi.

Em comunicado, a Portugal Film salientou que o evento “convida novos filmes que pela sua linguagem cinemática idiossincrática e abordagem diferente à narração provocaram alguma agitação no circuito internacional dos festivais”.

Além de ter marcado presença com “Colo” numa competição internacional que incluía nomes como o sul-coreano Kim Ki-Duk ou o inglês Terence Davis, Teresa Villaverde foi objecto de uma secção própria sob o nome “Punk frágil”, na qual foram exibidos quatro filmes da cineasta: “A Idade Maior”, “Três Irmãos”, “Os Mutantes” e “Transe”.

“A acumulação de acontecimentos fatídicos desenvolve-se em histórias que têm um tipo de urgência dramática raras vezes vista no ecrã hoje em dia. Ela teimosa, delicada, resoluta e consistentemente rejeita imagens falsas e narrativas embelezadas, quer no seu cinema quer na vida em geral”, pode ler-se na descrição da secção dedicada a Villaverde disponível na página do festival.

Histórias do cansaço

“Colo” é a mais recente longa-metragem de Teresa Villaverde e estreou-se, em Fevereiro, no festival de Berlim, tendo desde então passado por festivais em Hong Kong, Áustria, Uruguai e Turquia, além de ter sido o filme de abertura do IndieLisboa deste ano.

Protagonizado por Beatriz Batarda e João Pedro Vaz, “Colo” é um filme com pouca esperança, sobre “sociedades exaustas” e sobre “a ideia do direito à felicidade, uma coisa de que praticamente já nem se fala”, disse a realizadora à Lusa em Fevereiro.

São personagens desamparadas, vítimas de um problema de comunicação: “Estão nitidamente perdidos, sem colo e sem saber sequer onde é que hão-de procurar esse colo e resolver as coisas. E eu, que estou a olhar para eles, também não sei o que lhes hei-de dizer. O filme é muito isso”, descreveu a realizadora.

Nascida em Lisboa em 1966, trabalhou com João César Monteiro, José Álvaro Morais e João Canijo antes de se estrear como realizadora nos anos 90.

É da mesma geração de realizadores como Pedro Costa e João Pedro Rodrigues, que também têm feito um percurso premiado e reconhecido por festivais internacionais. “Três Irmãos” (1994) teve estreia mundial em Veneza, “Os Mutantes” (1998) e “Transe” (2006) estrearam-se em Cannes, por exemplo.

27 Jun 2017

Joel Brandão está a realizar um documentário sobre comunidades locais

Natural do Porto, o mestrando em cinema quis fazer diferente e propôs-se filmar Macau e as suas gentes. O documentário estreia em Setembro no território, mas o objectivo de Joel Brandão é levá-lo a festivais de cinema por esse mundo fora

Veio para Macau terminar o mestrado na Universidade Católica do Porto. Como surgiu o interesse em retratar as diferentes comunidades do território? 

Terminei agora o mestrado em Cinema, que inclui o estágio. Quis fazer uma coisa diferente e propus à faculdade vir para Macau para fazer um documentário. Aceitaram e eu vim, sendo que o financiamento é meu. Foi uma aventura e um projecto pessoal. O tema foi discutido com o meu orientador, o José Manuel Simões da Universidade de São José. Tinha conhecimento de que ele já tinha abordado os temas relacionados com as ligações entre as comunidades de Macau. Ele, melhor do que eu, conhece o território e, após algumas conversas, achei que seria um tema com interesse.

Do trabalho que desenvolveu até agora neste projecto, o que é que mais o surpreendeu?

O que mais me impressionou foram as condições. Filmei num estabelecimento de comidas chinês e não fazia ideia de que aquele lugar tinha aquelas condições. Outra coisa que, de alguma maneira, também me surpreendeu foi a dificuldade de interacção entre a comunidade chinesa e as restantes. Penso que a comunidade chinesa tem uma mentalidade muito mais fechada e não se dá tanto a conhecer. Têm uma cultura muito intrínseca, em que vivem muito para eles e para as suas famílias. Também aprendi que é uma comunidade que, depois de ganhar alguma confiança em nós e se sentir mais à vontade, é capaz de nos ter como bons amigos. Talvez a parte mais fechada desta cultura seja mais visível nas gerações mais antigas. As gerações mais novas já têm outros recursos, sabem inglês e têm mais formas de comunicar.

Estava à espera de que as comunidades comunicassem mais entre elas? 

Sem dúvida. Existem muitas comunidades diferentes no território. A comunidade filipina é muito grande. Mesmo assim, sinto que, antes do documentário e depois das gravações, há ainda muito a trabalhar no que respeita à ligação e aos pontos de comunicação entre as diferentes comunidades que convivem aqui.

O que é que este documentário pode vir a transmitir? 

Faço um documentário muito aberto. A ideia é que o espectador, ao ver o filme, crie a mensagem que posso querer transmitir. Filmei de uma forma diferente. Filmei três comunidades através do acompanhamento de apenas uma pessoa. Escolhi uma pessoa chinesa, uma filipina e uma portuguesa. Foquei-me na forma como estas pessoas interagem com as outras no seu dia-a-dia, na forma como interagem com a cidade e com o que lhes é próximo. No caso do português e do filipino quis saber como se relacionavam, por exemplo, com as mulheres. Com o protagonista chinês quis saber como é que interage com os clientes no café. Os locais foram escolhidos por estas pessoas. O espectador vai ver nestas imagens como estas pessoas falam, se relacionam e como lidam com o quotidiano e vai criar, internamente, a ligação entre estas pessoas. Apesar de aberto, é um filme em que é possível perceber a opinião de cada uma destas personagens reais e a opinião que têm de Macau quanto ao seu passado, presente e futuro.

Têm sido feitos vários documentários sobre Macau. Acha que este filme vai trazer alguma coisa de diferente e dar uma imagem do território contemporânea? 

Penso que tenho uma forma diferente de fazer os meus documentários, que é visível no tipo de linguagem e de composição que faço. Coloco-me na intimidade das pessoas mesmo estando do lado de fora. É quase como estar na berma da estrada a filmar para dentro de um café e deixar as coisas acontecerem naturalmente. O que posso trazer de novo é a temática, que é sempre diferente. A nossa forma de ver as coisas é sempre diferente da dos outros. Depois, é a forma como filmo e edito, que penso que também é só minha.

Tem sentido dificuldades em fazer o seu trabalho aqui em Macau? É fácil produzir um filme no território? 

Nesta área é preciso muito trabalho de campo. É necessário andar muito pelas ruas e o material é pesado. Este clima que agora se sente, abafado e húmido, é uma das grandes dificuldades. Em termos artísticos e narrativos é fácil conseguir um retrato de Macau. É um espaço muito interessante e não há muitos locais em que isto se possa fazer. Só o facto de estar a fazer um trabalho na Ásia, com uma cultura completamente diferente e ainda ter esta mistura de comunidades, é excelente e muito diferente.

Há ainda um grande desconhecimento de Macau por parte dos portugueses. Acha que este documentário vai ajudar na divulgação de Macau junto do público português?

Sim, sem dúvida. Neste filme não retrato apenas as comunidades. Tenho imagens da cidade, de paisagens e de locais característicos do território. Os portugueses que vão ver este documentário vão ter uma percepção completamente diferente do que é Macau. Concordo quando fala que há muito desconhecimento em Portugal acerca do território.

Estava à espera de encontrar esta herança portuguesa aqui, nomeadamente ao nível do património?

Da primeira vez que cá vim, não contava nada com esta presença. Já tinha lido acerca de Macau e sabia que havia edifícios com características idênticas aos de Portugal. Mas chegar aqui e ver a calçada portuguesa e esta arquitectura, ver as ruas com o nome em português e tantos portugueses, foi uma surpresa.

Como foi a escolha dos protagonistas deste documentário? 

Primeiro escolhi as comunidades que queria retratar. Só tinha dois meses de trabalho pela frente e tinha de ser objectivo. Peguei naquelas que me pareceram as comunidades mais óbvias aqui. Depois foi muito simples, o protagonista chinês, o William Chen, era o dono do café onde eu ia todos os dias tomar o pequeno-almoço e criei uma empatia com ele, já da primeira vez que cá estive. Quando regressei, voltei ao estabelecimento para comer e ele lembrava-se de mim. Fomos conversando, acabei por convidá-lo e ele mostrou-se muito receptivo. O protagonista português apareceu porque estava a filmar pela rua e cruzei-me com a mulher dele. Ela perguntou-me o que é que estava aqui a fazer. Expliquei-lhe e disse que precisava de conhecer pessoas portuguesas. Ela sugeriu o marido que já cá está há 25 anos. E assim foi.

Este documentário é, portanto, um resultado de vários acasos?

Sim, quase lhe chamava fragmentos. São pequenas peças que vou encontrando e vou juntando. Mas este também é o segredo do documentário, o de registar o que se vai vendo e o que vai aparecendo. Tinha uma ideia diferente do documentário antes da sua produção e, depois de começar a filmar e de ver as imagens, vamos ter um resultado muito diferente dessa ideia. No documentário estamos sempre sujeitos a alterações.

