Eleições em Hong Kong | Quatro fora, dois

A vida política em Hong Kong tem estado animada por estes dias. Em pouco mais de um mês, C.Y. Leung perdeu dois elementos do Governo que se demitiram para poderem oficializar a candidatura a Chefe do Executivo. Carrie Lam ou John Tsang? É difícil arriscar previsões. Regina Ip e Woo Kwok-hing parecem ser cartas fora do baralho

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro nome apareceu ainda em Outubro: Woo Kwok-hing é um magistrado de 71 anos, independente, um homem que aparece sem que ninguém esteja à espera e que, ao que tudo aponta, terá grandes dificuldades numa corrida em que os pesos pesados contam muito.

Depois, em meados de Dezembro, chegou Regina Ip, uma veterana da política de Hong Kong que, aos 66 anos, é deputada ao Conselho Legislativo. Revelou a intenção de se candidatar três dias depois de John Tsang ter apresentado a demissão do cargo de secretário para as Finanças.

A seguir veio Carrie Lam, a número dois do Chefe do Executivo. A agora antiga secretária-chefe recebeu esta semana luz verde de Pequim para se candidatar, no mesmo dia em que o Governo Central desimpediu o caminho a John Tsang.

Um não alinhado, três candidatos pró-Pequim. O politólogo Edmund Cheng, professor da Universidade Baptista de Hong Kong, não acredita na possibilidade de um independente convencer o eleitorado – em número reduzido, como se sabe – da antiga colónia britânica. A política na Ásia não conhece fenómenos como no Ocidente em que, cansados do sistema, os eleitores tendem a votar em figuras que surgem descontextualizadas do ponto de vista partidário.

Também Regina Ip, uma das fundadoras do New People’s Party, antiga secretária para a Segurança, não terá grandes hipóteses, agora que a ala pró-Pequim tem outros dois nomes, aparentemente mais fortes. Ip foi a primeira mulher a ter a pasta da Segurança e não se deu bem com as funções que desempenhou: foi durante o seu consulado que Hong Kong tentou avançar com a legislação prevista no Artigo 23.o da Lei Básica, uma ideia fortemente contestada pela população. Acabou por pedir a demissão, tendo sido o primeiro membro a cair do Governo de Tung Chee-wa, Chefe do Executivo entre 1997 e 2005. “Regina Ip é considerada um plano B, não tem uma grande rede de apoio social, sobretudo se compararmos com Carrie Lam”, explica Edmund Cheng.

A deputada sabe que a entrada da ex-secretária-chefe na corrida não lhe facilita a vida. E, segundo disse esta semana, as aspirações de Carrie Lam já lhe custaram alguns apoios no seio da comissão eleitoral. Mas, ainda assim, a mulher que diz que Pequim quer vê-la como candidata não está disposta a desistir. “Não me importo. Não estou preocupada, uma vez que isso [a mudança do sentido de voto] é normal. Só espero que as eleições sejam justas e transparentes”, declarou, citada pela imprensa de Hong Kong.

Uma mulher de acção

Dois (possivelmente) de fora, sobram outros dois. Mas pode haver mais um. “É provável que Long Hair também se candidate”, aponta o analista Eric Sautedé sobre este milagre da multiplicação de políticos interessados em serem líderes do Governo. Long Hair, de seu nome Leung Kwok-hung, membro do Conselho Legislativo, é um político e activista bem conhecido pelas suas acções intempestivas, que dificilmente cairá nas graças da comissão eleitoral.

A grande discussão estará centrada em torno de Carrie Lam e John Tsang, duas personagens políticas com passados diferentes e posturas distintas, apesar de terem integrado o mesmo elenco governativo.

“É difícil fazer previsões, especialmente porque demitiu-se há poucos dias e a demissão foi agora aprovada. Ainda não tem um programa”, diz Sautedé acerca da ex-secretária-chefe.

Lam conta com aspectos que pesam a seu favor e outros que nem por isso. “Começa [a corrida] no meio de uma controvérsia sobre o Museu do Palácio Nacional no Western Kowloon Cultural District”, explica o analista. “Há muitas pessoas que a comparam a C.Y. Leung, dizendo que é ‘voluntariosa’: é muito persistente e está muito mais do lado de quem decide do que de quem consulta”, continua.

Ainda assim, assinala Eric Sautedé, Carrie Lam tem um perfil muito diferente do actual líder do Governo. “O actual Chefe do Executivo era um empresário e ela é funcionária pública desde 1980. Ela é mais virada para a comunicação do que ele.” O politólogo recorda que o último funcionário público a chegar ao cargo político de topo em Hong Kong foi Donald Tsang, que está a ser julgado neste momento, acusado de corrupção. “Esse vai ser o cenário de toda a campanha”, antevê o analista.

