Reportagem | Multa, uma constante da vida

Todos os meses, o orçamento de famílias que residem e trabalham em Macau tem um item extra: as multas de estacionamento. Em particular para quem tem de levar e buscar os filhos à escola. Entre 2015 e 2016, só as multas em lugares com parquímetros aumentaram quase 35 por cento

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]este mundo há duas coisas infalíveis: a morte e os impostos. Em Macau podem-se acrescentar as multas por estacionamento. Como se não faltassem razões para pôr os nervos em franja a quem conduz, as multas são a cereja no topo de um dispendioso bolo, em especial para as famílias que usam o automóvel para largar e buscar crianças em infantários e escolas.

André O, designer de profissão, até já montou um esquema para contornar a inevitável multa sempre que se desloca à escola das filhas. É necessário trabalho de equipa. “Eu e a minha mulher tentamos ir juntos, para que fique sempre um dentro do carro, para o caso de vir a polícia”, explica. Enquanto a mulher leva, ou vai buscar, as miúdas à sala de aula, André fica no automóvel para discutir com a autoridade. A outra opção é manter-se em circulação, dar uma volta ao quarteirão e apanhar a mulher na volta. Têm de moldar o quotidiano e adaptar-se de forma a contornar uma situação que é recorrente, e que lhes pode dar um desfalque de cerca de três mil patacas no orçamento familiar. O casal não está sozinho neste ardil. “Sinto uma certa perseguição, e tenho vários amigos que já tiveram um prejuízo mensal de 10 a 13 mil patacas”, confessa André.

O designer chegou ao ponto de ter de elucidar um polícia sobre o significado de um sinal de trânsito. “Não sabem distinguir entre um sinal de proibido estacionar, mas que permite paragem temporária, e a simples proibição”, comenta. Como vêem um sinal de proibido, automaticamente assumem que este é absoluto e universal. Já lhe aconteceu recusar sair do lugar onde se encontrava parado. “Estava à espera da minha mulher, que tinha ido levar as minhas filhas ao colégio, num lugar onde podia estar parado. O polícia disse-me que tinha de sair e pôr o carro num estacionamento. Perguntei-lhe onde. Ele disse que havia vários, desafiei-o a vir comigo vermos se encontrávamos um lugar”, lembra, humorado pelo caricato da situação. O agente acabou por desistir e não multou o designer. “Deve ter reparado que era um cidadão complicado de lidar, que não valia a pena estar a chatear-se e lá foi à sua vida sem me multar”, remata. Situações normais numa cidade que viu de Novembro de 2015 para Novembro de 2016 um aumento de 25,96 por cento no total das multas por estacionamento ilegal. Até Novembro do ano passado – os dados mais recentes da PSP – foram passadas 860.924 multas de estacionamento. Tendo em consideração que, no mesmo período, existiam em Macau 250.871 veículos matriculados, isto dá uma média de quase quatro multas por ano por viatura.

Sem opções

Usar automóvel em Macau não é um capricho, mas a única alternativa para muitas famílias. “Utilizo o carro todos os dias para levar as crianças à escola de manhã, depois para as ir buscar ao fim do dia e ainda para levá-las a actividades extracurriculares.” Quem o diz é Maria Sá da Bandeira, mãe de três filhos e jurista de formação. Quando questionada sobre a hipótese de usar os transportes públicos, responde prontamente que é impensável. “Três crianças, mochilas, sacos, termos, materiais disto e daquilo, é impossível. Com horários para sair de um sítio e ir para outro, preciso mesmo do carro”, explica. As dificuldades agigantam-se de forma inversamente proporcional ao tamanho dos rebentos. “Um deles é pequenino – cansa-se, ao fim de algum tempo já não consegue andar, não consegue carregar as coisas”, diz.

É uma história recorrente e, se o movimento é obrigatório, a paragem é um quebra-cabeças. “Não há sítio para parar em Macau e na Taipa, e agora ainda é pior porque as obras são constantes”, explica André O, acrescentando que percebe “que parar em segunda fila congestiona o trânsito, mas não arranjam solução”.

Para juntar mais um problema ao longo calvário que é arranjar um lugar para o carro, os silos de estacionamento, sempre cheios, não são propriamente locais agradáveis. “Basta entrar num para perceber que são utilizados como urinol público, o cheiro é nauseabundo – se a pessoa tem o azar de deixar cair as chaves no chão tem de ir directamente para a desinfecção”. As palavras são de Sérgio de Almeida Correia, advogado, que não entende por que acabaram com muitos lugares de estacionamento em zonas de via pública. O jurista só encontra como explicação o proteccionismo aos concessionários dos silos.

Dois pesos, várias medidas

No entanto, a caça à multa não apanha todas as presas que prevaricam os regulamentos do trânsito. Para o advogado Sérgio de Almeida Correia, o problema não é a existência e o cumprimento da lei. “Há muitas vezes negligência grosseira na aplicação da lei, havendo situações em que há excesso de zelo e outras em que há violação do dever de zelo. Existem dois pesos e várias medidas, consoante o infractor”, explica o jurista. Enquanto não existe tolerância para cidadãos, as autoridades fecham os olhos às infracções de trânsito cometidas por transportes públicos, por autocarros de concessionárias de casinos, por veículos de transporte de turistas e por os mil e um atropelos às normas de tráfego resultantes de obras de construção. Já para não falar das infracções cometidas por quem aplica a lei. “Vi várias vezes a polícia a infligir regras de trânsito, por exemplo, aqui no NAPE param em cima de passadeiras, à saída de curvas, para ir multar carros, mas o próprio veículo deles está em infracção”, conta Sério de Almeida Correia. 

A injustiça salta à vista quando se olha para a impunidade com que camiões e autocarros estacionam na faixa de rodagem para deixar turistas, por exemplo, junto aos casinos no Cotai.

Os próprios autocarros das concessionárias de transportes públicos seriam terreno fértil para multas, caso houvesse essa vontade por parte da polícia. “Basta estar ali na rotunda junto ao Hotel Lisboa para ver como é que eles entram na via depois da tomada e largada de passageiros, e a polícia não actua nessas situações”, comenta o advogado.

Também André O se sente revoltado com a actuação dos autocarros públicos que, simplesmente, “param na via pública”. Na Ilha Verde, exemplifica, “estacionam ao final do dia e ninguém multa”. As motas da polícia passam, multam os carros que estão mal estacionados, e não passam cartão aos autocarros. “Mesmo durante o dia, os autocarros param em segunda fila ali ao pé do Canídromo”, indiferentes ao caos que causam ao trânsito, não usando o recorte na faixa de rodagem onde podem encostar.

Enquanto quem reside em Macau desespera, quem vem jogar não só passa ao lado dos problemas dos que cá vivem, como ainda os potencia. “Nós, os residentes, que temos de fazer a nossa rotina diária dentro da cidade, somos altamente prejudicados com o movimento turístico que aqui há. Somos muito facilmente multados por pararmos o carro, mal estacionado, durante um bocadinho porque temos de ir a correr deixar uma criança, ou porque passou um minuto no parquímetro e não conseguimos naquele momento pôr a moeda”, desabafa Maria Sá da Bandeira. “O Governo parece ter todo o interesse em manter a situação, sem qualquer tipo de preocupação adicional com o prejuízo para o quotidiano das pessoas”, acrescenta.

Quid juris

António Katchi, professor de Direito, também vê na arbitrariedade de tratamento um atropelo dos direitos mais elementares da população. “Mesmo com uma vigilância orwelliana sobre tudo o que se passa na estrada, por meio de radares e de câmaras de vídeo, só uma pequena parte das infracções de trânsito pode ser realmente autuada, processada e punida”, começa por ressalvar. Ou seja, a aleatoriedade é, portanto, praticamente inevitável. Mas esta não significa arbitrariedade. “As autoridades devem definir prioridades para a sua acção de fiscalização, e devem atender aos diversos objectivos e princípios que norteiam, ou devem nortear, a sua acção”, explica António Katchi. O jurista adianta ainda que o objectivo deveria ser a segurança dos transeuntes e dos automobilistas, respeitando “o princípio da prossecução do interesse público, o princípio da justiça, o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc.”. Como tal, o académico considera as prioridades das autoridades “altamente discutíveis à luz destes padrões”.

Se estamos, ou não, na presença de uma violação do princípio da igualdade, como se diz em legalês, a doutrina diverge. Para Sérgio de Almeida Correia, o princípio fundamental tem como propósito defender a equidade em casos de maior relevância, que vão além de uma infracção administrativa aos regulamentos de trânsito.

Maria Sá da Bandeira, jurista de formação, entende que a violação do princípio da igualdade é evidente. “O princípio da igualdade diz-nos que, para situações iguais, tratamentos iguais, para situações diferentes, tratamentos diferentes. Mas estando nós a falar de situações diferentes, por se tratarem de interesses com prioridades distintas, penso que aí o princípio da igualdade é violado”, comenta. Maria aproveita para acrescentar que “o interesse dos residentes de Macau tem de ser, em muitas situações, posto à frente do interesse turístico da cidade”.

A circunstância das pessoas se encontrarem entre a espada e a parede, a terem de infringir um regulamento de trânsito para conseguirem deixar os filhos na escola, pode representar outra situação digna de análise jurídica.

António Katchi considera que “se uma pessoa comete uma infracção em circunstâncias que não lhe permitiriam actuar de outra maneira, então dificilmente se poderá dizer que agiu com culpa”. Para o académico, poderá alegar-se que a pessoa agiu em estado de necessidade, o que representa uma causa de exclusão da culpa. “Noutros casos poderá alegar-se que a pessoa se encontrava numa situação de conflito de deveres, ou seja, o acto da pessoa nem sequer chegou a constituir um facto ilícito, pois o cumprimento do dever exclui a ilicitude do acto”, explica António Katchi.

Independentemente das interpretações jurídicas, das considerações filosóficas, ou da posição dos astros, tudo indica que as odisseias com o estacionamento vão continuar. O facto é que está nas mãos do Governo local resolver a situação. Porém, a Medalha de Valor que o Executivo entregou recentemente ao comissariado do Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública parece indicar que no paraíso está tudo bem.


Arquitecto Nuno Soares defende plano estratégico de mobilidade

Punir sem procurar soluções para a situação complicada que hoje se vive no trânsito não vai resolver o problema, considera o arquitecto Nuno Soares. Para o urbanista, as autoridades de Macau devem pensar num plano estratégico de mobilidade e não estarem à espera do metro ligeiro, sistema que, de resto, não vai resolver todos os dilemas de quem tem de se deslocar no território.

Na origem de tudo, contextualiza Nuno Soares, “está um cenário em que a população de Macau está a crescer, a população da Taipa e de Coloane também continua a aumentar”. Em Seac Pai Van foram colocadas muitas famílias, recorda, e “o crescimento normal urbano da Taipa faz com que haja obviamente muitas mais pessoas a viverem lá”.

Acontece que a grande maioria dos serviços públicos e muitos empregos continuam a ser na península. “Os movimentos pendulares têm aumentado nos últimos anos, por via do crescimento da população e desta expansão urbana na direcção da Taipa e de Coloane.”

O fenómeno também se regista em sentido contrário, por causa dos residentes que trabalham nos casinos. “Há um stress que está a ser provocado na rede de transportes públicos. Os autocarros têm mais pessoas a usá-los e há mais necessidade de transporte individual porque, ao fim e ao cabo, as pessoas estão mais longe do seu local de trabalho”, observa.

O resultado destas modificações no tecido social e económico está à vista: “Temos em Macau uma rede viária que é das mais congestionadas ao nível mundial. Há efectivamente um problema de escoamento de trânsito e de falta de lugares de estacionamento para a quantidade de carros.”

Para o urbanista, a única forma de se tentar dar a volta ao texto, neste momento, é um plano estratégico de mobilidade. Quando o metro estiver a funcionar, “obviamente que vai ajudar porque vai ligar a península ao Cotai”, mas não vai fazer com que Macau passe a ser o paraíso da mobilidade. E porque ainda faltam vários anos até que o metro seja uma realidade, há que minorar os problemas. “Precisamos claramente de um plano de mobilidade que ajude a gerir as diferentes redes”, propõe Nuno Soares.

A solução possível

O arquitecto explica como é que se faz um plano destes. Em primeiro lugar, há que perceber o que está em causa. “Há aqui um sistema de transporte público, um sistema de shuttle bus e um sistema de transportes individuais”, indica. Existem ainda situações de pico, aponta, dando um exemplo pessoal. “Quando levo a minha filha à escola de manhã, há um congestionamento provocado pelas escolas. Há um congestionamento provocado por edifícios singulares onde trabalham muitas pessoas”, indica.

Juntando estes aspectos, “tem de se organizar os sistemas e resolver os momentos em que há entropia”, um exercício que tem de ser feito de “uma forma sistemática completa”. A solução “não é milagrosa”, mas ajuda em muito, entende o urbanista.

Em termos práticos, e pegando no exemplo do sistema de autocarros públicos, Nuno Soares sustenta que tem de ser feita uma alteração. “Muitas das nossas linhas são históricas, ou seja, são linhas cujo percurso é feito há muitos anos. Não são muito objectivas. Os turistas queixam-se muito, quando chegam a Macau, que é difícil usar os autocarros porque não estão organizados como um metro, ou seja, com uma linha periférica, com a linha central, com a linha transversal”, analisa. Há que fazer uma racionalização, apostar na criação de corredores e tornar “os percursos mais evidentes, mais fluidos”, mas de “uma forma integrada em toda a península”.

Quanto ao tratamento das situações de pico, o urbanista recupera a situação que se vive à porta das escolas. Os estabelecimentos de ensino não estão circunscritos a uma só zona pelo que, antes de mais, é necessário fazer estudos pontuais – que deverão, no entanto, ser parte de uma abordagem sistemática.

“Um dos problemas é largar as crianças e voltar a recolhê-las, o ‘drop-off’. As escolas têm de ter concessionadas zonas de drop-off, zonas onde os pais param para largarem as crianças e as recolherem. Em situações de pico, esta solução aumenta muito a fluidez”, defende.

Falta de alternativas

Mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão ter de começar a usar menos os carros que têm na garagem e optarem por outras soluções, porque “temos motas e carros a mais”. O urbanista, que anda de bicicleta sempre que pode, é defensor de alternativas aos transportes privados, mas diz também que “uma estratégia só de punição, de tornar as coisas mais caras, não vai resolver” o problema.

“Se temos regras temos de as implementar, mas temos de pensar em respostas. A solução não deve estar na punição. O Governo deve pôr-se como alguém que resolve, alguém que identifica problemas e que toma medidas para os solucionar, não só como alguém que pune quem não cumpre”, afirma. “É muito importante que o Governo assuma este papel.”

O arquitecto não está contra o aumento do valor para a utilização de veículos pessoais, mas as acções neste sentido não podem ser desacompanhadas de alternativas. “Tem de ser um conjunto de medidas que, ao mesmo tempo que se desincentiva o uso do transporte individual, se incentiva o uso do transporte colectivo. O Governo tem de fazer aquilo que lhe compete – melhorar a rede e as condições”, conclui.

NÚMEROS
  • 25,96% foi o aumento das multas de estacionamento entre Novembro de 2015 e Novembro de 2016
  • 860.924 é o número de multas de estacionamento nos primeiros 11 meses de 2016
6 Jan 2017

Carta a quem manda

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uerido Chefe, queridos secretários,

Venho por este meio pedir-vos que façam um exercício de imaginação. Não dói, não demora mais do que uns minutos, poucos, não vos retira o estatuto que diligentemente conquistaram. Não vos obriga a sair do sofá, a levantar da cadeira, a respirar o ar puro com que a cidade nos brinda. Sendo um esforço mental, é certo, trata-se de um exercício de imaginação simples, que não vos cansará, habituados que estais a lidar com processos difíceis, questões complicadas, assuntos pesados.

Imaginem-se comuns mortais, com vidas banais e comezinhas. Imaginem-se com dois filhos, ou três, de tenra idade. Imaginem-se a vestirem-nos à pressa, a enfiarem os miúdos nas cadeiras do automóvel, a conduzirem no pára-arranca. Esta semana há mais uma obra na estrada que, na semana passada, ainda não tinha sido plantada. Imaginem-se a terem paciência, imaginem-se a imaginarem que ainda têm tempo de deixar as crianças em duas escolas diferentes.

Imaginem que não têm motorista. (Imagine, senhor Chefe, que não tem batedores, imagine que a polícia não lhe abre caminho.) Imaginem que não têm onde estacionar porque não há estacionamento. Imaginem ter de parar no primeiro buraco que encontram para tirarem o descendente mais velho do carro, mais a mochila, a lancheira e ainda o chapéu-de-chuva em dias de pluviosidade intensa. Imaginem terem de fazer tudo isto a correr porque os medalhados agentes da polícia de trânsito não perdem uma só oportunidade de multar pais prevaricadores. Imaginem-se a fazer isto tudo outra vez, dez ou 20 minutos mais tarde, conforme as novas obras que, entretanto, se tiverem inventado. Imaginem-se a irem trabalhar depois de duas discussões com dois senhores agentes, que vos tratam como se uma infracção administrativa fosse um crime de sangue. Imaginem-se a chegar ao trabalho a tempo, com duas multas no bolso que em nada ajudam às propinas das crianças.

Imaginem-se a optarem por andar a pé, o que significa andar de autocarro. Os filhos, os chapéus-de-chuva, as mochilas, os sacos do futebol e do ballet, as lancheiras e todos juntos numa viatura que, com sorte, passa a cada 20 minutos, à hora certa. Com sorte, imaginem, as portas do autocarro abrem-se porque, apesar de cheio, cabem mais três ou quatro sardinhas na lata que faz as curvas em duas rodas. Imaginem-se a pararem na central, a tirarem os miúdos do autocarro, a apanharem outro, o outro afinal ainda não chegou, já estão atrasados mas, dada a vossa capacidade de imaginação, imaginem-se a fazer tudo a tempo.

Imaginem-se a decidirem andar de táxi. Imaginem-se com uma criança ao colo e outras duas agarradas às pernas, a sujarem as calças do fato com migalhas de bolacha, enquanto tentam chamar a atenção de um motorista que, compenetrado que está na descoberta de turistas, não vos vê. Se vos visse, também não pararia para vos levar ao destino, que não vos reconheceria. Imaginem que ninguém vos conhece, que ninguém se apieda de vós.