É o género de que mais gosta? 

Gosto de contar histórias, quer seja em documentário, ficção ou animação. Penso que, para qualquer realizador, o segredo é contar uma história em que de alguma forma, acredite. Acredito nas histórias que faço. Se são bem ou mal contadas, cabe aos críticos dar essas opiniões.

27 Jun 2017

Películas do Indie Lisboa chegam à Cinemateca Paixão

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já esta sexta-feira que os filmes do Indie Lisboa chegam a Macau, inseridos na iniciativa “Junho, Mês de Portugal”, tendo o apoio da Fundação Oriente, da Casa de Portugal em Macau e do Consulado-geral de Portugal no território. Entidades como o Instituto Português do Oriente e da empresa XCESSU também apoiam a organização. Todos os filmes serão exibidos na Cinemateca Paixão.

O documentário “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”, do realizador João Botelho, será o primeiro a ser exibido, às 19h30. A película retrata a relação dos dois cineastas. No sábado, dia 1 de Julho, a Cinemateca Paixão exibe um conjunto de curtas-metragens a partir das 18h. Incluem-se a animação “Macabre”, de Jerónimo Rocha e João Miguel Real, “Campo de Víboras”, de Cristèle Alves Meira, e “Pedro”, de André Santos e Marco Leão. Às 19h30, será exibido “Treblinka”, de Sérgio Tréfaut.

O domingo será outro dia dedicado às curtas-metragens. Serão projectados, a partir das 18h, “Ascensão”, de Pedro Peralta, “Swallows”, de Sofia Bost, e “O Corcunda”, de Gabriel Abrantes e Ben Rivers.

No mesmo dia será também exibido “Estive em Lisboa e Lembrei de Você”, de José Barahona. Segundo um comunicado, “os filmes escolhidos representam esse espírito independente que caracteriza muito do cinema português e que tem conquistado o público e os júris dos principais festivais internacionais por esse mundo fora”.

27 Jun 2017

BOK | Festival volta a trazer o teatro experimental ao território

Começa amanhã e vai até 8 de Julho. É festival BOK que vai ocupar o Edifício do Antigo Tribunal. Este ano o evento não vai para a rua, mas a organização promete, a quem se deslocar aos espectáculos, uma experiência a registar

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omeça amanhã. É o BOK, festival que se dedica à apresentação de espectáculos for do circuito comercial. Nesta quinta edição, a ideia é a interactividade com o público e o factor surpresa domina o programa.

Ao contrário das edições anteriores, em que os espectáculos tinham apresentações espalhadas pelo território, este ano a organização optou por uma situação inversa e o programa do festival vai estar concentrado no Edifício do Antigo Tribunal.

A ideia, apontou Erick Kuok em entrevista ao HM, tem que ver com a própria temática desta edição. Em causa está a dinâmica capaz de ser criada com o público, sendo que a organização pretende, desta forma, testar as possibilidades do que um espectáculo pode fazer com os espectadores e de que forma os pode integrar no palco. “Se por um lado, nesta edição, temos uma concepção mais formal de teatro – os espectáculos voltam a ser feitos neste tipo de espaços, ao contrário do ano passado em que andámos em espaços alternativos –, por outro, podemos jogar com isso e dinamizar o interior do próprio teatro e usar o público”, explicou o organizador.

O projecto que, pelo segundo ano, está de pé sem apoios do Governo, tem nesta edição os horizontes estendidos. Para o efeito, a organização estabeleceu parcerias com companhias de Taiwan, Coreia e Hong Kong para trazer espectáculos a Macau, mas não só. A pensar nos artistas locais, é intenção do BOK, poder levar com este trabalho os artistas locais ao exterior.

Começar pelo local

O festival tem início com as duas secções pensadas para a promoção de artistas locais. “Give it a Shot” é um espaço de trabalho em tempo real em que os projectos de Macau têm, diz Erik Kuok, “um acompanhamento crítico para que sejam devidamente desenvolvidos”.

Este ano, a secção tem lugar nos dias 1 e 2 de Julho e integra projectos dedicados à dança, música clássica e electrónica independente. Da coreógrafa Chloe Lao, é apresentado o espectáculo de dança “Artificial Roses”, baseado no conto homónimo de Gabriel Garcia Marquez. Vão ainda ser mostrados publicamente “E-arrangement of Vivaldi’s Summer”, do quarteto de cordas Opus-A, e “Chemtrails, Morgellons”, de Sonia Ka Ian Lao.

A secção “Bok Lab”, é o espaço em que são apresentados os trabalhos desenvolvidos no “Give It a shot” do ano passado. Nesta edição, Miki To vai apresentar “Moderation”. A iniciativa está agendada para os dias 28 e 29 de Junho, às 20h e pretende ser um espaço de reflexão social.

De 28 a 30 de Junho, às 21h15, é também o tempo marcado para a apresentação de “Picturesque” pelos Water Singers. De acordo com a organização, trata-se de um espectáculo que convida a “uma viagem na escuridão, sem nada mais a não ser a voz”.

Desafiar limites

O final da edição de 2017 do BOK é preenchida por espectáculos internacionais. Entre 4 e 8 de Julho tem lugar a secção “Crossibition” em que a ideia é trazer ao território espectáculos experimentais que demonstrem “maturidade a nível de conteúdo, meios e formas de encarar o público”, aponta a organização.

Este ano foram seleccionadas três peças em que “o espaço, os sentidos e a experiência do público fossem testados”.

De Hong Kong vem o grupo de teatro “Heteroglossia”, com “Woyzeck” do dramaturgo alemão Georg Büchner. A ideia é a exploração de técnicas narrativas utilizadas em conteúdos de cinema e a sua adaptação para o palco.

“Bodies in the Dark” é a peça trazida pela companhia coreana “Elephants Laugh”. O espectáculo é feito num ambiente de escuridão absoluta em que “podendo ser desconfortável, irá testar os limites do público”, lê-se na apresentação facultada pelo BOK.

De Taiwan, a companhia “Riverbed Theatre” apresenta “Hypnosis: The Just for you Project”. A companhia de Taipé traz um espectáculo destinado a um público de um elemento em que o objectivo é “criar um ritual de intimidade e ligação e um veículo para o subconsciente”.

Acabar à conversa

O festival conta ainda com um espaço dedicado à conversa informal e ao encontro entre artistas e o público. É o “BOK CLUB”.

Para Erik Kuok, “o teatro é também um espaço para as pessoas partilharem ideias, para conversarem”. Este ano o espaço de conversa vai ter lugar num bar na zona da Praia Grande onde vão ser apresentados pequenos espectáculos. Ao mesmo tempo, a organização tem na agenda a realização de algumas pop up performances. “Estas apresentações serão sempre uma surpresa porque o público nunca sabe o que vai acontecer. Tem de ir para se surpreender e para ver”, explicou o organizador.

26 Jun 2017

Cinemateca Paixão | Segundo festival de documentários em Julho

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]eis filmes de realizadores portugueses integram o segundo Festival Internacional de Documentário de Macau (FIDM ou MOIDF, na sigla em inglês), que arranca a 8 de Julho, na Cinemateca Paixão.

“Ama-san”, documentário que Cláudia Varejão rodou no Japão, acompanhando uma comunidade de mulheres que se dedica à prática milenar de pesca por mergulho em apneia é uma das produções portuguesas apresentadas no certame. Falado em japonês, com legendas em inglês e chinês, o filme premiado no DocLisboa 2016 resulta de um trabalho de pesquisa de Cláudia Varejão, no Japão, em torno de pescadoras que apanham moluscos e bivalves, mergulhando sem garrafas de oxigénio, respeitando técnicas tradicionais e rituais antigos.

Com um total de 27 filmes de várias partes do mundo, incluindo Taiwan e Hong Kong, o festival inclui uma Secção Portuguesa com cinco documentários.

“Rio Corgo” (2015), da polaca Maya Kosa e do português Sérgio da Costa, e que recebeu o prémio para melhor filme português no Festival DocLisboa, é o primeiro dos filmes em exibição nesta secção.

Outro dos destaques na secção dedicada aos criativos portugueses é a “A Caça Revoluções” (2014), o primeiro filme de Margarida Rêgo, uma animação experimental sobre fotografia, que tem como mote a Revolução de Abril de 1974, a partir de uma fotografia tirada na época.

Leonor Teles em Macau

“Balada de Um Batráquio” (2016), curta-metragem da realizadora Leonor Teles, vencedora do Urso de Ouro do Festival de Berlim e premiada no Festival Internacional de Cinema de Hong Kong em 2016, também vai ser exibida em Macau.

Do luso-americano Gabriel Abrantes chega “Uma Breve História da Princesa X” (2016), a escultura na base do escândalo do Salão Internacional de Arte de Paris, em 1920, dedicado ao escultor Constantin Brancusi e à escritora Marie Bonaparte, um filme que no ano passado teve a sua antestreia na Tate Britain, em Londres, no Reino Unido.

“Cidade Pequena” (2016), a curta-metragem que valeu a Diogo Costa Amarante o Urso de Ouro no festival de Berlim deste ano, encerra os filmes da secção portuguesa.

