O desigual

 

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ascemos todos irremediavelmente iguais. É uma verdade que não agrada a todos, bem sei, mas é um facto incontestável. Nascemos iguais no desamparo da separação do ventre, na solidão do corte do cordão umbilical, na necessidade extrema de aconchego, na insaciável necessidade de pele. Só na morte voltamos a experimentar semelhante condição de igualdade. Também ela é solidão, mesmo que haja outras mortes à nossa volta.

Nascemos inevitavelmente iguais, mas o problema acontece logo depois, na tesoura que nos corta a protecção e no pano que nos embrulha. Apesar de sermos muito iguais no acto de nascer – mesmo com todas as diferenças físicas que partilhamos uns com os outros –, há quem seja envolvido no único farrapo disponível. E depois há quem tenha um lençol lavado e uma manta quente. Deixamos de ser todos tão iguais.

A desigualdade vai acontecendo ao longo da vida. Pais, sem pais, com educação, sem ela. Religião, sem religião, pão, sem pão, saúde, sem ela. A desigualdade é uma cena tramada essencialmente para aqueles que são mais desiguais do que os outros, porque reduz a hipótese do sonho. Olhamos para os nossos filhos, pequenos, e imaginamos que terão o mundo ao alcance do que quiserem dele. Aos filhos de quem vive na guerra resta, com sorte, a sobrevivência.

No meio de um mundo profundamente desigual, há boas almas que lutam pela igualdade. Deixam os lençóis e as mantas quentes em que nasceram para estarem ao lado daqueles que, nascidos iguais, tiveram o azar dos acontecimentos. Ou o azar da cor da pele. Ou o azar da religião que passou a maldita. Boas almas também não faltam entre os que levaram com toda a desigualdade possível: têm um farrapo a mais do que o vizinho e, por terem essa fortuna, partilham-na com quem precisa dela. É assim que sucede desde que se escreve a história.

E desde que a história se escreve que há loucos e que há gente com os princípios ao contrário. Quando um louco tem os princípios ao contrário, assume contornos assustadores. Quando um louco tem os princípios ao contrário e, qual cereja podre em cima do bolo, é também ignorante, aqueles que estão em seu redor devem ter cuidado, muito cuidado.

Desde que se escreve a história que loucos deste género chegaram ao poder, muitas vezes de forma legítima, por vontade da maioria popular. Quando se sentam na cadeira do poder, pouco ou nada interessa por que razão ali se instalaram, uma vez que já se esqueceram. E como são loucos, fazem o que lhe dá na gana, contornam obstáculos e derrubam opositores, calam as vozes de protesto e iludem os apoiantes com algum pão e uma dose substancial de espectáculo. Nos povos em que a maioria pouco mais tem, ao nascimento, do que um farrapo a embrulhar o corpo, os loucos costumam permanecer no poder; nos sítios onde a maioria tem, pelo menos, um lençol limpo, o caso costuma ser outro. Mas não existe uma regra, diz-nos a história desde que é escrita.

Há um homem no poder do mundo, neste momento, que desconhece que todos nós, quando nascemos, somos irremediavelmente iguais. Não é o único a pensar assim – o que não falta é gente por aí com o mesmo pensamento quadrado, ideias que chocam com os ângulos da forma geométrica e dali não saem. Todos nós conhecemos pessoas assim, por esse mundo fora e neste mundo aqui dentro também. Os imigrantes do Sudeste Asiático são menos gente. Os migrantes da China Continental são menos gente também. Os muçulmanos são isto. Os judeus são aquilo. Os judeus foram sempre muita coisa, consoante os anos em que a história se escreveu, e os muçulmanos também. E os católicos e os budistas e todos os outros, os brancos, os menos brancos, os pretos, os mulatos, os de olhos rasgados e os de olhos menos rasgados. É o que nos diz a história desde que é escrita e eu acredito nela.

O problema acontece porque temos um homem com poder no mundo que junta loucura, princípios ao contrário, ignorância e uma extraordinária influência em termos globais. É um homem que não sabe que a diferença entre os homens é uma questão de cor, pelo que somos todos iguais nessa desigualdade. E que a verdadeira diferença, a mais importante de todas – a impossibilidade de sonhar com a igualdade – só existe por causa de homens mais ou menos como ele.

Desde que a história se escreve que os homens revelam uma enorme incapacidade de aprender com a história que se escreveu. Quero acreditar que, desta vez, será diferente. E que tudo aquilo que leio não passará de uma experiência muito breve de um louco que nasceu igual a mim, morrerá com igual solidão, mas a vida dele fez-nos desiguais, não pela cor laranja que exibe e que eu não tenho, mas por lhe terem acontecido princípios ao contrário e uma ignorância que toca no azar a poucos.

3 Fev 2017

Línguas | Tradutor de André Villas-Boas estudou um ano em Macau

Foi aluno do Politécnico de Leiria e esteve um ano em Macau. Luís Lino é o tradutor e intérprete da equipa de André Villas-Boas, o antigo treinador do FC Porto que agora comanda o Shanghai SIPG. Estudar mandarim abriu-lhe as portas para o mundo do futebol

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ó acreditou no dia em que chegou a Xangai. “É um sonho. Quando o André Villas-Boas me fez a proposta nem sequer queria acreditar.” Luís Lino acabou o curso há pouco mais de dois anos. O antigo aluno do Instituto Politécnico de Leiria viveu um ano no território, ao abrigo de um acordo com o Politécnico de Macau. Foi jogador do Sporting local e é um amante de futebol, pelo que entrar em campo para traduzir é a conjugação de duas paixões que, diz, jamais imaginaria que fosse possível.

A equipa de André Villas-Boas – antigo treinador do Porto, do Chelsea e do Tottenham, entre outros clubes – chegou a Xangai em Dezembro. A experiência, conta Luís Lino, está a ser francamente positiva. “Mas estive dois anos em Portugal [desde que acabou o curso] a falar mandarim muito raramente. Não tinha contacto diário com a língua. Quando cheguei, senti que estava bastante enferrujado, isto já para não dizer que nunca falei chinês no contexto do futebol”, explica. “Há muitos termos que me estavam a faltar. É um trabalho do dia-a-dia que não posso negligenciar. Estou a trabalhar constantemente.”

O tradutor tem como principais funções ajudar o treinador e os jogadores de língua portuguesa “na organização e em trabalho de back office”. Dá apoio em questões burocráticas, na preparação de documentos e em “tudo aquilo que os jogadores precisarem”. Em campo, ajuda na comunicação entre jogadores chineses e técnico principal da equipa.

“André Villas-Boas tem um adjunto, o Xie Hui, que é o David Beckham da China. Fala um inglês espectacular, já está no mundo do futebol há muitos anos, pelo que se apoia mais nele para dar instruções em campo. Mas estou lá, estou sempre atento e, quando é preciso complementar alguma coisa ou quando esse adjunto está ocupado a falar com outra pessoa, entro eu. Estou sempre pronto a ajudar”, descreve Luís Lino.

Fora das quatro linhas, o tradutor desempenha um papel importante nas conferências de imprensa. O Shanghai SIPG, equipa da Super Liga Chinesa, tem quatro jogadores de língua portuguesa: os brasileiros Elkeson, Hulk e Oscar, e Ricardo Carvalho, defesa central português com 89 internacionalizações ao serviço da selecção nacional.

Melhor aqui do que lá

Natural do Porto, Luís Lino viu na aprendizagem do mandarim um desafio. “A minha família também me dizia que seria a língua mais rentável na indústria da tradução, da interpretação. Foi sobretudo pelo desafio e pelo facto de ser muito exótico”, explica.

Escolhido o curso, a opção foi o Instituto Politécnico de Leiria, que oferece um programa de quatro anos, sendo que dois são passados fora, o que “faz uma diferença abismal”. No segundo ano do curso, Luís Lino foi estudar para a Universidade de Língua e Cultura de Pequim, e de lá veio para Macau, onde esteve entre 2012 e 2013. “Voltei para Portugal, fiz o primeiro semestre do quarto ano em Leiria e, depois, o estágio em Xangai.”

No final do curso, decidiu “pensar no que queria mesmo fazer”. Em casa, foi intérprete freelancer, “ia fazendo traduções, interpretações, incluindo para a Federação Portuguesa de Artes Marciais”, e trabalhou no Museu do Futebol Clube do Porto. “Estava a leccionar mandarim no Porto quando recebi esta proposta”, diz.

Em relação a Macau, onde esteve agora durante alguns dias de férias, diz olhar “com muito carinho, também por causa do Sporting”. O clube “ajudou a entrosar-me bem na cidade e conhecer muita gente de cá”, recorda Luís Lino, que veio viver para o território integrado numa turma de 16 estudantes.

Sobre o ano a estudar no Politécnico, numa cidade onde o mandarim não é a língua que se ouve na rua, Luís Lino entende que, “de acordo com o processo, tem de se passar por aqui”. “Mas, na altura, os nossos conhecimentos de mandarim ainda não eram consolidados o suficiente para conseguirmos entender o que se diz em cantonense, enquanto agora já é possível associar algumas expressões, depois de seis, sete anos de estudo”, refere.

De qualquer modo, “perder, não se perde”, ressalva. “Continua a ser melhor estar aqui do que em Portugal, onde não há referência diária absolutamente nenhuma. Depois, o nosso horário era muito intenso, com quatro a seis horas diárias só de chinês compreensivo, excluindo as aulas de leitura, de audição e de História da China.”

A oportunidade

O novo desafio obriga o jovem tradutor a regressar ao estudo. “Durante os treinos tenho sempre o meu caderno comigo. Sempre que ouço uma expressão que não conheço, aponto-a. Tenho várias ferramentas que me ajudam a memorizar e a estudar”, relata, enquanto pega no telemóvel e mostra as melhores aplicações para consolidar a língua chinesa. “O importante é compilar o maior número de léxico possível e ter a certeza de que nunca se pára”.

Apesar de ter vivido quatro meses em Xangai na recta final do curso, a experiência no Shanghai SIPG faz com que a capital económica da China seja olhada de outra forma. “Quando estou livre, há mais tempo para explorar. Somos um grupo, costumamos fazer muita coisa juntos, vamos passear e, geralmente, contam comigo para lhes dizer quais são os sítios a ir. Adoro Xangai, é mesmo o meu estilo. Não falta nada, tem muita coisa para ver, muitos lugares escondidos no meio da cidade.”

De malas feitas e prestes a embarcar de regresso à equipa de André Villas-Boas, o jovem tradutor confessa que, quando terminou o curso, pensou que iria trabalhar “para um escritório de advogados ou ser freelancer o resto dos meus dias”. “Mas a vida tem destas voltas. Trabalhei, empenhei-me, dediquei-me, mas também tive sorte. Agora é aproveitar a oportunidade”, remata.

2 Fev 2017

Trump it

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]oderão pensar que sou antiquada, démodé, fora do tempo: gosto de homens que sabem ser cavalheiros. Assim como gosto de mulheres a sério, aprumadas. Com isto não quero dizer que não compreenda o disparate e que dele não participe. Na vida há espaço e tempo para tudo, incluindo para o palavrão que, dito na hora e no local certos, tão bem faz à alma, por ser purificador ou, pelo menos, bastante analgésico.

Mas escrevia eu que gosto de cavalheiros. Isto não tem que ver com desigualdade de género, antes pelo contrário. O meu entendimento de cavalheirismo implica, antes de mais, que os homens respeitem as mulheres. E respeitem os compromissos. Respeitem os outros. Por isso são cavalheiros. Também as mulheres a sério, as que são aprumadas, respeitam os homens. E respeitam os compromissos. E respeitam os outros. O respeito é mesmo muito bonito.

O cavalheirismo é uma forma de vida, de pensar, de estar, de agir com os outros e para com os outros. É uma forma de se ser social. Devemos aos cavalheiros o facto de termos uma sociedade mais ou menos organizada. Foram eles que fizeram o favor de nos estruturarem, para que seja possível a convivência mínima. Há mulheres a sério que também contribuíram neste processo, apesar de serem em número inferior ao desejável. Mas não é isso que agora interessa.

O cavalheirismo é, por norma, acompanhado de gentileza, uma qualidade mais ou menos em desuso para ambos os sexos. Cavalheirismo e gentileza são, porém, características que não se devem confundir. O que hoje me importa mesmo é o que o cavalheirismo tem de tão especial e o que, na ausência dele, irremediavelmente se perde.

Há exactamente uma semana, assisti em directo à tomada de posse de Donald Trump, o estranho ser que, de candidato a candidato alvo de muito e merecido gozo, passou a Presidente da maior economia mundial. Aquilo que deveria ser uma festa teve contornos fúnebres, pelas expressões de quem lá esteve, pelo clima que se percebia no ar, pelos protestos que aconteceram à mesma hora. Pelo discurso que fez, pelo tom do discurso que fez, por aquilo que anunciou, pelo modo como se comportou. A semiótica das palavras é importante, como é importante a semiótica das imagens.

Donald Trump é a antítese do cavalheiro. Não vale a pena elencar aqui o que ele já fez, desfazendo; ou o que desfez, existindo. Para quem dúvidas tivesse, numa semana demonstrou de que farinha é feito. Não passa de um vendedor de banha-da-cobra pintado de dourado, um homem que imagina que basta querer para que o poder lhe responda aos desejos. Quem o apoia ainda não percebeu o que vai acontecer, mas talvez um dia destes avance no discurso e ouça o que se seguiu ao ‘American first’ que tantos orgasmos mentais provocou naquele eleitorado babado de contentamento.

É cedo para imaginar o futuro, mas certo é que o que vem por aí não será coisa boa. É dar tempo ao tempo, sendo que o tempo não será longo. As alucinações, como é sabido, vêm e vão, sendo que há remédios vários para elas.

Mas, até lá, é esta a realidade e não vai soltar-nos. Como se dá o caso de vivermos todos no mesmo mundo, o que acontece lá longe também nos interessa, porque o mundo vai sendo feito de muitos equilíbrios, de jogos de poder que devem seguir regras comuns. Neste momento, ninguém sabe exactamente quais são, mas todos nós vemos o que se está apostar.

Quero acreditar que, um dia destes, a coisa resolve-se, de uma forma ou de outra. Mas até lá temos a antítese do cavalheiro na Casa Branca. Como não sabe ser cavalheiro, como não passa de uma espécie de humano que, infelizmente, não beneficiou das vantagens de uma educação para o cavalheirismo, Donald Trump faz o que lhe dá na real gana, nas mais variadas dimensões da sua desinteressante mas insistente existência.

Um dia destes, o mundo muda outra vez mas, até lá, muito será desfeito, para entretenimento das agências de notação financeira, para a desgraça de muitos e o regozijo de outros tantos. O problema é que a figura que está ali no topo, na abertura dos noticiários, no centro do mundo, esparramado num sofá na Casa Branca, não é um cavalheiro. E como não é um cavalheiro, alinhou o discurso e os actos pelo nível subterrâneo, que é onde vivem os seres cujos olhos não têm qualquer préstimo.

A contaminação do estilo será a pior consequência de todas. Donald Trump é a antítese do cavalheiro.

1 Fev 2017

Acordo de Associação Transpacífico | Atitude de Donald Trump pode dar espaço à China

Donald Trump bateu com a porta e ao fazê-lo poderá ter aberto uma janela. Há países que espreitam para a China e defendem que pode ocupar o lugar deixado vago pelos Estados Unidos no Acordo de Associação Transpacífico. Se Pequim aproveitar a oportunidade, desenha-se uma nova lógica geoeconómica. E geopolítica também, claro

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]aiu o maior, pode entrar o segundo maior. É bem provável que, daqui a algum tempo, seja esta a realidade do Acordo de Associação Transpacífico (TPP, na sigla inglesa). Numa das suas primeiras iniciativas presidenciais, Donald Trump decidiu retirar os Estados Unidos do grupo de 12 países que tinham já chegado a um entendimento económico e comercial significativo para o mundo, pelo peso das suas economias. Os 11 que sobraram ficaram sozinhos e procuram um substituto. O problema, agora, é o Japão.

Mas já lá vamos. Quando o TPP se começou a desenhar, o facto de a China ficar de fora teve uma interpretação de ordem económica, mas também política. Pequim definiu rotas, estabeleceu alianças e fez investimentos em países vizinhos com os quais nem sempre tem boas relações, devido a conflitos de soberania, mas era óbvia a vontade de afirmação além-fronteiras. O TPP surgiu, aos olhos dos analistas, como uma forma de equilibrar poderes na sensível região da Ásia-Pacífico.