Imaginem-se a levar um pai velhinho, ou uma mãe velhinha, em cadeira de rodas, ao hospital, lá no alto. Num exercício quase impossível, imaginem-se a tentar entrar num táxi em que o motorista vos ajude a guardar a cadeira no porta-bagagens. Imaginem-se a não conseguirem apanhar um táxi no regresso a casa, o pai, a cadeira de rodas, o saco dos medicamentos e o chapéu-de-chuva, que a água abunda nesta terra. Imaginem-se a terem de apanhar um autocarro com um pai velhinho, ou uma mãe velhinha, em cadeira de todas. Imaginem-se a serem multados porque decidiram levar o carro e lá dentro o pai velhinho, ou a mãe velhinha, em cadeira de rodas. Imaginem-se pessoas.

Imaginem agentes da polícia que violam as regras do trânsito só para vos virem multar: galgam separadores e deixam os veículos em que andam onde lhes apetece, para irem de bloco em punho dizerem que o vosso comportamento é errado, porque passou um minuto no parquímetro que não vos dá recibo. Imaginem que eles não vos conhecem, não vos reconhecem.

Imaginem-se comuns mortais, sem direito a medalhas, apesar das maratonas diárias, dos ossos cansados, da pilha de multas para pagar na secretária, da frustração, da esperança de que um dia tudo isto possa ser mais simples. Imaginem-se pessoas e percebam que há coisas que não se resolvem castigando, mas oferecendo opções.

Imaginem que têm de viver nesta terra e digam aos vossos subordinados medalhados que a Administração, antes de mais, tem de ser uma pessoa de bem.

Com os melhores cumprimentos.

6 Jan 2017

Declarada caducidade de cinco parcelas em Seac Pai Van

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Executivo declarou a caducidade de cinco terrenos na zona industrial de Seac Pai Van. Ao todo, são 16.210 metros quadrados que o Governo pretende reaver em Coloane. Os concessionários, entre eles o empresário Ng Fok, não aproveitaram as parcelas para a finalidade que lhes tinha sido atribuída. Os despachos de declaração da caducidade, assinados pelo secretário para os Transportes e Obras Públicas, foram ontem publicados em Boletim Oficial.

O primeiro lote, identificado pelas letras “SA”, foi arrendado em 1989 à sociedade Plasbor – Fábrica de Plásticos e Borrachas. O terreno destinava-se à construção de um edifício de oito pisos, sendo que em dois deles deveria ter sido criada uma unidade industrial de transformação de borracha e matérias plásticas. O prazo do arrendamento terminou a 28 de Dezembro de 2014 e “não se mostrava aproveitado”, lê-se no BO.

No segundo caso, o lote “SQ1”, a área em questão é maior: são 4780 metros quadrados que foram concedidos, em 1990, à Empresa de Construção e Obras de Engenharia San Tak Fat, para a edificação de um complexo industrial de dois pisos e uma área descoberta para a instalação de diversos equipamentos da central de produção de asfalto. A 8 de Dezembro de 2015, data em que terminaram os 25 anos do período do arrendamento, nada tinha sido feito no local.

Nem aço, nem sapatos

Já o “SG2”, uma parcela com 1575 metros quadrados, tinha como finalidade a construção de uma fábrica de calçado. O terreno foi concedido em 1990 à Companhia de Desenvolvimento e Fomento Predial Hua Quan. O prazo de arrendamento terminou a 12 de Agosto de 2015 e, mais uma vez, sem sinais de que tivesse sido utilizado nos termos do contrato celebrado com a Administração.

A RAEM deverá ainda reverter o lote “SF”, com 3375 metros quadrados, arrendado em 1990 ao empresário Lau Lu Yuen. O terreno deveria ter sido aproveitado para a construção de um edifício com oito pisos, onde era suposto ter sido instalada uma fábrica de perfis de aço inoxidável. O prazo de arrendamento terminou a 8 de Novembro de 2015.

Quase um ano antes, em Dezembro de 2014, tinham chegado ao fim os 25 anos do arrendamento de uma parcela com 3488 metros quadrados, também na zona industrial de Seac Pai Van e igualmente por aproveitar. O lote “SD” foi concedido à Sociedade de Importação e Exportação Ng Fok em 1989 e destinava-se à construção de um prédio com nove pisos, sendo um deles para “indústrias”.

Os concessionários dos terrenos que agora vão perder as parcelas têm 30 dias para interpor recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância. Podem ainda apresentar uma reclamação para o Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias.

5 Jan 2017

Análise | O mundo no ano novo

Enquanto a Síria arde, a Europa explode e lança estilhaços de nativismo e xenofobia que alimentam radicalismo político. Na Ásia, joga-se um complicado xadrez, a olhar para o outro lado do Pacífico. 2017 tem a oportunidade de arrepiar caminho em relação aos erros do ano anterior, mas os sinais não apontam nesse sentido

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ano começou com rajadas de tiros numa discoteca em Istambul que resultou na morte de 39 pessoas e em 65 feridos. O período festivo já tinha sido manchado a sangue em Berlim, quando um camião entrou numa feira de rua ceifando a vida a 12 pessoas, e ferindo mais de 50. Já vimos isto no passado, tanto no Bataclan em Paris, como na Promenade de Nice, modus operandi e resultados semelhantes. Seguindo a máxima de que o ódio gera mais ódio, o medo do terrorismo, a grande ressaca do globalismo e as falhas do neoliberalismo têm alimentado um populismo nativista que ameaça a paz e a coesão europeias. No meio da onda de medo há uma crise de refugiados que tem sido tratada com uma falta de humanismo que reforça a ideia de que nunca aprendemos com a história. Neste domínio, é imperioso uma resposta una e eficaz das instituições europeias, no plano internacional. Tanto na política externa de segurança, como na resposta à crise humanitária dos refugiados.

Infelizmente, na ressaca do Brexit e do crescimento de movimentos nacionalistas, a União Europeia parece caminhar no sentido da dissolução, numa altura em que os povos europeus mais precisam de unidade. “É necessário repensar o projecto europeu”, comenta o especialista em ciência política Rui Flores. Apesar da ascensão do eurocepticismo, as sondagens mostram que as pessoas continuam a apoiar o projecto europeu. Mas a Europa não tem correspondido com a agilidade necessária aos desafios com que se depara. O facto é que as próprias fundações do federalismo europeu parecem em risco, sendo este o tempo para agir. Situação que aflige Rui Flores, uma vez que o investigador não está certo “que tenhamos homens à altura do momento”.

Enquanto a Europa se prepara para ir a votos, a crise dos refugiados prossegue. Esta semana, mais de mil migrantes tentaram forçar entrada por Ceuta, numa sangria que parece não ter fim. O conflito sírio criou cerca de cinco milhões de refugiados, sendo que metade encontraram refúgio em solo turco. Um santuário/tampão comprado politicamente pela União Europeia, mais preocupada em acalmar oposições internas populistas do que em encontrar uma situação mais decente do ponto de vista humanitário.

Médio Oriente continua a arder

Entretanto, o Iraque continua a ser assolado por atentados como se fosse um facto natural com pouca, ou nenhuma, cobertura mediática, ou ultraje solidário nas redes sociais. Parece ser um facto incontornável da vida.

Um pouco a nordeste, prossegue uma das maiores crises humanitárias da região. A Síria continua a ser campo de batalha de uma guerra proxy entre grandes blocos bélicos e económicos, enquanto desperdiça sucessivos cessares-fogo com mais bombardeamentos. Em vez de se procurar resolução internacional, ou de se seguir a via diplomática, Aleppo continua a ser terraplanada, sem dó nem piedade, pelas aviações russa e do regime de Bashar al-Assad, indiferentes à distinção entre civis e grupos rebeldes. O regime sírio é um aliado de Moscovo, ao passo que Washington viu na guerra civil uma oportunidade para depor al-Assad, e controlar as vias de transporte de gás natural e petróleo. Pelo meio proliferou o ISIS, nascido do caos e do desacerto dos serviços secretos norte-americanos e da indiferença dos outros players internacionais.

Entretanto, o Iémen é palco de uma batalha sangrenta e silenciosa entre o Irão e a Arábia Saudita, com o conflito xiita/sunita a tomar o palco iemenita desde a tomada do poder pelos Houthis, um subgrupo xiita. Ora, aos sauditas não lhes agrada ter um país controlado por um grupo xiita à porta. Como tal, tem continuado uma campanha de bombardeamentos quase indiscriminados, arrasando escolas e hospitais, com a total indiferença das Nações Unidas, que perdem credibilidade a cada dia que passa. A assinatura do acordo nuclear do Irão não deixou Riade satisfeita, o que leva a um relativo fechar de olhos por parte de Washington, com enorme prejuízo para a decência e para o povo iemenita.

Efeito Trump

Pelo caminho surge uma wild card sem equivalente histórico no panorama internacional. Ainda antes da eleição, Donald Trump já tinha questionado a utilidade das Nações Unidas, além de romper com a solidariedade militar com membros da NATO. Declarações que deixaram Vladimir Putin com um sorriso de orelha a orelha. Há uma ambivalência na posição do Presidente eleito norte-americano em relação a Moscovo. Se, por um lado, parece confortável com a proximidade com Putin – desde a sucessiva troca de elogios, ao fechar de olhos à intervenção russa nas eleições –, por outro a nomeação do General James Mattis para secretário da Defesa parece indicar outro caminho. Mattis é um militar que afina pelo velho diapasão neocon que quer há muito invadir o Irão. Acrescentando a isto a vontade expressa de Trump em rasgar o acordo firmado pela administração Obama com Teerão, os tempos adivinham-se perigosos para o equilíbrio da região.

Seguindo uma lógica de relativa indiferença em relação à ONU, Trump nomeia Nikki Haley, uma crítica da campanha do magnata, como embaixadora para o organismo internacional. A nomeação foi uma concessão política à ala mainstream do Partido Republicano, que foi pulverizado pelo fenómeno Trump, e uma resposta à crítica de que não havia mulheres nas suas nomeações. Sem qualquer experiência no plano internacional, as suas posições em termos de política externa são desconhecidas. Tirando ser contra o acordo nuclear iraniano, um marco diplomático com elevado consenso no Conselho de Segurança da ONU. “As estruturas são feitas por quem lá está”, comenta Rui Flores. Isso significa que a ONU depende dos estados-membros que, por sua vez, são chefiados pelos partidos que estão no poder. Para o investigador, “isso faz com que, por vezes, não se defendam as instituições de forma efectiva”.

Europa a votos

Entretanto, 2017 será um ano de importantes cartadas eleitorais. Enquanto nos países do leste europeu Putin continua a exercer influência como se a União Soviética nunca tivesse sido dissolvida, o centro da Europa prepara-se para ir às urnas. A própria sobrevivência das instituições de Bruxelas parece estar em perigo com os movimentos eurocépticos a ganharem peso. Em França, a possibilidade de Marine Le Pen chegar ao Palácio do Eliseu continua real. Apesar das últimas sondagens retirarem a liderança à líder da extrema-direita francesa, a imprevisibilidade dos tempos, os votos de protesto contra o establishment, a questão do terrorismo, não podem ser negligenciados como factores decisivos. Não vivemos tempos de primazia da lógica ou dos velhos conceitos políticos. Quem diria há um ano que Donald Trump ganharia a eleição à Casa Branca ou que o Brexit vingasse? Eram resultados impensáveis, logo, a eleição francesa terá de ser vista com cautela, ou poderemos estar na eminência de um Franxit. Portanto, para derrotar Le Pen, parece que a alternativa mais viável é a aliança dos partidos do centro, provavelmente em torno do candidato da direita moderada François Fillon.

Também a Alemanha vai a votos para escolher chanceler para os próximos quatro anos. Igualmente a braços com o crescente populismo, a ainda chanceler Angela Merkel apresenta-se como a candidata para derrotar o crescimento da extrema-direita no país. Os democratas cristãos, que estão no poder, sofreram duros golpes nas eleições regionais de Setembro, em particular no estado Mecklenburg-Western Pommerania, bastião de Merkel, onde foram ultrapassados pela Alternativa para a Alemanha, um movimento de extrema-direita. Apesar de não ter chances tão boas como Marine Le Pen, Frauke Petry, também conhecida como Adolfina, deverá conquistar assento no parlamento germânico, marcando o retorno sinistro da extrema-direita ao Bundestag. Para Rui Flores, o principal desafio de Merkel prender-se-á com a “necessidade de alargar a coligação, de forma a garantir estabilidade governativa”.

Embrulhadas lusófonas

Entretanto, a turbulência no Brasil tem tudo para continuar em 2017, com a possibilidade bem real de eleição indirecta, em particular a manter-se a insatisfação popular e a crise económica.

Temer continua numa posição frágil, envolvido no caso Lava Jacto, não sendo de estranhar que seja afastado do poder para responder em tribunal. Mesmo que escape à justiça, apesar de ser mencionado nas delações dos executivos da Odebrecht, Temer vê a sua popularidade decrescer de dia para dia. Grande parte da população não lhe reconhece, sequer, legitimidade para estar no poder. Entretanto, cresce o fosso entre o que a população exige do poder político e a realidade que se vive em Brasília. 2017 não será pêra doce para os brasileiros.

Na África de língua portuguesa, destaque para Angola: 2017 é o ano em que tudo vai mudar para que, provavelmente, tudo fique mais ou menos na mesma. Sabe-se já que José Eduardo dos Santos, há quase 40 anos no poder, não vai ser o candidato do MPLA nas eleições deste ano, que deverão realizar-se em Agosto. No passado, o chefe de Estado angolano chegou a colocar a possibilidade de se afastar da política activa, não tendo cumprido a pretensão; desta vez, designou um sucessor. É o actual ministro da Defesa, João Lourenço.

As eleições gerais – presidenciais e legislativas – foram anunciadas durante uma reunião do comité central do MPLA, sob orientação de José Eduardo dos Santos. O último sufrágio do género em Angola, país que vive com fortes desigualdades sociais, realizou-se a 31 de Agosto de 2012, tendo o MPLA sido declarado vencedor, com mais de 71 por cento dos votos.

A novela coreana

Na Ásia, não se perspectiva um ano fácil. O Mar do Sul da China continua a ser motivo de discórdia entre várias nações asiáticas, com Pequim no centro de disputas territoriais sem fim à vista. Depois, a contribuir para um ano de poucas certezas, a situação na península coreana: as notícias que chegam de Pyongyang não são animadoras para a região, com as promessas belicistas nucleares de Kim Jong-un; em Seul, a situação política já conheceu dias melhores.

A Coreia do Sul vai escolher um novo Presidente até 20 de Dezembro de 2017. A lei em vigor impede a reeleição de Park Geun-hye, que terá, assim, cumprido apenas um mandato à frente dos destinos do país. O Presidente eleito deverá ser empossado a 25 de Fevereiro de 2018. Herda uma nação com poucas razões para acreditar nos seus políticos, depois da polémica que, de acordo com as notícias mais recentes, parece longe de resolvida.

Esta semana, Park Geun-hye, a Presidente destituída, quebrou um mês de silêncio sobre o escândalo de corrupção em que estará envolvida, refutando as acusações que lhe são feitas. Diz que se tratam de “invenções e falsidades”, explicando que foi vítima de uma armadilha em torno da fusão de duas empresas afiliadas da Samsung, caso no centro das investigações.

O destino de Park está nas mãos do Tribunal Constitucional, que tem ainda 180 dias para confirmar a destituição ou para lhe devolver o poder. Entretanto, foi detida na Dinamarca a amiga da Presidente que está no centro do caso de alegada corrupção. É esta mulher que terá agido em conluio com Park Geun-hye para extorquir dinheiro e favores de algumas das maiores empresas do país.

A instabilidade política na Coreia do Sul tem relevância não só para a situação da península, dividida pela fronteira mais militarizada do mundo, como também para a própria equação geopolítica entre os Estados Unidos e a China. Num momento em que não se sabe qual será a futura postura de Washington em relação à região Ásia-Pacífico, é desde logo desfavorável que os tradicionais aliados da Casa Branca se encontrem em convulsões internas.

A China em mudança

Mais perto de nós, a Norte, a China prepara-se para um decisivo Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC). Cinco anos depois da escolha de Xi Jinping para liderar a estrutura – e, consequentemente, os destinos do país –, são esperadas mudanças no topo do PCC, uma vez que várias das principais figuras políticas deverão, por causa da idade, sair da política activa.

Dos sete membros do Comité Permanente do Politburo, cinco atingem 70 anos. Apesar de não haver uma regra escrita em torno da idade limite para o exercício de funções políticas no país, desde o pós-maoísmo, com Deng Xiaoping, que tem sido esta a norma.

Para já, não se sabe quem vão ser os substitutos daqueles que saem. Há apenas uma certeza: serão homens da máxima confiança de Xi Jinping que tem acabado com as aspirações políticas de pessoas que, em tempos, chegaram a estar bem colocadas na corrida ao poder. São os efeitos colaterais da forte campanha de luta contra a corrupção.

Além de estar em jogo como vai ser constituído o Comité Permanente do Politburo, o congresso será também decisivo para se perceber quem serão os sucessores da dupla Xi Jinping e Li Keqiang, daqui a cinco anos. Na China, o caminho faz-se a um ritmo próprio.

Ainda antes do importante congresso do PCC, Xi Jinping é o anfitrião da próxima cimeira das economias emergentes dos BRICS. Os líderes do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul reúnem-se em Setembro, em Xiamen. Pequim assume este ano a presidência rotativa do grupo.

A difícil Hong Kong

Na relação com as regiões administrativas especiais, Pequim tem uma pedra no sapato que, de ano para ano, tem vindo a tornar-se mais dolorosa: Hong Kong. O ano na antiga colónia britânica começou com cerca de cinco mil pessoas na rua, num protesto contra a destituição de quatro deputados da ala pró-democrata. O calendário foi substituído, mas a tónica de 2016 deverá manter-se, com a sociedade dividida em relação ao futuro político da região.

O Governo Central fez entretanto saber que não vai autorizar a utilização de Hong Kong como “uma base para a subversão” contra a China Continental ou para prejudicar a estabilidade política. Os líderes do país estão cada vez mais preocupados com a força que o movimento independentista de Hong Kong – resultado directo do fenómeno Occupy – tem vindo a ganhar na cidade.

Em 2017, há um factor importante para a relação entre a China e Hong Kong, e para a vida da própria região administrativa especial: este é o ano de eleições para o Chefe do Executivo. É consensual, entre os analistas, que um dos problemas políticos do território tem que ver com a ausência de força política dos líderes no poder desde a transferência de soberania, em 1997. Para já, na sucessão a C.Y. Leung, estão na corrida o magistrado Woo Kwok-hing, mais próximo dos liberais, e Regina Ip, profissional das lides políticas com ligações a Pequim. A secretária-chefe para a Administração, Carrie Lam, o ex-presidente do Conselho Legislativo, Jasper Tsang, e o antigo secretário para as Finanças, John Tsang também deverão ser nomes em cima da mesa.