Tempo e crescimento

O 2.º Festival Internacional de Documentário de Macau é uma colaboração entre a Cinemateca Paixão e a Comuna de Han-Ian.

Assente em dois conceitos – “Tempo” e “Crescimento” –, e no tema “Imagem do Tempo”, o festival abre com “Small Talk” (Taiwan), uma complexa história sobre a cineasta Hui-chen, que venceu o Prémio Teddy para Melhor Documentário no Festival Internacional de Cinema de Berlim 2017.

A cineasta japonesa Naomi Kawase vai ser a “realizadora em foco” da segunda edição do FIDM, com a exibição de seis dos seus documentários, incluindo “Embracing”, “Katatsumori” e “Chiri”, os quais retratam a mesma personagem ao longo da vida. Nascida em Nara, no Japão, Naomi Kawase tornou-se em 1997 a mais jovem realizadora de sempre a ganhar a Camera d’Or no 50.º Festival Internacional de Cinema de Cannes e vai estar em Macau para partilhar a sua experiência com o público (ver texto nesta página).

Outros destaques do certame são o filme de ficção “Suzaku”, também de Naomi Kawase, “Brothers”, descrito como uma versão documentário do filme “Boyhood”, e “Still Tomorrow”, filme de Jian Fan sobre uma mulher agricultora que se torna poeta, distinguido no Full Frame Documentary Film Festival (IDFA).

O segundo Festival Internacional de Documentário de Macau termina a 30 de Julho.

23 Jun 2017

Naomi Kawase: As possibilidades criativas da dor

Excertos de um texto de Jo Takahashi

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]usência e perda. Na filmografia da cineasta japonesa Naomi Kawase, é comum observar experiências de vida que envolvem a aprendizagem dos personagens com a dor inevitável de um acontecimento trágico, sem no entanto sucumbir ao ressentimento ou à culpa. Diferente da produção audiovisual da indústria que reproduz determinados padrões de género, o cinema de Kawase explora imagens sensoriais que redimensionam a relação entre corpos filmados e câmara, por meio de filmes dotados de motivação autobiográfica.

As suas primeiras curtas são filmes caseiros, onde ela mesma procura lidar com elementos claramente pessoais, como o abandono do pai e a iminência da morte da tia-avó. Por meio de um inventário de imagens registadas na sua própria casa ou nos arredores da bucólica cidade de Nara, tais filmes caseiros absorvem nuances sentimentais de curiosidade e esquadrinham uma intimidade.

Com uma Super 8, Kawase regista momentos de sua vida quotidiana que são dignos de ser guardados e, por meio desta colecção de instantes, monta seus filmes domésticos de forma descontínua, como forma de preservar aquilo que é mais caro nas imagens: sua dócil presença.

Tal sensibilidade é enfatizada em Caracol (1994), no momento em que Kawase toca o rosto de sua tia-avô, após tê-la observado da janela de sua casa. O acto de acariciar a imagem, de fazer do contacto o gesto primordial, sugere a aposta em uma “câmara-pele”, como explica o ensaísta Luis Miranda em El Cine en El Umbral.

Kawase explicita a necessidade de tocar alguém que se ama e, por meio de tal gesto, sustentar uma materialidade que fatalmente se perderia com a morte da tia-avó. A modulação da ausência também é presente em outros documentários caseiros da cineasta, como Em seus braços, em que ela mostra sua busca pelo pai biológico; ou Cartas de uma cerejeira amarela em flor, onde relata suas visitas a um amigo crítico de fotografia, que estava na beira da morte.

Nos filmes de ficção, a potência de vida das personagens é tanta que a perda nunca é compreendida como algo negativo. Dentro dos seus limites, os personagens dos longas de Kawase esforçam-se por provocar bons encontros que aumentem ao máximo sua acção no mundo. A tristeza transforma-se em alegria; a obscuridade em luz. É o caso de Shara, que narra como uma família lida com o desaparecimento de um ente querido; ou A Floresta dos Lamentos, em que um viúvo fortalece a amizade com uma moça que acaba de perder o filho.

Cada filme passa a ser a expressão intensa dos esforços dos seus personagens em organizar, cada um a seu modo, encontros alegres, apesar da dor da perda. Aqui o sofrimento não depõe contra a vida. As trajectórias dos personagens são marcadas pela contingência, pela diversidade de regularidades e acasos. E assim é a vida: cheia de erros e acertos, descobertas e fracassos.

No cinema contemporâneo, Kawase começou a ter reconhecimento quando recebeu o prêmio Camera D’Or no Festival de Cannes, em 1997, tornando-se a mais jovem directora a ser premiada no evento, com a sua primeira longa-metragem Suzaku.

23 Jun 2017

Giulio Acconci expõe pela primeira vez no Centro de Design de Macau

[dropcap style≠’circle’]“M[/dropcap]AZU – A Solo Exhibition By Giulio Acconci” é uma estreia absoluta no mundo da pintura. Como se costuma dizer, há uma primeira vez para tudo. Uma frase que deve andar pela cabeça de Giulio Acconci há, pelo menos, um ano. Apesar de ter um passado ligado às artes plásticas, o artista expressou-se principalmente através da música, enquanto trabalhava como designer gráfico. “Esta não só é a primeira vez que faço uma exposição, mas também a primeira vez que faço obras completas de pintura”, explica. O público pode apreciar os primeiros trabalhos de Giulio no Centro de Design de Macau, a partir de terça-feira, dia 27, até ao dia 10 de Julho.

Até 2016, o artista nascido em Macau fazia apenas pequenas experiências que não passavam de esboços e desenhos em papéis isolados e blocos. Uma vez uma mão, noutras uma perna, sempre sem coerência de uma obra sólida.

No ano passado, Giulio Acconci começou a concretizar as experiências em algo mais completo e o resultado deu-lhe coragem para prosseguir e dedicar-se, efectivamente, à pintura. “O que as pessoas podem ver é uma jornada que começou por curiosidade, para ver até que ponto poderia ir com a pintura”, conta o artista.

O resultado é a combinação dos anos de designer gráfico e de todos os conceitos que foi absorvendo em leituras e em experiências de vida com manifestações estéticas.

Memória surreal

A inspiração para as pinturas partiu de uma visão da deusa Mazu, que empurrou Giulio Acconci para um “universo paralelo pela vida da pintura surrealista”. Nos seus quadros existem leões, dragões e pessoas em cenários surpreendentes. O artista quis dizer algo sobre Macau nestas obras que considera como memórias surreais da cidade. “Não estou a tentar passar uma mensagem particular, os meus trabalhos são muito abstractos e conceptuais, misturam elementos do Oriente e Ocidente”, explica.

“A deusa Mazu foi a centelha que ateou o fogo mais surreal e o universo paralelo das minhas pinturas, é uma divindade com lendas inspiradoras”, desvenda Giulio Acconci.

O artista foi criado no seio de uma família com forte ligação às artes. Neste capítulo importa mencionar que o seu avô, Oséo Acconci, fez o painel em mosaico que decora a fachada do Hotel Estoril.

As obras que constituem a primeira mostra de Giulio Acconci foram concebidas usando aguarela, tinta-da-china e lápis de aguarela para apurar detalhes, numa mistura que une elementos oníricos a imagens recorrentes.

23 Jun 2017

Alfredo Ceyna, artesão de lanternas de coelhos | Manter viva a tradição

Foi professor do ensino primário nas Filipinas e agora é mestre da arte de construir lanternas. Alfredo Ceyna passa todos os anos o conhecimento da tradição a quem quiser aprender. Este ano, o workshop tem lugar de 17 a 28 de Julho

Como é que aconteceu a passagem do ensino de artes industriais no seu país à mestria na construção das lanternas típicas do território?

Nunca tinha pensado nisso. Quando o arquitecto Carlos Marreiros me pediu para fazer este trabalho pensei que teria de fazê-lo e não via nenhuma razão para que isso não acontecesse. Foi a partir de 2009, quando participei com o arquitecto na construção do Pavilhão da Lanterna do Coelhinho, na Expo de Xangai de 2010. Na altura, o arquitecto quis começar com o festival das lanternas em Macau por ser uma tradição local, nomeadamente com as lanternas do coelhinho. Pediu-me para aprender o ofício. Aprendi tudo o que sei com o Carlos Marreiros. Foi ele o meu mestre. Mostrou-me como se fazia, como se construía, como se podiam fazer estruturas e forrar com vários materiais. A partir daí desenvolvi as competências necessárias para poder construir as lanternas do coelhinho. Apesar de não esperar vir a tornar-me um artesão e dominar este ofício, acabei por perceber que é um trabalho muito bonito e que fazia peças também muito bonitas. Foi ainda uma prova que dei ao Carlos Marreiros que sempre me apoiou e incentivou a fazer mais e melhor.

O que vê nestas lanternas?