A candidata teve um papel especial num dos momentos mais complicados da história política e social do pós-handover: o movimento Occupy. Eric Sautedé recorda que, em Outubro de 2014, foi a mais alta representante do Governo no debate com os estudantes organizado pela rádio pública. Lam ainda ensaiou uma hipótese de mediação entre os jovens e Pequim. “Claramente, o Executivo teve uma postura defensiva durante esse debate e esta foi a melhor tentativa de negociação”, sublinha.

O silencioso

À hora a que este texto estava a ser escrito, a RTHK dizia que para amanhã, quinta-feira, está prevista uma conferência de imprensa de John Tsang para anunciar a candidatura – o ex-secretário pediu demissão há mais de um mês mas ainda não disse, com todas as letras, que quer ocupar o lugar que C.Y. Leung vai deixar vago. O silêncio tem dado pano para mangas: há quem especule que o nome não cai bem junto de Pequim.

Edmund Cheng, o professor da Universidade Baptista, não alinha no jogo da tentativa de adivinhação do pensamento do Governo Central. Tal como Carrie Lam, John Tsang está dentro do sistema, “mas a forma como lidam com a polarização é muito diferente”, vinca. “Carrie Lam é mais populista, no sentido em que é capaz de oferecer algo para resolver um problema e faz um discurso que chega às classes mais baixas.”

O politólogo, que olha com apreensão para a divisão profunda em que se encontra a sociedade de Hong Kong, admite não saber até que ponto este cenário terá um peso substancial nas opções do Norte. “Se a polarização for uma preocupação de Pequim, se estiver a agir no sentido de resolver esta divisão, John Tsang vai estar numa melhor posição, porque tem vontade de agir nesse sentido”, afirma. “Mas se as preocupações de Pequim forem os acontecimentos recentes protagonizados pelo movimento pró-independência, então os cálculos têm de ser outros”, diz, salientando que o Governo Central tem grandes preocupações em torno das questões ligadas à segurança nacional e à soberania.

“Não sabemos qual é a prioridade de Pequim neste momento”, reitera Edmund Cheng. “Mas Pequim é mais pragmático do que a maioria das pessoas parece acreditar”, destaca. “Na sequência do movimento Occupy, temos visto uma abordagem mais prática do que alguma vez poderíamos ter imaginado.”

Numa análise mais local, Eric Sautedé acrescenta que a sensação que existe em relação a John Tsang é a de que “não é a escolha de Pequim”. “Está mais mais ligado ao sector empresarial, mas foi criticado, no passado, por ser muito fraco a projectar excedentes orçamentais”, lembra. “Nem todos os banqueiros parecem confiar nas suas capacidades.”

Meses de tensão

Eric Sautedé considera interessantes as movimentações em torno das eleições. “Elsie Leung disse que quatro candidatos já são de mais, mas acredito que é do interesse de Pequim deixar o máximo de candidatos possível, mesmo que no fim o objectivo seja conseguir mais de 600 votos, ou mais de 689 votos (o número obtido por C.Y. Leung em 2012)”, defende. “Provavelmente os pró-democratas ainda estão a pensar em qual será a melhor estratégia em relação aos dois candidatos pró-Pequim”, diz também, recordando que estão em franca minoria no seio dos mais de 1200 membros da comissão eleitoral.

A viver em Hong Kong, o académico – residente de Macau durante vários anos – conta que, neste momento, “os ânimos estão sossegados”, mas diz também que “existe muita revolta em surdina”. “As eleições vão ser tensas e várias novas questões vão ser abordadas durante a campanha, muitas delas relativas aos desafios socioeconómicos, sobretudo no que toca às formas de combate das desigualdades, os direitos sobre as terras e o desenvolvimento sustentável”, enuncia.

Sobre a necessidade de Hong Kong ter um líder carismático e com grande capacidade de execução – há analistas que entendem que o problema de Hong Kong é não ter tido ainda um Chefe do Executivo com estas características –, Edmund Cheng constata que, nos dias que correm, “o apoio popular pode perder-se em apenas três meses”.

O politólogo faz uma comparação com Macau para explicar qual é o grande drama político da antiga colónia britânica. “Em Macau, a elite aparece como estando unida e o campo pró-democrata é muito fraco. C.Y. Leung é pró-activo, mas não foi capaz de unir o campo pró-Pequim e esse é que foi o grande problema.” Também Pequim entende como problemática esta incapacidade de mobilização das elites do sistema.

“A divisão social é muito complexa. Precisamos de um líder muito forte”, indica o docente da Universidade Baptista. Carrie Lam ou John Tsang? “Ambos parecem ter mais experiência do que os chefes do Executivo que tivemos até agora.”

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