Tudo tranquilo

Se Hong Kong é motivo de preocupação para Pequim, já Macau não deverá causar dores de cabeça de maior. Dezassete anos depois da transferência de administração, e com excepção de dois grandes processos judiciais por corrupção, as autoridades da RAEM parecem estar em sintonia com as directrizes da capital. A começar o novo ano, Chui Sai On prometeu seguir as orientações de Pequim, e “unir e orientar toda a sociedade” para “amar a pátria e Macau”, e garantiu o respeito pela autonomia da cidade.

O ano que agora começou deverá ser positivo para a principal indústria do território, com a retoma dos últimos meses a apontar para números mais sustentáveis no universo dos casinos.

Quanto à vida política, 2017 é ano de eleições para a Assembleia Legislativa. Não se esperam grandes mudanças naquilo que é hoje a composição do órgão legislativo, mas há que ter em consideração que a nova lei eleitoral traz desafios em termos de campanha, sobretudo para os candidatos com máquinas mais modestas.

No que diz respeito a matérias judiciais, este ano vai ficar a saber-se do destino do antigo procurador da RAEM – o julgamento em que Ho Chio Meng vai acusado de mais de 1500 crimes está já a decorrer. O processo conexo deste caso de corrupção, em que vão ser julgados empresários, familiares e antigos colaboradores do ex-líder do Ministério Público, tem início a 17 de Fevereiro.

Se por cá tudo bem, a instabilidade será o signo de grande parte do resto do mundo para o ano que ainda agora começou. Vivemos tempos loucos e, como disse o filósofo francês Rousseau, ser são num tempo de loucos é, em si mesmo, uma insanidade. Que prevaleça a razão.


António Guterres | Dar uma hipótese à paz

No discurso de ano novo, António Guterres, o secretário-geral da ONU, disse que quer que 2017 seja o ano em que “a paz vem em primeiro lugar”. Com o mundo a implodir com várias crises como a Síria, a Coreia do Norte e o Iémen, Guterres interrogou-se como poderá ajudar “os milhões apanhados nos conflitos e que sofrem com guerras que não têm fim à vista”. Numa mensagem profundamente pacifista, o português lembrou que ninguém ganha e todos perdem com as guerras que assolam o planeta. A eleição de Guterres tem sido um tónico para os diplomatas das Nações Unidas que vêem nele uma figura unificadora, um político capaz de gerar consensos. Para o investigador Rui Flores, “tudo dependerá da sua capacidade para se relacionar com os países que dominam a organização internacional”. A rematar, no primeiro discurso enquanto líder das Nações Unidas, Guterres acrescentou que “aquilo a que aspiramos como seres humanos, dignidade, esperança, progresso e prosperidade, só podem ser alcançados em paz”.

3 Jan 2017

Kwan Tsui Hang interpela Governo sobre futuro do Canídromo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] deputada Kwan Tsui Hang quer saber o que é que o Governo anda a fazer para acautelar, desde já, que o terreno deixado vago pelo Canídromo será utilizado de forma apropriada, com benefícios para a população que vive nas imediações.

Numa interpelação escrita ao Chefe do Executivo, a representante dos Operários recorda que, a 21 de Julho passado, o Governo anunciou ter dado dois anos à empresa que explora o espaço para acabar com as corridas de galgos no local. Sobre a futura utilização do terreno, contextualiza, o secretário para a Economia e Finanças explicou que a Administração iria ter em consideração “o planeamento urbanístico e as opiniões dos diferentes sectores sociais”.

Porque não vê nada a ser feito, Kwan Tsui Hang pergunta a Chui Sai quais são, afinal, os trabalhos relacionados com a recolha de opiniões a que se referia Lionel Leong, sublinhando que, depois do anúncio, “a sociedade tem estado a prestar muita atenção ao caso”.

“Passou quase meio ano e o Governo ainda não assumiu uma posição pública sobre o assunto. Não se fez qualquer consulta sobre a matéria”, lamenta. “O Governo devia ouvir opiniões e fazer já um planeamento sobre o futuro uso deste lote, bem como avançar com os procedimentos relacionados com a reutilização deste terreno”, defende. Kwan vinca que ainda vai ser preciso entregar o projecto ao Conselho de Planeamento Urbanístico, porque, quanto mais cedo se avançar, melhor será o aproveitamento feito deste “recurso extremamente raro numa zona residencial”.

Escolas e actividades

A deputada deixa ainda algumas sugestões sobre o que deverá ser o futuro do espaço onde hoje se praticam corridas muito criticadas por associações internacionais de direitos dos animais. A zona tem uma grande densidade populacional e, diz a representante dos Operários, tanto os moradores, como as escolas se queixam da falta de espaço para actividades. “É muito inferior ao nível médio do resto da cidade. Os residentes e as escolas instaladas nesta zona esperam que o Governo possa aproveitar o terreno para resolver a insuficiência de áreas livres”, diz.

Kwan Tsui Hang faz também referência ao projecto “obra do céu azul”, uma ideia avançada em 2015 pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura para acabar com os estabelecimentos de ensino instalados em pódios. “Ainda há 11 escolas que precisam de novas instalações. O Governo coloca a possibilidade de aproveitar o terreno do Canídromo para responder às necessidades destas instituições?”, pergunta.

No mês passado, o Canídromo foi autorizado a funcionar até Julho de 2018, uma renovação da concessão que já se esperava. No início de Dezembro, questionada sobre o futuro das corridas de galgos e o espaço onde hoje acontecem, Angela Leong, a administradora-delegada da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), afirmou que o conselho de administração da operadora esteve a analisar as possibilidades de exploração futura do local, tendo mostrado interesse em continuar a ocupar o terreno.

Para a também deputada, o Canídromo deverá manter o nome e a empresa deverá permanecer em actividade na zona – posição que, diz, é consensual no conselho de administração da SJM. Há já uma ideia para o espaço: desenvolver “projectos criativos”, como “concursos de animais domésticos”.

3 Jan 2017

Ng Kuok Cheong preocupado com órgão municipal sem poder político

Foi anunciado em 2015 mas, até agora, não há sequer um esboço do que poderá ser. Ng Kuok Cheong quer saber em que pé está o órgão municipal sem poder político e avisa o Governo de que estes atrasos não lhe ficam bem

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] a primeira missiva do ano enviada a Chui Sai On pelo deputado pró-democrata. Ng Kuok Cheong não está satisfeito com a forma como Sónia Chan, secretária para a Administração e Justiça, está a lidar com o dossiê relativo à criação de um órgão municipal sem poder político.

Os planos inicialmente anunciados pelo Governo davam o segundo semestre de 2016 como a altura para o início da consulta pública sobre a matéria, mas o ano terminou sem qualquer novidade.

Na interpelação escrita ao Chefe do Executivo, Ng recorda que a ideia da criação de um órgão desta natureza foi anunciada nas Linhas de Acção Governativa para 2016, em Novembro de 2015. “Chui Sai On referiu que no segundo semestre de 2016 iria acabar a elaboração das sugestões preliminares para que se iniciasse a consulta pública junto dos diferentes sectores sociais”, sublinha o deputado.

“Durante o plenário da Assembleia Legislativa, em resposta à minha pergunta, o Chefe do Executivo afirmou que, no segundo semestre de 2016, a consulta pública iria ser realizada, na expectativa de que o órgão municipal sem poder político pudesse ser criado em 2018”, acrescenta Ng Kuok Cheong.

O tribuno não esquece as declarações feitas por Sónia Chan, responsável por este processo. “A secretária para a Administração e Justiça também prometeu, mais do que uma vez, que a consulta pública iria ser realizada no segundo semestre de 2016”, vinca. “No entanto, o ano já acabou e ainda não foi realizada a consulta. Isto faz com que os cidadãos coloquem em causa a credibilidade do Governo”, considera.

Directos em toda a parte

Ng Kuok Cheong aproveita o texto para pedir, uma vez mais, que a constituição do futuro órgão municipal resulte de eleições directas – e pergunta ao Chefe do Executivo se esta hipótese faz parte dos planos da Administração. A talho de foice, questiona ainda o Governo sobre a possibilidade de transformar os conselhos consultivos do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais em comissões que sejam formadas por deputados municipais.

O pró-democrata pretende também saber por que razão não foi ainda realizada a consulta pública prometida.

Para já, pouco se sabe sobre o que será o futuro órgão municipal anunciado em 2015. Aquando das LAG para 2016, Sónia Chan explicou que “[o objectivo] é servir a população, designadamente nos domínios da cultura, recreio e salubridade pública, bem como dar pareceres de carácter consultivo ao Governo”, tendo então estabelecido o paralelo com os órgãos consultivos das zonas comunitárias. A secretária assegurava que se vai evitar a sobreposição de funções com outros organismos. “Quando definirmos as funções deste órgão vamos atender à existência de funções semelhantes nos outros conselhos”, garantiu.

Em Setembro de 2016, na altura da divulgação do documento final do Plano Quinquenal de Desenvolvimento de Macau, ficou a saber-se que a criação do órgão deverá ser concretizada apenas em 2019.

3 Jan 2017

A perfeição

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão foi um ano bom por esse mundo fora. Morreu gente que é imortal, elegeram-se pessoas tortas, fizeram-se guerras estúpidas, tão estúpidas como todas as outras guerras de que reza a história, a comprovar que nós, os comuns mortais, não aprendemos. Morreu gente sem nome a tentar chegar a uma terra nova, a fugir da miséria, a fugir de onde nunca quis sair, com as raízes ainda agarradas ao corpo. Houve gente morta por quem mata só porque sim, numa outra guerra estúpida que nos diz, todos os dias, que os homens não sabem nada uns dos outros.

Nós, por cá, tudo bem. Não há mal grave que dure por aqui. Os nossos dilemas, colocados em perspectiva, são coisas pequenas, leves, a roçar a insignificância. Os nossos males não têm armas nem sangue, não nos invadem a casa, não nos deixam com o coração nas mãos, com medo de fecharmos os olhos e de nunca mais os podermos abrir.

Mas com as dores dos outros podemos nós bem. Por mais que, num exercício quase religioso, façamos a relativização da nossa dor perante o sofrimento alheio, é-nos impossível fugir ao dramatismo das pequenezas do quotidiano. Porque é o nosso quotidiano e é nele que respiramos. E porque é dos homens quererem sempre mais. Ainda bem.

Sucede que, por estes lados do mundo, a medida da perfeição está ali ao virar da esquina, como se fosse facilmente atingível. A malta contenta-se com pouco na cidade onde tudo, ou quase tudo, podia ser infinitamente melhor. Resmunga-se, mas baixinho, não vá o vizinho ouvir e perceber exactamente o que acabou de ser resmungado. Critica-se, mas sempre com um elogio no princípio e no fim, como se de uma moldura se tratasse, para que as bordas do reparo não provoquem rasgos nas sensíveis almas criticadas.

Por estes lados do mundo, nunca sou eu que penso – são eles, a população, o povo. O povo é que não gosta, a população é que diz que é melhor ter cuidado, eles é que estão descontentes com o rumo da situação. Nunca sou eu que penso porque não tenho coragem de pensar. E também nunca somos nós, que a colectividade caiu em desuso.

Com as dores dos outros podemos nós bem e até com as dores daqueles que nos deviam ser próximos, mas não são. Por aqui, encobrimos histórias feias, não lavamos roupa nos jornais, os cafés às vezes servem de lavandaria mas rapidamente se esconde a roupa, mais o detergente, quando a palavra dita ousa ser perigosa para o estado feliz em que nos encontramos, nós, gente sem guerras nem sangue, nem ideias e muito menos opiniões.

Passou mais um ano que foi mau, mas nós por cá tudo bem. Enquanto o emprego for certo e houver bacalhau no Natal, nós por cá tudo bem. Engolimos tudo com um tinto e preparamo-nos para a contagem decrescente, conta-se baixinho e grita-se baixinho, dançar é que não que ainda pensam que sou louca, olhem que bem comportados que somos todos nós, tão assim, tão de bem com tudo. Com as dores dos outros podemos nós bem.

30 Dez 2016

Coreia do Norte | Diplomata desertor fala dos planos nucleares do regime

Alguns dizem que sim, os mais optimistas relativizam a ameaça. Um antigo embaixador norte-coreano, que desertou em Agosto passado, veio esta semana dar conta de que Kim Jong-un quer aproveitar 2017 para afirmar o país como potência nuclear. O poder vai mudar nos Estados Unidos, o que complica o quadro. O próximo ano é para ser seguido com atenção

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi a primeira vez que falou desde que desertou e as notícias deixadas na conferência de imprensa não dão ao mundo motivos de descanso. Thae Yong-ho, antigo diplomata da Coreia do Norte em Londres, anunciou que Pyongyang entende que 2017 é a melhor altura para avançar, de forma significativa, com o programa nuclear. A ideia será aproveitar as mudanças de poder nos Estados Unidos e na Coreia do Sul.

Thae Yong-ho é o funcionário norte-coreano mais importante a desertar em quase duas décadas. Fê-lo em Agosto, motivando alguma especulação acerca da consistência do regime de Kim Jong-un, mas manteve-se em silêncio até agora. Esta semana, decidiu falar à imprensa da Coreia do Sul.

Apesar de ressalvar que, enquanto diplomata, não estava por dentro dos detalhes do programa de armamento nuclear do seu país, Thae Yong-ho deixou algumas ideias sobre o modo como o regime pensa. Pyongyang acredita que a China não vai punir, de forma muito severa, os ensaios nucleares que venham a ser feitos, porque Pequim receia que, com um eventual colapso do Norte, nasça uma Coreia unificada próxima dos Estados Unidos, o que seria um vizinho pouco desejável.

“O regime conhece esta fraqueza da China”, afirmou, citado pelas agências internacionais de notícias. “Enquanto Kim Jong-un estiver no poder, a Coreia do Norte jamais desistirá do armamento nuclear, mesmo que lhe seja oferecido um bilião ou dez biliões de dólares como recompensa.”

A imprensa estrangeira não pôde entrar na conferência de imprensa de duas horas e meia em Seul, destinada apenas a repórteres locais. Mas foi disponibilizada uma transcrição das declarações do antigo diplomata.

Thae Yong-ho garantiu que Kim Jong-un não encara o programa nuclear como uma moeda de troca, mas sim como uma forma de lidar com os Estados Unidos, uma vez que pretende que o país seja reconhecido como uma potência nuclear – estatuto que Washington não quer, de modo algum, atribuir.

Este ano, a Coreia do Norte levou a cabo dois testes nucleares e lançou mais de 20 mísseis balísticos, tendo anunciado que está a desenvolver uma ogiva nuclear com capacidade para atingir os Estados Unidos.

O Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou já que está aberto à ideia de que o Japão e a Coreia do Sul construam armamento nuclear para deter a Coreia do Norte, uma afirmação fortemente contestada pela Administração Obama, que entende que se corre o risco de acabar com décadas de uma política de não-proliferação.

Quanto à Coreia do Sul, tem vivido momentos políticos conturbados. As eleições presidenciais estão marcadas para o próximo ano.

Sem dinheiro e sob controlo

Thae Yong-ho, diplomata de carreira, esteve na Dinamarca e na Suécia antes de ser enviado para a embaixada da Coreia do Norte em Londres, onde esteve quase uma década. Na capital do Reino Unido, foi visto a discursar em eventos da extrema-esquerda, incluindo o Partido Comunista Britânico. Eram discursos apaixonados de defesa do regime de Pyongyang.

Esta semana, falou da frustração que sente um diplomata do regime quando vive no estrangeiro. Contou que os embaixadores da Coreia do Norte ganham entre 900 a 1100 dólares por mês (o melhor salário não chega às nove mil patacas), o que faz com que o pessoal do corpo diplomático esteja em constante desespero e à procura de formas de aumentar o vencimento fora das embaixadas. Acabam por ter de morar dentro das representações diplomáticas, ao “estilo comunitário”, para poderem poupar nas despesas.

No entanto, acrescentou Thae Yong-ho, enquanto viveu fora do país pôde usufruir de um luxo vedado às elites que vivem no Norte: teve acesso à Internet, sem censura, e lia as notícias da Coreia do Sul, incluindo relatos sobre a vida de desertores norte-coreanos.

De acordo com antigo número dois da embaixada em Londres, o regime de Pyongyang é tão paranóico com a possibilidade de a informação que chega de fora poder influenciar a população que mantém os diplomatas que regressam a casa sob vigilância apertada, com receio de que possam contar como se vive no estrangeiro. Ironicamente, isto acontece ao mesmo tempo que aumenta o contrabando de DVD produzidos na China de novelas e filmes sul-coreanos, cada vez mais populares no Norte. Thae Yong-ho confessa ser fã deste tipo de conteúdos.

Aquando da deserção do diplomata, a Coreia do Sul considerou que se tratou de um sinal de que Kim Jong-un estava a perder força junto da elite norte-coreana. Já Pyongyang classificou Thae Yong-ho como “escumalha humana”, acusou-o de ter fugido depois de se ter apropriado de fundos públicos e de ter abusado sexualmente de uma menor.

Thae Yong-ho negou estas acusações e disse que a sua desilusão com Kim Jong-un aumentou depois de vários altos funcionários terem sido executados, entre eles o tio do líder, Jang Song-thaek, numa tentativa de assegurar o poder através da criação de um clima de terror.

A Coreia do Norte obriga os diplomatas a deixarem alguns membros da família no país, precisamente para evitar deserções. Thae Yong-ho assume que teve sorte: conseguiu fugir para o Sul com a mulher e os dois filhos.

Os membros do corpo diplomático são ainda incentivados a vigiarem-se uns aos outros para que não haja traição. Mas existem falhas neste sistema de vigilância, apontou o desertor, que recusou fornecer detalhes sobre a forma como conseguiu escapar ao regime de Pyongyang. “É um mundo feito de pessoas e é impossível controlar alguém constantemente”, disse apenas.

Teoria da provocação

A situação na Coreia do Norte e a liderança de Kim Jong-un – que dura há já cinco anos, desde a morte do pai – são motivo de preocupação, até pela dificuldade em se traçar um retrato concreto do jovem líder e pela relação pouco clara com a China, parceiro económico de longa data que, de certo modo, tem vindo a funcionar como um travão às eventuais aspirações belicistas do regime.

Alguns analistas consideram que a ameaça nuclear é, para já, exagerada. No entanto, admitem que o líder do regime mais isolado do mundo vai aproveitar a mudança de poder nos Estados Unidos para testar Washington. É bem provável que, nos próximos tempos, sejam feitos novos ensaios nucleares, a título de trabalho de casa: mostrar aos norte-coreanos que o regime é poderoso, capaz de enfrentar os inimigos da América.