Do que sei, penso que simbolizam prosperidade. Na sua origem, acho que serviam para iluminar os caminhos quando as pessoas saíam de casa. Com o passar do tempo foram sendo desenvolvidas as técnicas e as formas: no início era usado o bambu para fazer a estrutura, e depois era unido e coberto com papel de arroz. Este método tradicional tem agora variações. Pode ser usado o arame e o ferro, por exemplo, e vários tipos diferentes de papel ou mesmo outros materiais sintéticos. Mas não há nada como a construção tradicional. O papel de arroz é um material muito frágil e delicado, mas especial quando falamos de textura e de cor.

Tem um workshop marcado para o próximo mês. A iniciativa tem lugar todos os anos. Qual é a importância da sua realização?

Fazer estes workshops anualmente é fundamental. As lanternas já começam a ser esquecidas em muitos locais, nomeadamente na China Continental. Em Macau, as lanternas do coelhinho são uma demonstração da cultura local que não podemos deixar desaparecer. Queremos mostrar, a quem estiver interessado, como podem fazer estes objectos. Por outro lado, é uma forma de alertar as pessoas para a importância das lanternas em Macau. Tecnicamente, ensino as competências a ter, como fazer as estruturas depois da ideia, e de como juntar e pintar o material que as vai cobrir. De facto, não é muito complicado fazer estas lanternas desde que se saibam as técnicas mais básicas. Claro que inicialmente é uma coisa difícil, principalmente a materialização da ideia em estrutura. Apesar de gostar mais do bambu, aqui aprendemos a usar o arame e penso que esta é a parte mais difícil.

Porquê?

É como uma escultura. As pessoas começam sem saber ao certo o que vão fazer. Tem de ser feito primeiro um plano e depois conseguir materializar a ideia em arame. Isso tem sido o mais complicado.

Este workshop é dirigido a um nível avançado. Porquê?

Sim. Chamamos de avançado porque não são dadas orientações. O processo é acompanhado, mas as pessoas fazem o seu próprio projecto. Fazem a sua estrutura e depois cobrem-na com o material que preferirem. É avançado porque deixo os alunos decidirem tudo o que tenha que ver com o que vão fazer. Não sou eu que controlo o resultado ou que forneço os esboços. Se assim fosse, seria tudo muito uniforme e eu quero que sejam todos diferentes.

Qual é a sua opinião acerca da adesão a esta iniciativa?

A adesão aos workshops vai variando de ano para ano. Às vezes temos mais participantes, outras menos. Tive uma vez uma criança, mas é uma arte muito difícil de ensinar quando as pessoas são muito novas. Do que tenho notado, é que são os mais velhos que, por vezes, se mostram mais interessados, sendo que a faixa média de idades não aparece tanto. Não sei porquê, talvez achem aborrecido. No entanto, os que frequentam os workshops terminam a formação muito satisfeitos. No final conseguem ver o produto que lhes saiu das mãos e que foi fruto de um trabalho duro. Também temos um limite de dez participantes, o que faz com que não possam integrar as formações muitas pessoas. Mas também não podem ser mais, para que seja um trabalho bem feito. Por falar em participantes, recordo uma senhora que vem todos os anos. Acho que ela gosta realmente deste ofício.

Pode ser um dos últimos mestres desta arte em Macau. Como é que vê o futuro da tradição no território?

Penso que esta é uma forma de manter a tradição viva. Por outro lado, o apoio de patrocinadores, especialmente para a construção de lanternas tradicionais em bambu, pode realmente ser um contributo importante para que o conhecimento e a construção se mantenham. É ainda importante o contributo do Governo. Se isso acontecer, a tradição não estará ameaçada e continuará. Macau é um lugar bonito e está cada vez mais a ter em conta o património e as tradições. Não acho que ainda esteja a ser feito tudo o que é possível para a sua preservação, mas está a ser feito um trabalho nesse sentido.

23 Jun 2017

Fundação Rui Cunha | Concerto de gala no aniversário

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] quinto aniversário da Fundação Rui Cunha, que tem sido assinalado com diversas actividades, é comemorado no próximo domingo com um concerto de gala no Teatro D. Pedro V. Para a noite de música clássica foi convidada a pianista de Macau Poon Kiu Tung, que estará acompanhada por vários músicos de Hong Kong.

Em nota de imprensa, a Fundação destaca que a pianista oriunda do território tem mérito internacional. Doutorada em música pela norte-americana University Bloomington, é “possuidora de uma carreira brilhante e fértil em recitais de piano pelas melhores salas dos Estados Unidos, Alemanha, Áustria, China, Malásia, Singapura e Hong Kong”. Poon Kiu Ting colabora com alguns dos melhores compositores da actualidade. É professora na Universidade Chinesa de Hong Kong.

No concerto de Macau, a pianista sobe ao palco com os “Viva! Pipers”, um quinteto de instrumentos de sopro totalmente feminino, pelo violinista Gary Ngan e o violoncelista Winca Chan, todos eles músicos da região vizinha.

Quanto ao repertório, além de uma abertura especialmente dedicada ao aniversário da Fundação Rui Cunha, poderão ser ouvidas composições de Chopin, Saint-Saens e Francis Poulenc. O concerto começa às 20h.

22 Jun 2017

Rogério Puga, académico e investigador: “Enid Blyton é uma pioneira”

Escreveu livros que marcaram a infância de várias gerações. Enid Blyton, que deu vida a “Os Cinco” e “Os Sete”, nasceu há 120 anos. Em Portugal, a Universidade Nova e a Biblioteca Nacional assinalam a data, com um conjunto de palestras e uma mostra bibliográfica. Rogério Puga explica por que vale a pena ler e estudar a obra da escritora inglesa
Rogério Puga

[dropcap]E[/dropcap]ntre os leitores de Macau, é conhecido sobretudo pelos estudos que faz acerca da história do território. Sendo certo que as mulheres – e as mulheres que escrevem – estão muito presentes no seu percurso, como é que surge o interesse por Enid Blyton? o é que surge o interesse por Enid Blyton?
A escrita feminina interessa-me como objecto de estudo académico, nomeadamente a de língua inglesa. Enid Blyton, que terá redigido mais de 600 obras, começou a publicar poemas em 1917 e diversos livros na década de 20 do século passado, tornando-se uma das autoras que mais vende, mais de 600 milhões de cópias de livros. O meu interesse surgiu primeiro enquanto leitor adolescente e agora como fã académico (o chamado aca-fan). O imaginário e as referências culturais que apre(e)ndi com a obra de Blyton permanecem como memórias individuais partilhadas com as personagens das aventuras de “Os Cinco” e de “Os Sete”. Recentemente descobri, inclusive, que a famosa personagem Noddy foi também criada por Blyton, o que eu desconhecia. O interesse surge, então, da leitura e da investigação.

O que tem de especial o universo literário de Enid Blyton?
As obras de Blyton dirigem-se a um público infanto-juvenil de forma (então) original, e o imaginário das aventuras das suas personagens é caracterizado pelo suspense, pelo ultrapassar de obstáculo e pela reposição da ordem final, numa paisagem marcadamente inglesa, enriquecida por referências culturais, tendo sido adaptado para a televisão várias vezes, nomeadamente através da série que eu segui em criança, “The Famous Five”, produzida em 1978 e 1979. A sua obra foi criticada como simplista, xenófoba e elitista, estando obviamente marcada pela época em que foi produzida. No entanto, as aventuras das suas famosas personagens influenciaram e acompanharam muitos de nós, leitores. É sabido que a literatura infantil é produzida, comercializada e lida por adultos, como estratégia de socialização, colocando-se, portanto, a questão da ideologia veiculada por esses mesmos universos literários, e a obra de Blyton não é excepção.

Enid Blyton causou muita polémica, também pela quantidade absurda de livros que escreveu, a um ritmo que levou a que se achasse que não seria a autora de todas as obras. Por outro lado, também pelos conteúdos considerados xenófobos e elitistas. São críticas que faziam sentido?
A sua obra foi criticada, a partir dos anos 60 do século passado, como simplista, racista, xenófoba e elitista sobretudo no que diz respeito à caracterização de personagens e de atitudes estereotipadas em termos de etnia, género e de nacionalidade. A obra de Blyton está obviamente marcada pela época em que foi produzida, entre as duas guerras mundiais, e ecoa alguns dos ‘tiques’ negativos da classe média britânica desse período. Essa crítica literária é também fruto das novidades na academia e da (nova) forma de questionar a literatura, quer para adultos, quer para crianças. Uma crítica literária mais socialmente consciente e interventiva. No entanto, as aventuras das suas famosas personagens influenciaram e acompanharam muitos de nós, leitores. É sabido que a literatura infantil é produzida, comercializada, adquirida e lida em primeiro lugar por adultos (antes que seja lida à criança), como estratégia de socialização, colocando-se, portanto, a questão da ideologia veiculada por esses mesmos universos literários, e a obra de Blyton não é excepção. Essas críticas levaram a que algumas das suas obras fossem “actualizadas” e adaptadas, nomeadamente “The Faraway Tree”, em que, em edições mais recentes, desaparecesse o castigo físico de crianças. Em 2010 a editora Hodder adaptou os textos de “Os Cinco” para modernizar termos como “school tunic” (“uniform”), ou “mother and father” (“mum and dad”), projecto que foi abandonado em 2016, por não ter tido o êxito desejado.