“A maior estranheza quanto ao TPP era o facto de a China não entrar nele”, nota o economista José Luís Sales Marques. “Os Estados Unidos e a China são as duas maiores economias do mundo, e o comércio bilateral assume proporções imensas, pelo que era de estranhar que Pequim não tivesse entrado.” A leitura que se fazia, continua o presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, “é que era uma forma de isolar a China, os Estados Unidos seriam o pivot na Ásia”. Washington queria fortalecer várias alianças e a presença na Ásia, “em certa medida para evitar que a China crescesse ainda mais, passasse a ter uma importância geopolítica maior do que aquela que tem”.

A equação Japão

Washington mudou, o novo inquilino da Casa Branca tem uma forma diferente de olhar para as alianças que herdou, e em menos de uma semana demonstrou que não está com meias medidas em relação a factos que se julgavam adquiridos. A saída dos Estados Unidos do TPP foi recebida com reacções que passam já pela procura de alternativas.

A Austrália e a Nova Zelândia afirmaram que estão dispostas a encorajar a China e outros países asiáticos a juntarem-se ao grupo. O Chile convidou ministros de outros países que assinaram o TPP, bem como representantes da China e da Coreia do Sul, para um encontro em Março para se discutir qual o próximo passo a dar. O TPP não pode entrar em vigor sem a participação dos Estados Unidos, a não ser que se alterem as regras, pelo que o acordo está agora em suspenso.

A grande questão tem que ver com o Japão, país que viu com bons olhos a ausência da China num tratado desta índole. Vizinhos com relações nem sempre amigáveis, Tóquio e Pequim não foram ainda capazes de resolver as cicatrizes de um passado com contornos belicistas. O primeiro-ministro nipónico Shinzo Abe via o TPP como uma forma de manter Washington como um grande aliado económico da Ásia e de moderar as aspirações expansionistas que detecta na China.

Ontem, Shinzo Abe falou da atitude do novo Presidente norte-americano. Mas fê-lo com prudência. “O sistema de comércio livre baseado em regras comuns justas é a fonte do crescimento da economia mundial”, disse o chefe de Governo no parlamento. “Julgo que o Presidente Trump também percebe a importância de um acordo livre e justo, e quero compreender rapidamente qual é o seu entendimento acerca do significado estratégico e económico do TPP.”

Questionado sobre conversações acerca de um acordo bilateral entre o Japão e os Estados Unidos, Shinzo Abe disse que, para já, se abstém de especular sobre a política de comércio de Trump, até as ideias de Washington se tornarem “mais claras”.

Mudar de papel

A China ainda não demonstrou publicamente vontade de se juntar ao grupo para o qual não foi, na sua origem, convidada. Há receios de que a entrada de Pequim possa enfraquecer as regras do grupo em matérias como a protecção da propriedade intelectual e princípios relacionados com a gestão de divisas. Mas Pequim tem estado a tentar negociar uma parceria económica regional que junta 16 países, menos ambiciosa em termos de regras de comércio. Por enquanto, têm sido feitos poucos progressos.

Ressalvando que, nesta altura do campeonato, ainda é cedo para fazer previsões, Sales Marques não tem dúvidas de que a posição de Donald Trump “vai poder abrir as portas para a China interpretar a situação como uma oportunidade para criar ela própria um acordo multilateral”. Resta agora saber “até que ponto vai tirar ou não partido do que já está negociado”. O economista destaca que “esses acordos têm imensas cláusulas e pormenores”.

Para já, Sales Marques chama a atenção para o facto de a ideia em si “não deixar de ser interessante”. De repente, de um dia para o outro, “o multilateralismo que era apregoado pelos Estados Unidos poderá passar a ter na China o seu maior defensor”. O isolacionismo americano que, por ora, tem causado sobretudo reacções pouco positivas, pode trazer oportunidades para alguns, observa o economista. “Depois, depende de como são aproveitadas ou não e de quais são as condições.”

Com o TPP pretendia-se criar um grande mercado, algo aproximado a uma zona de comércio livre. José Luís Sales Marques realça que, também neste aspecto, há uma questão de grande interesse: “Muitos desses parceiros do TPP já reconhecem a China como uma economia de mercado, ao contrário da União Europeia”. É o caso da Austrália reconhece. “Isso pode trazer novas dinâmicas à geoeconomia e trazer novas oportunidades para a China e não só, porque são oportunidades que antes não existiam para os outros parceiros, uma vez que Pequim não fazia parte deste conjunto de países relacionados através do TPP, e poderá passar a fazê-lo”, diz.

“American second?”

Donald Trump deixou claro em palavras e também nos actos que prefere acordos bilaterais a entendimentos multilaterais, apesar de um Congresso norte-americano, controlado pelos republicanos, ser provavelmente favorável ao TPP, no caso de o Presidente ainda mudar de ideias.

Sobre a decisão do sucessor de Barack Obama, Sales Marques descreve-a como “uma atitude unilateral tomada praticamente no calor” da cerimónia de tomada de posse. “Não tem precedentes que me recorde, pelo menos em tempos de paz, um tempo em que supostamente o comércio internacional é regulado por um conjunto de regimes que se fundam todos na ideia de que quanto mais comércio livre houver, melhor. Quebrar barreiras e reduzir tarifas, tudo isso faz parte dos cânones do comércio internacional”, afirma.

O economista acrescenta que Donald Trump não é o único a não concordar com este tipo de parcerias a várias mãos. Há quem questione a sua eficácia e justiça. “Mas, apesar de tudo, é considerado um saber adquirido que os acordos multilaterais são melhores do que os bilaterais. Os multilaterais são firmados com toda a gente e, supostamente, protegem melhor os mais fracos do que os acordos bilaterais”, explica. Nos acordos a apenas duas partes, por norma, “de um lado está um grande mercado que oferece uma oportunidade a um pequeno país em vias de desenvolvimento mas, em contrapartida, tem depois o campo aberto para o investimento e para outro tipo de condições que levam à ‘exploração’ dos recursos desse país mais pequeno”.

Quanto ao TPP, Sales Marques recorda que, “no essencial, era um acordo negociado e assinado”. “Esta quebra de compromisso mostra uma atitude muito forte no sentido de os Estados Unidos olharem para si, considerarem-se auto-suficientes e poderem impor ao mundo o que lhes apetece”. Para o presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, a ideia que Trump deixou no discurso de tomada de posse, a noção de “America first”, “tem muitas tonalidades, muitas leituras, mas uma delas é efectivamente um discurso unilateral”.

Há agora que ver se, a médio prazo, a lógica do “America first” se vai aplicar em termos económicos e políticos ao nível mundial. Pequim tem dito que não pretende o lugar que os Estados Unidos têm ocupado, mas os analistas parecem não ter dúvidas de que, para já, às atitudes de Donald Trump corresponde uma serenidade chinesa que lhe permite delinear, com calma, as suas aspirações globais. Em Pequim, Xi Jinping tem uma mão forte e tranquila; em Washington, Donald Trump tem vivido uns primeiros dias atribulados, com gente na rua em protestos e muitos problemas com os media.

26 Jan 2017

Ano Novo Chinês | O mundo em movimento

Por estes dias, há milhões de pessoas a viajar na China. E para a China. Apesar das alterações sociais da última década, o ano novo lunar continua a ser a principal festa da família e ninguém quer estar longe de casa. Mesmo que o regresso signifique passar dias em comboios ou na estrada

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão deve ter mais de 20 anos e confessa que, na noite anterior à partida, não dormiu. É entrevistado pela Xinhua e conta que tem pela frente uma viagem de 41 horas. Vai de comboio ter com os pais, que “morreriam de saudades” se, por esta altura, não cumprisse o ritual da reunião familiar.

O homem com quem a agência oficial conversa, logo de seguida, deve andar na casa dos 50. “Claro que tenho saudades de casa”, atira, com as malas na mão. Mostra para as câmaras o que transporta dentro de um saco. “Levo algumas frutas para a minha mãe, tudo importado”, diz, orgulhoso. “Ela já tem 80 anos e não tem dentes. Quero dar-lhe o que há de melhor.”

Os dois entrevistados da Xinhua fazem parte de um grupo de milhões de pessoas que, nas vésperas do ano novo lunar, regressam à terra de origem. “Esta movimentação toda na China é a maior migração interna que se conhece da modernidade”, salienta Fernando Sales Lopes, historiador e mestre em Relações Interculturais.

O modo como a China se desenvolveu nas últimas décadas, com o progressivo abandono das zonas rurais de pessoas que fugiram ao desemprego procurando trabalho nas áreas urbanas, contribuiu em muito para o fenómeno a que se assiste por estes dias.

Aqueles que trabalham e vivem nas fábricas das zonas industriais do país voltam a casa, onde deixaram mulheres e filhos – às vezes, só os filhos. Números de Setembro do ano passado davam conta de que cerca de 61 milhões de crianças foram deixadas nas zonas rurais pelos pais que vão trabalhar nas grandes cidades. Depois há também os que estudam longe da terra natal e que regressam para a entrada do ano novo à mesa dos pais.

A juntar ao grupo da migração, há ainda o da emigração. “Também se deslocam uns milhões do estrangeiro para irem para a China comemorar o ano novo com a família”, observa Sales Lopes.

O ano novo lunar é também festejado fora do país. A data é assinalada em Singapura, na Malásia e noutros países com comunidades chinesas significativas. Londres e São Francisco reivindicam ter as maiores comemorações fora da Ásia. Quase um sexto da população mundial vive em festa a passagem de ano.

Transportes da Primavera

Voltemos à China. As autoridades previam para esta semana um dos grandes picos de viagem do “chunyun”, os 40 dias que compreendem o ano novo lunar e que, numa tradução literal, será qualquer coisa como “transporte da Primavera”. É durante esta semana que regressa a maior parte das pessoas que se encontra longe de casa.

De acordo com as contas do Ministério dos Transportes, estima-se que, diariamente, sejam feitas mais de 80 milhões de viagens até à próxima sexta-feira. Na semana passada – a primeira do “chunyun” –, tinham sido contabilizados 520 milhões, o que equivale a um aumento anual de 3,1 por cento.

Os comboios continuam a ser o meio de transporte favorito, até porque é aquele que fica mais em conta: houve um aumento de quase 22 por cento no número de bilhetes vendidos (61,7 milhões), ultrapassando assim alternativas como as viagens de autocarro ou de avião.

Quanto aos fluxos rodoviários, o ministério diz que as viagens nas principais estradas do país devem aumentar entre oito a dez por cento a partir da próxima sexta-feira, dia em que entra em vigor a suspensão temporária da cobrança de portagens. Até ao dia 2 de Fevereiro, os automóveis não pagam nas auto-estradas, o que faz com que haja um aumento do trânsito um pouco por toda a parte.

Pequim, Tianjin, a província de Hebei, o Delta do Rio Yangtze e, mais perto de nós, o Delta do Rio das Pérolas serão as zonas onde vai ser mais difícil circular, segundo as previsões do ministério.

A Comissão Nacional da Reforma e do Desenvolvimento acredita que, este ano, vão ser feitas 2,98 mil milhões de viagens durante o período entre 13 de Janeiro a 21 de Fevereiro, o que representa uma ligeira subida em relação ao ano passado.

Momento da renovação

Na origem de toda esta movimentação na China está uma explicação de natureza cultural, uma noção cuja origem se perde no tempo. “É o ano novo, a festa da Primavera, é a renovação”, aponta Fernando Sales Lopes, traçando um paralelismo com o Natal. “Em todas as culturas é assim. O ano novo é sempre uma festa familiar. O nosso ano novo não é tão familiar quanto isso porque temos essa reunião da família uma semana antes, no Natal.”

O ano novo chinês, acrescenta, “é uma Primavera, é preparar terras para a sementeira, é preparar tudo para o novo ano, para a abundância, é pedir tudo isso às divindades, pedir felicidade para a família e para que haja comida na mesa”. No tempo em que a China era mais rural, havia uma grande ligação à terra e isso percebia-se nos rituais associados à data. “Hoje uns estarão na terra, outros no meio urbano, e outros ainda estarão noutros sítios do mundo até porque, como sabemos, a emigração chinesa é muito grande”, salienta o investigador.

A festa que aí vem “é um tempo também de respeito pelos ancestrais”. Tudo junto “leva a que seja a grande festa da comunidade chinesa”. O investigador, com obra sobre festividades chinesas, recorda que há outro momento do calendário importante para a família: a Festa da Lua. Ainda assim, não chega aos calcanhares do ano novo.

Os quilómetros que se percorrem, as horas que se passam dentro de um comboio, o tempo de espera nas estações, muitas vezes em condições precárias, explicam-se pelo valor que é atribuído à família na China. E isto apesar de, com o crescimento económico e um ritmo de vida cada vez mais acelerado, a organização social do país estar a sofrer mudanças com consequências também para a relação dentro dos próprios núcleos familiares.

“A família na China é muito valorizada. As famílias chinesas acabam por saber mais quem são e de onde vêm do que nós.”
FERNANDO SALES LOPES, INVESTIGADOR

“A família na China é muito valorizada. As famílias chinesas acabam por saber mais quem são e de onde vêm do que nós”, explica Sales Lopes. “Nós sabemos quem foi o avô e o bisavô, alguns saberão o nome do tetravô mas perde-se a história da família. Nas famílias chinesas não é assim.”

O culto dos antepassados faz com que haja uma grande ligação ao clã e isso acontece independentemente do estrato social. “Poderá parecer algo exclusivo dos ricos, mas não é. Toda a gente tem o seu clã, toda a gente descende de determinado indivíduo que é muito conhecido, ou não, é conhecido na família, mas isso é um factor de união”, vinca o investigador. “A família é um factor muito importante para os chineses, apesar de, às vezes, não parecer, porque a forma como o expressam em público não é tão intensa como a nossa, com muitos beijinhos e abraços.”

Os 40 dias de confusão

De acordo com os arquivos da empresa pública de transportes ferroviários do país, a expressão “chunyun” surgiu pela primeira vez na imprensa chinesa em 1954, para descrever o trânsito intenso que, já à época, se verificava por esta altura do ano novo chinês.

A China sofreu profundas mudanças desde então e também o modo como as autoridades lidam com o fenómeno da migração já não é o mesmo. “Lá vai o tempo em que o fim de ano chinês era comemorado em muito poucos dias. Aliás, era a única folga das pessoas, que trabalhavam o ano inteiro. Hoje é diferente”, diz Fernando Sales Lopes.

A juntar à importância social da festa, está a questão económica, que não se deve apenas ao facto de o país ter uma classe média cada vez mais pujante. “A China enveredou por uma economia de mercado há já alguns anos e, a determinada altura, foi necessário acelerar o consumo interno. A razão para o aparecimento das semanas douradas está aí, na economia. Era preciso que o povo circulasse todo pela China para fazer despesa, para comprar coisas para levar para a família”, explica o investigador. Sales Lopes ressalva que não se trata da componente mais importante do ano novo chinês, mas é um aspecto que não pode ser ignorado.

Os dias que dura o “chunyun” contemporâneo é ainda uma tentativa de evitar um caos ainda maior nas estações de comboios, de camionagem, nos aeroportos e nas estradas. “Por aqui temos meia dúzia de dias, na China são 40, o que é um período importante para as pessoas poderem movimentar-se. É muita gente a viajar”, sublinha. A rede ferroviária de alta velocidade e as novas tecnologias vieram minimizar o impacto, “mas é na mesma uma certa confusão, porque são milhões e milhões de pessoas”.

24 Jan 2017

Estudo dos Kaifong revela quase 400 terrenos por desenvolver

Os Moradores não estão satisfeitos com a forma como o Governo tem estado a lidar com os lotes vazios do território. Fizeram um novo estudo sobre a matéria e chegaram à conclusão que há demasiada burocracia. Os Serviços de Saúde também levaram um puxão de orelhas

Com Vitor Ng

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á 390 terrenos vazios só na península de Macau. O número é dos Kaifong – a União Geral das Associações de Moradores de Macau fez um estudo sobre a matéria, à semelhança do que já tinha acontecido em 2013, e detectou vários problemas, sendo que vai agora apresentar uma série de sugestões às autoridades. Uma das questões que mais preocupa tem que ver com a saúde pública: os Kaifong não gostaram do que viram em 75 por cento dos terrenos que visitaram.