O impacto de uma provocação deste género não deverá surtir grandes alterações. Até à data, não existem provas concretas de um plano para uma guerra entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos ou os seus aliados ocidentais. Há uma única razão para a ausência de planos bélicos: a Coreia do Norte sabe que iria ser arrasada pelos adversários.

Já Ken Kato, responsável pelo Human Rights in Asia, acredita que a ameaça que a Coreia do Norte representa é “muito real”. O activista – que ainda na semana passada denunciou o financiamento norte-coreano de uma universidade de Tóquio – não hesita em classificar Kim Jong-un como um “perigoso assassino com armas nucleares na mão”.

Em declarações ao HM, Ken Kato destaca que, de acordo com o relatório dos serviços secretos sul-coreanos ao Parlamento do país, entre Janeiro e Setembro deste ano, o líder de Pyongyang ordenou 64 execuções públicas. “É o tipo de pessoa que mata o próprio tio”, vinca. Para o também membro da International Coalition to Stop Crimes Against Humanity in North Korea, o armamento nuclear produzido pela Coreia do Norte “pode ainda ser vendido pelo regime a grupos terroristas do Médio Oriente com os quais Kim mantém relações”.

Uma incógnita chamada Trump

Nesta equação de relações internacionais, há ainda que ter em consideração o que vai fazer a Administração Trump em relação a Pyongyang. De acordo com o Wall Street Journal, Obama avisou a equipa do seu sucessor que a Coreia do Norte deve estar no topo das preocupações da segurança nacional norte-americana.

Ken Kato alinha no pensamento da Casa Branca ao dizer que não tem dúvidas de que “é uma das maiores ameaças que a comunidade internacional está a enfrentar”.

Há peritos que acreditam que, dentro de quatro anos, Kim Jong-un vai ter ao seu dispor a tal ogiva nuclear com capacidade para chegar aos Estados Unidos, bem como submarinos que podem atacar os aliados de Washington. Por isso, para os observadores mais pessimistas, é essencial que Donald Trump consiga controlar o líder norte-coreano.

Enquanto candidato, Trump disse que Kim é um “maníaco” e disse também que é “preciso dar crédito” ao que diz. Na altura, acrescentou estar desejoso de encontrar o líder para comerem “um hambúrguer”.

Atendendo a que ninguém acredita que Kim Jong-un está disposto a abandonar as suas pretensões nucleares – e tendo ainda em consideração que décadas de sanções, ameaças, conversações e negociações resultaram em coisa nenhuma – o próximo Presidente dos Estados Unidos tem um dossiê difícil nas mãos.

A Coreia do Norte é ainda uma questão que serve para medir forças na região Ásia-Pacífico. Um falhanço norte-americano será um sinal de fraqueza enviado à China, numa altura em que Pequim está a desafiar o papel de proeminência dos Estados Unidos na região.

O director da Human Rights in Asia considera que chegou a hora de pesar os interesses que estão envolvidos nesta questão e tomar decisões a bem da paz. “A comunidade internacional deve aperceber-se da ameaça que a Coreia do Norte representa, e pressionar a China e a Rússia para a implementação total das sanções das Nações Unidas”, defende. Ken Kato considera também que “Pequim deve pensar que é do seu interesse travar o programa nuclear, porque é também uma séria ameaça à China”. É a bomba-relógio no quintal.

29 Dez 2016

Legalização do jogo no Japão não implica ameaça a médio prazo para Macau

Primeiro era Las Vegas, depois chegou Macau. Com a liberalização do sector, o território passou a ser o principal centro de jogo do mundo. Esta semana, entrou em vigor a lei que legaliza os casinos no Japão. Há uma ameaça a médio prazo para o território? Os analistas locais dizem que não

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, garante estar atento e promete que vai prestar atenção ao desenrolar da situação; os analistas locais não mostram grande desassossego em relação ao futuro da principal indústria do território, pelo menos a médio prazo.

Depois de, em meados deste mês, ter sido aprovada a legislação que legaliza o jogo no Japão, o diploma entrou esta semana em vigor. Ainda vai ser necessário definir uma série de regras, mas sabe-se já do interesse dos grandes grupos internacionais do sector, incluindo daqueles que estão presentes em Macau. Os magnatas norte-americanos contribuíram, de resto, para que o jogo deixasse de ser proibido em solo nipónico.

À semelhança da decisão tomada em Singapura, a lei japonesa não autoriza a construção de casinos independentes – vão ter de estar integrados em resorts. Os investimentos da Las Vegas Sands e da malaia Genting na cidade-Estado transformaram Singapura no terceiro centro de jogo do mundo, a seguir a Macau e a Las Vegas, em tempos o líder no que toca a casinos.

O analista Grant Govertsen acredita que o Japão será um mercado muito diferente dos outros na Ásia, por uma simples razão: o país tem muita população e um produto interno bruto elevado, pelo que não terá de estar dependente de apostadores da China, e de outros países, para que as mesas de apostas estejam cheias. “O jogo será mais direccionado para os locais do que para os turistas.”

Para a académica Hester Cheang, o Japão pode ser um potencial competidor para Macau, uma vez que “é um destino turístico popular e tem mais para oferecer além dos casinos”. A especialista recorda que o país é muito procurado para o chamado turismo de compras e “quem vai às compras poderá sempre entrar num casino para jogar”.

Além disso, nota ao HM a directora do Centro de Pesquisa e Ensino do Jogo do Instituto Politécnico de Macau, os operadores e as entidades oficiais responsáveis pelo sector podem “retirar ilações das experiências do Vietname, de Singapura e de Macau”.

Não obstante a cautela que o território deverá ter, Cheang relativiza o impacto, recordando que entre a China e o Japão existem fricções políticas que podem condicionar a vontade de eventuais apostadores chineses em visitar casinos nipónicos. Depois, há ainda que ter em consideração as flutuações cambiais entre yen e yuan, que podem fazer do Japão um destino demasiado caro.

“Se Macau conseguir manter a dinâmica que tem, a nova legislação pode não influenciar de forma determinante”, acrescenta. O Japão terá dificuldades em representar uma real concorrência para uma cidade em que o jogo já está enraizado, com infra-estruturas estabelecidas e onde existe uma forte cultura, remata a académica.

Grant Govertsen assina por baixo e dá um exemplo: se um grupo de apostadores da China Continental que, num ano, vem cinco vezes a Macau, mudar de destino numa dessas viagens e for ao Japão, tal não trará um impacto considerável aos operadores locais. A transferência de receitas, estima, não deverá ser superior a dois ou três por cento.

A grande oportunidade

O banco de investimento CLSA estima que, quando as salas de jogo estiverem em operação, as receitas do jogo no Japão poderão chegar aos 25 mil milhões de dólares norte-americanos por ano. É um valor quatro vezes superior às receitas de Las Vegas mas, ainda assim, abaixo dos 28,9 mil milhões de dólares arrecadados em Macau no ano passado.

Para as empresas do sector, aponta Govertsen, o Japão é a grande oportunidade de fazer negócio dos próximos tempos. Tudo leva a crer que a hipótese não será desperdiçada por operadores como a Las Vegas Sands e a MGM Resorts International, que fizeram um forte lobby para as mudanças legislativas que agora aconteceram.

“O Japão vai ser uma Singapura em tamanho grande”, comentou à Bloomberg Daniel Cheng, o vice-presidente para a Ásia do Hard Rock Cafe International. “Poderá mesmo ultrapassar Macau”, avisa. A multinacional norte-americana de casinos e cafés está já à procura de parceiros para se candidatar a uma licença de jogo no Japão. A MGM tem uma equipa a trabalhar em Tóquio e tem estado a patrocinar espectáculos de kabuki para ganhar visibilidade. Quanto à Wynn Resorts, que tem dois casinos em Macau, está igualmente desejosa de participar na novidade nipónica. “Para nós, a oportunidade é totalmente japonesa e totalmente deliciosa”, afirmou o magnata Steve Wynn, citado também pela Bloomberg.

“Claro que os operadores de Macau estão interessados, tal como todo o mundo, tendo em conta que o Japão é uma enorme oportunidade para captar apostadores que não jogam em lado algum”, vinca Grant Govertsen.

Ainda vem longe

Uma das razões do entusiasmo de Wynn e de outros grandes operadores do sector é o apetite – histórico, de resto – dos japoneses pelos jogos de fortuna e azar. Quem vive ou visita o Japão pode apostar em corridas de barcos e de bicicletas, assim como de cavalos, indústria que rendeu 25 mil milhões de dólares em 2015, segundo os números oficiais.

Existem ainda mais de 10 mil salas de jogo equipadas com máquinas pachinko, muito populares no país, que têm contornado a proibição do jogo com a entrega de produtos aos vencedores, que podem, depois, trocar os bens por dinheiro noutros locais. No ano passado, os apostadores deixaram nestas salas de jogo 196 mil milhões de dólares, menos 30 por cento do que há uma década.

Os deputados japoneses têm agora um ano para trabalhar nos detalhes de funcionamento dos casinos, antes de ser aberto o concurso para as licenças de jogo. “É difícil fazer projecções porque a lei que entrou em vigor não nos diz nada em concreto, não estabelece o regime fiscal, o número de licenças ou a localização das mesmas”, sublinha ao HM Grant Govertsen. “Seria como fazer uma previsão da indústria em Macau há 15 anos, apenas baseada na informação que o jogo iria ser liberalizado.”

Ainda de acordo com as estimativas do CLSA, a abertura de dois resorts integrados em grandes centros populacionais poderá significar receitas na ordem dos 10 mil milhões de dólares, com uma previsão de 25 mil milhões a partir do momento em que as salas de jogo estiverem espalhadas pelo resto do país. No entanto, é bem provável que seja necessária ainda uma década para a construção das infra-estruturas necessárias. Grant Govertsen diz que, numa perspectiva optimista, 2022 poderá ser o ano da primeira inauguração de um casino japonês.

Para já, Singapura parece ser o modelo que o Japão pretende adoptar. Em 2014, o primeiro-ministro Shinzo Abe esteve nos dois resorts integrados da cidade-Estado, para ver os casinos, os hotéis, os centros de convenções, os centros comerciais, os teatros e o parque temático que nasceram com a legalização do jogo.

No ano passado, os casinos em Singapura conseguiram receitas de 4,8 mil milhões de dólares. O centro de exposições e convenções da Sands, com 120 mil metros quadrados, tem mais 50 por cento do tamanho da maior infra-estrutura do género de Tóquio.

Para o analista do CLSA Jay Defibaugh, os resorts integrados vão permitir que os próprios casinos ganhem uma maior escala mais rapidamente. “Estamos a falar de milhares de pessoas que vão estar perto das mesas de jogo quando se deslocarem a um centro de convenções”, constata.

Singapura com pouca China

A luz verde dada aos casinos é uma vitória política de Shinzo Abe, depois de anos de discussão em torno do assunto. Mas não foi uma empreitada fácil: faltou o apoio popular. De acordo com um estudo recente divulgado pela estação pública NHK, apenas 12 por cento dos inquiridos estavam a favor do fim da proibição do jogo, com 44 por cento a mostrarem oposição. Os políticos acabaram, no entanto, por ceder à perspectiva da criação de postos de trabalho e do encaixe fiscal.

Os deputados pensam ainda no número de turistas que o jogo poderá levar ao arquipélago. Singapura recebeu 15 milhões de turistas no ano passado, quase o triplo da população da cidade-Estado. Os resorts integrados e os eventos que lhe estão associados – incluindo a corrida de Fórmula 1 à noite – aumentaram as receitas dos hotéis para 3,2 mil milhões de dólares de Singapura em 2015, contra os 1,6 mil milhões registados em 2009, um ano antes da abertura do primeiro casino.

A cidade-Estado decidiu tentar evitar o jogo patológico entre os seus residentes, obrigando os locais ao pagamento de 100 dólares de Singapura em cada ida ao casino. No Japão, ainda não se sabe se será aplicada uma restrição deste género, mas os analistas acreditam que não deverá ser esse o caso.

À Bloomberg, um professor da Universidade de Comércio de Osaka, Toru Mihara, assinalou que o dinheiro dos casinos deverá vir, em primeiro lugar, dos japoneses. “As receitas provenientes de apostadores estrangeiros serão um bónus. Não há necessidade de enfatizar os VIP chineses. Se quiserem vir, serão bem-vindos.” Toru Mihara entende que o principal mercado será constituído por clientes da classe média-alta, incluindo advogados e homens de negócios.

Evitar uma dependência nos grandes apostadores da China Continental é visto como sendo uma atitude sensata, sobretudo porque Pequim tem estado a tentar controlar a saída de capitais. Singapura tem sofrido com a diminuição das viagens para o exterior de jogadores chineses com muito dinheiro: no resort da Genting, os VIP significaram 36 por cento das receitas do terceiro trimestre deste ano, quando na primeira metade de 2014 garantiram 63 por cento do dinheiro arrecadado. Em Macau, o segmento VIP caiu 46 por cento desde 2013, altura em que mais significado teve para o sector.

28 Dez 2016

Coutinho diz que não teme consequências políticas da detenção dos filhos

Preferiu não esperar pelo próximo plenário da Assembleia Legislativa para falar sobre o assunto. Os dois filhos de Pereira Coutinho foram detidos por suspeita de tráfico de droga, mas o deputado diz-se tranquilo em relação ao futuro político e agradece o apoio que tem recebido

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi o último a entrar numa sala que estava cheia – metade eram jornalistas, os outros eram sócios da ATFPM – e fê-lo sob uma chuva de aplausos. José Pereira Coutinho vive “momentos difíceis”, com a detenção dos dois filhos por suspeitas de tráfico de droga, e decidiu chamar os jornalistas à sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau para agradecer o apoio que tem recebido.

“Esta conferência de imprensa foi convocada por mim para agradecer às pessoas. Recebi telefonemas da Austrália, da Europa, de Hong Kong, do Interior da China, foram mensagens de solidariedade e de apoio moral. Não tenho outra forma de agradecer a atenção que as pessoas têm para com aquilo que está a acontecer neste momento com a minha família”, afirmou.

No passado dia 22, a Polícia Judiciária (PJ) divulgou uma nota à imprensa em que anunciou ter detido “os líderes de um grupo criminoso de tráfico de droga local, que colaborava com um grupo criminoso de tráfico transfronteiriço”.

No mesmo comunicado, em que identificaram os suspeitos como sendo “dois irmãos de apelido Kou”, as autoridades explicavam que a detenção, que aconteceu a 21 deste mês, surgiu na sequência de uma denúncia. À PJ chegou a indicação de que os dois irmãos iriam à zona norte para a obtenção de estupefacientes. Os suspeitos foram detidos no local e a Judiciária apreendeu quatro sacos de marijuana, com um peso total de um quilograma. A PJ acredita que a droga iria ser vendida em estabelecimentos de diversão nocturna. No mesmo dia, foi detido um terceiro suspeito perto de um casino no Cotai.

O trigo e o joio

Alegando o segredo de justiça a que “estão obrigados todos aqueles que são conhecedores do caso”, Pereira Coutinho não fez comentários sobre a questão pessoal que levou à realização da conferência de imprensa, tendo apenas confirmado que o filho mais velho está detido preventivamente, enquanto o mais novo se encontra sob termo de identidade e residência.

O deputado preferiu não tecer comentários sobre a posição que tomou relativamente à recém-aprovada lei da droga, que introduz penas mais pesadas para o consumo e tráfico de estupefacientes.

“Pedia o grande favor de respeitar a privacidade da minha família”, disse, na declaração inicial que fez. “Não são figuras públicas ou que tenham estado nos meios de comunicação social no passado. Eles precisam de sossego e de paz para que possamos ultrapassar estes momentos difíceis das nossas vidas.”

“Neste momento, o processo está sob investigação”, prosseguiu. “Nada mais poderei avançar, aguardo serenamente porque confiamos na justiça e, com o tempo, as coisas vão-se consolidando e vai transparecer aquilo que, de facto, se passou”, acrescentou.

Em resposta a um jornalista, o presidente da ATFPM refutou ter de assumir responsabilidades por causa da eventual conduta criminosa dos filhos e chamou à colação o caso Ho Chio Meng. O antigo procurador foi nomeado pelo Chefe do Executivo, mas ninguém assacou responsabilidades ao líder do Governo, argumentou.

“A minha conduta não vai mudar minimamente nas funções que exerço e que terei de cumprir mais um ano como deputado à Assembleia Legislativa. Vou continuar a ser a mesma pessoa, a exercer com consciência as minhas responsabilidades e não esperem de mim facilidades porque tenho um compromisso com os cidadãos de Macau: cumprir rigorosamente o meu mandato”, prometeu.

Questionado sobre as eventuais repercussões políticas de um caso que é pessoal, a nove meses das eleições legislativas, Pereira Coutinho diz estar tranquilo. “Macau é pequeno, as pessoas conhecem-se umas às outras. Não estou minimamente preocupado com o resultado que vier das eleições do próximo ano, porque acredito que, num regime democrático, temos de saber viver com aquilo que as pessoas pensam sobre quem está a trabalhar para servir Macau”, declarou.

“Digo honesta e sinceramente que em nada me está a afectar porque acredito que as pessoas de Macau sabem ver a diferença das coisas. Uma coisa é eu ter de assumir responsabilidades de um caso concreto, da situação concreta. Outra coisa é pessoas adultas – estamos a falar de um rapaz de 31 anos e outro de 27 – que terão de assumir perante a lei as suas responsabilidades.” A confiança do deputado é, segundo explicou, alicerçada nas mensagens que tem recebido nos últimos dias.

Paz e elogios

O presidente da ATFPM contou ainda que houve pessoas próximas que o aconselharam a esperar pelo próximo plenário da AL para explicar “a meia dúzia de pessoas” o que aconteceu. “Eu disse que não, que queria fazer esta conferência de imprensa. A única coisa que quero é paz, é descanso para a minha família”, desabafou, garantindo no entanto estar “psicológica e emocionalmente em forma para enfrentar os futuros desafios” que terá de enfrentar no exercício das suas funções políticas. “Quanto ao futuro, Deus saberá fazer e decidir da melhor forma. Não estou minimamente preocupado.”

Na mesa que serviu para a conferência de imprensa estavam vários membros da ATFPM, num gesto de solidariedade para com Pereira Coutinho. A mais interventiva foi Rita Santos: a presidente da mesa da assembleia-geral fez um discurso emocionado em que não faltaram lágrimas.

Rita Santos fez um rasgado elogio a José Pereira Coutinho, que conhece dos tempos do liceu. Recordou o passado difícil do deputado, a infância passada no Seminário de São José pelas dificuldades que a família teve de enfrentar após a morte prematura do pai, dizendo que “aprendeu com os padres a ser uma pessoa honesta”.