As várias personagens que criou e os livros que escreveu tiveram imenso sucesso, e é algo que perdura. Como se explica este fenómeno?
A receita mágica do enredo baseado na descoberta, no suspense, nas aventuras picarescas tão desejadas por adolescentes, na relação do ser humano com a natureza, e numa visão moral(izada) do universo. A adaptação desses livros em formato de série ou filme também ajuda a vender livros. Blyton é, deveras, uma pioneira no que diz respeito à literatura infanto-juvenil.

A literatura infanto-juvenil foi, durante muitos anos, considerada uma arte menor, apesar de haver grandes autores que também escreveram para leitores mais jovens. Ainda é assim?
Já não, felizmente. Basta recordar o recente fenómeno literário e cultural de Harry Potter. É talvez das áreas do mercado livreiro que mais lucro gera, movimentando milhões. O diálogo entre o texto e a ilustração de qualidade enriquece o livro-objecto que agrada a graúdos e a miúdos simultaneamente, e permite um momento único de partilha entre pais/avós e filhos. Determinados livros e personagens tornam-se parte daquilo a que poderíamos chamar o nosso ADN cultural, da nossa memória familiar e pessoal, como acontece com “Os Cinco” de Blyton. O livro infantil é divertimento, mas sobretudo é visto por quem o oferece e lê como uma ferramenta didáctica que também estimula a criatividade. E cada vez mais autores conhecidos e lidos por adultos são convidados a escrever para um público mais jovem, de José Saramago, que publicou “A Maior Flor do Mundo” e o “Conto da Ilha Desconhecida”, entre outras obras para crianças, ou António Lobo Antunes, que publicou “A História do Hidroavião”, de temática pós-colonial, e logo complexa, que exige um leitor curioso, ou interessado, crítico e interventivo. A literatura infantil começou também a abordar temas que eram tabu na educação das crianças, como a morte ou a perda de entes queridos, os direitos humanos, os refugiados, a exclusão social, a sexualidade e o género.

22 Jun 2017

Massive Attack e Feist no Clockenflap

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda faltam cinco meses para Hong Kong receber o maior festival de música que se realiza na região, mas a organização divulgou ontem alguns nomes do cartaz, incluindo aquela que será a principal atracção do evento: os Massive Attack vão tocar no dia 19 de Novembro. Entre os principais convidados para a edição de 2017 do Clockenflap estão ainda a cantora Feist, os Tinariwen e os The Dandy Warhols.

Formado em 1988 em Bristol, o trio que compõe os Massive Attack não teve de esperar para ver o trabalho reconhecido: o álbum de estreia, “Blue Lines”, foi lançado em 1991 e o single “Unfinished Sympathy” rapidamente conquistou o público e a crítica.

Em 1998, o álbum “Mezzanine” veio confirmar que o grupo de trip hop sabia o que andava a fazer. “Teadrop”, a música a que Liz Fraser empresta a voz, foi nomeada para vários prémios. O disco esteve no primeiro lugar da lista dos mais vendidos no Reino Unido, o que aconteceu em 2003 com “100th Window”, o quarto álbum em estúdio dos Massive Attack.

Tanto “Blue Lines”, como “Mezzanine” estão na lista dos melhores 500 discos de sempre da Rolling Stone. A banda recebeu vários prémios ao longo da carreira. Com apenas cinco discos de originais, vendeu mais de 11 milhões de cópias.

O concerto de Feist no Clockenflap está marcado para sexta-feira, dia 17 de Novembro, o primeiro dia do festival. A cantora canadiana, que se situa entre o indie e o pop, é também guitarrista e actua tanto a solo, como no grupo de indie rock Broken Social Scene.

O primeiro disco lançado a solo, “Monarch”, data de 1999. Foi com “Let it Die”, de 2004, e “The Reminder”, de 2007, que conquistou projecção internacional. A participação num dos discos dos noruegueses Kings of Convenience também ajudou à descoberta da voz doce de Feist. Conta com vários prémios no currículo.

Do Sahara para aqui

Quem for ao Clockenflap no sábado, pode assistir a um concerto num registo completamente diferente: os Tinariwen chegam do Norte do Mali com um misto de sonoridades que lhes permitiram fazer mais do que música do mundo. O grupo do deserto do Sahara surgiu em 1979, na Argélia, mas só em 2007 é que estes músicos tuaregues foram aclamados, com o disco “Aman Iman” e a presença na rota dos festivais internacionais.

Noutro registo completamente diferente, os norte-americanos The Dandy Warhols compõem o cartaz de domingo com o rock alternativo que fazem desde 1994. Oriundos de Portland, conquistaram um lugar na cena musical quando foram descobertos pela Capitol Records e lançaram o disco de estreia, “The Dandy Warhols Come Down”, em 1997. Em 2001, um dos temas da banda foi escolhido para um anúncio publicitário nos Estados Unidos, o que lhe deu uma projecção massiva. Até à data, The Dandy Warhols têm dez álbuns em estúdio, duas compilações, seis EPs e 27 singles.

21 Jun 2017

Jason Lei, fotógrafo: “Cabe à fotografia preservar a memória”

“A Glimpse of Macau” é a exposição de Jason Lei que está a partir de amanhã na galeria da Creative Macau. Os trabalhos são uma compilação de imagens obtidas em filme nos últimos dez anos. Na altura da inauguração da mostra, é lançado o livro homónimo, para que fique o registo de uma cidade que vai desaparecendo

O que vamos ver nesta exposição?

“A Glimpse of Macau” apareceu por acaso, após o convite da responsável pela Creative Macau, Lúcia Lemos. Não tinha qualquer ideia acerca do que fazer quando me foi dito que havia um período de tempo em que poderia expor ali. O que fiz foi ir aos meus arquivos e tentar perceber o que poderia acontecer.

E o que é que encontrou?

Há dez anos que fotografo Macau. Saio para a rua para disparar por hábito, é algo que gosto de fazer. Pensei que poderia fazer alguma coisa com este trabalho contínuo. Peguei nas imagens do arquivo e resolvi ver o trabalho desenvolvido. Escolhi as minhas favoritas e achei que tinha material para a exposição e para o livro que também vai ser lançado amanhã. Eram mais de mil fotografias armazenadas.

Como é que fez a selecção tendo em conta tanto material?

Tive de ser criterioso. Além de optar por aquilo que emocionalmente mais me fazia sentido, por exemplo as imagens que demonstrassem algum calor humano, tive critérios mais técnicos. Fui buscar as fotografias que, para mim, apresentavam uma luz mais bem trabalhada, um preto e branco mais perfeito e uma escala de cinzentos de qualidade dentro do que mais aprecio. No entanto, a selecção também acabou por ir mudando. Um aspecto curioso que aconteceu neste processo foi ter verificado que algumas das imagens que tinha eram de espaços que já não existem. Há lugares que fotografei há anos que, agora, já não estão lá. Foram substituídos por prédios e outras construções. Ao ver estas fotografias, acabei por fazer também outro tipo de escolha para que parte da exposição integrasse fotografias de lugares que já não são mais do que memórias. Acabam por ser documentos. Com o registo em imagens, tenho uma forma de recordar e de fazer recordar aos outros este território que está sempre em transformação. Cabe à fotografia preservar a memória. Esta ideia só me surgiu com a preparação da exposição. Quando comecei a fotografar não pensava nestas coisas. Gostava de fotografar e era isso que fazia. Penso que é inevitável, com o desenvolvimento, que os espaços se modifiquem e acredito que, em breve, Macau venha a ser completamente diferente. 

Porquê a escolha do preto e branco?

Em primeiro lugar, porque gosto muito. Depois, as imagens foram todas feitas em filme e fui eu que revelei os rolos. Posteriormente digitalizei os negativos para poder fazer a escolha. Por outro lado, o preto e branco é um processo mais associado à memória. Penso que as memórias são a preto e branco. É mais fácil fazer as pessoas recordar com imagens monocromáticas. Um outro aspecto que considero importante é o facto de o preto e branco ter uma imagem mais limpa em que as pessoas se podem aperceber melhor dos detalhes.

São maioritariamente fotografias de rua.

Sim. Apesar de trabalhar profissionalmente como fotógrafo e, nesse âmbito, ir de encontro ao que me é pedido pelos clientes, quando faço o meu trabalho pessoal é isto mesmo que mais gosto de fazer. Pegar na câmara analógica e ir pelas ruas à procura dos momentos que vão acontecendo. Gosto de incluir tudo: lugares, pessoas e animais. 

Na inauguração de “A Glimpse of Macau” vai também lançar um livro.

Sim, e é também o meu primeiro livro. É uma publicação que reúne não só os trabalhos expostos, como muitos outros que não tinham espaço para o ser. Como já referi, foram muitas imagens as que recolhi ao longo destes dez anos. Para todo o trabalho, exposição e livro estive cerca de um mês para escolher as que mais se adequavam.

Quais são as expectativas relativamente a esta primeira exposição individual?