A pesquisa foi feita entre Agosto e Dezembro do ano passado e permitiu ainda perceber que, do total de terras por aproveitar, 43 por cento pertencem a privados. Ho Veng Hong, que trabalha no gabinete dos Kaifong na zona norte, explicou que, com o relatório, se pretende perceber como estão a ser utilizados os recursos disponíveis.

Ao contrário do que aconteceu há três anos, quando os Moradores analisaram todo o território, desta vez concentraram-se apenas na península. O grupo responsável pelo trabalho visitou as zonas vazias e obteve dados junto de vários serviços públicos. Ao todo, foram passados a pente fino 495 locais.

E a saúde pública?

A grande conclusão da pesquisa tem que ver com a forma como a Administração lida com os terrenos vazios. Os Kaifong detectaram demasiada burocracia, um fenómeno que se explica com o facto de serem vários os serviços públicos que lidam com a matéria. “As autoridades demoram muito tempo”, afirmou o director do Comité dos Assuntos Sociais da organização, Chan Ka Leong.

“Em resposta a vários tipos de situações que podem acontecer, temos autoridades diferentes para tratar do assunto: as Obras Públicas, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, o Corpo de Bombeiros e os Serviços de Saúde”, contextualizou. “Entretanto, quando um desses serviços não se responsabiliza pelo caso que tem em mãos, transfere-o para outros serviços, o que faz com que o processo demore mais tempo.”

O problema é que há questões que devem ser tratadas de forma urgente, por colocarem em causa a saúde pública. “Há casos que envolvem questões de higiene ou ambientais”, referiu.

Chan Ka Leong disse ainda que, “de acordo com a lei, os Serviços de Saúde têm de assegurar a salubridade dos terrenos, quer sejam privados ou do Governo”. Mas, aponta o representante dos Moradores, “os Serviços de Saúde raramente fazem isso”.

A pesquisa permitiu detectar limitações ao nível legal que os Kaifong gostariam de ver resolvidas, para que as autoridades possam tomar medidas rápidas para os terrenos vazios que coloquem em causa o interesse público. “Às vezes, não se consegue entrar imediatamente em contacto com o dono do terreno. O Governo deve criar uma série de medidas para que se possa tratar do problema nesse espaço e depois tentar, de novo, comunicar com o proprietário.”

Esvaziar o vazio

Os Kaifong são ainda do entendimento que as autoridades devem apropriar-se “temporariamente” dos lotes que se encontram vazios de forma permanente. Além disso, como no centro e na zona sul existem vários terrenos privados por aproveitar, “o Governo pode aumentar os impostos que são cobrados ou adquirir as parcelas que são adequadas para a utilização de construção de habitação pública, de modo a servir os cidadãos de Macau”.

A Lei de Terras também foi chamada à colação, com os Moradores a defenderem que deve ser executada “de forma rigorosa”.

24 Jan 2017

Governo é hoje confrontado com declarações de Ho Chio Meng

Dois deputados escreveram ao Chefe do Executivo porque querem saber o que vai fazer Chui Sai On em relação às questões suscitadas em tribunal pelo ex-procurador da RAEM, relacionadas com Florinda Chan e Sónia Chan. Hoje há explicações na Assembleia

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão perguntas dirigidas directamente ao Chefe do Executivo, pelo que se impõe a pergunta: quem vai hoje à Assembleia Legislativa responder a Ng Kuok Cheong e José Pereira Coutinho? Por norma, o líder do Governo delega as questões abordadas nas interpelações orais consoante a tutela a que dizem respeito.

Sucede que, desta vez, os deputados pretendem obter esclarecimentos sobre a responsabilização política de uma secretária em exercício, Sónia Chan, e da sua antecessora, Florinda Chan, pelo que não fará sentido a actual responsável pela tutela da Administração e Justiça ir a plenário ser advogada em causa própria. Porém, é altamente improvável que Chui Sai On se desloque ao edifício do Lago Nam Van.

Em causa estão declarações de Ho Chio Meng proferidas no Tribunal de Última Instância, durante o julgamento em que é arguido. O ex-procurador da RAEM, acusado de mais de 1500 crimes, disse ter recebido telefonemas de Florinda Chan e de Sónia Chan, quando a actual governante ainda era a responsável pelo Gabinete de Protecção dos Dados Pessoais, com recomendações acerca de familiares interessados em trabalhar no Ministério Público. As pessoas em questão foram admitidas.

Esta revelação de Ho Chio Meng tem dado que falar e o Comissariado contra a Corrupção tem em mãos uma queixa para analisar. Ao Ministério Público já chegou também um pedido de investigação, submetido pela Associação Novo Macau.

Pior do que antes

“Dirigentes de alta categoria a aproveitarem-se dos seus poderes para ajudar familiares a obter emprego na Função Pública é uma situação que se tem agravado desde a transferência de administração de Macau”, começa por escrever Ng Kuok Cheong na interpelação oral que hoje vai estar em análise.

“O tráfico de interesses, a troca de interesses e o nepotismo, entre outros fenómenos, agravam a tendência de corrompimento na Administração Pública de Macau, provocando lesões graves e profundas ao desenvolvimento” do território, prossegue o deputado, que chama a atenção para o facto de os cidadãos não disporem de quaisquer meios para impedir “esses fenómenos”.

O pró-democrata cita depois as declarações de Ho Chio Meng, reproduzidas pelos jornais, lembrando que o gabinete da secretária para a Administração e Justiça confirmou que Sónia Chan telefonou ao antigo procurador para “recomendar” um familiar para trabalhar no MP, “familiar este que foi mesmo recrutado”.

Recordando que existem regras para o ingresso na Função Pública, Ng vinca que a população “questiona a ‘apresentação’ ou ‘recomendação’ envolvendo aquele tipo de altos dirigentes”, havendo dúvidas sobre a legalidade do que aconteceu. Neste contexto, o deputado defende que o Governo deve regulamentar os actos de “apresentação” ou “recomendação” de familiares entre os altos dirigentes, perguntando ao Executivo como é que tenciona fazê-lo.

Ng Kuok Cheong quer ainda saber se “o Chefe do Executivo chegou a imputar as devidas responsabilidades” às titulares dos principais cargos da área da Administração e Justiça.

Onde fica a lei

Pereira Coutinho faz uma interpelação mais directa, em que considera que a conduta de Sónia Chan “viola o Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau”. Ao ter telefonado a Ho Chio Meng, recomendando um familiar que conseguiu um emprego no MP, a secretária “violou directamente o dever de isenção, que consiste em os funcionários não retirarem vantagens que não sejam devidas por lei, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exercem, actuando com imparcialidade e independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole”.

Coutinho salienta que o telefonema ao antigo procurador da RAEM foi feito numa altura em Sónia Chan que era “responsável máxima de um serviço público”. E não afasta a possibilidade de ter sido violado o Código Penal, “quanto aos abusos de poderes inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outras pessoas”.

“Que medidas vão ser adoptadas pelo Governo para apurar responsabilidades da antiga e da actual secretária para a Administração e Justiça, nomeadamente na ‘colocação de pessoas dentro do MP e eventualmente noutros serviços públicos?”, lança o deputado. Pereira Coutinho gostaria ainda de saber se o Executivo vai apurar “a extensão do abuso de poderes derivados dos cargos públicos que ocupam” e quais as medidas que vão ser implementadas no sentido de evitar que estas situações se repitam.

Assuntos às dúzias

As interpelações orais de Ng Kuok Cheong e Pereira Coutinho fazem parte de um conjunto de 12, num plenário dedicado exclusivamente ao exercício deste mecanismo de fiscalização da acção governativa. Vão ser abordados os mais variados temas, desde a protecção da Ilha Verde, assunto que preocupa Ho Ion Sang, à melhoria dos estabelecimentos de prestação de cuidados infantis, questão levada ao plenário por Wong Kit Cheng. Kwan Tsui Hang não desiste de lutar pelos direitos dos motoristas locais, o seu mais recente cavalo de batalha, e Lam Heong Sang insiste na urgência da revisão da lei da importação de trabalhadores não residentes. Mak Soi Kun quer explicações sobre as perspectivas demográficas do território e Si Ka Lon interroga o Executivo sobre o tal “quarto espaço”, ainda em fase inicial de concepção. Já Angela Leong está preocupada com as indústrias culturais e criativas, e Song Pek Kei propõe o alargamento dos serviços non-stop prestados pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais.

23 Jan 2017

Fernando Sales Lopes fala sobre ano novo lunar na FRC

É um final de tarde dedicado a quem tem curiosidade sobre os rituais do ano novo lunar. Amanhã, na Fundação Rui Cunha, Fernando Sales Lopes partilha ideias sobre a festa mais importante da comunidade chinesa
Fernando Sales Lopes

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]contece “a pedido de várias famílias” e não é um momento inédito. Há alguns anos, Fernando Sales Lopes, historiador e mestre em Relações Interculturais, foi o responsável por uma sessão do género, que tem como público-alvo aqueles que, tendo algumas noções sobre a importância do ano novo lunar, pretendem saber mais sobre este momento importante para a comunidade chinesa.

“A maior parte das pessoas não sabe o que se passa no ano novo chinês e tem curiosidade, como é óbvio”, diz o investigador, com trabalho feito em festividades chinesas. “Às vezes a informação também não é a melhor. Regra geral, as coisas oscilam ‘entre isto dá sorte’ e ‘aquilo dá azar’.”

Acontece que a grande festa do ano é muito mais do que uma questão de fortuna ou de desgraça. Sales Lopes vai falar do ano novo lunar de “uma forma mais ou menos estruturada”, explicando o que é, o que significa na China e porque é que há determinadas práticas nesta altura.

“As pessoas têm muita curiosidade em relação a certas coisas: hoje pode fazer-se isto, amanhã pode fazer-se aquilo, as dívidas têm de ser pagas, há que cortar o cabelo, arranjar a casa, visitar a família”, observa. O investigador vai falar dos rituais, do significado da cor, o significado da forma, “porque é que as coisas acontecem assim e não de outra maneira”.

Um mundo em movimento

Fernando Sales Lopes destaca que estas tradições fazem parte da maior festa da comunidade chinesa, com uma enorme importância social. “Neste momento, na China, já andam milhões de pessoas de um lado para o outro, é a maior migração do mundo, porque é a festa da família. As pessoas encontram-se, correm meio mundo, há outros que estão emigrados e que regressam nesta altura para estarem com as famílias. É uma festa importantíssima nesse aspecto, porque é a festa da família.”

Ainda em relação ao modo como o ano novo lunar é vivido, é difícil destacar um momento, seja pela importância ou pela peculiaridade, numa festividade que engloba uma série de rituais. “São todos muito curiosos e, assim sendo, apelava à curiosidade das pessoas para irem ver a sessão, para a gente falar sobre isso”, desafia.

É uma festa muito rica do ponto de vista das tradições. “Há a ceia da família, do ano novo, a chegada do ano, o regresso a casa na noite de ano novo do Deus do Fogão, que sai 15 dias antes para ir lá a cima levar ao Imperador de Jade o relatório sobre como a família se portou o ano inteiro”, exemplifica. “Há uma altura do ano novo chinês em que as pessoas ficam em casa e há outra em que vêm todas para a rua. Tudo isto tem um significado.”

“O ano novo chinês – Costumes e tradições”, com Fernando Sales Lopes, tem início marcado para as 18h30, amanhã, na Fundação Rui Cunha.

23 Jan 2017

AL quer explicações sobre fim do Gabinete Coordenador de Segurança

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] diploma é simples e foi feito com um só objectivo, mas ainda assim os deputados da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa têm várias dúvidas que gostariam de ver esclarecidas pelo Governo. O grupo de trabalho liderado por Chan Chak Mo esteve ontem reunido para analisar a proposta de lei que visa a extinção do Gabinete Coordenador de Segurança, cujas funções deverão passar para os Serviços de Polícia Unitários (SPU).

No final do encontro, o presidente da comissão explicou que os deputados compreendem que a alteração proposta se destina à simplificação da Administração. “Trata-se de uma proposta de lei muito simples. Será que com apenas estes poucos artigos se consegue atingir o objectivo desejado?”, lançou.

Os membros da 2.ª Comissão Permanente têm dúvidas quanto à possibilidade de os agentes dos SPU acumularem novas tarefas. Depois, não encontram no diploma garantias em relação aos funcionários do gabinete que se propõe extinguir. “São 27 trabalhadores. Gostaríamos de saber como é que vai ser tratado o pessoal do Gabinete Coordenador de Segurança”, afirmou Chan Chak Mo.

O deputado explicou que estas questões vão ser passadas a escrito num documento a enviar hoje ao Governo. A ideia é que seja feita uma reunião na próxima terça-feira, em que os representantes do Executivo possam esclarecer a comissão. Chan Chak Mo acredita que, desfeitas as dúvidas, serão necessárias, no máximo, duas reuniões para que a análise ao diploma esteja concluída e possa regressar ao plenário para o debate na especialidade.

A extinção do Gabinete Coordenador de Segurança e a atribuição de novas competências aos SPU implicam alterações a duas leis. Quando a proposta em questão for aprovada, os Serviços de Polícia Unitários passam a ser responsáveis pela protecção civil, com competências de planeamento, coordenação e controlo das actividades desta área. Os SPU terão ainda de prestar apoio técnico, administrativo e logístico ao Conselho de Segurança.

A proposta de lei agora nas mãos da comissão presidida por Chan Chak Mo foi aprovada na generalidade, por unanimidade, no passado dia 4.

20 Jan 2017

AL garante que Governo não quer impor limites nas fronteiras

Quem entra no território até pode trazer um milhão de patacas na mala. Mas tem de declarar o dinheiro e explicar de onde vem. Ontem houve reunião na Assembleia para esclarecer dúvidas sobre as novas regras na fronteira. Os deputados parecem satisfeitos com as explicações do Executivo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] reunião correu tão bem que o próximo encontro dos deputados até vai ser cancelado. A Assembleia Legislativa (AL) vai ficar à espera de uma nova versão sobre a proposta de lei de controlo do transporte transfronteiriço de numerário e de instrumentos negociáveis ao portador. O Governo tem agora em mãos “um ajustamento por causa de questões técnicas”. Quando o articulado revisto for entregue, explicou Kwan Tsui Hang, presidente da 1.a Comissão Permanente da AL, então os deputados voltam a reunir-se.

Kwan Tsui Hang falava depois de uma sessão de trabalho que contou com a presença de representantes do Executivo. “A discussão correu bem”, começou por dizer. A deputada acrescentou que foram esclarecidas as dúvidas levantadas pela comissão na semana passada. Pelo que deu a entender, os deputados ficaram elucidados.

A presidente da comissão recordou que, com esta nova legislação, o Governo procura, sobretudo, ir ao encontro das exigências internacionais. Quando o diploma for aprovado, os visitantes e os residentes de Macau não podem entrar em Macau com mais de 120 mil patacas sem declararem na fronteira o valor que transportam, em numerário ou em instrumentos negociáveis ao portador. De resto, o montante definido segue também as práticas internacionais sobre a matéria.

Os deputados quiseram saber das diferenças à entrada e à saída em relação aos montantes transportados e procedimentos a adoptar. Kwan Tsui Hang citou o Governo para explicar que, quando se chega ao território, é obrigatória a declaração quando o montante for igual ou superior a 120 mil patacas. “Mas, à saída, as pessoas só têm de revelar o valor se forem interpeladas nesse sentido, não precisam de tomar a iniciativa.”

Ficam os anéis

Da lista de dúvidas fazia ainda parte a questão dos dados pessoais. “O Governo vai criar uma base de dados de acordo com a legislação em vigor”, indicou a presidente da comissão. “Os dados não vão ser divulgados publicamente.”

Houve deputados que quiseram saber se o Executivo pretende adoptar medidas semelhantes em relação aos metais preciosos. “O Governo diz que, de acordo com as exigências internacionais, só é preciso regulamentar o numerário e os instrumentos negociáveis ao portador”, disse a deputada, aditando que já existe legislação aplicável a metais preciosos que não sejam para uso pessoal.

Foi deixada ainda a garantia de que “o Governo não pretende proibir” a entrada de dinheiro no território. “As pessoas têm é de declarar quanto trazem. Até pode ser um milhão ou dez milhões”, exemplificou Kwan Tsui Hang, sublinhando que o propósito da legislação é o combate ao branqueamento de capitais.