A dirigente da ATFPM lembrou ainda que, desde 1998 – ano em que convidou Coutinho para se juntar à associação – que é visível o empenho do deputado para o bem-estar da população: “Resolve todas as questões que lhe são trazidas com dedicação e amor”.

“Está a passar por uma situação muito difícil. Gostaríamos que continuasse a ter força para trabalhar em prol de Macau”, disse Rita Santos, que acabou por dar a tónica pessoal ao encontro com os jornalistas. “Quem o conhece sabe que está sempre a falar da mulher, dos filhos e do orgulho que tem no neto”, sublinhou. “Não queremos que o nosso líder seja fraco. Ele prometeu-nos que vai continuar a trabalhar”, exclamou, fazendo alusões à “pressão social na Internet” que a dirigente deseja que acabe.

28 Dez 2016

O casaco preto

[dropcap]L[/dropcap]embro-me tão bem. Estava frio, muito frio, e eu usava um casaco preto, o primeiro que comprei cá em Macau. Tinham-me dito que aqui estava sempre calor e, quando fiz a mala, só coube lá dentro o Verão. Na altura a Internet era uma coisa pequena e Macau, Macau tão longe, eram alguns textos sobre acontecimentos históricos e pouco mais, sem qualquer meteorologia. As televisões em Portugal, Portugal tão longe, mostravam ainda uma terra com uma água de tancares e tancareiras.

Naquela manhã de frio, tanto frio, ouvi o hino da mãe pátria e assisti a bandeiras a subir ao vento, rostos cinzentos em vermelhos palanques, o verde RAEM, a festa sem sorrisos. As coisas oficiais não se prestam à felicidade. E eu estava ali porque me tinham dito para estar, porque estava a trabalhar, a pensar que chego sempre atrasada a tudo porque não nasci a tempo. A RAEM fazia dois anos.

Eram tempos ainda de alguma incerteza, como de incertezas tinham sido alguns dos livros que se tinham publicado na antecipação de 1999. Em 2001, as incertezas eram já diferentes, conseguia perceber que eram outras, mas isto tudo era frio, mesmo quando o Verão cabia na cidade. Havia um vento agreste que soprava de algumas bocas mais dadas a esgares do que a considerações políticas de alto nível.

Entretanto o tempo passou e toda a gente se esqueceu de tudo, do medo, da novidade, dos primeiros dias, dos dias que seguiram aos primeiros dias. Eu, que tinha cá chegado sem saber ler nem escrever, tentava aprender as palavras da terra, quantas vezes em vão, com a sensação, no entanto, que podia deixar o casaco preto em casa, que o tempo estava a mudar, que agora era tudo mais normal. Que éramos todos mais normais.

Macau tem pressa em chegar a 2049, quer tudo ao mesmo tempo e não quer nada, não se sabe bem quem lhe traça o destino, quem lhe toca no rosto

Os dias na cidade fizeram-se, à semelhança dos dias noutras cidades do mundo. Os anos atropelaram-se, a terra cresceu, eu nunca tinha visto terra a crescer, só conhecia terra onde crescem coisas. Eu ainda à procura de saber ler e escrever, numa cidade tão arrebatadora, que nos esmaga na pequenez que se sente nos prédios, nas ruas, nas luzes. Em tudo o que, de um dia para o outro, se ergue em direcção ao céu. Um território que constrange de pequeno que é, mas que não pára, não deixa descansar, não deixa pensar porque tudo é demasiado rápido, era para ontem se faz favor.

E de repente chegámos aqui, com certezas acumuladas sobre o que queremos e o que não queremos. E com dúvidas acumuladas também. Macau tem pressa em chegar a 2049, quer tudo ao mesmo tempo e não quer nada, não se sabe bem quem lhe traça o destino, quem lhe toca no rosto, quem lhe dá a mão. Macau não está quase a entrar em 2017, já voou no tempo, os 17 anos do passado são muitos mais, a memória é fraca, tão fraca, há quem fale na RAEM como se ela fosse Macau, a RAEM não é Macau, é sé a RAEM.

Temos certezas acumuladas e devidas acumuladas também. Das dívidas nem vale a pena falar: ninguém paga o que deve aos mortos, sobretudo quando fazem parte de um passado distante. O presente, de certa maneira, também já lá vai. Está tudo de olhos postos no que vai acontecer daqui a dois anos, quem são eles, quem é ele, mandas tu ou mando eu, 2049 está já aí e ninguém quer saber, o futuro pertence sempre a quem acha que manda mais.

21 Dez 2016

Astronomia | Ver o que este céu não mostra

É um convite para uma viagem. A astrónoma Tânia Sales Marques está na sexta-feira no Centro de Ciência de Macau para explicar de que é feito este céu. A luz excessiva da cidade não deixa ver as estrelas, mas elas estão lá para serem vistas no planetário
Tânia Sales Marques

[dropcap]Q[/dropcap]uando Tânia Sales Marques decidiu ser astrónoma, já não era possível ver estrelas em Macau. Mas o céu era limpo em Coloane – “nas montanhas”, como dizia em miúda. O Cotai era um istmo e estava longe de se mascarar de luzes. Tânia Sales Marques interrogava-se sobre o que estaria no céu, que estrelas eram aquelas, de que seriam feitas.

É esta curiosidade que a astrónoma pretende despertar em quem for, na próxima sexta-feira, ao planetário do Centro de Ciência de Macau. De passagem pelo território, Tânia Sales Marques foi convidada para uma apresentação do céu de Macau, em moldes semelhantes aos dos shows que faz em Londres.

Trata-se de uma oportunidade única para quem se interesse por astronomia ou simplesmente para aqueles que nunca foram ao planetário de Macau. As apresentações que decorrem no Centro de Ciência são feitas em chinês; a astrónoma vai mostrar o céu de Macau em inglês. A apresentação será feita para o público em geral, sendo que as crianças são bem-vindas.

Ao HM, a astrónoma explica que vai usar o sistema digital do planetário – que “é muito bom” – para fazer uma apresentação do céu de Macau como estará na noite de 23 de Dezembro. “Começa com o céu e com o que é que se poderia ver se não houvesse poluição e as possíveis nuvens desse dia. Depois, vou levar o público a fazer uma viagem pelo espaço, em que falamos das coisas que estão lá, apesar de não as conseguirmos ver com os nossos olhos”, diz. Tânia Sales Marques vai falar das constelações e dos planetas, e da mitologia associada ao tema. A viagem termina com “conceitos mais cosmológicos”. “O que decidi fazer, para haver uma espécie de narrativa, foi ligar os objectos de que vou falar à sua história observacional. Vou fazer uma ligação às culturas e civilizações que descobriram ou observaram esses objectos”, diz.

“Não sou historiadora, nem antropóloga, mas a ideia é aproveitar o sistema digital que o planetário tem para mostrar coisas que não conseguiríamos ver num planetário mais tradicional, e relacionar esses objectos à nossa posição, de tempo e espaço, mas também ligá-lo à linha comum do Homem que é olhar para o céu, ver as estrelas e pensar no que é aquilo.”

CURIOSOS À NASCENÇA

Como é que se ensina a olhar para um céu que não se vê e querer saber-se mais sobre de que é feito? Tânia Sales Marques acredita que nasce- mos todos com vontade de perceber o que está acima de nós. Uma história bem contada pode ser o su ciente para despertar outro tipo de interesse, como aquele que a levou para uma universidade dos Estados Unidos para estudar astronomia.

“Hoje olho para o céu intuitivamente, mas a verdade é que os astrónomos amadores olham mais”, arma, fazendo referência às pessoas de Macau que, por exemplo, viajam até à China com os binóculos na mala a procura da escuridão. “Um astrónomo profissional acaba por se sentar em frente a um computador e vê números.”

“Espero que as pessoas, sobretudo as crianças, tenham vontade de explorar mais.”
TÂNIA SALES MARQUES, ASTRÓNOMA

A viver em Londres, Tânia Sales Marques conta que, “para manter a curiosidade” que a levou a escolher a profissão, começou a trabalhar no planetário da cidade. “Apresento shows para crianças e adultos. Londres acaba por ser um bocado como Macau: não tem tanta poluição de luz, mas o tempo faz com que não se consigam ver as estrelas.”

À semelhança do que vai fazer na sexta-feira, a apresentação no planetário londrino começa sempre com o céu em estado puro. “As pessoas sabem que é verdade, mas ao mesmo tempo não acreditam no que estão a ver, porque é um céu fantástico. E isto mostra que as pessoas continuam a manter a curiosidade, que é quase intuitiva, que faz parte do ser humano, de sentir uma certa ligação ao espaço mesmo que não o veja”, constata. “Saem dos espectáculos com vontade de saberem mais sobre astronomia em termos gerais.”

A experiência de Londres faz a astrónoma considerar que, na sexta-feira, terá uma boa oportunidade de “tentar tornar a ligação ao céu mais real”. “Espero que as pessoas, sobretudo as crianças, tenham vontade de explorar mais”, diz.

A apresentação de Tânia Sales Marques começa às 17 horas. A entrada é livre.

21 Dez 2016

José Drummond na lista final do Sovereign Asian Art Prize

É a terceira vez que José Drummond, artista plástico português radicado em Macau, é nomeado para o prémio mais importante da região vizinha na área das artes. O reconhecimento lá fora não acompanha o que se passa em casa

[dropcap]T[/dropcap]rata-se de uma nomeação directa, conquistada pela presença este ano no Sovereign Asian Art Prize. José Drummond foi finalista na edição de 2016, tendo o seu trabalho sido mostrado na Christie’s, garantindo um lugar na competição do próximo ano. Regressa ao mais importante prémio das artes em Hong Kong com três trabalhos, todos eles feitos com caixas de luz. É a terceira vez que o artista português, a viver em Macau há mais de 20 anos, entra na lista daqueles que a organização entende serem os melhores da Ásia. “É sempre bom. Não acho que os prémios sejam completamente reveladores do trabalho que as pessoas fazem no trajecto da sua carreira, mas são veículos de reconhecimento que acabam por ser importantes, especialmente nos dias de hoje”, comenta José Drummond ao HM. “Nesse sentido, é óptimo.”

Organizado anualmente, o Sovereign Asian Art Prize convida artistas contemporâneos, que estejam a meio da carreira, para submeterem três trabalhos online. As obras são depois avaliadas por um júri da região constituído por especialistas em arte, que escolhem os 30 melhores trabalhos.

É esta selecção que vai estar ex- posta num local público em Hong Kong, sendo que se segue depois uma nova apreciação. O artista vencedor recebe 30 mil dólares norte-americanos. À excepção da obra vencedora, os restantes trabalhos são leiloados durante a gala de atribuição dos prémios. Além da obra seleccionada pelo júri, é ainda distinguido o trabalho que mais votos recebeu do público que foi ver a exposição.

“É um dos prémios mais importantes da região Ásia-Pacífico”, contextualiza José Drummond. “Já começo a ser um repetente, é a terceira vez que estou nesta fase. Penso que será a primeira vez que acontece a um artista de Macau.” O artista português foi o único do território presente na fase final da iniciativa.

DA NOITE E DO DIA

Na edição de 2017, Drummond concorre com um media que tem uma presença importante na sua obra: as caixas de luz. “Tem que ver com o meu interesse em espelhar todos estes conceitos à volta da luz e da sombra. Depois, embora sejam fotografias tiradas no momento, há sempre nos meus trabalhos uma condição teatral, cenográfica, quase encenada. É por isso que tenho optado, para estas séries, pelas caixas de luz.”

As três obras a concurso resultam de fotografias tiradas à noite, um momento em que a cidade se transfigura. Na sequência de um trabalho que tem vindo a fazer, as imagens obedecem a uma narrativa poética, que “tem que ver com o estado de desassossego, com a insónia”.

No primeiro trabalho, “Think of the saddest thing in your life”, vê-se uma fotografia tirada num lago. “É só água. Digo, a determinada altura no texto, como a água pode ser tão opaca quanto a vida. Temos esta ideia de que a água é transparente, mas não é”, observa. “Mais uma vez, tem que ver com a teoria da luz, com as cores. Nesse trabalho usei luz que transformasse a cor normal do lago. Ficou azul porque forcei a que casse assim.”

“All those moments at night when you’re not with me”, a segunda fotografia, “é mais próxima de um instantâneo” e está relacionada com uma investigação que o artista plástico tem estado a fazer, associada à ideia da “ausência do outro, que nos leva a deambular pelas ruas”.

Trata-se de uma série em que José Drummond procurou captar situações que entende serem interessantes na cidade. A imagem em questão mostra o recanto de uma pessoa que “colecciona coisas inúteis que recolhe do lixo”. “Colecciona garrafas de plástico e pendura-as à entrada de casa. Tem as portas de casa abertas e consegue-se ver tudo o que se passa lá dentro.” Há uma certa organização no espaço fotografado, explica: “Tem uma cadeira pendurada, há uma lógica muito pessoal que nos faz confusão. Esta pessoa em especial tem sido objecto da minha investigação há algum tempo, com fotografias em diferentes momentos do dia e com objectos diferentes”.

“Não acho que os prémios sejam completamente reveladores (…), mas são veículos de reconhecimento que acabam por ser importantes.”
JOSÉ DRUMMOND, ARTISTA PLÁSTICO

A fotografia enviada para Hong Kong tem “um ar quase de ficção científica”. “Não tenho qualquer intervenção na imagem, a não ser clicar”, refere. No entanto, o lado cénico mantém-se. “Tudo aquilo é encenado, mas por outra pessoa.” A fotografia insere-se numa série em que Drummond vai à procura de pessoas que estão, de certa forma, fora do que é convencional, “personagens que são deixadas para trás” na sociedade.

O último trabalho, “When my hands make your heads spin”, tem a morte como subtexto. “É uma reflexão. São dois ravers no final de uma festa. O final da festa significa também quase o final do corpo. A paz é quase morte, naquele sentido. Depois de toda a excitação e do excesso que possa ter havido, há depois este momento, completamente oposto”, mostra. “Esta dualidade entre vida e morte é um lado que tenho andado a explorar. É muito difícil falar sobre a morte e registá-la. Nunca conseguimos fazer uma boa representação da morte porque não sentimos a nossa; só a sentimos através da morte dos outros.”

LÁ FORA

Nos últimos anos, José Drummond tem sido mais valorizado fora de Macau do que em casa. “De algum modo, parece que o meu trabalho vai sendo mais reconhecido fora de Macau do que aqui”, diz.

Além do lugar conquistado entre os finalistas da edição de 2016 do Sovereign Asian Art Prize, o artista teve o seu trabalho exposto na Berlin Transart Trienalle, em Agosto passado.

Durante este ano, participou em festivais de vídeo de Portugal, Espanha e Áustria. Juntamente com a artista Peng Yun, teve uma obra no Rosalux Project Space em Berlim. Por cá, fez um trabalho especificamente para a última edição do Festival Literário Rota das Letras.

José Drummond teve ainda um ano muito activo enquanto curador. Foi responsável por mais uma edição do VAFA e do festival de vídeo experimental EXIM, além do papel desempenhado na selecção de obras para a exposição que assinala o nono aniversário da Art For All, cuja inauguração está marcada para esta semana.

O ano do artista plástico termina com uma projecção de um trabalho na Cinemateca Paixão, no próximo dia 28, que serve de introdução à obra que, em Janeiro de 2017, vai apresentar.

20 Dez 2016

Os 1001 contratos de Ho Chio Meng

Em mais uma sessão do julgamento do antigo procurador da RAEM, o arguido continuou a alegar a inocência dos crimes que lhe são imputados. O tribunal tentou obter respostas gerais sobre os contratos em que terá havido crime, mas Ho Chio Meng foi aos pormenores

Não, tudo tintim por tintim

[dropcap]D[/dropcap]a acusação fazem parte mais de mil contratos celebrados pelo Ministério Público (MP) durante os anos em que Ho Chio Meng esteve à frente da estrutura. Ontem, de acordo com o relato feito pela Rádio Macau, foram analisados mais de 300. Dizem todos respeito ao funcionamento do MP e a lista é vasta: da compra de fotocopiadoras a aluguer de bonsais, passando pela limpeza de tapetes, manutenção de extintores e fornecimento de água e luz.

Segundo a emissora, o antigo procurador fez questão de responder por cada um dos contratos em que a acusação encontra indícios de crime. O colectivo de juízes do Tribunal de Última Instância, onde Ho Chio Meng está a ser julgado, ainda perguntou ao arguido se negava, de forma geral, os crimes de burla e associação criminosa associados a estes contratos, mas o ex-procura- dor fez questão de refutar os factos um a um.

A acusação entende que os 1300 contratos em questão terão dado, a Ho Chio Meng, 50 milhões de patacas, um valor acumulado ao m de dez anos. O arguido recuperou um argumento que tinha usado já na sessão anterior: é absurdo pensar que um procurador iria criar uma associação criminosa para obter vantagens tão reduzidas. Nalguns destes contratos, os benefícios detectados pela acusação não chegam a 500 patacas.

O ex-procurador garantiu que não recebeu um avo e reiterou a inocência. Ho Chio Meng assegurou que não violou qualquer princípio, não indicou fornecedores, não participou de forma alguma nos alegados falsos concursos e não retirou qualquer vantagem.

OLHEM OS LAPSOS

De acordo com a acusação, as empresas que beneficiaram deste esquema – dez no total – eram controladas por um irmão e um cunhado de Ho Chio Meng através de dois testas de ferro, todos eles arguidos no processo. Segundo a rádio, Ho Chio Meng disse que não assinou a maioria dos contratos, nem teve conhecimento dos factos.

Os valores dos contratos em análise são muito variados. Entre 2011 e 2014, o MP gastou 300 mil patacas com fotocopiadoras. Estes contratos terão resultado numa contrapartida de 36 mil patacas atribuídas a Ho Chio Meng e a mais sete pessoas ao longo de três anos. Já com os aparelhos de ar condicionado, a alegada associação criminosa terá obtido três milhões de patacas em vantagens.

Ho Chio Meng diz que é absurdo pensar que um procurador iria criar uma associação criminosa para obter vantagens tão reduzidas

A acusação explica que estas contrapartidas eram conseguidas através de um esquema de subempreitadas: as empresas contratadas pelo MP subcontratavam outras empresas mais baratas para executar o serviço.

Durante a sessão de ontem, Ho Chio Meng aproveitou para corrigir alguns pontos da acusação, como cálculos de percentagens e nomes trocados. O tribunal admitiu haver lapsos.