Nunca tinha pensado que seria tão difícil de fazer. Tive de ter um patrocinador e foi muito complicado. Por outro lado, é uma óptima oportunidade para mostrar o meu trabalho pessoal, em que acabei por compilar o que fiz ao longo dos últimos dez anos. Foi bom perceber que, depois de tanto tempo, tenho realmente alguma coisa para mostrar.

Vai continuar com este projecto contínuo?

Sim, sem dúvida, penso que este é um trabalho para a vida. Enquanto fotografar vou tentar sempre ir para a rua fazer os meus registos em filme.

Porque é que insiste na fotografia analógica, num tempo em que o digital domina a imagem?

No processo analógico não se podem ver as imagens que se tiram no momento. Temos de esperar. Temos de as pensar primeiro para que fiquem bem e depois temos de ter paciência: esperar muito tempo até as revelarmos e vermos efectivamente o que conseguimos captar. Gosto muito deste processo. Por outro lado, é um método que, com o tempo, nos dá mais confiança quando disparamos. Com a experiência, vamos vendo o que temos de mudar e melhorar e, passados uns anos, já disparamos com toda a convicção. Depois há outro factor: quando finalmente conseguimos ver a fotografia, a sensação é muito boa e acabamos por dizer com satisfação: eu fiz isto, um produto que envolveu um processo, um pensamento, tempo e técnica. Quando as pessoas fotografam com um telemóvel, por exemplo, disparam repetidamente e acabam por ter muitas imagens que nunca voltam a ver e muito menos a materializar em impressões. Com o processo analógico, pelo menos o negativo já é uma materialização e, depois de revelado o filme, fazemos uma escolha, imprimimos provas e temos sempre uma impressão. Depois acabamos por ampliar as que mais gostamos.

21 Jun 2017

Surrealismo | Obras de Cruzeiro Seixas pela primeira vez em Macau

A exposição que está patente no Clube Militar até sábado será, talvez, a primeira a mostrar obras de pintores surrealistas portugueses, incluindo as de Cruzeiro Seixas. José Duarte, ligado à Associação para a Promoção das Actividades Culturais, gostava de fazer uma exposição só com as obras de um dos fundadores do surrealismo português

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau cruzou-se na vida do pintor Cruzeiro Seixas antes dos 30 anos, quando teve de cumprir o serviço militar obrigatório. Décadas depois, este pedaço de terra a Oriente volta a cruzar-se na sua vida, ainda que à distância. Aos 96 anos, Cruzeiro Seixas expõe pela primeira vez obras suas em Macau.

O pintor, considerado um dos nomes mais sonantes do surrealismo português ainda vivo, após a morte de Mário Cesariny, vive hoje na Casa do Artista, mas não conseguimos estabelecer contacto telefónico para falar do facto de ter, pela primeira vez, quadros seus e serigrafias expostas numa sala do Clube Militar.

José Duarte, ligado à Associação para a Promoção das Actividades Culturais (APAC), fez-nos a visita guiada. O também economista, apaixonado pela arte e pelo surrealismo, falou das dificuldades que foi obter toda a obra do artista, já parcialmente dispersa, ainda que a grande maioria do espólio tenha sido entregue pelo próprio autor à Fundação Cupertino Miranda.

“As obras de Cruzeiro Seixas não aparecem assim muito no mercado. Algumas serigrafias vão aparecendo, obras originais nem tanto, e é mais difícil. Julgo que conseguimos fazer aqui uma exposição que é interessante e equilibrada, e tem significado na sua apresentação”, referiu.

Mas nem só de Cruzeiro Seixas se faz esta iniciativa. José Duarte destaca os nomes de Alfredo Luz e João Paulo como símbolos de uma geração contemporânea de surrealistas.

“Esta é uma exposição com três artistas que, embora com estilos muito diferentes, facilmente identificamos os seus quadros, porque têm um estilo muito marcado. Todos eles são influenciados pelo surrealismo, mas é uma interpretação que é discutível”, disse José Duarte.

Cruzeiro Seixas esteve nos primórdios do movimento surrealista, e estão patentes obras que datam dos anos 70 e 80. Alfredo Luz e João Paulo são mais contemporâneos, com diferentes traços e interpretações, mas a génese é a mesma.

“Temos obras de Cruzeiro Seixas centradas em seres fantásticos, num mundo que está para lá do real, e temos Alfredo Luz e João Paulo, que são obras diferentes, mais figurativas, representando cenas do quotidiano. Julgo que este mundo de Cruzeiro Seixas, do fantástico e do surrealismo em geral, também está representado”, referiu o mentor da exposição.

O homem em África

Serão duas montanhas que falam uma com a outra com as cabeças, ou são duas montanhas que ganharam inteligência? A obra “Montes Comunicantes”, de Alfredo Luz, leva a muitas interpretações.

Nascido em 1951, o pintor português tem, no Clube Militar, “obras que têm que ver com o quotidiano, encontros, viagens”, tendo, todas elas, “uma dimensão do fantástico”, conta José Duarte.

Não foi fácil obter o espólio que está patente no Clube Militar até ao próximo dia 24. Foram feitos muitos contactos junto de galerias e de coleccionadores a título individual. No caso de João Paulo, pintor nascido em Arganil em 1928, já falecido, foi a viúva que concedeu grande parte das suas obras.

Os quadros expostos mostram, na visão de José Duarte, o percurso do homem como artista. “Vemos que há cinco fases distintas na evolução dele como pintor. Penso que a presença dele em África teve muita influência. Há também o fantástico, mas inspirado em situações do real. Estas são obras do espólio da sua viúva, e por isso é que foi possível ter uma exposição desta dimensão com a obra original. Vemos aqui uma evolução do artista nos temas e na forma de se exprimir.”

Apesar de pertencerem a gerações diferentes, os três pintores formaram-se na António Arroio, em Lisboa.

Muitas visitas

A exposição faz parte do programa de comemorações do 10 de Junho, que foi intitulado “Mês de Portugal” e tem sido um sucesso. “Os primeiros dias tiveram uma grande afluência. Sem contar com o dia de abertura, nos primeiros quatro dias tivemos cerca de 500 pessoas. No pior dia de chuva ainda conseguimos ter 40 pessoas, o que acho extraordinário. Quando se faz um esforço destes espera-se que tenha algum impacto, mas espera-se que as pessoas venham e gostem de ver.”

Margarida Saraiva, investigadora e fundadora da organização cultural BABEL, não destaca apenas o facto desta ser, talvez, a primeira exposição surrealista em Macau, mas lembra a importância que tem na divulgação da arte portuguesa.

“Considero que é fundamental esta iniciativa. É um passo muito grande em termos de afirmação da presença portuguesa em Macau e vem na mesma linha de afirmação de uma presença cultural portuguesa em Macau que se quer cada vez mais forte”, afirma.

Como um apaixonado pelo surrealismo, José Duarte não quer ficar por aqui. “Teria muito gosto de fazer uma exposição só de Cruzeiro Seixas ou só do surrealismo português em Macau, mas esse é um projecto mais arriscado, que necessita de mais tempo. São obras mais dispersas, mais difíceis de obter.”

O responsável da APAC considera que é preciso recordar e divulgar mais não só o surrealismo, como outros géneros de arte portuguesa. “Não diria que o surrealismo português está esquecido. Aqui onde nós vivemos se calhar há um esforço que deve ser feito em prol da divulgação da arte portuguesa, não só do surrealismo.”

20 Jun 2017

Músico João Caetano apresentou novo projecto

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] percussionista e cantor português João Caetano apresentou o seu projecto de estreia a solo no Fundão, território cuja tradição musical dos bombos o inspirou, e de onde saiu um bombo com o qual gravou em estúdio.

“Os bombos de Lavacolhos [freguesia do concelho do Fundão] estão, para mim, como a guitarra portuguesa está para o fado. Portanto apresentar-me no Fundão é algo que surge naturalmente, porque foi aqui que eu bebi a inspiração para a componente tradicional ligada aos bombos”, afirmou, em declarações à agência Lusa.

A poucas horas de actuar, João Caetano explica que os bombos portugueses são “uma das peças fundamentais” deste trabalho, sendo que, em palco, utilizará “bombos próprios”, inspirados nos de Lavacolhos. Não opta pelos “originais”, porque a sua dimensão torna “visualmente inviável” colocá-los de forma a poder usá-los ao mesmo tempo que canta.

“Ainda assim, haverá um bombo de Lavacolhos que estará no palco”, ressalva o músico e cantor, sublinhando que foi esse que utilizou nas gravações.

Mesa de mistura

Quanto ao projecto, assenta num cruzamento entre a música tradicional portuguesa e a música e sonoridades orientais, tudo com uma abordagem própria.

“É um projecto que tem o fado, que tem poemas portugueses, que tem a música tradicional portuguesa e que integra os sons do mundo e uma roupagem mais fresca e mais moderna”, resume.

Radicado em Inglaterra há dez anos, João Caetano nasceu e cresceu em Macau, mas foi em português que o seu “ADN” foi definido e é em português que escreve e apresenta este trabalho.