De resto, há questões técnicas para acertar: a comissão permanente da AL espera que o proponente possa incluir o valor na proposta de lei, “por uma questão de clareza”, indicou Kwan. Os deputados quiseram saber ainda por que razão a proposta prevê que a lei entre em vigor seis meses depois da sua publicação. Os representantes do Executivo alegaram que a Administração “precisa de tempo”.

20 Jan 2017

José Drummond, artista: “Não tenho problemas em olhar ao espelho”

Fotografia, vídeo, instalações e também poesia. José Drummond apresenta hoje na Casa Garden “I’m too sad to tell you”, uma exposição que é um exercício de reflexão sobre o desencanto e a ausência do outro. Ao HM, o artista fala de influências, de pós-colonialismo e do que é isto de se viver numa terra a que não se pertence, correndo o risco de perder as raízes

[dropcap]O[/dropcap] que é que podemos ver nesta exposição?
A exposição chama-se “I’m too sad to tell you”, que é o título de um vídeo de um artista holandês, chamado Bas Jan Ade, dos anos 70. É um vídeo muito famoso na história da videoarte. Ele está permanentemente a chorar, em angústia. A arte interessa essencialmente à arte e, apesar de a arte estar cada vez mais próxima da sociedade em que é feita e de reflectir cada vez melhor os problemas que lhe estão à volta, o ponto de partida e o de chegada são sempre no domínio da arte. Todos os trabalhos que estão em exposição têm quer ver com o estado de desencanto, tristeza, ausência do outro. A exposição tem uma peça central – uma instalação vídeo –, três séries de fotografias que se estendem pelas restantes salas e há outros objectos pontuais que ajudam a criar aquilo que, de início, pensei para esta exposição. Tentei criar algo que não fosse só pendurar umas coisas na parede, mas que pudesse envolver a audiência de um modo diferente, obrigando-a a ter uma atitude quase participativa pela forma como poderá descobrir os trabalhos.

A arte interessa essencialmente à arte, mas também lhe interessa, enquanto artista, chegar a um público.
É o público que, no final, faz o trabalho. É só quando o artista decide que vai mostrar o que fez, e entretanto tem um público, que o trabalho se completa. Se não houver isso, o trabalho não passa de algo que aconteceu dentro do estúdio ou de uma ideia qualquer dentro de uma cabeça qualquer que não foi dita e que, depois, pode ser esquecida. Nesse sentido, é sempre o público que valida a arte e é isso que faz com que seja uma coisa tão importante, porque cada pessoa pode fazer a sua interpretação e podem criar-se narrativas muito mais para além do que a narrativa inicial do artista.

Dizia também que a arte está mais próxima da realidade que a rodeia. Neste trabalho, em que foca a angústia, o desencanto, a solidão, há um reflexo da sociedade em que vive?
De há uns anos para cá que o meu trabalho se alterou profundamente, no sentido em que comecei a fazer parte do meu trabalho. Especialmente nos trabalhos em filme ou em vídeo, passei a fazer de personagem dentro dos meus trabalhos. Nessas narrativas, existe quase uma tentação pós-colonialista, há sempre a imagem do ocidental seduzido pela Ásia e que quer fazer parte de um mundo que não é seu. Isso é muito evidente no vídeo da máscara chinesa, como era na série “O Intruso”, e é também evidente agora, embora as narrativas andem à volta do falhanço, da ausência do outro, e haja mais personagens. Deixou de ser de mim para mim, passou a ser de mim para qualquer desejo continuado de fazer parte dessa sociedade e a impossibilidade, ao mesmo tempo, de fazer parte dela. Embora não esteja objectivamente a apontar problemas sociais ou políticos, algumas coisas importantes da nossa sociedade estão subtilmente reveladas lá.

Um exemplo?
O feminismo. Digo isto muitas vezes: o feminismo é o ‘ismo’ mais importante dos últimos 50 anos e continuamos a ter esta enorme incapacidade de tentar um equilíbrio entre as mulheres e os homens. Continua a ser um mundo de homens e as mulheres continuam a não ter as mesmas oportunidades, sujeitas a condições de bonecas. Nestes últimos anos, houve um crescendo da ideia da mulher perfeita enquanto boneca nas capas das revistas, e a mulher real é cada vez mais sujeita a ter de se formatar a determinados modelos para poder existir dentro da sociedade. Esse problema existe nos meus trabalhos mais recentes, sendo que não digo ‘é isto’, correndo até o risco de ser mal compreendido, porque isso também é importante. Tento que a coisa seja ambígua: ‘Será que é a mulher que é o objecto ou é o sujeito?’. É uma das preocupações dos meus filmes: na realidade, o objecto sou eu e não as mulheres. Elas são o sujeito. Essa ambiguidade também me interessa.

Tem uma forma crítica de olhar para o seu trabalho, no sentido em que o analisa para identificar uma presença numa sociedade na qual não é um elemento natural. E faz referência ao pós-colonialismo. Como é que acontece este exercício de desconstrução?
Não tenho problemas em olhar ao espelho, aliás, os espelhos fazem parte do meu trabalho. Nesse sentido, também digo muitas vezes que os meus trabalhos são existencialistas, não exclusivamente por uma via do existencialismo tradicional do Sartre ou de Heidegger, mas um existencialismo beckettiano, kafkiano, onde a coisa é psicológica. Não tenho problemas em olhar ao espelho, da mesma forma em que não tenho problemas em autocriticar-me, sendo que isto não é forçosamente mau. O pós-colonialismo, no meu trabalho, é uma camada que quase poderíamos considerar que está virada ao contrário. Aquilo a que se chama pós-colonialismo resultou do facto de uma série de escritores e de artistas ter começado a virar os olhos para África, chamando a atenção para esse mundo e para os seus problemas. Ao utilizar a palavra, é porque estou a fazê-lo ao contrário. Não estou a chamar a atenção para os problemas da Ásia, até porque só agora é que se fala de Macau como colónia. No tempo da Administração portuguesa era proibido falar de Macau como se fosse uma colónia, escreveu-se sempre como sendo ‘o território’. Foi através da língua inglesa, no pós-transferência, que se começou a ver mais o termo ‘colónia’. Também a China não assume que tenha sido alguma vez colonizada, pelo que há aqui um problema que também acho interessante. Ao utilizar o termo, estou a forçar a nota de que houve aqui qualquer coisa. Estou a tentar baralhar as cartas e a tentar apresentar as coisas pelo outro lado. Neste factor, sou muito influenciado por vários autores e alguns têm coisas comuns – uma delas é o isolamento. Essa é também uma condição dos ocidentais que estão na China. Poderá não se sentir tanto em Macau porque a comunidade portuguesa é, ainda assim, bastante grande e entreajuda-se, mas quando se vai para dentro da China existe um isolamento maior, com a sua carga de solidão e com a questão do sentido da existência. Há um problema de existência, na medida em que não se sabe de onde se é e de se começar a perder as raízes por se querer fazer parte de qualquer coisa.

Sente isso? Veio para Macau há já muitos anos. Começa a sentir as raízes distantes e, ao mesmo tempo, que não pertence aqui?
Sinto essa batalha quase diariamente, com a agravante de ter feito a parte mais importante da minha educação em inglês, e de ler e escrever muito em inglês. É quase a minha língua diária. Enquanto pessoa e autor, torna-me ainda mais fragmentado. Um dos aspectos que os curadores em Berlim e Nova Iorque apontam no meu trabalho é precisamente esse nível de fragmentação e de os trabalhos serem um híbrido estranho, porque já não são ocidentais, mas também não são asiáticos.

Esse estado de fragmentação acaba por ser uma ajuda à forma como se expressa do ponto de vista artístico, ainda que de modo inconsciente?
Não sei. Há coisas que podemos escolher como é que as fazemos, mas há outras que não necessariamente, que nos acontecem e levam-nos a tomar decisões em função daquilo que nos aconteceu. Essa fragmentação não é uma coisa forçada, não penso muito nela, mas se olhar para determinadas coisas que me interessam ao nível das artes, na literatura e no cinema, os autores que mais me influenciam fazem parte de uma escola qualquer de fragmentação. Se calhar é natural, por ser o rio ou a corrente onde estou.

E que influências são essas?
Não quero saber muito daquilo que se passa na arte contemporânea, para não ser influenciado por ela, porque sinto que as minhas influências maiores vêm do cinema e da literatura. Quando estou muito chateado, enfio-me em casa e ponho-me a ver Fassbinders atrás de Fassbinders. Há pessoas que comem gelado, outras bebem whisky, eu vejo Fassbinders. E não me canso de ver sempre os mesmos, apesar de Fassbinder ter uma obra vasta. Há qualquer coisa que me atrai especialmente, e penso que as pessoas vão sentir isso na exposição, que é uma tentação de teatro. Fiz cenografia quando era muito novo, estudei cenografia e trabalhei no Teatro Aberto em duas ou três peças, e o teatro, nestes últimos dez anos, reapareceu no meu trabalho de uma forma que nunca imaginei que pudesse ter tanta importância. Não só as séries fotográficas são encenadas, como os vídeos são encenados. É tudo forçado e, nesse sentido, é um bocado como Fassbinder, que levava a tragédia e o drama de várias questões, mas fazia-o com uma classe e, ao mesmo tempo, com uma rudeza que me interessa muito. As pessoas, vulgarmente, apontam os filmes dele por outras razões completamente diferentes e dizem que é um autor político, mas o que me fascina mais é a forma como os seus personagens são sempre derrotados, falhados, e há em todos eles uma história de amor. Poder-se-á dizer que são clichés, mas são esses clichés que fazem com que a obra dele seja realmente imortal. São os mesmos clichés do Bergman, por exemplo.

São os clichés das pessoas.
São os clichés dos humanos. Nesse sentido, há outro fundamental para mim, que é Beckett. Sendo uma coisa ainda mais desconstruída do que Fassbinder, Beckett é quase como se fosse um bocadinho de Bergman e de Fassbinder, mas fá-lo pela ausência e pela repetição. A repetição é muito importante, porque a vida é feita de repetições e é nelas que vamos alterando e falhando. E, de repente, temos a morte, que é um ponto comum entre estes três autores que aqui temos. É o destino final, o que me leva filosoficamente a pensar se não será a morte a grande realização, sendo que nunca podemos falar sobre ela, porque é sempre demasiado tarde para falarmos sobre a nossa morte.

Esta exposição é organizada pela Babel. Como é que está a ser esta parceria?
A Babel é uma associação fantástica. Tem conseguido fazer coisas impressionantes para o mundo de Macau. É, talvez, a associação que tem a perspectiva mais contemporânea, ao tentar criar diálogos sobre arte contemporânea que são os mais importantes do momento. Todo o trabalho que tem feito também ligado à educação faz com que se esteja a tornar numa das associações mais importantes do território. A minha experiência está a ser óptima. Tanto a Margarida Saraiva, como o Tiago Quadros têm um conhecimento bastante vasto sobre arte contemporânea e acaba por ser mais fácil trabalhar com pessoas que sabem o que estás a dizer. Depois, é difícil recusar a oportunidade de poder expor na Casa Garden, de ter aquele espaço todo para fazer uma exposição. Estou a gostar imenso de trabalhar com a Margarida Saraiva enquanto curadora, porque dá bastante espaço ao artista para que ele se encontre. Vai sugerindo coisas mas tem uma capacidade de diálogo bastante interessante.

20 Jan 2017

Soares (outra vez)

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]indo de onde vem, não surpreende. Mas ainda assim ofende, fica mal, é de lamentar. É um gesto pequenino, completamente desnecessário, que chega a ser insultuoso. Há quem entenda que é tão insignificante que nem valerá a pena perder tempo a falar – ou a escrever – sobre ele. Terá razão quem pensa assim, mas é uma forma de encaixar a realidade diferente da minha. Por mais que conheça as personagens, por mais que saiba o que significam, há momentos – muitos, talvez em demasia – em que não consigo passar ao lado de tão rasteira forma de estar na vida.

Esta semana, por iniciativa do deputado José Pereira Coutinho, foi submetido a apreciação na Assembleia Legislativa um voto de pesar pela morte de Mário Soares. Surpreendentemente, ou não, houve quem tivesse votado contra. Foram cinco os deputados que decidiram chumbar a homenagem ao antigo Chefe de Estado e primeiro-ministro português. Além disso, duas deputadas decidiram abster-se, aquela forma de voto que, em certas situações, é estranha, de tão híbrida que pode ser.

Ao contrário do que é hábito naquele plenário, os cinco que fizeram acender a luz vermelha mais as duas companheiras não fizeram declaração de voto. Assim sendo, não se ficou a saber, naquela sala, de onde vem a amargura destes deputados, todos eles com ligações às duas associações mais tradicionais com representação no órgão legislativo: os Kaifong e os Operários.

Mas já lá vamos. Antes, a própria postura da Assembleia Legislativa. Foi necessário um deputado propor um voto de pesar porque o órgão não tomou uma iniciativa nesse sentido, o que só lhe ficaria bem e iria na linha do que aconteceu um pouco por toda a parte, a começar por Pequim e a acabar no Chefe do Executivo de Macau. Ho Iat Seng não se terá lembrado de semelhante gesto, Pereira Coutinho não se esqueceu e ainda bem: deu aos colegas a possibilidade de saírem compostinhos no retrato.

Mas houve quem não estivesse interessado em semelhante fotografia de grupo. Este jornal tentou perceber a razão do sentido de voto dos Kaifong e a falta de pudor não poderia ter sido maior: houve quem tivesse votado contra simplesmente porque o voto de pesar pela morte de uma pessoa – repitam, o voto de pesar pela morte de uma pessoa – foi proposto por aquele deputado e não por outro qualquer.

Entre os que disseram não à intenção de Pereira Coutinho esteve o vice-presidente da Assembleia Legislativa, um homem que só conheço do que leio e que não me inspira curiosidade. O vice-presidente do órgão legislativo votou contra o voto de pesar pela morte de uma pessoa – repitam, o voto de pesar pela morte de uma pessoa – e, claramente, tem uma certa falta de noção do que representa o cargo que, por certo, tão orgulhosamente ostenta no seu cartão-de-visita.

Depois, o resto. Os Kaifong e os Operários, a esquerda e a esquerda menos esquerda, o comunismo da mãe-pátria que já nem sequer são capazes de identificar, as cartilhas que já leram mas não perceberam, o diabo a quatro e o raio que os crucifique porque não têm qualquer interesse, não há uma ideia política que dali venha, acham-se políticos porque alguém os pôs lá – na maior parte dos casos, os amigos das associações a que pertencem –, mas nem o regimento da Assembleia onde se sentam conhecem. Não interessam.

No entanto, quase todos eles têm idade suficiente para se lembrarem da Macau dos outros tempos, aquela que eu só conheço das histórias que se contam. Os que não têm anos de vida para saberem o que era Macau no final dos anos 80 e início dos anos 90, têm pais e avós e primos e tios a quem podem perguntar.

Mário Soares teve um papel importante para Macau quando a China era ainda um mundo dentro do mundo, uma realidade à parte, uma nação que vivia sobre ela própria. Mário Soares, diz quem cá estava, teve um papel importante para que 50 mil ilegais que escaparam à fome na China passassem a ter documentos no território.

Muito provavelmente, alguns destes deputados sem grande interesse pelo passado, que Macau para eles só existe há 17 anos, beneficiaram, directa ou indirectamente, do modo como Mário Soares reagiu à questão da legalização. Com toda a certeza, estes deputados têm alguém que lhes é próximo que beneficiou do processo de legalização. Com toda a certeza, por causa deste episódio e de outros a que já assistimos, todos estes deputados têm uma enorme dificuldade em lidar com o passado de Macau – que, por falar nisso, não lhes pertence.

Mas nada disto interessa: aprendi cedo, e senti na pele mais tarde, que o nascimento e a morte são momentos que exigem todo o respeito. Só o pode demonstrar quem sabe o que isso é.

20 Jan 2017

Hong Kong | Últimos planos anuais de C.Y. Leung

É pelo menos essa a ideia que C.Y. Leung tem dele próprio. O Chefe do Executivo de Hong Kong apresentou ontem as Linhas de Acção Governativa para este ano. São as últimas da sua autoria. Sai com a noção de missão cumprida

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omeçou o discurso com um aviso nada meigo aos defensores da independência e terminou dizendo que todas as promessas feitas no manifesto eleitoral foram basicamente implementadas.

C.Y. Leung esteve ontem no Conselho Legislativo de Hong Kong para a apresentar as suas últimas Linhas de Acção Governativa. De forma distinta do que acontece em Macau, em que o relatório de intenções é divulgado em Novembro, os grandes planos da região vizinha são anunciados já depois do ano novo.