O julgamento é retomado depois das férias judiciais, a 4 de Janeiro do próximo ano. Ho Chio Meng vai acusado de mais de 1500 crimes.

20 Dez 2016

Táxis | Agressão de motoristas leva cliente ao hospital

Um residente de Macau foi agredido no passado fim-de-semana por vários motoristas no Cotai, junto ao Galaxy. O caso foi parar à esquadra e ao hospital. É mais uma história em que o sector não fica bem na fotografia

Era para as urgências, por favor

[dropcap]U[/dropcap]m residente de Macau foi agredido no passado m-de-semana por vários motoristas no Cotai, junto ao Galaxy. O caso foi parar à esquadra e ao hospital. É mais uma história em que o sector não fica bem na fotografa a cara, atiraram-me ao chão e deram-me pontapés.” A vítima acredita que a agressão ficou registada no sistema de video-vigilância.

O residente, de nacionalidade polaca, garante que não teve capacidade de resposta, até “porque ficou em choque” e os agressores eram muitos. A polícia acabou por intervir rapidamente e foram todos transportados para a esquadra. “Levaram-me para o hospital, recolheram os depoimentos dos motoristas e dos meus colegas.” Só às seis da manhã é que puderam ir, finalmente, para casa.

QUEM É QUEM?

Ainda de acordo com o relato de Lam, o agredido conseguiu identificar o primeiro taxista agressor, sendo que a polícia perguntou se queria apresentar queixa – a resposta foi afirmativa. Ao HM, Simon Lam diz que, apesar de terem chegado ao local com rapidez, não se sentiu tratado como vítima pela polícia. “Mantiveram-me durante muito tempo, pediram-me para pagar a conta do hospital, pediram a minha identificação e tentaram desencorajar-me de apresentar queixa várias vezes”, explica.

“Foi então que pelo menos três motoristas me tiraram do táxi, agrediram-me na cara, atiraram-me ao chão e deram-me pontapés”
SIMON LAM, CLIENTE AGREDIDO

À semelhança de muitos residentes e turistas de Macau, o gestor já tinha tido experiências desagradáveis com taxistas, mas “nunca ao ponto de envolverem violência”. Para já, ainda não decidiu o que vai fazer. “Ainda estou abalado com tudo isto. Quero focar-me no ginásio e ficar mais forte para uma futura situação do género”, ironiza. “Sair à noite pode ser perigoso.” Quanto ao recurso a meios legais, Lam tem dúvidas acerca dos resultados. “Não tenho qualquer informação acerca de quem são, não foram detidos, a polícia apenas lhes pediu a identificação e os transportou para o hospital”, remata.

20 Dez 2016

Luís Sá Cunha, investigador: “[Luís Gonzaga Gomes] trouxe o mundo para Macau”

Luís Gonzaga Gomes é uma figura ainda por reconhecer, que deveria servir de inspiração para a cidade de hoje. Mais tolerante, mais transversal, mais pensada. Esta semana, Luís Sá Cunha recuperou o cenáculo que, no início da década de 90, criou para que o último grande sinólogo de Macau não fosse esquecido

[dropcap]D[/dropcap] e onde vem o interesse por Luís Gonzaga Gomes?
É uma coisa estranha, mágica, uma empatia. Vem desde miúdo: chegava a um sítio e, como o Papa João Paulo II, ajoelhava-me, beijava o chão, aquela era a minha terra. O facto de ser a minha terra significava que eu lhe pertencia e tinha de conhecer tudo. Quando cheguei a Macau, tive uma empatia com Luís Gonzaga Gomes. Comecei a ler. Em 1991, resolvi fundar o Cenáculo Luís Gonzaga Gomes, porque achava que era uma pessoa que encarnava no pensamento, nas obras, no comportamento, o mais essencial do espírito de Macau. É um lugar-comum, mas tem de se dizer: Macau foi um lugar de intercâmbios e sínteses culturais, de biótipos de todos os valores culturais. Luís Gonzaga Gomes é o último sinólogo de uma grande escola e de uma grande geração de sinólogos. Foi professor. Logo na escola, e depois onde esteve, começou a dizer que era preciso ensinar chinês nas escolas dos miúdos portugueses.

Mas o que é que Luís Gonzaga Gomes teve de tão diferente de outros estudiosos e sinólogos daquela geração?
A primeira diferença é que ele foi militante disto. Quando aqui cheguei, para compreender Macau e a cultura do Sul da China, e a China, lia os livros de Gonzaga Gomes – daí a minha empatia. Ele traduziu os clássicos, traduziu livros importantes para português. Também fez a tradução de livros portugueses para chinês. Sobretudo no ensino, procurou sempre impor nas escolas o ensino do chinês para os portugueses e vice-versa. Por onde ele passou, nos Correios e em outros lados, fez manuais para que se aprendesse cantonense. Foi uma vida inteira a escrever e a traduzir. O que é que tem de diferente? Tem de diferente que fez isso e os outros não fizeram. Tem 100 livros publicados, uma coisa enorme, esteve em todo o lado, fez parte de tudo. Também foi desportista, jogou ténis, tocava violino, na música era uma figura espectacular. Naquela altura, trouxe cá músicos famosos no mundo, pessoas que andavam no circuito internacional. Conhecia profundamente a música. Diz-se que tinha em casa um quarto inteiro forrado a corticite com uma discoteca enorme e o melhor que havia de aparelhagem. Era uma pessoa silenciosa, que andava como um gato, e que fugia dos sítios onde tinha de participar. Julgo que ia não só investigar, mas sobretudo ouvir muita música. Foi director da biblioteca, do arquivo histórico de Macau. Fez tudo. Abriu muito o conhecimento e a perspectiva sobre a China. Lia livros estrangeiros, tinha contacto com academias estrangeiras. Tirava cursos por correspondência, o que era muito normal naquela altura para gente que queria ter saber universitário, mas não tinha universidades. De certa maneira, procurou viver um próprio ideal universitário e de formação aqui. Ele respirou o mundo, ele trouxe o mundo para Macau.

É uma figura que está longe de ter o reconhecimento público que devia.
Acho inacreditável como é que Luís Gonzaga Gomes – considerado por toda a gente, e pelo Padre Manuel Teixeira o maior historiador de Macau de todos os tempos, com todo o trabalho que fez e publicou – não teve o devido reconhecimento e homenagem. Foi também uma das razões do Cenáculo, sobretudo por aquilo que ele representa e que eu desejava que se mantivesse nas gerações actuais, e nas gerações futuras. Há um pequeno reconhecimento na escola luso-chinesa. Há uma rua, mas isso, para mim, não é reconhecimento. É uma falha. Como é que é possível que se tenham editado obras completas de vários autores e não de Gonzaga Gomes – e não vou discutir o mérito deles. Como dizia o Padre Teixeira, “o pobre do Luís trabalhava até às duas da manhã”. Recolheu todos os artigos do Silva Mendes e publicou-os em quatro volumes.

Mas ninguém fez o mesmo com a obra dele.
Uma das coisas que o Cenáculo vai fazer, e que eu estou a fazer com o apoio nesta parte do Instituto Internacional de Macau (IIM), é juntar tudo o que escreveu nos jornais aqui. Depois tenho de ir a Portugal mas, agora, o mais importante está aqui, para haver um plano de edição das obras dele. Não digo a obra completa porque pode demorar muito tempo. Ele próprio organizou edições dos trabalhos dele. Depois, foram feitas edições sobre a obra, com selecções de artigos que são mais discutíveis, arbitrárias. Não são más, não é isso, mas não é aquilo a obra dele, há muita coisa para publicar, com rigor científico. Tem de se ir buscar prefácios, tem de se ver especialistas de antropologia, de etnografia de Macau, tem de ser feito um enquadramento histórico.

Não é uma tarefa simples para um homem só.
Já ando há dois anos a fazer isto, também a investigar, tenho toneladas de documentos para escrever a biografia dele para o Albergue da Santa Casa. Não tem uma biografia e acho que merece uma. Isto quanto a mim é a primeira base de um programa no plano cultural, que falta a Macau, e que é muito importante.

E a importância de Luís Gonzaga Gomes para o que é hoje Macau?
Ao ler esta semana uma newsletter no IIM encontrei uma nota para a revista em 2007 a dizer assim: Macau está-se a descaracterizar nas volumetrias da cidade. Na chegada massiva de turistas, na falta de conhecimento dos turistas que chegam aqui e disparam fotografias perante fachadas. Aquilo para eles é plástico, não existe, acham muita graça… Não há cá, no meu entendimento, um turismo cultural, mais profundo. Devia haver, porque Macau é uma coisa riquíssima nesse aspecto, e podiam-se chamar cá mais nacionalidades, se houvesse esses programas e se se fizessem esses itinerários. Dantes, quando vinha cá um Presidente da República, chamava-se o Padre Teixeira para ir explicar, porque ele sabia tudo. Hoje se vieram cá várias pessoas quem é que se vai chamar? O arquitecto Marreiros pode falar da cidade, também pode ser. Devia haver essa formação.

Mas hoje não há visita guiada para que haja explicação. 
Mas há aí muitas coisas. Eu podia fazer um itinerário romântico de Macau, era interessante. É a mesma coisa que o Schliemann fez, quando andou a buscar a história da Guerra de Tróia, investigou o mito de Helena de Tróia. Mas encontrou pouco. Supõe tu que estava lá uma pedra e que havia uma prova qualquer que era ali o trono dela. Era o suficiente para atrair uma multidão de turistas, porque a lenda e a história à frente daquela pedra têm outra solicitação. E aqui há pequenas coisas, casas que davam para isso. Coisas muito interessantes, muito bonitas.

Luís Sá Cunha

Diz que Gonzaga Gomes incorpora uma essência de Macau que se está a perder.
Há uma integração de 150 mil, 200 mil novos habitantes de Macau de repente, que não sabem nada disto. Estão aqui a viver, vão para os casinos e não sabem. Devia haver um museu. Os americanos têm de saber que Macau os ajudou, numa fase crucial para eles, para o desenvolvimento do comércio e de uma certa identidade cultural, porque as elites americanas vieram para aqui, para o comércio do Oriente. Foi com o auxílio de Macau que destruíram a Companhia Inglesa das Índias Orientais. Essas coisas não se sabem. Macau podia dizer assim ‘vocês agora estão com os casinos, vão outra vez ganhar dinheiro’, deviam fazer algum mecenato para obras culturais, revistas… Falta uma revista em Macau para certas áreas. E isso significa a descaracterização de Macau. As novas gerações não sabem nada, só de negócios. São cidadãos do mundo – não sei bem o que isso significa, para mim um cidadão do mundo é uma pessoa que pode andar em vários lugares, radica lá, mas ajoelha para beijar a terra. Tem de a conhecer, e tem de se dedicar também a ela quando está lá. Não podemos permitir essa descaracterização. Há gente nova que está aqui como se estivesse na Jugoslávia, no Sri Lanka ou noutro sítio qualquer.

Refere-se a uma comunidade em particular?
Estou a falar de todos. O novo Cenáculo vai ser diferente dos anteriores, porque o Cenáculo teve uma fundação em 1991 e foi interrompido em 1992, depois foi reanimado em 2007, e agora é reanimado outra vez. Vai ser diferente porque já foi convidada gente da nova geração de Macau, com uma grande participação de chineses bilingues. Isto é que é rigorosamente o espírito de Gonzaga Gomes.

O bilinguismo, a multiculturalidade.
Exacto. A edição, a tradução, a sinologia. Não só na língua, é também na gastronomia, na pintura e na música. Está aí o Simão Barreto que sabia todos os instrumentos, faz parte do conselho honorífico. Chamei mais de 30 pessoas [para o Cenáculo] e vou chamar mais.

16 Dez 2016

Literatura | Carlos Morais José convidado para o Correntes d’Escritas

É inédito: em 2017, o mais importante festival literário de Portugal vai contar com um autor do território. “O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja” é o bilhete que leva Carlos Morais José até à Póvoa do Varzim. O escritor quer que, com ele, sigam todos os outros que não são devidamente reconhecidos

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi com surpresa que Carlos Morais José recebeu o convite: o autor vai participar na edição de 2017 do festival literário Correntes d’Escritas, um evento que se realiza na Póvoa do Varzim e que conta, ano após ano, com os principais nomes da literatura em português.

“Estou surpreendido porque não é habitual Macau ser considerado como ponto literário da lusofonia. Por outro lado, sinto-me muito honrado com o convite, na medida em que este é o mais importante festival literário de Portugal, com extensões ao Brasil e aos países de língua castelhana”, explica. Pela importância do evento, Morais José espera poder “representar bem a RAEM, mostrando que por aqui existe um forte movimento cultural lusófono, cujas raízes mergulham numa relação secular entre duas grandes civilizações: a chinesa e a portuguesa”.

Porque vive em Macau há 26 anos, o autor fala numa “escrita de exílio”, que é agora reconhecida, o que o deixa “muito satisfeito”. “Mais por Macau do que por mim”, diz. “Esta cidade é, em si mesma e na sua mitologia literária, praticamente inesgotável e há ainda muito por descobrir e explorar.”

Quanto à importância que poderá ter a participação no festival da Póvoa do Varzim, Carlos Morais José confessa-se “algo eufórico” com o facto de, pela primeira vez, um autor de Macau ser convidado a participar.

“Espero levar comigo a literatura lusófona de Macau e farei um esforço no sentido do seu reconhecimento. Escritores como Alberto Estima de Oliveira, Henrique de Senna Fernandes, Luís Gonzaga Gomes, Deolinda da Conceição, Fernando Sales Lopes, Manuel Afonso Costa, Fernanda Dias, António Conceição Júnior, Yao Feng, entre outros, sem nunca esquecer Camilo Pessanha, precisam de ser referenciados e divulgados no espaço lusófono, impondo a RAEM como um lugar extremo da lusofonia onde vivificam de forma singular as letras em português”, explica.

O escritor não deixa de salientar que “é espantoso que em Macau subsista uma tradição muito própria de escrita que, fugindo ao mero exotismo, tenha um lugar na universalidade da nossa língua”. Por isso, pretende que a participação no Correntes d’Escritas consiga contribuir para a divulgação do território “como um espaço longínquo onde o português acaba e o nada começa”.

“Se Pequim pretende fazer desta terra uma ponte para a lusofonia, será sobretudo através da cultura que a nossa comunidade poderá desempenhar um papel útil a esta região”, defende. “A minha escrita, apesar de compulsiva e individual, gostaria de ser uma chave para abrir portas até hoje fechadas, e espero que o foco sobre o meu trabalho seja suficiente para iluminar as obras de outros autores locais que escrevem em português e mesmo a de alguns autores chineses locais, cuja obra se encontra imbuída de características únicas, no contexto da Grande China”. É que, entende, “Macau precisa de ser conhecido no mundo lusófono, além dos casinos e do exotismo bacoco”.

O encanto da ficção

O convite para a participação no Correntes d’Escritas surge depois de ter sido lançado em Lisboa o livro “O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja”, uma obra que foi apresentada esta semana em Macau. É um texto que foge ao que têm sido as incursões literárias de Carlos Morais José.

“Estou surpreendido pela aceitação que o livro está a ter, mas o facto de ser uma novela ajuda muito, pelos vistos, à sua divulgação e aceitação – muito mais do que a poesia ou outras formas literárias, geralmente consideradas mais elitistas e destinadas a um público muito específico”, observa.

“A minha obra é diversificada mas, até agora, não incluía este tipo de ficção. Por isso, de certo modo, não me espanta que a prosa ficcionada tenha mais aceitação do que o resto. As pessoas adoram ouvir histórias porque as fazem sair do seu próprio mundo e entrar num outro reino.” Mas não é só isto: “Parece-me que a minha novela também interroga o leitor de uma forma extrema, na medida em que apresenta um personagem cheio de defeitos e malícias, ou seja, como todos nós. Só uma estrutura moral muito forte nos afasta do Mal e, mesmo assim, crescem dúvidas. Assumem a forma de ervas daninhas na nossa mente mas, ao mesmo tempo e pelo contrário, são essas mesmas dúvidas que instituem a riqueza dos indivíduos e a sua capacidade questionadora e criativa”.

Carlos Morais José é licenciado em Antropologia e vive em Macau desde 1990. É director do Hoje Macau e proprietário da editora Livros do Meio. A 18.a edição do Correntes d’Escritas acontece entre 21 e 25 de Fevereiro de 2017.

15 Dez 2016

Universidade de Macau | Colégios residenciais não são consensuais

Foi uma das grandes novidades da mudança da Universidade de Macau para a Ilha da Montanha: os alunos têm de viver um ano nas instalações que o estabelecimento de ensino disponibiliza. Alguns concordam com a medida, mas há também quem não veja vantagens num sistema que não dá aos alunos a possibilidade de escolha

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde que a Universidade de Macau foi viver para a Ilha da Montanha que os alunos do primeiro ano são obrigados a viver, durante um ano lectivo, no campus da instituição de ensino superior. Se para os alunos que vêm de fora a obrigatoriedade não coloca, pelo menos numa primeira fase, problemas de maior, para os estudantes locais a situação pode ter contornos caricatos. Deixa-se a casa da família na península e passa-se a viver num campus a 20 minutos de distância.

Quando o projecto do novo campus da UM foi apresentado, a medida causou alguma desconfiança – mas não a suficiente para travar as intenções de quem manda na universidade. Na altura, falava-se em entre oito a 12 colégios residenciais no campus.

Na apresentação que consta do site oficial da instituição académica, explica-se que “os estudantes de diferentes contextos, áreas e anos de estudo são colocados no mesmo colégio residencial”. Para a UM, esta solução de acomodação permite aos estudantes “organizarem e participarem juntos em vários tipos de actividades, receberem educação fora da sala de aula, crescerem com uma perspectiva transversal em termos culturais, desenvolverem um forte espírito de responsabilidade social, boas capacidades de comunicação e espírito de equipa”.

Liberdade garantida?

O HM falou com um antigo assistente de um colégio residencial que, para este texto, prefere identificar-se apenas pelo apelido: Chan. Este ex-responsável pelo apoio aos estudantes não considera que a liberdade esteja a ser colocada em causa, porque “todas as universidades têm as suas regras”, mas reconhece que, por enquanto, os objectivos da UM não estão a ser atingidos. São “objectivos grandiosos” e, pelas palavras de Chan, nem todos os alunos estão dispostos a contribuir para a elevada finalidade da instituição.

Em relação ao convívio e ao espírito de camaradagem, o entrevistado reconhece que os colégios residenciais – construídos num campus de grande dimensão – “não conseguem criar um ambiente [académico] e a universidade é responsável por este facto”.