“Até no Ronnie Scott’s cantei tudo em português e tive pessoas que, apesar de não percebem uma palavra de português, vieram dizer-me que foi o melhor concerto de abertura que viram”, disse, referindo-se à sua estreia, em Abril, naquele famoso clube de jazz londrino.

Com um percurso musical amplo e variado, João Caetano reside no Reino Unido desde 2006, onde completou os estudos superiores, tendo depois sido convidado para integrar a banda de jazz britânica Incógnito, além de acompanhar artistas e grupos. Entre os músicos com quem tocou incluem-se Chaka Khan, Mario Biondi, Anastasia, Leona Lewis, Jessie J e Dionne Bromfield.

19 Jun 2017

Cinema | Britânico Mike Goodridge é o director do festival internacional

Depois da confusão do ano passado, com a desistência do director na fase da contagem decrescente, o Festival Internacional de Cinema de Macau tem o estreante Mike Goodridge como responsável pelo evento. A aposta vai para os novos talentos. O orçamento mantém-se
Mike Goodridge vai estrear-se como director artístico de um festival em Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] britânico Mike Goodridge foi escolhido para o cargo

de director artístico da segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, que vai decorrer de 8 a 14 de Dezembro, anunciou a organização do evento.

Apesar de ligado há 27 anos à indústria cinematográfica, na qual desempenhou diferentes papéis, desde jornalista a crítico, a apresentador ou produtor, Mike Goodridge vai estrear-se como director artístico de um festival, um “desafio irresistível” que era o “próximo passo” na sua carreira que incluiu programar, ao longo dos últimos sete anos, a secção Kinoscope do Festival de Cinema de Sarajevo.

Mike Goodridge, que foi júri em mais de 25 festivais internacionais de cinema, vai contar com o apoio de uma equipa de cinco consultores internacionais, da Europa, da América e da Ásia, incluindo o produtor de cinema português Luís Urbano.

Sob o tema “Novas Vias para o Mundo dos Filmes”, o Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla em inglês) encontra-se dividido em diferentes categorias, entre as quais a de “Competição”, da qual vão fazer parte dez longas-metragens.

Nesta secção foram introduzidas ‘nuances’, com o foco apontado a realizadores com menos experiência, estando previsto um prémio máximo de 60 mil dólares.

“A parte da competição vai ser sobretudo para realizadores que têm um ou dois filmes, porque queremos incentivar mais os novos talentos”, explicou, por seu turno, a presidente da comissão organizadora do IFFAM, Maria Helena de Senna Fernandes.

O programa inclui outras seções como “Gala”, em que vão ser exibidos “três dos mais importantes filmes do ano”; “Adagas Voadoras”, com “seis dos filmes mais inovadores e representativos do atual cinema asiático”; “Fogo Cruzado”, composta por “seis filmes recomendados por realizadores de peso” ou “Panorama”, com “oito películas premiadas nos principais festivais de cinema em 2017”.

Famílias e masterclasses

Uma das novidades no programa prende-se com a introdução de uma categoria “Para Toda a Família” e com um programa de formação em produção cinematográfica, a ser ministrado por profissionais do Instituto de Cinema Britânico, destinado a jovens de Macau interessados em enveredar pela sétima arte.

À semelhança da edição inaugural, realizar-se-ão fóruns de cinema e uma feira de investimento destinados a profissionais da indústria cinematográfica, além de ‘masterclasses’ com profissionais internacionais de renome.

O Festival Internacional de Cinema de Macau é organizado pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST) e pela Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau.

O IFFAM vai contar com um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões são assegurados pela DST, ou seja, o mesmo do da edição inaugural realizada no ano passado.


Director do IFFAM quer pôr certame no mapa dos festivais

O recém-nomeado director artístico do Festival Internacional de Cinema de Macau, Mike Goodridge, identificou uma indústria em crescendo no território, que vê como “porta de entrada” para a China, e quer colocar o certame no mapa dos festivais.

“Quero descobrir mais sobre a indústria e a audiência chinesa, que é imensa”, realçou o britânico Mike Goodrige, na apresentação da segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau.

Destacando o seu “real conhecimento” do mundo do cinema, Mike Goodridge espera contribuir para colocar Macau no mapa, embora notando que o território, com pouco mais de 30 quilómetros quadrados e menos de 650 mil habitantes, é um lugar que considera “excitante”, e tem vindo a aparecer cada vez mais na tela.

“A questão está em criar um festival com significado no calendário dos festivais. Há tantos festivais no mundo que [o] queres fazer [é] algo à medida de Macau, que tenha valor para que as pessoas venham”, sublinhou o novo director artístico do IFFAM, para quem “parte disso passa por criar uma audiência que queira ver os filmes” que vão ser exibidos.

“Queremos casa cheia e as pessoas entusiasmadas em torno do cinema”, afirmou Mike Goodridge, que pretende conceber um cartaz com filmes “artísticos, mas acessíveis”.

O britânico afirmou ainda que acredita dispor de total autonomia editorial: “Tanto quanto sei, tenho. Absolutamente”.

Mike Goodridge respondia assim aos jornalistas, depois de a primeira edição Festival Internacional de Cinema de Macau ter ficado marcada pela saída do italiano Marco Müller, que esteve à frente de festivais de cinema como o de Veneza, Roma ou Locarno. Müller demitiu-se do cargo de director artístico do IFFAM a menos de um mês do arranque do evento, invocando divergência de opiniões.

Mike Goodridge, que deixou recentemente a produtora Protagonist Pictures, foi escolhido entre “cinco a seis candidatos”, entre recomendados e autopropostos, indicou a presidente da comissão organizadora do festival, Maria Helena de Senna Fernandes.

19 Jun 2017

Concerto | Marcel Khalife toca amanhã no Centro Cultural de Macau

O músico libanês toca em Macau pela primeira vez no sábado, apresentando ao público as sonoridades do oud, acompanhado por dois percussionistas e um baixo-duplo. Marcel Khalife destaca-se como um artista com elevada sensibilidade social, considerado por muitos como o Bob Dylan do Médio Oriente

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]alvez a arte salve o mundo. Este é o lema de muitos artistas com mensagem política e social. “Quero combater a brutalidade que se vive nos dias de hoje com música, é o que sei fazer melhor”, comenta Marcel Khalife.

O músico libanês usa o oud, um instrumento de cordas que se assemelha a uma viola, para veicular uma mensagem de forte cariz social. Tanto hoje, como há mais de 40 anos, quando começou a sua carreira, Marcel canta para os povos oprimidos, ao que são submetidos à violência. “A barbárie pode ser combatida com amor, música e poesia, talvez seja a forma de salvar o mundo”, um conceito transversal à mensagem do músico.

Olhando para a actualidade, o libanês não considera que a desumanidade se limita apenas ao Médio Oriente, estando espalhada por todo o mundo. Mas focando a região de onde é originário, Khalife é da opinião de que, “historicamente, os regimes que controlam o mundo fazem-no através da brutalidade, com violência que gera mais violência”. É assim que explica o aparecimento de grupos como o Estado Islâmico, efeito secundário dos actos desses regimes.

A selvajaria não se esgota no terrorismo e na guerra. Nesse sentido, o músico é sensível também às questões da miséria, opressão e falta de acesso à saúde e educação.

Apesar da fealdade que enche o mundo, a Marcel Khalife não lhe faltam oportunidades de deslumbre e inspiração. “Se olharmos para a vida, para o que nos rodeia, podemos encontrar beleza, é uma questão de visão”, explica, seja um olhar bonito, ou uma criança a brincar.

Com aclamação pela crítica, tanto no Médio Oriente como no resto do mundo, a obra de Marcel Khalife tem sido reconhecida também pela sua função social e humanitária. Como tal, o libanês foi nomeado em 2005 pela UNESCO como Artista pela Paz. Dois anos depois era distinguido pelo prestigiado Prémio Charles Cros, pela obra “Taqasim”, na categoria de música do mundo.

Alguns críticos consideram Marcel Khalife como o Bob Dylan do Médio Oriente, uma comparação que não entusiasma particularmente o libanês. “Esta similaridade tem que ver mais com o compromisso social e político, assim como com o conteúdo das letras”, comenta. Musicalmente, o mestre do oud considera que Dylan seguiu outro percurso.

Faz-se luz

Marcel Khalife nasceu na pequena cidade de Amchit, filho de um pai pescador que tocava flauta. O músico não consegue destacar o momento exacto em que se apaixonou pelo oud, porque “ninguém sabe quando se começa a amar algo, o amor é como a magia, simplesmente acontece”, comenta.

Certo é que desde pequeno se sentia atraído por instrumentos musicais. Aliás, até os pais lhe comprarem o primeiro oud, o músico fez-lhes a vida negra ao usar musicalmente tachos e panelas. Inspiravam-no cânticos religiosos e as melodias que ia ouvindo. A mãe achou que o jovem tinha algo dentro de si, um talento por explorar. Então, decidiram comprar um instrumento para que se pudesse expressar. Decidiram-se pelo oud por ser barato e aí começou uma festa que levaria o jovem Marcel a ser um dos mestre contemporâneos desta forma arcaica de alaúde.