Na parte introdutória do discurso, Leung reiterou que Hong Kong é “parte inalienável” da China. “Todos os cidadãos têm a obrigação de cumprir a Lei Básica, e de salvaguardar a integridade territorial e nacional.”

As últimas LAG do Chefe do Executivo que teve que lidar com o movimento Occupy serviram também para fazer um balanço dos últimos quatro anos. O líder do Governo salientou que a economia de Hong Kong teve um “crescimento moderado”, a taxa de desemprego manteve-se muito baixa e a Administração fez esforços no sentido de desenvolver as indústrias emergentes.

Numa cidade onde a habitação é um problema grave, Leung salientou que os terrenos e as fracções disponíveis “aumentaram significativamente”, sendo que vários projectos estão a ser pensados ou já em fase de execução. Acrescentou também que o Governo fez o máximo que podia para aliviar a pobreza e ajudar os idosos.

A questão da independência – um fenómeno que surgiu na segunda metade do mandato de C.Y. Leung – voltou a ser abordada no final do discurso. C.Y. Leung vincou que Hong Kong é uma parte inalienável da China não só do ponto de vista jurídico, mas também no sentido em que é uma realidade política reconhecida internacionalmente. E lembrou ainda que o elevado grau de autonomia de que goza o território “não é absoluto ou arbitrário”.

Num exercício de autocrítica, o Chefe do Executivo aproveitou a oportunidade para destacar as conquistas do seu consulado. “Há cinco anos, apresentei um manifesto eleitoral concreto e holístico. Ao longo destes cinco anos, publiquei anualmente um relatório para que a população ficasse a par da implementação do manifesto. Hoje, todos os compromissos da minha proposta foram basicamente respeitados”, afirmou.

C.Y. Leung anunciou em Dezembro que não tencionava candidatar-se a um segundo mandato, embora o pudesse fazer do ponto de vista constitucional. O antigo empresário alegou motivos familiares para a saída de cena.

Terras por casas

Quanto às medidas anunciadas pelo Chefe do Executivo para o último ano à frente dos destinos políticos de Hong Kong, Leung apresentou algumas ideias para tentar resolver o problema da escassez de terras e os elevados preços que se praticam no sector imobiliário. De acordo com a RTHK, o Chefe do Executivo pretende incluir mais terrenos com valor ecológico nos parques da região, em troca do desenvolvimento urbanístico de zonas nos arredores dos parques que têm um peso ecológico relativamente baixo.

O primeiro local a mudar de estatuto é o Robin’s Nest, perto de Sha Tau Kok, que passará a ser um parque protegido, sendo que nos Novos Territórios vai ser criado o Long Valley Nature Park.

Frisando que existe um contraste entre as vastas zonas verdes e as condições precárias em que a maioria das famílias de Hong Kong vive, com grandes limitações de espaço, C.Y. Leung desafiou a população a reexaminar o plano para a utilização de terras, de modo a que o território possa ter um desenvolvimento sustentado a longo prazo.

“O problema da habitação em Hong Kong resume-se à utilização das terras, o que não é uma questão técnica, mas sim conceptual. Devemos pensar na questão de forma séria, científica e objectiva”, defendeu. O líder do Governo insistiu que é a falta de terras que faz com que a habitação tenha custos incomportáveis, e não os elevados preços da construção ou os prémios dispendiosos que são pagos pelas concessões.

Apenas sete por cento das terras de Hong Kong são utilizadas para a construção de casas, sendo que 40 por cento da área total da região é ocupada por parques.

Leung fez ainda outras sugestões para aumentar os terrenos disponíveis: o Governo vai revitalizar zonas rurais remotas para evitar a deslocação da população para áreas com maior densidade populacional. Pretende-se ainda, deste modo, preservar a biodiversidade dos espaços rurais.

Metro mais caro

O trânsito é outro aspecto destacado pelos órgãos de comunicação social locais. O Chefe do Executivo anunciou planos para reduzir a pressão nas estradas e melhorar as ligações no território.

C.Y. Leung começou por destacar que há projectos importantes que estão a ser construídos a grande velocidade, entre eles a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, a estrada que liga Yau Ma Tei e Kowloon Bay, bem como a via periférica entre Central e Wan Chai.

Depois, anunciou que vai ser feito um estudo de viabilidade para melhorar as ligações ao Aeroporto Internacional de Hong Kong, mas frisou que o metro continuará a ser a grande aposta do Governo no que toca às formas de transporte. Os preços dos bilhetes do MTR vão ser alvo de uma revisão, que deverá estar concluída antes de Julho, altura em que termina o mandato.

Hong Kong tem muitas áreas onde é difícil circular a pé – outro aspecto que o líder do Governo gostaria de ver melhorado. Para já, vão ser definidas zonas-piloto para se fazerem estudos. Já em relação às áreas que venham a ser desenvolvidas no futuro, o objectivo é garantir redes de ciclovias.

Leung não se esqueceu de referir que a degradação do trânsito tem afectado a economia, a qualidade de vida da população e o ambiente, garantindo, contudo, que estão a ser feitos esforços para contrariar esta realidade.

Ora, sobre o ambiente – uma questão complicada na região – o Chefe do Executivo anunciou que vão ser reservados 200 milhões de dólares de Hong Kong para melhorar o aproveitamento energético nos edifícios da Administração. O Governo está também a ponderar implementar legislação que permita controlar os resíduos produzidos, uma lei que deve entrar em vigor ainda este ano.

Nos mercados e nos centros comerciais, vai ser introduzido um projecto-piloto para separar os resíduos alimentares do restante lixo. Há novas medidas para os resíduos do sector da construção que vão começar a ser aplicadas em Abril.

Cultura viável

Na apresentação das LAG, C.Y. Leung falou ainda do polémico projecto do West Kowloon Cultural District. O Governo vai atribuir à autoridade do distrito todos os direitos para o desenvolvimento das unidades hoteleiras e fracções residenciais da zona destinada às artes.

O Chefe do Executivo entende que as autoridades podem avançar com estas infra-estruturas em parceria com o sector privado. Os lucros servirão para sustentar as operações da componente artística do distrito.

A ideia não é pacífica: há quem tema que o West Kowloon Cultural District não passe de mais uma zona residencial, com as artes e a cultura a serem meros elementos decorativos. Já depois do discurso, em declarações aos jornalistas, C.Y. Leung negou que haja intenção de transformar o distrito num projecto comercial, mas salientou a necessidade de se garantir a construção de zonas com lojas e hotéis para que a área tenha viabilidade.

Ensino | Educar para a pátria

O Chefe do Executivo quer destinar mais de 100 milhões de dólares de Hong Kong para reforçar o ensino da história da China nas escolas secundárias. O governante pensa também que o desenvolvimento das capacidades profissionais dos professores deve ser apoiado, para que possam conduzir os alunos a uma melhor compreensão do legado histórico chinês.

O Departamento de Educação recomendou uma revisão dos currículos através da “atribuição de um peso igual tanto aos tempos antigos, como aos modernos, com as várias dimensões políticas e culturais incorporadas no currículo”.

O Executivo também tem planos para expandir o programa de subsídios para os alunos do pós-secundário que pretendam seguir certas carreiras profissionais. Este subsídio já apoiou cerca de mil alunos no ano passado, estudantes que pretendam investir em em áreas do saber tão diversas como a medicina, a arquitectura, a engenharia, as indústrias criativas e o turismo. No próximo ano lectivo, prevê-se que os subsídios cheguem a três mil alunos.

C.Y. Leung apresentou ainda a possibilidade de enviar para o estrangeiro 150 professores do ensino secundário, com bolsas de estudo pagas pelo erário público, para pequenos cursos de um a três meses.

Está igualmente previsto que todas as escolas públicas de Hong Kong recebam um subsídio de 200 mil dólares de Hong Kong para promover a ciência e tecnologia. É de salientar que o Departamento de Educação providenciou um apoio similar às escolas primárias no ano passado.

Reacções | Eles não concordam

A ala pró-democrata do Conselho Legislativo não concorda com a análise que C.Y. Leung faz do seu próprio trabalho. Ouvidos pela rádio pública da região, vários deputados criticaram o facto de o Chefe do Executivo não ter cumprido as promessas deixadas no manifesto eleitoral apresentado há cinco anos.

O líder do Partido Cívico, Alvin Yeung, acusa C.Y. Leung de estar a encobrir as suas falhas com “mentiras”. “Não está, obviamente, a fazer um bom trabalho. Quando diz que cumpriu o que prometeu quando se candidatou, está obviamente a mentir. Basta olhar para aquilo a que chamou plano universal de pensões. Não fez nada de substancial e não respondeu ao que lhe pedimos. É basicamente uma mentira”, disse.

O responsável máximo pelo Partido Democrata, o deputado Wu Chi-wai, também considera que o Chefe do Executivo não esteve bem no seu exercício de autocrítica. “Não conseguimos encontrar uma única palavra sobre algo que tenha feito mal e que tenha tentado corrigir. Tentou dar uma lista do que fez”, afirmou. “Acho que isto basta para se perceber porque é que tem havido tanto confronto social nos últimos cinco anos.”

Já o deputado pró-Pequim Holden Chow, do DAB, aplaude os esforços de Leung. “Tem estado a fazer o máximo que consegue para cumprir as suas promessas, de modo a dar resposta a muitas das preocupações relacionadas com a qualidade de vida da população.” De forma geral, acrescenta o político, as Linhas de Acção Governativa ontem apresentadas devem ser “louvadas”.

19 Jan 2017

Mário Soares | Deputados justificam oposição a proposta de Pereira Coutinho

Chan Iek Lap diz que votou contra porque não quer ser controlado por Pereira Coutinho. Ella Lei absteve-se porque não teve tempo para pensar na proposta do colega. Os outros que poderiam ter inviabilizado a homenagem a Mário Soares não atendem o telefone. Neto Valente acha “lamentável”

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]otaram contra ou abstiveram-se, mas não fizeram declaração de voto para explicar por que não apoiaram o acto sugerido por Pereira Coutinho. Na passada terça-feira, no primeiro plenário após a morte de Mário Soares, o deputado propôs um voto de pesar pelo desaparecimento do antigo Presidente da República e primeiro-ministro português. Cinco deputados disseram que não, incluindo o vice-presidente da Assembleia Legislativa (AL), e outros dois preferiram o nim. O HM quis saber o motivo da atitude destes sete tribunos, todos eles com ligações aos Kaifong (as associações de moradores) ou aos Operários, as associações tradicionais com representação política no órgão legislativo.

Chan Iek Lap, deputado eleito pela via indirecta, médico com um diploma tirado na Universidade de Jinan, votou contra. Resume a razão da luz vermelha na AL com duas palavras: Pereira Coutinho.

“O modo como o deputado Pereira Coutinho apresentou a moção não foi muito apropriado”, defende. “A maneira de se expressar não foi adequada”, vincou, não sugerindo uma alternativa à forma como se deve propor este tipo de voto.

O deputado garante que não vê qualquer problema em as pessoas manifestem o quanto lamentam a perda de alguém pelas quais têm “muito respeito”, mas entende também que o local escolhido por Coutinho não foi o melhor. “Podia ter sido através dos jornais ou de actos pessoais”, diz.

Chan Iek Lap vai, porém, mais longe: “Votar a favor significa que estou a seguir a tendência geral. Se não o fizer, se votar contra, sou criticado. Sinto que sou monitorizado”. O médico diz que não quer ser “controlado por Pereira Coutinho”. “Se todos os deputados votarem a favor, ele vai dizer que toda a gente considera que ele é bom. Portanto, está a usar um acto para me obrigar a concordar com algo”, afirma.

O membro da direcção da Associação de Beneficência Tong Sin Tong alega que “até poderia nem ter votado”, bastando para tal sair do lugar. Mas votou – e foi do contra. Ainda assim, entende que “não é justo” considerar-se que, por não ter votado a favor, não respeita Mário Soares. “Expresso condolências profundas, sinceras. Realmente respeito o ex-Presidente e considero que foi uma grande pessoa. Deu muitos contributos para a relação luso-chinesa.”

É preciso ter calma

Ella Lei foi uma das duas deputadas que optaram pela abstenção – também Kwan Tsui Hang, igualmente do sector dos Operários, escolheu esta forma híbrida de exercício do voto. Mas Lei tem uma justificação diferente da de Chan Iek Lap. O problema da licenciada em Administração Pública foi o tempo.

“Não me abstive por o conteúdo da moção ter algum problema”, garante. “Recebi a proposta quando cheguei à sala e comecei a ler”, relata. Ella Lei reconhece que o regimento da AL prevê que, antes da ordem do dia, possa haver um período destinado à emissão de votos deste género, mas considera que “é preciso tempo para que as propostas sejam lidas”.

“Se se coloca um documento na nossa mesa sem termos tempo para ler com atenção, de facto não consigo, muitas vezes, tomar uma decisão”, confessa. “Já aconteceram situações semelhantes. Os documentos foram colocados repentinamente. Do meu ponto de vista, todas as decisões tomadas na AL merecem ser alvo de consideração com calma. Foi impossível tomar uma decisão num período de tempo tão curto”, reitera.

A deputada não deixa, no entanto, de analisar o gesto de Pereira Coutinho como sendo “um acto pessoal” numa “sessão que é da Assembleia Legislativa”.

Uma questão de civilidade

Apesar das muitas tentativas feitas, foi impossível chegar à fala com os restantes deputados que não estiveram ao lado de Pereira Coutinho no plenário desta semana. À margem da sessão, o proponente manifestou desagrado com o que aconteceu dentro da sala e lamentou a falta de memória dos colegas em relação à importância que Mário Soares teve no passado do território, com reflexos ainda hoje visíveis, nomeadamente ao nível demográfico.

Na apresentação do voto de pesar, o deputado tinha sublinhado “o espírito humanista e de solidariedade para com os mais desfavorecidos, incluindo os de Macau, onde, por seu decisivo impulso, foram legalizadas dezenas de milhares de pessoas de etnia chinesa, sendo este um gesto humanitário do então Presidente da República para uma política consentânea à realidade de Macau e das suas gentes”.

Pereira Coutinho falava da “Operação Dragão”, em 1990, em que foram legalizados cerca de 50 mil ilegais. Este processo de legalização aconteceu cerca de um ano depois de uma visita de Mário Soares ao território, em que se manifestou sensibilizado com casos de mães em situação irregular, com filhos legais em Macau, correndo o risco de as famílias serem separadas. Considera-se que a visita de Soares foi decisiva para a legalização destas pessoas.

Sobre este episódio na Assembleia Legislativa, Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados e amigo pessoal de Mário Soares, disse ao HM considerar “lamentável”. “Julgo que os votos contra e as abstenções se devem ao facto de o proponente ser quem foi, o que é ainda mais lamentável”, afirmou. “Lamentável que é, todavia, serve para mostrar que a civilidade ainda não é praticada em todos os sectores da sociedade”, rematou.

19 Jan 2017

Eleições em Hong Kong | Quatro fora, dois

A vida política em Hong Kong tem estado animada por estes dias. Em pouco mais de um mês, C.Y. Leung perdeu dois elementos do Governo que se demitiram para poderem oficializar a candidatura a Chefe do Executivo. Carrie Lam ou John Tsang? É difícil arriscar previsões. Regina Ip e Woo Kwok-hing parecem ser cartas fora do baralho

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro nome apareceu ainda em Outubro: Woo Kwok-hing é um magistrado de 71 anos, independente, um homem que aparece sem que ninguém esteja à espera e que, ao que tudo aponta, terá grandes dificuldades numa corrida em que os pesos pesados contam muito.

Depois, em meados de Dezembro, chegou Regina Ip, uma veterana da política de Hong Kong que, aos 66 anos, é deputada ao Conselho Legislativo. Revelou a intenção de se candidatar três dias depois de John Tsang ter apresentado a demissão do cargo de secretário para as Finanças.

A seguir veio Carrie Lam, a número dois do Chefe do Executivo. A agora antiga secretária-chefe recebeu esta semana luz verde de Pequim para se candidatar, no mesmo dia em que o Governo Central desimpediu o caminho a John Tsang.

Um não alinhado, três candidatos pró-Pequim. O politólogo Edmund Cheng, professor da Universidade Baptista de Hong Kong, não acredita na possibilidade de um independente convencer o eleitorado – em número reduzido, como se sabe – da antiga colónia britânica. A política na Ásia não conhece fenómenos como no Ocidente em que, cansados do sistema, os eleitores tendem a votar em figuras que surgem descontextualizadas do ponto de vista partidário.