Numa entidade que pretende chamar cada vez mais alunos de fora para o campus, sobretudo da China Continental, coloca-se ainda a questão da diferença de formas de estar entre quem é de cá e quem está longe de casa. “É verdade que os alunos locais têm diferentes hábitos em relação aos outros”, reconhece Chan que, ainda assim, considera que “os colégios têm as suas vantagens e benefícios, pelo que vale a pena frequentá-los”.

Os estudantes que chegam do Continente, descreve, “têm um sentido de pertença mais elevado” ao local que passa a ser a casa. Já os alunos locais têm tendência a encarar os colégios residenciais como sendo “um dormitório”, uma vez que têm as suas redes sociais e familiares fora do campus na Ilha da Montanha.

O antigo assistente fala ainda de um grande investimento da UM nestes colégios e o retorno que, segundo diz, “não é alto”. “A universidade tem pensado muito em formas de os alunos se dedicarem mais a este sistema”, garante. “Quer que os alunos façam mais. Muitos alunos aprendem de forma passiva. A culpa não é totalmente da universidade”, afiança.

A lógica do dormitório

Fernando Leong, natural de Macau, a frequentar uma licenciatura na Universidade de Macau, explica que os alunos locais não são particularmente entusiastas em relação às actividades promovidas pelos colégios residenciais. Mas conta também que aqueles que vieram de fora – sobretudo da China Continental – gostam dos programas que são oferecidos.

Concluído um ano a dormir no campus, os estudantes podem sair – e, diz a experiência de Leong, a maioria dos jovens de cá volta para casa. Há também quem não seja de Macau e procure uma solução de habitação mais próxima da cidade e dos seus residentes.

“Há pouca gente que gosta de morar nos colégios residenciais. Pessoalmente não aprecio. Mas é obrigatório e, se os alunos não morarem no campus, não podem graduar-se na universidade. É por essa razão é que estou a viver lá. Só quem já tem uma licenciatura é que pode pedir a isenção de residência”, diz.

“Os colégios não conseguem moldar a personalidade dos alunos”, acrescenta ainda Fernando Leong. “Não tenho muito contacto com professores nos colégios, tenho mais na universidade. Mas é preciso participar nas actividades dos dormitórios para ganhar alguns créditos no final de cada semestre.”

Uma colega de Leong, do terceiro ano, que preferiu não ser identificada, atira, a começar, que “o modelo não é razoável”. Em causa não está apenas a questão da residência obrigatória no campus, mas também o facto de os alunos “terem de cumprir muitos requisitos e entregar trabalhos de casa”.

“Semanalmente, temos de dormir pelo menos quatro noites no dormitório. Quando entramos e saímos do colégio temos de cumprir um método de verificação, temos de usar um cartão para entrar e sair”, relata. “Temos de frequentar uma disciplina que se chama ‘University Life’, que dura quatro anos, e que está ligada à vida do colégio residencial. Se os alunos saírem do colégio ao final do primeiro ano de licenciatura precisam de participar em mais actividades, em jantares do colégio”, continua a estudante. “Todos os semestres temos de cumprir um número de actividades. Tenho um amigo que perdeu uma parte dos estudos porque não cumpriu os requisitos do colégio.”

Quanto ao ambiente destas estruturas, diz a aluna que “tudo depende dos alunos e dos tutores”. No seu caso, “os tutores raramente realizavam actividades”. “Muitas vezes não conhecemos os alunos que moram nos quartos ao lado. Muitas vezes me pareceu estar a morar num dormitório e não num colégio residencial.”

Da China aos States

Quem tem como vida profissional orientar estes colégios residenciais tem uma perspectiva bem diferente sobre a matéria. É o caso de Liu Chuan Sheng, orientador do colégio Chao Kuang Piu, que não só vai buscar às mais prestigiadas universidades internacionais fundamentos para justificar a existência destas estruturas, como recua no tempo, e vai ao encontro da história da China para fornecer argumentação adicional.

Para Liu Chuan Sheng, o sistema de colégios residenciais “é uma parte essencial da formação e diferente das faculdades”. Por outras palavras, “o colégio residencial dedica-se à formação da personalidade e dos interesses dos alunos, focamo-nos nos estudantes e este é um aspecto que as universidades comuns não são capazes de ter em conta”.

O modelo, destaca, foi adoptado “há centenas de anos em Oxford e em Cambridge, e foi também adoptado por universidades americanas”, país que, de resto, serve em várias matérias como fonte de inspiração para a universidade pública de Macau. “O nosso colégio residencial começou bastante tarde, mas já tem uma escala significativa na Ásia.”

O orientador assegura, no entanto, que foram feitas muitas alterações, pelo que não se trata de uma cópia do que se faz lá fora. “A maior mudança que fizemos foi a adopção do modelo de colégio residencial com a tradição chinesa, que começou no tempo do Confúcio, onde os professores conversavam com os alunos. Até ao ano 1100 ou 1200, foram criados quatro grandes colégios residenciais que contaram com mais de mil alunos. Foi uma pena que, na dinastia Ming, este sistema tenha sido abolido”, lamenta. “Já não existe este tipo de academias ou colégios na China.”

Quanto ao ambiente que se vive nos colégios, o orientador assegura que são promovidos almoços e jantares, onde se produzem discussões académicas, o que permite aos estudantes travarem conhecimento uns com os outros.

Mais de tudo

Para já, a grande falha do sistema, reconhece Liu Chuan Sheng, tem que ver com o número de tutores. “A Universidade de Cambridge conta com mais de 100 tutores de várias áreas, mas a UM ainda não tem tantos. O que a UM está a fazer é a ligar as faculdades com os colégios residenciais. O nosso colégio tem cerca de 80 professores vindos de várias faculdades para o almoço e o jantar.”

O orientador deixa uma ideia do que é a vida no colégio residencial Chao Kuang Piu: “Todas as quintas-feiras, depois de almoço, há uma hora reservada para um pequeno seminário onde convidamos professores de várias universidades para uma apresentação. Mas os alunos, de Macau ou do interior da China, têm pouca curiosidade. Ainda assim, penso que cada vez mais estão a alargar os seus conhecimentos”.

Os alunos estrangeiros – que, no campus da Taipa, tinham um contacto maior, até pela dimensão da própria universidade – estão agora separados, o que não facilita, segundo o que HM apurou, a adaptação a uma realidade nova que fica a milhares de quilómetros de casa. Liu Chuan Sheng admite que “é desnecessário fazer esta separação”, embora diga também que a mistura de estudantes de diferentes nacionalidades e origens é uma prática comum nos Estados Unidos e no Reino Unido.

“Há muitos aspectos onde temos de fazer mudanças, é preciso eliminar algumas regras”, concede, sem entrar em detalhes. “Há muitas actividades, os alunos e os professores estão ocupados, e para os colégios residenciais alcançarem um equilíbrio e poderem fazer melhor são necessários mais recursos humanos e um maior apoio dos alunos”, remata.

14 Dez 2016

Castelbel Macao | Do Porto com classe 

Desde o passado fim-de-semana que existe uma loja no território da marca Castelbel, uma saboaria do Porto que ganhou fama – e clientes – por causa da qualidade e da apresentação dos produtos que disponibiliza. A marca já era vendida em Macau, mas tem agora uma ‘flagship’ no centro da cidade

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á coisa de um ano, a empresa Futura Clássica começou a trabalhar com uma saboaria portuguesa que tem uma enorme projecção no estrangeiro: a Castelbel. A marca tem os sabonetes como ponto de partida, mas oferece uma gama de produtos diversificada. No passado fim-de-semana, passou a ter uma ‘flagship’, no centro de Macau, num pátio a poucos minutos a pé das Ruínas de São Paulo.

“Começámos a trabalhar com a Castelbel há cerca de um ano. É uma marca com uma diversidade de produtos grandes, consistente na sua qualidade e na forma como se apresenta”, explica Margarida Vila-Nova, sócia da Futura Clássica. “Criámos uma relação muito próxima desde o primeiro dia”, recorda. Cedo surgiu a possibilidade de a empresa de Macau ser a distribuidora exclusiva da Castelbel no território “e cedo nos rendemos à marca, quer pela sua apresentação, quer pela sua qualidade”.

Localizada no Grande Porto, a Castelbel começou a actividade no final de 1999, na altura com apenas nove trabalhadores. A empresa começou por se dedicar ao fabrico de sabonetes artesanais, destinados exclusivamente ao mercado dos Estados Unidos. Entretanto, a marca foi crescendo e hoje tem 150 funcionários.

“Uma das características da Castelbel é que quase todo o staff que desenvolve novos produtos, e procura novas combinações, tem formação em química”, relata Vila-Nova. “Juntou-se uma equipa de químicos experientes e capazes que desenvolvem maravilhosos sabonetes, mas também gel de banho e creme de corpo, e foram desenvolvendo uma linha para casa, extremamente completa, desde saquetas aromáticas a papel de gaveta”, diz.

O lado inovador de uma marca de apresentação clássica é um dos aspectos que atrai a empresária e actriz. “A marca está prestes a registar a patente das suas saquetas porque descobriu que a cortiça portuguesa é um absorvente de perfume com características altamente especiais. Absorve cerca de 20 por cento mais do que qualquer saqueta habitual que encontramos à venda na prateleira de uma loja”, conta. “Diariamente reinventam-se, tentando superar os seus limites”, nota a sócia da Futura Clássica.

História de uma surpresa

A loja no Pátio de Chon Sau surgiu depois de a marca ter estado vários meses à venda em vários pontos do território, da Mercearia Portuguesa de Margarida Vila-Nova a lojas numa das operadoras de jogo do território. “De dia para dia, as vendas tornaram-se surpreendentes.” Surgiu o desafio para a abertura de um espaço dedicado exclusivamente aos produtos da Castelbel e aconteceu uma parceria entre a Number 81 e a Futura Clássica.

“As vendas todos os dias subiam. Começámos a expandir a marca, a fazer crescer a gama e os produtos disponíveis. Não foi só um sucesso, mas também uma verdadeira surpresa, porque já há muito tempo que não via um caso assim”, conta a empresária.

A ‘flagship’ no centro da cidade tem a gestão da Number 81, sendo que a Futura Clássica fornece a gama de produtos à loja. “É uma forma de termos uma montra da marca que representamos em Macau, uma forma de atrair clientes, de fidelizá-los à marca e de continuarmos a traçar caminho aqui”, afirma.

Margarida Vila-Nova pensa já no próximo passo a dar: o desenvolvimento no território de um serviço que a Castelbel presta, o “private label”. Da fábrica portuguesa saem sabonetes e outros produtos para as mais diversas marcas. “Oitenta por cento da facturação é através do ‘private label’. A Zara Home em Espanha é desenvolvida pela Castelbel – todas as velas, difusores e sabonetes que encontramos à venda saem da fábrica da Castelbel em Portugal”, contextualiza Margarida Vila-Nova. “Têm feito produtos para museus, para galerias, para acontecimentos oficiais, empresas privadas e casamentos, de modo que gostaria de estender a Macau este serviço de ‘private label’, tão forte em Portugal”, diz, acrescentando que “faz todo o sentido aqui, porque vem ao encontro do mercado”.

Apesar de ser uma marca de luxo, a empresária entende que oferece produtos acessíveis. “Comparativamente com outras marcas do mesmo segmento, a relação qualidade-preço é razoável, e a Castelbel que oferece alternativas.” Vila-Nova dá um exemplo: quando um difusor acaba, não vai para o lixo, porque podem ser adquiridas recargas.

Além dos Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, Alemanha e Austrália são os principais pontos de exportação da marca. A Futura Clássica quer agora fazer de Macau um ponto importante no mapa da empresa portuense.

14 Dez 2016

Jorge Neto Valente continua à frente da Associação dos Advogados de Macau

A Associação dos Advogados de Macau foi a votos e mais de 90 por cento dos membros concordaram com a ideia de que Jorge Neto Valente deve continuar a liderar a entidade. A grande prioridade para o novo mandato é “contribuir para evitar o desprestígio da justiça”

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á uma linha de continuidade, mas existe também uma renovação na constituição dos órgãos sociais da Associação dos Advogados de Macau (AAM). A entidade de direito público conseguiu chamar novas pessoas. “Espera-se que venham imprimir algum dinamismo à continuidade”, afirmou Jorge Neto Valente ao HM.

Em termos gerais, no que toca à direcção, há apenas três membros que vinham já do passado, entre eles Neto Valente, presidente da direcção, e o secretário-geral, Paulino Comandante. Como vogais, a direcção passa a ter, além de Álvaro Rodrigues, os advogados Oriana Pun, Bruno Nunes, Chu Lam Lam e Regina Ng.

O resultado das eleições foi anunciado ontem. O acto serviu para eleger não só os órgãos sociais da AAM, mas também o Conselho Superior de Advocacia. Em nota à imprensa, explica-se que, “apesar de se apresentarem a sufrágio apenas listas singulares, a assembleia eleitoral, realizada no passado dia 6, contou com 257 advogados votantes, sendo considerados nulos 15 votos”. O mesmo comunicado indica que cerca de 94 por cento dos eleitores expressaram apoio aos candidatos.

Ainda no que diz respeito à AAM, a mesa da assembleia-geral continua a ser liderada por Philip Xavier, que vai ter como secretários Leong Hon Man e Lei Wun Kong. Quanto ao conselho fiscal, mantém-se Rui Cunha na presidência e Diamantino Ferreira como vogal, sendo que Francisco Leitão se junta ao órgão na qualidade de vogal.

Quanto ao Conselho Superior de Advocacia, é constituído por dois grupos: com mais de dez anos de exercício da profissão no território estão Frederico Rato, Sou Sio Kei e Artur Robarts (como substitutos Luísa Empis de Bragança, Leong Weng Pun e Kuong Iok Kao); com menos de dez anos, Diane Aguiar, Rita Martins e José Liu (Cheang Seng Cheong, Lou Sio Fong e José Abecasis são os substitutos).

Protocolo para retomar

Entre os principais objectivos para o novo mandato, Neto Valente destaca o impulso aos mecanismos de arbitragem, bem como o estabelecimento de um centro de arbitragem “na linha da plataforma entre a China e os países lusófonos”.

A direcção pretende ainda prosseguir com a formação, para “continuar a elevar o nível dos profissionais”, e garantir a saúde financeira da associação, que não tem, até à data, dado quaisquer problemas, segundo explica o presidente. Ainda no que diz respeito ao funcionamento da AAM, está já planeada a construção de um novo site.

Existe ainda a possibilidade de ser restabelecida a relação com a Ordem dos Advogados Portugueses”. O protocolo entre as duas entidades tem estado suspenso. A associação de Macau está já a trabalhar para que haja uma maior colaboração.

A ideia não é só facilitar o acesso dos advogados portugueses ao mercado de trabalho do território, é permitir que o movimento aconteça em sentido inverso. “Tem havido uma tendência para advogados de Macau se querem inscrever na Ordem em Portugal e isso passa por estabelecer uma relação privilegiada com a Ordem dos Advogados Portugueses”, indica Neto Valente.

O problema da lei de bases

Quanto ao estado do sector, o presidente da AAM – uma das vozes mais críticas do modo como tem evoluído – diz que o grande objectivo do mandato é “contribuir para evitar o desprestígio da justiça”. Neto Valente desdobra a ideia com um exemplo, que considera prioritário: a alteração à Lei de Bases da Organização Judiciária.

“Só quando surgem episódios é que se lembram dessa alteração”, lamenta. “Mas não está na nossa mão. Se estivesse, há muito que tinha sido alterada”, afiança. Em causa está, mais uma vez, o julgamento de um arguido que, à data dos factos, tinha um estatuto equiparado ao dos titulares dos principais cargos. O ex-procurador Ho Chio Meng está a ser julgado em primeira instância no Tribunal de Última Instância, sem possibilidade de recurso das decisões do colectivo de juízes. O mesmo problema já se tinha verificado aquando do julgamento do antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, detido há dez anos.

Jorge Neto Valente conta que, no ano passado, fez um apelo ao responsável pelo TUI, para que os vários intervenientes no sector se juntassem e discutissem a questão, mas a sugestão caiu em saco roto.

“Por isso é que digo [que a prioridade] é evitar o desprestígio contínuo da justiça que, na minha opinião, se verifica perante a sociedade e a opinião pública”, sublinha. “A justiça não tem estado a ser prestigiada, pelo contrário.”

13 Dez 2016

Serviços de Regulação de Telecomunicações são extintos em Janeiro

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] medida já tinha sido anunciada, mas só agora foi concluído o regulamento administrativo que vai juntar duas direcções de serviços numa só: a partir de 1 de Janeiro, os Correios vão ser também responsáveis pelas telecomunicações

Ganha competências, trabalhadores e um novo nome: a partir de 1 de Janeiro do próximo ano, Macau vai ter uma Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações (CTT, na sigla oficial). No mesmo dia, é extinta a Direcção dos Serviços de Regulação de Telecomunicações (DSRT).

“Face ao desenvolvimento social e à evolução da tecnologia informática, e considerando que a área postal e a área de telecomunicações pertencem ao sector das comunicações, há necessidade de uma melhor articulação das políticas do sector, de modo a melhorar-se a prestação dos serviços ao público”, justificou Leong Heng Teng, porta-voz do Conselho Executivo, na apresentação do regulamento administrativo sobre a matéria.

Além da mudança de designação, os CTT vão sofrer algumas mudanças ao nível orgânico, para o desempenho das novas funções relacionadas com as telecomunicações. O regulamento administrativo agora concluído prevê a existência de um director e de dois subdirectores, sendo que as subunidades orgânicas vão ser constituídas por sete departamentos e 18 divisões.

Entre as principais alterações, destaque para o Departamento da Caixa Económica, que passa a chamar-se Departamento da Caixa Económica Postal, com natureza de instituição de crédito.

Para dar resposta às funções acrescidas, os CTT vão ter um Departamento de Gestão de Telecomunicações e um Departamento de Desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Gestão de Recursos.

Quanto aos trabalhadores, “não há qualquer mudança”, garantiu Leong Heng Teng, dizendo que se trata “apenas de uma fusão”. Depois de concluída a reestruturação, os CTT vão ter 560 trabalhadores – 480 correspondem ao actual pessoal efectivo da Direcção dos Serviços de Correios e 92 aos quadros da DSRT.

Gases com novos limites a partir de Janeiro

A partir de 1 de Julho de 2017, há novos valores-limite de emissão de gases de escape poluentes dos veículos em circulação, sendo que vão ser também aplicados novos métodos de medição. O regulamento administrativo sobre a matéria já está aprovado.

Em conferência de imprensa, o porta-voz do Conselho Executivo, Leong Heng Teng, começou por lembrar que, já em 2010, foram fixados limites, atendendo a que “os gases de escape emitidos pelos veículos motorizados são uma das principais fontes poluidoras do ar em Macau”.