Os pais arranjaram-lhe um mestre que passados uns meses decretou não ter mais nada para lhe ensinar, tendo-os avisado que o filho possuía um dom inato para o instrumento.

Ainda teve outro professor até ingressar no Conservatório Nacional de Música de Beirute. Completou os estudos e, quando se preparava para iniciar a carreira musical, a vida intrometeu-se com violência. Rebentava a guerra civil libanesa.

Por esta altura, Marcel Khalife era um jovem idealista, revolucionário, com vontade de mudar o mundo. Por uma questão de divergência política com as forças que dominavam a sua região, votou-se a uma espécie de prisão domiciliária onde mergulhou no oud e na poesia de Mahmoud Darwish.

“Estava só a passar o tempo, a pegar na poesia e a transformá-la em música, nunca esperei que esse trabalho acabasse num palco em Macau”, recorda o músico. Quando sentiu que já não podia ficar mais tempo fechado na casa onde cresceu, Marcel saiu e partiu para Paris levando consigo o oud e a música que havia composto com base na poesia de Darwish.

As sonoridades do libanês chegaram aos ouvidos certos e a sua música nunca mais parou de se espalhar, tornando-se num fenómeno global. “De repente, algo que fiz às escuras chegou à luz”, interpreta.

A música luminosa de Marcel Khalife chega assim, 43 anos depois do início da sua carreira, a Macau. Amanhã, no Centro Cultural, pelas 20h, o músico libanês sobe ao palco ladeado por dois percussionistas e um baixista para um concerto que promete ser memorável.

16 Jun 2017

Lok Hong, director do comité de preparação da 11ª Bienal de Design: “Macau é como uma página em branco”

A Bienal de Design de Macau avança a todo o vapor. Para a edição deste ano, passados dez dias da abertura do concurso, a organização recebeu cerca de 550 submissões de designers. O período de inscrição mantém-se aberto até 30 de Junho. Falámos com o jovem director da iniciativa, Lok Hong, ele próprio vencedor do evento em 2013

Quais são as expectativas para a bienal deste ano?

Na última edição, a 10.ª, tivemos à volta de dois mil participantes e este ano esperamos uma participação ainda maior de designers em competição. Só nos primeiros dez dias em que começámos a aceitar trabalhos para o concurso recebemos cerca de 550 submissões. É uma resposta muito encorajadora que revela grande interesse e adesão da classe pelo evento. Nesta edição temos como propósito maior oferecer um palco global para que os talentos mostrem a sua criatividade. Temos expectativas de receber trabalhos de muitos designers internacionais para a competição, queremos que este ano a bienal seja maior, que alargue o seu espectro. Desejamos chegar mais longe e tornar o evento num acontecimento global.

Quais são as novidades que destaca nesta edição?

Temos uma novidade importante que é a atribuição do prémio Macau Design Award of Best Branding. Acho que esta distinção é o resultado de uma realidade que temos vindo a registar. Penso que nos dias de hoje a atmosfera das indústrias criativas locais está a melhorar. Esperamos que este prémio possa inspirar os mais jovens para a criação da sua marca. Queremos escolher um caso de sucesso que ilustre a forma como o design de marcas pode criar valor comercial em Macau. Esta distinção é dada tanto à equipa responsável pelo desenho e concepção da marca, como ao cliente. Isto porque queremos premiar as conquistas da marca e encorajar a contribuição do cliente no projecto. Um grande projecto de branding não se esgota no aspecto do design, no visual do produto, também conta a estratégia comercial e o entendimento que o cliente tem do seu modelo de negócio. Nesse aspecto, ambos os lados merecem ser celebrados e distinguidos.

Pode dar-nos a conhecer um pouco o seu trajecto até chegar a director da Bienal de Design de Macau?

Fiz os meus estudos académicos, mestrado em Design de Marcas, em Londres, e depois voltei a Macau. Fui o vencedor da bienal de 2013. Nesse ano ganhei uma dezena de prémios e isso deve ter chamado a atenção da Associação de Designers de Macau, que me convidou para ser um dos membros. Até que este ano me convidaram para dirigir a bienal. Profissionalmente, sou uma pessoa que gosta de experimentar várias áreas e acho que posso fazer um bom trabalho aqui. Sou completamente apaixonado pela área do design e acho que Macau é uma cidade muito especial, pequena. É aliciante em termos criativos, apesar de não ser como Hong Kong, onde há um mercado enorme que oferece imensas oportunidades para trabalhar com empresas internacionais. Em Macau não se explora muito as potencialidades do design. É como uma folha em branco e, portanto, sinto que as possibilidades são infinitas para trabalhar neste ramo. Assim sendo, como não há um grande mercado estabelecido, há mais liberdade para os designers experimentarem.

De onde partiu o seu interesse pelo design? Houve algum episódio que o tenha marcado?

Sim, houve um acontecimento. Assisti à palestra de um designer muito popular em Hong Kong, Tommy Li, em que ele conta a experiência que fez com uma microempresa local onde aplicou técnicas de design para incrementar o volume de negócio. Os empresários sabiam produzir o produto, tinham esse know-how, mas não empregavam qualquer estratégia específica para gerir o negócio. O designer interveio nessa empresa e, com a sua ajuda, a microempresa expandiu o negócio exponencialmente, abrindo mais de 500 sucursais. Foi uma experiência. Percebi, então, que o design não se esgota na forma como dizemos o que sentimos, mas também se estende à maneira como pode afectar os comportamentos das pessoas no sentido social e, acima de tudo, comercial.

O lema da bienal deste ano é “design com valor”. Pode explicar o que significa este conceito?

É um conceito um pouco abstracto, talvez seja melhor dar alguns exemplos para elucidar do que se trata. No Japão, o design de embalagens faz crescer consideravelmente as vendas, procura-se satisfazer um gosto particular com um produto que tenha uma embalagem bonita da cultura “kawaii” [fofinho]. Este tipo de design tem um grande poder de atracção sobre os clientes e os produtos acabam por reinventar a sociedade, a dar-lhes outros moldes. Outro bom exemplo é o que se passa em Taiwan com o uso do design de propaganda para atrair jovens e para lhes apresentar marcas. Acho que o design vai muito mais além de uma mera forma prática de vender uma ideia, pode também ser uma ferramenta para criar oportunidades que se materializem em resultados comerciais, ou que acrescentem utilidade a algo. Isto é o que está por detrás do conceito “design cria valor”, porque o design, hoje em dia, está relacionado com todos os sectores da sociedade. Esta é a mensagem que queremos passar à comunidade e ao Governo de Macau, o design é um instrumento que pode melhorar a sociedade e ajudá-la a redefinir metas.

Foi a área que estudou. Esta foi uma proposta sua?

Sim, porque o meu interesse pende mais para a parte do branding. Nesse aspecto tenho muita sorte que o desenvolvimento do design em Macau esteja a crescer e a corresponder às exigências do mercado. Quando era estudante interessei-me muito pelo sector do marketing em Macau. Havia pouca coisa visível, nas ruas só se encontravam uns quantos pósteres interessantes, também tínhamos alguma boa artwork proveniente do Governo, mas não se via nada de especial que sobressaísse no ramo da publicidade e na área comercial. Mas hoje em dia basta andar na rua e olhar para os autocarros, ou para os arranjos que vemos nas montras para encontrar bons exemplos de design. Acho que essa evolução não é por acaso e se deve muito à influência da bienal e da Associação de Designers de Macau, que tem tido um papel formador mostrando às pessoas o que é bom. O design não tem de se limitar à área cultural, também o podemos aplicar as formas mais comerciais. Acho que esse foi o salto mais considerável nos anos mais recentes em Macau.

Como vê a evolução da Bienal de Design de Macau?

Este evento tem crescido muito rapidamente, de ano para ano. No princípio, a competição era dirigida apenas para locais e os juízes eram pessoas com alguma popularidade em Macau. Procuravam bons produtos que ganhassem a competição e coisa ficava por aí. Nos últimos cinco anos começámos a convidar juízes internacionais e temos cada vez mais designers de diversas proveniências a participar na nossa competição. O valor da nossa bienal tem crescido a um ritmo muito veloz. Hoje em dia, o nosso alcance vai muito além de Macau, chega ao Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos.

Quem são os juízes da bienal deste ano?

Temos três juízes internacionais que tive o prazer de conhecer pessoalmente. Quando estudei em Londres viajei por países como a Holanda, Alemanha e França. Na Europa há um grande mercado de branding e pósteres e também bons especialistas na matéria. Um dos juízes é o representante da agência LAVA, uma empresa de design de Amesterdão que tem uma subsidiária em Pequim. Esta empresa é muito popular no trabalho que faz de branding. Fizeram um belíssimo trabalho, por exemplo, no Museu de Design de Moscovo, assim como com o design da Cimeira de Segurança Nuclear. Temos também Steffen Knöll, de Estugarda, um excelente designer de pósteres de renome internacional que já expôs em Macau. O outro júri é Guang Yu, um jovem designer chinês muito talentoso. O trabalho dele é inspirador muito arriscado. Este ano temos três juízes internacionais bem diferentes, com estilos e visões diferentes.

15 Jun 2017