Também Regina Ip, uma das fundadoras do New People’s Party, antiga secretária para a Segurança, não terá grandes hipóteses, agora que a ala pró-Pequim tem outros dois nomes, aparentemente mais fortes. Ip foi a primeira mulher a ter a pasta da Segurança e não se deu bem com as funções que desempenhou: foi durante o seu consulado que Hong Kong tentou avançar com a legislação prevista no Artigo 23.o da Lei Básica, uma ideia fortemente contestada pela população. Acabou por pedir a demissão, tendo sido o primeiro membro a cair do Governo de Tung Chee-wa, Chefe do Executivo entre 1997 e 2005. “Regina Ip é considerada um plano B, não tem uma grande rede de apoio social, sobretudo se compararmos com Carrie Lam”, explica Edmund Cheng.

A deputada sabe que a entrada da ex-secretária-chefe na corrida não lhe facilita a vida. E, segundo disse esta semana, as aspirações de Carrie Lam já lhe custaram alguns apoios no seio da comissão eleitoral. Mas, ainda assim, a mulher que diz que Pequim quer vê-la como candidata não está disposta a desistir. “Não me importo. Não estou preocupada, uma vez que isso [a mudança do sentido de voto] é normal. Só espero que as eleições sejam justas e transparentes”, declarou, citada pela imprensa de Hong Kong.

Uma mulher de acção

Dois (possivelmente) de fora, sobram outros dois. Mas pode haver mais um. “É provável que Long Hair também se candidate”, aponta o analista Eric Sautedé sobre este milagre da multiplicação de políticos interessados em serem líderes do Governo. Long Hair, de seu nome Leung Kwok-hung, membro do Conselho Legislativo, é um político e activista bem conhecido pelas suas acções intempestivas, que dificilmente cairá nas graças da comissão eleitoral.

A grande discussão estará centrada em torno de Carrie Lam e John Tsang, duas personagens políticas com passados diferentes e posturas distintas, apesar de terem integrado o mesmo elenco governativo.

“É difícil fazer previsões, especialmente porque demitiu-se há poucos dias e a demissão foi agora aprovada. Ainda não tem um programa”, diz Sautedé acerca da ex-secretária-chefe.

Lam conta com aspectos que pesam a seu favor e outros que nem por isso. “Começa [a corrida] no meio de uma controvérsia sobre o Museu do Palácio Nacional no Western Kowloon Cultural District”, explica o analista. “Há muitas pessoas que a comparam a C.Y. Leung, dizendo que é ‘voluntariosa’: é muito persistente e está muito mais do lado de quem decide do que de quem consulta”, continua.

Ainda assim, assinala Eric Sautedé, Carrie Lam tem um perfil muito diferente do actual líder do Governo. “O actual Chefe do Executivo era um empresário e ela é funcionária pública desde 1980. Ela é mais virada para a comunicação do que ele.” O politólogo recorda que o último funcionário público a chegar ao cargo político de topo em Hong Kong foi Donald Tsang, que está a ser julgado neste momento, acusado de corrupção. “Esse vai ser o cenário de toda a campanha”, antevê o analista.

A candidata teve um papel especial num dos momentos mais complicados da história política e social do pós-handover: o movimento Occupy. Eric Sautedé recorda que, em Outubro de 2014, foi a mais alta representante do Governo no debate com os estudantes organizado pela rádio pública. Lam ainda ensaiou uma hipótese de mediação entre os jovens e Pequim. “Claramente, o Executivo teve uma postura defensiva durante esse debate e esta foi a melhor tentativa de negociação”, sublinha.

O silencioso

À hora a que este texto estava a ser escrito, a RTHK dizia que para amanhã, quinta-feira, está prevista uma conferência de imprensa de John Tsang para anunciar a candidatura – o ex-secretário pediu demissão há mais de um mês mas ainda não disse, com todas as letras, que quer ocupar o lugar que C.Y. Leung vai deixar vago. O silêncio tem dado pano para mangas: há quem especule que o nome não cai bem junto de Pequim.

Edmund Cheng, o professor da Universidade Baptista, não alinha no jogo da tentativa de adivinhação do pensamento do Governo Central. Tal como Carrie Lam, John Tsang está dentro do sistema, “mas a forma como lidam com a polarização é muito diferente”, vinca. “Carrie Lam é mais populista, no sentido em que é capaz de oferecer algo para resolver um problema e faz um discurso que chega às classes mais baixas.”

O politólogo, que olha com apreensão para a divisão profunda em que se encontra a sociedade de Hong Kong, admite não saber até que ponto este cenário terá um peso substancial nas opções do Norte. “Se a polarização for uma preocupação de Pequim, se estiver a agir no sentido de resolver esta divisão, John Tsang vai estar numa melhor posição, porque tem vontade de agir nesse sentido”, afirma. “Mas se as preocupações de Pequim forem os acontecimentos recentes protagonizados pelo movimento pró-independência, então os cálculos têm de ser outros”, diz, salientando que o Governo Central tem grandes preocupações em torno das questões ligadas à segurança nacional e à soberania.

“Não sabemos qual é a prioridade de Pequim neste momento”, reitera Edmund Cheng. “Mas Pequim é mais pragmático do que a maioria das pessoas parece acreditar”, destaca. “Na sequência do movimento Occupy, temos visto uma abordagem mais prática do que alguma vez poderíamos ter imaginado.”

Numa análise mais local, Eric Sautedé acrescenta que a sensação que existe em relação a John Tsang é a de que “não é a escolha de Pequim”. “Está mais mais ligado ao sector empresarial, mas foi criticado, no passado, por ser muito fraco a projectar excedentes orçamentais”, lembra. “Nem todos os banqueiros parecem confiar nas suas capacidades.”

Meses de tensão

Eric Sautedé considera interessantes as movimentações em torno das eleições. “Elsie Leung disse que quatro candidatos já são de mais, mas acredito que é do interesse de Pequim deixar o máximo de candidatos possível, mesmo que no fim o objectivo seja conseguir mais de 600 votos, ou mais de 689 votos (o número obtido por C.Y. Leung em 2012)”, defende. “Provavelmente os pró-democratas ainda estão a pensar em qual será a melhor estratégia em relação aos dois candidatos pró-Pequim”, diz também, recordando que estão em franca minoria no seio dos mais de 1200 membros da comissão eleitoral.

A viver em Hong Kong, o académico – residente de Macau durante vários anos – conta que, neste momento, “os ânimos estão sossegados”, mas diz também que “existe muita revolta em surdina”. “As eleições vão ser tensas e várias novas questões vão ser abordadas durante a campanha, muitas delas relativas aos desafios socioeconómicos, sobretudo no que toca às formas de combate das desigualdades, os direitos sobre as terras e o desenvolvimento sustentável”, enuncia.

Sobre a necessidade de Hong Kong ter um líder carismático e com grande capacidade de execução – há analistas que entendem que o problema de Hong Kong é não ter tido ainda um Chefe do Executivo com estas características –, Edmund Cheng constata que, nos dias que correm, “o apoio popular pode perder-se em apenas três meses”.

O politólogo faz uma comparação com Macau para explicar qual é o grande drama político da antiga colónia britânica. “Em Macau, a elite aparece como estando unida e o campo pró-democrata é muito fraco. C.Y. Leung é pró-activo, mas não foi capaz de unir o campo pró-Pequim e esse é que foi o grande problema.” Também Pequim entende como problemática esta incapacidade de mobilização das elites do sistema.

“A divisão social é muito complexa. Precisamos de um líder muito forte”, indica o docente da Universidade Baptista. Carrie Lam ou John Tsang? “Ambos parecem ter mais experiência do que os chefes do Executivo que tivemos até agora.”

18 Jan 2017

Lago Nam Van | Au Kam San exige explicações sobre terreno

Há oito anos que anda preocupado com o assunto, sem ter obtido respostas que o satisfaçam. Há um aterro no Lago Nam Van construído de forma provisória que Au Kam San entende que deve ser destruído. Por isso, escreveu ao Chefe do Executivo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Au Kam San quer saber por que razão parte do lago Nam Van está ocupada por um aterro que, aquando da construção, foi justificado como sendo provisório. Numa interpelação escrita, o pró-democrata conta que há oito anos apresentou uma interpelação sobre o assunto mas, até à data, a desocupação ainda não aconteceu. “Não sei se esta situação se deve a esquecimento ou a condescendência por parte das autoridades”, diz.

Au Kam San recorda todos os passos da história: em meados de Março de 2008, “um terreno com cerca de dois mil metros quadrados, conquistado por aterro, estendeu-se repentinamente ao lote 9 nas proximidades do Lago Nam Van, com a movimentação de um elevado número de camiões de algumas empresas de construção, para a realização de obras, que decorreram ao longo de várias noites”.

Explica o membro da Assembleia Legislativa que, na altura, os moradores da zona ficaram “bastante assustados” com o aterro, tendo questionado a legalidade do terreno conquistado ao lago “subitamente” e a “altas horas da noite”. Ainda de acordo com Au, o Governo da RAEM explicou que as obras de aterro se destinavam à construção de uma plataforma de trabalho provisória, afirmando que o construtor tinha já obtido a licença necessária do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) e a autorização das Obras Públicas para os trabalhos preparatórios de construção de alicerces. Estes trabalhos preparatórios, destaca, incluíam “a demolição de pilares que já estavam cravados no lago e as obras de aterro para a construção de uma plataforma provisória”.

Em resposta a uma interpelação de Au Kam San apresentada na altura, as Obras Públicas apontaram, “claramente”, que a plataforma em questão seria destruída “logo depois de concluídas as obras de demolição e substituição dos pilares já cravados, e que o panorama original do lago seria reposto”.

O lote de volta

Acontece que, depois de “realizados alguns trabalhos”, as obras do estaleiro “cessaram por completo e ninguém sabe se já foi levada a cabo a tal substituição dos pilares cravados”. Também não existe uma calendarização concreta para a demolição da plataforma de trabalho provisória, assinala o deputado.

“O IACM, que autorizou a ocupação do lago naquela altura, sabe que o prazo da ocupação já foi excedido há muitos anos mas, segundo sabemos, pelo facto de não ter competências para isso, não consegue que sejam removidos os materiais que estão a ocupar o lago, nem que seja reposto o panorama original”, lamenta. Também as Obras Públicas não estarão a acompanhar o caso, pelo que Au Kam San pretende que lhe expliquem o que está a Administração a fazer em relação ao caso.

O pró-democrata alerta ainda para o facto de a plataforma estar a impedir a fluidez da corrente, com lixo acumulado à volta, o que prejudica “gravemente” o ambiente no lago. “As autoridades vão continuar a tolerar esta situação?”, pergunta.

Por fim, em relação ao terreno que esteve na origem da construção da plataforma – o lote 9 da zona A –, o deputado escreve que o prazo de aproveitamento da parcela terminou em Janeiro de 1998. “O construtor em questão não procedeu ao aproveitamento dentro do prazo legal”, aponta, defendendo que o Governo deve reaver o lote.

17 Jan 2017

Justiça | TUI nega residência permanente a criança adoptada

Nasceu no território, mas a justiça entende que não tem direito à residência permanente, apesar de ser esse o estatuto dos pais adoptivos. Para o tribunal, conta mais o facto de a mãe biológica não ter, à data do nascimento, direito ao BIR
Sónia Chan, Secretária para a Administração e Justiça

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história tem já alguns anos, mas só agora terminou, com o Tribunal de Última Instância (TUI) a dar razão à Administração. O caso é contado pelo próprio TUI, através de um comunicado que chegou às redacções.

A criança no centro da questão nasceu em Macau em 2011. É filho de uma mulher estrangeira, não portuguesa, sem direito de residência no território. Desconhece-se quem seja o pai. O menor acabou por ser adoptado por um casal português, ambos residentes permanentes da RAEM, tendo o processo de adopção sido concluído em 2014.

No mesmo ano, em Agosto, o casal requereu à Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) a emissão do bilhete de identidade de residente permanente, mas a Administração entendeu que a criança não tinha esse direito. Inconformados com a decisão, os pais recorreram hierarquicamente para a secretária para a Administração e Justiça. A responsável pela tutela assinou por baixo a decisão da DSI. Estávamos já em Janeiro de 2015.

O processo passou então para os tribunais: por se tratar de uma decisão de um governante, o casal apelou ao Tribunal de Segunda Instância (TSI), que anulou o despacho, dando assim razão aos recorrentes. Ora, a governante entendeu por bem que a história não deveria ficar por ali e levou o caso ao TUI.

Para a secretária para a Administração e Justiça, o menor em causa não deve ter direito à residência permanente porque, à data do nascimento, nenhum dos pais biológicos detinha este estatuto. Além disso, alegou a governante, o argumento de que os pais adoptivos são ambos residentes permanentes também não tem qualquer importância para caso. “Os filhos biológicos não foram equiparados aos filhos adoptivos pela Lei Básica”, cita o comunicado do TUI.

Os argumentos do não

O tribunal entendeu que a razão está do lado do Governo. Entre outros aspectos, o TUI cita a Lei Básica para explicar que o documento fundamental “atribui direitos de residência com base em vários factores atributivos: a nacionalidade dos interessados (chinesa, portuguesa e todas as outras), o local de nascimento dos interessados, a residência habitual em Macau durante pelo menos sete anos consecutivos e a filiação dos interessados”.

No que toca à nacionalidade, a Lei Básica “concede mais vastos direitos de residência permanente aos cidadãos chineses, num segundo patamar aos cidadãos de nacionalidade portuguesa e, num terceiro nível, aos cidadãos de outras nacionalidades”, escreve o TUI. A mesma lógica é aplicada aos filhos de residentes permanentes.

O tribunal entende que a interpretação feita tanto pelos pais, como pelo TSI é “absurda”, porque mesmo “os filhos nascidos em Macau dos residentes permanentes chineses (não nascidos em Macau) e portugueses (mesmo que nascidos em Macau), não têm direito à residência permanente se, à data do nascimento, os seus pais não tivessem direito de residência” no território.

A importância de como se nasce

O TUI acrescenta ainda que, na interpretação da Lei Básica, “o que releva é a filiação biológica”, porque é essa que existe à data do nascimento da criança.

“A filiação adoptiva não existe no momento do nascimento. Os cidadãos portugueses, que adoptaram o menor, só são legalmente seus pais a partir da data do trânsito em julgado da sentença que decretou a adopção. À data do nascimento do menor, os seus pais eram os seus pais biológicos”, constata o tribunal. “Nenhuma norma do ordenamento jurídico de Macau permite fazer retroagir os efeitos da adopção ao momento do nascimento, sendo que a adopção dos autos teve lugar mais de três anos depois do nascimento.”

Há um aspecto, porém, em que o TUI não dá razão à secretária, sendo que tal não muda, porém, o resultado final: diz a justiça que “é completamente irrelevante discutir a equiparação ou não do estatuto de filho adoptivo ao filho biológico na Lei Básica, porque não é isso que está em causa de acordo com as normas pertinentes”. O tribunal remata dizendo que “se trata de um acto administrativo vinculado, em que a Administração não tem margem de livre apreciação”.

16 Jan 2017

Recusa de entrada | Pereira Coutinho inconformado com resposta da PSP

É a pergunta que o deputado faz para tentar perceber por que as autoridades recusaram fornecer dados estatísticos sobre as pessoas que ficam retidas na fronteira. Pereira Coutinho não compreende o argumento da polícia

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] questão tinha sido colocada pela Agência Lusa e a (não) resposta chegou esta semana: as autoridades de Macau recusaram revelar o número de pessoas que proibiram de entrar no território. De igual modo, não dizem as razões pelas quais o fizeram ou a procedência de quem bateu com o nariz na porta da RAEM, sob o argumento de que essas informações são confidenciais. “Os dados estatísticos de ‘recusas de entrada’ são classificados como dados e informações ‘reservados’, pelo que não há lugar para a sua divulgação”, afirmou a Polícia de Segurança Pública em resposta escrita enviada à agência de notícias de Portugal.

Ontem, numa interpelação escrita ao Chefe do Executivo, Pereira Coutinho manifestou muitas dúvidas sobre o argumento utilizado pela PSP: a classificação destas informações como sendo reservadas. “Os dados referidos são meramente estatísticos e, portanto, sem identificação das pessoas a que se referem, pelo que não se compreende que estejam classificados como reservados”, comenta.