A nova legislação surge com o objectivo de fiscalizar, “de forma mais sistemática”, a emissão de gases de escape dos veículos e, “consequentemente, melhorar a qualidade do ar nas vias públicas e assegurar a saúde da população”. Não foi feita, porém, sem uma consulta pública: “Depois de se ter analisado a situação real de Macau e as normas adoptadas pelas regiões adjacentes, e tendo em consideração, globalmente, as opiniões dos sectores sociais recolhidas durante a consulta pública, elaborou-se o presente regulamento administrativo”, disse Leong Heng Teng.

Entre outros aspectos, com o novo diploma, os Serviços para os Assuntos de Tráfego vão poder, sempre que julgarem necessário, medir os poluentes contidos nos gases de escape dos motociclos e dos automóveis ligeiros na realização da inspecção obrigatória, no caso em que circulam há já oito anos. Para os veículos com 10 ou mais anos, este tipo de fiscalização passa a fazer parte da inspecção. A mesma regra se aplica aos ciclomotores, mas com prazos mais curtos.

Os valores-limite de emissão e os métodos de emissão constam de um anexo do regulamento administrativo, e podem ser alterados por despacho do Chefe do Executivo, sob proposta dos Serviços de Protecção Ambiental. Esta direcção de serviços fica obrigada a fazer, pelo menos uma vez por ano, a revisão dos valores-limites e dos métodos de medição em causa.

12 Dez 2016

Literatura | Rota das Letras acontece entre 4 e 19 de Março

Só lá para meados do próximo mês é que o programa completo é divulgado, mas a organização do evento decidiu já deixar algumas pistas do que vai ser a sexta edição. O Rota das Letras vem aí, com vontade de trazer mais autores internacionais a Macau

[dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]runo Vieira do Amaral é um autor português. Clara Law é uma realizadora nascida em Macau a viver na Austrália. Philippe Graton é fotógrafo, escritor e autor de banda-desenhada, herdeiro de uma obra que colocou Macau no mundo da BD. Graeme Burnet é escocês e esteve quase a ganhar o Booker deste ano. Nas duas primeiras semanas de Março, vão passar por cá – fazem parte da lista de convidados do Rota das Letras, o festival literário de Macau.

À sexta edição, o formato é para manter, explica ao HM Hélder Beja, director de programação do evento. O festival continua a ter várias dimensões: em torno da literatura, elemento principal, concentram-se outras manifestações artísticas. Vai haver cinema, artes plásticas e música.

“Haverá com certeza uma aposta forte num dos segmentos que é revelado aqui nesta pequena breve apresentação do festival: a banda desenhada, os comics”, explica Hélder Beja. “Pela primeira vez, o festival vai explorar esse campo e anunciará, nos próximos tempos, mais alguns convidados nessa área.” O nome revelado por ora é Philippe Graton.

O fotógrafo e escritor belga é filho de Jean Graton, criador da série de BD Michel Vaillant, da qual faz parte o icónico álbum “Rendez-vous à Macao”. Há quatro anos, Philippe Graton decidiu ressuscitar Michel Vaillant, retomar as aventuras deste piloto de automóveis inventado pelo pai e continuar a série. Vaillant celebra 60 anos em 2017 – na presença em Macau, Graton vai falar do seu trabalho e inaugurar uma exposição. Quem por lá passar vai poder ver as provas originais do álbum “Rendez-vous à Macao”, um trabalho de 1963.

O melhor dos primeiros

De Portugal chega Bruno Vieira do Amaral, um autor que é, para o director de programação do Rota das Letras, aquele que tem o melhor primeiro romance de todos os escritores que se estrearam na literatura portuguesa nos últimos sete ou oito anos.

“‘As Primeiras Coisas’ é um livro especial porque não é uma narrativa de grande fôlego, são curtas narrativas que, todas juntas, criam um todo. É como se fossem contos que fazem parte todos da mesma história. Passa-se na margem sul de Lisboa, de onde ele é natural. É um livro escrito de uma forma muito peculiar”, explica Hélder Beja.

Sobre Bruno Vieira do Amaral, o responsável pelas escolhas do Rota das Letras diz que “é um escritor imensamente bem-humorado na melhor tradição de alguns dos nossos melhores escritores, como Eça de Queirós, que sabem olhar para a realidade e subvertê-la de uma forma muito rara, com uma linguagem muito contemporânea e com histórias dos nossos dias”.

Todos os caminhos foram dar, de certa maneira, a Bruno Vieira do Amaral, um autor com as características que o Rota das Letras procurava. “Publicou este livro pela Quetzal com Francisco José Viegas, que já foi convidado do festival, também por isso não nos é de todo estranho. Trabalha há muitos anos na revista Ler, com Francisco José Viegas”, prossegue Hélder Beja.

Com o romance “As Primeiras Coisas”, o escritor de 38 anos venceu, no ano passado, o Prémio Literário José Saramago. A obra valeu-lhe também o Prémio Fernando Namora 2013 e o Prémio PEN Narrativa do mesmo ano. “Recebeu tudo o que podia receber, ao ponto de ter deixado de trabalhar numa editora para se dedicar a tempo inteiro à escrita”, assinala o director de programação do festival de Macau.

Vieira do Amaral foi ainda uma das dez novas vozes da literatura europeia pela Literature Across Frontiers. “Curiosamente, é uma instituição cuja directora também já esteve em Macau, no ano passado. Todas estas ligações faziam sentido”, afirma. “Provavelmente até pode ser que tentemos trazer mais alguém que seja seleccionado para este programa das novas vozes da literatura europeia através da Literature Across Frontiers, com quem gostaríamos de continuar a trabalhar, já que o fizemos no ano passado para trazer um autor do País de Gales e um autor espanhol, e há a possibilidade de voltarmos a tentar fazer isso.”

Da Escócia e do passado

Ainda em relação a escritores, o Rota das Letras de 2017 vai contar com a presença do autor escocês Graeme Burnet, que chega ao festival através de uma parceria com a Universidade de Macau. Burnet foi um dos finalistas do Prémio Man Booker 2016, com o livro “His Bloody Project: Documents relating to the case of Roderick Macrae”. A obra, que conta a história de um jovem de 17 anos que comete um triplo homicídio, foi a mais vendida de entre todas as finalistas do Booker, nota a organização. Antes, com “The Disappearance of Adèle Bedeau”, o escritor venceu o Scottish Book Trust New Writer Award em 2013.

Hélder Beja adianta que, na componente literária do festival, o evento vai trazer a Macau escritores de países lusófonos e da China Continental, e cada vez mais autores internacionais. “É uma aposta clara, estamos também a trabalhar para tentar ter alguns autores do Sudeste Asiático. Tive oportunidade de ir agora à conferência em Cantão da Asia Pacific Writers & Translators, onde conheci muitos escritores também dessa região do mundo, porque trabalham muito não só com os escritores australianos e neozelandeses, mas também com escritores do Sudeste Asiático. Haverá novidades nesse campo e também será um novo passo do festival em relação ao passado”, explica.

“Depois, teremos autores de língua espanhola, de língua inglesa, de língua francesa. Estamos agora a trabalhar muito arduamente para tentar fechar o programa o mais rapidamente. É sempre complexo, mas o conceito será semelhante.”

Em 2017 há ainda um regresso a Camilo Pessanha. “Provavelmente no início de Janeiro anunciaremos mais algumas novidades sobre o que pensamos fazer. Não será à escala do ano passado, porque entretanto não faria sentido, mas achamos importante voltar a assinalar e também porque houve coisas que quisemos fazer no ano passado e não pudemos, pessoas que quisemos trazer, pelo que vamos aproveitar e trazê-las agora”, conta Hélder Beja.

As outras telas

Quanto ao cinema, está já anunciada a participação da cineasta Clara Law. “Não será a única atracção ao nível do cinema no festival. Estamos também a trabalhar noutras direcções e algumas delas já bastante avançadas.”

“Nascida em Macau e radicada desde os anos 1990 na Austrália, Clara Law regressa ao território para mostrar algumas das suas obras. Autora de filmes como ‘Autumn Moon’, vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Cinema de Locarno em 1992; e de ‘Temptations of a Monk’ (1993), ‘Floating Life’ (1996) e ‘The Goddess of 1967’ (2000), igualmente aplaudidos e premiados no circuito internacional, Clara Law fez também uma incursão pelo documentário com ‘Letters To Ali’ (2004), história de um jovem refugiado afegão que procura asilo na Austrália”, resume a organização.

Quase 50 anos depois deixar Macau, Clara Law esteve recentemente no território a filmar parte do seu novo filme, “Drifting Petals”, parcialmente passado na cidade.

“Também teremos artes plásticas neste festival. Quanto aos concertos, a música continuará a fazer parte. Estamos também a tentar perceber em que moldes. No ano passado, não fizemos os concertos de grande dimensão no Venetian, mas fizemos concertos também com uma grande dimensão no Centro Cultural de Macau. Estamos agora a tentar tomar uma decisão até ao final do ano e perceber qual será a escala da presença musical no festival”, explica o director de programação.

O público que falta

Para Hélder Beja, o Rota das Letras deverá manter a dimensão que atingiu na última edição – “uma edição comemorativa, especial”, a dos cinco anos de existência. “Fizemos o festival crescer para os 15 dias e este ano não vamos sair daí. A escala será exactamente a mesma. Acho que o festival não precisa de crescer mais do que já cresceu”, defende.

Quanto ao público que se quer chamar para o evento, o responsável assume que, “claramente, é preciso continuar a apostar muito junto das comunidades locais chinesas”, mas também diz que “não é esse o público que falta captar”. “Já conseguimos esse público, mas queremos muito mais do que aquilo que já temos. Isso passa muito por fazer mais parcerias com entidades locais, por estar mais presente nos meios de comunicação de língua chinesa, o que não é nada fácil, mas é preciso continuar esse caminho.”

Hélder Beja assinala, no entanto, que há um segmento da população local que ainda tem uma participação tímida no festival: a comunidade anglófona. “Tivemos algumas pessoas no ano passado mas, para a escala que sabemos que a comunidade tem aqui, não foi relevante. Estamos a tentar perceber porquê: se é porque a informação não chega ou se é porque, de facto, é uma comunidade muito especial, porque sabemos que é muito ligada ao ramo da hotelaria, que poderá não ter, à partida, grande interesse por este tipo de actividade cultural. Mas não podemos ter esse preconceito, não queremos tê-lo e vamos fazer um esforço para tentar captar essa franja da sociedade de Macau”, vinca.

O Festival Literário de Macau voltará a ter por base o edifício do Antigo Tribunal.

9 Dez 2016

Pernas curtas

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão é a primeira vez que escrevo sobre o assunto, mas aqui vai, de novo: prefiro a realidade, mesmo sabendo que, muitas vezes, cheira mal e de imediato faz pior, do que a suave mentira, feita de delicadas penas mas com pernas demasiado curtas para chegar, sequer, às Portas do Cerco. A realidade é chata, incomoda, mas é ela que nos dá chão; a mentira, agradável ao toque, é sinónimo de queda, de doloroso trambolhão. A culpa é das pernas curtas.

Num mundo ideal, não nos andávamos aí a enganar uns aos outros. Dizíamos as coisas e pronto: porque seria esse o ponto de partida da nossa educação, ninguém ficaria particularmente chocado com a verdade. Mas crescemos todos com aquela mania de que temos de ser jeitosinhos, mansinhos, queridinhos. A menina não diga isso, a menina não faça aquilo. A menina esteja aí quietinha nesse cantinho, não chateie, não fale, não respire.

Esta coisa da estúpida verdade e da amorosa mentira não é, sequer, uma questão cultural. Há coisas em que somos todos inacreditavelmente parecidos. É um problema mais ou menos universal que encontra tradução plena na política: aquele momento em que nós, gente, nos vemos com todo o poder para mentir.

Raimundo do Rosário voltou a Macau e não embarcou na retórica do costume: começou por explicar que não é político, apesar de ter assumido um cargo político. Avisou que fica por um mandato, que é mais ou menos a mesma coisa que dizer que não está para isto e que não está interessado em mais. Ao longo destes dois anos de mandato, tem dito várias vezes que não faz milagres, que há problemas, que não se resolvem os pecados por actos e omissões do passado de um dia para o outro, e que lhe falta gente para trabalhar. O secretário para os Transportes e Obras Públicas não é homem de figuras de estilo: diz e está dito.

Esta semana explicou, na Assembleia Legislativa, que não é Deus. A afirmação isolada do contexto seria, no mínimo, estranha. Sucede que os seus interlocutores são estranhos. Ao contrário de Raimundo do Rosário, gostam de metáforas e de dizeres populares na retórica política. Mesmo os mais agrestes são macios, levezinhos, preferem a piedosa mentira à verdade que faz cócegas.

Como não sabem lidar com o discurso directo, como não encaixam as respostas de quem não lhes promete um vamos-ver, vamos-fazer-um-estudo, vamos-analisar-a-sua-sugestão-senhor-deputado, tolhem-se. Mas o recolhimento não é silencioso nem reflexivo: é altamente dotado de imaginação.

O metro, essa ficção científica que Raimundo do Rosário herdou: depois da sugestão da substituição do sistema de metro ligeiro na península por um monocarril, todas as ideias são possíveis. Com um jeitinho e não muita imaginação, alguém irá propor carruagens decoradas com a Hello Kitty e um percurso especial até ao Canídromo, com um espectáculo assegurado por animais amestrados a bordo. Todas as sugestões são possíveis e toda a gente quer inventar alternativas, soluções mágicas para uma questão que só o tempo pode resolver.

O metro, esse ovo de Colombo à la Macau: vivi no Porto na altura em que estava a ser feito o metro da cidade. O Porto é uma cidade muito muito antiga, muito muito acidentada, com ruas estreitas e outras menos estreitas, com pessoas que concordam com certas coisas e com pessoas que concordam com outras e com pessoas que não concordam com coisa alguma. O Porto decidiu fazer um metro, as obras não foram fáceis, eu passava horas dentro de um carro para fazer um percurso que, antes do início do projecto, me dava dez minutos ao volante. Saí do Porto farta de obras de um metro em que não cheguei a andar enquanto lá vivi e, poucos meses depois, estava a ouvir um governante a falar do metro que queria fazer em Macau.

Catorze anos depois e ainda sem metro, há quem ache que pode inventar uma linha melhor, fazer um metro mais giro, descobrir a solução para todos os problemas. São os políticos das almofadas, que nos querem felizes e a andar ternamente ao engano. Depois, há um secretário que diz que não sabe, não promete e não é Deus. Para que não haja ilusões. A realidade é desagradável mas as mentiras, essas, são mesmo chatas e cheiram muito, mas muito pior.

9 Dez 2016

Ho Chio Meng | Tribunal recusa requerimento do ex-procurador

O presidente do Tribunal de Última Instância vai fazer parte do colectivo responsável por julgar Ho Chio Meng. O arguido tinha alegado que Sam Hou Fai estava impedido por ter participado noutras fases do processo. A justiça não lhe deu razão

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma derrota para a defesa de Ho Chio Meng, ainda antes de o julgamento ter início. Na passada sexta-feira, o antigo procurador da RAEM apresentou um requerimento junto do Tribunal de Última Instância (TUI) em que pedia para que o presidente deste tribunal, Sam Hou Fai, não fizesse parte do colectivo que vai julgá-lo.

O arguido fundamentava a pretensão com o facto de o presidente do TUI ter participado em duas fases processuais distintas. Na fase de inquérito, Sam Hou Fai autorizou o pedido do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) sobre o acesso às declarações de rendimentos de interesses patrimoniais depositadas na secretaria do TUI pertencentes a Ho Chio Meng e à sua mulher. Depois, Sam Hou Fai presidiu à audiência de julgamento sobre o pedido de ‘habeas corpus’ apresentado pelo ex-procurador.

O requerimento apresentado por Ho Chio Meng fez com que o julgamento, agendado para a passada segunda-feira, tivesse sido adiado. Ontem, o tribunal colectivo do TUI tomou uma decisão: o arguido não tem razão, pelo que Sam Hou Fai vai integrar o colectivo de juízes responsável pelo julgamento mais mediático depois do caso Ao Man Long.

Pequena jurisdição

Em comunicado à imprensa, o TUI recorda que a lei estabelece “mecanismos de impedimentos, escusas e recusas para os casos em que se verifica, entre o juiz e o processo concreto que cabe a este julgar, determinada relação especial passível de afectar o julgamento justo”. O tribunal explica ainda que há que determinar “não se o juiz se encontra realmente impedido de se comportar com imparcialidade, mas se existe perigo de a sua intervenção ser encarada com desconfiança e suspeita pela comunidade”.

“Para considerar verificadas as situações de suspeita, é necessário existir motivos sérios e graves, adequados a suscitar a desconfiança da imparcialidade do juiz”, acrescenta-se.

O TUI explica que, no requerimento, Ho Chio Meng alegou que “o juiz visado se pronunciou por duas vezes sobre a sua conduta, considerando que se indicia fortemente/suficientemente a prática pelo arguido dos crimes”. Para o TUI, esta argumentação não é motivo para impedir a participação de Sam Hou Fai: “A pronúncia sobre a existência de fortes indícios sobre a prática do crime nunca é considerada pelo legislador como motivo de impedimento do juiz”.

O tribunal entende ainda que “numa jurisdição como a RAEM, com uma pequena população e um reduzido número de juízes, sempre seria de elementar bom senso não fazer uma interpretação demasiadamente extensiva das normas sobre impedimento de juízes, sob pena de, em muitas situações, não haver juízes que possam julgar os casos”.

O TUI informou, entretanto, que a audiência do processo está marcada para esta sexta-feira. O antigo responsável pelo Ministério Público (MP) vai acusado de mais de 1500 crimes, de peculato a abuso de poder, passando por burla, participação económica em negócio e crime de associação criminosa.

Pelo que foi divulgado aquando da detenção, a investigação em torno do ex-procurador e dos restantes arguidos foi desencadeada no ano passado, depois de o CCAC ter recebido uma denúncia. Além do ex-procurador, o caso envolve duas antigas chefias do MP, o ex-chefe do gabinete do procurador e um assessor, vários empresários locais e dois familiares de Ho Chio Meng.

Em causa está a adjudicação de quase duas mil obras nas instalações do MP, sempre às mesmas empresas. Os crimes terão ocorrido entre 2004 e 2014, e as empresas envolvidas terão recebido um valor superior a 167 milhões de patacas. O CCAC acredita que, deste valor, 44 milhões terão sido encaixados pelos arguidos.

7 Dez 2016