Num texto curto, em que apela à clareza na resposta, o deputado à Assembleia Legislativa deixa duas perguntas, ambas relacionadas com a legislação em vigor no território. “Qual ou quais as disposições legais que impõem ou permitem à PSP classificar estes dados estatísticos como reservados?”, lança. Coutinho quer ainda saber quais as razões “de facto” que justificam esta classificação. “É ela necessária para salvaguardar a segurança interna de Macau? Porquê?”, questiona.

Antes não era assim

No texto que escreveu sobre o assunto, a Lusa recordava que houve tempos em que a postura das autoridades era bem diferente. Pelo menos durante o mandato do anterior secretário para a Segurança – que terminou em Dezembro de 2014 –, a PSP chegou a divulgar dados sobre as pessoas proibidas de entrar em Macau a pedido dos jornalistas.

O impedimento de entrada em Macau acontece com alguma regularidade, com a grande maioria dos casos a serem tornados públicos pelos próprios visados, muitos dos quais políticos ou activistas da vizinha Hong Kong.

A PSP não tem por hábito apresentar motivos concretos, invocando, com frequência, razões de segurança.

Na resposta divulgada esta semana, a PSP reiterou que “cumpre a inspecção e o controlo de entradas e saídas” da RAEM em “estrita conformidade” com a lei, e “rigorosamente conforme as disposições legais e de acordo como os procedimentos estabelecidos, para examinar as condições de entrada de todas as pessoas e assim decidir autorizar ou recusar a entrada de visitantes”.

Os mais recentes casos de interdição de entrada – pelo menos públicos – ocorreram no último dia de 2016. Dois antigos deputados pró-democracia de Hong Kong, que viajaram separadamente, viram-lhes ser negada entrada sob o argumento de que “constituíam uma ameaça à segurança e estabilidade internas” de Macau, segundo a imprensa de Hong Kong.
* com LUSA

13 Jan 2017

(Ainda) Soares

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] atraso é uma sensação que me persegue mais vezes do que gostaria. Não se trata de um atraso real, aquele que faz com que se lute contra os minutos. É antes uma espécie de atraso na própria existência, como se sentisse que, se tivesse chegado uns anos antes, poderia perceber melhor onde estou. E não só. Não vi Brel. Nem Piazzolla. E não vi Zeca. Foi tudo demasiado antes para mim. Quem já cá estava dirá o mesmo sobre o que não encontrou. Talvez.

Cheguei a Macau atrasada. Não tenho ponto de comparação. Nem sempre interessa o exercício do paralelismo, mas há momentos em que me faz falta. Não me emocionei numa noite de Dezembro. Não me fui embora com vontade de ficar. Não sei como era e há dias em que gostava de saber como é que isto tinha sido antes, bastante antes, por curiosidade antropológica e vontade estética. Cheguei tarde. Talvez. Talvez não.

No ano em que nasci, Portugal teve quatro governos. Uma confusão dos diabos. Mário Viegas era D. Lucas em O Rei das Berlengas. Elis Regina ainda cantava e foi a Portugal votar num festival da canção em que José Cid ficou em segundo lugar. Uns meses mais tarde, noutro registo, quase premonitório, aconteceu a primeira greve de jornalistas da rádio.

Lou Reed ia já no oitavo disco a solo. Nos Estados Unidos mandava Jimmy Carter, Roman Polanski andava metido em confusões e atravessava o Atlântico, e aparecia nas televisões a Dallas. Já havia algumas preocupações ambientais, mas poucas. Martin Scorsese fazia filmes e Woody Allen também. Não havia Google, nem YouTube, só bibliotecas e livros e vinis.

No ano em nasci, a liberdade no meu país era uma coisa recente: cabia nos dedos de uma mão e ainda sobrava um. As mulheres já tinham regressado aos vestidos, apesar de as calças ainda estarem na moda. Os óculos eram de massa, os comícios políticos eram muito animados e todas as famílias aprendiam a ser de qualquer coisa, de direita ou de esquerda, do centro talvez.

Cheguei atrasada ao ano em que nasci. Não me lembro nem da luta pela liberdade, nem da construção da liberdade pela qual se tinha lutado. Cheguei tarde e, por isso, tive de fazer o exercício que se impõe aos pouco pontuais: vai ler sobre o que não viveste, sem te esqueceres de viver pelo caminho.

Os livros ensinaram-me qualquer coisa. O Google encontra-me os factos, talvez certos, talvez não, do que ando à procura. O YouTube ajuda-me mais, com os concertos que eu não cheguei a ver. E o Brel canta, o Piazzola toca, o Zeca canta mais do que todos, porque canta mais vezes.

Li muitos textos esta semana. Vi alguns programas de televisão. Ouvi análises, corri biografias resumidas, passei os olhos com atenção por textos de opinião. Há sempre palavras-chave e chavões na morte. Chateou-me a falta de educação que inunda certos espaços virtuais, mas passei à frente e preferi ver as flores, as fotografias, o passado em que não vivi e que, de repente, me pareceu mais forte e mais terno, mas terrivelmente mais difícil.

Esta semana falou-se muito de liberdade. Aquela que era fresca quando nasci. E, por um minuto, muitos minutos, agora e amanhã também, soube-me bem ter chegado atrasada à vida do costume. Porque eu só sei ser livre, não sei ser de outra maneira, nem quero. Sim, (ainda) Soares.

13 Jan 2017

AL | Lei do enquadramento orçamental é para acabar até 15 de Agosto

Lionel Leong esteve ontem na Assembleia Legislativa para uma longa reunião com o grupo de deputados que está a analisar a futura lei do enquadramento orçamental. Levou trabalho para casa: pensar no que pode ainda ser incluído no diploma

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados da 2a Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL) parecem estar satisfeitos com a postura do Governo mas, ainda assim, querem mais da lei do enquadramento orçamental. O secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, esteve ontem reunido durante quase três horas com o grupo de tribunos, e levou com ele respostas a dúvidas que a AL tinha manifestado.

Pelo discurso de Chan Chak Mo, o Governo mostrou “uma atitude de abertura” em relação às sugestões enviadas pela comissão, mas há questões ainda para resolver, a começar pelo teor dos regulamentos administrativos que estão previstos no articulado.

“Em vários momentos, e por se tratar de uma lei-quadro, a proposta remete o desenvolvimento de determinada matéria para regulamento administrativo complementar”, contextualiza o presidente da comissão. Se o articulado se mantiver, alguns deputados e também a assessoria adivinham já “dificuldades de fiscalização”.

Diz Chan Chak Mo que “o Governo concorda com esta opinião”. Por isso, continua o deputado, vão ser analisadas as questões que, neste momento, são remetidas para regulamento administrativo para se perceberam quantas delas poderão ser integradas na lei. Ficou prometida uma nova reunião para se saber quais as novas normas que o Governo pretende consubstanciar na proposta e quais os assuntos que serão depois tratados por iniciativa do Chefe do Executivo.

Datas e outros detalhes

No encontro de ontem, esteve ainda em debate o relatório de execução orçamental e a proposta de Orçamento. Chan Chak Mo explicou que, de acordo com a assessoria, a data de entrega à AL destes documentos prevista na proposta de lei “deve ser melhorada”.

“Segundo o articulado, a data limite de entrega é Novembro. A assessoria defendeu a ideia de que esta data tem de ser melhorada, porque sabemos que é o mês da apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG)”, referiu. Ou seja, o tempo é curto para que seja feito o trabalho de apreciação.

Quanto à execução orçamental, “pretendemos que em Julho se apresente um relatório, relativo ao período até 30 de Junho”, especificou o deputado. O objectivo é permitir à Assembleia “desenvolver antecipadamente os seus trabalhos”, na posse das informações de que necessita.

Já a proposta de lei do Orçamento é um caso mais complicado, por estar anexada ao relatório das LAG. O Orçamento reflecte os investimentos, despesas e receitas que estão dependentes dos planos anuais do Governo. “É difícil antecipar a data”, concede Chan Chak Mo que, ainda assim, diz que se vai tentar encontrar uma solução.

Em foco na reunião com Lionel Leong esteve ainda o capítulo que dispõe sobre sanções, responsabilidade e fiscalização. “A ideia, neste momento, é desenvolver em regulamento administrativo. A comissão entende que a lei deve desenvolver um pouco e conter uma menção sobre responsabilidades”, resume o presidente, recordando que a AL tem uma obrigação institucional, pelo que a matéria não deve ser regulamentada posteriormente.

Falou-se também de transparência e ficou a promessa do secretário, citada por Chan Chak Mo: “Se houver necessidade, o Governo pode disponibilizar todas as informações necessárias para que a AL domine bem a situação em matéria orçamental”.

Sem deixar de frisar que se trata de um assunto complexo, Chan Chak Mo deu a entender que se pretende acelerar o ritmo de trabalho em torno desta proposta. O presidente da comissão quer concluir a análise em sede de especialidade para que o diploma possa ser votado pelo plenário antes de 15 de Agosto, dia em que termina a legislatura, por ser “uma lei muito importante”. O articulado foi aprovado na generalidade em meados de Outubro do ano passado.

12 Jan 2017

Concessionários dos terrenos de Seac Pai Van publicam carta no Ou Mun

Os terrenos não foram aproveitados, apesar dos 25 anos que durou a concessão, mas a responsabilidade é toda do Governo. É a defesa dos empresários a quem foram retiradas recentemente várias parcelas na zona industrial de Seac Pai Van. Escreveram a tese no jornal Ou Mun

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um gesto que não surpreende: os industriais e empresários a quem o Governo pretende retirar mais de 16 mil metros quadrados, em Coloane, juntaram-se para publicar uma carta aberta no jornal com maior número de leitores do território.

A declaração da caducidade das parcelas em questão foi tornada pública, em Boletim Oficial, no passado dia 4. As áreas tinham sido concedidas nos finais dos anos 80 e início da década de 90. Localizadas na zona industrial de Seac Pai Van, destinavam-se a vários tipos de indústrias – de calçado a peças em aço, passando por borracha e matérias plásticas. Os terrenos não chegaram a ser aproveitados, pelo que o Executivo decidiu agora, decorridos que estão os 25 anos da concessão por arrendamento, reaver as zonas em questão.

No texto ontem publicado no jornal Ou Mun, os empresários visados começam por “explicar o contexto histórico” das parcelas. Contam que em 1993, já depois das escrituras de arrendamento, “o Governo propôs a modificação da finalidade dos terrenos de industrial para residencial, afirmando que, após a conclusão da elaboração de um novo plano, iria definir com os concessionários um novo prazo de aproveitamento”.

Mais tarde, a Administração delegou a uma empresa – sem qualquer ligação aos concessionários – a empreitada de terraplanagem dos terrenos. E assim se passaram 20 anos, dizem os autores da carta aberta.

Em 2009, em conferência de imprensa, o Governo apresentou, pela primeira vez, o Plano Urbanístico de Seac Pai Van e o plano de habitação pública para esta zona de Coloane, o tal plano de que os industriais estariam à espera desde 1993. “Desde o fim dos anos 80 até 2013, os terrenos da zona continuaram a ser montanhas rochosas, sem infra-estruturas como abastecimento de água, electricidade e vias. Os terrenos não possuíam condições de aproveitamento”, alegam. Referem também que em 2015 – ano em que as concessões já tinham expirado ou estavam prestes a terminar –, a Administração ainda não tinha emitido a planta de condições urbanísticas necessária para se avançar com a elaboração e submissão de projectos às Obras Públicas.

Tudo pago

Contexto histórico feito, os subscritores da missiva defendem que “os factos” revelam “com clareza” as razões do não aproveitamento dos terrenos, acrescentando que eram problemas que não podiam resolver.

Os empresários lamentam ainda que não haja memória por parte das autoridades: aquando da atribuição das concessões, os industriais “apoiavam activamente o desenvolvimento de Macau e reagiram às políticas do Governo de então, através da participação na construção social, tendo como objectivo o desenvolvimento das indústrias locais”.

Os concessionários garantem também que, durante estes 25 anos, apresentaram “várias vezes as suas reivindicações ao Governo em relação à vontade de avançar para o aproveitamento dos terrenos o mais rapidamente possível”. Além disso, ao longo deste quarto de século, pagaram “pontualmente” todos os custos constantes dos contratos, “incluindo as rendas, os impostos e os prémios dos terrenos”. Ainda assim, lamentam, “não conseguiram escapar ao destino”.

A rematar a carta, é expresso o desejo de que o texto ajude a identificar os problemas relacionados com as terras, “esperando que o Governo e a sociedade prestem suficiente atenção aos factos que ocorreram na realidade”. Os empresários esperam ainda que possa ser encontrada uma “solução imparcial e razoável, com o consenso de todos os sectores sociais, a fim de proteger o desenvolvimento económico de Macau e as garantias dos investidores”.

12 Jan 2017

Turismo | Inquérito mostra que residentes querem uma cidade mais real

Não querem pastiche, mas sim autenticidade. Só assim é que Macau poderá atrair visitantes com outros interesses que não as mesas dos casinos. O Governo foi ouvir a opinião dos residentes e cerca de 1200 quiseram dizer o que pensam: basta aproveitar o que existe para que a cidade seja um destino bem mais interessante

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]iversificação dos produtos turísticos de Macau, flexibilidade e desenvolvimento de áreas urbanas, exploração de potenciais mercados de origem e de visitantes de qualidade. São estas as principais preocupações das pessoas e entidades que participaram no processo de consulta pública sobre o plano geral do desenvolvimento da indústria do turismo.

A compilação das ideias manifestadas foi tornada pública ontem. Em nota à imprensa, a Direcção dos Serviços de Turismo (DST) explica que, entre 23 de Maio e 22 de Julho do ano passado, recebeu quase 1200 opiniões. A maioria foi recolhida em sessões de intercâmbio (28,7 por cento). Depois, o correio electrónico serviu para transmitir 17,6 por cento das sugestões, com 12,2 por cento a serem enviadas por carta. “As três categorias alvo de maior atenção foram recursos e produtos turísticos, desenvolvimento urbano, bem como mercados de origem dos visitantes e mercados-alvos”, sintetiza a DST.

A análise das opiniões recolhidas serviu já para fazer ajustamentos ao plano geral, garante a direcção de serviços liderada por Maria Helena de Senna Fernandes. “Foram propostos projectos relevantes”, escreve-se ainda, entre eles o reforço do planeamento e promoção de rotas turísticas temáticas, a promoção de viagens individuais em iates, o desenvolvimento de passeios de barco com a função de recreio e meio de transporte marítimo.

À DST chegaram também sugestões para novas zonas turísticas, campanhas promocionais e estratégias direccionadas a camadas altas de visitantes. Há ainda quem entenda que se devem “destacar as conotações culturais” do território e a “diversidade da oferta de produtos turísticos para transformar Macau num destino turístico de permanência de vários dias”.

Razões para todo o ano

Vamos às sugestões concretas: a maioria está em língua chinesa, mas há algumas ideias deixadas em inglês. É o caso da MGM, operadora de jogo, que entende existir muito espaço para expandir os eventos organizados no território. A empresa dá o exemplo do Grande Prémio de Macau, que já faz parte do calendário dos amantes da especialidade, para defender a necessidade de outras iniciativas anuais que garantam a existência de ofertas permanentes para os turistas. A MGM deixa um exemplo: um festival de gastronomia internacional que dure o ano inteiro, com actividades diferentes a acontecer a cada três meses.

Entre as opiniões manifestadas por residentes para a diversificação de produtos turísticos, nota ainda para a ideia de que os rituais das igrejas de Macau deveriam poder ser assistidos por turistas, “que teriam de respeitar o espaço”. Foi expressa ainda a noção de que “não existem infra-estruturas verdadeiramente direccionadas para o turismo, como a Disneylândia, ou actividades que façam com que os visitantes permaneçam mais tempo (os desportos aquáticos seriam uma opção)”.

O arquitecto Francisco Vizeu Pinheiro, que também fez chegar o que pensa à DST, salientou que “existem muitos locais por aproveitar, como a antiga Fábrica de Panchões Iec Long, que poderiam ser utilizados para fins turísticos”. Ainda no capítulo dos recursos e produtos turísticos, o especialista defende que alguns edifícios do Governo de valor histórico e patrimonial poderiam ser abertos ao público.

Vizeu Pinheiro propõe igualmente uma rota junto à água para que se possa andar a pé entre o Terminal Marítimo do Porto Exterior, a Doca dos Pescadores, o Centro de Ciência, a estátua de Kun Iam e os lagos Nam Van. “Estas áreas estão emparedadas e isoladas”, aponta.

Já a MGM tem uma opinião curiosa acerca do que deve ser a skyline de Macau. A empresa recorda que os grandes destinos turísticos têm “skylines icónicas”, o que é importante para o turismo ligado ao mar. Macau tem condições para impressionar quem chega por via marítima, mas a operadora considera que “colocar os edifícios do Governo na zona B dos novos aterros, conforme está planeado, faz com que não se aproveite totalmente o potencial existente” para que o território tenha “uma skyline reconhecida internacionalmente”.

Museus e lanternas

Numa opinião emitida em conjunto com Penny Yim Kin Wan, Francisco Vizeu Pinheiro defende que “os museus de Macau são pequenos, com narrativas curtas e limitadas, correspondendo à tendência de há três décadas”.

Para os especialistas, Macau deve disponibilizar produtos patrimoniais autênticos, baseados nas tradições históricas, e não experiências falsas. Recordando o passado marítimo partilhado por Portugal e pela China, é deixada uma ideia para um novo espaço: um museu marítimo onde possam ser colocados “galeões portugueses do século XVI, fragatas e juncos chineses do século XIX, bem como lorchas, que resultaram da tecnologia combinada de portugueses e chineses”. As embarcações em exposição teriam a escala real.

Também os responsáveis pela Lord Stow’s Bakery disseram de sua justiça acerca dos museus: é preciso que sejam desenvolvidos com fáceis acessos. A empresa, localizada em Coloane, mostra ainda preocupação com o aproveitamento turístico da ilha: “As aldeias atraem sempre turistas, mas é preciso ajudar a desenvolver a rua principal de Coloane, abandonada há décadas”. Propõe-se iluminar – também com recurso a lanternas – a Rua dos Navegantes. “Recuperem o molho de soja tradicional e embalem-no de forma apelativa.”

Já a Câmara de Comércio Americana em Macau olha de forma geral para os diferentes recursos para vincar que “o todo é maior do que a soma das partes”, acrescentando que deve existir a preocupação de conjugar os interesses das grandes operadoras do jogo e das empresas locais ligadas ao turismo, “para que todos os intervenientes participem no desenvolvimento sustentado e saudável da indústria”.

Dormir na TV

A DSRT quis ainda auscultar a sensibilidade local em relação aos tipos de alojamento destinados aos visitantes. Davis Fong, da Universidade de Macau, especialista em jogo, admite a  discussão em torno da acomodação a preços mais acessíveis – e isto apesar de haver uma ligação entre os números de quartos e de turistas. Para o investigador, deve ser sobretudo tida em conta a competitividade regional.

Penny Yim Kin Wan e Francisco Vizeu Pinheiro fazem uma proposta mais concreta: “A sede da TDM é demasiado pequena para a utilização local e futura, além de que o satélite constitui uma ameaça para a saúde dos vizinhos. O edifício deveria ser convertido numa boutique-hotel, atraindo jovens visitantes para a Avenida do Coronel Mesquita.

A elaboração do plano geral para o desenvolvimento da indústria do turismo arrancou no início de 2015. Concluída que está a consulta pública, a terceira fase envolve a revisão e conclusão do projecto final, que deverá ficar pronto em meados deste ano.

11 Jan 2017

China | Comissão Central quer reforçar combate à corrupção

A Comissão Central para a Inspecção da Disciplina esteve reunida e chegou à conclusão de que é preciso continuar o combate a corrupção, com novos mecanismos de fiscalização e mais intensidade. A luta vai fazer-se também dentro da própria estrutura e o objectivo é chegar ao Outono com a casa mais limpa

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão, ainda não chega. O organismo que luta contra a corrupção na China promete reforçar a acção durante este ano, para cortar pela raiz um mal de que sofre o Partido Comunista Chinês (PCC). A Comissão Central para a Inspecção da Disciplina (CCIC) pretende assegurar “um ambiente político limpo” nos preparativos para o 19.o Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), uma reunião de extrema importância que acontece este ano. Vários membros do Comité Permanente do Politburo atingem a idade máxima este ano, pelo que o encontro é visto como sendo decisivo, uma vez que vai servir para escolher os futuros grandes políticos do país, com Xi Jinping a começar a preparar a sucessão.

Para o académico da Universidade de Macau Wang Jianwei, não é à toa que surge este anúncio de reforço da pressão na campanha anticorrupção no PCC. A causa é precisamente a reunião da estrutura partidária agendada para o Outono. “A motivação será atingir objectivos decisivos antes do congresso, de modo a que a direcção do Partido possa mostrar, perante o congresso, que a batalha contra a corrupção é algo a levar a sério”, observa o professor ao HM.

A Comissão Central para a Inspecção da Disciplina esteve reunida três dias, um plenário que terminou no passado domingo com um comunicado de que a Agência Xinhua deu conta. No documento, defende-se a ideia de aumentar a supervisão dentro do PCC, bem como tornar mais rígidos os procedimentos para a selecção e escolha de altos funcionários, de modo a garantir que o Governo Central e as estruturas locais são constituídas por pessoas que não alinham em esquemas de corrupção.

“A confiança não pode substituir o trabalho de supervisão”, indica o comunicado da comissão de disciplina, acrescentando que as várias agências responsáveis pela matéria devem ser também elas alvo de “autodisciplina” com outros métodos de fiscalização, incluindo inspecções feitas pelo Partido Comunista Chinês e pela sociedade.

O Presidente chinês e secretário-geral do PCC, Xi Jinping, falou durante o plenário da CCIC, que contou ainda com a presença do primeiro-ministro Li Keqiang e de figuras de relevo da política nacional como Zhang Dejiang, Yu Zhengsheng, Liu Yunshan, Wang Qishan e Zhang Gaoli.

A reunião serviu para analisar e aprovar regras de trabalho para os órgãos responsáveis pela disciplina. As normas vêm clarificar procedimentos sobre o modo como os casos devem ser geridos, nomeadamente no que toca à recolha e verificação de factos, à acusação, à inquirição, e ao destino do dinheiro e bens materiais envolvidos nos casos.

Um super-órgão e uma super-lei

A Comissão Central para a Inspecção da Disciplina anunciou ainda que vai criar uma comissão nacional de supervisão e contribuir para que haja uma lei de supervisão nacional, como parte dos esforços para reforçar o sistema estatal.

Há três locais onde já há um sistema de supervisão a funcionar de forma experimental: no município de Pequim, e nas províncias de Shanxi e Zhejiang. Este projecto-piloto vai permitir avaliar a criação de comissões locais de supervisão a três níveis – nas províncias, nos municípios e nos condados –, que deverão ser articuladas num sistema integrado que será “unificado, imperativo e eficiente”.

O novo sistema de supervisão vai absorver as funções das autoridades que neste momento desempenham a tarefa – as agências de prevenção da corrupção –, bem como os departamentos que fazem o tratamento dos subornos e outro tipo de crimes relacionados com a corrupção.

Citado pela Xinhua, Zhuang Deshui, um especialista da Universidade de Pequim, defende que o novo sistema nacional de supervisão será crucial para o rumo da luta contra a corrupção, sendo que se espera a divulgação de “mais medidas substanciais”.

Felicidade com a luta

Apesar do anúncio de novas medidas e de uma estrutura diferente de combate ao fenómeno, nas declarações mais recentes, proferidas na passada sexta-feira, Xi Jinping considerou que “a propagação da corrupção foi efectivamente controlada e a batalha chegou ao ritmo desejado”. Mas o líder político do país continua a apelar a um governação rigorosa do PCC, feita de forma “sistemática, criativa e efectiva”.

“O objectivo de assegurar que os funcionários não se atrevem a ser corruptos foi basicamente alcançado”, declarou o secretário-geral do PCC, que encontra uma “nova atmosfera a emergir da vida política partidária”.

A agência oficial de notícias dá conta de um estudo da Escola do Partido do Comité Central do PCC que indica que quase 93 por cento da população está satisfeita com as campanhas anticorrupção levadas a cabo no ano passado.

Em 2017, os esforços deverão ser no sentido de consolidar o que já foi feito, indica o comunicado da CCIC, reiterando que a corrupção praticada ao nível hierárquico mais baixo também deve ser tratada com seriedade. “Os casos típicos devem ser expostos e algumas confissões de funcionários corruptos devem ser tornadas públicas, para que sirva de aviso para outros”, entende a comissão.

“A liderança do Partido Comunista Chinês será enfraquecida se se isolar das pessoas. A maior conquista política do PCC advém da confiança cada vez maior do povo”, vinca-se no comunicado.

Wang Yukai, professor da Academia Chinesa da Governança, avisa que a população está sobretudo preocupada com a corrupção ao nível mais baixo, porque são os funcionários que têm contacto directo com os cidadãos que mais poderão prejudicar os seus interesses. Vai daí, é importante aumentar a fiscalização.

O académico aponta que, só entre Janeiro e Dezembro do ano passado, foram punidos por má conduta e corrupção 16.487 funcionários que trabalhavam nos programas relacionados com o combate à pobreza.

No comunicado, destaca-se igualmente a necessidade de assegurar uma selecção de líderes “limpos e capazes” para as comissões de inspecção da disciplina a todos os níveis.

Gao Bo, vice-presidente da equipa de disciplina da Academia das Ciências Sociais Chinesa, considera que o trabalho feito até agora consistiu em afastar funcionários corruptos, pelo que, daqui para a frente, a preocupação deverá ser encontrar as pessoas certas, com competência e elevados padrões morais.

De acordo com as contas do China Daily, mais de 7900 funcionários ligados ao combate à corrupção foram punidos desde 2012. Deste total, 17 foram investigados por terem recebido subornos.

Prioridade contínua

Para Wang Jianwei, professor da Universidade de Macau, as notícias que chegam agora vêm confirmar que “não há sinal que mostre redução, ou enfraquecimento, da campanha” de luta contra a corrupção iniciada logo após Xi Jinping ter chegado ao poder, no final de 2012.

“Muitas pessoas interrogam-se quando será o fim desta campanha, muitos previram que, como no passado, iria atenuar-se e ser substituída por outras prioridades, mas acho que a liderança do partido está a tentar garantir que a campanha anticorrupção é sempre uma prioridade”, nota.

O analista pensa ainda que o Partido Comunista Chinês deverá ter de “arranjar formas mais estruturantes de lutar e prevenir a corrupção porque, apesar da campanha severa, ainda se apanham oficiais corruptos, alguns ainda estavam a cometer crimes não obstante a pressão alta exercida pelo Estado”.

Todo o discurso da Comissão Central para a Inspecção da Disciplina assenta na ideia de que, no centro do PCC e da China, está Xi Jinping. Há vários analistas que não têm qualquer problema em afirmar que a grande empreitada do líder de Pequim tem, entre os objectivos principais, a necessidade de afastamento de opositores políticos e de pessoas incómodas ao sistema.

Wang Jianwei considera que a teoria da caça às bruxas tem sobretudo que ver com uma abordagem ocidental à questão. “É da sabedoria tradicional da imprensa ocidental que a campanha anticorrupção é sobre a luta pelo poder, dizendo que o Xi Jinping está a tentar consolidar o seu poder antes do congresso do Partido”, entende. “Não estou certo sobre esta teoria. Talvez haja alguns incidentes em que os oficiais que foram apanhados em casos de corrupção tenham visões políticas diferentes acerca do rumo que a China deve levar, existem algumas diferenças de opinião, mas mesmo que não se seja corrupto e se tenham opiniões diferentes, é difícil para o Estado justificar a purga desses oficiais”, diz.

“É difícil estabelecer uma ligação e dizer que isto serve só para a luta de poder. Não vejo um padrão claro para concluir que os oficiais detidos pertencem a uma facção do PCC e é por isso que estão a ser eliminados, porque são de diversas proveniências”, continua Wang Jianwei, recordando que a campanha contra a corrupção tem provocado também baixas junto das forças armadas.

O politólogo conclui dizendo que “a campanha anticorrupção é mais ampla do que a luta pelo poder, é mais sobre a reputação, a imagem, sobre o futuro do PCC no global, e não só sobre uma facção do Partido”.


Todos com Xi Jinping

A Comissão Central para a Inspecção da Disciplina aproveitou o plenário para fazer um apelo: é imperioso que haja união em torno de Xi Jinping, para que se mantenha a “solidariedade e unidade do Partido”. Em comunicado, reforça-se uma das grandes ideias deixadas no Sexto Plenário do PCC, realizado no último trimestre de 2016: a autoridade do Comité Central deve estar sustentada em Xi Jinping. É a única forma de “desenvolver o socialismo de características chinesas”. “Para governar com rigor o PCC, é necessário aumentar a disciplina na vida política intrapartidária e reforçar a supervisão” dentro da estrutura, indica o documento.

10 Jan 2017

Livro | Shee Va publica obra sobre a ópera no território

É o primeiro de três tomos dedicados às óperas a que a cidade assistiu. O médico Shee Va foi à procura do passado musical da cidade e passou-o a livro, com a ajuda de uma personagem que tem o tempo de vida do Festival Internacional de Música

 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ouco antes de Macau se ter despedido da administração portuguesa, a “Aida” veio ao território. Onze anos antes, Ileana Cotrubas explicava, numa “Traviata” na cidade, porque é que tinha conquistado um lugar de destaque no mundo das sopranos.

Há ópera em Macau há quase 30 anos – o tempo de vida do Festival Internacional de Música – e desde o mês passado que existe um livro que recupera a memória deste género musical no território. É o resultado de uma iniciativa de Shee Va, médico amante de música erudita, e trata-se apenas do primeiro de três tomos. A ideia é escrever sobre todas as óperas desde o estabelecimento do festival.

“O meu gosto pela ópera vem desde criança”, explica ao HM o autor de “Ópera no Festival Internacional de Música de Macau (FIMM)”. O gastrenterologista regressou a Macau em 2012 e, desde então, tem sido um activo divulgador do género, com várias sessões na Fundação Rui Cunha, em parceria com o advogado Frederico Rato. Na sequência dos ciclos de que foi co-autor, decidiu recordar as óperas anuais de Macau – aquelas que são trazidas pelo festival.

“Claro que escrever sobre óperas, não tendo formação musical, é difícil mas, de qualquer modo, quis transmitir o meu gosto, como melómano que sou, pela música e pela ópera”, explica. A volta ao texto que se impunha pela falta de formação específica sobre a matéria foi dada com a construção de uma espécie de romance: há uma personagem com a idade do festival, um homem de 30 anos, que foi à ópera pela primeira vez em 1999. Foi ver a “Aida” levado pelo pai, que lhe deixa em herança todas as memórias relacionadas com a presença da ópera no FIMM. “Fiz com que esse rapaz nascesse com o Festival e o acompanhasse durante estes 30 anos.”

Os primeiros anos

O exercício de recuperação do passado do FIMM permitiu descobrir diferenças no modo como a ópera foi sendo apresentada ao público local. “‘O Barbeiro de Sevilha’ foi feito na Fortaleza do Monte. Aproveitou-se o edifício antigo que, naquela altura, era a Meteorologia, acrescentou-se umas pinturas a imitar Sevilha e tocou-se a ópera ao ar livre”, conta o escritor sobre a primeira apresentação do género verdadeiramente encenada.

Existe ópera no FIMM desde a segunda edição do evento, mas as dificuldades de uma produção do género e a inexistência de uma sala de espectáculos com boas condições fizeram com que o então director, Adriano Jordão, não tivesse incentivado este tipo de espectáculo. “Depois, com o segundo director, João Pereira Bastos, que já tinha sido director do São Carlos, o género foi cultivado”, explica Shee Va.

As óperas produzidas ao tempo de João Pereira Bastos eram bastante diferentes daquelas que surgiram depois da transferência de administração, conclui o autor. Antes de 1999, a produção tinham uma participação local maior, apesar dos artistas que chegavam da Europa. “As produções eram mais vividas”, refere.

Depois da transferência de administração, passou-se por um período em que Macau tinha um contributo modesto na produção, uma tendência que terá terminado no ano passado. “A produção foi completamente local e, portanto, vive-se muito mais. Quando vem de fora não existe a mesma envolvência. Mesmo em termos de aprendizagem, é mais interessante para a formação das pessoas ter as coisas feitas localmente.”

“Ópera no Festival Internacional de Música de Macau” é uma edição da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau.

10 Jan 2017